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BALCÃO DE

REDAÇÃO
TEMA 9 – 2021 | Período de 29 de março a 4 de abril

DEPONDO EM UM CASO DE POLÍCIA


ENSINO MÉDIO
1 a
SÉRIE

paramentada dos pés à cabeça se aproximou empunhando uma


ORIENTAÇÕES PARA O ALUNO
pistolinha, mirou na minha testa e logo me liberou.
O depoimento é um gênero no qual uma pessoa descreve No raio-x, foi vapt-vupt. No meio daquela tarde, o painel de
detalhadamente, de maneira escrita ou oral, alguma situação vi- decolagens anunciava dez voos programados até o fim do dia – sim,
venciada por ela. A narrativa apresenta uma sequência de aconte- dez voos!
cimentos, além de personagens, tempo e espaço definidos. Trata-se No corredor para o portão de embarque, uma viva alma. Na
de um tipo de comunicação comum em nosso cotidiano e também loja Dufry Shopping, o único indício de alguma presença humana
muito presente em investigações para a resolução de crimes e até em um raio de cinco metros de onde eu estava foi um display do
em reportagens jornalísticas. Antonio Banderas em tamanho natural. Na rampa logo na saída da
Confira os textos a seguir e observe as principais características loja rumo aos portões, mais desolação.
desse gênero para realizar a atividade proposta. Na chegada ao portão de embarque, aí a coisa ficou um pouco
mais parecida com o “velho normal”. Não era uma multidão, mas
dava para encher um avião. E de fato foi o que aconteceu. Nos
TEXTO 1 alto-falantes, chamaram o Latam 3662 e foi enfatizado que pessoas
Depoimento: como é viajar de avião sem máscara seriam proibidas de embarcar. Na fila em frente ao
em plena pandemia portão, adesivos amarelos colados no chão de maneria improvisada
Cumbica despovoado, voo da Latam abarrotado e algo delimitavam a distância de um metro entre as pessoas.
indica que os passageiros podem estar assimilando um Meu assento, o 22F, era janela. Foi um estranho-familiar estar na-
novo hábito para além do uso das máscaras quela situação, como se uma cabine com mais de cem pessoas usando
Com uma malha aérea reduzida em mais de 90%, os aeropor- máscara fosse algo que estivesse aí desde sempre, ninguém parecia
tos do Brasil inteiro estão à míngua, sem o frenesi a que estamos estranhar. Os anúncios de cabine, esses sim, pareciam dizer que é mais
acostumados. Acordei na quarta-feira (2 [de junho de 2020]) com perigoso não usar a máscara do que deixar de afivelar o cinto.
algum entusiasmo porque faria meu primeiro voo em plena pande- Serviço de bordo, não houve. Os comissários levavam copos de
mia. Viagem curta, de Cumbica a Florianópolis. água lacrados para quem pedia.
Na manhã da viagem, consultei o site da CPTM [Companhia Minha curiosidade, enfim, estava em saber como seria o com-
Paulista de Trens Metropolitanos] para confirmar o horário do trem portamento [dos passageiros] assim que os motores se apagassem na
direto para Guarulhos, que parte da Estação da Luz: serviço suspen- chegada em Florianópolis. A nova recomendação da Anvisa para com-
so por tempo indeterminado. Poderia pegar a versão pinga-pinga, panhias aéreas é que os passageiros fiquem sentados e o desembarque
mas implicaria em fazer quatro baldeações, o que nem me impor- aconteça em filas, da frente para o fundo da aeronave. Será que a cor-
taria se eu estivesse apenas com uma mochila. No site do Airport rida aos compartimentos de bagagem tinha se tornado coisa do passa-
Service, traslado que sai da Praça da República, só dois ônibus por do? Ao menos no voo daquela quarta-feira, assim foi. O anúncio para
dia estão fazendo a rota: às 10h20 ou 19h30. Sem chance, meu que ninguém se levantasse foi obedecido e a comissária foi anunciando
voo era no meio da tarde. Cogitei a linha que sai do Tatuapé, mas a liberação por fileiras: da 1 a 10, depois da 11 a 20 e, finalmente, da
a chuva lá fora foi a desculpa que eu precisava para decidir por um 21 até o final. [...]
Uber, mesmo que o preço fosse a facada de R$ 82. Antes de sair do saguão das esteiras de bagagem, novamente fun-
Mala fechada, Uber a caminho, hora de vestir a máscara. Quem cionários paramentados mediram a temperatura de todos com a pisto-
usa óculos tem uma chatice a mais para lidar, que é o embaçamento linha, um segundo recolheu os formulários e um terceiro se aproximou
das lentes. Pois eu mal conseguia ver o trajeto do carro na tela do com um borrifador contendo álcool e aplicou nas mãos de cada um.
aplicativo. A máscara tripla, 100% polipropileno, “tecido não tecido”, A experiência em Guarulhos pode ter sido incomum, mas o voo
segundo a embalagem, foi um péssimo investimento que eu tinha feito abarrotado foi mais do mesmo. Uma coisa é certa: não vai haver as-
na véspera no supermercado Pão de Açúcar. No aeroporto, joguei-a sento livre nas aeronaves na retomada, e o distanciamento social, se
fora e troquei por uma de tecido que eu por sorte também levava. não der para ser físico, talvez se traduza em um certo mutismo. Medo?
Do Largo da Batata até Guarulhos foram 31 minutos. Antes da Tensão? Não me lembro de ter visto um voo tão silencioso.
pandemia, Cumbica recebia em média 255 mil passageiros por dia. BRASILIENSE, Fabricio. “Depoimento: como é viajar de avião em plena
Na chegada, nem uma pessoa na calçada. [...] pandemia”. Viagem e Turismo, 2 jun. 2020. Disponível em: <https://
Na entrada para a área do embarque, uma placa anunciava viagemeturismo.abril.com.br/materias/como-e-viajar-de-aviao-na-
pandemia/>. Acesso em: 22 fev. 2021.
a triagem de temperatura. Em frente aos bloqueios, uma mulher

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dinheiro que ganhava com a venda das mercadorias e, sempre com


TEXTO 2 muita dificuldade, pagava minha faculdade.
“Ex-moradora de rua, fui descoberta modelo E assim segui minha vida. Dormia em cima de um papelão, abri-
e estou comprando minha casa própria” gada embaixo da marquise do metrô e, com as poucas roupas que
tinha, protegia-me do frio. Quando tinha prova, procurava um lugar
calmo dentro do metrô para estudar. Minhas necessidades e minha
higiene pessoal também eram feitas ali ou em um restaurante que fi-
cava ali perto. Levava minha mala, onde guardava toda a minha vida,
para a sala de aula todas as noites. Sem nunca contar para ninguém,
alunos nem professores, nem mesmo aos meus pais, que vivia na rua.
Foto: arquivo pessoal

Até que, um dia, depois de quatro meses morando na rua, [...]


expliquei toda a minha situação para uma assistente social e fui para
um centro de acolhimento, onde fiquei por dois meses. Ali, tinha um
teto, uma cama e um chuveiro, mas também muita gente violenta,
que vivia armada ou com transtornos mentais. Por incrível que pareça,
sentia-me mais protegida na rua.
Em novembro de 2018, no entanto, o psicólogo do centro de
acolhimento me chamou e explicou que haveria um processo sele-
tivo na empresa Bom Parto. Eles estavam recrutando pessoas para
trabalhar como agente de saúde. Fiquei feliz, mas, ao mesmo tem-
po, receosa. Depois de passar por tanto preconceito nas inúmeras
entrevistas de emprego que havia feito em São Paulo, temia viver
aquilo tudo novamente. Mas, por sorte, estava enganada.
[...] No primeiro dia do ano de 2019, recebi meu primeiro sa-
lário. Foi uma emoção indescritível, as lágrimas escorriam pelo meu
Maria Paulino, ex-moradora de rua, tornou-se modelo rosto – dessa vez, porém, de felicidade. Com o dinheiro, consegui
alugar um quartinho e começar uma nova vida. [...]
Nasci e cresci em Zaire, na Angola, em uma família de oito Em julho de 2019, um desconhecido me procurou na inter-
irmãos. Apesar de cercada de amor, a vida lá era dura e achei que net. Tinha visto uma foto minha, disse que trabalhava com moda
no Brasil, país que falava a mesma língua que o meu, encontraria e que queria marcar uma avaliação. Chequei suas redes socias e
melhores oportunidades de trabalho. [...] Assim, em 11 de março de vi que não estava mentindo. Antes, nunca havia pensado em traba-
2017, cheguei a São Paulo. Sozinha. Com a cara, a coragem, uma lhar como modelo e jamais achei que alguém se interessaria pelo
mala grande e a esperança de que tudo daria certo. Hospedei-me meu tipo físico – ainda mais depois de tudo o que havia passado
em uma república de estudantes que havia descoberto na internet por aqui e do que isso trouxe à minha autoestima. Mas marquei o
e, com muito pouco dinheiro, já no dia seguinte comecei a procurar tal teste e logo me chamaram para quatro desfiles na São Paulo
emprego. O que eu não sabia é que ser uma mulher preta aqui no Fashion Week. Um ano depois, fiz duas grandes campanhas publi-
Brasil era tão difícil. citárias, dez desfiles e quatro editoriais de moda importantes. Sei
A primeira coisa que fiz quando cheguei foi me inscrever no que estou só começando, mas é uma carreira promissora, com a
vestibular para Gestão de Segurança Privada. Com esforço, passei qual me identifico e que me encanta cada vez mais.
na prova e consegui me matricular na faculdade. Mas não foi fácil. Apesar de tudo o que está acontecendo no mundo este ano,
Durante seis meses, bati de porta em porta atrás de todo tipo de o trabalho como modelo e na Bom Parto me deram oportunidades
vaga [de emprego]. De vendedora, babá, tudo. Mas, preta, imigran- extraordinárias. Consegui terminar minha primeira licenciatura em
te, magra como eu estava e de cabelo crespo cortado bem curtinho, Gestão da Segurança Privada, comecei uma pós-graduação, fui pro-
podia ver nos olhos das pessoas o preconceito. Com o tempo, meu movida para agente social e estou financiando meu primeiro apar-
dinheiro e minha esperança foram acabando. Para não preocupar tamento. Minha vida deu uma reviravolta indescritível, uma guinada
meus pais, que são muito simples e nunca gostaram da ideia de eu total. Em um dia dormia nas ruas, no outro atravessava as passarelas
vir para o Brasil, mesmo nos momentos mais desesperadores, sofri mais concorridas do país. Hoje, consigo mandar dinheiro para mi-
calada. [...] nha família e sei que tenho um futuro brilhante pela frente.
Sem dinheiro para pagar o aluguel, a dona da república me “Ex-moradora de rua, fui descoberta modelo e estou comprando minha
mandou embora. Fui então dormir na rua, em pleno inverno. Com casa própria”. Marie Claire Brasil, 8 dez. 2020. Disponível em: <https://
os 200 reais que me restavam, comprei, no Brás, bairro que reúne revistamarieclaire.globo.com/EuLeitora/noticia/2020/12/ex-moradora-de-
rua-fui-descoberta-modelo-e-estou-comprando-minha-casa-propria.html>.
diversas confecções de roupas, meias e toucas de frio para ven-
Acesso em: 22 fev. 2021.
der na porta do metrô Butantã, onde me estabeleci. Juntava todo o

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Orientações para o professor


PROPOSTA DE REDAÇÃO
Os textos de apoio, embora escritos, apresentam uma cadência de
Após a leitura e a análise da coletânea, é a sua vez de escre- narrativa oral, como se os autores tivessem transcrito seus depoimentos
ver um depoimento. Imagine que você passava por uma praça falados, o que corresponde à ideia da atividade proposta. Evidencie
e, por acaso, presenciou uma cena de maus-tratos a um idoso. A à turma que, nesse gênero, o emissor deve descrever os fatos com
situação causou alvoroço imediato e, por isso, a polícia foi acio- exatidão e objetividade, mas é comum que ele revele suas impressões
nada. Ao perceber que o idoso estava sozinho, sendo alvo de e sentimentos em relação aos acontecimentos, o que é perceptível
acusações injustas e de um mal-entendido, você se voluntariou nos modelos da coletânea. Aproveite essa atividade para explicar
a depor a respeito do que viu para ajudá-lo. Transcreva o depoi- aos alunos a relevância dos depoimentos na resolução de conflitos
mento dado, cumprindo os seguintes critérios: diversos, instigando o interesse deles sobre esse gênero textual.
• Utilize a 1a pessoa do singular.
• Respeite a norma-padrão da língua portuguesa, adequando a
linguagem à situação e ao gênero propostos.
• Descreva a maneira como o idoso foi maltratado, o motivo que
desencadeou a confusão e as reações dos personagens envol-
vidos. Capriche na criatividade!
• Escreva no mínimo 22 e no máximo 30 linhas.

Boa produção!
Professora Andressa Tiossi

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