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Uma Palavra de Viktor Emil Frankl para Animar Os Desalentados
Uma Palavra de Viktor Emil Frankl para Animar Os Desalentados
Quando Paulo e Barnabé, em cerca de 46 depois de Cristo, entraram num sábado na sinagoga de Perge, na
costa sul da atual Turquia, os responsáveis lhes disseram: “Se vocês têm alguma palavra para animar o povo,
podem falar agora” (At 13.15, NTLH). Paulo não perdeu a oportunidade. Ele discursou de tal modo que as
pessoas “pediram com insistência que eles voltassem no sábado seguinte a fim de falarem sobre o mesmo
assunto” (At 13.12, NTLH).
A seguir, o leitor vai encontrar palavras, não de Paulo, mas de Viktor Frankl, o famoso psiquiatra austríaco
que passou quase três anos em campos de concentração (veja Como é possível sobreviver num campo de
concentração?)
(Todas as frases foram retiradas do best-seller “Em Busca de Sentido”, publicado em alemão em 1945.)
GALERIA DOS SOBREVIVENTES
Jó antes de Habacuque
Jó, o patriarca de Uz, de um dia para o outro, perdeu toda a riqueza (11.500 cabeças de gado) e quase todos
os empregados (administradores, agricultores, boiadeiros, carreiros, cortadores de lã, guardas das torres de
vigia, plantadores de capim, roçadores de pasto, tiradores de leite, tratadores de animais, vendedores de gado
etc.). Perdeu os dez filhos quando a casa onde eles estavam comemorando o aniversário do irmão mais velho
desabou e soterrou todos eles. No dia seguinte, havia dez caixões com defuntos para Jó enterrar. Pouco
depois da perda dos bens e dos filhos, Jó perdeu a saúde -- o mais precioso bem que alguém pode possuir. A
doença era tão desgastante que o levava a desejar ansiosamente a morte. Poderia ser dermatose escamosa,
elefantismo, eczema crônico, melanoma ou outra. Ele portava “feridas terríveis, da sola dos pés ao alto da
cabeça”, raspava-se com caco de louça e ficou tão desfigurado que seus amigos não o reconheceram e
começaram a chorar em alta voz diante daquele quadro aterrador (Jó 2.12-13). O mesmo fazendeiro perdeu a
companhia religiosa e o aconchego da esposa, tão enlutada quanto ele. Ela se revoltava contra Deus e queria
que o marido fizesse o mesmo (Jó 2.9). A esposa de Jó mantinha-se à distância por questões de saúde:
“Minha esposa não chega perto de mim por causa do mau cheiro que sai de minha boca quando falo” (Jó
19.17, BV). O incrível sofredor experimentou ainda a dor da solidão, após a ruína financeira e a nova e feia
aparência: “Os meus parentes me abandonaram e os meus amigos esqueceram-se de mim” (Jó 19.14). Como
se não bastasse todo esse sofrimento, Jó teve de enfrentar o juízo temerário de todos, especialmente dos
amigos mais íntimos, que interpretaram sua desgraça como castigo por algum pecado secreto que ele teria
cometido.
Apesar dessa inexplicável e incontida enxurrada de dores e de injustiças, o patriarca de Uz resistiu a tudo por
todo o tempo, ancorado numa única pessoa e numa única esperança: “Eu sei que meu Redentor vive, e que
no fim se levantará sobre a terra” (Jó 19.25).
Cerca de 2.500 anos antes da ameaça nazista, os judeus enfrentaram a ameaça babilônica. O grande império
de Nabucodonosor estava dominando o mundo. Duas poderosas nações já haviam caído: a Assíria em 612
antes de Cristo, e o Egito, sete anos mais tarde, na famosa batalha de Carquemis (605 a. C.). A próxima
nação a ser cercada, destruída e ocupada seria Israel, mais propriamente Judá, o reino do sul. A escassez de
comida e a consequente fome eram iminentes. Boa parte da população seria deslocada para longe de sua
pátria e muitos sofreriam como escravos e trabalhadores forçados. A beleza de Jerusalém seria coisa do
passado. Suas riquezas seriam pilhadas e levadas pelos invasores. Para continuar a viver, os que tinham
algum bem o trocariam por comida (Lm 1.1-12). Crianças diriam às mães: “Estou com fome! Estou com
sede!”. Sem pão para comer nem água para beber, as crianças cairiam pelas ruas e os bebês morreriam aos
poucos nos braços das mães. Estas, por sua vez, por causa da fome, perderiam o controle e devorariam os
filhinhos que tanto amavam. Os mortos, tanto jovens como velhos, seriam largados nas ruas (Lm 2.11-21). Os
que haviam morrido no campo de batalha seriam considerados mais felizes do que os que morreriam depois,
por causa do caos posterior à guerra (Lm 4.9).
Não obstante, frente a essa situação catastrófica prestes a acontecer, um homem chamado Habacuque, que
era profeta e poeta, explica como poderia sobreviver: “Ainda que as figueiras não produzam frutas, e as
parreiras não deem uvas; ainda que não haja azeitonas para apanhar nem trigo para colher, ainda que não
haja mais ovelhas nos campos nem gado nos currais, mesmo assim eu darei graças ao Senhor e louvarei a
Deus, o meu Salvador. [Pois] o Senhor é a minha força. Ele torna o meu andar firme como o de uma corça e
me leva para as montanhas, onde estarei seguro” (Hc 3.17-19, NTLH).
Quando Jesus apareceu a Saulo no trevo da cidade de Damasco, capital da Síria, perto do final da primeira
metade do século primeiro, ele não escondeu do futuro apóstolo que haveria sofrimento por causa do
evangelho (At 9.16). De acordo com o relatório desse sofrimento, contido na Segunda Carta aos Coríntios,
escrita em 55 depois de Cristo, Paulo foi apedrejado uma vez, espancado três vezes, chicoteado cinco vezes
(cada uma com 39 açoites) e passou por três naufrágios (num deles ficou 24 horas boiando no mar). Além
disso, ele muitas vezes ficou sem dormir, sem comer, sem beber, sem se vestir e sem se agasalhar.
Experimentou toda sorte de perigos (de morte, de enchentes, de assaltos), nas mãos de conterrâneos, de
estrangeiros, de ladrões, de falsos irmãos etc., tanto na cidade como no deserto e em alto-mar. E como se
não bastasse, Paulo foi preso várias vezes e passou muito tempo atrás das grades, em Filipos, Jerusalém,
Cesareia e principalmente em Roma.
Apesar de todas essas circunstâncias e acontecimentos adversos, o apóstolo sobreviveu sem maiores
desgastes físicos ou emocionais. E ele explica o segredo: “Sei o que é estar necessitado e sei também o que
é ter mais do que é preciso. Aprendi o segredo de me sentir contente em todo lugar e em qualquer situação,
quer esteja alimentado ou com fome, quer tenha muito ou tenha pouco. Com a força que Cristo me dá, posso
enfrentar qualquer situação” (Fp 4.12-13).
E hoje?
A sobrevivência é um desafio também para o mundo contemporâneo. Antes do término da Segunda Guerra
Mundial, ninguém sabia muito sobre os campos de concentração da Alemanha nazista e sobre o tamanho do
holocausto -- nem os próprios alemães. Hoje, não percebemos que também estamos dentro de outros
campos de concentração, que tornam a sobrevivência da fé e da moral quase impossível. Quantos mortos o
narcotráfico e o crime já deixaram no mundo todo desde o final da Segunda Guerra até hoje? A lei do mais
forte prevalece, a cultura da corrupção é uma regra fixa, a determinação de destruir os ramos e raízes da fé
cristã continua (seja pela perseguição e morte de cristãos em países islâmicos fechados ou pelos escândalos
que os próprios cristãos cometem), a propaganda do “ter” em vez de “ser” é esmagadora, a chamada ao
consumismo é praticamente irresistível, a defesa da homossexualidade e da não-durabilidade do casamento é
crescente, a pornografia e a violência sexual generalizam-se, e assim por diante. A mídia abraça e divulga
todas essas coisas, das tirinhas aos editoriais, das novelas aos noticiários. Certamente, as características, os
sintomas e os descaminhos contemporâneos podem ser vistos como um campo de concentração
acentuadamente sutil. O excelente vídeo “Qualidade de vida do mundo contemporâneo”, da TV Cultura, do
qual participam filósofos e educadores brasileiros, diz que estamos perdendo a capacidade de pensar,
estamos perdendo a vitalidade e estamos sendo manipulados e conduzidos pela voz tirânica da prioridade do
mercado, pelo ascetismo e pelo individualismo. Tudo isso leva à desgraça do tal vazio existencial,
diagnosticado por Viktor Frankl como a neurose do século. Seriam essas coisas mais leves do que aquelas
que Jó, Habacuque e Paulo sofreram? A Bíblia fala muito sobre a difícil arte da sobrevivência. Jesus chega a
perguntar: “Quando o Filho do Homem vier, será que vai encontrar fé na terra?” (Lc 18.8, NTLH).
JÓ
Apesar disso tudo
Eu sei que o meu Redentor vive
E finalmente aparecerá na terra.
HABACUQUE
Ainda que as figueiras não produzam frutas e as parreiras não deem uvas
Ainda que não haja azeitonas para apanhar nem trigo para colher
Ainda que não haja mais ovelhas nos campos nem gado nos currais
Mesmo assim eu darei graças ao Senhor e louvarei a Deus, o meu Salvador.
PAULO
Aprendi o segredo de me sentir contente em todo lugar e em toda situação
Quer esteja alimentado ou com fome, quer tenha muito, quer tenha pouco.
Com a força que Cristo me dá, posso enfrentar qualquer situação.