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BALCÃO DE

REDAÇÃO
TEMA 4 – 2021 | Período de 22 a 28 de fevereiro

A LIBERDADE DE PENSAMENTO CRÍTICO


PRÉ-VESTIBULAR
PV
NO PRESENTE PARA A CONSTRUÇÃO DO FUTURO

atenção devida, nem na imprensa popular nem nos periódicos mais


ORIENTAÇÕES PARA O ALUNO
intelectualizados. [...] Quando alguém defende a liberdade de ex-
A coletânea a seguir apresenta reflexões sobre a importância pressão e de imprensa, não está reivindicando uma liberdade ab-
do pensamento crítico e de vozes dissonantes convivendo mutua- soluta. Enquanto existirem sociedades organizadas, sempre deve
mente para que se efetive o exercício democrático. O texto 1 foi existir, ou haverá de existir, algum grau de censura. [...]
escrito por George Orwell – autor de 1984 e A Revolução dos bi- Além da conhecida noção marxista segundo a qual a “liberdade
chos, lançados na década de 1940 – e encontra ecos cada vez burguesa” é uma ilusão, existe hoje uma difundida tendência a argu-
mais fortes na atualidade, como é possível notar nos apontamentos mentar que a democracia só pode ser defendida por métodos totalitá-
do texto 2. Em ambos os casos, porém, quaisquer limitações de rios. Se a pessoa tem apego pela democracia, diz o argumento, pre-
pensamento partem dos próprios indivíduos, conduzidos por uma cisa esmagar seus inimigos lançando mão de qualquer meio. E quem
mentalidade acrítica, reprodutora e não criadora, ou seja, de gra- são seus inimigos? Sempre se diz que não são só os que a atacam
mofone. Há espaço para análises críticas, diálogos e debates na aberta e conscientemente, mas que “objetivamente” a põem em risco
contemporaneidade? Por quê? Qual a importância desse espaço? através da difusão de doutrinas equivocadas. Noutras palavras, a de-
Leia os textos a seguir com atenção, buscando associá-los entre si fesa da democracia envolve a destruição de qualquer independência
e ao seu repertório prévio para desenvolver a proposta de redação. de pensamento. [...] Essas pessoas não veem que, quando se endos-
sam métodos totalitários, pode chegar um momento em que deixarão
de ser usados a favor para se voltarem contra o indivíduo. [...]
TEXTO 1 A troca de uma ortodoxia por outra não representa necessa-
A liberdade de imprensa riamente um avanço. O inimigo é a mentalidade de gramofone,
(Prefácio de George Orwell à edição inglesa de concordemos ou não com o disco que está tocando agora. [...] A
A revolução dos bichos, publicada em 1945) liberdade, se é que significa alguma coisa, significa o nosso direito
[...] Obviamente, não desejamos que nenhum departamento do de dizer às pessoas o que não querem ouvir.
governo tenha poder de censura (exceto a censura de segurança ORWELL, George. “Liberdade de imprensa”, em A revolução dos bichos.
nacional, a que ninguém se opõe em tempo de guerra) sobre livros São Paulo: Companhia das Letras, 2007. (Adapt.).
que nem contam com patrocínio oficial. Mas aqui o principal aten-
tado contra a liberdade de expressão não é a interferência direta
Glossário:
do ministério ou de qualquer outro organismo oficial. Se os donos e
Gramofone: aparelho antigo que grava e reproduz sons por meio
diretores das editoras se empenham em manter certos tópicos longe
de discos.
da página impressa, não é porque tenham medo de processos judi-
ciais, mas porque temem a opinião pública. Neste país, a covardia
intelectual é o pior inimigo que um escritor ou jornalista precisa en-
frentar, e esse fato não me parece estar sendo tão discutido quanto
mereceria. [...]
O pior da censura literária na Inglaterra é que, em parte, ela
é voluntária. Ideias impopulares podem ser silenciadas, e fatos in-
convenientes podem ser mantidos à sombra, sem a necessidade de
nenhuma proibição oficial. [...]
Em qualquer momento dado, existe uma ortodoxia, um cor-
po de ideias que, supostamente, todas as pessoas bem-pensantes
aceitarão sem questionar. Não é exatamente proibido dizer isso
ou aquilo, mas dizê-lo é uma coisa que “não se faz”, assim como
na Era Vitoriana falar de roupas de baixo na presença de uma
senhora era coisa que “não se fazia”. Qualquer um que desafie a
ortodoxia predominante se vê silenciado com uma eficácia surpreen-
dente. Uma opinião genuinamente destoante quase nunca recebe a

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Enquanto isso, os opressores vibram com os novos e inusitados alia-


TEXTO 2 dos, enquanto, não raro, posam de “defensores das liberdades”. [...]
A fábrica da desunião Exemplos do absurdo travestido de luta em favor das minorias e
dos mais fracos não faltam. Caroline Fourest lembra pessoas que se
insurgiram por Rihanna usar tranças que seriam tipicamente “africa-
nas”, outros censuraram o chef Jamie Olivier por ter preparado um
“arroz jamaicano”. No Canadá, estudantes de esquerda exigiram a
supressão de um curso de yoga para evitar a apropriação da cultura
indiana. Em todo mundo, pessoas “politizadas” se recusam a ler
grandes obras clássicas que contenham “passagens ofensivas”.
Mesmo em ambientes acadêmicos, instaura-se um regime de
terror voltado ao pensamento. Algo muito semelhante ao anti-inte-
lectualismo que marca os regimes autoritários de direita. Mínimas
contradições ou frases descontextualizadas são transformadas em
micro-agressões. Em vários ambientes, o direito de falar (e de pen-
Geração ofendida sar) passou a exigir autorização segundo o gênero, a cor da pele e
Para muitos, a sensação é de termos sido lançados em um pe- ou a classe da pessoa. Distorce-se, com frequência, a ideia de “local
sadelo. Diante dos absurdos que se repetem, há uma pergunta que de fala” para fazer dela uma justificativa à interdição do debate e à
ainda não recebeu uma resposta adequada: como permitimos essa intimidação, inclusive de professores. Um homem pode se manifes-
longa noite que parece não ter fim? tar sobre o machismo, embora não possa sentir a dor que qualifica
Por um lado, a visão de mundo hegemônica parece indicar que a fala de quem sente na pele essa forma de opressão.
os “outros” devem ser percebidos como ameaças, concorrentes e, [...]
não raro, inimigos que devem ser destruídos. O egoísmo tornou-se
virtude em um mundo em que o objetivo principal é a acumulação Quem protege da bondade dos bons?
de capital. Assusta ver que parte significativa dessas posturas intoleran-
Por outro, a esperança de um mundo melhor desapareceu. O tes, agressivas e de controle da cultura não partem de um Estado
capitalismo, em seu momento neoliberal, apresenta-se como a única autoritário ou da extrema-direita, mas de uma parcela da popu-
via possível. lação ultrassensível à injustiça. E isso seria ótimo, como percebe
A esquerda anticapitalista, que poderia reagir a esse estado de Caroline Fourest, se essas pessoas não estivessem tomadas por uma
coisas, caiu na armadilha ideológica de reproduzir a lógica da con- visão inquisitorial de justiça que parte de certezas tipicamente para-
corrência e criar muros onde deveria existir comunhão. noicas. Diante dessa distorção que contamina as “melhores inten-
Em recente e polêmico livro (Génération offensée, Grasset, ções”, cabe indagar: “quem nos protegerá da bondade dos bons”?
2020), a feminista Caroline Fourest aponta um fenômeno que (Agostinho Ramalho).
atende aos objetivos dos atuais detentores do poder político Tem-se um contexto paradoxal: vive-se um mundo em que o
e/ou econômico (lembrando que na pós-democracia, em regra, o ódio se encontra liberado, em especial nas redes sociais, embora a
poder econômico volta a se identificar com o poder político) de liberdade de falar e de pensar esteja sob profunda vigilância. Mas
“dividir para conquistar”. Para Fourest, as pessoas da “nova gera- não é só. Estamos em uma quadra histórica na qual, em nome da
ção” são levadas a censurar, odiar e atacar tudo e todos os que lhes liberdade e até do amor ao próximo, odeia-se cada vez mais. [...]
incomodam ou “ofendem”. Se a geração de maio de 1968 tinha
como palavra de ordem o “é proibido proibir”, hoje a postura é Abandonar o “manual do militante perfeito”
diametralmente oposta, no sentido da proibição, do cancelamento Hoje, as mentalidades inquisitoriais, tanto à direita quanto à
e da execução à morte (ainda que simbólica). Ter-se-ia, então, uma esquerda, recorrem a manuais de comportamento que estabelecem
“geração ofendida”. as condutas esperadas dos “militantes perfeitos” e as penas cruéis
O que deveria ser um exercício crítico e uma reflexão necessária a serem impostas aos impuros. Se as regras do “manual” não são
para reduzir as opressões direcionadas às mulheres e às minorias, rigorosamente seguidas, dá-se a demonização do infrator.
por uma distorção ideológica, parece se aproximar perigosamente Ao seguir esses manuais da militância, as pessoas tornam-se
da caricatura liberticida fabricada por conservadores e reacionários. acríticas e perdem a potência criativa. Impossível construir coleti-
Hoje, basta uma palavra mal colocada ou mal interpretada para vamente algo comum se inexiste autonomia. Quem quiser mudar a
fazer cessar uma conversa ou qualquer possibilidade de diálogo. O sociedade precisa abandonar esses discursos padronizados que só
outro, por mais próximo que esteja no campo das ideias, torna-se um fazem sucesso entre os iniciados no ativismo e na militância.
inimigo a ser destruído. Feministas gastam mais tempo atacando ou- Não se pode querer transformar o mundo podando o pensa-
tras feministas do que lutando para desconstruir o patriarcado. Ne- mento, interditando a fala ou reproduzindo frases feitas e cânticos
gros passam mais tempo atacando outros negros do que atacando anacrônicos. É preciso frear a tendência ao patrulhamento e aban-
as bases do racismo. Trabalhadores, que passam a se ver como em- donar o narcisismo das pequenas diferenças. Como deixou escrito
presários-de-si, percebem outros trabalhadores como concorrentes. Mark Fisher, o objetivo não pode se resumir a “ser um ativista” ou

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posar de militante perfeito. É preciso ajudar na transformação da Orientações para o professor


sociedade, reconhecer as diferenças, aprender com as contradições A atividade proposta visa estimular nos alunos a associação entre
e participar ativamente da construção coletiva de um outro mundo. ideias, tão importante na construção de textos dissertativos. A frase
CASARA, Rubens. R. R.* “A fábrica da desunião”. Revista Cult, 7 abr. 2020. temática sugere uma análise mais abstrata, mas é justamente disso
Disponível em: <https://revistacult.uol.com.br/home/a-fabrica-da- que se deve fugir; por isso, em aula, a interpretação coletiva da co-
desuniao/>. Acesso em: 19 jan. 2021. letânea poderá contribuir para bons resultados. Os textos oferecem
exemplos concretos de restrição às liberdades de pensamento no pre-
*Rubens R. R. Casara é juiz de Direito do TJRJ e escritor. Doutor em sente, além de fazerem referências ao passado e apontarem para as
Direito e mestre em Ciências Penais. É professor convidado do Programa consequências desse processo; essas censuras, porém, não partem
de Pós-graduação da ENSP-Fiocruz. Membro da Associação Juízes para a de instituições, mas de nós mesmos inseridos em contextos propí-
Democracia e do Corpo Freudiano.
cios a isso. Por que é tão grande a dificuldade de escuta e respeito
às opiniões divergentes? Por que é mais simples anular o diferente
ao invés de conviver com ele? Quais as implicações, no coletivo,
TEXTO 3 de práticas individuais excludentes? Esses questionamentos podem
abrir margem a debates aprofundados que servirão como base para
planejamentos de texto. É importante que os alunos não percam de
vista a importância de relacionar informações e ideias.

Disponível em: <https://medium.com/@oRafaelPorto/cristianismo-george-


orwell-e-a-analise-critica-8cde29c3f7d1>. Acesso em: 19 jan. 2021.

PROPOSTA DE REDAÇÃO
Tomando como base a leitura e análise dos textos, bem como
o seu repertório prévio, redija uma dissertação-argumentativa na
qual você defenda um ponto de vista sobre o tema “A liberdade
de pensamento crítico no presente para a construção do futu-
ro”. Lembre-se de planejá-la com cautela, delimitando um ponto de
vista claro e procurando sustentá-lo por meio de raciocínios lógicos
consistentes e exemplos a eles conectados, primando pela coesão e
coerência. Estabelecer relações, como a de causa e consequência,
por exemplo, poderá contribuir para a organização do conteúdo.
Além disso, cumpra os seguintes critérios:
• dê um título ao texto;
• evite excessivas paráfrases ou cópia de trechos da coletânea
para não zerar a sua redação;
• respeite o mínimo de 24 e o máximo de 30 linhas.

Boa produção!
Professora Andressa Tiossi

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