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qualquer parte dele não pode ser reproduzido ou
usado de forma alguma sem autorização
expressa, por escrito, do autor, exceto pelo uso
de citações breves em uma resenha.

Autora: Liliane Reis


Capa: Liliane Reis
Diagramação: Liliane Reis

Esta é uma publicação independente


Para meu pai,
Você foi uma grande inspiração para mim.
Capítulo 1
Peguei meu celular enquanto eu andava pelo beco escuro e
toquei na tela, iluminando meu rosto.
A volta da faculdade era um horror para mim. Eu sempre
passava sozinha por aquele lugar tarde da noite para cortar caminho
e chegar mais rápido em casa. Hilionópoles era uma cidade
perigosa, assim como a maioria das grandes metrópoles, e era
melhor eu apertar o passo.
Enquanto eu caminhava apressadamente pelo beco estreito,
ouvi alguns passos atrás de mim. Não bastasse a minha respiração
audível, eu também tinha a sensação de que meu coração estava
prestes a sair pela boca.
Tentei manter a calma e aumentei meus passos. A vontade de
olhar para trás era grande, mas eu não iria fazer isso.
— Parada aí.
Um sujeito se infiltrou na minha frente, obrigando-me a parar.
Minhas pernas começaram a ficar bambas.
— ... O que você quer? — perguntei, deixando meu celular
entre ele e eu como se fosse um escudo.
O sujeito abriu um sorriso maligno e nojento, se aproximou
ainda mais de mim e em um gesto rápido, ele me empurrou com
brutalidade contra a parede.
— Por favor...
— Cala a boca! — Ele grudou os dedos no meu pescoço, e
ergueu o punho, prestes a me nocautear, e eu fechei os olhos
automaticamente.
Naquele exato momento, eu ouvi um estalo de um soco, e meu
pescoço ficou livre da mão do sujeito, e eu abri os olhos de
imediato.
Não acreditei no que eu estava vendo.
Um rapaz de boné estava acertando socos no rosto do sujeito,
fazendo ele gemer de dor.
Foi aí que eu nem pensei duas vezes.
Apenas saí correndo dali o mais rápido possível. A minha vida
dependia disso.
— Ei! Espera!
Continuei correndo sem olhar para trás. Meu instinto de
sobrevivência dizia para eu continuar correndo e eu não ia parar.
Quando deixei o beco para trás, ousei olhar para trás e me
assustei com o rapaz correndo atrás de mim. Voltei a encarar a rua
à minha frente, mas ele esbarrou por trás e eu caí de quatro no meio
do asfalto.
— Ei. — O rapaz apareceu no meu campo de visão. — Você
está bem?
Eu o olhei, amedrontada, e preparada para ficar de pé, e correr
para longe dele, quando ele se apressou em dizer:
— Calma, eu não vou fazer nada com você. — Ele ergueu as
mãos, ofegante. Foi aí que eu percebi meu celular em sua mão. Eu
devia tê-lo deixado cair quando aquele sujeito me atacou. — Só
quero saber se você está bem.
Eu continuei o olhando e engoli em seco. Logo, respondi:
— Sim...
Ele ficou de pé e me ofereceu a mão. Eu aceitei sua ajuda para
ficar de pé e ele estendeu meu celular na minha direção.
Eu peguei o aparelho.
— Você tem que parar de andar por aqui a essa hora. É
perigoso.
Eu assenti, fitando seu rosto na pouca iluminação vinda dos
postes da rua.
Ele também fixou seu olhar em mim, fazendo eu me sentir
avaliada.
— Vamos. Eu te acompanho.
Eu hesitei. Ele era um estranho e queria me acompanhar?
— Não, obrigada. Eu... — Respirei fundo, pensando em uma
resposta convincente.
— Eu não vou fazer nada com você. — Ele manteve o olhar no
meu rosto. — Pode confiar em mim.
Eu pensei por alguns instantes. Se ele realmente fosse um
sujeito mau nem teria me salvado, não é?
— Ok. — Concordei, receosa.
Começamos a caminhar em silêncio total. Ele não disse uma
única palavra e eu também não me atrevi a dizer nada. Afinal, eu
nem o conhecia. Ao chegarmos perto da rua da minha casa, eu
avisei:
— Pode me deixar aqui mesmo. Já estou perto de casa.
Ele assentiu e parou de andar, enfiando as mãos nos bolsos.
— Se cuida — disse.
Eu fiz que sim com a cabeça e agradeci:
— Obrigada.
Eu lhe dei as costas e segui rapidamente pela calçada, virando
a esquina da rua. Em seguida, dei uma olhada para trás.
O rapaz já tinha sumido de vista.
Olhei para frente e praticamente corri até chegar em frente ao
sobrado amarelo. Rapidamente abri o portão, temendo que
aparecesse mais um criminoso para me atacar e finalmente adentrei
a sala da minha casa, respirando aliviada.
— Thaissa?
Olhei na direção da escada. Minha mãe estava nos primeiros
degraus olhando para mim.
— Oi, mãe. — Comecei a me aproximar dela.
— Como foi a aula? — Ela me deu um abraço rápido. — Por
que você está com essa cara assustada? Está tudo bem?
— Claro, está tudo bem — respondi, assentindo. — A aula foi
ótima. Vou para o quarto. — Dei um beijo na sua bochecha. — Boa
noite.
Passei por ela e subi até o meu quarto, fechando a porta atrás
de mim.
Eu não ia contar para a minha mãe o que passei naquela noite.
Ela ficaria preocupadíssima, e poderia até me proibir de sair à noite,
e eu não queria que isso acontecesse.
Assim que eu vesti meu pijama, me joguei na cama e olhei na
direção da janela fechada do quarto escuro. Eu não conseguia parar
de pensar no que tinha acontecido. Eu tive muita sorte. Se aquele
rapaz não tivesse aparecido, eu poderia estar violentada e morta
neste exato momento.
Um arrepio percorreu meus braços só de pensar nisso e eu
subi o cobertor na altura do queixo, tentando afastar esse
pensamento trágico.
Capítulo 2
No dia seguinte, eu fui na casa de Anne, minha melhor amiga.
Eu contei para ela a situação trágica que enfrentei na noite
passada e os olhos dela se arregalaram quando terminei de falar.
— Meu Deus, eu estou chocada. — Anne levou a mão ao peito.
— Você tem que parar de andar naqueles becos, Thay. Não quero
nem pensar o que poderia ter acontecido com você.
— Eu não imaginava que isso fosse acontecer. Aquele é o
caminho mais rápido e eu só queria chegar logo em casa.
— Você precisa tomar mais cuidado. Você teve sorte daquele
cara ter aparecido bem na hora.
— É, eu sei — falei, pensativa.
Anne pegou um biscoito no pratinho em cima de sua cama,
colocou na boca e olhou para mim.
— Por favor... — Ela terminou de mastigar o biscoito. —
Promete para mim que você nunca mais vai andar por ali. Promete
porque eu não quero ver a minha melhor amiga aparecer morta em
um noticiário.
Um arrepio percorreu a minha espinha com o que ela disse.
— Ai, que horror, Anne. — Peguei um dos biscoitos em cima do
pratinho. — Como você é trágica.
— Promete — ela insistiu.
— Eu prometo. — E mordi um pedaço do biscoito, tentando
dissipar o clima meio pesado que tinha se instalado dentro do
quarto.
— Ótimo. — Ela me abraçou apertado. — Assim eu fico mais
tranquila.
Quando eu saí da casa de Anne, resolvi caminhar por uma rua
mais movimentada. O céu de Hilionópoles estava parcialmente
nublado e a tarde estava abafada. Eu arregacei as mangas
compridas da minha blusa e enquanto eu me aproximava do farol,
um indivíduo caminhando do outro lado da rua chamou a minha
atenção.
Ele era alto, forte e usava boné. Naquele momento, o indivíduo
olhou na direção do farol e imagem do rapaz que tinha me salvado
daquele criminoso no beco surgiu na minha mente.
Era ele.
Sem pensar duas vezes, eu comecei a atravessar a rua e me
assustei quando a buzina de um carro me fez olhar para trás. O
motorista do veículo colocou a cabeça para fora da janela e gritou:
— Presta atenção, garota!
Eu respirei fundo e antes que eu pudesse pensar melhor sobre
o meu comportamento impulsivo, percebi que o rapaz de boné já
estava virando a esquina.
— Ei! — eu o chamei e comecei a correr atrás dele. — Espera!
O rapaz pareceu não me ouvir, pois ele continuou andando
pela calçada sem sequer olhar para trás.
— Ei! — Finalmente eu consegui alcançá-lo. O rapaz olhou
para mim, a aba do boné fazendo sombra em seus olhos. — Oi. —
Eu esbocei um sorriso. — Por acaso, você lembra de mim?
— Lembro — ele respondeu. — Você quase foi atropelada
agora e então, vai ser meio difícil esquecer o seu rosto.
— Ah, você me viu? Por que não me esperou quando eu te
chamei?
— Porque eu não deveria estar falando com você.
— Mas eu só vim dar um oi...
— Não me leve à mal, mas eu não estou a fim de ser
simpático. — Ele olhou para mim. — Isso não tem nada a ver com
você.
Eu o olhei sem entender nada. Certamente a atitude dele não
foi nem um pouco coerente com a da noite passada.
— Tudo bem... — falei, tentando esconder a minha decepção
com a sua falta de educação. — Desculpa.
Eu me virei e saí de perto dele, andando rapidamente no
sentido oposto.
Que cara mais grosso. Deve ser por isso que as pessoas
insistiam em dizer que as aparências enganam. Um dia a pessoa
parece ser legal, mas no outro, mostrava ser o contrário.
***

Eu fui para a faculdade naquela noite. Há pouco mais de um


mês, eu consegui uma bolsa de estudos no curso de Publicidade e
Propaganda na Universidade de São Hobbes, uma das melhores
universidades da cidade e eu estava realizada por ter conseguido
passar para o curso que eu sempre sonhei em fazer.
Anne estava falando mal de Arthur, o seu ex-namorado,
enquanto aproveitávamos o intervalo. Ela estava cursando Ciências
Contábeis e optou por esse curso logo depois de terminar o seu
relacionamento.
— Aquele garoto está na minha sala — disse Anne, mudando
de assunto e olhando na direção de uma mesa à nossa frente. —
Ele é novo. Chegou hoje.
Eu segui o seu olhar e quase engasguei com o suco que eu
estava bebendo.
Era o rapaz que tinha me salvado ontem. O mesmo que eu
tinha encontrado hoje à tarde. Ele estava sentado em uma mesa
ocupada por dois caras e duas garotas, digitando alguma em seu
celular.
— Quem? — perguntei com o coração batendo forte. — Aquele
ali?
— É. O nome dele é Mateus. — Ela sorriu, olhando para ele
com interesse. — Ele não é um gato?
— Não pode ser — falei em um sussurro.
— O que foi? — Anne me perguntou, curiosa.
Eu não tinha contado para Anne que, por ironia do destino, eu
havia encontrado o tal de Mateus na rua hoje à tarde, justamente
para eu não me lembrar da vergonha que ele me fez sentir.
— Foi ele que me salvou aquele dia — respondi e desviei os
olhos dele.
— Não... — Anne disse, parecendo incrédula.
— É sério. Foi ele.
Ela sorriu e disse, empolgada:
— Amiga, vai lá falar com ele. Está esperando o quê?
Eu a fitei com uma sobrancelha erguida. Depois do jeito que
ele me tratou? De jeito nenhum.
— Eu não vou falar com ninguém — disparei.
— Por que não?
— Porque eu encontrei ele hoje à tarde e ele foi um grosso —
respondi, sem rodeios. — Então não, eu não vou falar com ele.
— Ele poderia estar em um dia ruim.
— Isso não justifica a atitude dele. Todo mundo tem dias ruins,
mas isso não significa que você tem que sair por aí descontando
sua raiva nos outros.
Anne pareceu pensativa com o que eu disse e esboçou um
meio sorriso, voltando a olhar na direção de Mateus.
— Eu nem pensaria duas vezes em dar uma segunda chance
para ele.
Capítulo 3
Na noite seguinte, eu entrei no banheiro antes da aula
começar. Eu estava com enxaqueca desde a tarde de hoje, logo
depois de ler um texto de trinta páginas através da tela do
computador e por isso, decidi jogar um pouco de água no rosto, na
tentativa de aliviar a dor de cabeça. Ao sair de lá, comecei a
caminhar pelo largo corredor e me deparei com Mateus, seguindo
no sentido contrário.
Ele me encarou por alguns segundos e quando eu achei que
ele fosse passar direto por mim, um sorriso debochado se abriu em
seu rosto.
Eu poderia muito bem ignorar essa atitude dele, mas eu não
consegui ficar de boca fechada:
— Qual o seu problema?
Mateus parou de caminhar e olhou para mim com certa curio
— O meu problema?
— É! Primeiro você se comportou como um bruto, depois você
apareceu do nada nessa faculdade e agora me olha com essa cara
de deboche!
O sorriso de Mateus se alargou e só de imaginar que ele
estava se divertindo com o que eu disse, eu comecei a sentir os
primeiros sinais de irritação surgindo dentro de mim.
— Foi mal se você está se sentindo intimidada, mas essa é a
única cara que eu tenho. E sobre eu ter aparecido do nada, fique
sabendo que eu fiz a matricula há mais de um mês e o motivo de eu
não ter comparecido antes não é da sua conta.
Eu balancei a cabeça negativamente.
— Por que você é tão ignorante?
— Não sou ignorante, sou sincero.
— Isso é falta de educação disfarçada de sinceridade — soltei.
— É melhor eu sair de perto de você antes que a minha dor de
cabeça piore.
Eu passei por ele e parei na frente dos elevadores, apertando
um dos botões várias vezes seguidas.
— Uma vez é o suficiente — a voz de Mateus surgiu ao meu
lado e eu me segurei para não olhar na cara dele. — Você só vai
fazer o elevador demorar mais para chegar se apertar o botão várias
vezes.
— Eu não te perguntei nada.
— Depois eu que sou o ignorante.
Eu soltei um suspiro e me obriguei a elevar o rosto para
encará-lo. Sua expressão estava plena e o sorriso debochado tinha
desaparecido.
— O que você quer? — perguntei. — Eu pensei que você
quisesse distância de mim.
— Eu não estou te acompanhando. Só vou dar uma passada
na lanchonete.
— Ah, ótimo — resmunguei e comecei a prestar atenção no
painel acima do elevador. Ainda restavam dez andares para chegar
no primeiro andar.
Aproximadamente três minutos depois, as portas duplas do
elevador se abriram e quando eu estava prestes a entrar na cabine,
a voz da minha amiga preencheu meus ouvidos:
— Thaissa? Onde você vai?
Anne tinha saído do elevador que acabara de chegar e parou
na minha frente, parecendo entusiasmada.
— Eu ia... — Me interrompi, pensando no que responder. Na
verdade, eu ia para aula, mas como a enxaqueca continuava
causando dores agudas na minha cabeça, eu tinha quase certeza
de que meu cérebro não iria reter nenhuma informação que o
professor dissesse na aula. — Eu vou tomar alguma coisa. Estou
com dor de cabeça.
— Sério? Eu estou indo no barzinho aqui do lado. Quer ir?
— Eu passo. Álcool e enxaqueca não deve ser uma boa
combinação.
— Você que pensa. Com umas duas doses, essa dor de
cabeça vai embora rapidinho.
Quando eu abri a boca para negar o seu convite, a voz de
Mateus surgiu atrás de nós:
— Você vai entrar ou não?
Mateus estava segurando a porta dupla do elevador,
parecendo impaciente enquanto esperava eu entrar na cabine.
— Preciso ir, Anne. A gente se fala — falei e a deixei para trás.
— Ah... Tá bom.
Assim que eu pisei o pé dentro do elevador, me virei a tempo
de ver Mateus tocando em um dos botões e fechando as portas
duplas na cara de Anne.
— Agora você não pode dizer que eu sou mal-educado —
Mateus disse.
— Eu não te entendo... A cada minuto você age de um jeito
diferente.
— Você me fez refletir sobre o meu comportamento.
— E você mudou de ideia em um minuto?
— Em cinco minutos — Mateus me corrigiu e as portas do
elevador se abriram no quarto andar.
Ele saiu na frente e eu me apressei para sair atrás dele antes
que as portas do elevador se fechassem na minha cara.
Uma vez diante da lanchonete, Mateus seguiu na direção do
caixa para fazer o pedido e eu parei no meio do caminho. O lugar
estava cheio e só havia uma mesa com duas cadeiras
desocupadas. Respirei fundo e me forcei a caminhar na direção do
segundo caixa, parando atrás de uma garota com rabo-de-cavalo no
topo da cabeça.
Assim que eu pedi um suco de maracujá, caminhei
rapidamente na direção da mesa desocupada e sentei na cadeira,
levando o canudo aos lábios e sugando o líquido gelado. Eu só
esperava que isso aliviasse a minha dor de cabeça. Fechei os olhos
por alguns segundos, massageando as minhas têmporas com as
pontas dos dedos e quando os abri, quase botei o gole de suco para
fora.
Mateus estava sentado na minha frente, me observando.
— Que susto! — Levei a mão ao peito. — O que você está
fazendo aqui?
— Esse é o único lugar vago — ele respondeu, dando uma
mordida em uma coxinha. Assim que terminou de mastigar, ele
disse: — A minha presença está piorando a sua dor de cabeça?
— Aparentemente sim. — Voltei a atenção para o meu suco.
— Ótimo.
Eu o fitei e ele sorriu, exibindo seus dentes alinhados,
resultando em um sorriso muito bonito.
— Tô brincando — Mateus disse. — Na verdade, eu quero me
desculpar por ter tratado você daquele jeito. Eu não estava tendo
um bom dia.
Eu assenti, tentada a perguntar o motivo pelo qual ele não teve
um bom dia, mas decidi ficar na minha. Ele parecia ser uma pessoa
imprevisível e então, era melhor eu não me arriscar se eu não
quisesse me estressar.
— E então, Thaissa — ele começou — Qual curso você faz?
Eu o olhei, interessada.
— Como você sabe meu nome?
— Eu ouvi a sua amiga te chamando — ele respondeu
tranquilamente.
— Ah... — Eu limpei a garganta. — Então, eu estou no primeiro
período de Publicidade e Propaganda.
Mateus assentiu e de repente, pegou um guardanapo do meio
da mesa, tirou uma caneta azul do bolso e começou a escrever
alguma coisa no papel. Logo, ele deslizou o guardanapo na minha
direção. Um número de celular estava se destacando no papel frágil.
— Me liga pra gente conversar com mais calma. — Ele ficou de
pé. — Agora eu tenho uma aula pra assistir.
Eu olhei boquiaberta para Mateus enquanto ele se afastava da
minha mesa. Certamente ele tinha algum problema relacionado à
tomada de decisão, pois ele agia de formas diferentes em um
espaço curto de tempo.
Voltei a atenção para o seu número no guardanapo, dobrei o
papel duas vezes e o guardei no bolso da minha calça jeans,
tentando segurar o sorriso.
Capítulo 4
Acordei bem melhor na manhã seguinte. A dor de cabeça tinha
desaparecido e eu estava me sentindo renovada, pronta para
realizar minhas tarefas. Porém, ao longo do dia, eu não consegui
parar de pensar no que tinha acontecido ontem.
Assim que terminei a maioria das coisas que eu tinha para
fazer, olhei na direção do meu caderno em cima da escrivaninha.
Logo, peguei o caderno e o abri. O guardanapo estava dobrado
entre a capa e as folhas, me convidando para tomar uma atitude.
Passei as mãos no cabelo, olhei na direção da janela aberta do
meu quarto e sentei na beirada da cama, pegando o celular.
Segundos depois, eu deslizei o dedo na tela do aparelho e digitei o
número escrito no guardanapo.
A voz de Mateus surgiu no terceiro toque:
— Alô?
— Oi — falei com o coração batendo forte. — Sou eu, a
Thaissa.
— Oi. — Ele fez uma pequena pausa. — Eu não imaginei que
você fosse ligar tão rápido.
— Por quê? Você está ocupado?
— Não, relaxa. Você pode me encontrar no bar em frente a
facul hoje às dez?
Eu ri.
— Você pediu para eu te ligar para gente se encontrar em um
bar?
— Sim. Você tem um lugar melhor para conversar?
Eu pensei no que responder.
— Não...
— Então, no bar às dez?
Eu pensei mais um pouco.
— Mas o que você quer falar comigo mesmo?
— Se eu falar por telefone, você não vai precisar se encontrar
comigo.
Eu fiz uma pausa.
— Ok...
— Pode ficar tranquila. Eu não vou traficar você nem nada do
tipo. Estaremos em um lugar público.
— Tá bom. — Concordei. — Eu te vejo no bar.
— Fechado — dito isso, Mateus encerrou a ligação.
Eu larguei o celular em cima da cama e deitei sobre o colchão
macio, olhando para o teto. Senti um friozinho na barriga ao pensar
no tom de voz grave de Mateus.
O que eu estava fazendo com a minha vida ao marcar um
encontro com um cara que conheci há menos de uma semana?
Sorri com a minha atitude descabida e rolei na cama,
imaginando a roupa que eu iria usar naquela noite.

***

Assim que a última aula acabou, eu peguei a minha mochila e


segui na direção da saída. Durante o caminho, eu enviei uma
mensagem para Anne, dizendo para ela não me esperar porque eu
iria dar uma passada no bar. Não entrei em detalhes e muito menos
citei o no nome do seu colega de curso.
Assim que deixei o campus da Universidade de São Hobbes
para trás, atravessei a rua e avistei o bar logo à frente. Um remix de
música sertaneja e eletrônica estava tocando dentro do
estabelecimento enquanto alguns universitários se aglomeravam na
calçada do bar.
Eu fechei a jaqueta jeans quando uma lufada de vento me
atingiu, jogando o meu cabelo para trás. Agradeci mentalmente por
eu ter escolhido uma roupa mais quente para assistir a aula.
Assim que me aproximei do aglomerado de estudantes, o calor
humano me envolveu e eu descruzei os braços. Adentrei o bar e me
deparei com todas as mesas ocupadas. Tinha até algumas pessoas
sentadas em cima de algumas mesas bebericando suas bebidas.
Percorri os olhos pelo local, procurando por Mateus e não demorou
para eu avistá-lo em uma mesa próxima da mesa sinuca. Ele estava
jogando baralho com uma garota e mais dois rapazes.
Avancei na direção da mesa em que ele estava, me
esquivando de algumas pessoas paradas no meio do caminho e
parei ao lado dele.

Mateus nem sequer levantou seus olhos para mim, diferente de


seus dois colegas que me encararam, curiosos.
— Oi — falei, olhando para Mateus.
Só então ele pareceu notar a minha presença, erguendo o
olhar na minha direção.
— Oi. — Ele voltou a sua atenção para o jogo. — Espera um
pouco, por favor. Eu já estou terminando.
Eu o fitei, incrédula.
Logo, olhei para o lado, girei nos calcanhares e comecei a
andar pelo mesmo caminho que entrei. Eu estava sentindo meu
rosto queimando de vergonha. Quem ele achava que era?
Eu estava prestes a pisar o pé na calçada do bar quando um
indivíduo se enfiou na minha frente. Por pouco, eu não bati a cara
em um peitoral vestido com uma camiseta preta.
— Vamos — Mateus disse. — Eu só estava brincando. Cadê o
seu senso de humor?
— Parece que não funciona com você! — Cruzei os braços. —
Você só me fez passar vergonha! De novo.
— A maioria das pessoas estão bêbadas, Thaissa. Elas nem
lembram do seu rosto.
— Vai voltar para o seu jogo. — Tentei passar por ele, mas fui
impedida, pois Mateus infiltrou-se na minha frente novamente.
— Minha atenção é toda sua. — Ele esboçou um meio sorriso.
Eu soltei um suspiro. Logo, retornei para o fundo do bar e
escolhi um lugar vago no balcão de madeira. Mateus se sentou ao
meu lado no instante seguinte e virou seu rosto na minha direção.
— Quer uma cerveja? — perguntou.
— Pode ser.
Ele sinalizou para o barman e assim que pediu a bebida, voltou
a me olhar.
Comecei a ficar desconfortável com seus olhos castanhos me
avaliando.
— O que foi? — perguntei.
— Você é sempre assim?
— Assim como?
— Estressada.
Eu soltei uma risada sem humor.
— Olha só quem fala. Não fui eu que agi como uma babaca
agora a pouco.
O sorriso dele se alargou.
— Eu só queria provocar você. Não foi por mal.
De repente, o barman trouxe uma garrafa de cerveja com dois
copos e eu comecei a encher o meu copo, sentindo os olhos de
Mateus atentos ao que estava fazendo. Logo, levei a bebida aos
lábios e tomei um gole.
— Você devia tomar cuidado ao aceitar bebidas de estranhos.
Deixei meu copo em cima do balcão e me virei em sua direção.
— Você não é um estranho.
— Mas se eu quisesse me aproveitar de você, eu conseguiria
fácil, fácil.
Dessa vez, eu fiquei pensativa. Eu esperava que ele estivesse
brincando.
Mateus pegou seu copo, deu um longo gole na cerveja e só
então continuou:
— Pode ficar tranquila. Não tem nada na sua cerveja.
— Você está me assustando com esse papo.
— É só para você ficar mais atenta. Lugares como esse são
cheios de más intenções.
— Valeu pela dica. — Tomei coragem para beber mais um gole
da cerveja. — Você devia agir assim mais vezes.
— É mesmo? — Mateus perguntou, parecendo interessado.
Eu assenti.
— Você parecia ser tão legal aquele dia, mas depois agiu como
se fosse outra pessoa. Por acaso, você tem um irmão gêmeo?
Mateus deixou seu copo em cima do balcão e respondeu:
— Eu não tenho irmãos.
— Eu também não. Sou filha única.
Ele continuou me olhando, dessa vez de forma mais intensa.
— Por que você me olha tanto?
— Eu gosto de fazer contato visual.
— Você está me deixando meio... desconfortável.
— Relaxa. Você não está em uma entrevista de emprego. — E
então ele mudou de assunto: — Vamos jogar baralho?
Eu neguei com a cabeça.
— Eu não sei jogar — dito isso, bebi toda a cerveja do meu
copo. — E eu preciso ir para casa. — Fiquei de pé e chequei as
horas no meu celular. Já passavam das 22h30. — Está ficando
tarde.
Mateus pareceu levemente surpreso com a minha atitude.
— Você é uma péssima companheira de copo, sabia? — Ele
também ficou de pé. — Eu te vejo amanhã?
— Sim. — Eu abri um sorriso. — Caso a gente não se
encontre, você pode perguntar para Anne que com certeza, você vai
me achar.
— Beleza. — Ele cortou a pequena distância entre nós e
inclinou o rosto na direção do meu. Seu cheiro levemente
amadeirado invadiu minhas narinas e seus lábios quentes tocaram a
minha bochecha em um beijo rápido. — Vai com cuidado.
— Tá bom — respondi, esperando que ele não tivesse
escutado os batimentos frenéticos do meu coração.
Eu ajeitei minha mochila nas costas e me virei, seguindo na
direção da saída do bar, com um sorriso bobo no rosto enquanto
sentia o toque dos seus lábios queimando a minha bochecha.
Capítulo 5
Eu estava em mais um intervalo com Anne.
Procurei Mateus com o olhar e logo o avistei sentado numa
mesa no refeitório com os fones de ouvido. Provavelmente ele
estava concentrado na música que estava escutando, pois mal dava
atenção para seus amigos sentados ao seu lado.
— Você não vai me contar o que foi fazer no bar ontem? —
Anne perguntou. — E ainda por cima você nem me chamou.
— Foi mal, é que eu estava a fim de beber alguma coisa e...
— Ai, meu Deus — Anne me interrompeu, tocando no meu
braço. — Me espera aí. Eu já volto.
De repente, ela me deixou sozinha no meio do refeitório e
andou rapidamente até a mesa em que Mateus estava sentado. Os
braços da minha amiga abraçaram Mateus por trás e ela inclinou o
rosto na direção do dele, dando-lhe um selinho.
Eu estava chocada.
Desde quando Anne estava ficando com Mateus?
Me forcei a tirar os olhos dos dois e antes que Anne viesse ao
meu encontro, eu saí do refeitório em passos rápidos. Uma vez no
corredor, adentrei o banheiro feminino e me enfiei na primeira
cabine, batendo a porta ao fechá-la.
Eu estava sentindo meu rosto quente de raiva. Por que Anne
não me contou nada? Por quê?
Respirei fundo e tentei controlar a sensação lacerante que
estava crescendo dentro de mim.
Abaixei a tampa da privada e me sentei, cobrindo o rosto com
as mãos.
Que ódio. Como sou estúpida em acreditar que Mateus estava
a fim de mim.
Algumas lágrimas ameaçaram escapar, mas eu as segurei até
não poder mais, deixando-as escorrer pela minha bochecha.
Trouxa. Era isso o que o meu cérebro estava me dizendo.
Não sei quantos minutos se passaram, mas quando eu
consegui controlar parcialmente as minhas emoções, saí do
banheiro e fui direto para a sala de aula vazia.
Antes que meus colegas começassem a chegar, eu guardei
meu caderno dentro da mochila e saí porta afora. Cinco minutos
mais tarde, eu estava deixando a faculdade para trás.
Quando cheguei em casa, falei para a minha mãe que o
professor tinha terminado a aula mais cedo e me enfiei no meu
quarto, me sentindo livre para despejar a minha decepção em forma
de lágrimas no travesseiro.
Eu estava quase adormecendo quando o meu celular vibrou e
acendeu a tela, iluminando uma parte do quarto escuro.
Peguei o aparelho em cima da mesa de cabeceira e deslizei o
dedo na tela. Havia uma mensagem de Anne e outra de Mateus.
Senti vontade de desligar o celular e ignorar as mensagens, mas a
curiosidade era mais forte.
Decidi ler a mensagem de Anne primeiro:
Inspirei fundo e tentei reprimir a raiva antes de responder a sua
mensagem:

Assim que enviei a mensagem para Anne, chequei a


mensagem de Mateus. O cretino perguntou:

Desgraçado.
Desliguei a tela do celular sem me dar ao trabalho de
responder e afundei o rosto no travesseiro, esperando que eu
caísse logo no sono.
***

Na tarde seguinte, eu estava colocando meus trabalhos


acadêmicos em dia quando a campainha soou no andar de baixo.
Saí do quarto e desci os dois lances de escada, abrindo a porta
da sala.
Anne estava do outro lado do portão, me esperando atendê-la.
— Oi — eu disse assim que abri o portão para ela entrar. —
Você não disse que viria.
— E eu preciso avisar? — Ela me encarou, a expressão
levemente desconfiada. — Você está bem?
— Claro. — Desviei a atenção do rosto dela.
Uma vez dentro da sala, Anne se sentou no sofá e eu fiz o
mesmo, pegando o controle e ligando a TV em um programa
qualquer.
— O que está acontecendo, Thaissa? — Anne perguntou.
— O quê? — Olhei para ela. — Não está acontecendo nada.
— Eu te conheço — Ela se virou na minha direção para me ver
melhor. — Por que você saiu do nada ontem? Eu disse para você
me esperar.
— Eu te disse. Eu não estava me sentindo...
— Nem vem com esse papo — ela me interrompeu. — Eu sei
muito bem que você está mentindo.
— Anne, eu...
— É por causa do Mateus, não é?
Eu a fitei, chocada.
— Não! De onde você tirou isso?
— Você vai continuar mentindo para mim? Eu sei que você
está assim só porque eu estou ficando com o Mateus.
— Não é isso, Anne.
— É, sim! Caramba, Thaissa! Você não pode me ver feliz?! Eu
já tive tantos relacionamentos fracassados e eu só quero dar certo
com alguém!
— Legal! — falei, cruzando os braços para disfarçar o meu
nervosismo. — Vai em frente! Seja feliz com ele.
— Você está com ciúmes. — Anne ficou de pé. — Admite.
Eu soltei uma risada sem humor.
— Você só pode estar louca.
— Você está com ciúmes de mim. Você não quer que eu fique
com alguém só para você não se sentir sozinha.
Dessa vez, eu me levantei e a encarei de frente.
— Eu não estou nem aí. Pode ficar com aquele idiota do
Mateus. Eu não me importo! Eu já estou cansada de viver na sua
sombra, Anne. Para de achar que o mundo gira ao seu redor!
Anne continuou me olhando, a expressão perplexa.
— Eu não acredito que você disse isso. Eu te ajudei tanto e é
isso que eu escuto? Que você está vivendo na minha sombra?
— É isso mesmo. — Eu me afastei dela. — Você nem sabe
como eu me sinto. É sempre você que importa.
— Não vou ficar aqui ouvindo isso — Anne me deu as costas,
balançando seu cabelo castanho escuro pelo ar e seguiu na direção
da porta. — Você é uma ingrata!
Eu absorvi as suas últimas palavras e assim que ouvi Anne
fechando o portão, eu peguei o controle da televisão e o arremessei
contra o chão. As pilhas rolaram para o lado enquanto alguns restos
do controle deslizaram pelo piso de cerâmica.
Passei as mãos trêmulas pelo cabelo e respirei fundo, ouvindo
as batidas aceleradas do meu coração.
A partir daquele momento, eu não iria mais ser feita de trouxa.
Capítulo 6
Depois que tive aquela briga com Anne, eu não entrei em
contato com ela.
Haviam se passado 48 horas desde a nossa discussão, e como eu
tinha faltado na aula na tarde da briga, não vi o rosto de Anne, e
muito menos o de Mateus a partir do dia que eu descobri que os
dois estavam ficando juntos.
Enquanto eu procurava o livro que iríamos usar na aula,
Antônio, mais conhecido por Toni, meu colega de sala, estava me
fazendo companhia. Ele decidiu me acompanhar até a biblioteca
para me ajudar a procurar o livro e a cada vez que eu me distraía
com um título, ele lançava olhares furtivos na minha direção.
— Achei — Toni avisou.
Tirei os olhos de um livro de Anatomia colocado erroneamente
na seção de História da Arte e vi um livro de capa dura na mão de
Toni.
— Ótimo. — Me aproximei dele. — Agora só falta a gente tirar
xerox.
— Eu tiro para você. Aí eu aproveito e pego um café para nós
dois. — Ele esboçou um meio sorriso, exibindo covinhas na
bochecha. — Você me espera aqui?
Eu assenti.
— Tudo bem.
Assim que Toni passou pela porta, a bibliotecária deu uma bela
olhada nele. Eu segurei um sorriso e cruzei os braços, me
encostando na estante.
— Oi.
Olhei para trás e me deparei com Mateus me encarando. No
instante seguinte, eu me arrependi por não ter acompanhado Toni
até a gráfica.
— O que você quer? — perguntei, de má vontade.
Mateus se colocou na minha frente e também se encostou na
estante.
— Você não respondeu a minha mensagem aquele dia. Está
me ignorando?
Soltei um suspiro.
— Sim.
— E eu posso saber por quê?
Eu o fitei.
— Você está saindo com a Anne e eu não quero problemas.
Por isso, para de me procurar e de me mandar mensagens.
Eu saí de perto dele e quando deixei a biblioteca para trás, ouvi
Mateus me chamando:
— Espera, Thaissa.
Continuei caminhando em passos rápidos até ele se colocar na
minha frente mais uma vez, andando de costas.
— Eu não tenho nada com a Anne.
— Problema seu. — Apressei meus passos e me desviei dele.
Quando eu estava chegando perto da escada, dei cara com
Toni carregando dois copos de café.
— Thaissa? Onde você vai? — ele me perguntou.
— Vou jogar um pouco de água no rosto. Acho que não estou
muito bem. — Menti.
— Caramba.
Toni equilibrou os dois copos de café em uma só mão e
encostou a outra na minha testa. Naquele momento, Mateus se
aproximou e ficou com os olhos grudados na gente.
— Você não está com febre. Toma um pouco de café, quem
sabe você melhora. — Ele me ofereceu um dos copos de café.
— Tá bom — Peguei o copo com o líquido quente. — Vou no
banheiro.
— Eu te espero na biblioteca.
Eu assenti e deixei Toni e Mateus para trás. Quando comecei a
descer as escadas, ouvi passos atrás de mim e olhei para trás.
— Que parte do é melhor você não me procurar, você não
entendeu? — perguntei para Mateus.
— Então, você não está se sentindo bem? — Mateus começou
a caminhar ao meu lado.
— Não te interessa — retruquei.
— Aquele cara pode ter caído na sua mentira descarada, mas
eu não. Ele é o quê seu? Seu namoradinho, seu ficante, seu p...
— Cala a boca! — eu o interrompi. — Por que você não me
deixa em paz?!
— Eu só quero entender porque você está me evitando.
— Eu já disse — rosnei.
— Você não me convenceu.
Olhei para ele.
— Vai para merda, Mateus! — dito isso, eu o deixei para trás e
desci as escadas correndo.
Meus olhos começaram a se encher de lágrimas. Que droga!
Não sei porque eu me aproximei de Mateus. Eu devia ter
desconfiado que isso tudo ia virar uma grande merda.
Assim que eu cheguei no térreo, vi que estava chovendo.
Limpei minhas lágrimas nas costas das mãos e me aproximei de um
pequeno grupo de meninas perto da porta.
— Vocês aceitam um copo de café? — perguntei. — Está
intocado, eu não tomei nada.
Uma menina de cabelo dourado olhou para mim e respondeu:
— Ah, claro — Ela pegou o copo da minha mão. — Eu estava
mesmo querendo um café. Obrigada.
Eu forcei um sorriso e dei as costas para ela, passando pela
porta e recebendo as gotas geladas da chuva no meu rosto. Eu ia
para casa. Eu estava cansada de não conseguir controlar meus
sentimentos.
— Thaissa! Espera!
Olhei na direção da voz.
Mateus estava correndo na minha direção, todo ensopado pela
chuva.
— Por favor — ele disse assim que parou na minha frente. —
Eu preciso falar com você.
— Falar o quê? — perguntei, limpando as gotas de chuva que
escorriam pelo meu rosto.
— Você não precisa me evitar por causa da sua amiga. Isso
não tem sentido.
Eu desviei os olhos do seu rosto, me sentindo perdida.
— Eu só não quero confusão, Mateus — falei, sincera. — É
melhor a gente se afastar.
— A gente pode ser amigos — ele sugeriu.
— Você é sinônimo de confusão. É melhor eu ficar fora disso.
Agora eu preciso sair dessa chuva.
— Espera — Mateus pegou na minha mão antes que eu me
virasse. — Você é uma garota lega, Thaissa. Eu não quero me
afastar de você.
Olhei para o seu rosto. Seu cabelo escuro estava grudado na
testa e essa era a visão mais atraente que eu já tinha visto em toda
a minha vida. Relutante, eu soltei a minha mão da sua e cruzei os
braços enquanto as gotas de chuva escorriam pelo meu queixo e
pingavam nos meus pés.
— Eu não sei...
— Vamos sair dessa chuva. Se você ficar mais tempo aqui vai
ficar doente.
E ele tinha razão. Eu estava toda ensopada e se eu não fosse
para um lugar seco nos próximos minutos, com certeza a gripe me
deixaria na cama.
— Para onde vamos? — perguntei.
— Para minha casa.
A surpresa tomou conta do meu rosto enquanto eu encarava
Mateus.
— Ou para sua, se você quiser — ele continuou.
De repente, voltar para a minha casa não parecia tão
interessante assim.
— Não quero ir para minha casa — falei, sem rodeios.
Ele esboçou um minúsculo sorriso e disse:
— Então, a minha casa está de portas abertas para você. Aí
você aproveita e tira essa roupa molhada.
— Mas eu não tenho outra roupa.
— Usa as minhas. — Ele entrou na minha frente. — Vamos?
— Você não vai me matar, não é?
Mateus riu.
— Não foi você que disse que eu não era um estranho? Eu
achei que você confiava em mim.
— Mais ou menos.
Ele sorriu e atravessou o braço no meu ombro, me guiando na
direção do estacionamento da faculdade sem dizer nada. Tentei não
pirar com o peso e o calor do seu braço envolta dos meu ombros.
Mantenha a calma, Thaissa.
Chegamos ao lado de um Onix Sedã preto e Mateus tirou o
braço do meu ombro para abrir a porta do carro para mim.
— Eu não sabia que você tinha um carro — falei, parada perto
do veículo.
— É, quase ninguém sabe. — Ele continuou segurando a
porta. — Entra aí.
Eu entrei no veículo e logo em seguida, ele entrou também.
Durante todo o percurso, Mateus ficou calado e concentrado na
estrada. Eu também não disse um único A. Por um lado, eu estava
curiosa para saber como era a casa dele e por outro, eu estava me
chamando de louca, pois eu não sabia se eu tinha me enfiado em
uma enrascada.
Poucos minutos depois, chegamos em frente à uma casa
grande de dois andares, com paredes externas brancas e janelas
com um tom escuro de marrom.
— É aqui — Mateus disse.
Eu assenti antes de sair do carro. Passamos pela garagem e
Mateus abriu a porta de sua casa.
— Pode entrar. — Ele abriu espaço para que eu pudesse
passar.
Eu fiz o que ele disse, observando cada detalhe da casa. A
sala era mobiliada com móveis de madeira escura e havia dois
sofás de três lugares no meio do cômodo, bem em frente à estante
com uma TV de Led que refletia os objetos da sala na tela preta.
— Bela casa — falei, admirando um quadro renascentista se
destacando na parede branca. A obra era denominada de A Queda
dos Anjos Rebeldes de Pieter Bruegel, o Velho.
— Valeu — Mateus agradeceu atrás de mim. — Vou pegar uma
roupa para você se trocar.
— Só uma camisa já está bom — avisei, assim que ele passou
por mim.
Mateus subiu as escadas e depois de poucos minutos, retornou
usando apenas calça jeans. Não pude deixar de notar que ele tinha
o abdômen definido e músculos salientes, provavelmente
conseguidos com muito esforço físico. Algumas tatuagens pretas se
destacavam em seus ombros e braços e eu desejei estar bem perto
dele para ver cada detalhe delas.
Ele começou a se aproximar e eu desviei os olhos para um
canto qualquer da sala.
— Aqui está sua camiseta.
Olhei para ele e peguei a camiseta preta de suas mãos,
notando um sorriso lascivo no seu rosto.
— O que foi? — perguntei.
— Nada não.
Ignorei o seu olhar intenso que fazia o meu rosto queimar de
vergonha e perguntei:
— Onde é o banheiro?
— No final do corredor.
A camiseta de Mateus ficou na metade das minhas coxas e
tinha o cheiro de colônia masculina impregnado nela. Eu ergui a
gola do tecido até o nariz, inalando o aroma levemente amadeirado
e depois dei um nó na barra da camiseta, deixando-a na altura do
cos da minha calça jeans.
Quando saí do banheiro, Mateus estava sentado no sofá com
os braços esticados no encosto e me deu uma olhada de cima a
baixo.
— Minha camiseta ficou ótima em você.
Eu esbocei um sorriso sem graça e me sentei a alguns
centímetros de distância dele.
— Você mora sozinho?
Mateus fez que sim com a cabeça.
— E você... já trouxe a Anne aqui?
— Você é a primeira garota da faculdade que eu trago aqui. —
Ele mudou de posição, virando seu rosto na minha direção. — E eu
já disse que não tenho nada com a Anne.
— Eu vi vocês dois se beijando. Eu não chamaria isso de nada.
— A gente só deu uns beijos. Não foi nada sério.
Olhei na direção da estante ao imaginar Anne e Mateus se
beijando. Querendo ou não, isso me fez ficar meio enciumada.
— Ela gosta de você.
Mateus gargalhou de repente.
— Ela te contou isso?
Eu assenti.
— Antes da gente brigar, ela me disse que estava feliz com
você. E se você não quer nada com ela, você deveria deixar isso
bem claro.
Mateus continuou me encarando com o divertimento explícito
em seus olhos.
— Depois eu vou resolver isso com ela. Mas agora me conta:
por que vocês duas brigaram?
Dei de ombros.
— Foi só um desentendimento bobo.
— Não parece que foi um desentendimento bobo.
— Você nem sabe o que aconteceu.
— Não, mas pela sua cara foi algo bem mais sério.
Olhei fixamente para ele.
— Você me conhece melhor do que eu mesma agora?
— Por que você está nervosa? Eu só quero entender o que
aconteceu.
— Eu não estou nervosa. E não tem nada para entender.
— Tudo bem. — Mateus ficou de pé. — Quer beber alguma
coisa?
— Água — respondi. — Por favor.
Mateus se afastou e desapareceu dentro de um cômodo que
deveria ser a cozinha. Enquanto ele estava ausente, eu me levantei
e me aproximei da estante. Havia uma sequência de porta-retratos
na prateleira de cima. Em um deles, um Mateus adolescente estava
sorrindo, sendo abraçado por um homem e por uma mulher de
meia-idade. Deveria ser os pais dele. Observei mais uma foto em
que Mateus estava usando um uniforme escolar azul-escuro com
mais dois rapazes e duas meninas, ambos com o mesmo uniforme,
com exceção das meninas que usavam saia da mesma cor.
— A sua água.
Dei um pulo para trás, assustada. Por pouco, não bati em
Mateus que estava logo atrás de mim com dois copos nas mãos.
Parecia ter whisky dentro de um deles.
— Obrigada. — Peguei o copo com água, sentindo meu
coração batendo forte. — Você me assustou.
Mateus não disse nada. Apenas levou o copo com whisky aos
lábios, tomando um gole.
— Eu te deixo em casa quando a chuva acabar. — Ele me deu
as costas e voltou a se sentar no sofá.
— Tá bom — concordei, tomando um gole da água.
Ele tirou seu celular do bolso e deslizou o dedo na tela, a
expressão séria. Eu tomei mais um gole da água e fiquei pensando
na mudança de comportamento de Mateus. Ele pareceu frio e
distante tão de repente.
Capítulo 7
— Oi, Thay.
Olhei para cima. Toni estava se inclinando na minha direção
para me dar um beijo na bochecha.
— Oi, Toni — falei, assim que seus lábios tocaram a minha
bochecha.
Ele se sentou atrás de mim e perguntou:
— E aí, você já está melhor?
Eu pisquei, olhando para o seu rosto. Do que ele estava
falando?
E então, quando ele estava prestes a abrir a boca para
continuar, me lembrei de que ontem eu tinha dito a ele que eu
estava passando mal.
— Ah, sim! — Eu sorri. — Hoje eu estou bem melhor, obrigada.
— Que bom. Eu fiquei preocupado. Você não apareceu na
biblioteca e nem na aula.
— Desculpa por ter feito você me esperar — falei, olhando em
seus olhos castanhos esverdeados. — Eu acabei indo para casa.
— Tudo bem — Toni abriu um sorriso e passou a mão no
cabelo castanho. — O que importa é que você está bem.
Eu sorri com a sua gentileza e nós dois ficamos conversando
sobre as matérias mais difíceis daquele semestre até a aula
começar.
No intervalo, eu avistei Anne acompanhada com duas de suas
colegas de sala.
A gente ainda não estava se falando.
Eu não podia acreditar que a nossa amizade tinha chegado a
esse ponto. Nós duas vivíamos grudadas e agora mal
conseguíamos olhar uma na cara da outra. Isso não podia ficar
assim. A gente não podia continuar brigadas por um motivo bobo.
Finalmente tomei coragem e caminhei até ela. Suas novas
amiguinhas me olharam, curiosas.
— Anne — falei. — Precisamos conversar.
Ela ergueu o olhar para mim e disse:
— Não temos nada para conversar.
— Por favor... Vai ser rápido.
Anne pareceu impaciente com a minha insistência.
— Meninas, vocês podem nos dar licença?
— Toda — uma delas respondeu e em questão de segundos,
as duas se mandaram dali.
Aproveitando que estávamos à sós, eu sentei em frente à
Anne, notando sua expressão de tédio.
— O que você quer? Vai contar mais uma de suas mentiras e
bancar a vítima?
— Não. — Respirei fundo e pensei no que dizer. Eu tinha que
contar toda a verdade. — Eu fiquei daquele jeito aquele dia porque...
eu acho que estou gostando do Mateus e quando eu soube que
vocês estão juntos... eu fiquei com ciúmes. Não tinha nada a ver
com você. — Desviei os olhos do rosto dela, temendo a sua reação.
— Como assim? — Anne perguntou. — Por que você não me
contou?
— Eu não sei e isso não importa! — falei, sincera. — Eu só não
quero que a nossa amizade acabe por isso, por causa de um cara.
Você pode ficar com ele. Eu vou ficar bem.
Anne soltou um suspiro.
— E isso vem acontecendo desde quando?
— Desde o dia que eu encontrei ele no bar. A gente meio que
marcou um encontro.
— E você omitiu isso de mim?! Que ótima amiga você é.
— Foi só uma conversa. — Eu a assegurei. — Não aconteceu
nada demais.
Anne cruzou os braços e se encostou na cadeira.
— Thaissa, eu gosto dele também.
— Eu sei e ele é todo seu.
Anne abriu a boca para responder e antes de dizer uma única
palavra, ela olhou para algum ponto atrás de mim. Em seguida, ela
abriu um sorriso.
— Oi, Mat.
Meu coração pulou dentro do peito assim que eu ouvi esse
apelido. Olhei para trás e me deparei com Mateus passando atrás
de mim e se sentando na cadeira vaga ao meu lado.
— Oi, tudo bem?
— Tudo, claro — ela respondeu, interessada. — Melhor agora.
— Bom... Se vocês me dão licença, eu preciso ir. — Fiquei de
pé.
— Ei, espera. — Ele segurou minha mão. — Não esquece de
devolver minha camisa.
Merda. Anne não podia saber disso. Ela ia ficar uma fera
comigo.
Me arrisquei a olhar para ela, notando sua expressão intrigada
e fiz Mateus soltar a minha mão.
— Tá bom — falei para ele e logo, dei as costas para os dois.
Saí rapidamente do refeitório e encostei na parede do corredor,
pensativa. Será que Anne ia ficar brava por causa disso?
Sim, é claro que ela ia ficar brava.
Eu estava gostando de Mateus, só que eu não queria perder
minha amizade com Anne. Ela era a minha única amiga.
Comecei a caminhar pelo corredor e quando eu estava
chegando perto das salas de aula, uma mão agarrou o meu braço.
— Como você é mentirosa, Thaissa! — A voz de Anne surgiu
atrás de mim e eu me virei em sua direção. — Você foi pra casa do
Mateus e ainda teve a cara de pau de me falar que não quer ficar
com ele?!
— Anne, a gente não...
— Nem vem com mais mentiras para cima de mim — Ela me
interrompeu e soltou meu braço. — Você transou com ele também?
— Pelo amor de Deus, é lógico que não!
Anne balançou a cabeça negativamente e disse:
— Não dá para confiar em você, Thaissa! — ela disparou. —
Fica longe de mim! — Anne girou nos calcanhares e caminhou pelo
corredor em passos largos, se distanciando de mim.
Eu comecei a andar pelo corredor, chocada com o que tinha
acabado de acontecer.
Quando cheguei na sala de aula, eu me dei conta de que eu
estava às lágrimas e as limpei com as costas da mão. Sorte a minha
que não havia ninguém dentro da sala. Sentei na quarta cadeira da
primeira fileira e cobri o rosto com as mãos, tentando segurar as
lágrimas teimosas que ameaçavam escapar. Eu estava muito
sensível nos últimos dias.
— Por que você está chorando?
Levantei a cabeça em um movimento rápido e me deparei com
Mateus, se aproximando de mim.
O que ele estava fazendo aqui?
— Não estou. — Limpei minhas lágrimas rapidamente.
— Você não sabe nem mentir. — Ele parou ao lado da minha
carteira. — O que aconteceu?
— Nada. — Peguei minha mochila do chão e tirei sua camiseta
que eu tinha guardado lá dentro antes de eu ir para a aula e a
entreguei para ele. — Obrigada.
Mateus jogou sua camiseta por cima do ombro e se agachou,
deixando seu rosto quase na altura do meu.
— Não vai me contar o que te fez chorar?
Eu respirei fundo e peguei a caneta em cima do meu caderno,
balançando-a entre os meus dedos.
— Eu não estou a fim de falar sobre isso.
— Certo.
Ele continuou olhando para mim e de repente, ergueu meu
queixo. Em seguida, eu percebi seu rosto se aproximando cada vez
mais do meu. Ele estava tão perto que sua respiração quente estava
batendo na minha pele. Mateus baixou os olhos para minha boca e
eu me aproximei, ansiosa pelo toque dos seus lábios nos meus.
— Sem querer atrapalhar, mas tem gente na sala.
Imediatamente eu desviei o rosto do de Mateus enquanto Toni
se aproximava de nós dois. Mateus ficou de pé e os dois se
encararam por breves segundos antes de Toni passar por ele e se
sentar na cadeira atrás de mim.
— Então, até mais — Mateus se inclinou e deu um beijo
inesperado na minha bochecha.
— Até — falei, sentindo um formigamento no lugar onde ele
tinha me beijado.
Mateus saiu da sala e eu me virei para olhar para Toni. Ele
parecia irritado com alguma coisa.
— Está tudo bem? — perguntei.
— Claro. — Ele abriu seu livro e começou a folhear as páginas.
Eu voltei a olhar para frente e fiquei pensando no que havia
acabado de acontecer enquanto a aula não começava.
Capítulo 8
O fim de semana passou e foi um dos mais tediosos da minha
vida. Geralmente, Anne e eu costumávamos sair à noite em busca
de diversão, mas de repente tudo mudou.
E tudo por causa de um cara.
Eu precisava reverter essa situação o mais rápido possível e só
havia uma coisa a fazer.
Enquanto os alunos do curso de Ciências Contábeis entravam
em sua sala e ocupavam seus lugares em plena noite de segunda-
feira, eu aguardava Anne ansiosamente na porta de sua sala de
aula. Não demorou muito para ela apontar no corredor, toda
sorridente sendo acompanhada por Mateus.
Tentei não me importar ao ver os dois juntos.
— Anne, posso falar com você só por um minuto? — perguntei,
assim que ela se aproximou da sala de aula.
— Oi para você também. — Mateus me lançou seu olhar
intenso.
— Oi. — Eu desviei meus olhos dos dele.
Nesse momento, Anne estava passando por mim, prestes a
entrar na sala quando eu a puxei pela manga da blusa.
— Espera.
— Me solta! — Ela movimentou o braço de forma brusca,
soltando a minha mão. — Eu não quero papo com você.
— Por favor — supliquei. — Eu preciso falar com você. É sério.
Anne soltou um suspiro e me encarou.
— O que você quer? Não entendeu o recado?
— Eu quero conversar com você.
— Sobre o quê?
Olhei para Mateus dessa vez. Ele estava parado perto do
batente da porta, parecendo entretido com nós duas.
— Você pode nos dar licença, por favor? — perguntei para
Mateus.
Ele se afastou do batente da porta e antes de nos dar as
costas, disse:
— Depois me atualiza das fofocas.
Eu revirei os olhos e voltei a atenção para Anne.

— Você vai falar o que é? — ela perguntou, parecendo


impaciente. — Eu tenho aula se você não percebeu.
— Calma — pedi. — Eu só quero fazer as pazes com você.
Anne piscou.
— Você faz um monte de coisas pelas minhas costas e agora
quer fazer as pazes?
— A gente parou de se falar por motivos bestas, eu não
aguento mais isso — falei, sincera. Logo dei uma rápida olhada na
direção da sala de aula. — Não precisamos acabar a nossa
amizade por causa do Mateus. Eu sei que eu menti, mas isso não é
motivo para virarmos a cara uma para a outra.
Ela cruzou os braços, olhou para algum ponto na parede do
corredor e só então, voltou a olhar para mim.
— Tá bom.
— Tá bom? — perguntei. — Então estamos bem?
Anne desviou os olhos do meu rosto novamente.
— Pode ser.
E então, eu sorri.
— Que bom! — Eu a abracei, notando sua resistência em
retribuir o gesto. — Você é a minha melhor amiga, Anne. — Olhei
para ela depois do abraço. — Não é legal brigarmos por qualquer
coisa.
— O Mateus não é qualquer coisa — ela disse. — E saiba que
agora nós estamos juntos para valer.
Eu deveria ficar feliz ao ouvir essa última frase. Caso não
tivesse acontecido um quase beijo entre Mateus e eu há alguns dias
atrás, eu conseguiria ficar feliz. Mas ao processar essa informação,
o ciúmes se instalou dentro de mim e começou a me consumir aos
poucos.
— Que bom, amiga. — Eu abri um sorriso forçado. —
Parabéns... Eu fico feliz por você.
Anne sorriu.
— Ele é tão fofo. A gente saiu no fim de semana e foi ótimo.
— Nossa... parece ter sido incrível.
— E foi.
— Legal. Agora eu preciso ir. Minha aula já vai começar.
— Tá bom. A gente se vê no intervalo.
— Com certeza — falei, não tão certa dessa afirmação.

Eu resolvi ficar sozinha no intervalo. Meu plano era comer


alguma coisa dentro do banheiro mesmo, igual aquelas cenas de
garotas excluídas em filmes americanos.
Quando eu estava caminhando na direção do banheiro,
pensando em concluir meu plano de jovem sem perspectiva de vida
social, ouvi a voz grave atrás de mim:
— E aí?
Me recusei a olhar para trás. Apenas respondi:
— Me deixa sozinha.
E então, Mateus começou a caminhar ao meu lado.
— O que foi?
E claro que ele tinha que bancar o sonso. Mas como ele já
estava ali, eu não consegui me segurar. Eu tinha que falar tudo que
estava entalado na minha garganta.
— Você é um otário! — disparei. — Você continua com a Anne
e quase me beijou aquele dia. Como ousa?!
Mateus abriu um sorriso cafajeste e isso deve ter elevado os
níveis de cortisol no meu sangue, porque eu fiquei ainda mais
irritada.
— Eu não entendo por que você está preocupada com isso. Eu
não tenho compromisso com nenhuma de vocês duas. Não tem
motivo para tanto drama.
Como resposta ao que acabei de ouvir, eu dei um tapa no rosto
de Mateus. O estalo reverberou pelo ar e algumas pessoas que
passavam pelo local olharam na nossa direção, mas eu nem me
importei.
A minha raiva era muito maior.
— Você não vai mais brincar comigo, seu cafajeste! — dito
isso, eu me afastei em passos rápidos, deixando Mateus ali, com os
meus dedos marcados em sua bochecha.
Capítulo 9
Eu estava no meu quarto, ouvindo uma sequência de músicas
tristes para eu me afundar ainda mais no meu estado deprimente,
quando a minha mãe abriu a porta do meu quarto e disse:
— Thaissa, tem um rapaz procurando por você lá fora.
Eu estranhei a notícia.
— Que rapaz?
— É um tal de Mateus. Você o conhece?
Meu coração começou a bater forte assim que ouvi esse nome.
O que Mateus estava fazendo aqui?
— Deixa que eu cuido dele, mãe. — Saí de cima da cama e
passei as mãos no cabelo, tentando ajeitá-lo.
Assim que passei pela porta da sala, me deparei com Mateus
parado na calçada. As mãos estavam dentro dos bolsos da calça e
boné estava virado para trás.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei assim que me
aproximei dele.
— Eu quero pedir desculpas por ontem — ele respondeu.
Eu fiquei surpresa com o que ouvi.
— Você veio pedir desculpa por ser um cafajeste?
Por incrível que pareça, Mateus assentiu.
— Eu pensei na sua atitude ontem e cheguei à conclusão de
que eu não fui honesto com você e a Anne.
— Hm. Que bom que você reconheceu o seu erro.
Mateus me encarou, parecendo perplexo.
— Quer dar uma volta comigo?
— Não. Vai chamar a Anne para dar uma volta com você.
— Eu não vou ficar com ela.
Dessa vez, eu fiquei intrigada.
— E por que não?
— Eu não gosto dela.
Eu o encarei com uma sobrancelha erguida.
— Se você não gosta dela, por que ficou com ela?
— Eu sou um cafajeste, lembra?
Eu soltei uma risada.
— Você magoa as pessoas simplesmente porque é um
cafajeste?
— Foram palavras suas, não minhas.
Eu inspirei fundo e continuei olhando para Mateus.
— Você pode ir. Eu tenho muita coisa para fazer. — A minha
playlist de músicas tristes estava me esperando no meu quarto.
— Espera, eu ainda não terminei.
— E o que você quer?
— Você.
Eu fiquei em choque com o que ele disse.
— Você está brincando comigo...
— Não — Mateus me interrompeu. — Você não percebeu que
eu estou a fim de você?
Eu estava sem reação.
— Não, eu... Você não pode fazer isso, Mateus. A Anne é
apaixonada por você.
— Eu já te disse que eu não gosto dela. Ela vai ter que se
contentar com um coração partido.
— Eu não posso fazer isso — decidi. — E outra, eu não vou
colocar a minha amizade com a Anne em jogo.
— Thaissa, eu não quero ela e sim, você. Sei que fui um idiota,
mas me dá uma chance. Por favor...
Eu cruzei os braços, me sentindo aflita. Eu queria tanto ficar
com Mateus, mas ao mesmo tempo, eu não queria perder a minha
amizade com a Anne.
— Mateus, você sabe como a Anne vai ficar se descobrir isso?
Ela nunca vai me perdoar.
— Alguém vai ter que sair machucado nessa história, Thaissa.
Não tem como fugir disso.
Eu suspirei. Por que ele estava insistindo tanto? Será que ele
estava mesmo sendo sincero comigo?
— Sinceramente, eu não confio muito em você.
De repente, Mateus se aproximou um pouco mais, me puxou
pela mão e disse:
— Me dá um voto de confiança. — Seus olhos ficaram presos
aos meus.
Por um momento, eles pareciam tão sinceros.
— Thaissa? Você não vai me apresentar ao seu amigo?
Eu me afastei de Mateus e antes de dizer alguma coisa à
minha mãe, ele se apressou em dizer:
— Muito prazer em conhecê-la. Sou o Mateus. — Ele estendeu
a mão para cumprimentar a minha mãe.
Minha mãe apertou a mão dele, esboçando um meio sorriso.
— O prazer é todo meu — ela disse. — Sou Helena, mãe da
Thaissa. Você é colega de curso dela?
— Na verdade, não. Eu...
— Mãe, ele já está de saída — eu interrompi Mateus antes que
minha mãe iniciasse um interrogatório, querendo saber tudo sobre a
vida de Mateus. — Não é, Mateus?
— É, mas antes eu quero saber se você aceita sair comigo no
fim de semana?
— Vou pensar — falei, com um meio sorriso. — Assim que
você decidir ser sincero com a Anne, me manda uma mensagem.
— Como quiser. — Ele me lançou uma piscadela. — Fica de
olho no seu celular.
Eu assenti e Mateus enfiou as mãos nos bolsos novamente,
dando as costas para mim.
Assim que ele foi um embora, eu não consegui tirar o sorriso
bobo do rosto.

***

Naquela mesma noite, Toni estava me fazendo companhia no


refeitório. Eu estava saboreando o meu sanduíche de presunto e
queijo quando Anne apareceu com um copo de café na mão e se
sentou na minha frente.
Ela deu um longo gole no café e isso não foi capaz de mudar a
sua expressão cabisbaixa. Logo, eu perguntei:
— Anne, está tudo bem?
Ela assentiu e deu uma breve olhada em Toni. Ele a olhou de
volta e se levantou de repente.
— Vou no banheiro — ele avisou, se virando e seguindo na
direção da porta do refeitório.
— Ele é da sua sala? — Anne perguntou.
Eu fiz que sim com a cabeça.
— Ele é meu amigo — expliquei. — Mas me conta o que
aconteceu para você ficar com essa cara.
— Ai, amiga, minha vida é uma merda. Acredita que o Mat não
quer ficar mais comigo? Nada nunca dá certo para mim. — Ela
baixou os olhos para o seu copo de café.
Eu engoli em seco e automaticamente me senti culpada.
— Vai ficar tudo bem.
— Não. — Ela tomou mais um longo de café. — Não vai.
Eu deixei o meu o resto do meu sanduíche de lado e falei:
— Anne, eu preciso ser sincera com você.
Ela ergueu a cabeça.
— Como assim?
Respirei fundo e tentei controlar meus batimentos cardíacos
acelerados e minhas mãos trêmulas.
— O Mateus foi na minha casa hoje... Ele... me convidou para
sair.
Os olhos de Anne estavam incrédulos.
— Que canalha! — ela disparou. — Eu não acredito nisso.
— Desculpa, eu...
— Não, tudo bem, Thaissa! Ele é um canalha mesmo — ela
disse, indignada. — Você não vai sair com ele, não é?
Eu a encarei sem saber o que responder.
— Eu sei que você gosta dele, mas se você topar sair com ele,
eu tenho certeza que ele vai fazer com você a mesma coisa que fez
comigo.
Tirei um pedaço do meu sanduíche, pensando no que ela
disse. Mateus era mesmo esse tipo de pessoa?
— Eu não sei... — falei, finalmente.
— Você é que sabe. — Ela pegou seu copo de café e ficou de
pé. — Se ele quebrar o seu coração, não diga que eu não avisei.
Isso é para o seu bem.
Anne caminhou na direção do cesto de lixo, me deixando ainda
mais confusa. De repente, imaginar Mateus e eu felizes juntos não
fazia tanto sentido assim.
Depois que o intervalo acabou, eu parei na frente do
bebedouro e tomei um pouco da água gelada. Em seguida levantei
a cabeça e quando girei nos calcanhares meu coração parou.
Mateus estava parado na minha frente, olhando para mim.
— Quer parar de aparecer assim? — perguntei. — Você me
assustou.
— Foi mal. Eu só quero saber porque você não respondeu a
minha mensagem.
— Que mensagem?
— Eu te enviei antes do intervalo.
— Ah. — Foi aí que eu lembrei que meu celular não estava
comigo e sim, dentro da minha mochila que eu havia deixado na
sala de aula. — Não estou com o celular aqui.
Mateus assentiu.
— Então me responde agora. Você quer sair comigo no
sábado?
— Eu não sei.
— Não sabe? — Um sorrisinho tomou conta do seu rosto. —
Então, quem vai saber? Só para avisar: eu já resolvi tudo com a
Anne.
— É por isso mesmo que eu estou confusa. Ela está arrasada
Mateus. Eu não posso fazer isso com ela.
— Você lembra que eu disse que alguém ia sair machucado
nessa história? Você prefere que eu engane a sua amiga ao invés
de mandar a real para ela?
Eu soltei um suspiro.
Por um lado eu sabia que Mateus tinha razão, mas por outro,
eu tinha medo do que Anne ia pensar se eu aceitasse sair com ele.
— Eu tenho medo.
Mateus pareceu intrigado.
— Você tem medo de mim?
— Eu tenho medo do que pode acontecer depois disso. E se
você me meter um pé na bunda? Você não me parece muito
confiável.
E então, ele caiu na gargalhada.
— Nem tudo é o que parece, meu anjo. Eu te garanto que eu
sou mais confiável do que muitos caras que você encontra por aí.
— Como você é convencido.
— Eu tenho que me garantir, não acha?
— Tudo bem — falei. — Eu saio com você, mas como amiga.
Nada além disso.
O sorriso de Mateus se alargou e ele disse:
— Fechado. — Ele deu um passo à frente. — A gente se vê no
sábado.
Eu o observei se distanciando pelo corredor, a camiseta azul-
marinho contornando seus ombros largos. Em seguida, eu sorri,
empolgada. Eu mal podia esperar para sair com Mateus e conhecê-
lo melhor.
Capítulo 10
Na noite de sábado, eu já estava pronta.
Olhei meu reflexo no espelho perto do guarda-roupa. Eu optei
por usar tênis, calça jeans skinny e blusa regata. Em seguida,
borrifei um pouco de colônia no pescoço e no pulso, inspirando o
aroma adocicado. Peguei uma pequena bolsa preta, enfiei meu
celular lá dentro e saí do quarto.
Minha mãe estava assistindo TV na sala e virou o rosto na
minha direção quando eu me aproximei.
— O que achou? — perguntei, me referindo ao look.
— Você está linda — ela disse. — E toma cuidado com esse
rapaz.
— Relaxa, mãe. Ele é do bem.
— Isso é o que a maioria diz, filha.
Eu tentei ignorar o que ela disse. Já não bastava Anne
pegando no meu por causa de Mateus e agora, minha mãe também.
Por causa disso, eu nem falei para Anne que eu ia sair com Mateus.
Ela não perguntou e eu decidi deixar por isso mesmo.
Não demorou muito e a campainha tocou. Era ele. Eu me
despedi da minha mãe com um beijo na bochecha e saí porta afora.
Mateus estava parado na calçada, usando um boné. Seu rosto
estava obscuro devido a pouca iluminação da rua.
— Boa noite — ele disse assim que eu me aproximei. — Gostei
da roupa. Combina com você.
Meu sorriso foi de orelha a orelha ao ouvir isso.
— Obrigada.
Nós dois entramos no seu carro e logo, ele iniciou a partida.
Estávamos indo ao parque de diversão de Hilionópoles e ele não
ficava muito longe do nosso bairro. Era aproximadamente cinquenta
minutos de viagem de carro. Quando eu era criança, meus pais
sempre me levavam lá. Eu me lembro como se fosse ontem: minha
mãe e meu pai felizes juntos. Acho que eu nunca poderia imaginar
que um dia tudo fosse mudar, e que os dois pudessem se separar e
seguir rumos diferentes.
— Está pensativa demais. O que aconteceu? — Mateus
perguntou, me tirando de meus devaneios.
— Nada — respondi, observando sua silhueta. — Eu estava só
pensando nos meus pais.
Mateus olhou para mim.
— Aconteceu alguma coisa com seus pais?
— Eles só separaram quando eu tinha quinze anos. Mas eu já
superei.
Mateus assentiu e voltou a atenção para a estrada.
— Mas e aí? Você está ansiosa para ir na montanha-russa?
Eu morria de medo de altura e esse foi um dos principais
motivos por eu nunca ter ido na montanha-russa.
— Ah... Um pouco.
Ele riu.
— Está com medo?
— Na verdade, eu tenho medo de altura — revelei.
— Sério? — Seus olhos foram parar no meu rosto.
Eu fiz que sim com a cabeça.
— E você está disposta a perder esse medo?
— Não vai ser tão fácil — avisei.
— Eu sou paciente. — Ele me lançou um sorriso desafiador
antes de prestar atenção no volante.
Quando chegamos no parque de diversão de Hilionópoles, o
encontramos lotado. Haviam brinquedos novos e também tinham
aumentado sua extensão. O local estava bem diferente da última
vez que pisei o pé ali. Conforme avançávamos, o cheiro de pipoca e
batata-frita pairava no ar. Uma música animada estava tocando em
algum lugar do parque enquanto as luzes coloridas dos brinquedos
prendiam a minha atenção. Eu não podia negar que a visão daquele
parque à noite era coisa mais linda.
Olhei para Mateus, notando sua expressão pensativa a cada
canto que ele observava.
— Agora é você que está pensativo — falei.
— Esse lugar me lembra bons momentos. Eu costumava vir
aqui com a minha família... — de repente, ele se interrompeu, como
se tivesse falado demais.
— E sua família? Você não me falou sobre ela...
— Porque eu não tenho nada para falar. — Mateus me lançou
uma olhadela. — Quer ir na roda-gigante?
Eu parei de andar.
— Você quer me matar do coração?
— Eu seguro na sua mão. Assim você vai se sentir mais
segura.
Eu não consegui deixar de sorrir.
— É sério? Que fofo.
Ele esboçou um sorrisinho.
— Você ainda não viu nada, meu anjo. Mas e aí? Você topa?
Assim que a roda-gigante começou a girar, nos deixando a
alguns metros do chão, meu coração disparou e minhas mãos
começaram a suar.
— Relaxa — Mateus disse ao meu lado e cruzou nossos
dedos, a palma da sua mão quente contra a minha.
Mesmo com o medo tomando conta de mim, eu sorri para ele.
Logo, tentei me focar no topo colorido das barraquinhas de fast-food
próximas da roda-gigante. Assim que o passeio acabou, Mateus
soltou a minha mão e perguntei:
— E aí? O que achou?
— Eu não morri — falei, alegre. — Eu gostei.
— Ótimo. — Ele envolveu meus ombros com os braços, o calor
do seu corpo esquentando a minha pele.
A gente comprou algodão-doce e nos distanciamos um pouco
da multidão barulhenta. Mateus estava com a expressão tão serena
que eu deduzi que ele estava gostando muito de estar ali.
— Mateus?
Nós dois nos viramos. Um rapaz loiro, que aparentava ter a
mesma idade que Mateus, estava nos olhando com certa
curiosidade.
— E aí, Samuel? — Mateus se aproximou dele e o
cumprimentou com um toca aqui.
— O que você faz aqui, cara? — perguntou o tal de Samuel.
— Só estou passeando com a Thaissa — Mateus se voltou
para mim. — Esse é o Samuel, meu melhor amigo.
Eu me aproximei dele e abri um sorriso simpático.
— Muito prazer.
— O prazer é todo meu — Samuel disse, a expressão séria.
— A gente se vê, cara — Mateus disse, segurando a minha
mão.
— Beleza. — Samuel baixou os olhos em nossas mãos dadas.
— Até mais.
Assim que nos distanciamos de Samuel, eu soltei minha mão
da de Mateus e arranquei um pedaço do algodão-doce.
— Eu acho que o seu amigo não gostou muito de mim — falei,
saboreando o açúcar derretendo na minha boca.
— E por que você acha isso?
— Ah, sei lá. Ele me olhou de um jeito estranho.
— Samuel é assim mesmo. Ele é gente boa. — Mateus me fez
parar de andar e parou na minha frente, me encarando com uma
sobrancelha erguida.
— O que foi?
— Agora vamos na principal atração desse parque — ele fez
uma pausa misteriosa — a montanha-russa.
— Você vai me ajudar a controlar meu medo?
— É claro.
— Então, eu topo.
A montanha-russa era assustadora. Ela era gigantesca e muito,
muito alta. Eu iria morrer. Minhas pernas começaram a ficar bambas
só de chegar perto do brinquedo.
— Mateus — Eu puxei o seu braço, impedindo-o de ir naquele
monstro.
Ele olhou para mim e sorriu.
— Calma. Você não vai estar sozinha, vai ser rápido.
— Se eu morrer, a culpa vai ser sua.
Nós sentamos na frente e colocamos a trava de segurança.
Minhas mãos estavam trêmulas e escorregadias. Respirei fundo.
— Está tudo bem? — Mateus perguntou.
Eu assenti.
— Segura a minha mão.
— Primeiro verifica se você está bem segura.
Eu olhei espantada para ele.
— Você não está ajudando.
Ele riu e eu não pude deixar de notar a sua expressão super
tranquila. Confesso que fiquei com inveja.
— Relaxa, você está segura. Mas saiba que esse brinquedo
tem noventa por cento de chances de falhar e então, segura firme.
— Eu quero sair daqui! — gritei.
Mateus gargalhou novamente.
— Estou brincando, calma. Você está segura. Acidentes não
acontecem do nada.
— Você é um idiota — disparei.
— Você tinha que ver a sua cara. — Ele pegou a minha mão e
depositou um beijo nela. — Vou segurar na sua mão.
— É o mínimo que você deve fazer depois de me obrigar a vim
nesse brinquedo — falei, antes do carrinho ficar em movimento.
Com uma mão livre, eu segurei na trava de segurança com
força, meu coração prestes a sair pela boca. Fechei os olhos
enquanto o carrinho subia nos trilhos. Minha respiração estava
acelerada e a sensação era uma das piores, minhas mãos soavam
incontrolavelmente e o vento batia forte no meu rosto. Por um
momento, senti que o carrinho parou.
— O melhor vem agora — a voz de Mateus soou até meus
ouvidos. — Você não vai querer perder.
Eu abri os olhos.
Era possível ver praticamente toda a cidade lá de cima, com as
luzes dos postes parecendo vagalumes. Fiquei contemplando
aquela paisagem até o carrinho descer numa alta velocidade que
fez o meu grito sair mais alto do que o de todos dali. A sensação era
de que íamos cair e morrer, meu coração estava quase saindo pela
boca.
Depois de tanto ficarmos de cabeça para baixo e em zigue-
zague, o passeio na montanha-russa acabou. Aqueles poucos
minutos pareceram uma eternidade. Eu saí do brinquedo me
sentindo enjoada e com as pernas bambas.
— Você está bem? — Mateus perguntou.
— Nunca mais quero andar nessa coisa.
Ele sorriu.
— Vai falar que você não sentiu aquela adrenalina?
— Até que senti, mas eu achei que fosse morrer. Nunca mais
vou andar nesse brinquedo.
— Tá bom. — Mateus deu um beijo na minha testa, me
pegando de surpresa. — Nunca mais vou fazer você passar por isso
de novo.
Eu esbocei um sorriso com o seu gesto carinhoso e assim que
Mateus tirou suas mãos de mim, eu olhei instintivamente para o
lado.
Samuel estava parado entre as pessoas empolgadas perto das
barraquinhas de tiro ao alvo, olhando em nossa direção.
— O seu amigo não tira os olhos da gente — falei.
— É mesmo? — Mateus perguntou, seguindo o meu olhar. —
Cadê ele?
— Ali... — eu me interrompi quando vi que Samuel já tinha
sumido de vista. — Que estranho... Ele estava ali agora a pouco.
Mateus ergueu as sobrancelhas e disse:
— Você deve ter se confundido. Deixa ele para lá. Vamos
comer alguma coisa?
Minutos mais tarde, Mateus e eu compramos cachorro-quente
e refrigerante em uma barraca lotada de clientes famintos e,
seguimos direto para o estacionamento com a intenção de terminar
de comer nosso lanche dentro do carro por ser mais confortável.
Eu tinha acabado de dar uma mordida no cachorro-quente,
saboreando a explosão de vários temperos e molhos, quando notei
os olhos de Mateus no meu rosto.
— O que foi?
— Sua boca está suja.
— Sério? — perguntei, passando o dedo nos lábios para
limpar.
— Agora está. — Ele passou um pouco de ketchup na minha
boca.
— Idiota.
Mateus riu e deixou o rosto perto do meu.
— Deixa que eu limpo.
Ele roçou o polegar no meu lábio inferior e baixou os olhos na
minha boca, sua respiração quente tocando a minha pele.
— Eu estou fascinado por você.
Meu coração deu um pulo dentro do peito e eu não soube o
que dizer.
— Eu não consigo tirar os olhos de você desde o dia que te
encontrei no corredor da faculdade — Mateus continuou. — O que
você tem pra me atrair tanto?
— Me beija e descubra — falei, meus olhos presos na boca de
Mateus.
Seu rosto estava ficando cada vez mais perto, nossos lábios a
centímetros de distância. De repente, alguém deu duas batidinhas
na janela do carro e eu desviei o rosto.
Samuel estava ao lado do veículo e Mateus se ajeitou no
banco estofado, abaixando o vidro da janela.
— E aí, mano? — Ele enfiou a cabeça dentro do carro. — Será
que você pode me dar uma carona?
Mateus assumiu uma expressão conformada e disse:
— Entra aí, cara.
— Valeu — Samuel abriu a porta e se acomodou no banco de
trás. — Foi mal atrapalhar o clima de vocês, mas eu acabei ficando
sem grana para pegar o ônibus.
— Tudo bem — Mateus olhou para ele através do espelho
retrovisor. — Só maneira os seus vícios da próximas vez.
Vícios? Olhei de soslaio para Samuel, que respondeu:
— Pode pá.
— O Samuel é viciado na verdinha — Mateus me explicou.
— Ah.
— Você também fuma um? — Samuel perguntou.
Olhei para trás, percebendo que ele estava perguntando para
mim.
— Não — respondi. — Eu não fumo.
— Bebe?
— Às vezes.
— Ah tá. — Ele sorriu. — Eu já estava achando que o Mateus
te conheceu na igreja.
Eu dei risada.
— Você achou errado. A gente se conheceu na faculdade. Na
verdade... — Lembrei do dia em que Mateus me salvou no beco. —
Foi um pouco antes disso. Mas mudando de assunto: eu não sabia
que você ia pra igreja, Mateus.
O sorriso torto dele tomou forma em seu rosto.
— Eu frequento muitos lugares, mas a igreja ainda não.
— Olha bem para cara dele — Samuel enfiou a cabeça entre
nós e virou o rosto de Mateus para eu ver melhor. — Você acha
mesmo que ele pisou o pé na igreja alguma vez?
— Não.
— Então, pronto — Samuel soltou o rosto de Mateus. — Você
é sincera, gostei disso.
— Obrigada — falei com um sorriso, percebendo os olhos de
Mateus em mim. Um meio sorriso estava se destacando em seus
lábios.
Mas ao que tudo indicava, eu estava muito enganada sobre a
minha impressão em relação à Samuel. Ele parecia ser mesmo
gente boa, como Mateus falou mais cedo.
Capítulo 11
As luzes piscavam em cores distintas de azul e rosa enquanto
a batida da música invadia cada cômodo da casa. Algumas pessoas
estavam dançando perto da mesa repleta de bebidas alcoólicas de
vários tipos. Mateus enfiou o braço entre um rapaz, e uma moça, e
pegou um copo de cerveja.
— Tem certeza que não quer mais um pouco? — ele me
perguntou.
Eu neguei com a cabeça antes de responder:
— Não. — A minha voz saiu meio abafada por conta da música
alta. — Obrigada.
Mateus assentiu e tomou um gole do líquido dentro do copo.
Estávamos na festa de um colega da faculdade em plena segunda à
noite. Nós não tivemos aula e em comemoração, o pessoal decidiu
fazer uma festa. Mateus foi o primeiro a me convidar e Anne me
convenceu a ir.
Olhei para o meio do cômodo. Anne estava dançando com um
rapaz de dreads azuis e pele negra, e ela parecia muito interessada
nele. Eu sorri com a cena. Na mesma noite que Mateus e eu fomos
ao parque de diversão de Hilionópoles, eu liguei para Anne, e contei
que tinha saído com Mateus e, para a minha surpresa, ela não
reprovou a minha decisão, o que eu entendi que estava tudo bem
entre nós, pois logo ela emendou com outro assunto, explicando o
quanto ela precisava sair para se divertir.
Voltei a atenção para Mateus. Ele esboçava um sorriso
enquanto seus olhos iam para além de mim. Segui o seu olhar. Um
rapaz estava caído no chão, rindo devido ao efeito do álcool em
suas veias. Ele rolou pelo chão e algumas pessoas o ajudaram a se
levantar.
Nada fora do normal em uma festa cheia de pessoas bêbadas.
— Você está muito quieta — Mateus disse ao meu lado. —
Quer ir embora?
— Não sei, mas se você quiser ir, tudo bem.
— Não quero, mas se você quiser ir, tudo bem também.
Eu sorri.
— Eu quero ficar — falei.
— Então, vem comigo. — Ele pegou na minha mão e começou
a me puxar para o meio da multidão.
— A gente vai para onde?
— Vou pedir para trocar essa música para uma mais animada.
— Por quê?
— Eu quero te ver dançar.
De repente, eu o puxei pelo braço, fazendo ele parar e olhar
para mim.
— Não precisa trocar música nenhuma — dito isso, eu peguei
o copo de sua mão e dei um longo gole na cerveja. — Vamos
dançar.
Mateus esboçou um sorrisinho com a minha atitude, e nós dois
começamos a dançar, acompanhando a batida da música eletrônica.
Eu tomei mais um pouco da cerveja que roubei de Mateus,
saboreando o líquido amargo. Não deixei de notar que seus olhos
me encaravam, como se eu fosse a atração daquela festa.
Assim que a música foi trocada por um sertanejo universitário,
Mateus ergueu a mão e afastou o cabelo do meu ombro, seus olhos
percorrendo meu colo e parando na minha boca. Respirei fundo,
sentindo o friozinho se intensificando na minha barriga. Quando ele
começou a inclinar o rosto na minha direção eu fechei os olhos.
Os lábios macios de Mateus tocaram os meus e eu quase perdi
o fôlego. Como eu esperei por esse momento. A mão dele foi parar
na minha bochecha e a outra segurou a minha cintura. Quando
nossas línguas se encontraram, eu agarrei a camiseta de Mateus e
inspirei seu cheiro. Seu beijo era incrível: lento, envolvente e cheio
de ternura.
Depois que ele afastou os lábios dos meus, eu o olhei,
desnorteada. Eu sorri e falei:
— Finalmente a gente não foi interrompido.
— Talvez porque esse era o momento certo. — Ele acariciou
meu rosto e começou a me guiar na direção do corredor.
— Vamos sair daqui? — perguntei.
— E para onde você quer ir?
— Podíamos ir na minha casa.
Ele abriu um sorriso.
— Sua mãe está lá?
— Não.
Depois que nós dois nos despedimos de Anne, entramos no
sedã, rumo à minha casa.
Passava da meia-noite quando chegamos na minha casa.
Como minha mãe não estava lá por ter ido passar a noite na casa
da minha tia, todas as luzes estavam apagadas. Eu acendi a luz da
sala e me virei para Mateus.
— Seja bem-vindo. — Avancei na direção do sofá, notando o
controle da TV em cima do estofado. — Não repara na bagunça.
Mateus riu atrás de mim.
— Você sabe que quando falam isso, é aí que as pessoas
reparam mesmo, né?
Olhei para trás.
— Seja legal e não repara. Você quer conhecer o meu quarto?
— Hm... — Um sorriso malicioso tomou conta do seu rosto. —
Esse é um grande passo para...
— Cala a boca! — eu o interrompi. — Não é o que você está
pensando.
— Mas você nem sabe o que eu estou pensando.
— O que todos os homens pensam.
— E o que todos os homens pensam? — Ele se colocou ao
meu lado.
— Não se finge de sonso. — Eu o puxei na direção da escada.
Subimos para o meu quarto e Mateus avançou pelo cômodo,
olhando com interesse para as paredes bege.
— É interessante — ele disse, baixando os olhos em alguns
porta-retratos em cima da cômoda. — Tem a sua cara.
— Obrigada. — Eu me aproximei e fiz ele olhar para mim.
No instante seguinte, eu o beijei, segurando seu rosto. Os
braços de Mateus envolveram minha cintura e ele me guiou até
cama no meio do quarto, sem nossas bocas se desgrudarem. Eu
sentei sobre o colchão e Mateus inclinou meu rosto, seu corpo
quente encostado no meu. Eu deslize as mãos em seus ombros e
fui mais para trás, possibilitando que Mateus se acomodasse em
cima de mim.
— O que é isso?!
Capítulo 12
Desgrudei a boca da de Mateus no mesmo instante que ouvi a
voz da minha mãe. Ela estava parada no batente da porta, nos
olhando boquiaberta.
— Mãe? — Mateus saiu de cima de mim e eu me levantei. — O
que você está fazendo aqui?
— Eu quero saber o que significa isso, Thaissa — ela exigiu,
entrando no quarto com os olhos fixos em Mateus.
Engoli em seco. Quando eu estava prestes a abrir a boca,
Mateus disse:
— Desculpa. A culpa é minha.
Eu o olhei, chocada.
Minha mãe o fitou por alguns segundos e eu já sabia o que
estava por vir: uma bela bronca seria despejada sobre mim dentro
de alguns minutos. Mas eu só não entendi porque Mateus assumiu
a minha culpa. Isso era injusto.
— Não — falei, finalmente. — Ele não teve nada a ver com
isso, mãe.
— Tive, sim — Mateus disse.
— Não estou surpresa. — Minha mãe cruzou os braços com a
expressão nada contente. — Para falar a verdade, eu já esperava
isso de você. — Seus olhos continuaram fuzilando Mateus.
— Mãe, ele não tem culpa de nada. Fui eu que o trouxe para
cá.
— Muito bonito você ficar defendendo seu namorado, Thaissa.
Eu também fazia isso com o seu pai e olha só no que deu.
— Eu estou falando a verdade — resmunguei.
— Thaissa só foi influenciada por mim — Mateus mentiu e se
aproximou da minha mãe. — Isso não vai acontecer de novo.
— É o que eu espero — ela disse, irredutível. — Agora está
tarde, moço.
Mateus passou por minha mãe e nos deixou sozinhas no
quarto.
Ele nem se despediu.
Eu dei alguns passos para ir atrás dele, mas minha mãe ficou
entre o batente da porta, bloqueando a minha passagem.
— Você não vai — ela avisou. — Nós vamos ter uma conversa.
— Mãe, por favor. Eu nem me despedi dele.
— Eu não quero saber. Você sabe muito bem que é proibido
trazer homens para esta casa, principalmente para o seu quarto,
Thaissa!
— Desculpa — falei, tentando parecer arrependida.
Minha mãe não desfez a expressão severa. Ela apenas disse:
— E mais uma coisa: quando eu não estiver aqui, nem sonhe
em trazer ele para cá de novo, certo?
— Certo.
Ela respirou fundo dessa vez, parecendo um pouco mais
calma.
— E só para avisar, eu estou aqui porque sua tia teve de
resolver alguns problemas e eu acabei voltando para casa. Eu
estava dormindo quando acordei com vozes no seu quarto.
— Desculpa — falei, novamente.
Ela olhou para mim e revirou os olhos.
— Jovens — resmungou. — Boa noite, e você está de castigo.
— O quê? — Eu ri, incrédula. — Fala sério, mãe. Eu já tenho
dezoito anos.
— Não me interessa. Você está de castigo, e ponto final. — Ela
me deu as costas e fechou a porta do meu quarto.
Eu caminhei até a cama e tirei meu celular do bolso.
Resolvi mandar uma mensagem para Mateus:

Um minuto se passou e ele não respondeu a mensagem.


Tentei ficar calma e paciente. Talvez ele estivesse dirigindo, ou
então, não estava a fim de me responder por causa do ocorrido.
Fiquei lutando para não fechar os olhos de sono, esperando
algum sinal de Mateus por mensagem.
Já faziam mais de quarenta minutos que eu enviei a
mensagem a ele e nada de eu obter respostas. Será que ele estava
com raiva de mim? Não, isso não. Não tinha sentido. Foi ele quem
quis assumir a culpa por mim.
Afastei os pensamentos pessimistas da minha mente e não
demorou muito para eu ceder ao sono.
Capítulo 13
Algumas pessoas entravam e saiam da cafeteria enquanto
outras permaneciam sentadas em seus assentos, tomando seus
cafés.
Havia um casal sentado na mesa à minha frente e eles se
beijavam a cada segundo. Eu estava começando a ficar irritada com
aquela cena melosa e me virei na cadeira, encarando a vitrine
decorada do estabelecimento.
O cheiro delicioso de café pairava no ar enquanto eu
bebericava meu cappuccino, perdida em pensamentos. Faziam mais
de doze horas que Mateus não me dava notícias de vida. Será que
ele ficou envergonhado pela minha mãe ter flagrado nós dois no
meu quarto? Eu já estava começando a levar esta hipótese em
consideração.
Um indivíduo de casaco preto e capuz obscurecendo o rosto
surgiu na frente da vitrine, me despertando de meus devaneios. Ele
estava na calçada e olhou para dentro da cafeteria, seu rosto
obscuro voltado na minha direção. De repente, sua mão fez um
gesto para eu ir ao seu encontro.
Permaneci no meu lugar e olhei ao redor para ver se ele não
estava chamando outra pessoa.
Todo mundo estava entretido com seus cafés e companhia e
ninguém estava olhando para vitrine. Parecia que era comigo
mesmo que ele queria falar. Olhei mais uma vez para ele. Em
seguida, o indivíduo abaixou o capuz e imediatamente eu o
reconheci.
Era Samuel.
Rapidamente eu peguei meu copo de café, fiquei de pé e saí
da cafeteria. Quem sabe Samuel não tinha alguma informação
sobre Mateus.
— E aí? — Samuel me cumprimentou.
— Oi. Por acaso, você sabe alguma coisa do Mateus?
Ele me analisou por alguns instantes antes de responder:
— Será que podemos conversar durante o caminho?
— E para onde vamos?
— Dar uma volta enquanto conversamos.
— Tudo bem — concordei, sem pensar muito.
Começamos a caminhar pela calçada. Em seguida, Samuel
pegou um maço de cigarros do bolso, colocou um cigarro na boca e
o acendeu com o isqueiro, soprando a fumaça no ar.
— Espero que você não se incomode — ele disse, se referindo
ao cigarro.
— Não, claro que não — Torci o nariz ao inspirar a fumaça
densa. — E então, sobre o quê você quer falar?
— Então, eu acho que você não sabe muita coisa sobre a vida
do Mateus, não é?
— Não muito. Mas por que você está me perguntando isso?
Foi o Mateus quem pediu?
Ele riu.
— Não. Não foi Mateus quem pediu para perguntar isso e
outra, eu não faço o que ele manda. Apenas sou amigo dele.
— Certo.
— Voltando ao assunto: você já deve ter percebido que Mateus
nunca fala da família dele, não é?
Eu o encarei, interessada.
— Eu já notei isso.
Samuel parou de andar, olhando misteriosamente para o meu
rosto.
— Espero que você esteja preparada para ouvir a verdade,
Thaissa. Mas o que eu vou te dizer vai ficar entre você e eu. Nem
pense em abrir essa boca para os seus amigos, muito menos para o
Mateus, entendeu? — Tinha uma pontinha de ameaça em sua voz.
— Tudo bem, pode confiar.
Ele me fitou por alguns segundos, como se estivesse
procurando alguma deslealdade em mim.
— Há mais ou menos três anos, Mateus perdeu os pais em um
acidente de carro, onde só ele teve sorte de sobreviver.
Meu coração quase parou depois de eu ter ouvido aquilo. Eu
quase perdi o equilíbrio. Era uma notícia muito forte para não se
abalar.
— C-como?
— O que você ouviu. Por isso ele não gosta de falar de seus
entes queridos. Mateus passou por um momento muito difícil nesses
últimos anos e só agora ele começou a seguir em frente. Por isso,
se você gosta dele, não o decepcione.
Além dessa história trágica, Samuel me contou que Mateus se
envolveu com pessoas perigosas após a morte de seus pais, se
rebelou e tomou uma surra por conta disso. Ele disse também que
Mateus se relacionou com uma garota de temperamento difícil,
chamada Lia, e que ambos viveram um relacionamento duradouro
até ela mudar de cidade.
Estávamos sentados no banco de uma praça quando Samuel
terminou de me contar boa parte da vida de Mateus. Logo, ele se
despediu de mim e foi embora enquanto eu fiquei na praça,
processando a grande quantidade de informações que Samuel tinha
despejado em mim.
Eu não imaginei que o passado de Mateus era tão tenebroso.
No começo, ele disse para eu ficar longe dele e um sinal de que ele
ainda estava sendo ameaçado surgiu na minha mente. Só me dei
conta de que eu estava ligando para ele quando ouvi sua voz do
outro lado da linha:
— Alô? — Houve uma pequena pausa. — Thaissa?
— Oi, Mat. Está tudo bem?
— Sim e com você? Resolveu as coisas com a sua mãe?
— Sim, mas eu fiquei preocupada. Você não respondeu as
minhas mensagens.
— Foi mal. Eu fiquei fora a maior parte do dia e nem dei muita
atenção para o celular.
Um arrepio percorreu a minha espinha com essa informação.
Não podia ser o que eu estava pensando.
— Thaissa?
— Oi! Estou aqui.
— Onde você está? Eu preciso te ver.
— Estou na praça, perto da cafeteria.
— Beleza. Estou indo aí. Chego em vinte minutos.
— Tá bom. Eu te espero.
Fiquei contando os minutos no relógio até Mateus aparecer na
calçada da praça. Ele estava usando uma touca preta e escondia as
mãos nos bolsos da calça jeans.
Abri um sorriso assim que ele me envolveu em seus braços e
tentei não transparecer minha compaixão quando lembrei de sua
história de vida.
— Eu sei que tem menos de 24 horas que a gente se viu, mas
eu senti a sua falta — Mateus disse, depois do abraço.
— Eu também. — Peguei seu rosto com as mãos e quase
fiquei nas pontas dos pés para selar meus lábios nos seus.
Minutos depois, nós dois estávamos aos beijos em um banco
mais isolado na praça. Mateus explorava minha boca com a língua e
eu me derretia com o seu toque, suas mãos grandes na minha nuca,
me deixando em êxtase.
Mateus deslizou os lábios quentes no meu queixo e começou a
beijar meu pescoço. Eu estava prestes a fechar os olhos e me
envolver ainda mais com o contato dos seus lábios na minha pele,
quando uma pessoa parada à nossa frente chamou a minha
atenção.
Uma garota de longos cabelos negros estava nos observando,
imóvel como uma estátua, os olhos arregalados sem piscar nem por
um segundo.
Capítulo 14
— Mat?
Mateus olhou na direção da garota que o chamou e ficou de
pé, de repente, a expressão surpresa.
— Lia — ele disse, o tom de voz frio.
Eu olhei chocada para Mateus quando ele disse esse nome.
Será que esta era a Lia que Samuel mencionou?
Eu não podia acreditar nisso.
— Vejo que você está bem acompanhado — a tal de Lia disse.
— Isso é bom.
— É — Mateus concordou. — O que você está fazendo aqui?
— Ah, eu cheguei há dois dias e resolvi te procurar. Desculpe
atrapalhar, é que eu estava com muita saudade de você e... — ela
se interrompeu e se jogou nos braços de Mateus, o abraçando. —
Senti tanto a sua falta.
Mateus não disse uma palavra. Ele apenas a abraçou com um
braço só, parecendo desnorteado.
Eu fiquei de pé, tentando ignorar o ciúmes surgindo dentro de
mim ao vê-los abraçados. Eu não queria acreditar que Lia era a ex-
namorada de Mateus e que agora ela estava de volta. Seria mais
reconfortante pensar que essa garota o abraçando fosse outra
garota com o menos nome da ex dele, mas eu não acreditei nem um
pouco nesse pensamento sem sentido.
— Mateus — eu o chamei, fazendo ele olhar para mim. —
Acho melhor eu ir.
— Eu vou te levar em casa. — Ele se aproximou de mim.
— Você é a namorada dele? — Lia perguntou, interessada.
Eu estava prestes a dizer que não, mas Mateus respondeu:
— Sim.
Eu o encarei, surpresa. A gente não tinha oficializado a
relação, mas se ele havia levado nosso relacionamento para outro
nível, isso era algo bom. Muito bom.
— Que boa notícia — Lia abriu um sorriso forçado e cortou a
distância entre nós, estendendo a mão na minha direção. — Prazer,
sou a Lia.
— Thaissa — Peguei em sua mão, recebendo um aperto firme.
— Então, a gente se vê, Mat — Lia disse com um aceno.
Mateus acenou de volta e envolveu meus ombros com os
braços, me guiando pelo caminho cimentado da praça. Assim que
nos afastamos um pouco de Lia, eu olhei para trás.
Ela estava com os olhos grudados na gente e percebendo que
eu virei o rosto para olhá-la, Lia ergueu a mão direita, exibindo o
dedo do meio para mim.
Virei o rosto para frente, chocada com o gesto obsceno.
— Você ficou meio estranha quando a Lia chegou — Mateus
disse, assim que deixamos a praça para trás. — Por acaso, você a
conhece?
— Não — falei, lembrando do que Samuel me disse sobre Lia.
— Eu só... fiquei surpresa. Ela apareceu do nada. É sua amiga? —
Esperei que ele confirmasse a história de Samuel sobre o namoro
com ela.
— Não.
E foi apenas isso. Mateus não disse mais nada sobre Lia.
— E de onde vocês se conhecem? — insisti no assunto.
Mateus me encarou, sua expressão meio desconfiada.
— Ela morava aqui, mas se mudou faz um bom tempo.
— E agora ela voltou para ficar?
Ele ficou pensativo antes de responder:
— Não sei.
Eu assenti, um pouco chateada por Mateus não ter dito que Lia
era a sua ex-namorada. Tentei entender o seu lado, mas confesso
que era muito difícil fazer isso, já que eu não sabia o motivo por
Mateus ocultar essa informação de mim.

***

O céu já estava escuro quando passei pelo portão da minha


casa, ajeitando a mochila nas costas. Assim que eu pisei o pé na
calçada, me deparei com Mateus atravessando a rua com passos
firmes.
— Ei. — Eu abracei quando ele chegou perto de mim. — Eu
não sabia que você ia me acompanhar até a faculdade.
Mateus estava com o corpo rígido e me afastou um pouco.
Logo, disse, o semblante sério:
— Precisamos conversar.
Eu estranhei sua fisionomia e seu tom de voz frio.
— O que aconteceu?
Ele suspirou, desviou a atenção para rua e voltou a me olhar.
— O Samuel te contou alguma coisa sobre mim, não foi?
Meu coração deu um pulo, prestes a sair pela boca. Mateus
tinha me pegado desprevenida dessa vez.
— Mateus, eu posso explicar.
— Não! — ele disparou. — Você não pode explicar nada,
Thaissa.
— Mas o que aconteceu? Eu não entendo...
— Aconteceu que eu não gosto quando falam da minha vida
pelas minhas costas.
— Mas por que você está tão alterado? Isso não é tão grave...
— Não é grave porque você não está na minha pele — ele
soltou, os olhos frios. — Você devia ter me contado que o Samuel
disse sobre os meus pais. — Ele parecia magoado e isso quebrou o
meu coração em mil pedacinhos. — Eu estava contando os dias
para dizer isso a você.
— Desculpa, eu... eu estava curiosa sobre sua família, mas eu
não sabia que isso ia te afetar tanto. — Toquei em seu rosto e ele se
afastou do meu toque, deixando minha mão no ar.
— É melhor a gente dar um tempo.
Eu pisquei com o que ele disse.
— Como assim um tempo? — Meu coração começou a
disparar. — A gente mal começou...
— Eu não posso continuar com isso desse jeito.
— Mateus, por favor.
— Eu não posso, Thaissa. — Sua expressão aflita mostrava
que ele não estava nada bem com a ideia de eu ter descoberto
sobre sua família através de Samuel. — Não precisa ligar para mim.
Eu vou ficar bem.
E então, ele me deu as costas e começou a se afastar,
deixando um vazio profundo dentro de mim.
Eu não podia deixar isso acontecer.
— Mateus! — Eu o chamei e comecei a ir atrás dele,
atravessando a rua. — Por favor, não faz isso!
Eu estava quase chegando na calçada do outro lado da rua
quando ouvi o som de pneus raspando no asfalto, seguido de uma
buzina. Olhei na direção do barulho e quase fiquei cega com os
faróis acesos e amarelos do carro machucando os meus olhos.
Antes que eu desse mais um passo, senti um forte baque na região
do quadril. Minha visão ficou turva, e logo, tudo se escureceu por
completo.
Capítulo 15
— Thaissa? Está me ouvindo?
Abri os olhos lentamente depois de ouvir a voz ao longe.
Pisquei diante da claridade que vinha do teto e me deparei com o
rosto preocupado de uma mulher.
Minha mãe.
— Meu, amor. — Ela me abraçou com cuidado, parecendo que
estava com medo de me machucar. — Você está bem? Está me
ouvindo?
— Mãe... — Estranhei minha voz rouca. Olhei ao redor e me vi
deitada em uma maca, dentro de um quarto branco de hospital. — O
que estou fazendo aqui?
Minha mãe acariciou meu cabelo, me lançando um olhar
compreensivo.
— Você sofreu um acidente. Não se lembra?
De repente, o barulho de carro derrapando e a minha visão
escurecendo surgiu na minha mente.
— Lembro — respondi, forçando-me a ficar sentada, mas
sentindo algo me impedindo.
— Não, filha. Não faz isso — Minha mãe me impediu e logo
começou a ajeitar o lençol branco em cima de mim. — A enfermeira
já está vindo. — Ela respirou fundo e continuou: — Infelizmente
você fraturou a perna esquerda e não pode fazer muito esforço.
Eu ergui as sobrancelhas, processando a notícia.
— Ai, que droga, mãe. — Tentei mexer a perna engessada e
pesada, mas não tive sucesso. — Quanto tempo vou ficar com isso?
— Mais ou menos 12 semanas, segundo o médico. Mas não se
preocupe. Vai passar rápido, amor.
Eu a encarei, incrédula. Não ia passar rápido. Eram 12
semanas e não, 12 dias.
— Seu pai veio te ver — minha mãe sussurrou.
— Cadê ele?
Minha mãe saiu do meu campo de visão e eu pude ver o meu
pai sentado em um poltrona no canto da parede.
— Pai — o chamei.
Ele se aproximou de mim, o rosto preocupado.
— Como você está?
— Estou bem.
— Você nos deixou preocupados, menina — Ele deu um beijo
na minha bochecha. — Fico aliviado por não ter acontecido nada
muito grave.
Eu assenti, pensando o mesmo.
— Alguns amigos seus estão aí. — Minha mãe avisou. —
Mateus também.
Não acreditei que Mateus tinha vindo me ver. Embora
aconteceu aquela confusão entre a gente, eu queria muito vê-lo.
Depois que meus pais saíram do quarto, Anne veio me ver e
Toni entrou logo em seguida.
— Eu espero que você melhore logo — Toni me lançou um
olhar cheio de ternura.
— Eu também — Anne disse ao lado dele. — Eu mal posso
esperar para gente sair juntas de novo.
— E eu não vejo a hora de tirar esse gesso — comentei,
tentando me conformar com a minha situação.
Assim que Anne e Toni foram embora, eu olhei na direção da
porta e vi Mateus parado entre o batente da porta.
— Posso entrar? — Ele perguntou.
— É claro.
Mateus atravessou o quarto e parou ao lado da maca, seus
olhos castanhos percorrendo cada detalhe do meu rosto. Notei que
os olhos dele estavam vermelhos, inclusive, ao redor das pálpebras.
— Você estava chorando?
Mateus pegou minha mão e a beijou com os lábios quentes.
— Eu pensei que fosse morrer.
Um arrepio atravessou o meu corpo.
— Que pensamento mais catastrófico.
— É sério, Thaissa. O carro quase passou por cima de você.
Eu fui um idiota por ter ido até a sua casa. Se eu tivesse ficado na
minha, isso...
— Ei — eu o interrompi. — Não aconteceu nada, Mateus. Eu
estou bem.
— Com uma perna quebrada — ele disse, como se isso fosse
muito terrível.
— Com uma perna quebrada, mas bem.
— Desculpa — ele começou a dizer . — A culpa foi toda
minha...
— Você não teve culpa de nada. Fui eu que não prestei
atenção e o motorista também não.
Mateus começou a acariciar meus dedos, a expressão aflita.
Só então, eu me senti impelida a perguntar:
— Você ainda quer dar um tempo?
Ele não respondeu de imediato. Pelo contrário, soltou a minha
mão e manteve seus olhos em mim.
— Esquece o que eu falei mais cedo. Eu quero continuar com
você.
Capítulo 16
Algumas semanas após o acidente, eu fui praticamente
obrigada pela minha mãe para ir à faculdade. Eu não queria ir. Eu
não queria ser motivo de compaixão e enfrentar olhares de pena. A
minha perna engessada iria chamar muita atenção, e eu não estava
disposta a encarar isso. Mas como as mães são poderosas e com
elas não se discute, lá estava eu, enfrentando os olhares penosos
da maioria dos alunos.
Como o professor precisou sair para resolver questões
pessoais na sala dos professores, eu decidi ler um livro chamado
Amor Impossível, Possível Amor. Era uma história sobre uma garota
apaixonada pelo seu professor, que resultou em um amor
impossível.
Enquanto meus colegas conversavam, eu comecei a me sentir
agoniada e numa crise de falta de paciência, joguei o livro dentro da
mochila, coloquei uma alça sobre o ombro e me levantei, pegando
minhas muletas.
— Onde você vai, Thay? — A voz de Toni soou atrás de mim.
Virei o pescoço para olhá-lo.
— Vou andar um pouco.
— Com a mochila? Quer ajuda?
Toni estava conversando com uma garota sentada atrás dele, e
eu não queria incomodar. Além disso, não era nenhum esforço para
mim carregar uma mochila nas costas.
— Não, obrigada. Se der tempo, eu vou passar na sala da
Anne.
— Ah, tá bom. Vai com cuidado.
Eu assenti e comecei a sair da sala, me apoiando nas muletas
para mover minha perna sã. Eu nunca tinha quebrado um osso até
então, e eu não fazia ideia de que era tão ruim e desconfortável
como estava sendo para mim naquele momento. Mas como disse
minha mãe, logo, logo eu iria me acostumar.
Fui até a biblioteca e parei quando vi Mateus sentado na mesa
dos fundos. Me aproximei dele, que estava tamborilando a caneta
no caderno fechado. Ele estava de costas e eu inclinei o meu rosto,
tocando o pescoço dele com o nariz.
— O que faz aqui? — sussurrei.
Seus olhos encontraram o meu rosto.
— O que você faz aqui, né? — Ele arrastou uma cadeira ao
seu lado e fez um sinal para eu me sentar.
— Estou cansada de ficar na sala — falei, assim que me
sentei. — O professor precisou sair para resolver umas coisas.
Mateus encostou minhas muletas na mesa e aproximou os
lábios dos meus, me beijando com ternura. Sua mão foi parar na
minha coxa e a outra segurou a minha nuca. Quando ele afastou os
lábios, perguntou:
— Quer ir embora?
— Falta só uma hora para acabar a aula e então... — Fiz uma
pequena pausa. — Vamos dar o fora daqui.
Um sorriso travesso surgiu no rosto de Mateus e, de repente,
ele se levantou e me pegou em seu colo, colocando o seu caderno
em cima de mim.
— O que você está fazendo?
— Sendo um cara legal e te ajudando. — Ele pegou as muletas
e me deu para segurá-las.
— Ah, fala sério. — Não acreditei que ele estava fazendo
aquilo. — Todo mundo vai ficar olhando.
— Nem tem ninguém nos corredores. — Ele começou a me
carregar como se eu pesasse menos de um quilo.

***

Enquanto Mateus dirigia a caminho da minha casa, eu olhava


fixamente para sua silhueta. Ele era tão cuidadoso e amável comigo
que, era difícil eu não me apaixonar cada vez mais.
— Que foi que você me olha tanto? — Ele perguntou, me
olhando de soslaio.
— Você é bonito.
Um sorriso se esticou pelo seu rosto.
— Eu sei. E você é muito gata — Ele me lançou uma
piscadela.
Eu abri um sorriso de orelha a orelha quando o celular de
Mateus começou a tocar sobre o painel, exibindo o nome de Lia na
tela. Eu nem imaginava que ele tinha o número daquela menina
salvo no celular.

— Oi — Mateus disse ao atendê-la. Houve uma pequena


pausa. — Estou indo para casa. — Mais uma pausa e logo, ele
continuou: — Não, Lia. — E então, ele desligou, jogando o celular
no painel.
— Problemas? — perguntei, curiosa.
— Não. É só a Lia enchendo o saco.
Eu assenti.
— Sem querer ser chata, mas eu acho que ela ainda é a fim de
você.
Mateus continuou olhando para frente.
— Eu acho que não — ele disse após alguns segundos.
— Sério? Porque está na cara, sabe? — Era melhor eu ser
sincera com ele. — Eu vi como ela olhou para você aquele dia na
praça.
— Mesmo se ela estiver a fim, vai ter que se conformar, porque
agora eu estou com você.
— Mas... você ainda sente alguma coisa por ela? Samuel disse
que vocês...
— Não — ele me interrompeu. — Esquece o que o Samuel
falou. Isso foi há muito tempo.
— Tá.
— Eu quero ficar com você e não com a Lia. — Ele pegou
minha mão e a beijou. — Espero que isso fique claro.
Eu fiz que sim com a cabeça.
— Está claro, bad boy.
Mais um sorriso se abriu em seu rosto.
— Você está me fazendo mudar de ideia. Acho que vou te levar
para minha casa. O que acha disso?
— Olha... eu não protestaria.
Dessa vez, ele virou o rosto na minha direção, sua expressão
levemente surpresa.
— Quer mesmo ir na minha casa?
— Se você estiver disposto a aturar eu e a minha perna
engessada...
Meia hora depois, eu conheci o quarto quase minimalista de
Mateus. As paredes brancas passavam um ar acolhedor e
contrastavam com a cama de casal no meio do quarto, a colcha
azul-escura dando personalidade ao ambiente. Havia também uma
TV pequena em frente à cama, e o armário cinza ficava no lado
direito, há um metro e meio da porta do banheiro. A escrivaninha
ficava do outro lado, um notebook fechado se destacando sobre o
móvel branco.
Mateus apareceu logo em seguida, segurando um prato
pequeno com um sanduíche e um copo de suco. Em seguida, ele
me ofereceu o lanche.
— Obrigada. — Deixei o prato em cima da cama e peguei o
copo. — Você é um anjo.
Ele sorriu e se sentou ao meu lado, me observando tomar um
gole do suco de laranja.
— Gostou?
— Está uma delícia.
— Que bom, porque está envenenado.
Eu o olhei, quase engasgando com o líquido que desceu por
minha garganta. Logo, Mateus gargalhou, o som da sua risada
preenchendo o quarto.
— Estou zoando — ele disse, brincalhão. — Eu não sou um
sociopata.
— Não, você é um idiota! — disparei. — Eu quase engasguei!
— Desculpa. — Ele tentou reprimir o sorriso. — Mas você tinha
que ver a sua cara.
— Eu vou jogar esse suco na sua cara, isso sim.
— Eu parei. — Ele ergueu as mãos. — Eu só estava brincando.
Você estava muito séria.
Eu respirei fundo.
— Eu só estava apreciando o seu quarto. — Peguei o
sanduíche. — É muito bonito.
— Obrigado. E enquanto você come o seu lanchinho, eu quero
te fazer uma pergunta.
Eu pisquei, interessada.
— Qual?
— Quer ser minha namorada?
E então, eu sorri feito uma boba.
— É claro que eu quero. — Eu me inclinei e selei meus lábios
nos seus.
Mateus também sorriu, pegou meu rosto e encostou seus
lábios quentes nos meus. Segundos depois, ele disse:
— Agora é oficial, meu anjo.
Capítulo 17
Um mês e vinte e cinco dias. Essa era quantidade de dias que
eu estava tentando viver normalmente com minha perna engessada.
Eu estava me acostumando, mas o gesso não deixava de ser um
incômodo.
O céu estava ensolarado naquela tarde, o ar fresco das árvores
da praça deixando um clima mais agradável.
— Vou pegar um sorvete. — Mateus ficou de pé, bloqueando
os raios solares que batiam na lateral da meu rosto. — Você quer de
qual sabor?
— Morango — respondi.
— Eu já volto. — Ele encostou seus lábios nos meus e
seguiu na direção da sorveteria.
Olhei ao redor da praça. Algumas crianças brincavam de
pega-pega enquanto um casal corria em um passeio cimentado.
Comecei a observar as crianças, deixando o sol esquentar o meu
rosto.
— Oi.
Olhei para trás na direção da voz.
Lia estava debruçada sobre o encosto do banco em que eu
estava sentada.
— Oi — soltei, a indiferença na voz.
Lia saiu detrás do banco e se sentou ao meu lado, sorrindo.
Sua mini-saia subiu alguns centímetros quando ela cruzou as
pernas.
— O tempo está bom hoje, não acha?
Eu concordei com a cabeça, intrigada. Mas logo, perguntei:
— Qual o seu problema? Você mostrou o dedo do meio para
mim e agora quer bater um papo?
Lia sorriu, como se suas atitudes estranhas não fossem nada
demais.
— Como vai sua relação com o Mat? — ela perguntou, de
repente.
— O que significa isso? Você é algum tipo de psicóloga?
— Só estou curiosa. Quando comecei a namorar com ele era
tudo perfeito, sabia?
Eu a encarei, alguns fios de cabelo preto voavam com a brisa.
— O que você quer dizer com isso?
— Eu só quero te alertar. Às vezes, ele tinha umas atitudes
ridículas e isso desgastou o nosso namoro.
Eu desviei o rosto, incomodada. Eu não estava a fim de ficar
ouvindo sobre o namoro de Lia e Mateus.
— Pelo que fiquei sabendo, foi você que foi embora e o deixou.
— Fui porque eu não tinha escolha — Lia grunhiu. — Mas
antes disso, ele se envolveu em várias coisas erradas e eu não
gostei nem um pouco. Imagina você acordar um dia e encontrar seu
namorado morto porque ele se meteu com mafiosos? Era isso que
eu pensava toda vez que ele saía para fazer aquele trabalho sujo.
Eu cruzei os braços, apreensiva. Eu também não gostava nem
um pouco dessa história.
— Então, foi por isso que você foi embora?
Lia demorou alguns segundos para responder:
— Não. Mas o que eu quero dizer é que às vezes, ele agia
como um escroto comigo. Então, cuidado.
— O que você quer dizer?
— Só para você tomar cuidado, flor.
— Começou, agora termina.
Ela riu.
— Nem sempre vale a pena perder a sanidade mental por um
homem.
— Seja mais específica.
— Eu já disse tudo o que eu tinha para dizer. Às vezes é
melhor sozinha do que mal acompanhada. — Lia lançou um olhar
curioso na minha perna engessada. — Onde você quebrou a perna?
— Foi num acidente.
Comecei a ver Mateus apontando lá na frente. Eu até
imaginava a surpresa no seu rosto ao ver a sua ex-namorada do
meu lado.
Lia olhou na mesma direção que eu e disse:
— Ele está vindo — Ela jogou o cabelo para trás.
Soltei um suspiro. Se ela me disse tudo aquilo, porque parecia
tão interessada nele?
— O que você está fazendo aqui? — Mateus perguntou para
Lia assim que chegou perto do banco.
— Eu estava passando e como vi sua namorada sozinha, vim
falar com ela — Lia respondeu. — Espero que você não se importe.
— Claro que não — Mateus me entregou meu sorvete de
morango.
— Obrigada — falei.
— Mat, eu queria saber se podíamos conversar qualquer dia —
Lia disse.
Mateus a encarou, desconfiado.
— Nós não temos nada para conversar, Lia.
— É algo sério.
— Não temos nada — Mateus repetiu.
— Então, eu vou te ligar. É um assunto sério.
— Então fala agora o que é.
Lia olhou para mim por breves instantes.
— É a sós.
— Vou pensar no seu caso. — O desinteresse estava explícito
na sua voz.
— Pensa com carinho. Bom, eu já vou. — Ela se levantou e
lascou um beijo na bochecha dele. Em seguida, olhou para mim
com um sorriso de canto. — Até mais, Thaissa. Espero que você
pense no que eu disse.
Mateus sentou ao meu lado assim que a Lia se distanciou. Ele
olhou para mim e depois, para o sorvete que eu nem havia tocado.
— Isso vai virar uma meleca se você não tomar logo.
Como eu não disse nada, ele continuou me encarando, dessa
vez com mais atenção.
— O que foi?
— Nada não. É que a Lia me disse umas coisas estranhas
sobre você.
Mateus não pareceu surpreso com o que eu disse.
— Não leve à sério o que ela fala. Uma coisa que eu aprendi é
que a Lia usa a manipulação para conseguir o que quer.
— É, eu meio que percebi isso. Ela disse para eu pensar
melhor ao seu respeito.
— Provavelmente ela quer te colocar contra mim. — Mateus se
encostou no banco. — Não acredite em tudo o que ela fala. É
sempre bom saber os dois lados da história.
Eu assenti, pensativa.

Quando a noite caiu, eu não consegui dormir. As coisas que Lia


tinha dito mais cedo estavam matutando na minha cabeça. Ela não
explicou o que Mateus fez a ela, e isso estava me deixando
intrigada. Será que ele foi agressivo, abusivo ou algo do tipo?
Olhei para Mateus dormindo ao meu lado. Ele estava em um
sono profundo com a mão pousada ao meu redor. Cuidadosamente
eu tirei sua mão de cima de mim, sentei na cama e estiquei o braço
para pegar as muletas ao lado da cama.
Ajeitei meu pijama e decidi deixá-lo dormindo. Eu iria assistir
um pouco de televisão na sala.
Comecei a descer a escada com dificuldade, segurando no
corrimão de um lado e me apoiando na muleta de outro. Minha
perna engessada só servia para dificultar ainda mais a descida.
Quando cheguei na metade da escada, me desequilibrei e deslizei
de costas sobre os degraus, sentindo a pancada nas minhas costas
ao chegar no chão.
Capítulo 18
— Thaissa? — Mateus surgiu escada acima e desceu de dois
em dois degraus. — Caramba! O que você estava fazendo?! — Ele
analisou o meu rosto ligeiramente e me puxou para os seus braços.
— Eu escorreguei — falei, sentindo a dor na pancada nas
minhas costas. — Eu só queria assistir um pouco.
— Por que você não me chamou?
— Eu não queria te acordar.
Mateus me levantou para o seu colo e me levou até o sofá,
minhas costas latejando.
— Você está bem? — Seus olhos preocupados passearam
pelo meu rosto.
Eu fiz que sim com a cabeça.
— Você devia ter me chamado para te ajudar. — Ele se afastou
para ligar a luz da sala. — Poderia ser pior, sabia?
— Você não devia pensar no pior o tempo todo. — Meus olhos
se incomodaram com a claridade.
Mateus retornou, parecendo incomodado com o meu
comentário.
— Às vezes, é difícil pensar em coisas positivas. O que eu
posso fazer se só acontece tragédia na minha vida?
Eu afundei no sofá quando ele disse aquilo. A dor nas minhas
costas se intensificou ainda mais.
— Desculpa. Eu só quis dizer que você não precisa pensar
em coisas ruins o tempo todo.
— Não é tão simples, meu anjo. — Ele pareceu pesaroso. —
Depois de alguns meses do acidente, eu fui diagnosticado com
estresse pós-traumático. Eu me culpava por ser o único
sobrevivente e eu também tinha pesadelos frequentes. — Ele
encarou a TV desligada. — Eu fiz tratamento por um tempo antes
de... me envolver na podridão que o mundo oferece.
Eu peguei em sua mão, afetada com o seu relato.
— Você conheceu a Lia depois disso?
Mateus negou com a cabeça.
— Eu a conheci no consultório psiquiátrico. Eu já devia saber
que uma relação com duas pessoas desgraçadas da cabeça não ia
dar muito certo.
E imediatamente eu me interessei.
— Qual o problema que a Lia tinha?
Mateus deu de ombros.
— Eu não sei exatamente. Só sei que ela tem problemas na
família. A mãe dela é viciada.
Eu assenti. Uma coisa era certa: os problemas batiam na porta
de todos e não tinha como fugir.

***
Eu estava no intervalo jogando conversa fora com Anne
quando fiquei sabendo, por mensagem, que Mateus tinha faltado na
aula hoje.
— Não vou ter carona hoje — comentei com Anne.
— Por quê?
— Mateus não veio.
Desde que eu havia fraturado a perna, Mateus se comoveu
para me dar uma carona quando as aulas acabavam.
— Eu te acompanho até o ponto de ônibus — Anne se
ofereceu. — Não se preocupe.
— Eu sou um pé no saco com essa perna.
— Cala a boca. Você não teve culpa. — Anne se endireitou na
cadeira e esboçou um sorriso. — Além disso, eu estou sempre
disposta para ajudar.
Eu sorri de volta.
— A minha sorte é ter uma amiga como você.
— Você sabe que eu te considero como uma irmã, Thay.
Quando precisar da minha ajuda, é só me chamar.
Eu assenti, me sentindo grata.
Assim que chegamos no final da aula, Toni me ofereceu uma
carona para casa. Quando nós dois chegamos no estacionamento,
eu avistei Mateus saindo de seu carro. Ele começou a caminhar na
nossa direção, seus olhos passando rapidamente por Toni ao meu
lado.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei.
— Eu vim te buscar.
— Eu achei que você não viesse. O Toni ia me dar uma carona.
Toni assentiu, confirmando a minha frase.
— Então, não vai precisar mais — Mateus se aproximou de
mim. — Vamos?
Eu olhei para Toni e falei:
— Obrigada pela gentileza.
— Por nada. — Ele sorriu, suas covinhas sempre presentes. —
É sempre um prazer te ajudar.
Mateus encarou Toni, a expressão desconfiada.
Eu estava prestes a dar um passo com a ajuda das minhas
muletas, quando vi Lia saindo do carro de Mateus.
— O que ela está fazendo aqui? — perguntei.
Mateus olhou na direção de Lia.
— A gente saiu para conversar — ele disse, como se os dois
fossem ótimos amigos. — Aí para eu não me atrasar, decidi trazer
ela comigo.
Eu estava incrédula com o que acabei de ouvir.
— Você disse que não ia conversar com ela — falei.
Ele estranhou minha frase.
— Eu não disse isso.
— Foi o que eu entendi. Por que você não me contou? Vocês
estão saindo em segredo?
— Thaissa, não é nada disso. Eu só queria que ela parasse de
me encher o saco, por isso decidi acabar logo com isso.
— E o que vocês fizeram? Reataram o namoro?
— Não! Não aconteceu nada.
— Se você decidiu esconder isso de mim, é porque algo
aconteceu.
— Eu não escondi nada de você.
— Escondeu, sim! — Olhei para Toni que estava ao meu lado,
presenciando o começo da discussão. — Você pode me levar para
casa, Toni?
— É claro — Toni disse prontamente.
— Você está de brincadeira — Mateus soou atrás de nós. —
Você acha que eu fiquei com a Lia só porque ela está no meu
carro?!
— A nossa conversa acabou, Mateus. — Comecei a caminhar
ao lado de Toni. — A Lia está te esperando.
Assim que deixei um Mateus chocado no estacionamento da
faculdade, entrei no carro cinza de Toni.
Eu estava tão indignada por Mateus não ter me dito que ia sair
com a Lia, que não falei um A durante todo o percurso até a minha
casa.
— Deixa que eu te ajudo a descer — Toni disse, saindo do lado
do motorista.
Ele abriu a porta para mim e ofereceu sua mão para eu firmar o
pé no chão. Me apoiei nas muletas e antes de eu me despedir de
Toni, vi o seu rosto vindo de encontro ao meu.
Antes que Toni encostasse a boca na minha, eu desviei o rosto,
surpresa.
— O que você está fazendo?
Ele parou, se dando conta do que estava prestes a fazer.
— Eu...
— Toni, eu sou comprometida.
— Eu só... — Ele me olhou, parecendo desconcertado. —
Desculpa.
Eu respirei fundo, tentando não pensar muito.
— É melhor eu entrar.
— Desculpa, Thaissa. Eu não queria fazer isso.
— Obrigada pela carona — falei, me esforçando ao máximo
para andar rápido com as muletas. Eu não queria olhar na cara de
Toni, pois a vergonha já estava tomando conta de mim.
Se eu tivesse acompanhado Mateus, isso não teria acontecido.
Com certeza, não teria. Eu só seria obrigada a dividir o carro com
Lia e enfrentar sua presença desagradável.
Capítulo 19
— Este telefone não está disponível para receber chamadas.
Encerrei a ligação antes mesmo que a voz eletrônica repetisse
a mesma frase.
Soltei um suspiro e joguei o celular na cama.
Era a terceira e última vez que eu ligava para Mateus. Ele não
me atendeu nenhuma vez e, sendo assim, eu deduzi que ele
estivesse com raiva de mim.
Era difícil fingir que eu não me importava, quando, na verdade,
eu estava morrendo de vontade de cair nos braços dele. Mas eu não
ia correr atrás de Mateus como uma trouxa. Foi ele que saiu com a
Lia e não eu.
Tentei me conformar com a situação. O jeito era esperar para
ver o que iria acontecer nas próximas horas.
A noite caiu e eu cheguei na faculdade totalmente angustiada.
Já estava passando das 19 horas e nada de eu obter respostas de
Mateus.
Para contribuir com o meu estado angustiante, encontrei Toni
parado no corredor. Pensei na hipótese de passar despercebida por
ele, mas isso não seria possível porque já estávamos a uns três
metros de distância.
— Thaissa. — Ele cortou a pequena distância entre nós,
claramente atordoado. — Me desculpa por ontem. Por favor...
Eu respirei fundo.
— Tudo bem, Toni. — Abri um sorriso forçado.
— Eu fui um idiota.
Eu estava prestes a assentir, mas percebi que isso ia confirmar
a sua frase.
— Eu só... quero deixar claro que te vejo como amigo. Só
como amigo.
Toni fez que sim, a expressão envergonhada.
— Isso não vai mais acontecer.
Ele enfiou as mãos nos bolsos, os olhos voltados para baixo.
Olhei, distraída para os ombros de Toni e vi Mateus passando
rapidamente atrás dele. Automaticamente, eu me esforcei nas
muletas para ir atrás do meu suposto namorado, deixando Toni para
trás. Assim que o alcancei, ele fingiu que eu não estava ao seu lado
e continuou caminhando. Nem olhou para mim.
— Não vai mais falar comigo? — perguntei.
— Não tenho nada para falar.
— Como não? — Puxei a manga de seu casaco, fazendo-o
parar. — Eu te liguei várias vezes e você não me atendeu.
— Deixei o celular no silencioso.
— Ah, Mateus, não vem com essa! Nós precisamos conversar
sobre ontem.
Mateus me olhou, sério.
— Foi bom o seu passeio com o Toni?
— Foi bom o seu passeio com a Lia?
Ele desviou os olhos do meu rosto, mas logo voltou a me fitar.
— Eu não vou repetir. Eu já falei que não aconteceu nada entre
a gente.
— Tudo bem — falei. — Eu acredito em você.
Mateus ergueu uma sobrancelha.
— Assim, tão rápido?
Eu assenti.
— Eu fiquei com ciúmes, essa é a verdade.
— Me diz algo que eu não saiba.
— É sério. Eu não quero ficar brigada com você.
Mateus demorou alguns segundos para expressar uma reação.
Em seguida, ele se aproximou e envolveu meus braços, beijando o
topo da minha cabeça.
— O seu amiguinho te deixou em casa?
— Sim. — respondi, inalando o seu cheiro de colônia
impregnado na roupa.
Se eu dissesse para Mateus que Toni tentou me beijar, teria
uma grande chance de brigarmos novamente, e eu iria fazer o
possível para fugir disso.
Assim que Mateus parou de me abraçar, seu celular tocou.
Ele tirou o celular e pela sua cara, deduzi que não era um
contato esperado.
— É a Lia.
— Estava demorando...
Mateus pareceu pensativo enquanto o celular tocava. Ele
demorou tanto para atender que a ligação caiu. Mas um minuto
depois, ele recebeu a notificação de uma mensagem.
— Me atende, por favor — Mateus começou a ler a mensagem
em voz alta. — Eu preciso de você.
Eu olhei para ele, intrigada.
— Ela deve estar achando que vocês voltaram.
— Azar o dela. — Ele desligou o celular e o guardou no bolso.
— Eu tenho uma namorada para dar atenção.
Capítulo 20
— Cuidado, mais devagar.
Eu estava descendo a rampa do hospital, sendo guiada por
Mateus, seus movimentos tentando controlar meus passos
apressados.
— Mateus, eu estou bem.
— Eu sei, mas você não pode fazer muito esforço, lembra?
Revirei os olhos. Eu tinha acabado de tirar o gesso da minha
perna e o médico me deu algumas recomendações, dizendo para eu
não me esforçar muito. Mesmo assim, fiquei aliviada sem aquele
treco pesado na perna.
Assim que chegamos perto do carro, eu abri a porta e entrei.
Porém, antes de Mateus dar partida no veículo, eu me inclinei em
sua direção e puxei seu rosto para perto do meu, o beijando.
— Obrigada por me acompanhar. Você merece um beijo —
falei.
Ele sorriu.
— Só um?
— Vários, mas depois a gente termina o que começamos.
Alguns longos minutos depois, estacionamos o carro em frente
ao parque de diversão de Hilionópoles.
— O que estamos fazendo aqui? — perguntei, olhando para o
parque fechado e solitário, sem o mesmo brilho que esbanjava nas
noites de fim de semana.
— Você vai ver — Mateus respondeu, saindo do carro.
— O que é? — perguntei, saindo do veículo. — O parque está
fechado. O que viemos fazer aqui?
— Você faz muitas perguntas — Mateus começou a me guiar
na direção do parque.
O portão de ferro estava destrancado. Mateus abriu uma fresta
o suficiente para passarmos.
Olhei para ele, confusa.
— Por que está aberto? E como você sabia? É errado a
gente entrar assim, sabia?
— Meu anjo, o que eu quero é só ficar um pouco aqui com
você. O que tem de mau nisso?
Mateus me guiou até o meio do parque, um espaço vazio
entre o carrossel e a roda-gigante. Avistei a montanha-russa há
poucos metros de nós. Ela parecia menos assustadora durante o
dia.
— Onde você está me levando? — perguntei.
— Você já vai saber. — Um meio sorriso surgiu em seu rosto.
Momentos depois, ele parou em frente à barraca de prêmios e
abriu a porta.
— O que você está fazendo?
— Eu conheço o dono. Fica tranquila — dito isso, ele me puxou
para dentro do local.
A barraca estava escura, como já era de se esperar. Mas
tateando as paredes frágeis, Mateus conseguiu achar algum
interruptor e ligou a luz. Uma sequência de ursinhos de pelúcia
coloridos em uma prateleira chamou a minha atenção.
— Gostou dos ursinhos carinhosos, meu anjo?
Olhei para Mateus.
— São uma graça. Mas eu não entendi porque a gente veio
aqui.
Ele deu de ombros e se sentou em um banco perto da
prateleira de ursinhos.
— Eu venho aqui às vezes. Me causa uma certa tranquilidade.
— É uma pena que não é tão divertido durante o dia. — Parei
na frente dele.
— É, mas eu gosto justamente disso. O silêncio é confortável.
Eu sentei em seu colo e peguei em seu rosto.
— Então, a gente deveria parar de falar e aproveitar o silêncio.
Bastou eu dizer isso e Mateus colou os lábios nos meus,
começando a me beijar, seu cheiro delicioso entrando nas minhas
narinas.
Pouco depois, suas mãos foram parar na minha bunda e eu
agarrei o tecido da sua camiseta, imaginando ele sem a peça. Não
sei quantos segundos se passaram, mas eu peguei na barra da sua
camiseta e a puxei para cima. Deixei a roupa cair no chão enquanto
eu observava de perto algumas tatuagens nos ombros de Mateus.
— Todas elas têm significado? — perguntei.
— Algumas. — Ele apontou para um pequeno relógio de areia
no seu pulso esquerdo. — Essa aqui, por exemplo, eu fiz para me
lembrar em como a vida pode acabar de repente. Uma hora
estamos aqui e depois não estamos mais.
Eu refleti sobre a sua frase forte e cheia de sentido. Em
seguida, Mateus afundou os dedos na minha nuca e continuou:
— É por isso que a gente tem que aproveitar cada momento.
Eu assenti e voltei a beijá-lo, mais fervorosa dessa vez.
Eu já estava decidida.
— Eu quero que a minha primeira vez seja com você — revelei.
Mateus não disse nada, apenas me fitou, seus olhos castanhos
atentos ao meu rosto. Em seguida, seus lábios vieram de encontro
aos meus, ávidos e necessitados.
Pouco depois, ele trocou de lugar comigo e sentou-me no
banco. Desejando-o a cada segundo que passava, eu me livrei do
short jeans e tirei a blusa, exibindo meu sutiã preto sem o menor
pudor. A luz dentro da barraca não era uma das melhores, mas
mesmo assim eu notei as pupilas dilatadas de Mateus.
Não demorou para ele fazer uma trilha de beijos na minha pele,
começando do meu pescoço até o colo. As pontas dos seus dedos
tocaram as minhas costas e ele abriu o fecho do sutiã, deixando-o
cair no chão. Mais uma vez a vergonha não se fez presente.
Sua língua experiente roçou os meus mamilos e depois desceu
por minha barriga, sua respiração quente arrepiando a minha pele.
Um de seus dedos foram parar dentro da minha calcinha e eu joguei
o rosto para trás com o toque.
Após me provocar com os dedos, Mateus tirou a minha
calcinha, e eu soltei uma espécie de gemido quando a sua língua
tocou o meu clitóris. Afundei os dedos em seu cabelo e quase puxei
os fios sedosos ao sentir o prazer assumindo o meu corpo e me
causando alguns tremores.
Assim que eu atingi o clímax, Mateus colocou uma mexa do
cabelo para trás da orelha e perguntou:
— Está pronta?
Eu o olhei, completamente excitada e ansiosa.
— Mais que pronta.
Eu deitei em cima das minhas roupas no chão quando Mateus
veio para cima de mim, depois de ter jogado a embalagem da
camisinha no chão. Contei três segundos até sentir seu pênis me
penetrando devagar. Em determinado momento, eu senti como se
algo estivesse se rasgando dentro de mim e afundei as unhas em
seus músculos, a dor se intensificando a cada segundo.
— Tudo bem? — Mateus perguntou, seus olhos cheio de
expectativa no meu rosto.
Eu assenti, minha respiração audível.
Ele esboçou um meio sorriso antes de acariciar meu cabelo
com as pontas dos dedos.
Depois que fomos até o fim, Mateus relaxou seu corpo em cima
do meu e roçou os lábios no meu queixo. Eu o abracei, erguendo
seu rosto e o beijando, satisfeita.

***

Estava escurecendo quando Mateus e eu chegamos em frente


à sua casa. Ele me puxou para dentro da sala, mas parou
abruptamente assim que ligou a luz.
E foi aí que eu entendi o motivo de sua parada brusca.
Haviam objetos e gavetas reviradas e jogadas no chão,
incluindo cacos de vidros de alguns porta-retratos. Livros e folhas
rasgadas também se misturavam à bagunça.
— Quem fez isso? — perguntei, chocada.
— Eu.
Olhei na direção da voz rouca e anasalada.
Lia tinha acabado de surgir na sala e sua expressão estava
horrível. Seu rosto estava encharcado de lágrimas e seus olhos
inchados enquanto ela segurava um punhado de fotos nas mãos.
— O que você está fazendo na minha casa? — Mateus se
manifestou. — E por que fez isso?
— Ódio! — Lia respondeu, ainda em prantos. — Ódio de
você, Mateus! Essa garota tem que estar em todos os lugares?! —
Ela me fulminou com o olhar e arremessou as fotos na minha
direção, que caíram a meio metro de mim. — Por quê?! Você tem
que ficar comigo!
Fiquei atordoada ao vê-la tão fora de controle.
— Lia, você não está bem — Mateus disse o óbvio e se
aproximou, tentando acalmá-la. — Senta um pouco.
— Não! — Lia se ajoelhou e abraçou as pernas de Mateus. —
Você precisa esquecer ela, Mateus! Volta pra mim! Por favor! Manda
ela embora e fica comigo!
Eu cobri a boca com a mão, me sentindo aflita com aquela
cena. Certamente Lia estava fora de controle.
— Lia, eu não posso fazer isso. — Mateus a colocou de pé. —
Ela é minha namorada.
De repente, ela empurrou Mateus.
— Cretino — Ela sibilou. — Eu te odeio! Como você pode amá-
la mais do que me ama?!
— Eu não te amo mais.
Essas poucas palavras fizeram Lia congelar, ficando com a
boca entreaberta e os olhos arregalados.
— Você não pode fazer isso comigo... — Sua voz falhou no
final e ela começou a chorar, soluçando de um jeito incontrolável.
— Meu Deus — falei para mim mesma, horrorizada com tudo
aquilo.
Não tão diferente de mim, Mateus parecia desnorteado com a
situação.
— Se você continuar com ela... — Lia fez uma pequena pausa.
— Eu me mato. Eu juro.
Meu coração pulou no peito com o que ouvi. Como ela podia
dizer uma coisa dessas?
— Lia, vai embora — Mateus falou de repente. Ele agarrou
seu braço, levando-a na direção da porta. — Você tá louca.
— Não! — Ela começou a se debater. — Você não vai ficar
com ela!
E sem eu esperar, Lia se soltou de Mateus e avançou em
mim, como um animal selvagem. Nós duas caímos no chão, e eu
tentei me defender enquanto ela me estapeava ferozmente. De
repente, tudo parou.
— Vai embora agora, porra! — Mateus gritou, segurando seus
braços.
— Não! — Seu berro ecoou pela casa.
Lia se recusou a sair, dando gritos e tapas em Mateus. Depois
de tanto esforço, ele conseguiu botá-la para fora e foi aí que tudo
cessou.
Fui até o sofá e me sentei, respirei fundo duas vezes.
— Você está bem? — Mateus sentou ao meu lado, segurando
meu rosto com as mãos.
— Estou — respondi. — Mas o que foi aquilo?
— Ela tem problemas sérios. — Mateus se encostou no sofá,
o olhar meio perdido. — É louca.
Eu não disse nada de volta. Apenas o abracei, tentando
tranquilizá-lo. Não era nada fácil ter uma ex-namorada que não
conseguia seguir em frente.
Capítulo 21
O carro corria pela estrada naquela noite chuvosa.
Coloquei os fones de ouvido e aumentei o volume da música.
Não escutei o que meu pai conversava com minha mãe. Apenas
olhei para a janela embaçada e mantive o foco nas gotículas de
chuva que escorriam pelo vidro.
Não sei quantos minutos se passaram, mas quando eu estava
quase adormecendo, minha mãe pegou no meu joelho, me
despertando. Tirei os fones de ouvido para escutar o que ela tinha a
dizer:
— Estamos chegando, Mat. Quer comer alguma coisa?
— Não.
— Certeza? — Meu pai perguntou. — Tem um restaurante aqui
perto. Podíamos parar para comer alguma coisa. O que acha?
A verdade era que eu não queria comer nada, mas se eles
queriam, eu não tinha o porquê de recusar.
— Tá — falei. — Vamos então.
O carro continuou correndo na mesma velocidade. Um outro
veículo passou por nós, sumindo mais adiante na neblina. A chuva
ficava cada vez mais forte, embaçando o vidro.
— Jorge, é melhor pararmos um pouco. A chuva está muito
forte — Minha mãe disse, em tom de alerta.
— Calma. Já estamos chegando — Meu pai deu uma olhada
através do retrovisor. — Só mais três minutos e chegaremos no
restaurante.
Após ele ter dito aquilo, um barulho de pneus rangendo no
asfalto surgiu, tornando o som da chuva apenas um chiado. Através
do vidro embaçado eu pude ver um caminhão desgovernado,
arrancando faíscas do asfalto e avançando na nossa direção.
O grito da minha mãe preencheu o carro.
A única coisa que me passou pela cabeça no segundo seguinte
foi assumir o volante e dar uma ré milagrosa para salvar a nossa
pele. Mal toquei no volante, passando meu corpo
desesperadamente por cima do meu pai, quando um forte estrondo
fez tudo ficar escuro.
Acordei assustado e completamente desnorteado.
Olhei em volta e me deparei com as paredes brancas do meu
quarto, o sol da tarde proporcionando uma coloração alaranjada no
ambiente. Me levantei da cama e uma angústia se aprofundou
dentro de mim. Era como se houvesse um buraco no meu peito,
clamando para ser preenchido.
Cambaleei até a janela aberta com lágrimas escapando dos
meus olhos.
Maldita lembrança!
Fazia um bom tempo que eu não tinha esse tipo de sonho,
mostrando exatamente o que aconteceu no dia em que meus pais
morreram.
Dei um soco na parede, externalizando a minha raiva e, logo,
me dei por vencido e me escorreguei até o chão, sentindo os nós
dos meus dedos latejando.
Sentado ali, fitando a parede à minha frente, comecei a ter
vários pensamentos relacionados ao acidente até que cambaleei
novamente à procura do meu celular. Quando o encontrei, procurei
o nome da minha namorada na lista de contatos, deitei a cabeça no
colchão e coloquei o celular na orelha, ouvindo o som da chamada.
As lágrimas desciam sem parar, por vontade própria. Por fim, ela
atendeu, acho que no último toque:
— Mateus? Oi, está tudo bem?
— Não. — Fechei os olhos. — Você pode vir aqui ficar
comigo? Por favor...
— O que aconteceu? Sua voz está diferente.
— Vem, por favor, Thaissa.
— Fica calmo. Eu estou indo aí. Não faça nada.
Deixei que o celular escorregasse do meu rosto e
permaneci ali, o buraco no meu peito se tornando a maior a cada
segundo. O vazio continuava me desgastando.
Acordei com alguém me sacudindo. Abri os olhos lentamente,
o rosto à minha frente me encarou com uma expressão aflita.
— Mateus! Está me ouvindo? — Thaissa perguntou,
segurando meu rosto.
— Sim.
Consegui sentar na cama e ela se colocou na minha frente.
— O que aconteceu? — Thaissa pegou meu rosto com as
mãos. —Você estava bem.
Apenas olhei para ela sem dizer nada. De repente, seus
lábios tocaram os meus rapidamente.
— Não saia daí. Eu já volto. — E, pulando da cama, ela saiu
do meu quarto.
Fechei os olhos por longos instantes até que sua voz
irrompeu no meu ouvido novamente:
— Amor, acorda. Você precisa tomar um pouco de água.
Abri os olhos. Ela segurava um copo d'água e eu estava a
ponto de negar, mas ela já estava enfiando a borda do copo na
minha boca. Por pouco eu não engasguei com o líquido frio.
— Você vai ficar bem. — Ela começou a acariciar meu
cabelo. — Eu estou com você e vai ficar tudo bem.
— Fica aqui comigo — falei, temendo que ela me deixasse.
— Vou ficar. — Thaissa se aninhou ao meu lado, me
deixando aliviado.
Eu a envolvi com os braços e fechei os olhos. Aquele vazio
já não incomodava tanto com ela ali.

Quando acordei, a claridade do sol estava entrando pela


janela aberta.
Olhei para o lado e Thaissa não estava ali. Pulei da cama já me
sentindo bem e revigorado. Não havia indícios de que eu havia
passado por aquele momento doloroso e agonizante há algumas
horas atrás.
Fui até o banheiro e assim que saí, desci as escadas,
sentindo o cheiro de café pairando no ar.
Desci mais rápido, e a encontrei na cozinha, de frente para
janela, e de costas para mim. Aproximei-me lentamente e então,
envolvi seus braços com os meus, sentindo seu cheiro levemente
adocicado.
Ela girou nos calcanhares e perguntou:
— Você está bem? — Seus olhos cor de mel me fitaram. —
Melhorou?
Eu fiz que sim.
— Você cuidou direitinho de mim.
Ela sorriu e puxou meu rosto para baixo, me dando um beijo
rápido.
— Fiquei preocupada quando vi você naquele estado. O que
aconteceu?
— Sonhei com o acidente dos meus pais...
— Eu não sabia que você ainda tinha sonhos assim.
— Fazia tempo que eu não tinha. Sempre tive no começo.
Thaissa esfregou as mãos nos meus braços.
— Mas que bom que você já está melhor.
— Eu preciso te agradecer por você ter saído para cuidar de
mim. — Eu envolvi sua cintura, beijando o topo da sua cabeça.
— Por você, eu faço tudo o que estiver ao meu alcance.
Capítulo 22
— Vou sair hoje à noite.
Minha mãe estava em frente à pia lavando a louça e olhou para
trás ao ouvir a minha voz.
— Você vive saindo, Thaissa. — Ela voltou a atenção para o
que estava fazendo. — Você vai para onde?
— Vou numa festa com o Mateus.
Mateus tinha acabado de me enviar uma mensagem, me
chamando para eu ir numa festa com ele. Eu nem pensei duas
vezes antes de lhe dar a resposta. Eu fiquei meses sem poder me
divertir por causa da minha perna e não era agora que eu estava sã,
que eu iria recusar.
— Hm. Eu quero você aqui antes da meia-noite.
Eu ri.
— Meia-noite eu vou estar saindo daqui, mãe.
— Que absurdo. — Ela se virou e se encostou na pia, olhando
para mim. — Nada de trazer namorado para casa, ouviu? Eu vou
estar à espreita, caso isso aconteça.
Eu revirei os olhos.
— Tudo bem.
A noite chegou rápido naquele sábado. Provavelmente porque
eu decidi adiantar um trabalho da faculdade antes de me arrumar
para festa.
Eu já estava pronta quando Mateus apareceu para me buscar.
Optei por uma calça jeans, jaqueta e botas de salto alto.
— Você está linda — Mateus disse assim que eu me aproximei
dele.
— Obrigada. Você também está um gato. — E era a mais
pura verdade. Mateus não precisava se arrumar muito para chamar
a atenção. Uma camiseta básica e uma calça eram o suficiente para
ele se destacar na rua.
Ele arrancou com o carro pela estrada depois de eu ter
colocado o sinto de segurança.
— Onde é a festa? — perguntei, percebendo alguns lugares
estranho após alguns minutos de corrida.
Ele hesitou antes de responder:
— Não é bem uma festa.
Olhei para ele, intrigada.
— Como assim?
— É um racha de motos. — Ele continuou olhando para o
volante.
— Racha de motos?! — repeti, chocada. — Você está
louco?!
— Calma — ele disse na maior tranquilidade. — Nós só
vamos assistir.
— Mateus, isso é ridículo! Você me enganou! — Bati as
mãos em punho no meu colo. — Eu Não acredito!
Mateus ficou calado, os olhos presos ao volante.
— Você deveria ter falado a verdade — continuei.
— Porra, Thaissa. Quer voltar? Eu dou a volta e te deixo em
casa!
— Já estou aqui, não vou voltar.
Afundei no banco estofado e encarei a noite pela janela. Eu
não queria olhar para Mateus. Sei que parecia infantil, mas não
gostei nada sobre ele ter me enganado sobre a festa.
Um tempo depois, Mateus estacionou o carro em uma rua
deserta e escuro. A única iluminação dali vinha de um poste a
alguns metros de distância.
— Vamos — ele saiu do veículo.
Eu hesitei em abrir a porta, mas logo saí do carro. O vento
frio soprou o meu cabelo para todos os lados e eu fechei a minha
jaqueta.
— Que lugar é esse? — perguntei.
Mateus deu de ombros e guardou a chave do carro no bolso
da calça.
Eu suspirei e o segui pela rua deserta. Era possível ouvir o
barulho dos grilos e dos meus saltos batendo no asfalto. Além disso,
todos os estabelecimentos daquela rua eram fechados e pareciam
abandonados.
— Onde é esse tal de racha? — perguntei, depois de
andarmos duas quadras também desertas.
— Estamos chegando — Mateus respondeu em um fio de
voz.
Momentos depois, eu comecei a ver uma movimentação
mais adiante.
Quando nos deparamos com uma multidão enorme, eu não
tive dúvidas de que aquele era o local do racha. Álcool e drogas
circulavam livremente por ali enquanto alguns caras bombados e
mal-encarados lançavam olhares curiosos na nossa direção.
Mateus pegou na minha mão de repente.
— Não sai de perto de mim.
— Eu não seria louca — falei, vagando o olhar em todas as
direções.
— E relaxa, não vai acontecer nada.
— Espero que não mesmo.
Logo, Samuel surgiu no meio da multidão.
— Eu pensei que vocês não viriam mais. Vamos! — Ele
tomou a frente, parecendo animado.
— Você vai participar? — perguntei a Samuel.
— Hoje não, mas se você quiser me ver correndo nessas
belezinhas, eu te convido qualquer dia.
— Sem essa, cara — Mateus disse. — Eu nem deveria ter
convidado ela.
— Qual é, Mateus? Relaxa. Ela tem que conhecer as
nossas paradas, tá ligado?
— Nossas paradas? — Eu ergui um olhar questionador
para Mateus. — Não me diga que você participa disso também?
— Eu participava. Não corro mais.
Respirei, aliviada. Esse tipo de corrida devia ser bem
perigoso e se Mateus continuasse envolvido nisso, eu surtaria de
vez.
Algumas garotas de top e short jeans se aproximaram de
nós. Duas delas se agarraram a Samuel e ele abraçou as duas pela
cintura.
— Vocês querem beber alguma coisa? — Samuel
perguntou enquanto uma das garotas acariciava o seu cabelo. —
Tem um barril de cerveja um pouco mais à frente.
— Eu vou pegar. — Mateus soltou a minha mão. — Fica aí.
Samuel, fica de olho nela.
— Pode deixar — Samuel disse.
Eu revirei os olhos, tentando não dar muita importância a
atitude dos dois.
Samuel começou a dar beijos molhados em uma das
garotas e aquilo me deixando enojada. Me distanciei alguns
centímetros dos três e fiquei olhando na direção em que Mateus
tinha saído. Eu esperava que ele aparecesse logo, pois os motores
das motos começaram a roncar.
— O que uma gatinha como você faz sozinha por aqui?
Está perdida?
Olhei para o lado e dei de cara com um homem musculoso,
usando regata branca. Ele estava sorrindo para mim e apesar de
não estarmos tão próximos, era possível sentir o cheiro do seu hálito
de cerveja.
Mas que droga.
Virei o pescoço procurando por Samuel, mas ele e suas
garotas não estavam mais ali. Onde será que ele se meteu? Eles
estavam ali há um minuto.
— Está assustada? Fica calma. — Ele tomou um gole da
latinha de cerveja e depois um sorriso malicioso desprendeu de
seus lábios.
— Só estou procurando alguém — falei e olhei para frente,
o ignorando. Nesse momento, os motoqueiros sem capacete
começaram a correr em alta velocidade e a população vibrou.
— Eu posso te ajudar — ele sussurrou tão próximo ao meu
ouvido, que seus lábios tocaram o meu cabelo enquanto o fedor do
seu hálito quase me fez vomitar.
— Não, obrigada — Olhei para o lado e me afastei dele. Eu
só queria que Mateus aparecesse para espantá-lo dali.
De repente, agarraram a minha mão.
Era o cara de regata branca.
— Não me toca! — rosnei, soltando a minha mão da dele de
um jeito brusco.
Ele sorriu.
— Calma, não precisa ser fresca. Eu só quero te fazer
companhia, gatinha.
— Não preciso da sua companhia — dito isso, eu me virei
para sair de perto dele e me esbarrei em alguém.
— Ei! Olha por onde anda, sua tonta! — Uma loira me
empurrou e eu cambaleei para trás.
— Eu não te vi, ignorante! — soltei, já numa pilha de
nervos.
Ela me olhou, afetada.
— Como ousa falar assim co...
— O que está acontecendo aqui? — A voz de Mateus surgiu
de repente, interrompendo a loira.
Ela o olhou e depois sorriu.
— Não acredito! Mateus, você aqui?! — Ela se jogou nos
braços dele como se não o visse há anos.
Forcei-me a ir separar os dois, mas Mateus parou de
abraçá-la antes que eu tomasse uma atitude.
— Patrícia — Mateus disse. — Eu não esperava te
encontrar aqui.
— Nem eu! — disse a tal de Patrícia, toda sorridente.
— Não vai me apresentar a sua amiguinha mal-educada?
— perguntei para Mateus.
— Ai, meu Deus. Quem é essa menina? — Patrícia
perguntou, me encarando com uma expressão de nojo. — Ela me
insultou, acredita?
— Eu? Você me empurrou!
— Thaissa, calma — Mateus disse.
Dessa vez, eu me irritei ao extremo. Por que ele estava
pedindo para eu ficar calma se foi aquela garota que começou tudo?
— Não pede para eu ficar calma. Eu já estou cansada
desse lugar imundo que você me trouxe, Mateus! — proferi essas
palavras na cara dele e saí, pisando duro.
Eu abri caminho pela multidão, dando cotoveladas e
empurrões nas pessoas à minha frente, e pouco me importei com
alguns xingamentos direcionados a mim.
Quando me afastei da grande massa de pessoas, sentei na
beirada da calçada e soltei um suspiro frustrado. A população agora
estava distante, a rua estava deserta e só o vento me fazia
companhia para bagunçar o meu cabelo.
Abaixei a cabeça nos joelhos e fitei o chão, deixando
algumas lágrimas, causadas pela raiva, descerem pelo meu rosto.
— Noite ruim?
Ergui o rosto, atônita.
O cara de regata branca estava parado ao meu lado.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei, sem sair do
lugar.
— Eu vim ver como você estava. — Ele se sentou ao meu
lado. — Está tudo bem?
Eu assenti, afastando as lágrimas.
— Você sabe se tem algum ponto de táxi ou de ônibus por
aqui?
Ele deu risada.
— Qual é a graça?
— Gatinha, você tem noção de onde está? Aqui não passa
táxi e o ponto de ônibus é a umas dez quadras daqui. Você vai ter
que andar para caramba.
— Eu quero ir para casa — falei.
— Eu posso te dar uma carona.
Eu o encarei. Estávamos sozinhos e se ele quisesse fazer
alguma coisa comigo, já teria feito, não teria?
— Tá — Me levantei, decidida. — Você pode me deixar em
um lugar conhecido, que daí eu me viro depois.
— Tudo bem, gatinha — ele sorriu. — Só vamos ter que
andar um pouquinho. Meu carro está um pouco afastado daqui.
— Tá bom.
Caminhamos em silêncio por uns dez minutos até que
nos deparamos com um Jipe preto, estacionado no meio-fio.
— Qual o seu nome? — perguntei, antes de entrar no
carro.
— Perdão, gatinha. Eu nem me apresentei. — Ele abriu a
porta do Jipe para mim. Meu nome é Douglas e o seu?
— Thaissa — respondi, entrando no veículo e notando um
sorriso malicioso no rosto de Douglas antes de ele fechar a porta do
carona.
Capítulo 23
Assim que eu coloquei o cinto de segurança, Douglas arrancou
com o carro numa velocidade absurda. Parecia até que ele estava
sendo seguido pela polícia.
Eu cravei as unhas no banco estofado e falei:
— Por que você está correndo tanto?
Ele olhou para mim e esboçou um sorriso macabro.
— Foi mal, gatinha. — Ele diminuiu a velocidade, fazendo o
carro dar um tranco.
Eu comecei a me arrepender de ter aceito a sua carona.
— O que foi? Te assustei? — ele perguntou, ainda com aquele
sorriso esquisito.
— É que... eu não estou bem... — Respirei fundo. — Você
pode me deixar aqui mesmo. Eu me viro sozinha.
— Não. — Ele me encarou, sua expressão ficou dura de
repente.
Eu o encarei de volta, sentindo a adrenalina e o medo
tomando conta do meu ser.
— Vamos passar em um lugar primeiro e nada de querer
bancar a espertinha, tentando fugir — ele continuou e voltou a
atenção no volante.
— Onde vamos? — perguntei, com a voz trêmula.
— Não te interessa.
— Você não pode fazer isso! — disparei, começando a
entrar em desespero. — Me deixa sair!
— Gatinha — Douglas continuou com uma mão no volante e
virou meu rosto para eu encará-lo. — Você aceitou minha carona,
agora trate de ficar caladinha.
Fiquei imóvel.
Como fui burra. Não sei onde eu estava com a cabeça para
aceitar carona de um estranho. Comecei a pensar em Mateus. E se
essa fosse a última vez que eu o veria? E a minha mãe?
Meu celular vibrou no bolso da jaqueta, me despertando de
meus pensamentos. Peguei-o imediatamente, vendo que era uma
chamada de Mateus. Deslizei o dedo na tela para atendê-lo, mas
permaneci calada.
— Thaissa? — A voz de Mateus surgiu abafada do outro lado
da linha. — Onde você está?
— Oi... eu... — Olhei de soslaio para Douglas, percebendo que
ele estava olhando para mim.
Um arrepio percorreu a minha espinha.
— Thaissa? Você está bem?
— Guarda isso — ordenou Douglas.
— Mas eu...
— Eu já disse para guardar — ele me interrompeu e pegou o
celular bruscamente da minha mão, jogando-o no painel. — Quem
manda agora sou eu. Você só obedece.
Fiquei sem reação.
Dava para ouvir Mateus gritando pelo celular. Comecei a
entrar em pânico. Aquele podia ser o meu fim.
— Por favor, me deixa ir embora — falei, tentando segurar as
lágrimas que teimavam em descer. — Por favor. O que você quer?
Dinheiro?
Ele riu.
— Você é muito engraçada. Não quero dinheiro, gatinha.
— E o que você quer comigo? Por favor, me deixa ir! — As
lágrimas rolavam pelo meu rosto.
Douglas continuou calado, com uma expressão carrancuda.
Fiquei orando em pensamentos para que não me acontecesse nada
de ruim e que ele me ajudasse a sair daquele carro.
Alguns minutos depois, Douglas parou o carro em uma rua
escura, iluminada por apenas um poste.
— Vejamos o que eu posso fazer com você. — Ele se
inclinou na minha direção, fazendo meu coração disparar.
— Me deixa ir embora... — falei, em um fio de voz.
— Depende. — Ele estendeu o braço até minha nuca,
puxando alguns fios do meu cabelo. — Você vai dar com a língua
nos dentes, não é? — E riu. — É claro que vai.
— Não faz nada comigo, por favor — supliquei. — Me deixa
sair daqui... Eu não vou falar nada para ninguém.
— Não vai? — Ele ergueu uma de suas sobrancelhas grossas
e aproximou o rosto. Sua respiração tão próxima a mim me causou
repulsa. — Acha que eu sou idiota para cair nessa, gatinha?
Douglas encostou sua boca no meu pescoço e eu recusei
bruscamente, mas sua mão na minha nuca trouxe o meu rosto para
perto do dele novamente.
— Calma. — Seus dedos alisaram o meu rosto e seu sorriso
nojento se alargou. — Você chamou a minha atenção essa noite. —
A mão dele começou a deslizar por minha perna.
— Me solta — pedi, fechando os olhos de pavor.
Meu rosto estava banhado de lágrimas enquanto eu sentia os
lábios de Douglas deslizando por meu pescoço. Eu precisava sair
dali de um jeito ou de outro. Eu não podia deixar que ele me
violentasse.
Cerrando os punhos, eu reuni todas as minhas forças e
empurrei aquele homem repugnante para longe de mim, acertando
o joelho bem no meio de suas pernas. Ele rugiu e imediatamente,
tomada por uma força maior, eu destravei a porta, passando a perna
para fora do Jipe. Só que antes de eu pisar os dois pés no chão,
Douglas agarrou o meu braço, me puxando para dentro do carro.
— Você não vai fugir, sua cadela!
— Me solta! — gritei, cravando as unhas sem piedade na
sua carne.
Puxei o meu braço, tentando escapar de suas mãos, mas ele
era bem mais forte que eu e minhas tentativas se tornavam inúteis.
Continuei puxando o meu braço de seu aperto. Eu poderia
ficar sem o braço, mas a minha vontade de sair das garras daquele
ser maligno era muito maior. Até que finalmente eu consegui me
soltar e caí de joelhos no asfalto. Me levantei no mesmo instante e
comecei a correr.
Os saltos me impediam de correr mais rápido e eu acabei
tropeçando e me estatelando no asfalto. Apesar das dores,
automaticamente olhei para trás.
Douglas corria na minha direção feroz e ágil. Ele estava muito
perto.
Levantei-me e não dei nem dois passos quando ele me
agarrou por trás, numa tentativa desesperada de não me deixar
escapar, mas, por sorte, consegui me desvencilhar, correndo o mais
rápido que eu conseguia.
— Socorro! — gritei para o nada.
Meu coração estava descompassado, eu estava arfando,
cansada e sem forças. Eu podia até estar vendo ilusões, mas uma
luz surgiu lá na frente, em meio à penumbra. Logo, percebi que
eram faróis de um carro.
Talvez fosse a minha salvação.
Nem me atrevi a olhar para trás. Continuei correndo na direção
do carro para pedir socorro.
A distância entre o veículo e eu foi diminuída. Gritei ao
perceber que o motorista estava prestes a passar por cima de mim,
e então, faltando um triz para eu ser atropelada, o carro freou
bruscamente, raspando os pneus no asfalto e dando uma volta de
noventa graus.
Meu corpo descambou no chão assim que o dono motorista
deixou o veículo.
— Thaissa! O que aconteceu?
— Mateus? — perguntei, totalmente desacreditada. Me
agarrei a ele como se fosse a minha proteção. — Me tira daqui, por
favor!
— Calma, amor. — Ele acariciou meu cabelo, tentando me
acalmar. —Está tudo bem agora.
Seus braços me envolveram e me levantaram do chão. Minhas
pernas estavam bambas.
Mateus ergueu meu rosto para eu poder vê-lo. Apesar da
situação constrangedora, notei compaixão no seu olhar.
— Com quem você estava? — ele perguntou.
Momentos horríveis passados com Douglas voltaram à minha
mente. Olhei para trás, temendo em vê-lo, mas só havia a escuridão
tomando conta da rua.
— Peguei carona com um cara.
— E como ele é?
— Ele estava de regata branca, é forte, disse que se chama
Douglas.
Mateus assentiu, o maxilar rígido.
— Você sabe quem é? — perguntei.
Ele fez que sim com a cabeça e disse:
— Quando eu encontrá-lo, vou matá-lo. — Ele beijou meu
rosto ainda banhado de lágrimas e eu não soube se ele estava
falando sério ou se era apenas uma expressão. — Vamos, você
precisa descansar.
Entramos no carro e Mateus deu partida.
Capítulo 24
Enquanto eu assistia TV com a minha mãe, meu celular vibrou
em cima do sofá, indicando uma mensagem de Mateus.

Imediatamente, digite de volta:

Abaixei o celular. Meus olhos vagaram até o relógio, que


marcava 19h30.
— Nossa! — Me levantei em um pulo do sofá e corri escada
acima.
— Thaissa, o que foi? — A voz da minha mãe surgiu da sala.
— Vou sair — respondi, alto o suficiente para que ela pudesse
me ouvir.
Para quem costumava levar cerca de uma hora para se
arrumar, eu bati o recorde, pois fiquei pronta dentro de vinte e cinco
minutos. Eu iria matar meu namorado por ter me convidado em cima
da hora.
Como combinado, Mateus chegou buzinando às oito em ponto.
— Por que você não me avisou antes? — Perguntei,
avançando pela calçada e me aproximando dele. — Tive que ficar
pronta em menos de vinte minutos.
— Eu avisei antes. — Ele me agarrou pela cintura e me deu um
beijo carregado de ternura.
— Você avisou quase em cima da hora — falei, após o beijo. —
Você sabe que eu preciso me arrumar com calma.
Ele esboçou um sorrisinho torto.
— Eu te aviso um dia antes da próxima vez.
Eu o fitei.
— Você está querendo dizer que eu preciso de muito tempo
para ficar bonita?
— De onde você tirou isso?
— Foi o que pareceu.
— Você entendeu errado. — Mateus abriu a porta do carona
para eu entrar. — Vamos. Samuel está esperando a gente.
Quando chegamos em frente ao bar com seus letreiros em
neon contrastando com a noite, Mateus pegou na minha mão e me
puxou para dentro do estabelecimento.
Nós encontramos Samuel sentado no balcão no fundo do bar.
— Finalmente vocês chegaram. — Ele falou antes de levar
uma garrafa de cerveja aos lábios.
— Estava ansioso para me ver? — Mateus perguntou com um
ar brincalhão.
— Muito. Eu passo o dia inteiro pensando em você. — Samuel
saltou do banco e apontou na direção da mesa de sinuca, onde
alguns caras estavam jogando. — A gente é o próximo.
Assim que os jogadores encerraram a partida de sinuca,
Mateus me perguntou:
— Quer jogar também?
Eu neguei com a cabeça.
— Vou ficar aqui observando vocês.
Ele assentiu e me deu um selinho antes de seguir Samuel.
Fiquei no balcão e pedi uma bebida para o barman. Enquanto a
bebida não chegava, peguei o meu celular para checar as minhas
redes sociais.
— Aqui está — o barman disse, deixando um copo de batida
de maracujá na minha frente.
— Obrigada. — Tomei um gole da bebida e recebi uma
notificação no meu celular nesse momento.
Deslizei o dedo na tela.
Era uma mensagem de um número desconhecido.
Estranhei o que estava escrito. Logo, concluí que deviam ter
me enviado a mensagem por engano.
Guardei o celular no bolso e olhei na direção da mesa de
sinuca. Mateus e Samuel pareciam entretidos com o jogo.
— Que desgosto.
Virei-me na direção da voz e tomei um susto com a pessoa que
tinha acabado de sentar ao meu lado.
Lia passou a mão no cabelo e abriu um sorriso de escárnio.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei.
— Eu não te devo satisfações. — Ela chamou o barman com
um gesto.
Eu a encarei.
— Agora você está mais calma? Eu achei que você fosse
infartar depois daquele surto.
Foi a vez de Lia olhar para mim.
— Escuta, Thaissa. — Ela se inclinou na minha direção. — Vai
ser uma questão de tempo até o Mateus meter o pé na sua bunda.
Fiquei com raiva ao ouvir o que ela disse.
— Você não cansa de ser ridícula? Mateus não tem mais nada
com você. Por que você não segue em frente?
— Porque eu o amo! A gente não terminou, foi apenas um
tempo até eu voltar.
— Não foi isso o que me disseram.
— Mas foi isso que aconteceu. É você que está sendo usada
aqui. Eu só quero que o Mateus volte para mim.
— Acontece que ele não vai voltar com você porque agora ele
está comigo — disparei.
Lia semicerrou os olhos e pegou a minha bebida, tacando o
copo no chão. O líquido voou para todos os lados no piso enquanto
o copo se transformou em pedacinhos.
— É comigo que ele vai ficar! — ela disse em voz alta.
Eu fiquei de pé, notando algumas exclamações e olhares
curiosos em nós duas.
— Lia? — A voz de Mateus surgiu atrás de mim. — O que você
está fazendo aqui?
Lia olhou para Mateus e tentou se recompor.
— Eu vim te ver.
— Você me seguiu até aqui? — Mateus perguntou.
— O que você acha? — Ela cruzou os braços, parecendo uma
criança birrenta.
— Mateus, é melhor a gente ir embora — eu me manifestei,
temendo que Lia surtasse mais uma vez.
Quando nos viramos na direção da saída, a voz de Lia soou
atrás de nós:
— Você ainda vai voltar para mim.
Mateus ignorou o que ela disse e nós dois seguimos na direção
do seu carro. Assim que entramos, ele perguntou:
— Você está bem? Ela te fez alguma coisa?
— Não. Ela só acabou com a minha bebida — respondi,
lembrando da mensagem de número desconhecido que recebi antes
de Lia chegar. — Está tudo bem.
Mateus assentiu e tocou no meu rosto, me beijando.
— Desculpa por te fazer passar por isso.
Eu estava prestes a lhe dizer que estava tudo bem e que ele
não precisava se desculpar quando um barulho abafado surgiu,
balançando o carro com o impacto.
Capítulo 25
Um homem de touca e roupas escuras estava à espreita do
carro e, logo, se aproximou da porta do motorista.
Eu olhei para Mateus, assustada.
— Fica aqui. Não sai do carro — Mateus disse, virando-se para
abrir a porta.
— Mas o que você vai fazer? — perguntei.
Não obtive resposta, pois a porta do carro foi fechada naquele
mesmo instante.
Olhei através da janela e Mateus começou a dizer alguma
coisa para o cara. Senti vontade de sair do carro para saber o que
estava acontecendo, mas aquilo não me dizia respeito.
Tentei relaxar e me encostei no banco. Segundos depois,
houve um baque de alguma coisa contra o veículo e isso quase me
fez pular de susto.
Nem raciocinei direito ao ver Mateus sendo enforcado pelo
cara de touca. Saí do carro como um relâmpago, enfrentando a
brisa da noite.
— Ei! Deixa ele em paz! — falei.
— Thaissa... — Mateus disse, tentando tirar a mão do cara que
tentava enforcá-lo. —... fica no carro...
— Olha só. Que gracinha a sua namorada — o cara comentou,
se divertindo enquanto mantinha Mateus sob o seu domínio.
— Solta ele agora! — Tomei coragem e me aproximei.
— Fica caladinha, princesa. A parada é entre eu e ele. — O
cara me olhou de soslaio.
— Eu vou chamar a polícia se você não o soltar! — eu o
ameacei.
— Ela tem mais atitude que você. — O sujeito sorriu.
De repente, Mateus fincou os dedos na mão do cara,
finalmente deixando seu pescoço livre e proferiu um soco no rosto
dele, que cambaleou para trás.
Eu observei tudo, atônita.
— Entra no carro. Rápido! — Mateus correu até a porta do
motorista e entrou.
Eu fiz o mesmo, porém entrei pela porta do carona. Ao fechar a
porta, o cara bateu os punhos na janela do motorista, deixando o
vidro rachado.
Ainda deu para escutar o que ele disse, quando Mateus
arrancou com o carro:
— Da próxima vez, você não me escapa!
Com o coração disparado, eu olhei para Mateus, querendo
uma resposta.
— O que foi isso?
— Relaxa, tá? Vou te deixar em casa agora.
— Eu não quero ir para casa, eu quero respostas! — exigi. —
Você está sendo ameaçado, é isso?
— Depois a gente conversa — Mateus disse, os dedos
pressionados no volante.
— Nada de depois, me fala agora!
— Thaissa, por favor. — Seus olhos me encontraram. — Eu
estou dirigindo.
— Não importa. Me diz quem é aquele cara!
— Agora não. Depois eu falo.
— Depois? Quando você estiver morto?
— Isso é coisa minha. Por favor, não se mete nas minhas
merdas.
Eu não estava acreditando no que ouvi.
— Ok. Não vou me meter — Inspirei fundo. — Para a merda
desse carro. Posso muito bem voltar sozinha.
Ele continuou calado, fingindo que não me ouviu.
— Para o carro, por favor.
— Não começa. Como eu disse, vou te deixar em casa.
— Não, obrigada. Prefiro voltar sozinha.
Ele riu. Uma risada sem humor, beirando o sarcasmo.
— Por que você faz isso? — perguntei, chateada. — Por que
me trata como uma criança? Pra você tudo é depois e acabou. Me
diz a verdade, caramba!
— Nem tudo é na hora que queremos, Thaissa.
— Que ódio! Eu estou preocupada com você, Mateus. Sei que
você está escondendo uma coisa muito séria de mim!
O silêncio reinou no carro novamente. Mas eu o quebrei após
alguns segundos:
— Você nem se importa, não é? Para você tanto faz! Eu vou
perguntar para o Samuel, e ele, sim, vai me contar. Só que depois
não venha ficar bravo comigo. A culpa é toda sua.
Mateus soltou um suspiro. Ele parecia estar se controlando
para não explodir. Em seguida, ele olhou para mim. Seu rosto era
pura seriedade.
— Nós vamos conversar sobre isso, mas não agora.
— Então vai ser quando?
— Que tal quando eu não estiver dirigindo e quando você
estiver mais calma?
Eu desviei a atenção dele e cruzei os braços, tentando me
controlar. Eu só não queria que nada de ruim acontecesse com
Mateus. De novo.
Capítulo 26
O fim de semana passou, dando início a mais uma semana de
aula na faculdade.
Depois de algumas horas de aula de Ética Publicitária, a
minha sala foi liberada para o intervalo e eu encontrei Anne quando
passei em frente à lanchonete.
— Que cara é essa? — ela perguntou.
Foi então que eu cheguei à conclusão de que eu estava com
uma cara horrível. Talvez foi por isso que Toni não conversou muito
comigo durante a aula. Não que ele fosse super comunicativo, mas
desde que rolou aquele quase beijo, nós dois ficamos meio
distantes e a nossa comunicação reduziu um pouco.
— Eu só estou preocupada — respondi.
— Por quê? O que aconteceu?
Dei de ombros.
— Mateus está estranho. — falei, nas entrelinhas. Era melhor
eu não entrar no assunto de que Mateus estava sendo ameaçado.
Pelo menos não agora.
— Ai, homem é assim mesmo, Thay. Não liga. Aliás, eu preciso
ir na sua casa. Estou com saudade da sua mãe.
— Ah, minha mãe está saindo um pouco mais agora e então, é
mais fácil encontrá-la durante a semana.
— Eu vou visitá-la qualquer dia.
Assim que pegamos algo para comer, alguém me cutucou no
ombro. Virei-me, dando de cara com Mateus. Meu coração saltou do
peito ao vê-lo, pois desde aquele dia no bar, eu só conversei com
ele por mensagem e também não o vi nos corredores da faculdade.
— Precisamos conversar — ele disse, antes que eu abrisse a
boca.
— Bom... É melhor eu deixar vocês sozinhos — Anne disse. —
Depois a gente se vê.
Esperei que Anne se afastasse o suficiente e perguntei a
Mateus:
— É sobre aquele assunto?
Ele assentiu.
— Vamos conversar lá fora.
Segui Mateus até o campus e nós dois nos sentamos em um
dos bancos próximos do prédio da reitoria.
— Antes de tudo, peço que você me entenda, Thaissa. Essa
nunca foi a minha intenção — ele começou, o olhar tenso.
— Do que você está falando?
— Vamos por parte. — Ele fez uma pequena pausa. — Não é
nada que você já não sabe e... eu estou correndo perigo, como você
pôde ver aquele dia.
— Mas como? O que você fez?
Ele respirou fundo.
— Eu já fiz muita coisa. Muito antes de conhecer você. Isso
não é de agora, é só as consequências batendo na minha porta.
— Mas o que você fez de tão grave?
— Se eu for te contar, vamos levar horas aqui.
— Podemos ir embora e conversar sobre isso agora.
— Não. Você não precisa perder aula por minha causa. Vamos
direto ao ponto: não quero que você corra perigo porque se
acontecer alguma coisa com você, eu vou me odiar pelo resto da
vida. — Ele aproximou o rosto e grudou os lábios nos meus por um
curto período de tempo. — Eu pensei muito e... vamos ter que
terminar.
Meu coração afundou no peito quando ele disse a última
palavra. Terminar?
— Você não está falando sério. — Eu fiquei de pé.
— É a única solução para você não sair machucada por minha
causa. — Ele também se levantou.
— Eu não acredito! O que a gente teve não significou nada
para você?!
— Muito pelo contrário. Eu não quero terminar com você,
Thaissa, mas é necessário. Se você continuar comigo também pode
correr perigo.
— Você é um cretino, Mateus. Egoísta e muito cretino. — Olhei
para ele, possuída de raiva.
— Você ainda vai me entender, Thaissa.
— Não! Como acha que estou agora?
— Meu anjo, é só até a poeira baixar.
— Você realmente não presta.
Ele assentiu.
— Eu só quero que você fique bem.
— Pois fique sabendo que não vou ficar graças a você! — dito
isso, eu me virei e comecei a me afastar dele em passos rápidos e
determinados.
Como ele pôde fazer isso?
Mateus era a pessoa que eu mais amava e quando eu
finalmente pensava que nosso amor era mais forte que tudo, ele
simplesmente decide acabar com a nossa relação de uma hora para
outra.
Deixei as lágrimas caírem assim que me tranquei no banheiro.
Eu sentia muita raiva de Mateus naquele momento. Muita mesmo. O
sentimento era tão forte que eu dei um chute na porta do boxe,
tentando descontar a minha raiva, mas foi uma tentativa sem
sucesso.
Alguns minutos depois, eu sequei minhas lágrimas com papel
higiênico e respirei fundo algumas vezes para tentar encarar o
mundo lá fora. Se ele pensava que eu iria ficar deprimida por sua
causa, ele estava muito enganado. Mateus iria se arrepender pelo
que fez.
Capítulo 27
— Thay. — A voz de Anne ecoou até meus ouvidos. Tirei os
olhos do meu café e olhei para ela. — Acorda, garota.
— Foi mal. Eu estava pensando.
— Nele, aposto. — Ela revirou os olhos.
Eu suspirei.
— Acho que quem tem que esquecê-lo é você e não eu —
retruquei, levando o copo de café aos lábios.
— Nossa, que agressividade. Você não precisa me atacar
desse jeito. Eu não tenho culpa pelo que aconteceu.
De repente eu me senti um monstro por descontar minha
frustração na Anne. Ela realmente não tinha culpa por Mateus ter
terminado comigo.
— Desculpa... É que eu ando meio estressada. — Fiquei de pé.
— Entendo. — Ela ergueu o olhar para mim. — Onde você
vai?
— Eu preciso ir. Tenho um trabalho enorme para terminar e...
— Olhei as horas no meu celular. — Já vai dar cinco horas.
— Você está estranha. — Anne parecia preocupada.
— Eu estou bem. — Dei um beijo em sua bochecha. — Até
mais tarde.
O céu estava nublado, e uma garoa fina caía quando eu deixei
a cafeteria para trás. Coloquei as mãos no bolso canguru do
moletom e segui pelo caminho que levava até minha casa.
Alguns minutos depois, eu estava passando em frente à um
posto de gasolina quando alguém chamou a minha atenção.
Mateus estava ao lado de uma moto e uma garota com a
cabeleira negra, segurando um capacete, lhe acompanhava na
garupa.
Lia.
O que mais me incomodava era saber que ele podia passear
livremente com sua ex-namorada, sendo que comigo essa
possibilidade estava fora de cogitação, levando-o a terminar tudo
entre nós.
Não sei por quanto tempo eu fiquei observando os dois, mas
me toquei de continuar o meu caminho assim que os olhos de
Mateus me encontraram. Ele tinha me visto. Eu tinha certeza que
tinha me visto, pois ele ficou olhando na minha direção por mais
tempo que o necessário.
Dei as costas para o novo casal e comecei a andar em passos
rápidos.

***

A entrega do trabalho estava marcada para a noite seguinte.


Olhei para porta da sala de aula e Toni estava escorado no
batente, me esperando. Deixei o trabalho na mesa do professor e,
só então, me aproximei dele.
— Pronta? — Toni perguntou.
— Sim, vamos.
No meio do caminho, Toni entrou no banheiro e eu fiquei no
corredor o esperando. Peguei meu celular e fiquei jogando enquanto
ele não saía.
— Ei.
Levantei o rosto e deparei-me com os olhos castanhos de
Mateus, me estudando atentamente.
— Eu vi você ontem — disse ele.
— E o que eu tenho a ver com isso? — perguntei,
desinteressada.
— Você vai me responder com patadas a partir de agora?
— Eu não tinha pensado nisso, mas é uma boa ideia.
Mateus enfiou as mãos no bolso.
— Eu só quero saber como você está.
Eu revirei os olhos.
— Você terminou comigo, lembra? Eu não sou obrigada a falar
com você.
— Só porque terminamos, não significa que eu devo agir como
se você não existisse.
— É exatamente assim que você deve agir. Eu não faço mais
parte da sua vida e, então, me esquece.
Dei alguns passos para trás no mesmo momento que a porta
do banheiro masculino se abriu. Toni saiu de lá, olhando surpreso
para Mateus.
— Estou atrapalhando? — ele perguntou.
— Está — Mateus respondeu.
— Ignora, Toni — falei e o puxei pela mão. — Vamos sair
daqui.
Nós dois deixamos Mateus para trás e enquanto nos
afastávamos pelo corredor, eu sentia os olhos de Mateus
queimando a minha nuca. Provavelmente ele estava nos
observando.
Quando Toni escolheu uma mesa nos fundos da biblioteca, eu
tirei meus cadernos e livros da mochila.
— Vamos começar com a matéria mais difícil? — Toni
perguntou.
— Sim.
Eu abri o livro, pensando nas matérias que eu precisava
estudar antes da prova. Folheei algumas páginas e quando
encontrei o capítulo indicado pelo professor, percebi um pedaço de
uma folha de caderno entre as páginas.
Quem tinha colocado aquilo ali?
Peguei o pedaço de papel. Havia algo escrito do outro lado da
folha com tinta de caneta vermelha.
TÉRMINOS NEM SEMPRE SÃO RUINS
Soltei o pedaço de papel quando li o que estava escrito. O que
significava aquilo?
— Thay, está tudo bem? — Toni perguntou, me direcionando
um olhar preocupado.
Eu fechei o livro, deixando o pedaço de papel entre as páginas.
— Claro — respondi, tentando não pensar muito naquela
mensagem. — Vou estudar com as anotações do caderno.
Capítulo 28
Mais uma noite de festa.
A anfitriã dessa vez era Paola, minha colega de curso, que
havia organizado uma festa em sua própria casa e tinha convidado
quase metade da faculdade, inclusive eu.
A maioria dos convidados dançavam e bebiam enquanto eu os
observava, encostada em uma mesinha perto da parede, escutando
a música batucando em minha cabeça. Quem olhasse para mim,
logo pensaria que ali não era o meu lugar.
Eu me sentia como uma intrusa.
Fui na festa a pedido de Anne e Toni que, naquele momento,
se divertiam com os outros estudantes, deixando eu curtir meu
momento de solidão depois de eu dizer trezentas vezes que eu não
estava a fim de dançar.
Recuei da mesinha e pedi licença às pessoas que estavam na
minha frente e, logo, cheguei na sacada. Havia um casal aos beijos
no canto da parede, e eu os ignorei, me debruçando sobre o batente
e olhando para rua iluminada pelas luzes dos postes.
Uma lufada de vento jogou meu cabelo para trás e
imediatamente eu fechei meu casaco, tentando me proteger do frio.
Olhei de soslaio para o casal no canto, e um misto de amargura, e
inveja se apossou em mim.
Eu odiava o rumo que a minha vida tomou nos últimos dias.
Com raiva, dei as costas para o batente e peguei meu celular.
Não demorou muito e o motor de uma moto rugiu. Olhei por cima do
ombro e vi, pela minha visão periférica, alguém tirando o capacete.
Meu coração saltou do peito em um ritmo acelerado, quando aquele
andar, que eu conhecia muito bem, caminhou em direção à porta de
Paola.
Saí da sacada e me enfiei entre a multidão. Eu precisava ter
uma visão de seu rosto.
Ele surgiu instantes depois, cumprimentou alguns rostos
conhecidos e foi se aproximando. Como era de se esperar, seus
olhos me encontraram, pois Mateus parou por um momento,
mudando de direção.
Ele estava caminhando ao meu encontro.
Imediatamente dei meia volta, me distanciando de seu olhar.
A primeira porta que me apareceu certamente era um bom
refúgio. Mas no momento em que toquei na maçaneta, sua voz
grave soou no pé do meu ouvido:
— Está fugindo de mim, é?
— Estou! — Virei-me, notando seus olhos atentos ao meu
rosto. — O que você quer comigo?
Mateus abriu um sorrisinho e cruzou os braços.
— É melhor você não começar com suas gracinhas — avisei.
— Fala logo o que você quer.
— Certo, desculpa. — Ele assumiu uma expressão séria. — Eu
sei que você está chateada comigo e com razão, mas acontece que
você não faz ideia do que está acontecendo, Thaissa.
Dessa vez fui eu que cruzei os braços.
— O quê? Seja breve.
— Eu tive uma briga feia com um cara há um tempo atrás.
Todos o conhecem como Palocci e, ninguém é tão louco a ponto de
se meter com ele, mas acredite, eu fui, e estou metido numa puta
enrascada.
Eu estava boquiaberta.
— E por que você não chama a polícia?
— É melhor manter a policia longe disso, meu anjo. É bem
provável que eu entre em cana e não ele.
— Mas pensando bem, isso não justifica o motivo por você ter
terminado comigo.
— Justifica e muito. Ele não só me ameaçou, como também é
capaz de tocar nas pessoas próximas a mim. — Ele fez uma pausa.
— As pessoas que eu amo. Agora faz sentido para você?
Balancei a cabeça negativamente.
— Não sei porque eu fui me meter com uma pessoa como você
— falei, inconformada.
— Thaissa — Mateus quase se desculpou com o olhar. — Por
favor... Eu não queria colocar você nessa situação.
— Tarde demais. Você não podia ter evitado tudo isso?! Não
tinha motivos para você entrar no mau caminho só porque seus pais
se foram!
Mateus pareceu afetado com as minhas palavras. Sua
expressão ficou sombria de repente.
— Eu queria ter feito tudo diferente, mas eu não posso mudar o
passado! — Ele me lançou um olhar magoado e saiu, me deixando
sozinha.

A festa estava chegando ao fim e algumas pessoas estavam


indo embora. Toni estava bêbado e minha carona para casa já era,
pois eu não seria louca de andar com um bêbado e, Anne que veio
de moto com o seu peguete, já estava colocando o capacete para
vazar da festa. A única opção que me restava era pedir informações
para eu chegar em casa, pois eu não conhecia aquele bairro.
Eu já estava na calçada da casa de Paola quando Mateus
passou por mim, seguindo na direção da sua moto parada no meio-
fio. Durante a festa, ele nem voltou a falar comigo. Simplesmente
ficou batendo papo com suas coleguinhas de sala.
Ao montar na motocicleta, ele colocou o capacete, e ligou o
motor, correndo pela estrada, e deixando a poeira para trás.
Comecei a caminhar pela calçada, deixando a casa de Paola
para trás.
Aproximadamente dez minutos depois, eu estava quase virando a
esquina da rua quando avistei um indivíduo parado perto de um
ponto de ônibus.
Pensei em girar nos calcanhares e voltar para casa da Paola. E
era exatamente isso que eu estava fazendo. A rua estava silenciosa
quando o ronco de um motor surgiu de repente. Eu olhei para o
lado.
Era Mateus. E só de saber disso, eu respirei mais aliviada.
— Anda, sobe na moto.
— Você não tinha ido embora? — perguntei.
— Não. Mas meus parabéns por você ter ótimos amigos. É
notório a preocupação deles com você.
Eu revirei os olhos, tentando ignorar seu comentário cheio de
ironia.
— Se você veio para esfregar isso na minha cara, pode ir, ok?
— Relaxa, eu não faço o mesmo que fazem comigo — ele
soltou a indireta e ofereceu seu capacete.
Relutante, eu andei até a moto e peguei o capacete de sua
mão. Subi na garupa, ajeitando o capacete na cabeça e envolvi sua
cintura com os braços.
— Segura firme — ele disse antes de sair em disparada pela
rua.

Eu permaneci com o capacete colado em suas costas


enquanto a moto corria veloz pela estrada. Eu não fazia ideia de por
onde estávamos indo.
Mateus virou a esquerda, passando por uma rua estreita e sem
nenhuma alma vagando pela calçada. Por um momento, ele olhou
para trás, focando em algo para além de mim.
— O que foi? — perguntei por cima do barulho do motor.
— Nada. — Ele voltou a olhar para frente, acelerando um
pouco mais.
Tomada por um impulso de curiosidade, eu olhei para trás,
avistando os faróis de um carro vindo a alguns metros atrás de nós.
— O que está acontecendo?
— Nada.
— Dá para me dar uma resposta mais convincente?
Ele demorou alguns segundos para responder:
— Fica tranquila, só segura firme.
Após dizer isso, Mateus começou a voar com a moto, o vento
batendo bruscamente em nossos rostos. Soltei um grito quando ele
virou a esquina, arrancando faíscas do asfalto. Meus dedos
fincaram em sua carne. Eu não o largaria por nada.
Passamos entre os carros e Mateus foi correndo praticamente
em ziguezague entre os veículos.
— De quem você está fugindo? — gritei.
— Não vou ter tempo de te explicar agora.
— Você vai matar a gente!
Mateus olhou para trás e seguiu pela estrada. Por pouco, ele
não arrancou o retrovisor de um veículo. Eu também olhei para trás.
Um carro prateado vinha a toda na nossa direção. Era aquele. Só
podia ser.
O semáforo foi para o amarelo e, em segundos, para o
vermelho. Mas Mateus continuou correndo como se fosse o dono da
rua. Estávamos ultrapassando por uma encruzilhada,
desrespeitando as leis de trânsito e passando de raspão na frente
de um carro, que reprovou a atitude de Mateus com uma buzinada,
freando desesperadamente. Por sorte, o carro não nos atingiu.
— Meu Deus! — disparei. — Você é louco!
Mateus não disse nada, apenas continuou focado na fuga.
Quando a perseguição pareceu ter chegado ao fim, eu afrouxei
o aperto na cintura dele e respirei um tanto aliviada.
— Tudo bem? — ele perguntou, me olhando por cima do
ombro.
— Não! — rosnei. — O que você tem na cabeça?!
— Me agradeça. Eu consegui despistá-los.
Aproveitei que Mateus estava em uma velocidade reduzida e
me afastei alguns centímetros de seu corpo, passando a segurar na
parte de trás da garupa.
— Ué... Por que você se soltou de mim?
— Estou com calor.
Ele me olhou por cima do ombro novamente.
— Estou ciente do efeito que causo em você.
Revirei os olhos.
— Como você é estúpido.
Ele riu.
Paramos no farol e assim que o sinal voltou a ficar verde,
seguimos pela estrada, mas Mateus freou a moto ao darmos de
cara com o carro prateado que vinha na outra mão. Por pouco, eu
não caí da garupa.
Voltei a grudar em Mateus assim que ele virou em uma avenida
congestionada. Os espaços entre os carros serviam como
corredores para sua moto potente. Nossos rostos rasgavam o ar
violentamente. Havia uma viatura logo à frente e parecia que
Mateus não ia parar.
E ele não parou. Para variar.
Não demorou para a sirene gritar atrás de nós.
— Meu Deus, Mateus! Para a moto! — pedi.
— Cobre a placa com o casaco — Ele apagou os faróis da
moto.
— O quê?
— Tira o casaco e cobre a placa.
Apertei o quadril de Mateus com minhas coxas e tentei me
equilibrar para tirar o casaco. Estava difícil, parecia que eu ia cair a
qualquer momento. Mateus colocou uma de suas mãos na minha
perna, tentando me prender contra a moto para que eu não caísse.
Segundos depois, eu consegui tirar o casaco com muito
sufoco e colocá-lo na frente da placa. Não sei se adiantou alguma
coisa, pois o casaco ficou voando devido a velocidade da moto.
Viramos mais uma rua cantando os pneus no asfalto. A sirene
da polícia parecia vir ao longe.
— Segura — Mateus disse, embocando em uma viela.
Um grupo de rapazes vibrou ao passarmos por eles. Saímos
da viela, entrando em mais uma rua. Até então, não tinha nenhum
sinal da polícia.
Mateus deu uma rápida olhada na minha direção e seguiu
pelas estradas de Hilionópoles enquanto eu desejava chegar em
casa logo e tê-lo em meus braços.
Capítulo 29
Chovia forte naquela noite. A cada passo dado, a chuva
parecia ficar mais violenta. Parecia o começo de uma tempestade.
Me aconcheguei mais a Mateus, segurando firme em seu
braço. Fora o barulho da chuva, o silêncio reinava entre nós.
— Estamos chegando? — perguntei.
— Falta pouco — respondeu ele.
Estávamos nos aproximando de um beco escuro.
— Vamos passar por aqui? — perguntei, preocupada.
— Vai ser mais rápido.
— Mas por quê? Não gosto desse lugar.
— Prometo que vai ser rápido. — Ele tentou me tranquilizar. —
Vai ficar tudo bem.
Adentramos o beco com suas paredes sem acabamento e um
monte de lixo jogado nos cantos. Um pouco mais à frente, um
indivíduo surgiu em meio a chuva, vindo em nossa direção.
Apertei o braço de Mateus, hesitante.
— Calma. Está tudo bem.
— Vamos voltar. Estou com medo.
O indivíduo continuou se aproximando. Não dava para ver o
rosto dele muito bem, pois os pingos de chuva e a escuridão
escondiam sua identidade.
Estávamos prestes a passar um pelo outro, quando, de
repente, o desconhecido nos abordou, segurando um objeto
cortante.
Uma faca.
— O seu tempo acabou — o indivíduo disse para Mateus.
Olhei para o homem, começando a sentir o pânico tomando
conta de mim.
— Por favor — Mateus pediu. — Não toca nela.
O homem deu um empurrão em Mateus, e o guarda-chuva caiu
de sua mão.
— Você teve muitas chances. A sorte sempre esteve ao seu
lado!
— Por favor, não machuca ele! — eu me manifestei.
Mas o homem pareceu não me ouvir. A única coisa que pude
contemplar foi quando ele enfiou a faca afiada próximo ao tórax de
Mateus.
Meu grito rasgou o ar quando eu vi que Mateus estava caindo
de joelhos no chão e que um líquido escuro manchava sua
camiseta, escorrendo por sua mão e deixando seus pingos que se
misturavam com a água da chuva.
Acordei assustada e ofegante, sentando-me de supetão na
cama.
Passei as mãos pelo cabelo. Foi apenas um sonho.
Um clarão iluminou o quarto e se seguiu com um barulho forte
de um raio, me assustando. Olhei na direção da janela e vi que
estava caindo uma tempestade lá fora.
Por que eu tive esse sonho com o Mateus? E para deixar tudo
ainda mais horripilante, estava chovendo de verdade.
Mateus havia me deixado em casa depois de toda aquela
perseguição naquela noite e seguiu para sua residência.
Será que estava tudo bem com ele?
Eu não acreditava em significados de sonhos, mas confesso
que esse
me assustou de verdade. Eu estava até em estado de alerta.
Saí da cama e fechei as venezianas da janela, escurecendo
ainda mais o quarto. De volta à cama, peguei meu celular e digitei o
número de Mateus. Eu precisava saber se ele tinha chegado bem
em casa. Segundos depois, a ligação foi para caixa postal, me
deixando ainda mais preocupada.
— Tomara ele esteja bem — falei, deitando minha cabeça no
travesseiro, com o celular ainda na mão.

No dia seguinte, eu já comecei a manhã olhando no celular


para ver se tinha alguma ligação ou nova mensagem de Mateus,
mas nada disso aconteceu. Liguei para ele no decorrer do dia, só
que ele não atendeu, me deixando super preocupada.
Aquela era a primeira semana das férias universitárias, e
quando o relógio marcou cinco horas da tarde, eu saí para ir na
casa da Anne, pensando em fazer uma visita para Mateus na volta.
Eu caminhava entre as pessoas olhando para frente, só que
com a cabeça em outro lugar. De repente, um esbarrão me fez
voltar para realidade.
— Thaissa? — Mãos grandes seguraram os meus ombros. —
Você está bem?
Olhei para a pessoa à minha frente.
— Não acredito... — essas foram as palavras que saíram da
minha boca.
Mateus me encarou, parecendo preocupado.
— Você está bem? Parece assustada...
Não sei o que deu em mim, mas o impulso foi mais forte que
eu. Puxei o rosto de Mateus de encontro ao meu e o beijei,
completamente necessitada e apaixonada, compensando os dias
que ficamos longe um do outro.
Mateus contribuiu o beijo, me envolvendo com seus braços.
Enlacei minhas mãos em seu pescoço e não pensei em mais nada a
não ser ele e eu.
Instantes depois, paramos o beijo. Ele sorriu.
— O que aconteceu para você se render ao meu charme tão
de repente?
Eu estava inebriada com o momento. Mas logo lembrei o
motivo pelo qual o beijei.
— Eu tive um sonho horrível, mas não quero falar sobre isso...
Mateus afagou meu cabelo e perguntou:
— Por acaso, esse sonho tinha alguma coisa a ver comigo?
Tudo a ver.
— Eu prefiro não falar. — Eu o abracei, sentindo seu cheiro
maravilhoso. — E desculpa por eu ter falado aquelas coisas para
você ontem.
— Tudo bem, não precisa se desculpar. Quem tem que pedir
desculpas aqui sou eu.
Me afastei o suficiente para ver seu rosto.
— Onde você está indo?
— No cemitério.
Olhei-o, perplexa.
— Ah, então... eu vou para casa.
— Você pode ir comigo, se quiser.
O vento estava forte, levando as folhas secas para todos os
lados do cemitério.
Afastei uma mecha de cabelo para o lado enquanto eu seguia
Mateus pela grama verde, as lápides organizadas em fileiras
chamando a minha atenção.
Instantes depois, ele parou em frente a um túmulo. Na parte
superior das lápides estavam gravados os nomes de Jorge Rocha
de Lima e de Sara Félix de Lima, ambos falecidos na mesma data.
Mateus olhou para os túmulos por um bom tempo e só então,
se agachou, tirando o excesso de folhas e flores secas da superfície
áspera.
— Eu nunca pensei que eu fosse passar por isso tão cedo —
Mateus comentou, pesaroso.
Me abaixei e envolvi seus ombros com os braços.
— A dor diminuiu com o tempo?
— Não exatamente. Eu só aprendi a conviver com ela.
Descansei meu queixo no seu ombro e fiquei olhando para o
mesmo lugar que ele. Ficamos assim por um bom tempo, em total
silêncio, apenas escutando o vento soprando nos nossos ouvidos.
Capítulo 30
— Esse está próximo da validade.
Minha mãe pegou o iogurte da minha mão e checou a validade
impressa na embalagem, confirmando o que eu disse.
— São dois dias. — Ela colocou o produto dentro do carrinho
de compras. — Até a data de validade, a gente já comeu tudo.
Nós duas estávamos no supermercado, caminhando pelo setor
de frios. Eu lhe dei as costas e peguei mais três copinhos de iogurte.
Nesse momento, escutei o barulho de alguma embalagem plástica
caindo no chão.
— Ai, meu Deus, me desculpa.
Olhei para trás, curiosa.
Minha mãe se agachou para pegar alguns pacotes de bolacha
que um rapaz deixou cair no chão.
— Obrigado — ele agradeceu com um sorriso de dentes
brilhantes. — Eu não imaginava te encontrar por aqui.
— Que coincidência, não é? — Ela sorriu de orelha a orelha,
parecendo nervosa. — É um mundo pequeno.
Eu os observei, intrigada. Eles se conheciam?
O rapaz assentiu.
— Ou então pode ser mais uma peça do destino.
Minha mãe sorriu com o que ele disse.
— Com certeza.
— Mãe? — eu a chamei.
Ela e o tal rapaz olharam para mim e finalmente minha mãe
percebeu minha presença.
— Ah, Thay, esse é o Eduardo. Nos conhecemos em uma
das minhas idas à cafeteria.
Eu assenti, assimilando a informação.
— Eu não sabia que a filha seria tão parecida com a mãe. É
um prazer conhecê-la — disse Eduardo.
— Igualmente — falei, com um sorriso amarelo.
Eduardo parecia ser uns oito anos mais velho do que eu. Ele
era bonito, tinha cabelos escuros e se vestia como um professor
recém-formado: camisa branca, calça jeans e tênis.
— Bom, eu preciso pegar mais algumas coisas — disse
minha mãe. — Foi bom te ver, Edu.
— Digo o mesmo — ele sorriu. — Eu espero vê-la de novo.
— Com certeza — minha mãe disse, animada.
Após Eduardo sumir no corredor, minha mãe olhou para mim
e depois para a prateleira de iogurtes.
— O que está acontecendo entre você e o tal de Eduardo?
Ela olhou para mim, curiosa.
— O que você está querendo dizer?
— Você sabe. Ele não é novo demais para você?
Minha mãe me encarou, horrorizada.
— Filha, Eduardo e eu somos apenas amigos. Não
confunda as coisas, amor.
— Mãe, eu já sou adulta. Pode contar, você está gostando
dele não, está? Só acho que ele...
— Thaissa, por favor, não temos nada — ela me
interrompeu.
— Eu só pensei que ele fosse o motivo por você estar
saindo com frequência.
— São coisas de trabalho.

***

—Você vai voltar que horas hoje? — perguntei.


Minha mãe ajeitou seu vestido pela décima vez na frente do
espelho.
— Antes das onze, provavelmente.
— Você não acha que está indo rápido demais? Isso é ser bem
mais que amigos, mãe.
— Toda essa implicância é porque eu sou mais velha que ele,
não é?
— Não. — Eu sentei na sua cama. — Eu só acho que vocês
se conhecem há pouco tempo para ficarem saindo logo de cara.
Minha mãe ia ter um date com Eduardo naquela noite e eu
estava um pouco incomodada com isso porque os dois mal se
conheciam direito. Fora o fato de ele ser mais novo que ela.
— Como estou? — Minha mãe se virou na minha direção,
ignorando a minha opinião.
Dei uma olhada quase que criteriosa em seu vestido preto de
mangas compridas e transparentes.
— Muito bonita — respondi, sincera.
— Ótimo. — Ela pegou sua bolsa e saiu do quarto às pressas.
Aproveitando que eu estava sentada de frente ao espelho, dei
uma checada no meu visual caseiro que se consistia em uma calça
de moletom e uma blusa de mangas compridas. Desfiz o coque no
cabelo e mechas de tom amarronzado caíram até o meio das
minhas costas. Já que minha mãe iria chegar mais tarde, não seria
uma má ideia chamar Mateus para ficar aqui comigo. Peguei meu
celular no bolso do calça de moletom e comecei a procurar seu
número nos meus contatos favoritos, quando a voz da minha mãe
surgiu no andar de baixo:
— Thaissa, tem visita para você!
Estranhei o que ela disse. Será que era a Anne?
Saí do quarto da minha mãe e fui descendo as escadas,
curiosa para saber quem tinha chegado.
Ao chegar na sala, olhos castanhos calorosos me prenderam.
Antes mesmo de Mateus se aproximar, eu me joguei em seus
braços, usufruindo do seu abraço quente e aconchegante.
— Eu já ia te ligar — falei, beijando-o na boca, mal dando
tempo de ele responder alguma coisa.
— Eu continuo aqui, caso vocês não saibam — a voz da minha
mãe ecoou pelo cômodo.
Recuei os lábios dos de Mateus e o abracei pela cintura. Minha
mãe estava atenta a todas as nossas demonstrações de afeto.
De repente, a campainha tocou e minha mãe se levantou do
sofá.
— É ele. — Ela passou a mão pelo cabelo. — Comportem-se
vocês dois.
Assim que minha mãe saiu pela porta, eu olhei para Mateus
com um sorriso atrevido.
— Ouviu o que ela disse? — Mateus perguntou, disfarçando
um sorriso assanhado. — Devemos nos comportar.
— E quem disse que não vamos? — Peguei na sua mão. —
Quer ver como é o novo namorado da minha mãe?
A gente se aproximou da janela. Eduardo estava abrindo a
porta da sua BMW para minha mãe. Ela entrou no veículo e
Eduardo deu a volta, sentando no banco do motorista e dando a
partida no carro logo em seguida. Olhei para Mateus. Ele estava
com a boca entreaberta, olhando fixamente para janela.
— O que achou dele? — perguntei.
Mateus olhou para mim, o rosto pálido.
— É ele que está saindo com a sua mãe?
— É. Mas por quê? Você ficou estranho de repente.
— Nada não... — Ele parecia perdido. — Eu preciso ir, Thaissa.
— Agora? Mas você acabou de chegar.
— Preciso resolver uma coisa. — Ele começou a seguir na
direção da porta.
Fui atrás dele.
— Mateus, o que está acontecendo?
— Fica aí. — Ele ignorou minha pergunta e abriu a porta. —
Depois a gente conversa.
Fiquei sem entender a sua reação.
Um segundo depois, subi no meu quarto para calçar o tênis e
corri porta afora.
Mateus já estava longe e andava em passos rápidos pela
calçada da rua,
Comecei a ir atrás dele, tomando cuidado para eu não ser
percebida. Eu estava quase virando a esquina da rua quando meu
celular vibrou, indicando uma mensagem.
Tirei o aparelho do bolso e li o que estava escrito:
Olhei à minha volta. Não tinha ninguém na rua a não ser eu.
Respirei fundo e guardei o celular, pensando no meu próximo
passo.
Segundos depois, voltei para casa com muitas perguntas na
minha cabeça.
Capítulo 31
Eram 19h10.
As férias de julho tinham chegado ao fim e Anne me
acompanhava enquanto esperávamos Mateus aparecer no campus
da faculdade. Desde o dia que ele ficou estranho, e foi embora de
repente da minha casa, a gente se comunicou por telefone, e eu até
toquei no assunto envolvendo a sua saída repentina, mas ele
mudou de assunto.
Estávamos há dez minutos atrasadas para a aula.
Após alguns instantes de espera, meu celular vibrou com uma

mensagem.
Suspirei. Ele poderia ter me avisado antes.
— E então? — Anne olhou para mim.
— Vamos. Ele não vem agora.
— Ah, ótimo! Ele deveria ter avisado.
— Foi o que eu pensei.
Segui Anne pelo caminho que levava à entrada da faculdade.
Antes de entrar, eu olhei para trás e vi Samuel na calçada, fumando
um cigarro.
Sem me dar conta do que estava fazendo, eu me virei,
andando na direção dele.
— Thay! — Anne chamou. — Onde você vai?
Eu olhei para ela.
— Vou ali. Pode ir para aula.
— Você não me fez esperar todo esse tempo para fazer isso!
— Foi mal. — Apressei meus passos. — Eu já volto.
Ao olhar na direção da calçada novamente, percebi que
Samuel havia desaparecido. Olhei ao redor ao redor do campus,
mas não o encontrei. Assim que cheguei na calçada, avistei, em
meio aos estudantes, dois caras caminhando juntos. Um deles
chamou muito a minha atenção, pois eu conhecia seus ângulos até
de longe.
Mateus e Samuel entraram no bar perto da faculdade.
Eu os segui até a calçada do estabelecimento, tomando
cuidado para não ser notada. Respirei fundo antes de entrar. Eles se
sentaram no balcão, ambos conversavam de uma forma discreta.
— E ele viu você? — Ouvi Samuel perguntar quando me
aproximei dos dois. Como havia muito movimento no bar, eles nem
perceberam a minha presença.
— Não, cara. Eu estava dentro da casa dela.
— Ele deve ter seguido você.
— Antes fosse. Eu sei que ele só está esperando a hora certa
para atacar.
— Meu irmão, eu sinto te informar, mas você tá lascado.
— Acha que eu não sei? — Mateus encarou Samuel. — Você
devia... — ele se interrompeu ao olhar para trás. Provavelmente
tinha me visto pelo canto do olho.
Eu não recuei. Estava na hora de saber o que Mateus escondia
de mim.
— O que você está fazendo aqui? — Mateus perguntou,
surpreso.
— O que você está escondendo de mim, Mat? — perguntei,
sem rodeios.
Ele me encarou.
— Por que você acha que estou escondendo alguma coisa de
você?
— Vai ficar me respondendo com perguntas agora? Eu ouvi a
sua conversa. — Cruzei os braços. — Quero que você me conte a
verdade.
Mateus ficou calado, prestando atenção em mim.
Suspirei e olhei para Samuel. Ele parecia estar bem entretido
com a nossa pequena discussão.
— O que ele está escondendo?
— Vai por mim, você não vai querer saber — Samuel
respondeu.
— Valeu, cara. Você me ajudou muito — Mateus ironizou.
— Vai ficar com seus joguinhos até quando, Mateus? —
perguntei, impaciente. — Me conta tudo.
Mateus olhou para Samuel, procurando apoio.
— Cara, acho melhor você contar pra ela — disse o amigo. —
Você sabe como que ela é, né? Seja homem. — Samuel desceu do
banco e andou até a saída do bar.
Mateus continuou me encarando e eu fiz o mesmo. Por fim, ele
disse:
— Você vai querer me matar.
Eu me aproximei.
— Depende. Se for uma coisa muito grave...
Mateus hesitou por um instante e só então, disse:
— O Palocci... está saindo com a sua mãe.
Levei um tempo para processar o que ele disse.
— Você está brincando — falei, pasma.
— Eu brincaria com uma coisa dessas?!
Indignada, eu olhei para ele. A raiva era tanta que a minha mão
voou certeira até o rosto de Mateus. O tapa estalou no ar e
rapidamente mais de meia dúzia de olhos foram parar na nossa
direção.
Minha mão ficou ardendo com a força do tapa e eu dei as
costas para Mateus, saindo rapidamente do bar.
Por que isso estava acontecendo comigo?
Passei por Samuel e logo depois, escutei sua voz atrás de
mim:
— Espera, Thaissa!
— Vai para o inferno! — rosnei, caminhando sem destino.
— Ele foi sincero com você. — Samuel começou a
acompanhar meus passos. — Não era isso que você queria?!
Parei e encarei Samuel.
— Ele sabia disso o tempo todo e tentou esconder de mim!
Nem tenta defendê-lo!
— Ele não sabia coisa nenhuma. Foi descobrir aquele dia na
sua casa. Será que dá para você aprender a ouvir?!
— Eu não acredito em você. Em nenhum dos dois.
— Ótimo, então não acredite. Faça besteira. Se ele soubesse,
já teria feito alguma coisa. Só que você é cabeça dura demais
para...
— Samuel, deixa ela em paz — a voz de Mateus surgiu atrás
de nós.
Ele olhou para mim com a expressão carrancuda.
Samuel desviou a atenção para cada um de nós dois e depois
saiu, nos deixando para trás.
— Você não vai mais se preocupar com isso. Sua mãe vai
estar segura.
— E o que você vai fazer? Acha que ele vai largar ela tão fácil?
— Acho. Ele só quer que eu dê as caras. Por isso se
aproximou de vocês.
Fiquei em silêncio.
— O que você vai fazer? — perguntei.
— O que ele quer que eu faça — dito isso, Mateus começou a
se afastar, me deixando para trás.
Decidi enviar uma mensagem de precaução para a minha mãe.
Ela teria que ficar em casa nas próximas semanas.
Capítulo 32
Abri a porta de casa e encontrei a minha mãe assistindo TV na
sala. Seus olhos pararam em mim e antes de eu me sentar junto a
ela, fui logo dizendo:
— Mãe, por favor, fica longe do Eduardo.
Sua expressão ficou confusa.
— Thay, não começa. Eu não vou casar com ele.
— Você não seria louca. Mas estou falando sério — Peguei
suas mãos. — Não sai mais com ele. Ele é perigoso.
Ela pareceu intrigada.
— Como é que é?
— Ele é um mafioso desgraçado.
Minha mãe riu.
— De onde você tirou isso, Thaissa? Você está assistindo
muita novela.
— Eu estou falando sério. Ele não é flor que se cheire, e você
tem que ficar longe dele.
— E como você sabe o que ele é? Você nem o conhece.
— Mas Mateus o conhece.
Minha mãe fechou a cara.
— Eu acho melhor você tomar cuidado com seu namorado.
Ele, sim, parece ser perigoso. — Ela ficou de pé. — E vocês dois
não têm o direito de cuidar da minha vida.
Ela se afastou na direção da escada, me deixando perplexa.
Por que ela não acreditou em mim?
Afundei no sofá, com o pensamento de que tudo estaria
perdido. Eu só esperava que não acontecesse uma tragédia.

Uma das primeiras ligações que eu fiz no dia seguinte foi para
Mateus. Esperei por um minuto até a ligação cair na caixa postal.
Talvez eu tivesse exagerado no dia anterior e, por isso, ele resolveu
me dar um gelo.
Mais tarde, enquanto eu tentava concluir um trabalho da
faculdade, meu celular tocou em cima da escrivaninha.
— Eu liguei para você mais cedo — falei assim que atendi
Mateus.
— Eu estava ocupado — a voz dele surgiu do outro lado da
linha — É algo urgente?
— Preciso falar com você sobre ontem.
— Estou ouvindo.
Fiz uma pausa.
— Desculpa por ter feito aquilo, mas você deveria ter me
contado.
— Como se você não fosse agir do mesmo jeito.
Soltei um longo suspiro.
— Eu fiquei preocupada. Quero esse cara longe da minha mãe.
— E ele vai ficar. Só relaxa e fica de olho nela.
— O que você está pensando em fazer?
— O que eu já deveria ter feito. Agora eu preciso desligar. Se
cuida.
E antes de eu falar um A, Mateus encerrou a ligação.
Capítulo 33
Conforme os dias foram passando, eu notei que minha mãe
passou a ficar mais em casa e fiquei até aliviada ao perceber essa
mudança.
Aproveitando que estávamos juntas arrumando a cozinha, eu
resolvi tirar algumas dúvidas:
— Mãe, você parou de sair com Eduardo?
— Eu sabia que alguma hora você ia me perguntar isso. Mas
antes que você venha com suas suspeitas sem sentido, saiba que o
Eduardo precisou fazer uma viagem de última hora. O irmão dele
não está bem.
— É mesmo?
— E eu perguntei para ele sobre aquele negócio de máfia. Ele
deu risada e acha o mesmo que eu: você está misturando a ficção
com a realidade.
— Isso é o que ele diz.
— Eduardo é um homem bom, filha. Você não devia falar isso
das pessoas.
Eu ignorei o que ela disse, mas fiquei aliviada em saber que ele
tinha se afastado dela, porém, não acreditei nem um pouco naquela
história de viagem para cuidar do irmão doente. Essa informação
me cheirava à mentira, e das feias.
Com isso martelando na minha cabeça, eu resolvi saber mais
sobre o ocorrido e só havia uma pessoa que poderia me dar
respostas.
Naquela mesma noite, eu apertei a campainha da casa de
Mateus e esperei para ser atendida. Segundos se passaram e a
porta permaneceu intacta. Toquei a campainha mais uma vez e
instantes depois, a porta se abriu revelando ninguém menos que
Samuel.
— Oi — Passei por ele e entrei na casa. — Cadê o Mateus?
— Saiu.
— Para onde ele foi?
Samuel olhou para mim com a porta ainda aberta.
— É melhor você ir.
— Então me diz onde ele está.
— Não sei. Por que você não liga para ele?
— Eu não quero conversar por telefone.
— Então volte mais tarde. — Samuel escancarou ainda mais a
porta. — Tchau.
Eu o encarei, sem sair do lugar.
— Samuel, eu sei que você sabe onde ele está. — Sentei no
sofá. — Não vou sair até você me contar.
Samuel fechou a porta com força e se voltou para mim, todo
carrancudo.
— Acontece que você é uma linguaruda. Tudo que eu conto,
você vai lá e dá com a língua nos dentes. Esquece, gata.
— Prometo que não vou contar. Por favor.
— Não. Vai embora, garota. Você não queria que o cara saísse
da sua cola? Conseguiu o que queria e agora quer o quê?! Ferrar
ele ainda mais?
— O que Mateus fez? — Comecei a ficar preocupada.
— O que você queria ele fizesse. Tudo o que ele faz é por
você, Thaissa.
— Então, eu mereço saber o que ele está fazendo.
— Você não vai conseguir tirar ele dessa roubada. O melhor
que você faz é ficar na sua.
Ao ouvir aquilo e fui até a porta, passando novamente por
Samuel.
Parei na soleira da porta e meus olhos vagarem pela
garagem. A moto de Mateus estava ali. Isso significava que ele não
poderia ter ido tão longe. Talvez ele voltasse para casa a pé ou de
ônibus.
Dentro de mais ou menos quarenta minutos, a voz familiar
surgiu na garagem:
— O que você está fazendo aqui?
Mateus se aproximou de mim e eu saí de perto da parede.
— Preciso conversar com você. — Toquei em seus braços. —
O que anda acontecendo?
— Como assim?
— Você se entregou ao Palocci, não foi?
Mateus soltou um longo suspiro.
— Prefiro não falar sobre isso. — Ele se afastou de mim.
— Só estou preocupada. — Fui atrás dele, barrando a sua
passagem.
— Você não tem nada com que se preocupar.
— E se acontecer alguma coisa?
— Não vai acontecer nada. — Ele pegou meu rosto com as
mãos. — Vai ficar tudo bem.
Eu assenti, relutante.
Mateus ficou olhando nos meus olhos por um momento. Um
bom tempo até meu celular nos interromper. Era mais uma maldita
mensagem anônima.

— Quem mandou isso?


Olhei para Mateus. Percebi que ele estava se referindo à
mensagem no meu celular.
— Não é nada. — Desliguei a tela do aparelho.
— Quem mandou essa mensagem, Thaissa?
— Eu não sei — respondi, sincera. — O número não aparece,
como vou saber?!
Ele soltou um suspiro frustrado.
— É a primeira vez que enviaram?
Fiz que não com a cabeça.
Mateus me fitou, indignado.
— Por que você não me contou?
— Eu achei que não devia...
— Você devia — ele me interrompeu. — Você mesma odeia
que eu fique escondendo as coisas e agora escondeu essa merda
de mim?!
— Mateus, entenda! Eu achei que não fosse da sua conta.
— Achou errado. Por que você acha que estão te enviando
isso?! Porque eu estou com você!
— Me desculpa, mas eu não posso voltar atrás! Eu quero muito
saber quem está fazendo essa brincadeira idiota, mas não sei quem
é.
Mateus ficou em silêncio, mas disse depois de alguns
segundos:
— Eu vou tentar descobrir isso para você. — Ele parecia muito
cansado. — Só faltava ser o Palocci.
— Você acha?
— Não tenho certeza. — Mateus passou a mão no cabelo, a
aflição contida em seus olhos.
Eu o abracei, encostando a cabeça em seu peito e sentindo
seus braços me trazendo para mais perto. Eu queria que tudo isso
acabasse, mas a cada dia que se passava parecíamos mais
envolvidos em uma rede de mistérios.
Capítulo 34
O sol estava se pondo quando saí da casa de Anne. Depois de
conversarmos um pouco sobre a minha vida conturbada, decidi que
já estava na hora de eu ir embora.
O farol fechou e eu atravessei na faixa de pedestres, sendo
acompanhada por uma senhora passeando com um cachorro.
Uma loja de roupas estava sendo inaugurada no outro lado da
rua e havia uma pequena movimentação por lá. Eu até pensei em
entrar para ver algumas peças de roupa que eu pudesse me
interessar, mas bloqueei esse pensamento imediatamente, pois uma
cascata de cabelos negros e esvoaçantes saiu da loja. A pessoa
olhou para o lado e seguiu adiante, esbanjando confiança e
carregando suas compras na sacola.
Lia seguiu pela calçada, arrancando olhares vez ou outra.
De repente, meu celular vibrou no bolso, indicando uma
mensagem. Peguei o aparelho, já com o remetente em mente.

Revirei os olhos e guardei o celular de volta no bolso. Pelo


visto, o autor da mensagem estava se inspirando cada vez mais na
série Pretty Little Liars. Olhei ao redor, na tentativa de avistar
alguma pessoa me observando, mas todo mundo parecia
apressado, pouco se importando com a minha existência.
Soltei um suspiro frustrado e retomei meu caminho,
percebendo que Lia já tinha sumido de vista.

***
No fim de semana, Mateus e eu demos uma passada no
shopping e depois que assistimos um filme de terror, escolhemos
um lugar na praça de alimentação.
— Eu recebi mais uma mensagem misteriosa ontem — contei
para Mateus antes de comer meu lanche.
— Eu estava pensando e também pode ser alguém da
faculdade — ele concluiu. — A gente tem que ficar mais atento de
agora em diante.
Eu fiz que sim com a cabeça.
— Eu só não entendo porque isso... — Parei de falar, assim
que vi Lia passando pela praça de alimentação, carregando
algumas sacolas de compras. — De novo, não.
— O que foi? — Mateus perguntou.
— A Lia está aqui. — Ele olhou na mesma direção que eu e se
recostou na cadeira. — Parece que ela está em todos os lugares.
Estou começando a achar que ela é a autora dessa brincadeira
idiota.
— Será?
Tirei os olhos de Lia e observei Mateus.
— É claro — afirmei. — E ela tem motivos para me importunar.
Mateus pareceu considerar o que eu disse.
— Oi.
Olhei para o lado. Lia tinha acabado de se aproximar de nossa
mesa.
— Que coincidência encontrar os dois pombinhos por aqui —
ela continuou.
— O que você quer, Lia? — Mateus perguntou.
Um sorriso tomou forma no rosto dela.
— Eu só vim dar um oi. Diferente de algumas pessoas, eu sou
educada.
Eu estava prestes a perguntar para quem era aquela indireta
quando recebi uma nova mensagem.

Me comuniquei com Mateus através de olhares e ele pareceu


entender a mensagem implícita.
— O que está acontecendo? — Lia quis saber.
— Não é da sua conta — respondi.
— Eu não perguntei para você, Thaissa.
— É melhor a gente ir embora — Mateus ficou de pé e pegou
nossos lanches. — A gente come no meio do caminho.
— Credo, parece que vocês estão fugindo de mim — Lia
comentou.
— Não parece — eu falei. — Estamos mesmo.
Comecei a seguir Mateus e antes de nos afastarmos da praça
de alimentação, eu olhei para trás.
Lia estava nos observando com um sorriso debochado no
rosto.
Capítulo 35
Uma semana.
Quem quer que fosse o responsável pelas mensagens
anônimas, decidiu me dar uma folga de uma semana, pois eu não
recebi nada durante esse período.
Se tinham desistido de me atormentar eu não sabia, mas eu
não ia deixar de me divertir para quebrar minha cabeça com isso.
A festa na Casa dos Universitários estava fervendo. O local
estava lotado e a maioria dos frequentadores estava bêbados.
Mateus e eu dançamos no ritmo da música eletrônica, e
quando o som foi trocado, saímos de perto da multidão.
Algumas pessoas dançavam em cima da mesa, tomando
cerveja e vodka direto da boca da garrafa.
Enquanto isso, Mateus levou seu copo de cerveja aos lábios e
desceu os olhos no meu rosto. Um segundo depois, ele esboçou um
sorriso torto.
— Admirando a minha beleza?
Eu soltei uma risada.
— Como você é convencido.
— Fala, meu povo! — Samuel surgiu no meio de nós de
repente, nos abraçando pelos ombros. — Hoje eu vou beber até dar
PT. — dito isso, ele nos puxou para dançar uma música.
Nós três nos juntamos com um grupinho e dançamos até
ficarmos cansados. Um tempo depois, de tanto ficar no meio
daquela multidão claustrofóbica, eu senti vontade de tomar um ar
puro.
— Vou lá fora tomar um ar — falei para Mateus. — Você vem?
— Pode ir — ele disse. — Eu encontro você lá.
— Tudo bem. — Dei um beijo em seus lábios e saí de perto
dele.
O vento frio bateu em meu rosto assim que pisei o pé no
gramado da casa. A rua estava amontoada de carros e haviam
pessoas bebendo, fumando maconha e conversando ao ar livre.
Peguei meu celular da jaqueta para checar se havia alguma
notificação e quando eu estava prestes a guardá-lo, vi, pela minha
visão periférica, um indivíduo se colocando ao meu lado.
Virei o rosto no mesmo instante e o soltei o ar.
— E aí, querida? — Lia perguntou, enrolando uma mecha de
cabelo no dedo. — Se divertindo?
— Eu estava até você aparecer — retruquei.
— Ótimo, porque você vai odiar a notícia que eu vou te dar.
Eu olhei para ela.
— Que notícia?
O sorriso de Lia se alargou.
— O Mat e eu nos beijamos.
Demorei um tempo para processar o que ela disse e acabei
rindo.
— Você é louca — falei. — Mateus nunca ia beijar você.
— Não acredita? Eu tenho provas. — Ela me lançou um olhar
provocativo. — Foi ótimo.
Eu inspirei, inflando pelo nariz.
— Cadê as provas? — perguntei.
Lia jogou o cabelo para trás antes de responder:
— Só um minuto. — Ela tirou seu celular de dentro do decote
do vestido justo que ela estava usando e deslizou o dedo na tela.
Segundos depois, a tela do aparelho foi virada na minha direção.
Era uma foto. Uma foto com Mateus e Lia se beijando,
parecendo um casal apaixonado. Comecei a sentir o estômago
embrulhado. Por que Mateus fez isso?
— Você acredita em mim agora? — Lia continuou, a expressão
vitoriosa.
Eu neguei com a cabeça, chocada. Isso não estava
acontecendo.
Dei alguns passos para trás e, só então, me virei, adentrando a
casa novamente.
Mateus estava conversando com Samuel quando eu parei na
sua frente, arremessando um tapa certeiro em sua cara.
— Caralho — Samuel disse, surpreso.
Mateus olhou para mim sem entender nada.
— O que foi isso?
— Isso foi por você me enganar esse tempo todo, cretino! —
disparei e lhe dei as costas entrando no meio da multidão.
Avistei Toni dançando perto da mesa de bebidas e me
aproximei dele.
— Oi, Toni
— E aí, T...
Toni não terminou de falar o meu nome porque eu grudei os
lábios nos seus, o interrompendo. Ele ficou imóvel por um momento,
mas depois segurou o meu rosto, a sua língua entrando na minha
boca.
Não sei quanto tempo durou o beijo, mas eu estava pestes a
me afastar do meu amigo quando ele se afastou primeiro e
cambaleou para trás.
Foi aí que eu entendi que Mateus havia dado um soco no rosto
de Toni, chamando a atenção de algumas pessoas.
— Qual o seu problema? — ele me perguntou.
— O meu problema foi você ter ficado com a Lia enquanto
estava comigo, seu idiota!
— Ficou louca?! Eu não fiquei com ninguém!
— Eu vi a foto!
— Foto? — Ele soltou uma risada sem humor e em seguida,
me deu as costas, abrindo caminho pela multidão.
Eu observei ele sumir de vista enquanto meu peito subia e
descia. Nesse momento, Samuel se aproximou de mim e disse:
— Você caiu em uma cilada, Thaissa.
Capítulo 36
Eu parecia uma morta-viva.
Foi isso o que pensei quando entrei na sala de aula no meio da
explicação do professor. Mais ou menos uma meia dúzia de rostos
olharam na minha
Eu ainda não acreditava o rumo que as coisas tomaram
naquele fim de semana. A ficha ainda não tinha caído.
Sentei na frente de Toni, que estava com um evidente
hematoma abaixo do olho. Joguei minha mochila na mesa e tirei
meu caderno, pronta para tentar prestar atenção no conteúdo da
matéria.
As horas passaram lentamente até o intervalo. Eu encontrei
Anne no refeitório, e como ela já estava atualizada sobre as merdas
que aconteceram na minha vida, eu apenas fiquei ouvindo seus
relatos sobre a sua vida amorosa.
Antes do intervalo acabar, fui no banheiro e quando saí, avistei
Mateus caminhando pelo corredor. Sem pensar duas vezes, eu
entrei novamente no banheiro, na tentativa de evitá-lo.

Não fui para faculdade na terça-feira. Eu queria ficar trancada


em casa por tempo indeterminado até me sentir pronta para sair
novamente.
Eu não queria enfrentar os olhares das pessoas. Não mesmo
— Thaissa, não vou te chamar de novo — a voz da minha mãe
irrompeu no quarto.
— Mãe, eu não quero ir — falei, a voz abafada pelo
travesseiro.
— Você vai ficar deprimida desse jeito. — Minha mãe se
sentou na minha cama.
Acho que eu já estava deprimida.
— Não importa. Eu quero sumir. — Virei o rosto para o outro
lado, encarando a noite pela janela aberta.
— E o que isso vai adiantar?
Fiquei calada. Eu só não queria sair.
— Mãe, não estou a fim de ir para aula. — Recostei na cama.
— Não estou com cabeça para nada.
— E você acha que vale a pena ficar se auto destruindo por
pessoas que não valem nada? — Ela me olhou com compaixão. —
As pessoas não estão nem aí se você faltou ou não na aula; se você
decidiu desistir dos seus sonhos ou; se você quer sumir do mundo.
Elas só pensam em si mesmas.
Suspirei.
— Mas eu só não quero enfrentar a cara daquele pessoal hoje.
— Tudo bem — Minha mãe disse por fim. — Eu não vou te
obrigar. Mas saiba que você não vai poder ficar assim para sempre
— Ela se levantou e saiu do meu quarto.
Abracei meus joelhos e afundei o rosto neles, fechando os
olhos para tentar segurar as lágrimas, mas foi tudo em vão. Não
estava sendo nada fácil. Eu tinha feito uma grande merda, Toni
estava me ignorando, e Mateus fingia que eu não existia. Eu
extremamente difícil encarar o mundo em situação como essa.

***
No dia seguinte, eu acordei às dez da manhã e como vinha
acontecendo ultimamente, passei a maior parte do tempo trancada
no quarto. Fazia dois dias que eu não sabia exatamente o que era
fome, tentando me enganar apenas com água e biscoitos.
— Thaissa. — Minha mãe enfiou a cabeça pela porta do
quarto, me examinando com o olhar. — Você está presa na cama?
— Mãe, eu não...
— Não me venha com a mesma desculpa de ontem — ela me
interrompeu, entrando no quarto. — Você tem meia hora para sair
desse quarto e enfrentar o mundo lá fora. Já chega de ficar nessa
cama.
Suspirei, me dando por vencida.
Eu me levantei, peguei uma calça jeans e uma camiseta preta
e entrei no banheiro, pronta para tomar um banho. Ao terminar, me
olhei no espelho me achando acabada. Haviam olheiras profunda
embaixo dos meus olhos.
Desci as escadas, carregando a mochila em um ombro e parei
próxima a minha mãe.
— Pronto — falei. — Satisfeita?
— Muito — disse ela. — Não vai comer?
— Estou sem fome — murmurei.
Ela deu um beijo na minha testa e colocou uma nota de vinte
reais na minha mão.
— É para você comer, hein?
Eu assenti.
Encarei a noite agradável e comecei a caminhar pela rua, sem
a mínima vontade de ir para faculdade.
Logo, peguei meu celular e digitei o número de Samuel,
torcendo para que ele me atendesse. Sua voz surgiu no último
toque.
— Alô?
— Oi — falei, ficando até animada por ele ter atendido. — É a
Thaissa, tudo bem?
— Lá vem treta. O que foi agora?
— Eu queria saber se você tá livre hoje, tipo, para gente sair...
— Parei de caminhar, pensando bem no que eu estava dizendo. —
Como amigos — ressaltei.
— Tá bom, já entendi — ele me interrompeu. — Tô naquele bar
perto da cafeteria. Cola aqui. Ou será que eu tenho que ir te buscar?
— Não. Eu já estou indo. Me espere aí.
Dentro de aproximadamente trinta minutos, eu cheguei no bar
avistando Samuel logo à frente, acompanhado de uma garota. Me
aproximei e sentei ao lado dele, tirando a mochila das costas.
— Resolveu cabular? — Samuel perguntou, tirando sua
atenção da garota por um momento.
Eu assenti e Samuel chamou o barman.
— O que quer beber?
— Pode ser um refrigerante.
Quando o barman trouxe o meu refrigerante, Samuel começou
a beijar a garota, e eu tentei me entreter com a música que tocava
em uma jukebox.
— Você ainda não se resolveu com o Mateus, não é?
— Não.
Dei um gole no meu refrigerante e fiquei de costas para o
balcão, observando as pessoas dançando, bebendo e conversando.
Peguei meu celular dentro da mochila e no momento que
deslizei o dedo na tela, uma gritaria se iniciou, com vidro se
quebrando e cadeiras se arrastando. Olhei na direção do alvoroço e
dois caras com máscaras pretas no rosto estavam se aproximando
de nós.
Fiquei paralisada no lugar.
— Vamos, Thaissa! — Samuel gritou, puxando a minha mão,
deixando meu celular cair. — A gente tem que sair daqui!
— Meu celular. — Puxei o braço para pegar o aparelho.
Abaixei rapidamente e peguei o celular, mas ao me levantar,
dei de cara com um dos mascarados.
— Onde pensa que vai? — ele perguntou.
Assustada, tentei encontrar Samuel, mas não o vi em lugar
nenhum.
O cara mascarado me encurralou contra o balcão e eu comecei
a sentir os primeiros sinais de pânico.
— Acho que vou te levar para minha casa — disse o
mascarado.
Eu engoli em seco.
O mascarado número 2 que estava fazendo o barman de
refém, o ameaçando com uma faca, olhou rapidamente para nós.
— Cara, ela é a mina do Mateus.
Mateus?
— É mesmo? — O mascarado voltou sua atenção para mim. —
Hoje é seu dia de sorte, gata.
Ele abriu espaço para que eu pudesse ir embora. Olhei para
ele, assustada com os seus olhos em mim e os gritos de súplicas do
barman.
— Pode ir, princesa.
Rapidamente dei alguns passos para frente e peguei minha
mochila, saindo correndo do bar antes que os caras mudassem de
ideia. Naquele desespero todo, eu acabei esbarrando em alguém ao
chegar na calçada, e se essa pessoa não me segurasse a tempo,
eu teria caído no chão.
— Thaissa? — A voz de Mateus ecoou nos meus ouvidos.
Olhei para cima, o reconhecendo.
Mateus estava com um casaco preto e capuz na cabeça. Ele
estava tão surpreso quanto eu.
— O que você está fazendo aqui? — ele perguntou.
— Mas o que você faz aqui também?
Ele me puxou para o canto mais discreto da calçada e ajeitou o
capuz na cabeça.
— Você está bem? — ele perguntou, me analisando.
Afirmei com a cabeça.
— O que está acontecendo? Aqueles caras falaram de você e
um deles me deixou sair. Eu não estou entendendo nada.
— Eu sou informante do Palocci. Estou em parceria com esses
caras.
Não acreditei no que ouvi.
— Você precisa ir para casa — ele continuou.
— O Samuel estava comigo, eu...
— Só vai para casa. Eu não vou ter tempo de te explicar tudo
agora.
— Mas você vai ficar bem? O que vai fazer?
— Eu... — Mateus se interrompeu quando a sirene da polícia
surgiu ao longe. — Merda! — Ele olhou na direção do bar.
De repente, os dois mascarados surgiram correndo, puxando o
barman com eles.
— Sujou! Vamos! Vamos! — um dos mascarados gritou,
correndo em nossa direção.
Eles passaram voando por nós, e Mateus agarrou a minha
mão. Logo, começamos a correr atrás dos mascarados.
Havia um carro preto estacionado próximo à uma árvore na
esquina da rua, onde os mascarados abriram a porta, jogaram o
barman no banco de trás e entraram no carro como um raio. Mateus
abriu a porta do banco de trás e me puxou para que eu pudesse
entrar no carro, mas eu hesitei.
— Nós vamos com eles? — perguntei.
— Tem outra opção?! — Mateus me guiou para dentro do
veículo, e eu sentei ao lado do barman.
Assim que Mateus fechou a porta, se sentando ao meu lado,
um dos mascarados deu partida no veículo, arrancando os pneus à
toda velocidade enquanto a polícia parecia estar cada vez mais
próxima.
Capítulo 37
Segurei firme no banco estofado e minha outra mão foi parar
na coxa de Mateus enquanto o carro corria veloz pela estrada.
— Vai ficar tudo bem — Mateus disse, tentando me tranquilizar.
Olhei-o incrédula. Não parecia que ia ficar tudo bem. Era
possível ouvir a sirene da polícia gritando ao longe.
O mascarado que estava dirigindo tirou a máscara exibindo seu
rosto. Ele tinha a cabeça raspada e, de repente, olhou para trás,
verificando se estava sendo seguido. O outro mascarado no banco
de passageiro também tirou sua máscara. Esse tinha cabelos claros
e deu apenas para ver uma parte do seu rosto. Já o barman estava
com as mãos amarradas numa corda, tinha uma fita grudada em
sua boca e os olhos amedrontados.
Após alguns instantes, o som da sirene da polícia pareceu
diminuir.
Mateus colocou os fones de ouvido que estavam por dentro de
seu casaco e começou a falar com alguém:
— Já pegamos ele. — Houve uma pausa. — A polícia está na
nossa cola, cara. Não vai dar para chegar aí na hora que você quer
— e então, ele tirou os fones.
— E aí? — o cara da cabeça raspada perguntou. — Tudo
certo?
— Até agora sim — respondeu Mateus.
— Para onde estamos indo? — perguntei.
— Vamos encontrar com o chefe — o cara no banco do carona
respondeu.
Momentos depois, paramos no semáforo e após o sinal ter
ficado verde, viramos a encruzilhada quando a viatura da polícia
surgiu na outra rua, brecando na nossa frente.
Imediatamente o cara de cabeça raspada girou o volante,
tentando dar ré e acabamos batendo a traseira do carro em um
veículo que estava atrás de nós. Minha cabeça bateu no banco da
frente com o impacto.
— Tudo bem? — Mateus olhou para mim, pegando meu rosto
para analisá-lo.
— Não... — respondi, sentindo minha cabeça latejar.
— Sai daí — Mateus puxou o motorista para fora do volante.
— Você é um bunda-mole.
— Eu tô encurralado, cara! — o motorista gritou assim que
Mateus dominou o volante.
O som da sirene berrava atrás de nós, e eu praticamente me
via atrás das grades.
Mateus conseguiu entrar na outra mão, desviando
bruscamente dos carros. Porém, isso não serviu para despistar a
polícia. A viatura corria atrás de nós, abrindo caminho e junto com
toda aquela loucura, meu coração estava prestes a sair pela boca.
Por pouco não batemos em um carro, mas eu jurei ter visto
faíscas enquanto Mateus raspava o veículo no outro. Corríamos a
não sei quantos quilômetros por hora e eu temia em acontecer um
acidente capaz de nos matar.
Mateus virou à direita, onde havia uma faixa de pedestres com
um cara atravessando. Gritei, temendo o pior, e Mateus buzinou
com força, fazendo o homem correr rapidamente para fora da
estrada.
A sirene da polícia zumbia em meu ouvido e eu olhei para trás,
vendo alguns carros atrás de nós, mas não consegui visualizar o da
polícia.
— Thaissa — Mateus chamou. — É melhor você segurar firme.
Ele acelerou o carro ainda mais, e eu cravei minhas unhas no
banco, fechando os olhos.
Não ousei abrir os olhos enquanto o carro voava pela estrada.
Eu apenas ouvia os pneus gritando no asfalto e sentia meu corpo
sendo jogado para tudo que era lado.
— Acho que conseguimos — um dos caras disse depois do
que pareceu uma eternidade.
Permiti-me abrir os olhos e me vi em uma rua escura, sem
carros ou pessoas. Parecia deserta. Sem nenhum som.
— Tudo bem? — Mateus me perguntou.
Olhei ao redor, enfrentando os olhares de todos no meu rosto
e, só então, me endireitei no banco.
— Sim — respondi.
— Estamos chegando — Mateus anunciou.
Mais ou menos uns cinco minutos depois, Mateus parou o
carro em frente a um depósito que parecia ocupar toda a extensa
calçada. Logo, ele saiu do veículo e o cara de cabelos claros
desceu, abrindo a porta de trás e puxando o barman abruptamente
para fora. O outro também saiu e a porta ao meu lado se abriu de
repente.
Mateus estava parado ao lado da porta e eu saí do carro.
A rua em que estávamos era completamente deserta. Não se
via nenhuma alma ali, a não ser nós cinco. O lugar era escuro,
pouco iluminado pelos postes da frente.
— Você parece assustada — Mateus constatou, me
observando.
— E estou.
— O pior já passou.
A porta de ferro do depósito rangeu ao ser erguida por um dos
caras.
Mateus pegou na minha mão e entramos naquele lugar
estranho. O local era iluminado por algumas luzes amarelas e
haviam dois caras bombados lá dentro.
Quando os capangas levaram o barman para outro cômodo,
uma porta no canto se abriu. Eduardo saiu de lá. Ou Palocci para
ser mais específica. Ele se aproximou de nós, me olhando com
curiosidade.
— O que essa menina está fazendo aqui?
— Estou mostrando o seu mundinho a ela — Mateus
respondeu. — O trabalho está feito. Não tenho mais nada para fazer
aqui.
Mateus deu as costas para Palocci e agarrou minha mão.
Passamos pelo portão de ferro e ele soltou minha mão para abaixá-
lo com tanta força que o portão fez um estrondo ao tocar no chão.
Um segundo depois, um grito horripilante soou de dentro do
depósito.
Em seguida, ele começou a tirar o seu casaco. Após ter feito
isso, tirou minha mochila do ombro e colocou seu casaco em mim,
numa tentativa carinhosa de não me deixar passar frio.
— Vamos ter que andar um pouco até achar um ponto de
ônibus.
— Sem problemas. — Peguei em seu rosto e me aproximei
para beijá-lo.
No momento em que nossos lábios se tocaram, Mateus recuou
a boca da minha, como se estivesse fazendo algo errado. Olhei-o,
envergonhada.
— Precisamos conversar sobre isso — ele disse.
— Conversar?
— Você beijou o Toni — ele me lembrou.
— E você beijou a Lia.
— Não beijei a Lia.
— Eu vi a foto!
— Tem 100% de chances de ela ter te mostrado uma foto
antiga ou ter feito uma montagem.
Soltei um suspiro.
— Eu sei que eu errei. Me desculpa! Eu nem pensei no que
estava fazendo.
Mateus assentiu.
— Eu pensei muito sobre isso, e sei que você vai me odiar,
mas preciso de um tempo.
Um tempo?
— Você quer terminar?
— Não. Eu só preciso de um tempo, nada mais.
Senti vontade de chorar.
— Isso significa que você quer terminar.
— Eu só preciso pensar um pouco, Thaissa.
Eu assenti.
— Tudo bem. — Tentei segurar as lágrimas. — A gente não
estava se dando bem mesmo.
— Isso não é um término.
— Eu entendi, Mateus — Desviei os olhos deles. — Se você
precisa disso, vou te dar um tempo para pensar. Só seja sincero
comigo quando você não quiser mais nada. Vai ser uma sacanagem
se você aparecer com uma namorada nova.
— Isso não vai acontecer.
Eu neguei com a cabeça, tentando me conformar com a nossa
situação
Estava claro que era isso mesmo que iria acontecer.
Capítulo 38
Na noite seguinte, fui totalmente desmotivada para faculdade.
Eu não estava a fim de escutar os professores falando horas sobre
um mesmo assunto e acabei me refugiando na biblioteca.
Eu estava sentada numa mesa ao fundo, fingindo que estava
lendo um livro qualquer quando, na verdade, eu estava ouvindo
música. Eu sabia que estaria encrencada com todas as minhas
faltas, mas uma parte de mim não estava nem aí para isso.
Deslizei o dedo na tela do celular, trocando de música.
Segundos depois, a cadeira no outro lado da mesa se arrastou para
trás.
— Oi.
Ergui o rosto e uma garota de cabelos pretos e óculos tinha
acabado de sentar na minha frente.
— Você é a namorada do Mateus, certo?
Não exatamente, mas por precaução, era melhor fazê-la
pensar que sim.
— Isso — respondi e tirei os fones do ouvido.
Ela sorriu.
— Eu estou organizando uma festa no ginásio. Terá vários
tipos de brincadeiras. — Ela estendeu um pequeno cartão para mim.
— Você está convidada. Contamos com você.
— Ok, valeu — Dei uma olhada no convite.
A garota se levantou e saiu, sumindo entre as estantes de
livros.
A festa seria no próximo fim de semana e começaria às nove e
meia da noite. Parecia legal, mas eu não estava com vontade de ir.
O restante da minha semana se resumiu em uma única
palavra: tristeza. Estava sendo uma droga. Eu tentava ter coragem
para estudar, mas quase nada se fixava na minha cabeça, sem
contar que eu corria um grande risco de me ferrar nas matérias, pois
as provas finais estavam chegando.
Eram pouco mais de quatro horas da tarde de sábado quando
minha mãe adentrou no meu quarto e abriu a janela, deixando o sol
iluminar todo o cômodo. Tirei os olhos do livro de romance que eu
estava lendo e olhei para ela.
— Você não vai sair? — ela perguntou.
— Não — respondi, voltando a atenção para o livro.
— Festa no ginásio. — Olhei para minha mãe e ela segurava o
cartão da festa em que fui convidada. — Você não vai?
— Não vou, mãe.
— Chama a Anne para ir com você — minha mãe sugeriu.
— Por que você está fazendo isso? — Deixei o livro no colo.
— Porque eu vejo uma Thaissa louca para se aventurar lá fora.
— Ela me olhou com ternura. — A vida é sua, curta com juízo —
dito isso, ela me deu as costas, saindo do quarto.

***

Anne e eu adentramos o ginásio enquanto uma música alta e


animada tocava nas caixas de som. Alguns balões amarelos e rosa
pendiam sob o teto, deixando o lugar mais agradável e bonito.
Caminhamos entre a multidão e cumprimentei alguns rostos
conhecidos. Estavam servindo bebida mais à frente e eu me
aproximei, pegando um copo e levando o líquido doce à boca.
— Hum — Anne sorriu ao provar a mesma bebida que eu. —
Isso aqui está muito bom.
Eu concordei com a cabeça.
— Thaissa! Que bom que você veio.
Olhei na direção da voz e a mesma garota que me convidou
para festa estava ao meu lado, usando um vestido preto. Dessa vez
ela estava sem óculos.
Fiquei me perguntando como ela sabia o meu nome.
— Oi — falei. — A festa está incrível. Parabéns.
— Obrigada — ela sorriu. — Você arrasou nesta roupa. Amei.
Eu estava usando uma blusa branca com uma saia preta e
botas.
— Obrigada — Foi Anne quem agradeceu. — Fui eu que
escolhi a roupa dela.
Olhei para Anne.
— Só a saia — expliquei. — E qual o seu nome?
— Ah, me chamo Patrícia. Agora eu preciso cumprimentar
alguns convidados. — Ela começou a se afastar. — Se divirta.
— Está fazendo mais amizades. — Anne sorriu. — Estou
gostando de ver. Só assim você tira o Mateus da sua cabeça e
começa a viver sua vida.
— Pois é. A vida segue.
— É assim que se fala, amiga. Você precisa beijar na boca
hoje.
Eu ri.
— Não exagera.
Minutos depois, eu deixei Anne dançando e comecei a
perambular pelo local, prestando atenção na decoração.
— Oi.
Um arrepio percorreu minha nuca ao ouvir o tom de voz grave
de Mateus.
Eu me virei para olhá-lo, notando a camiseta apertando seus
músculos salientes.
— Está falando comigo por quê?
— Só estou sendo educado.
— Você conseguiu pensar com mais calma? Ou precisa de um
ano para isso? — alfinetei.
— Ainda bem que você tocou no assunto porque eu quero
conversar com você sobre isso.
— Eu acho que agora não é hora.
Mateus cruzou os braços, os olhos no meu rosto. Ele inspirou e
disse:
— Quer saber? Que se foda esse tempo idiota. — Ele pegou
na minha mão e começou a me puxar na direção da porta dos
ginásios.
— Você está me levando para onde?
Deixamos o ginásio para trás e ele parou no corredor. Em
seguida, Mateus ergueu meu queixo, inclinou o rosto e grudou os
lábios nos meus. Eu deixei que a sua língua encontrasse a minha e
eu envolvi seus ombros com os braços.
Depois daquele beijo cheio de saudade, eu disse:
— Me ver sofrendo era o que você queria, né?
Mateus acariciou meu cabelo antes de responder:
— Eu pensei muito e cheguei à conclusão de que fui um idiota.
Você não sabe como eu fiquei louco de saudade de você. — Ele me
abraçou forte dessa vez. — Só peço que você confie em mim. É
isso que falta para ficarmos bem.
— Eu só confio em você com uma condição.
Ele parou de me abraçar.
— Qual?
— Quando você parar de bancar o idiota.
Mateus esboçou um sorriso e concordou com a cabeça.
— Vou tentar, meu anjo. — Ele beijou o topo da minha cabeça.
Eu o abracei dessa vez, o apertando em meus braços. Eu
estava muito grata por ele ter voltado para os meus braços de novo.
Capítulo 39
Acordei com alguém me chacoalhando e abri os olhos
lentamente.
Thaissa estava fora da cama, de joelhos ao meu lado. Ela abriu
um sorriso ao ver que eu tinha acordado.
— Bom dia — ela cantarolou, animada. — Hoje é um lindo dia.
Estranhei a sua frase.
— Que horas são?
— Oito e meia.
— O que você faz acordada uma hora dessas? — Subi o
cobertor até o queixo, sonolento. — Volta para cama.
— Não, hoje é um dia especial. — O sorriso dela se alargou. —
É seu aniversário!
E foi aí que eu lembrei. Hoje era dia 16 de novembro.
— Eu tinha até esquecido.
— É, eu percebi. Vinte e dois anos, hein?
— Para você ver. Agora deita do meu lado. Já que é meu
aniversário, quero hibernar o dia todo.
— Ah, não. Está um dia lindo lá fora. — Os lábios macios dela
vieram de encontro aos meus. — Vamos comemorar.
— Vamos, sim. — Ergui a mão e acariciei seu cabelo. — Com
você dormindo aqui comigo. — Abri um sorriso.
— Isso não vale.
— Vale, sim. Como é meu aniversário, eu tenho o direito de
escolher o que eu quiser. — Eu a encarei e apoiei o rosto no
cotovelo.
Thaissa esboçou um sorriso atrevido.
Antes que eu me desse conta do que ela estava planejando,
uma torta de chantilly voou na minha cara.
— Parabéns pra você, nesta data querida...
Limpei o rosto no cobertor e pulei da cama. De repente,
Thaissa começou a andar para trás.
— Gostou da surpresa?
Eu lambi o resto de chantilly no meu dedo e respondi:
— Gostei. — Comecei a me aproximar dela.
— Fica calminho. — Ela começou a se aproximar da porta do
quarto, a minha camiseta amassada cobrindo apenas a sua bunda.
— Estou calmo. Você está fugindo de mim por quê?
Ela não respondeu. Apenas colocou um pé para fora do quarto
e antes de dar mais um passo, eu a agarrei. Ela soltou um gritinho,
mas logo começou a dar risada.
— Por favor, Mat... Não se vinga de mim. Eu faço o que você
quiser.
— Quem disse que eu vou me vingar de você? — Eu comecei
a guiá-la na direção da cama.
— E o que você vai fazer?
— O que eu deveria estar fazendo antes de você me acordar.
— Eu me joguei sobre o colchão. — Dormindo.
Thaissa revirou os olhos e deitou em cima de mim.
— Parabéns pelo seu dia, meu amor. — Ela mergulhou os
dedos no meu cabelo.
— Obrigado. — Envolvi a sua cintura. — Você está me
devendo uma cesta de café da manhã com aquelas declarações de
amor bem clichê.
Ela gargalhou, me contagiando com a sua risada.
— Essa é uma ótima ideia para o seu próximo aniversário.
Eu não pude deixar de sorrir com o que ela disse. Fazia um
tempo que eu não tinha um aniversário tão bem acompanhado.
Capítulo 40
— Você vai para aula hoje?
Olhei para Mateus enquanto eu estava sentada no sofá da sua
casa, assistindo TV.
— Sim — respondi. — Você não vai?
— Não. Hoje não vai dar.
— Por quê? — Olhei para ele.
Mateus me encarou.
— Motivo: começa com P e termina com I.
— Palocci — falei.
Ele assentiu.
— Esse cara nunca vai largar do seu pé? Você tem uma vida,
Mateus.
— Concordo. Se você tiver alguma sugestão de como parar
com isso, me avisa.
Suspirei.
— Não quero discutir, mas esse cara já passou dos limites com
você... com a gente. Isso precisa parar.
— Não tiro a sua razão. Se houvesse um jeito, com certeza,
estaríamos em paz agora.
— Se esse desgraçado me deixar sem namorado, eu juro que
ele vai me pagar.
Mateus sorriu.
— Gostei de ouvir isso. — Ele atravessou o braço no meu
ombro, me trazendo mais para perto. — Se algum dia, eu não
estiver mais aqui, nem pense duas vezes para seguir em frente, tá
bom?
— Por que você está falando isso? Eu só estava brincando.
— Eu sei, mas é só por precaução. A vida nem sempre nos
reserva surpresas agradáveis.
Fiquei com um pé atrás depois dessa rápida conversa. E se
Mateus estivesse mentindo para mim? E se ele ainda continuava
sofrendo ameaças de Palocci mesmo trabalhando para ele?
Fiquei apreensiva depois que essas perguntas sem respostas
surgiram na minha cabeça.

O professor disse que ia passar uma atividade em dupla


naquela noite, e como seu humor estava "ótimo", ele mesmo
resolveu escolher as duplas. Tentei ficar tranquila até ouvir o nome
do meu parceiro de trabalho.
— Vocês já podem formar as duplas e iniciar a atividade — o
professor avisou.
Não precisou de muito esforço para Toni arrastar sua cadeira e
deixá-la ao lado da minha. Por um momento, ficamos em silêncio,
mas logo eu decidi me manifestar:
— Então... como vamos começar?
— Você pode decidir — Toni disse.
Depois de alguns minutos, quando já estávamos interagindo
sobre o trabalho, eu olhei para Toni, me preparando para arriscar
uma pergunta:
— Eu sei que você está chateado comigo, mas eu quero te
pedir desculpas por eu ter beijado você. — Respirei fundo.
Toni me fitou com seus olhos castanhos esverdeados e
finalmente, disse:
— Tudo bem. Eu que me precipitei também. Acho que
finalmente entendi que é dele que você gosta, mas já estou
seguindo em frente. Não quero atrapalhar vocês de novo.
— Obrigada — falei, sentindo um certo alívio.

***

A tarde passou tão rápido no dia seguinte que faltava poucos


minutos para a aula começar.
Saí atrasada de casa e enquanto eu me aproximava do ponto
de ônibus, enviando uma rápida mensagem para Mateus, acabei me
distraindo e o ônibus que eu pretendia pegar, passou a toda
velocidade pela estrada, seguindo seu destino e sumindo ao longe.
— Não acredito! Que merda! — Joguei o celular dentro da
mochila.
Percebendo minha tolice, peguei o celular de volta e mandei
outra mensagem para Mateus, dizendo para ele me encontrar.
Como ele estava de moto, levaríamos poucos minutos para chegar
na faculdade.
Fiquei encostada na placa do ponto de ônibus, o esperando. A
rua escura estava bem solitária, parecia até que era de madrugada.
Peguei meu celular para ver as horas novamente e quando eu
estava prestes a guardá-lo, uma sacola de pano envolveu a minha
cabeça, escurecendo a minha visão. Eu me debati enquanto alguém
me puxava por trás. Meu grito saiu abafado pela sacola e, logo,
senti meus músculos se chocarem em alguma coisa estofada,
seguido de um estalo de uma porta de veículo se fechando. Não
demorou para o carro arrancar a toda velocidade, fazendo o meu
corpo balançar no banco.
— O que significa isso?! — Gritei, de pavor. — Me deixem sair!
— Para o seu bem é melhor você ficar calada — uma voz
grossa soou ao meu lado.
— Quem é você?
— Eu já disse para você ficar calada — A pessoa me virou de
bruços e puxou minhas mãos para trás, prendendo-as com uma
corda áspera. — Se você ficar quietinha, nada vai acontecer.
— Por favor, me solta! — Me contorci no banco.
— Cala a boca! — o sujeito da voz grossa gritou, forçando
alguma coisa sobre minhas costas. Parecia ser o seu joelho, pois eu
sentia sua presença bem próxima de mim. — Não me obrigue a
tapar a sua boca, caralho!
Com o coração a mil e a falta de ar tirando todas as forças dos
meus pulmões, eu tentei engolir o choro.
Depois do que pareceu uma eternidade, o carro parou em
algum lugar. Uma das portas do veículo foi aberta e, em seguida,
fechada. O sequestrador me puxou para fora do carro e começou a
me guiar para algum lugar. Nossos pés faziam barulho no chão, que
parecia ser de cascalho.
Após alguns segundos, o som de uma porta rangendo nas
dobradiças ecoou nos meus ouvidos. Continuei sendo guiada dentro
de algum estabelecimento e, então, o indivíduo que me sequestrou
parou e sua voz grave surgiu:
— Senta aí. — Ele me forçou a sentar em alguma coisa
parecida com um banco.
A sacola de pano foi tirada da minha cabeça, desacostumando
meus olhos com a luz amarela da do local. Semicerrei os olhos. O
lugar era um quarto vazio, com cheiro de mofo. As paredes eram
rebocadas pela metade e haviam duas portas, uma à minha frente e
outra à minha direita.
— Estarei vigiando você — o sequestrador disse. Ele tinha
cabelo preto e uma tatuagem de cobra ao lado do pescoço.
— Eu não sou rica! O que você quer comigo?!
— Estou apenas cumprindo ordens. Com você não quero nada.
— Ele se aproximou e deixou o rosto na altura do meu. — Agora,
cala a boca!
Eu aproveitei a oportunidade e ergui a perna direita, acertando-
a entre suas pernas. Ele gritou e rapidamente, eu fiquei de pé,
correndo desajeitadamente até a porta na minha frente. Eu poderia
usar a boca para girar a maçaneta já que minhas mãos estavam
amarradas nas costas. Eu teria que ser muito rápida. Mas de
repente, mãos me agarraram por trás.
— Você não vai escapar! — O sequestrador me fez sentar no
chão. — Se tentar fazer isso de novo, vou amarrar suas pernas e, aí
sim, vai ficar mais desconfortável do que já está! — Ele estava com
a expressão furiosa dessa vez.
— Eu quero sair daqui! — disparei. — Socorro! — As lágrimas
rolaram nas minhas bochechas novamente.
— Ninguém vai te ouvir. Se você sair, vai acabar morrendo.
Estamos no meio do nada.
Como assim no meio do nada?
Talvez ele só disse aquilo para eu ficar com medo, não tentar
fugir como há alguns segundos atrás. A corrida de carro não foi tão
extensa. Acho que durou aproximadamente cinquenta minutos ou
uma hora. Não poderíamos estar tão longe.
Fiquei com a cabeça encostada na parede, sentindo meus
braços e minhas mãos latejando nas costas. Meus olhos deviam
estar inchados de tanto chorar. Olhei para o sequestrador e ele
permanecia encostado na porta da frente com os braços cruzados,
sem tirar os olhos de mim. Toda aquela situação era desconfortável
demais.
— Vão ligar para minha mãe? — perguntei, com a voz baixa.
— Não.
— Meu namorado vai conseguir me encontrar — falei, com
convicção. — Você vai se ferrar quando a polícia souber!
Ele continuou me encarando sem mexer um músculo.
Eu tinha toda certeza de que Mateus iria me encontrar. Meu
celular e minha mochila ficaram no carro daquele bandido e isso já
facilitaria as coisas. A não ser que ele deu fim no carro ou... Não. Eu
não podia pensar nisso. Eu tinha que ser positiva.
Algum tempo depois, uma segunda voz ressoou no outro
cômodo, deixando meu corpo em alerta. O sequestrador olhou para
porta à minha direita, e no mesmo instante, a porta foi aberta, e de
lá, saiu o sujeito que eu mais desprezava naquele momento. Como
eu não imaginei que ele foi o causador de tudo aquilo?
Palocci se aproximou e parou diante de mim, com um sorriso
cínico.
— Aí está você — ele disse. — Como está?
Desgraçado, maldito!
— Por que você tá fazendo isso?! — perguntei, exaltada.
Minhas mãos até ralaram na parede áspera.
— Ele não te contou? — Palocci fingiu surpresa. — Bom, então
eu conto. — Ele se agachou. — Mateus se recusou a entrar em uma
missão muito importante para mim. Fiz tudo o que ele pediu: me
afastei de você e de sua mãe, e agora ele me apronta essa. — O
sorriso dele se alargou. — Então, nada mais justo do que sequestrar
você. Só assim ele aprende a seguir as minhas ordens.
Esse cara era a encarnação do próprio diabo.
— Não se preocupe, Thaissa — Palocci continuou. — Ele já
sabe que você está comigo. Em breve, estará aqui. Isso, é claro, se
ele conseguir encontrar esse cativeiro.
Olhei para Palocci com raiva e desprezo.
Sem pensar duas vezes, dei um chute certeiro no rosto de
Palocci que o fez cair para trás. Tentei me levantar, mas Palocci
ficou de pé, avançando em mim com suas mãos no meu pescoço.
Minha cabeça bateu na parede enquanto ele tentava me enforcar,
me deixando sem ar.
— Ei, cara! Você vai matar ela! — A voz do sequestrador
surgiu, parecendo distante.
Eu agarrei seus dedos tentando tirar suas mãos do meu
pescoço, mas eu já estava ficando sem forças e sem ar, quase
desfalecendo. Quando tudo parecia estar perdendo o foco, senti
meu pescoço livre do seu aperto.
— Fica de olho nessa imbecil! — Ouvi a voz de Palocci ao
longe e com os olhos semiabertos, vi o momento que ele saiu do
cômodo.
Minha cabeça estava latejando. Eu a encostei na parede e me
obriguei a esperar, temendo no que poderia acontecer nas próximas
horas.
Eu havia caído no sono. Acordei com a cabeça tombando para
o lado e a boca entreaberta. Logo, me endireitei, enfrentando os
olhos do sequestrador na minha direção. Eu não fazia ideia de
quanto tempo havia se passado.
— Você sabe me dizer que horas são? — perguntei.
— Não. Mas com certeza, falta pouco para amanhecer.
Eu estava admirada. Não acredito que dormi por todo esse
tempo. Concluí que Mateus estava demorando demais para
aparecer. Será que estávamos realmente no meio do nada? Ou
tinha acontecido alguma coisa, o impedindo de chegar mais rápido?
Mesmo com todas essas dúvidas, eu acreditava que ele viria
me tirar daqui, cedo ou tarde. Eu tinha que ser forte e acima de
tudo, otimista.
Aproximadamente cinco minutos mais tarde, começaram a
surgir fortes batidas na porta da frente.
O sequestrador ficou de pé em um pulo.
Parecia que a porta ia ser arrebentada a qualquer momento.
Capítulo 41

A porta foi aberta bruscamente e a maçaneta voou, sendo


jogada próxima aos meus pés. Samuel surgiu, carregando uma
arma apontada para dentro do cômodo.
Fiquei em estado de choque. O que ele estava fazendo ali? E
armado ainda por cima?
— Entregue a garota! — gritou Samuel, apontando a arma na
direção do sequestrador. — Rápido! Solta as mãos dela!
O sequestrador se aproximou de mim e pegou minhas mãos,
desfazendo os nós da corda. Samuel manteve a arma apontada
para nós, mais especificamente para ele. Dentro de instantes, a
porta à direita se abriu e Palocci apareceu novamente.
— Você aqui? — Palocci perguntou, enfrentando a arma em
sua direção. — Eu quero ele, não você.
— Ele está aí, seu otário — Samuel rosnou, os olhos vidrados
em Palocci.
— Você vai atirar? Atira — ele disse, como se fosse imune a
armas de fogo.
Samuel parecia tenso, mas não deixou que isso o intimidasse.
Ele continuou olhando firme para Palocci.
Finalmente fiquei com as mãos livres e fiquei de pé.
Passos rápidos surgiram quebrando a tensão. Olhei para frente
e meu coração deu um pulo, não sei se de surpresa ou de alegria.
Mateus lançou um olhar ligeiramente preocupado na minha direção
antes de se aproximar de mim.
— Finalmente — Palocci disse, ainda imóvel sob pressão da
arma apontada para ele. — Que bom revê-lo, Mateus.
Mateus lhe direcionou um olhar de desprezo.
— Se a intenção era querer que eu o desejasse morto,
conseguiu — Mateus disse, destilando ódio na voz.
— Vai me matar?
— Não. Você mesmo vai se auto destruir até chegar à morte.
Palocci riu. Sua risada reverberou pelo cômodo.
— Vamos, chega de piadinhas. Mande o seu camarada abaixar
a arma — Palocci disse, sua expressão voltando a ficar
estranhamente pacífica. — Temos assuntos pendentes.
Calmamente Mateus se aproximou de mim, analisando-me dos
pés a cabeça.
— Você precisa correr. — Ele olhou diretamente nos meus
olhos. — Aconteça o que for, não para. Um chevette cinza está
estacionado a alguns metros daqui. Fica no carro e espere pelo
Samuel.
— Mas e você? — perguntei, sentindo o medo se instalando
em mim.
— Eu vou ficar bem. — Ele colou os lábios nos meus. — Vai.
Rápido.
Eu saí do cômodo e logo comecei a correr, desnorteada pelo
chão de cascalho. O lugar realmente era no meio do nada. Só se via
terra na pouca claridade do amanhecer. Desci uma ladeira e acabei
escorregando, caindo de costas no chão. Fiquei de pé novamente e
corri, mais veloz ao avistar o veículo cinza ao longe.
Ao chegar perto do carro, abri a porta do carona e entrei. Minha
respiração estava ofegante, e o lugar agora estava tão silencioso,
que eu só ouvia as batidas frenéticas do meu coração.
O que iria acontecer com Mateus?
Eu estava tão preocupada que minhas mãos tremiam. As
marcas da corda estavam à mostra nos meus pulsos. Olhei ao
redor, me sentindo perdida.
Cinco minutos se passaram de acordo com o relógio do rádio.
O silêncio perturbador continuava, e nada de Samuel ou Mateus
aparecer. Depois de quinze longos minutos, o som de passos
surgiu, e Samuel apareceu há poucos metros de distância.
— O que aconteceu? — perguntei, sentindo uma onda de
adrenalina quando ele entrou no carro. — Está tudo bem? E o
Mateus?
— Primeiro vamos sair daqui. Eu conto tudo durante o caminho
— Samuel disse, dando partida no veículo.
— E o Mateus?
Samuel inspirou fundo.
Senti um aperto no peito.
— Samuel, não ouse sair daqui antes de me contar o que
aconteceu com o Mateus — falei com tanta convicção, que até
estranhei minha voz.
— Ele tá bem — Samuel respondeu. — Mas só por enquanto.
— Como assim só por enquanto?
— Dá pra parar com o interrogatório? Tenho que sair daqui,
esse lugar me dá calafrios.
Não era só ele que sentia calafrios com aquele lugar.
Minutos depois, quando parecíamos estar longe daquela
espécie de cativeiro, eu resolvi me intervir:
— Podemos falar agora?
Samuel assentiu, prestando atenção no volante.
— O que aconteceu lá? Você atirou no Palocci?
Ele riu.
— Como? A arma está descarregada. Foi só pra meter medo
no cara.
Que loucura. Se Palocci estivesse armado, com certeza,
acabaria com todos nós.
— E o Mateus? — perguntei novamente.
— Está ferrado. Eu o avisei, mas ele é louco. O Palocci vai
querer se vingar dele, Thaissa. Aquele cara é um maníaco.
— Você acha que ele...
— Acho que vocês devem ficar espertos. O Mateus pode até
voltar hoje, mas o Palocci não desiste. Quando ele se sente
enganado vira o próprio cão.
Isso eu já havia percebido.
— Eu quero que não aconteça nada com ele.
Samuel olhou para mim.
— Acredite, eu também não.

***

Depois de uma longa corrida de carro, Samuel me deixou na


casa de Mateus. Ele ia embora, mas eu pedi insistentemente para
que ele ficasse, pois ele era a única pessoa que tinha contato com
Mateus. Depois de tanta insistência, Samuel resolveu ceder ao meu
pedido.
Como eu me sentia detonada por dentro e extremamente
cansada, acabei me enfiando no banheiro de Mateus para tomar um
banho.
Após me sentir um pouco relaxada, deslizei para a cama dele e
abracei meus joelhos, pensando se estava tudo bem com meu
namorado.
Me perdi em pensamentos que acabei adormecendo.

— Thaissa — uma voz soou ao longe, enquanto eu despertava.


Abri os olhos e imediatamente os arregalei ao ver a figura na
minha frente.
Mateus estava diante de mim, olhando-me com certa
curiosidade.
— Quando você chegou? — Em um impulso, eu me joguei em
seus braços, o abraçando. — Fiquei tão preocupada.
— Tá tudo bem, meu anjo. — Ele me apertou em seus braços.
— Cheguei agora a pouco.
Eu só o larguei depois de longos instantes.
— E você? Conseguiu chegar bem?
Balancei a cabeça em positivo.
Mateus pegou minhas mãos e as observou. Os arranhões e as
marcas se estendiam sobre a pele. Ele beijou cada arranhão e
depois, ergueu seus olhos castanhos para mim.
— Não sei o que você fez comigo, mas eu senti que perdi a
própria vida quando você sumiu do mapa.
Admirada, eu o beijei nos lábios.
— Eu te amo, Mateus.
— Eu também te amo, Thaissa. — Seus olhos brilhavam. —
Demais.
Não pude evitar o sorriso que queria se abrir no meu rosto.
Naquela mesma noite, convenci Mateus de que eu ia voltar
para casa. Minha mãe deveria estar numa pilha de nervos, pois eu
não apareci em casa ontem à noite. E, além disso, eu tinha que
inventar uma boa desculpa para ela por conta disso. Se ela
soubesse a verdade, era capaz de nunca deixar eu sair de casa.
— Sua mãe ligou para você — Mateus disse, me pegando de
surpresa.
Olhei para ele.
— Quando?
— Ontem à noite e hoje também. — Ele entregou meu celular.
Mateus havia recuperado meus pertences durante sua vinda para
casa. — Eu atendi uma ligação dela no caminho. Falei que você
estava comigo.
Por um instante, senti um certo alívio.
— Ela acreditou? — Eu estava desconfiada. — Não acredito
que ela não pediu para falar comigo.
— Eu tive que falar que você estava dormindo. — Ele abriu um
sorriso preguiçoso. — E para enrolar, eu a convenci de que ela é a
melhor sogra do mundo.
Eu ri. Ele era muito cara de pau.

Na noite seguinte, poucas horas antes de começar as aulas na


faculdade, Mateus apareceu na minha casa aproveitando a deixa de
que minha mãe não estava presente e nós dois fomos juntos para a
aula.
As aulas fluíram normalmente ao longo de algumas horas.
Meus colegas já tinham saído para o intervalo e eu era a única
pessoa ali, debruçada sobre o caderno, me esforçando para deixar
a matéria em dia. A quantidade de conceitos explicados em apenas
dois dias de aula parecia ter se transformado em uma semana de
conteúdos. Fui obrigada a pular algumas partes para estudar os
tópicos mais importantes e mais prováveis de cair nas provas finais.
— Espero não estar atrapalhando.
Ergui os olhos do caderno e, no mesmo instante, perdi toda a
concentração no que eu estava estudando.
Mateus estava apoiado em uma das cadeiras, a alguns metros
de mim. Suas mãos estavam escondidas nos bolsos do jeans e sua
postura esbanjava tranquilidade.
— Estou tentando estudar — falei, largando a caneta sobre o
caderno.
— Pode continuar. — Ele começou a se aproximar.
— Com você aqui fica difícil.
— Tudo bem, eu saio. — Ele parou no meio do caminho para
dar meia volta.
— Não. Agora fica.
Ele me olhou por cima do ombro e eu fui ao seu encontro,
puxando a barra da sua camisa para que ele me seguisse. Fechei a
porta da sala de aula e o puxei comigo até minhas pernas se
esbarrarem na mesa do professor. Inclinei o rosto e rocei meus
lábios nos dele antes de começar a beijá-lo.
Mateus me ergueu para cima da mesa e se enfiou entre
minhas pernas. Sua boca se separou da minha por poucos
centímetros e um sorriso atrevido se destacou no seu rosto
enquanto sua mão afastava o meu cabelo para trás. Deslizei as
mãos pelo peitoral de Mateus até sua nuca, sentindo o calor que
emanava de sua pele. Ele mordeu de leve a minha orelha, me
deixando arrepiada. Fechei os olhos quando ele começou a beijar
cada centímetro do meu pescoço, apertando as mãos nos meus
quadris.
O zíper de seu casaco foi aberto e Mateus deslizou o tecido
vagarosamente por meus braços até eu ficar livre da roupa. Ele
voltou a me beijar, repuxando meus lábios. Ficamos nos beijando
por vários instantes. Nem me importei se estávamos em uma sala
de aula, apenas fui agindo por instinto, completamente louca por
ele. No momento em que apalpei seus músculos rijos, o som da
porta sendo aberta surgiu, me deixando em alerta.
— Ai, desculpa atrapalhar, eu só ia...
Carolina, minha colega de classe, se interrompeu quando
olhamos para ela.
— ... Vou pegar um livro — ela continuou, desviando os olhos
de nós dois e avançando na direção de sua cadeira.
Envergonhada, empurrei Mateus para que eu pudesse descer
da mesa do professor.
Mateus tentou segurar o riso e pegou seu casaco, me
entregando de volta. Naquele instante, algumas pessoas
começaram a entrar, olhando curiosas para nós dois.
— Melhor eu voltar. — Mateus enlaçou minha cintura com os
braços e beijou minha testa. — A gente se vê.
Eu sorri enquanto Mateus passava pela porta. Só ele mesmo
para me fazer perder o controle dentro da sala de aula.
Capítulo 42
Hoje era sábado.
Ontem, horas depois de sermos flagrados se pegando na sala
de aula, Mateus me convenceu a passar o fim de semana na sua
casa e eu acabei cedendo sem muito esforço.
Rolei para o outro lado da cama, encontrando o lugar vazio ao
meu lado. A janela estava com as persianas fechadas e a luz do dia
que passava pelas frestas, deixava o quarto com uma coloração
acinzentada. .
Mateus havia saído para comprar alguma coisa para comermos
no café da manhã. Eu pedi para ir com ele, mas ele disse para eu
ficar e dormir um pouco.
O despertador ao lado da cama marcava 09h15. Mateus estava
ausente há mais de vinte minutos.
Virei de costas para o colchão e fiquei encarando o teto. Meu
peito subia e descia com minha respiração. Pouco depois, um
barulho lá embaixo interrompeu minha linha de raciocínio entediada.
O som da porta da sala batendo subiu quase que despercebido até
o quarto.
Deslizei da cama, abaixando a barra de uma camisa do AC/DC
que peguei de Mateus. Saí descalça do quarto com a esperança de
ver o sorriso desleixado do meu namorado.
— Você chegou rápido — falei, descendo os degraus da
escada um por um.
Ao chegar na sala, minha esperança se desfez.
Não havia ninguém na sala.
— Mateus? — chamei. Talvez ele resolveu fazer uma de suas
brincadeiras idiotas.
Nenhuma resposta. Apenas o silêncio reinava na casa.
Caminhei cautelosa em direção à cozinha, sentindo a tensão
sobre mim. Adentrei o cômodo e para minha surpresa, a cozinha
estava vazia. Ele não estava lá. Quando eu estava pronta para
deixar o cômodo, vi pela minha visão periférica, uma sombra se
mover atrás de mim. Instintivamente me virei e gelei da cabeça aos
pés.
Ela tinha acabado de sair de um vão entre o armário e a pia,
numa tentativa fracassada de se esconder de mim.
— O que você faz aqui? — perguntei.
— Bom dia. — Lia abriu um sorriso. — Bela camisa.
Eu me aproximei, contornando a mesa e parando a uma curta
distância de Lia.
— Como você entrou?
Lia enfiou a mão no bolso de trás da calça jeans e balançou um
molho de chaves à minha frente.
— Chave reserva, querida.
Como ela conseguiu essas chaves?
— Vaza daqui.
Ela riu.
— Você não manda aqui. — Lia se aproximou, ficando a
centímetros de mim. Seus saltos a deixavam um palmo mais alta
que eu. — Quero falar com o Mateus e não é você que vai me
impedir.
Dessa vez, fui eu que abri um sorriso.
— Você não tem nada para falar com ele. A namorada aqui sou
eu.
Lia soltou um suspiro, impaciente.
— O fato de você ter se tornado namorada dele não significa
nada. Eu vou fazer com que ele volte para mim, como nos velhos
tempos.
— Acorda. Mateus não gosta mais de você.
Os olhos de Lia me fulminaram e ela me empurrou contra a
mesa. Antes que ela tocasse a mão em mim, eu me apoiei na mesa,
jogando as pernas contra ela. Lia cambaleou, mas logo se
aproximou, grudando as mãos em meus ombros e me virando de
frente para mesa. Senti minha testa e meu nariz se chocando na
madeira.
— Você não é tão boa como pensa — Lia disse, tirando suas
garras da minha nuca.
Eu ergui a cabeça, sentindo o cheiro de sangue. Toquei no meu
nariz e meus dedos mancharam com o líquido vermelho.
Se eu fosse rápida o suficiente para empurrar a mesa contra
Lia, a prendendo na pia, seria mais um ponto para mim. Eu estava
prestes a concluir esse pensamento, quando meus olhos passaram
quase despercebidos em uma lâmina brilhante e afiada.
Lia tinha pegado a faca tão rápido que eu nem notei.
— Lia — minha voz saiu trêmula. — Por favor, calma...
— Está com medo? — Ela riu. — Sabe, é uma boa
oportunidade para você sair do nosso caminho. Finalmente eu terei
o Mateus de volta.
Eu engoli em seco. Meus olhos estavam vidrados na mão em
que Lia segurava a faca. Senti que se eu mexesse um único dedo,
ela poderia me atacar.
— Podemos entrar em um acordo. Você guarda isso e nós
conversamos sobre o Mateus.
Lia semicerrou os olhos.
— Por favor, não fale comigo como se eu fosse uma louca. E
não! Eu não quero você aqui quando a gente for conversar!
Dentro de um segundo, eu corri na direção da sala. Olhei para
trás e Lia vinha correndo na minha direção, carregando a faca.
Ordenei às minhas pernas para que elas corressem mais
rápido e subi as escadas de dois em dois degraus. Os passos de Lia
pareciam estar bem próximos. Nem ousei olhar para trás dessa vez.
— Eu vou te encontrar, Thaissa.
Apressei meus passos e vi a porta do quarto de Mateus no final
do corredor. Dentro de instantes, consegui entrar e fechei a porta
rapidamente, trancando-a com as mãos trêmulas.
— Ótima tentativa — a voz perturbadora de Lia soou através
da porta. — Vou ficar aqui esperando, caso você queira sair.
Meu coração estava disparado. Eu soltei um suspiro de alívio,
passando as mãos pelo rosto suado. Peguei meu celular e procurei
desesperadamente o número de Mateus, isso sem tirar a atenção
da porta. Meus dedos vacilaram de tanto que eu tremia. Logo, a voz
dele surgiu do outro lado da linha:
— Eu já estou voltando. Você...
— Mateus, por favor, vem rápido! A Lia está aqui. Ela está
louca e está me ameaçando com uma faca.
Ele levou poucos segundos para compreender.
— Fica calma, eu já estou chegando. Você tá bem? Ela te
machucou?
— Estou bem, mas por favor, vem logo!
Quando a chamada foi encerrada, eu envolvi o celular nas
mãos e fiquei encarando a porta. O tempo parecia ter parado. Eu
não conseguia ouvir mais nenhum som a não ser minha respiração
e meu coração descompassado.
Depois do que pareceu uma eternidade, ouvi a porta da sala
sendo aberta novamente. Fiquei de pé e grudei minha orelha na
porta.
A voz de Mateus e da Lia surgiu lá embaixo, e eu me senti
segura para sair do quarto.
Comecei a descer a escadas devagar enquanto Lia dizia:
— Eu preciso conversar com você.
— Diz o que você quer. Não tenho o tempo todo.
Desci mais alguns degraus até ter uma visão privilegiada de
Mateus e de Lia entre as barras do corrimão. Lia não estava mais
com a faca.
— Quero você, Mateus. Quero que a gente fique juntos.
— Lia, eu já estou cansado de falar. Eu não vou voltar para
você. O que aconteceu entre a gente já era. Não adianta perder seu
tempo.
Lia parecia afetada com as palavras de Mateus.
— Como você pode me dizer isso depois de tudo o que nós
passamos? Você nem sabe porque fui embora, Mateus.
— Exato. Porque você não me contou. Acabamos por aqui?
Lia parecia bem chateada. A expressão maligna de seu rosto
havia se transformado em total tristeza.
— Eu não vou desistir de você — disse ela.
Mateus soltou um longo suspiro.
— Eu só lamento. Não vou voltar para você. E deixe a Thaissa
em paz. Ela não tem nada a ver com isso.
— Ela é a culpada por você não me querer mais, não é?
— Sim e não. — Ele olhou para ela por um tempo. — Você não
é mais bem-vinda aqui, sabe disso, não sabe?
— Não quero saber, Mateus. Você devia voltar para mim.
Mateus botou a cabeça para trás, parecendo se perguntar por
que aquilo estava acontecendo.
— Por favor, Lia. Vai embora. Volta para sua cidade e siga em
frente. Eu não sou o cara ideal para você. Nunca fui.
Lia pareceu despedaçada. Os seus soluços preencheram a
sala, mas isso não durou por muito tempo. Ela tirou a faca que
estava escondida dentro de sua blusa e sussurrou:
— Eu odeio você.
Fiquei em estado de alerta. Comecei a descer as escadas,
temendo o pior.
Lia estava tentando lutar com Mateus, que segurava a mão
dela com a faca.
— Odeio você! Quero que você vai para o inferno! — Ela
gritou, totalmente fora de si.
— Para com isso, Lia! — Mateus a imobilizou, segurando seus
pulsos.
— Eu quero acabar com você! — Ela tentava se soltar. — Você
acabou com a minha vida!
De repente, Mateus largou a Lia, parecendo possesso.
— Saiba que você vai pagar por tudo o que me fez — Lia
continuou.
— Estou pagando — Mateus disse. — Não se preocupe.
— Ótimo — Lia passou o dedo indicador pela lâmina brilhante.
— A gente se vê, Mateus. — E então, tudo aconteceu muito rápido.
Lia enfiou a ponta da faca na sua barriga, fazendo uma careta de
dor.
Eu estava chocada. Tapei minha boca com o grito preso na
garganta enquanto eu via o líquido escuro encharcando sua blusa.
Lia caiu de joelhos no chão. Como alguém podia fazer uma coisa
dessas?
Eu não conseguia acreditar.
Capítulo 43
As sirenes da ambulância ficaram zumbindo no meu ouvido
mesmo depois de ter se passado horas.
O médico disse que Lia que teve muita sorte. Por pouco, ela
não acabou com sua própria vida. Se estivesse enfiado a faca mais
a fundo, ela poderia dizer adeus a este mundo.
Fomos interrogados pelos funcionários do hospital e naquele
momento, estávamos digerindo a notícia de Lia, sentados no banco
da recepção. Segundo o médico, um parente próximo a ela estava
prestes a chegar.
— Vamos? — A voz de Mateus reverberou nos meus ouvidos,
tirando-me de meus devaneios.
Eu ainda estava em choque com o que tinha acontecido.
Balancei a cabeça em afirmativa.
Mateus inclinou o rosto na minha direção. Sua boca estava
vindo de encontro a minha, mas de repente, uma voz ecoou no
corredor do hospital:
— Você! Seu miserável! O que fez com a minha irmã?!
Virei-me e um rapaz alto, magro e de cabelos negros estava se
aproximando de nós.
Mateus me afastou rapidamente para o lado quando o rapaz
preparou o punho para socá-lo. A mão do cara ficou suspenso no ar
enquanto Mateus o detinha, segurando seu braço.
— Não fiz nada com a sua irmã. — Mateus empurrou o
desconhecido para longe dele.
O cara cambaleou e disse:
— Você a iludiu, fez ela ficar louca por você e depois tentou
matá-la, seu filho da puta! Vou matar você!
Em uma tentativa de ataque, o rapaz se aproximou de Mateus
novamente e recebeu um soco no maxilar, caindo bruscamente no
chão. E não parou por aí. Mateus se agachou, fulminando o rapaz
com olhar enquanto erguia sua cabeça pela gola da camisa.
— Fala bosta para mim de novo que aí quem vai matá-lo sou
eu. — Mateus soltou a gola da camisa do rapaz e sua cabeça bateu
no piso de cerâmica.
Eu estava abismada. Alguns funcionários do hospital olhavam
curiosos para Mateus e o rapaz.
Mateus começou a seguir para saída do hospital, e eu fui atrás
dele.
Quando já estávamos fora do estabelecimento, Mateus
continuava em passos rápidos.
— Mateus, calma — falei, fazendo com que ele parasse.
Ele olhou para mim e passou as mãos pelo cabelo, soltando
um suspiro.
— Aquele cara é irmão da Lia?
Mateus assentiu.
— É o Leandro. Ele nunca foi com minha cara e não duvido
que queria me matar quando comecei a namorar com a irmã dele.
Eu estava um tanto impressionada.
— Você parece ter muitos inimigos.
Ele olhou para mim sem dizer nada.
E então, o celular dele começou a vibrar. O rosto de Mateus se
endureceu assim que viu de quem era chamada.
— Seja rápido — Mateus disse ao atender o telefone.
Eu podia até imaginar quem era.
Depois de Mateus ter encerrado a chamada, eu perguntei,
prevendo a resposta:
— Deixa eu adivinhar: era o Palocci querendo que você se
meta em mais uma de suas missões estúpidas?
— Ele mesmo. — Mateus olhou para mim. — Hoje, próximo ao
litoral, às onze da noite.
Bufei. Esse cara era um imprestável.

Quando a noite caiu, eu dei uma passada na casa de Anne


para desabafar sobre aquele sábado. Enquanto ela foi na cozinha
pegar alguma coisa para gente comer, eu fiquei em seu quarto.
De repente, meu celular vibrou e o tirei do bolso.
Era uma nova mensagem do número desconhecido. Eu até
estranhei. Fazia um bom tempo que eu não recebia aquelas
mensagens e até pensei que tinham desistido de me perturbar.
A mensagem dizia:

Soltei um suspiro. A pessoa por trás dessas mensagens


parecia que sabia tudo da minha vida.
Guardei o celular de volta no bolso e saí do quarto de Anne.
Quando eu estava chegando perto da cozinha, me esbarrei nela e
um pacote de salgadinhos caiu no chão junto com o seu celular.
— Ai, desculpa. — Me abaixei para pegar seus pertences.
— Não! Deixa que eu pego. — Anne também se abaixou e
quando eu estava prestes a pegar o seu celular do chão, li uma
mensagem na tela ligada.
A mesma mensagem que eu tinha recebido a poucos minutos
atrás.
Não.
Ergui o olhar para Anne e ela pegou o celular, o rosto pálido.
Eu não podia acreditar no que eu tinha acabado de ver.
Capítulo 44
— Eu não acredito que foi você... — falei, a voz falha.
Anne respirou fundo e passou por mim, jogando o celular sobre
o sofá.
— É, fui eu! — Ela revelou. — Era eu o tempo todo.
Eu apertei os punhos, sentindo a raiva tomando conta de mim.
— Por que você fez isso? Eu sou sua amiga! — gritei.
— Não, você é uma talarica! — Anne disparou. — Você sabia
que eu gostava do Mateus e mesmo assim ficou com ele!
Eu a encarei, chocada.
— Então, tudo foi por causa do Mateus? — Eu neguei com a
cabeça. — Como você pôde, Anne?!
— Como você pôde! — Ela apontou o dedo para mim. — Era
para ele ficar comigo e não com você!
— Eu não acredito nisso! — Passei a mão pelo cabelo, ainda
chocada. — Não acredito...
— Acredite! Eu torci para você quebrar a cara com ele, mas
vocês dois sempre voltavam! Você nem sem importou comigo.
Simplesmente aproveitou a oportunidade para roubar o Mateus de
mim. — Seus olhos estavam cheios de ódio. — Eu desejei que você
apodrecesse no inferno!
Meus olhos começaram a encher de lágrimas e antes que uma
gota rolasse pela minha bochecha, eu disse:
— Nunca mais eu quero te ver.
— Ótimo. Eu digo o mesmo para você. — Ela esboçou um
sorriso traiçoeiro. — Eu espero que você se lasque!
Eu não suportei ficar ali ouvindo aquelas palavras tão duras.
Rapidamente me virei e abri a porta da casa dela, deixando as
lágrimas descerem por minha bochecha.
Como eu fui trouxa. Por que eu não percebi isso antes? Por
quê?
Eu contava praticamente tudo para Anne, e ela era uma das
poucas pessoas que sabia tudo da minha vida. A resposta estava na
minha cara o tempo todo, e eu não vi.

Comecei a caminhar pela calçada, percebendo que Anne


nunca foi minha amiga de verdade. Ela sempre tinha que ficar em
primeiro lugar, e na época, eu não conseguia perceber isso, mas
agora as atitudes dela foram repassando na minha mente.
Nossa amizade não significou nada para ela.

***

As provas finais chegaram. Seria uma semana inteira de


provas, iniciando naquela segunda-feira. Enquanto eu pensava nas
questões dos testes, tentei tirar os acontecimentos do fim de
semana da minha cabeça, mas quanto mais eu tentava não pensar,
mais os pensamentos tomavam conta da minha mente.
Duas horas mais tarde, algumas pessoas começaram a sair da
sala de aula ao terminarem a prova. Dei uma olhada na minha folha
de questões. Eu não havia respondido nem metade. Não sei o que
estava acontecendo, mas eu me sentia dispersa, fazendo um
grande esforço para lembrar o que estudei.
Após ter chutado algumas questões, eu entreguei a prova e
segui para fora da sala. Peguei meu celular da mochila e vi que
havia uma mensagem de Mateus.

Segui até o estacionamento e encontrei Mateus conversando


com Samuel. De primeira, pensei que fosse alguma coisa grave,
mas tentei descartar esse pensamento.
— Tudo bem? — Mateus perguntou, assim que colocou os
olhos em mim.
Eu assenti. Ele já sabia de todo aquele lance que descobri da
Anne e, desde então, ele vivia me perguntando se estava tudo certo
comigo.
Mas eu conseguia sobreviver sem uma amizade, eu acho.
— Samuel vai te levar para casa — Mateus avisou.
— Por quê? O que está acontecendo?
Samuel deu uma olhada em Mateus e em seguida, seus olhos
pararam em mim.
Mateus me puxou para perto de si e disse:
— Palocci está no depósito. É a nossa chance para acabar
com ele.
— Vocês estão loucos? — Eu os encarei, preocupada. — O
que vão fazer?
— Vamos causar um pequeno acidente — Samuel respondeu.
Olhei para Mateus, exigindo uma explicação.
— Vou me encontrar com o Palocci no depósito. Enquanto isso,
Samuel vai iniciar um incêndio. Tenho um tempo determinado lá
dentro. Vou sair antes que o fogo se alastre. Espero que ele não
perceba nada.
Eu estava de queixo caído.
— Você não vai — disparei. — Você vai morrer lá dentro.
Pensa um pouco, Mateus!
Ele olhou ao redor, percebendo que eu estava chamando
atenção.
— Será que dá para falar mais baixo?
— Não! Isso é uma idiotice! Você pirou? É mais fácil você
morrer no lugar dele.
Mateus pegou na minha mão e me puxou para um canto mais
reservado do estacionamento, próximo a uma parede de tijolos.
— Thaissa — começou ele — eu já participei de coisas muito
piores. Isso não é nada.
— É, sim. É o Palocci, Mateus. — Eu o encarei, esperando que
ele caísse na real. — Emana uma energia muito estranha daquele
cara. Tudo pode se voltar contra você. Deixa para lá. Um dia ele vai
pagar por tudo o que fez sem você ter que mexer um dedo.
— Não vou deixar. Ele mexeu com você quando prometeu se
afastar. —Seus olhos estavam mais escuros, mostrando todo o ódio
contido. — Ele vai me pagar. Não vou deixar que ele faça pior dessa
vez.
Meus batimentos estavam acelerados.
— Mateus, podemos agir de outro jeito. Você não precisa
correr perigo por causa dele.
— Não se preocupe. — Ele pegou em meus ombros. — Eu vou
ficar bem.
Senti um peso no peito.
— Não vai, Mateus. Por favor, me escuta.
Ele me puxou para os seus braços, afagando meu cabelo.
— Prometo que vou ficar bem. Fica calma.
— Não. — De repente, lágrimas começaram a rolar por minhas
bochechas. — Estou com um mau pressentimento. Deixa ele para
lá, o que é dele está guardado.
Mateus me soltou, erguendo o meu rosto e limpando minhas
lágrimas.
— Eu vou voltar para você. Não vou te deixar. Fica calma e
confie em mim. — Seu dedo roçou na minha boca. — Eu preciso ir
antes que ele saía. Samuel vai te levar em casa.
Olhei para ele sem dizer uma palavra. Eu estava inerte. Mateus
plantou um beijo na minha testa e se afastou, caminhando até sua
moto.
Eu vacilei.
Tentei dar alguns passos, ordenei-me para correr atrás dele,
mas vacilei.
Mateus já estava subindo na moto.
Capítulo 45
O motor da moto rugiu.
Não sei o que se passou pela minha cabeça. Provavelmente
nada, pois não raciocinei quando saí em disparada na direção da
moto, confrontando-a antes mesmo de suas rodas girarem pelo
caminho. Por pouco, eu não fui atingida por sua dianteira.
— Caralho, Thaissa! — Mateus xingou, depois de ter freado
bruscamente a moto com a ajuda de suas pernas. — Tá querendo
morrer?!
Alguns olhares no estacionamento pararam em nós.
— Eu vou com você — falei, ofegante.
Mateus me fitou através do capacete.
— Nem louca. Entra no carro do Samuel e vai para sua casa.
Fuzilei-o com o olhar.
— Você não pode me obrigar — dito isso, subi na garupa atrás
dele e agarrei sua cintura.
— Você não está fazendo isso — ele murmurou, irritado.
— Acredite ou não, eu estou. Posso ajudar. Mesmo que você
me mantenha de fora, eu estarei envolvida nisso.
Ele me olhou por cima do ombro. Seus músculos estavam
retesados por baixo da camiseta.
— Não existe criatura mais teimosa que você.
— Acho melhor você ir logo. Depois não venha me culpar por
ele ter saído.
Após ter colocado seu capacete em mim, Mateus seguiu com a
moto pela estrada.
Enquanto corríamos pelas ruas escuras da cidade, eu tentava
prestar atenção no ambiente ao meu redor, mas sempre com o
pensamento de perigo martelando na minha cabeça.
Dentro de poucos minutos, Mateus parou a moto em um
acostamento rodeado por árvores e mato, em uma rua totalmente
deserta. A luz da lua nos iluminava fracamente.
— Por que você parou aqui? — perguntei.
Mateus inspirou fundo e soltou o ar. Ele parecia
sobrecarregado.
— Eu preciso pensar. Não consigo pensar direito dirigindo uma
moto com você atrás de mim — Sua voz soou dura.
— Não adianta ficar bravo comigo. Não atrapalhei o seu plano,
só quero ajudar.
— Ajudar? — Ele me olhou por cima do ombro. — Você tem
noção do quão perigoso é isso? Eu sou acostumado com isso, você
não. Vou ter que ferrar com o Palocci e ao mesmo tempo me
preocupar com você, sem saber se você vai estar bem ou não.
Respirei fundo. Isso já estava me irritando.
— Você não vai ser o único a se preocupar. Posso ficar com o
Samuel e ajudá-lo.
— Acontece que o Samuel vai estar ocupado demais para
prestar atenção em você, caso aconteça alguma coisa.
De repente, saí da moto, tirando o capacete.
— Chega disso. — Olhei diretamente para ele. — Para de me
tratar como uma garotinha indefesa! Não sou tão burra assim,
Mateus. Eu sei me defender, por mais que você pense que sou
débil. Sei que não vivo em um mundo de fantasia!
Eu estava cheia disso tudo. Sei que Mateus era mais forte e
esperto, mas isso não significava que eu estivesse totalmente
abaixo dele como uma garotinha boba.
— Tudo bem. — Ele olhou para cima, parecendo impaciente.
— Como quiser.
— Eu vou com você nessa e vamos tentar acabar com o
Palocci juntos.
— Estou começando a achar que você está fazendo isso para
eu acabar desistindo.
— Não é nada disso. Claro que não quero que você se meta
nessa loucura, mas não é essa a intenção.
Mateus olhou para frente por um momento. Ele parecia focado
em um ponto distante. Seus músculos continuavam tensos e os
traços de seu rosto estavam endurecidos como pedra. O costumeiro
sorriso debochado havia desaparecido de sua expressão desde o
nosso encontro no estacionamento da faculdade.

Os grilos gritavam no meio do mato, quebrando o silêncio da


noite. De repente, o leve som de um veículo se aproximando por
trás de nós surgiu em meio as sombras. À medida em que o carro
chegava mais perto, os pneus cantavam no asfalto.
— Sobe na moto! — Mateus me chamou. — Rápido!
Me aproximei e antes de subir na moto, o carro que vinha atrás
de nós, freou bruscamente na nossa frente, nos impedindo de seguir
adiante.
Eu congelei no lugar.
Dois homens vestidos de preto saíram do banco de trás do
carro.
Meu coração só faltou subir pela garganta e, no instante
seguinte, eu pensei que fosse botá-lo para fora quando ninguém
menos do que Palocci saltou do banco do motorista, vindo na nossa
direção.
— Olha só o que temos aqui. — Palocci parou a uma pequena
distância de nós. Ele olhou para Mateus e abriu um sorriso de
escárnio. — Eu confiei em você e olha só como são as coisas —
houve uma pausa. — Você me traiu, planejando a minha morte.
Mateus ficou calado. Seus olhos estavam repletos de ódio.
— Você foi esperto, mas não o bastante. Achou que eu não iria
ficar sabendo? Mantive meus homens atrás de você, vigiando tudo.
Foi fácil.
Senti a mão de Mateus agarrar o meu pulso, me colocando
atrás dele. Ele estava calculando e esquematizando algum plano de
fuga em sua cabeça.
— Ah, a garota. — Palocci olhou para mim com uma falsa
ternura estampada na cara. — Peguem ela.
Imediatamente um dos homens veio na minha direção e antes
de colocar suas mãos em mim, Mateus me puxou para si.
— Não ouse tocar um dedo nela!
Palocci riu ao nosso lado.
— Faça o que estou mandando — ele exigiu a um de seus
capangas, olhando para Mateus logo em seguida. — E é melhor
você optar pelo silêncio se não quiser ouvir os gritos dela.
De repente, meu estômago se revirou. O cara me puxou por
trás, prendendo-me pelos braços.
— Ei! Me solta — falei, tentando me livrar do cara.
— Solta ela! — Mateus disse, o tom de voz sombrio.
— Depois diga que eu não avisei. — Palocci arreganhou um
sorriso cínico. — Quero ver seu arrependimento por ter me traído
mais uma vez.
Palocci se aproximou de mim e, em um piscar de olhos, senti
sua mão acertando a minha cara. O tapa foi tão forte que senti meu
rosto queimando e o estalo reverberando na minha cabeça.
O som brusco de algo se chocando contra o carro me tirou do
delírio do tapa. Mateus estava enforcando Palocci contra o veículo,
o punho direito voando certeiro no rosto dele. Sangue esguichou
para o lado. E, então, Palocci conseguiu revidar, socando Mateus no
rosto.
Mateus era um palmo mais alto que Palocci e seus músculos
deixavam o oponente em desvantagem, considerando que Palocci
era um pouco mais magro.
Um dos capangas grudou nas costas de Mateus, tentando
separá-lo, mas em um instante caiu duro no chão. Mateus voltou a
socar o rosto de Palocci, que no momento, estava tentando ficar
ereto e apunhalá-lo. Gemidos desagradáveis encheram o ar. Mateus
tinha uma expressão assustadora no rosto e eu nunca o vi tão
possesso.
O segundo capanga que segurava meus braços me largou e
tentou apartar a briga. Ele era um pouco mais encorpado que o
outro, mas acabou recebendo um soco ensanguentado na boca,
assim que Mateus notou as mãos tentando separá-lo.
Dentro de segundos, Mateus cessou sua enxurrada de socos.
Ele estava ofegante e seu peito subia e descia não só pela
respiração, mas também pela raiva.
Palocci caiu sentado no chão, o rosto quase irreconhecível.
Seu lábio inferior estava cortado e escorria sangue de seu nariz.
— Tomara que você queime no inferno! — vociferou Mateus,
expressando toda sua fúria.
Inacreditavelmente Palocci ainda riu, acabado do jeito que
estava.
— Você também — disse ele.
Mateus deu um chute em seu rosto, calando-o.
Finalmente os olhos castanhos dele me encontraram, e a fúria
foi desaparecendo do seu olhar, transformando-se em preocupação.
— Tudo bem? — Ele analisou cada ângulo do meu rosto.
Eu assenti. O tapa estava ardendo, mas fora, isso eu estava
bem.
Um movimento inoportuno surgiu atrás de nós. O capanga
mais forte estava entrando no carro, arrastando Palocci com ele.
— Pega a arma — a voz de Palocci soou, baixa e entrecortada.
— Vamos embora — Mateus disse com urgência, puxando-me
até a moto.
Assim que iniciamos partida dando meia volta na direção de
nosso bairro, o motor do carro de Palocci começou a roncar.
Mateus aumentou a velocidade, fazendo os pneus da moto
gritarem no asfalto. Cravei meus dedos em sua carne, tentando me
manter firme a ele. Ousei olhar para trás e o carro seguia na nossa
direção. Fiz uma oração em pensamento. Pedi para que ficássemos
ilesos depois que acabasse essa perseguição a toda velocidade.
Caso o contrário, eu não queria nem pensar no que poderia
acontecer.
Em mais uma das minhas olhadas para trás, vi alguém
segurando a arma na janela.
— Eles vão atirar! — gritei em desespero.
Mateus impulsionou a moto para o lado esquerdo, rente a
calçada. Por um breve momento, pensei que iríamos cair, pois a
moto deu uma inclinada em direção ao chão, mas por sorte,
permanecemos correndo.
Temi em ouvir o tiro atrás de nós, mas nada aconteceu.
Dentro de alguns segundos, os pneus do carro guincharam no
asfalto como se estivessem derrapando. Não evitei em olhar para
trás. O veículo estava perdendo o controle na estrada, guinchando
de um lado para o outro, em zigue-zague.
De repente, Mateus diminuiu a velocidade até parar a moto.
Olhei para trás imediatamente. Tudo parecia estar estranhamente
parado.
O carro de Palocci havia capotado.
Fiquei olhando, abismada. Eu só tinha visto aquelas cenas nos
filmes. Não sei por quanto tempo ficamos olhando, se foi por um
minuto ou dois. Mas repentinamente, como se fosse preciso
acontecer um espetáculo em combustão, o carro explodiu em
chamas, o som da explosão tomando toda a estrada. Faíscas
voaram para todos os lados, iluminando a noite com uma luz
alaranjada.
Eu estava totalmente sem fôlego e incrédula.

O fogo iluminou a rua deserta. Corpos ficaram carbonizados


em meio aos destroços do carro, que até alguns minutos atrás era
um sofisticado veículo, pertencente a um homem podre e oco,
conhecido como Palocci.
Capítulo 46
A morte de Palocci repercutiu nos noticiários por quase uma
semana. Minha mãe o reconheceu e mesmo sem dizer nada sobre
ele, eu sabia que ela estava chocada. Talvez ela ficasse
desesperada se soubesse que eu estive no local do acidente, mas
nunca que ela iria saber disso.
Assim que acabou a semana de provas na faculdade, não
demorou muito para eu ficar sabendo dos resultados. Foi mais que
satisfatório. Eu havia passado em todas as provas e minhas férias
foram mais que bem-vindas. Depois disso, fiquei sabendo que Lia
tinha se recuperado e recebido alta do hospital, mas foi transferida
diretamente para uma clínica psiquiátrica para tratar sua psique.
Depois de tantos dias conturbados, finalmente eu senti a paz
reinando sobre mim.
Desci as escadas de casa. Minha mãe estava assistindo TV, os
comerciais das festas de fim de ano se repetiam nos canais.
— Você vai voltar que horas? — minha mãe perguntou. — Ou
vai passar a noite fora?
— Não sei — falei, sincera. — Talvez sim.
— Juízo, Thaissa.
— Eu tenho juízo de sobra. — Dei um beijo em sua bochecha
antes de sair porta afora.
O sol estava se escondendo cada vez mais no horizonte,
indicando o fim da tarde e deixando o céu alaranjado. Algumas
vozes ressoaram próximas ao muro da faculdade, conforme eu me
aproximava. Logo, um grupo de jovens tomou forma. Varri os olhos
ao redor, e um par de óculos Ray Ban se destacou entre o grupo.
Me aproximei de Mateus.
— Você está tão gato. — Envolvi o pescoço dele com os
braços.
Um sorriso cafajeste se alargou em seu rosto e ele beijou meus
lábios. Como ele estava há três dias sem se barbear, sua barba
pinicava a minha pele.
A gente ia em uma festa nos arredores da cidade com direito a
piscina, bebidas e diversão prolongada até o amanhecer.
Estávamos a caminho da festa, passando por uma estrada
cercada por uma vasta plantação de cana-de-açúcar. O pôr do sol
estava lindo acima de nós, com reflexos avermelhados e laranjas,
se misturando e contrastando com o azul do céu.
Algumas horas mais tarde, já tínhamos ingerido bastante álcool
e aproveitávamos a noite quente na beira da piscina, ouvindo a
música ao fundo.
— Mateus.
Nós dois olhamos para trás. Um rapaz de cabelo raspado
estendeu um papel dobrado na direção de Mateus.
— Me disseram para entregar para você.
Mateus olhou o papel dobrado com a expressão desconfiada.
— Quem mandou? — ele perguntou.
— Eu não o conheço, mas ele disse para entregar para você.
Mateus pegou o papel.
— Obrigado.
O rapaz se distanciou de nós e eu perguntei:
— De quem você acha que é?
Mateus não respondeu de imediato. Ele começou a desdobrar
o papel e, só então, disse:
— Vamos descobrir agora.
Havia uma mensagem que parecia ter sido escrita às pressas
na folha de papel:
Sartre diz que o inferno são os outros
Seguindo essa lógica, seja bem-vindo ao meu inferno

FIM
Agradecimentos
Escrever Sombrio e Inevitável foi quase uma relação de amor e
ódio. Eu amei escrever a história desses personagens há seis anos
atrás, mas quase desisti da primeira versão. Ainda bem que tenho
pessoas maravilhosas ao meu lado que me ajudaram a perceber
que tomar uma decisão desse tipo seria um erro.
Agradeço à Rebeca, minha leitora beta, por ser tão paciente
comigo e por ter topado me ajudar nos 45 minutos do segundo
tempo. Eu estaria muito perdida se você não tivesse tirado um
tempo do seu dia para revisar os capítulos.
À Ana, Clarisse, Kimberly e Hanna por terem acreditado nesse
livro e me apoiado em um momento tão importante para mim. Vocês
são incríveis.
Agradeço aos meus leitores por terem me incentivado a
continuar com a história de Thaissa e Mateus, e por me
acompanharem nessa jornada. Vocês têm um lugar no meu
coração.
Onde encontrar a autora:
Instagram: @reisescritora
E-mail : lilianereisb@gmail.com

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