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Viktor Emil Frankl -- o salmista do século 20

A psicóloga clínica Izar Aparecida de Moraes Xausa, coordenadora da comissão científico-


tecnológica do Serviço Interconfessional de Aconselhamento (SICA), em Porto Alegre,
pode estar exagerando ao chamar o psiquiatra Viktor Emil Frankl de “o salmista do século
20”. Porém, ela tem diversas razões, já que há uma coincidência entre a sede de Deus
expressa nos Salmos e a redescoberta dessa mesma dependência na experiência, nas
abordagens psicológicas e nos livros de Frankl.

Sem constrangimento algum, o salmista confessa sua sede interior de Deus.


No Salmo 42 (Como a corça anseia por águas correntes, a minha alma anseia por ti, ó Deus. A minha
alma tem sede de Deus, do Deus vivo), no Salmo 63 (Ó Deus, tu és o meu Deus, eu te busco
intensamente; a minha alma tem sede de ti! Todo o meu ser anseia por ti, numa terra seca, exausta e
sem água), no salmo 84 (A minha alma anela, e até desfalece, pelos átrios do Senhor; o meu coração
e o meu corpo cantam de alegria ao Deus vivo) e no Salmo 143 (Estendo as minhas mãos para ti;
como a terra árida, tenho sede de ti).
Viktor Frankl, por sua vez, garante que sobreviveu aos campos de concentração por causa de sua fé
pessoal em Deus, que lhe dava e mostrava o sentido da vida. Izar lembra que, “num dos primeiros
discursos públicos depois da guerra, Frankl testemunhou o poder sustentador da fé num Deus pessoal
e vivo”. Ele poderia parafrasear Davi na situação difícil em que este se encontrava: “Todo o meu ser
anseia por ti nesse campo de concentração, sem nome, sem família, sem consultório, sem cartas,
sem livros, sem nada”.
Outro comportamento coincidente entre o salmista do século 10 antes de Cristo e o salmista do século
20 depois de Cristo é que ambos olhavam para as alturas. O salmista da Bíblia proclama: “Levanto os
meus olhos para os montes e pergunto: De onde me vem o socorro? O meu socorro vem do Senhor,
que fez os céus e a terra” (Sl 121.1-2, NVI). Gordon W. Allport, ex-professor de psicologia de Harvard,
ousa dizer que, por terem transformado tudo, em especial a psicologia profunda, em “psicologia das
alturas”, os estudos de Viktor Frankl deram origem ao “movimento psicológico mais importante de
nosso tempo”. Tanto os médicos como os pacientes têm de olhar para os montes, para cima, para as
alturas, para Deus, onde encontrarão a chave de tudo: o sentido da vida. Só assim será possível
vencer o vazio existencial, que Frankl diz ter sido a neurose do século 20.
Um dos livros escritos por ele chama-se “Der Unbewusste Gott”, que na verdade é sua tese de
doutorado em filosofia (1948). Em vez de traduzir como “O Deus Inconsciente”, os tradutores
brasileiros Walter O. Schlupp e Helga Reinhold deram ao livro o sugestivo título de “A Presença
Ignorada de Deus”. O maior trunfo de Frankl é não se envergonhar de crer na existência de Deus
como pessoa e mostrar que essa existência está arraigada no interior de qualquer um, em qualquer
lugar e em qualquer tempo. Nesse sentido, mesmo não sendo cristão (era judeu), Frankl foi um
pregador de Deus como os profetas do Antigo Testamento. Como psicólogo e psiquiatra, ele mostrava
que “além do elemento instintivo, havia o elemento espiritual inconsciente”.
Na logoterapia, fundada por Frankl e geralmente chamada de “a terceira escola vienense de
psicoterapia”, “o homem é levado não tanto para fora de uma doença, como em direção a uma
verdade” (Izar Aparecida). Na psicanálise, explica ele, “o paciente se deita num divã e conta ao
médico coisas que, às vezes, não são muito agradáveis de contar; na logoterapia, no entanto, o
paciente pode ficar sentado normalmente, mas precisa ouvir coisas que, às vezes, são muito
desagradáveis de se ouvir”. Para Frankl, “o ser humano não é impelido pelo impulso, mas puxado
pelos valores”.
Tudo isso se reveste de um valor muito maior se nos lembrarmos que, nas décadas de 1930 e 1940, o
ambiente na Alemanha nazista não era nem um pouco favorável ao cristianismo. Hitler dizia que todas
as religiões eram semelhantes e que nenhuma delas teria futuro. O alvo oculto do Führer era fazer o
que Jesus fez com a figueira infrutífera: “despedaçar as raízes e os ramos do cristianismo”. Não seria
necessário abrir guerra contra os cristãos, fossem católicos ou protestantes. Bastava impedir que as
igrejas fizessem qualquer coisa diferente do que estavam fazendo, ou seja, perdendo terreno dia-a-
dia. Naquele período, um dos mais sombrios da história, Hitler soube substituir a Páscoa e o Natal por
festividades nacionais sem teor religioso, e a cruz pela suástica, o emblema nazista. Já que o credo
do Cristo judeu ensinava uma “ética efeminada de piedade”, os pais foram desencorajados a mandar
seus filhos a qualquer escola religiosa. Para substituir o cristianismo, foi instituído “o culto do Führer,
do sangue e do solo”. Em 1937, mais de 100 mil alemães abandonaram formalmente a igreja católica.
Uma pequena porcentagem de católicos e protestantes era praticante.
Apesar de ter sido irresponsavelmente chamado de ateu tanto por Freud quanto por um padre durante
um ofício religioso na famosa Igreja Votiva de Viena, Frankl era um judeu religioso. Na infância, ele e o
irmão mais velho eram obrigados a ler poemas em hebraico ao pôr-do-sol de toda sexta-feira, quando
começava o sábado judaico. O exemplo e as palmadas do pai fizeram de Viktor Emil Frankl um
daqueles judeus ou não-judeus “tementes a Deus” de que fala o livro de Atos (10.2; 16.14; 18.7).
Porém, aquele que é chamado “o salmista do século 20”, “o Copérnico da psicologia”, “o médico do
vazio existencial” e “o psicólogo da religião humana” nunca se tornou seguidor ou discípulo de Jesus.
Como é possível sobreviver num campo
de concentração?

Como é possível acomodar, em cada uma das três camas de tábua


de um triliche, nove prisioneiros deitados de lado, um atrás do
outro? (Qualquer metrô transporta, no horário de pico, no máximo
9,8 pessoas em pé por metro quadrado.)
Como é possível manter o organismo vivo com 300 gramas de pão e um litro de sopa por dia durante
meses a fio?
Como é possível realizar trabalhos braçais ao relento, sem luvas e agasalhos apropriados, se o
termômetro marca 20 graus abaixo de zero? Como é possível não explodir de raiva ao ver o capataz
com luvas grossas e casaco de couro forrado de peles?
Como é possível ficar mais de trinta meses sem escrever e receber cartas?
Como é possível conviver, em barracos superlotados, com pessoas até então estranhas, de vários
países da Europa, com idiomas e comportamentos diferentes e com profissões e níveis diversos?
(Certa ocasião havia 1.100 prisioneiros numa cobertura que comportava, no máximo, duzentas
pessoas.)
Como é possível suportar “a mais inconcebível falta de higiene” por causa do acúmulo de gente e da
ausência ou escassez de vasos sanitários apropriados?
Como é possível continuar vivo apesar da saudade de pessoas, coisas e acontecimentos, dentro de
um cercado de arame farpado, com fios de alta tensão, torres de vigia e holofotes acesos a noite
inteira?
Como é possível não se desesperar por completo se, do lado de fora, em dois barracões, estão quatro
grandes câmaras de gás venenoso e se quase todo o dia se vê a fumaça que sai da chaminé do forno
crematório levando consigo as cinzas dos que ontem estavam no mesmo barracão?
Como é possível lidar com a sensação de estar andando atrás de seu próprio cadáver, de ser um
cadáver vivo, de ser uma partícula numa massa de carne humana cercada por todos os lados?
Como é possível não ceder à tentação do suicídio, não satisfazer a vontade de “ir para o fio” (agarrar-
se à cerca elétrica para morrer)?
Como é possível sujeitar-se à morosidade do tempo se, num campo de concentração, “um dia demora
uma semana”?
Como é possível não perder a identidade própria depois de ser despojado de todos os documentos,
de todos os bens e até de nome e sobrenome em troca de um mero e comprido número?
Como é possível não perder a autoestima sem ver o próprio rosto no espelho durante dois anos e
meio?
O austríaco Viktor Emil Frankl, nascido em Viena cinco anos depois do século 19 e morto na mesma
cidade três anos antes do século 21, conseguiu passar por cima de todos esses impossíveis. Antes de
ser levado para o campo de concentração de Theresienstadt em setembro de 1942, Frankl, aos 37
anos, já tinha um doutorado em medicina e era um conhecido e respeitado neurologista e psiquiatra.
Depois de passar por outros campos de concentração, inclusive Auschwitz, e ser libertado pelo
exército americano em abril de 1945, Frankl tornou-se chefe do Departamento de Neurologia do
Hospital Policlínico de Viena e doutorou-se em filosofia. Valendo-se de sua própria experiência,
fundou a logoterapia, muitas vezes chamada de “terceira escola vienense de psicoterapia” (depois da
psicanálise de Freud e da psicologia individual de Adler).
Em seu mais famoso livro (“Em Busca de Sentido”, com mais de 9 milhões de exemplares vendidos),
Viktor Frankl explica a razão de sua sobrevivência: “Não há dúvida de que o amor-próprio, quando
ancorado em áreas mais profundas, espirituais, não pode ser abalado por uma situação de tremendo
sofrimento”.
Foi por isso que ele escreveu também o não menos famoso “A Presença Ignorada de Deus”.
UMA PALAVRA DE VIKTOR EMIL FRANKL PARA ANIMAR OS DESALENTADOS

Quando Paulo e Barnabé, em cerca de 46 depois de Cristo, entraram num sábado na sinagoga de Perge, na
costa sul da atual Turquia, os responsáveis lhes disseram: “Se vocês têm alguma palavra para animar o povo,
podem falar agora” (At 13.15, NTLH). Paulo não perdeu a oportunidade. Ele discursou de tal modo que as
pessoas “pediram com insistência que eles voltassem no sábado seguinte a fim de falarem sobre o mesmo
assunto” (At 13.12, NTLH).

A seguir, o leitor vai encontrar palavras, não de Paulo, mas de Viktor Frankl, o famoso psiquiatra austríaco
que passou quase três anos em campos de concentração (veja Como é possível sobreviver num campo de
concentração?)

Sobre a arte de viver


• Não procurem o sucesso. Quanto mais o procurarem e o transformarem num alvo, mais vocês vão errar.
Porque o sucesso, como a felicidade, não pode ser perseguido; ele deve acontecer, e só tem lugar como
efeito colateral de uma dedicação pessoal a uma causa maior do que a pessoa, ou como subproduto da
rendição pessoal a outro ser.
• A vontade de humor -- a tentativa de enxergar as coisas numa perspectiva engraçada -- constitui um truque
útil para a arte de viver.
• Com o fim da incerteza chega também a incerteza do fim.
• Quem não consegue mais acreditar no futuro -- seu futuro -- está perdido num campo de concentração.
• O prazer é e deve permanecer efeito colateral ou produto secundário. Ele será anulado e comprometido à
medida que se fizer um objetivo em si mesmo.
• O ser humano é um ser finito e sua liberdade é restrita.

Sobre o sentido da vida


• Ouso dizer que nada no mundo contribui tão efetivamente para a sobrevivência, mesmo nas piores
condições, como saber que a vida da gente tem um sentido.
• O que o ser humano realmente precisa não é um estado livre de tensões, mas antes a busca e a luta por um
objetivo que valha a pena, uma tarefa escolhida livremente. O que ele necessita não é a descarga de tensão a
qualquer custo, mas antes o desafio de um sentido em potencial à espera de ser cumprido.
• O sentido de vida difere de pessoa para pessoa, de um dia para o outro, de uma hora para outra. O que
importa, por conseguinte, não é o sentido da vida de um modo geral, mas antes o sentido específico da vida
de uma pessoa em dado momento.
• O sentimento de falta de sentido cumpre um papel sempre crescente na etiologia da neurose.
• As pessoas têm o suficiente com o que viver, mas não têm nada por que viver; têm os meios, mas não têm o
sentido.
• O niilismo não afirma que não existe nada, mas afirma que tudo é desprovido de sentido.
Sobre a arte de sofrer
• Se é que a vida tem sentido, também o sofrimento necessariamente o terá. Afinal de contas, o sofrimento faz
parte da vida, de alguma forma, do mesmo modo que o destino e a morte. Aflição e morte fazem parte da
existência como um todo.
• Precisamos aprender e também ensinar às pessoas em desespero que a rigor nunca e jamais importa o que
nós ainda temos a esperar da vida, mas sim exclusivamente o que a vida espera de nós.
• Deus espera que não o decepcionemos e que saibamos sofrer e morrer, não miseravelmente, mas com
orgulho!
• Ninguém tem o direito de praticar injustiça, nem mesmo aquele que sofreu injustiça.
• Quanto mais uma pessoa esquecer-se de si mesma -- dedicando-se a servir uma causa ou amar outra
pessoa --, mais humana será e mais se realizará.
• Sofrimento, de certo modo, deixa de ser sofrimento no instante em que se encontra um sentido, como o
sentido de um sacrifício.
• O sofrimento desnecessário é masoquismo e não ato heroico.

Sobre o “nem tudo está perdido”


• Se houve um dia na vida em que a liberdade parecia um lindo sonho, virá também o dia em que toda a
experiência sofrida no passado parecerá um mero pesadelo.
• O ser humano é capaz de viver e até de morrer por seus ideais e valores.
• O passado ainda pode ser alterado e corrigido.
• Quando já não somos capazes de mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós próprios.
• Quando o paciente está sobre o chão firme da fé religiosa, não se pode objetar ao uso do efeito terapêutico
de suas convicções espirituais.
• Uma das principais características da existência humana está na capacidade de se elevar acima das
condições biológicas, psicológicas e sociológicas, de crescer para além delas.
• As pessoas decentes formam uma minoria. Mais que isso, sempre serão uma minoria. Justamente por isso,
o desafio maior é que nos juntemos à minoria. Porque o mundo está numa situação ruim. E tudo vai piorar
mais se cada um de nós não fizer o melhor que puder.

(Todas as frases foram retiradas do best-seller “Em Busca de Sentido”, publicado em alemão em 1945.)
GALERIA DOS SOBREVIVENTES

Jó antes de Habacuque

Jó, o patriarca de Uz, de um dia para o outro, perdeu toda a riqueza (11.500 cabeças de gado) e quase todos
os empregados (administradores, agricultores, boiadeiros, carreiros, cortadores de lã, guardas das torres de
vigia, plantadores de capim, roçadores de pasto, tiradores de leite, tratadores de animais, vendedores de gado
etc.). Perdeu os dez filhos quando a casa onde eles estavam comemorando o aniversário do irmão mais velho
desabou e soterrou todos eles. No dia seguinte, havia dez caixões com defuntos para Jó enterrar. Pouco
depois da perda dos bens e dos filhos, Jó perdeu a saúde -- o mais precioso bem que alguém pode possuir. A
doença era tão desgastante que o levava a desejar ansiosamente a morte. Poderia ser dermatose escamosa,
elefantismo, eczema crônico, melanoma ou outra. Ele portava “feridas terríveis, da sola dos pés ao alto da
cabeça”, raspava-se com caco de louça e ficou tão desfigurado que seus amigos não o reconheceram e
começaram a chorar em alta voz diante daquele quadro aterrador (Jó 2.12-13). O mesmo fazendeiro perdeu a
companhia religiosa e o aconchego da esposa, tão enlutada quanto ele. Ela se revoltava contra Deus e queria
que o marido fizesse o mesmo (Jó 2.9). A esposa de Jó mantinha-se à distância por questões de saúde:
“Minha esposa não chega perto de mim por causa do mau cheiro que sai de minha boca quando falo” (Jó
19.17, BV). O incrível sofredor experimentou ainda a dor da solidão, após a ruína financeira e a nova e feia
aparência: “Os meus parentes me abandonaram e os meus amigos esqueceram-se de mim” (Jó 19.14). Como
se não bastasse todo esse sofrimento, Jó teve de enfrentar o juízo temerário de todos, especialmente dos
amigos mais íntimos, que interpretaram sua desgraça como castigo por algum pecado secreto que ele teria
cometido.

Apesar dessa inexplicável e incontida enxurrada de dores e de injustiças, o patriarca de Uz resistiu a tudo por
todo o tempo, ancorado numa única pessoa e numa única esperança: “Eu sei que meu Redentor vive, e que
no fim se levantará sobre a terra” (Jó 19.25).

Habacuque antes de Paulo

Cerca de 2.500 anos antes da ameaça nazista, os judeus enfrentaram a ameaça babilônica. O grande império
de Nabucodonosor estava dominando o mundo. Duas poderosas nações já haviam caído: a Assíria em 612
antes de Cristo, e o Egito, sete anos mais tarde, na famosa batalha de Carquemis (605 a. C.). A próxima
nação a ser cercada, destruída e ocupada seria Israel, mais propriamente Judá, o reino do sul. A escassez de
comida e a consequente fome eram iminentes. Boa parte da população seria deslocada para longe de sua
pátria e muitos sofreriam como escravos e trabalhadores forçados. A beleza de Jerusalém seria coisa do
passado. Suas riquezas seriam pilhadas e levadas pelos invasores. Para continuar a viver, os que tinham
algum bem o trocariam por comida (Lm 1.1-12). Crianças diriam às mães: “Estou com fome! Estou com
sede!”. Sem pão para comer nem água para beber, as crianças cairiam pelas ruas e os bebês morreriam aos
poucos nos braços das mães. Estas, por sua vez, por causa da fome, perderiam o controle e devorariam os
filhinhos que tanto amavam. Os mortos, tanto jovens como velhos, seriam largados nas ruas (Lm 2.11-21). Os
que haviam morrido no campo de batalha seriam considerados mais felizes do que os que morreriam depois,
por causa do caos posterior à guerra (Lm 4.9).
Não obstante, frente a essa situação catastrófica prestes a acontecer, um homem chamado Habacuque, que
era profeta e poeta, explica como poderia sobreviver: “Ainda que as figueiras não produzam frutas, e as
parreiras não deem uvas; ainda que não haja azeitonas para apanhar nem trigo para colher, ainda que não
haja mais ovelhas nos campos nem gado nos currais, mesmo assim eu darei graças ao Senhor e louvarei a
Deus, o meu Salvador. [Pois] o Senhor é a minha força. Ele torna o meu andar firme como o de uma corça e
me leva para as montanhas, onde estarei seguro” (Hc 3.17-19, NTLH).

Paulo antes de Viktor Frankl

Quando Jesus apareceu a Saulo no trevo da cidade de Damasco, capital da Síria, perto do final da primeira
metade do século primeiro, ele não escondeu do futuro apóstolo que haveria sofrimento por causa do
evangelho (At 9.16). De acordo com o relatório desse sofrimento, contido na Segunda Carta aos Coríntios,
escrita em 55 depois de Cristo, Paulo foi apedrejado uma vez, espancado três vezes, chicoteado cinco vezes
(cada uma com 39 açoites) e passou por três naufrágios (num deles ficou 24 horas boiando no mar). Além
disso, ele muitas vezes ficou sem dormir, sem comer, sem beber, sem se vestir e sem se agasalhar.
Experimentou toda sorte de perigos (de morte, de enchentes, de assaltos), nas mãos de conterrâneos, de
estrangeiros, de ladrões, de falsos irmãos etc., tanto na cidade como no deserto e em alto-mar. E como se
não bastasse, Paulo foi preso várias vezes e passou muito tempo atrás das grades, em Filipos, Jerusalém,
Cesareia e principalmente em Roma.

Apesar de todas essas circunstâncias e acontecimentos adversos, o apóstolo sobreviveu sem maiores
desgastes físicos ou emocionais. E ele explica o segredo: “Sei o que é estar necessitado e sei também o que
é ter mais do que é preciso. Aprendi o segredo de me sentir contente em todo lugar e em qualquer situação,
quer esteja alimentado ou com fome, quer tenha muito ou tenha pouco. Com a força que Cristo me dá, posso
enfrentar qualquer situação” (Fp 4.12-13).

E hoje?

A sobrevivência é um desafio também para o mundo contemporâneo. Antes do término da Segunda Guerra
Mundial, ninguém sabia muito sobre os campos de concentração da Alemanha nazista e sobre o tamanho do
holocausto -- nem os próprios alemães. Hoje, não percebemos que também estamos dentro de outros
campos de concentração, que tornam a sobrevivência da fé e da moral quase impossível. Quantos mortos o
narcotráfico e o crime já deixaram no mundo todo desde o final da Segunda Guerra até hoje? A lei do mais
forte prevalece, a cultura da corrupção é uma regra fixa, a determinação de destruir os ramos e raízes da fé
cristã continua (seja pela perseguição e morte de cristãos em países islâmicos fechados ou pelos escândalos
que os próprios cristãos cometem), a propaganda do “ter” em vez de “ser” é esmagadora, a chamada ao
consumismo é praticamente irresistível, a defesa da homossexualidade e da não-durabilidade do casamento é
crescente, a pornografia e a violência sexual generalizam-se, e assim por diante. A mídia abraça e divulga
todas essas coisas, das tirinhas aos editoriais, das novelas aos noticiários. Certamente, as características, os
sintomas e os descaminhos contemporâneos podem ser vistos como um campo de concentração
acentuadamente sutil. O excelente vídeo “Qualidade de vida do mundo contemporâneo”, da TV Cultura, do
qual participam filósofos e educadores brasileiros, diz que estamos perdendo a capacidade de pensar,
estamos perdendo a vitalidade e estamos sendo manipulados e conduzidos pela voz tirânica da prioridade do
mercado, pelo ascetismo e pelo individualismo. Tudo isso leva à desgraça do tal vazio existencial,
diagnosticado por Viktor Frankl como a neurose do século. Seriam essas coisas mais leves do que aquelas
que Jó, Habacuque e Paulo sofreram? A Bíblia fala muito sobre a difícil arte da sobrevivência. Jesus chega a
perguntar: “Quando o Filho do Homem vier, será que vai encontrar fé na terra?” (Lc 18.8, NTLH).

O CÂNTICO DOS SOBREVIVENTES


Apesar disso tudo
Eu sei que o meu Redentor vive
E finalmente aparecerá na terra.

HABACUQUE
Ainda que as figueiras não produzam frutas e as parreiras não deem uvas
Ainda que não haja azeitonas para apanhar nem trigo para colher
Ainda que não haja mais ovelhas nos campos nem gado nos currais
Mesmo assim eu darei graças ao Senhor e louvarei a Deus, o meu Salvador.

PAULO
Aprendi o segredo de me sentir contente em todo lugar e em toda situação
Quer esteja alimentado ou com fome, quer tenha muito, quer tenha pouco.
Com a força que Cristo me dá, posso enfrentar qualquer situação.

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