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INDICE | — Introdugao . * aerate oe | — Fungées da familia... . artes nese Oe | — Histéria da familia sana 51 — A familia brasileira contemporanea....... 72 | | —conclusso a1 \ «BD Rp «aD Meus agradecimentos AMARIZA FIGUEIREDO que, em realidade, foi co-autora ceste trabalho. A MARIA JOSE DE UMA por sua leitura, seus comentarios critices € apoio Dedico este livro @ minna familia "de origem’, a minha familia "de procriac4o". a todos os satélite: familiares que me rodearam na vida, a todos os amigos € amigas que me ajudaram com suas Vivéncias a refletir sobre os mistérios da familia. INTRODUGAO © que € familia? Anist6ria da humanidade, assim como os estucos antropoldgicos sobre os povos e cutturas aistantes de ns (no espaco eno tempo), esclarece-nos sobre o que é a familia, como exisilu € existe. Mostra- Ros como foram e S40 hole ainda variadas as formas sob as quais as familias evoluem, se mocificam, assim como s4o diversas as concepc6es do significado social dos lacos esiabelecidos entre os individuos de uma sociedade dada ; Ninguém tem por habito perguntar: "Voc sabe o que é uma familia?" A palavra FAMILIA, no sentido popular e nos dicionérios, significa pessoas aparentadas que vivem em geral na mesma casa, particulamente o pai, a rrde € os filhos. Ou ainda, pessoas de mesmo sangue, ascendéncia, linhagem, estirpe ou admitidos por adocdo. 8 Danda Prade Paradoxalmente, todos sabem o que € uma familia j4 que todos nés somos parte integrante de alguma familia, E uma entidade por assim dizer obvia para todos. No entanto, para qualquer pessoa € Gifici definir esta patavra e mais exatamente 0 conceito que a engloba, que val além das devinictes livrescas, Amaioria das pessoas, por isso, quando aborda questées familiares, refere-se espontaneamente a uma realidade bem préxima, partindo do conhecimento da propria familia, realidade que créem semelnante para todos, e dai acabarem generalizando ao falar das familias em abstrato. Os tipos de familia variam muito, como veremos no decorrer destas reflexes, embora a forma mais conhecida e valorizada de nossos cias seja a familia composta de pai, mde e fihos, chamada familia nuclear’, "normal" etc. Este € 0 nosso modelo, que desde crianca vemos nos livros escolares, nos fimes, na televiséo, mesmo que em nossa prépria casa vivamos um esquema diverso, AS familias, apesar de lodos os seus momentos de crise e evolucdo, mantfestam até hoje uma grande capaciaage de soprevivéncia e também, por que nao aizé-1o, de acaptacdo, uma vez que ela Subsiste $0D multiplas formas. Jamais encontramos através da Historia uma Sociedade que tenha vivido a margem de alguma ocdo de familia. Isto é de alguma forma de Oque é Familia 9 - relacdo institucional entre pessoas de mesmo sangue Nem mesmo nas sociedades que tentaram novas experiéncias, como a China com o questionamento da familia tradicional, ou Israel com os kibutzim, onde 2s mulheres saem para trabalhar e as criancas vivem em comunidades. Nem nessas sociedades desapareceu a nocdo bésica de familia. Se genera- lizando desta forma torna-se dificil definic o que entendemos por_FAMILIA, nao € dificil indicar o que seria a NAO FAMILIA. Entre 0 individuo € 0 Conjunto da sociedade existem os varios grupos profissionais, de identidade, Ideologicos, religiosos, racials, educaciona’s etc. Estes nao englobam, no entanto, 08 individuos enquanto indivicuos, em toda a sua historia ce vida pessoal. Nao incluem necessariamente, como na familia, os tecém-nascidos € 08 ancidos, o deficiente e o ‘normal’. S40 grupos delimitados ‘temporarios, no tempo e no espaco. com objetivos definidos. Anatureza das relacdes centro de uma ‘amilia vai se modificando. através do tempo. O aspecto mais problematico da evolucdo da familia esta sem dlivida alguma ligado ao questionamento da posic4o ‘das criancas como "propriedace" dos pais 2 4 posic3o econémica das mulheres dentro da familia. Inclui-se ai 0 questionamento da distribuicdo dos papéis ditos especifcamente masculinos, ou femininos, ¢ esse é um problematO Danda Prado —* have para o surgimento de uma nova estrutura social De fato, ndo se poderd mudar a instituicdo familiar sem que toda a sociedade mude também. Podemos afirmar ainda que qualquer modiiicacdo na organizacdo familiar implicara também uma mooiticacdo dos rigidos papéis de esposa, mae ou prosiituta, os Unicos atnbuicos as mumeres. Quanto 2s criancas, a algum tempo jd o Estado intervém entre os pais e flhos, sendo que na Suécia ‘desde ha pouco os pais sao passiveis de dentincia pelos vizinhos, caso punam fisicamente seus thos. Através da escola, do controle sobre os melos de comunicacdio, de médicos e psic6logos, 0 poder dominante de cada sociedade mais ou menos suttimente impée normas educacionais, sendo dificil aos familiares contrarid.tas. De uma maneira geral, no entanto, cabe ainda aos pais grande parcela de poder de decisdo sobre seus filhos menores. Parcela essa catia vez mais contestada. A esse poder equivalem, por parte dos filhos, direitos legais em relacdo a seus pais, em particular no sistema Capitalsta. Direitos a assisténcia, educacdo, manutencao e participagao em seus Dens € proventos Ao inverso do que comumente pensamos, segundo 0 tipo de sociedade € a época vivida ou estudada, varia a composicao dessa unidade social, a familia, assim como seu modelo ideal. O que é Familia 11 Cada familia varia também a sua composicdo durante sua trajetéria vital, e diversos tipos de familia podem coexistir numa mesma época e local.1 Por exemplo: casais que viveram numa familia extensa, com mais de duas geracées dentro de casa, tormam-se nucleares pela morte dos membros mais velhos e, quando os filhos saem de casa, voltam a viver como uma familia conjugal (somente um casal). Paralelamente, podem existir familias naturais em virtude de fatores diversos, isto é, mu- Iheres que nao quiseram ou nao puderam viver com um homem do qual tiveram um filho. Ainda nesse caso, a historia individual pode levar essa mulher a casar-se num outro momento e compor uma familia nuclear. Uma mae com filhos sem designaco de um pai nao constitul uma FAMILIA, mas sim uma FAMILIA NATURAL, ou INCOMPLETA na Classificacao de socidlogos e demégratos. |Ha ainda os fatores culturais que determinam o predominio de um tipo de familia nuclear, como é 0 caso hoje em dia, por ser esse o modelo veiculado por determinada cultura, coexistindo com varias familias que por fatores sécio-econémicos apresentam grande variedade em sua estrutura. Assim, nos Estados Unidos encontramos os membros da seita Mormon que admitem a poligamia, o que € inadmissivel para os outros grupos religiosos do pais.2 Ha familias mugulmanas que desejam emigrar com destino a paises onde a poligamia 12 Danda Prado é inaceitavel Reiteramos: a familia ndoé um simples fendmeno natural. Ela é uma instituigao social variando através da Historia e apresentando até formas e finalidades diversas numa mesma época e lugar, conforme 0 grupe social que esteja sendo observado. - Come exemplo, basta refletinmos sobre a ambigilidade social relativa 4 muther que da a luz. A primeira vista, tratar-se-ia de uma mae com 0 respectivo filho. No entanto,\ para ser considerada socialmente como mae, no tera sido suticiente a lado biofisiol6gico do processo de gravidez e parto. E preciso, conforme a cultura a qual pertenca, que tal processo tenha se dado segundo os usos € costumes! e, até mais rigidamente, segundo as leis de Direito em vigéncia numa determinada sociedade € momento. Disso temos varios exemplos. Até ha pouco tempo atras, no Brasil, uma crianca assim nascida, sem 0 reconhecimento por parte do pai, teria em seus documentos de identidade o carimbo de "filho ilegitimo"” Na Franca contemporanea, os pais de uma parturiente menor de idade tém mais poder que ela para decidir sobre o destino do filha. Isso nos demonstra de modo evidente o quanto O que € Familia 13 de apoio e solidariedade. Mas apresenta, ao lado destes, aspectos negativos, como a imposicao normativa através de leis, uses e costumes. que implicam formas e finalidades rigidas. Toma-se, muitas vezes, elemento de ccac4o social, geradora de conflitos e ambigtiidades. , E freqiiente termos melhores coniatos com pessoas de fora do circulo familiar, pois as vemios diariamente, do que com 08 parentes, aos quais nos limitamos a telefonar ou a visitar de vez em quando, ou formaimente. A relaco familiar se mantém, mas seu contetido afetivo se empobrece. Assim, uma divergéncia em relagdo a escolha de um cénjuge pode afastar por longos periodos membros muito unidos de um grupo familiar, o que nao os impede de estar presentes na memoria histérica dos componentes aliados ou opostos a suas atitudes, ou de se encontrarem todos em reunides comemorativas, eventos familiares etc. Os critérios de "lealdade" para com a familia de origem ou a de reproduce muitas vazes so também confltantes. Come dizem os termos, familia de origem € aquela de nossos pais; familia de repraducdo é aquela formada por um individuo com outro adutto € os filhos dela decorrentes./ Apesar dos conflitos, a familia no entanto é "Unica" em seu papel determinante no desenvolvimento da sociabilidade, da afetividade e do bem-estar fisico dos individuos, sobretudo durante o 14 Danda Prada periodo da infancia e da adolescéncia Talvez poryue os lacus de sangue (ou de adocao equivalente) crier um senlimento de dever ninguém pode se sentir feliz se ine faltar completamente a referencia familia. Além dos lacos de sangue, ha os compromissos assumidos, como aqueles existentes entre marido € mulher. E também, porque no abordarmos isso aqui, entre uma crianca um pai ‘provave'". Sabemos que 56 ame pode confirmar a paternidade exata de seu filho. Por parte do homem, limita- se a um "ato de 16" naquela mulher, ou em normas legais que Ihe atribuem qualquer crianca nascida na vigéncia de um casamento Familias altemativas Hoje em dia, hd diversas experiéncias substitutivas da familia. Entre outras, as COMUNIDADES, que correspondem a tentativas para resolver os problemas enfrentados pela reducdo das familias contemporaneas, por sua mobilidade, por suas dificuldades em geral em se relacionarem com outras de modo estavel Vale a pena fefletimos soore essas experiéncias. Tratam-se de, podemos dizer, fenémenos socials, cuja extrema variedade impede que sejam assimilados as outras formas de familia Pode-se dizer O queé Familia 15 que uma comunidade nasce da unio de alguns individuos aduttos decididos a viver num grupo social auto-suficiente.| Entre as inlimeras raz6es que levam a essa escolha, existe a tentativa de reencontrar um tipo de relacdes existente ou ideaiizado através da familia extensa, educando coletivamente as criencas € integrando os deficientes de qualquer idade. Ou seja, a recusa do isolamento em que vive 2 familia nuclear. — Ha também uma origem mistica ou religiosa, nessas comunidades, em particular naquelas que se formaram em tempos remotos. No mundo contemporanes, notam-se certas motivacées de caréter politico ou ideotégico, que se impéem como uma tentativa revolucionaria de recusa aos sistemas S6cio-econémicos e morals em vigénca, assim como as formas de producdo e ao consumo No século passado, no Brasil, tiemos uma comunidade anarquista, chamada Colénia Cecilia,! fomanceada por Afonso Schmict, composta de imigrantes italianos. Mais recentemente, temos os casos das comunidades “hippies”, sobre as quais os meios de comunicacao divulgaram somente aspectos pejorativos. \As comunidades variam muito em sua composicao e regras de vida. Em algumas, mantém-se a monogamia como forma de ligacdo entre os casaisimembros. Em outres,! ha expenién- 16 Danda Prado — clas delamor livre ou de "monogamias sucessivas"! entre todos os elementos do grupo, inclusive entre pessoas do mesmo sexo. {As formas de relacionamento sexual diverso da fidelidade tradicional constituem uma aventura dificil, pols as relacées afetivas entre os individuos se intensificam, e, em nossa cultura, fomos condiconades a um agudo senso de propriedade em relacéio a nossos parceiros sexuais. Além cisso, 0s membros de algumas dessas comunidades so obrigados a viver clandestinamente na maioria dos paises (disfarcando 0 fato de nao viverem como casais estabelecidos), pois s40 passivels de varios delitos Segundo 0 Direlto vigente. A repressao Se torna pamticularmente grave com a presenca de criancas, que por motivos ideologicos ndo freqlientam o sistema escolar institucional, e quando as infracdes aos costumes locais forem muito drasticas. Assim, nos casos de vinculos homossexuais, da pratica de amor livre por parte de menores etc. Em termos econémicos, ora cada individuo tem suas proprias fontes de subsisténcia ora dedicam-se coletivamente a atividades cooperativas, como agricultura, artesanato e outros. Todas essas formas ja exstiram em outras sociedades. Entre 0s gregos, por exemplo, a monogamia so era legaimente exigida dor parte das espasas. 0 marido podia ter uma ou mals concubinas € mesmo manter relacdes homossexuais. O que é Familia 17 /-s Hoje ainda, entre os Baruya da Nova Guiné, os casais sio monogamicos em relacdo a reproducdo € a determinados servicos prestados pelas mulheres aos maridos € vice-versa. Assim. cada marido entrega a sua esposa, € 2 ela somente, algumas partes da caca, enquanto ela cozinha somente para ele. Mas a moradia de ambos os sexos, mesmo apds 0 casamento, é separada. As mulheres moram com filnos (0s meninos $0 até a puberdade), a vida afetiva e sexual entre incividuos do mesmo sexo sendo tolerada. O relacionamento sexual da mulher com 0 marido realiza-se cercado de intmeros Tituais e tabus, o que distancia sua ocorréncia. Nas ilhas Marquesas (Oceania), a esposa presta servicos sexuais ao marido e aos outros homens de seU grupo de residéncia, mas os filhos nascidos pertencem todos ao marido. tre os esquimés persiste a monogamia, mas a esposa presta servicos sexuals aos héspedes do marido. E assim por dante A familia POLIGAMICA exste ainda hoje, de forma institucionalizada, em varias culturas. Um homem, nesse caso, vive maritalmente com varias mulheres a0 mesmo tempo, que ihe prestam os mais variados servicos, além de dar-Ine Tinos. Esse olrelto a ter vans esposas nunca fo! um aireto de todos os individuos numa sociecade dada. Uma simples razdo é que o némero de mulheres Aunca foi muto maior do que o de homens, exceto em casos de guerra ou emigrecdo 18 Danda Prade macica. Nas regides agricotas africanas, ao sul do Saara, 1/3 da populacdo masculina teve ou tem mais de uma mulher. Os restantes 2/3 vivem com uma 86 ou, em alguns casos, nem se casam. ™m geral, a poligamia institucional s6é acessivel ao homem pertencente ao grupo dominante, aquele que usufrui de prestigio e/ou poder econémico. A primeira esposa quase sempre tem uma posicao ierarquica superior a segunda, ¢, de modo geral, cada esposa ¢ os respectivos filhos moram numa unidade residencial separada. O trabalho dessas mulheres no campo, que ndo é remunerado pelo marido, permite a este explorar intimeros lotes de terra, assim enriquecendo. Com o avanco da industrializacdo em todas as regides, & hoje comum encon‘rar um casal, numa grande cidade africana, que aparenta viver o modelo ocidental de familia nuclear, em realidade eles mantém-se as cuslas de suas varias outras esposas que ficaram no campo. E isto passa-se sob 0 abrigo da legistacdo local. Além das experiéncias de vida em comunidades, existem ainda outras formas de familias que s40 chamadas, mesmo pelos estudiosos. de “originais" porque no cabem nos conoattos classicos de familia. Essas tentativas tém surgido e se desenvolvido nas sociedades mais aciantadas do mundo moderno, e portanto ‘als tolerantes, que se enriquecem com essas novas formas. So indicativas de experiéncias ou de abordagens cientificas O que é Familia 19 do comportamento humano e influem diretamente na evolucdo e na transformacéo dos costumes. Seria dificil tentarmos aqui distinguir as principais caracteristicas que as diferenciam das formas tradicionais. Destacaremos algumas'! a) A familia criada em torno a um casamento dito "de participacdo" —trata-se ai de ultrapassar os Papéis sexuais tradicionais. © marido € a mulher partcipando das mesmas tare‘as caseiras € extemas, e permitinds as mulheres os mesmos direitos e oportunidades que aos maridos. Esia é uma das relvindicacées dos movimentos feministas mundiais. No entanto, realiza-la na pratica € ainda muito dificil, pois por um lado a participacdo do marido nos trabalhos domésticos continua sendo apenas uma ajuda insuficiente, e por outro a mulher nao encontta com faciidade uma atividade profissional economicamente rentavel.) Seja que ela ganhe em regime de meio periodo de trabalho, ja que o critério geral é que "a mulher deve estar em Casa cuidanco da vida doméstica” seja que So encontre emprego em areas ditas "femininas", mai remuneradas. Os oostos mais, interessantes so dados por definigZo aos homens, pois na filosofia da nossa sociedade é ele 0 provedor do lar. Seria, em reaiidace, necessario um projeto ce revisao de toda a organizacao socal e do sistema patriarcal vigente, para que se generalizasse com sucesso essa "participacdo” integral de marido v_s 20 Danda Prado \ mulher ) O casamento dito "experimental" — que consiste na coabitacao durante algum tempo, 86 legalizando essa situacdo apds 0 nascimento do primeiro filho. Esse tipo de relacionamento, que nao constitui em sua primeira fase uma "familia", redundara para o casal e seus filhos mais tarde numa familia nuclear. \contram-se muitos exemplos desses habitos no pasado. De certa forma, pode-se justificar esse costume para evitar o desperdicio ce uma ceriménia nupcial, ou um caso de inferilicade no casal. © casamento diante do “Tato concreto” ca gravidez é também ulllizado pelos jovers quando nao tem ainda condicées econémicas para sustentar uma familia. Nos Estados Unidos ¢ na Europa tal formula, da coabitacdo durante longo periodo na fase estudantil por exemplo, ou até que decidam ter filhos, tem-se generalizado cada vez mais. Os dados estatisticos mostram que, em 1963, 40% das mulheres fintandesas estavam gravidas antes de seu casamento, 20% das norueguesas. ISSo em relacdo 25 menores de Idade. A mesma tenaénca se encontra entre mulheres javens da Alemanha Ocidental e da Suéca.1 Esses dados e afirmaces podem parecer contraditorios, pois que justamente nesses paises existe. de poucos anos para Ca, 0 direito ao aborto. Otiue é Familia 21 Mas sabemes. por outro lado, que nao basta uma lel para modificar comporiamentos arraigacos ha séculos, @ assim ultrapassar tabus € preconceitos. ¢) Ourra forma ce tamita seria aquela baseada na "unido livre". Em alguns aspectos, é semeinante & escolna anterior, mas caracteiza-se pela intenc&o de recusar a formalizacdio religiosa e a legalizacdo civil, mesmo com a presenca de filhos. A unio livre pode ser um casamento monogamico cuja interpretacdo da continuidade diverge da forma tradicional. antes, a unio por definico tinha como ‘objetivo Iigar duas pessoas "para toda a vida". So seria questionada em caso de desavencas ou confifos graves, quando haveria 0 recurso ao divércio. Neste novo tipo, a permanéncia da unio estaria vinculada a duracdo de um afeto e interesse real e vivo, entre o caSal. Ambos estariam preparados, a0 menos materialmente, para terminar a relacdo que se tomou insatisfatoria no ‘decorrer do tempo. — Certos tipos de familia séio vistos como caracteristicos de paises no industrializados, reprodu- zindo-se com grance frequiéncia na América Latina, Mais comum nas camadas de baixa renda, 60 casamento "de fato’, endo o ‘de direito”, que é a familia juridicamente constituida segundo as leis vigentes em caca sociedade. Surge mais Como uma “estratégia de sobrevivencia" do que como uma inovacéio contestatéria a costumes antigos, v_J 22 Danda Prado ‘como no caso da formula acima referida de "unio livre". Isto porque, no tendo bens a transmitir aos erdetros, ou tendo somente 2 casa onde vivem, no receDendo do Estado uma ajuda substancial nada justiica 0 recurso a legaizacéio deste relacionamento Nesse nivel de subsisténcia, em realidace ora o homem abandona a mulher, mesmo gravida ou com filhos, ora ela nao quer sustertar um homem que ndo tem perspectivas de trazer-Ie aiguma vantagem Social oU econdmica. Essa unido sem compromissos Tacil tar-Ine-a uniGes sucessivas, sempre em busca de um companheiro que divida com ela as responsabiidades domésticas, segundo © modelo idealizado da burguesia 3 defensores ca unido livre créem que este sera o modelo do futuro, tinica forma de salvar o ‘casamento monogémico, adastando-o a época atual. A simplificacdo das medidas para obtencdo do divércio vai ao encontro deste tipo de unido livre, a parir da dissolucdo de um casamento anterior. d)A familia homossexval, quando duas pessoas de mesmo sexo vivem juntas, com criancas adotivas ou resultantes de uniSes anteriores. Ou ainda, no caso ce duas mulheres, com filhos por inseminacdo arificial. Isto vem se tornando possivel nos paises onde tal opcode vida dexou de ser ‘obstdculo legal a convivéncia com criancas, como nos Estados Unidos. Oque é Familia 23 Uma familia é ndo $6 um tecido fundamental de relacdes mas também um conjunto de papéis, sociaimente definidos. A organizacdo da vida familiar depende do que a Sociedade através de seus sos e costumes espera de um pai, de uma mae, dos filhos, de todos seus membros, enfim. Nem sempre, porém, a opinigo geral é undnime, o que resulta em formas diversas de familia além do modelo social preconizado e valorizado. € através da familia — menor Célula organizada | da sociedade — que o Estado pode exercer um controle sobre os individucs, impondo-Ihes diferentes responsabilidades conforme cada momento histérico. Sem divida, nossa instituicdo familiar é patriarcal, autoritaria e monogémica. Mas cabe a ‘cada um encontrar 0s subterfigios, 0s "modus vivendi", dentro das normas em vigor. A atuacao do Estado se exerce tambem indretamente, poss tem o controle de todos os mecanismos sociais existentes, lAssim. durante uma guerra, 25 mulheres sao estimuladas a sair de seus lares e a trabalhar. dada a auséncia da mao-de-obra masculina. Uma série de medidas € posta em pratica para poder liberar as mulheres casadas de suas responsabilidades tradicionais junto aos fihos e 4 casa. Surgem creches, 08 Salarios melhoram, os empregos "masculinos" tornam-se acessiveis a elas etc. )No fim da guerra, modifica-se novamente a ideciogia e todas as formas s4o postas em jogo 24 Danda Prado ara motivar o retomo das mulheres ao lar Serdo assim liberados empregos que garantiro a reinsercdo social dos maridos, que por sua vez estimula-las-Zo a ter novos filhos, para repor as baixas de guerra etc Em certas épocas acentua-se a importdncia da proximidade permanente da mae junto aos filhos para garantir 0 equilibrio emecional dees. Em autres pariodos, valoriza-se a educac&o coletiva das Ccriancas (Israel). Dentro de um mesmo Estado ha também interesses opostos. O setor industrial pode necessitar de mao-de-obra feminina, pois que assim aumentara o padrao de consumo de Produtos industrializados, com 0 acrescimo na renda familiar, enquanto 0 setor social pode recear 0 desemprego masculino decorrente desse fluxo de mao-de-obra feminina no mercado de trabalho. —Amulher, uma vez inserida num casamento e constituida sua familia, torna-se a garantia da existéncia de uma infra-estrutura. Esta infra-estrutura que permite ndo s6 a reproducdo da forca de trabalho masculina (funcao de esposa), mas também a reproducao de futuras méos-de-obra (funcdo de mde). __ isto é fundamental numa sociedade onde o sistema social ndo assume cada individuo com suas necessidades coletivas. A familia serve também de valvula de seguranca das fevollas e conmilos socials. Se por um tad 0 I) que € Familia 25 - homem, em virtuide de seu maior contato como exterior através de seu trabalho, adquire mais consciéncia politica, a mulher conhece mais de perto as necessidades da casa € dos filhos. Para manter o equilibrio da célula familiar, ela servird de contencdo as revoltas dele, € com frequéncia de "bode expiat6ro" para suas frustracdes, angdistias e conflites irresolvidos no mundo exterior ao lar. Interessa portanto a0 Estado canalizar todas es eneigias individuals ou Coletivas para aestera domestica, desviando-as da contestacdo € de reivindicacdes sociais. Aigumas perspectivas sobre 0 futuro da instituico familar Um cos primeiros objetivos na evolucdo da instituicdo familiar seria transformé-1a numa célula mais, aberta para o exterior e capaz de partilhar com outras familias uma parte das tarefas domésticas € educativas. Esta, alias, como vimos acima, € uma das raz6es pelas quais se organizam as comunidades. [Para atender a esse aspecto positivo, contorvando o risco do autofechamento desse grupo, existiria a tentativa de revitalizar certas funcdes familiares baseadas na solidariedade da vizinhanca.) 26 Danda Prado — Através de creches ou do encaminhamento des criancas as escolas, através da compra coletiva de aparelhos eletrodomesticos e de limpeza, uma relativa coletivizacdo seria alcancada, | que nao implicaria vivetem todos sob o mesiro teto, mas mantendo, cada unidade familiar, stia moradia propria. A familia hoje em dia esta arriscada ase tomar uma engrenagem funcional cada vez mais dependente do Estado. | Hoje /os lacos entre os membros da familia nuclear se enfraquecem, porque a responsabilidade coletiva da familia enquanto niicleo através dc qual se realizam projetos em comum diminui cada vez mals. E também porque cada um de seus membros é cada vez mais absorvido por suas ativicades proprias © num meio ambiente especifico. Porexemplo: 0 das criancas, dos jovens, dos casais etc. Col6nias de férias, saidas coletivas em fins de semana, vo substituindo as reunides dominicais com ‘08 parentes, ou férias familiares, AS decis6es relativas ao futuro € 4s condigdes de vida das familias so tomadas num nivel ‘tecnocrdtico apoiado numa rede ¢e informacées eletrénicas que aumentam a eficiéncia dos dlspositivos do Estado, para um controle individual e familiar. Segundo certos autores 2 "a familia contempordnea caminna para o desconhecido sem rumo. Pode orientar-se em trés diferentes diregées, e até hoje sem precedente histérica: ‘que € Familia 27 1) ruptura definttiva dos lacos que uniam as velhas geracies as mais novas: a indiferenca que manifesiam os adolescentes peta identidade familiar € pelo que ela possa representar e defender € ‘que se rompe na discontinuidade dos valores ene pals e fines, 2) maior instabilidade dos jovens casais que se refiete no aumento vertical da curva de divércios: 3) destruicdo sistematica, através da ‘iberacio' da mulher, do conceito ‘lar/ninho' em torno do qual {fol construfda a vida da familia nuclear." Paralelamente a esse avanco dos poderes de uma sociedade tecnocratica. que ainda no atingiu 0 Brasil, mas que para ca se dirige com a necessidade de exoansao dos meicados consumidores, ‘dessa moderna tecnologia, \ surge uma nova corrente de pensamenio. aqueta que pensa que a familia poderd se constituir numa tentativa para reinventar espacos de livre escolha.] | Reinventar espacos de Ivie escolna nos quais a célula familar possa atuar em nivels variados, como desde a simples busca de maior tempo livre = com mais recursos para utiiza-lo até a diminuicdo do controle social. Ou ainda, a reivindicacdo de exercer livremente sua Sexualidade; a liberdade de educar as criancas como cada um bem entender etc Esta grande reivindicacdo de autonomia e de controle de seu proprio espaco social por parte das familias pode assumir Uma forma, diriamcs, "coletivista’. Nesta, dar-se-la énfase a organizacao 28 Danda Prado € 2 um importante desenvolvimento de servigos coletivos, de redes associativas mas descentral- zadas, permitindo assim uma autogesto por parte dos préprios usuérios. — Ou também as familias poderiam assumir uma forma que chamatiamos de “anarquista", com a eytensdo das formas familiares comunitarias, incluindo as vezes a autoproducao de bens de consumo, mas baseada essencialmente nas relacdes de tipo informal, com um minimo de recurso as, estruturas administratwas. Expectativa em relacdo ao futuro da familia Para os jovens ce hoje, Segundo pesquisas fellas, vemos que no tocante @ familia € na manetta como eles gostariam que esta evoluisse, temos as seguintes afirmacBes: a) a instituicéo familar esta ultrapassada, ha uma necessidade de mocificd-ta em seus preceitos codificados pelo leqislador (Cédigo Civil). Mas ultrapassaca nao significa a negaco da familia e sim a negacdo da legalizacdo do casamento, a deniincia das difculdades em obter um divércio ou separacdo: dos problemas decorentes dos regimens de bens: da burocracia legal relativa aos fihos menores etc: 5_; > ue & Familia 29 — ) a dentincia da reduicdo dos membros da familia, com um poder centrado nos pais. Cada vez mais, cada membro da familia deseja Sua autonomia e indepenaéncia, e a nocdo de comunidade ramitar cede lugar a um individualismo absoluto; ©) relvingicam a transformac&o das relacdes da educacdo, sobretudo no plano da autoridade. Comecam pelo questionamento da autoridade do pai, que para 0s jovens ressentida mais como um autoritarismo € ndo simplesmente como uma autoridade propria decorrente da relacdo hierarquica, AAlguns jd considaram que os pais atuais, gracas a influéncia dos meios de comunicacdo e da necessidade de manter unido afetivamente o niicleo familiar, procuram evoluir e compreender ou elo menos acettar novos comportamentos € valores. JA para 0s aduttos, os aspectos que deveriam evoluir @ respeito da instituicéio familiar s&o outros. De lm lado, tentar romper a felac2o dominador’ dominado que rege rundamentaimente, tanto do pon'o de vista moral, material como legal, a reiaro entre um homem e uma mulher que vivern maritalmente juntos. De outro, criar um intercdmbio de papéis no seio da propria familia, interc&mbio esse para o qual a legislacdo muito poderia contribuir, modificando certas leis que discriminam as mulheres e que daiam do Codigo de Napoledo 30 Danda Pradl Para alguns, e sobretudo para as feministas, nao é a situacao atual ca familia que € acetavel mas sua propria exist8ncia. E 0 que existe de fundamental neste questionamento, segundo elas, é que a situac4o das muineres se deteriora cada aia mals, assim como a do assatariado, Segunco as ‘eministas, é a decadéncia do sistema patriarcal e do sisterra capitalista que faz aparecer as infra-esiruturas que impediam a visdo © a compreensdo de todos esses problemas em profundidade. Até entdo, ficaram fortemente entrelacados Cada dia torna-se mais dificil para a sociedace e para 0 Poder estabelecido impor a forma e a legalizacdo das relacdes sexuais, assim como as regras saciais sobre a procriaco, numa paca em que 0 Sexo foi transformado em bem de consumo. Jamais podera existir uma igualdade concreta entre homens € mulheres, que permita uma ‘ransformacdo total das retagses sociais, enquanto seguirmos vivendo numa sociedade patriarcal e ortanto aiscriminativa das mutneres (Sexsta) € aiviaida em classes Sera que a andlise das pesquisas de opinido permtiria de forma mais objetiva conjecturar sobre 0 Tuturo aa insttuicao famitar? Pensamos que dbviamente no, ja que as modificacdes e a evolucdo da mesma nao so o simples resultado de projetos elaborados conscientemente m [que é Familia 34 Ou de acordo com pianos escolhas racionais. O que se poceria tentar buscar através de tais sondagens seriam as diferencas existentes entre os diversos modelos familiares e quais dentre eles estariam evoluindo de forma dominante. Ou ainda: buscar quais as condicées atualmente favoraveis ou desfavoraveis em cada extrato social para a evolucao ou transformacao da familia As esiatisticas tm registrado certos fenémenos, de maneira mais ou menos acentuada, em todos os paises. Assim, 0 divorcio, cada vez mais freqlente nos paises industrializados e exigido em larga proporcdo pelas mulheres; o aumento crescente de mulheres que trabalham fora de casa, sobretudo enquanto sotteiras ou recém casadas e sem filhos, ou quando estes ja S40 considerados semi-auto suficientes; as taxas de natalidade que esto em franca diminuicao. Se pusermos lado a lado essas afirmacées estatisticas universalmente mais evidentes, as reivin- dicagées dos jovens e das mulheres, assim como as tentativas de formas alternativas elaboradas por homens e mulheres (Comunidades, familias “originals” etc), veremos que ha certa coincidéncia nas suas formulacoes. Seria facil concluir, apés as premissas acima, que caminhamos nessa direcdo. Ora, deixamos de lado justamente, aquelas correntes de pensamento que detém um grande poder nas sociedades atuals, as crencas religiosas € suas respectivas 32 Danda Prada igrejas. Um dos campos de atuacdo fundamental de suas doutrinas é 0 da normalizacdo das relacdes entre os sexos, a "moral"! \ Para essas, as propostas que alinhamos no decorrer deste trabalho, € que tentam manter os lacos familiares com seus aspectos positivos, s4o justamente os aspectos mais condenaveis das experiéncias modernas. Acusam-nos como Sendo os sintomas de "crise" na familia, de sua "deca- déncia". Representam as forcas tradicionais. Defendem a manutencdo de uma estrutura rigida, com papéis definidos para homens € mulheres, ignorando os fatos objetivos, isto é, a grave insatisfacdo existencial das sociedades contemporaneas. Confundem causas e conseqliéncias | Afinal, esse modelo de familia centralizado na autoridade patema vigorou por tempo suficiente para ser avaliado. Exemplo disso € a fuga dos jovens através do consumo de t6xicos, fato esse presente em todas as familias, inclusive naquelas que procuram manter-se, contra ventos e marés, numa hierarquia autoritaria, em que o poder de escolha, de decis4o, de orientacdo cabe sempre aos mais velhos. Nao se pode negar tambem as verdades estatisticamente comprovadas, em relacao as mulheres. Os indices de suicidio atingem as casadas com muito maior freqliéncia do que as celibatarias, fendmeno constatado cesde 0 século XIX. A necessidade de consumo de tranqiilizantes, de i> ifuc é Familia 33 un antidepressivos e ansioliticos é também maior entre elas. Isso reflete, sem divida, uma passiva revolta contra sua ndo inserc&o social adequada. Ora, a familia consttui o objetivo prioritério da educacao das mulheres, para afirmar-se socialmente.1 Por outro faco,ia Historia recente nos demonstra que um dos pontos de apoio de filosofias e regimes. autoritarios sempre foi a rigidez dogmatica de usos e costumes referentes ao inter-relacionamento entre homens e mulheres.) Stalin fez retroceder nos anos 20, com 0 decreto de 1940, o caminho de uma estrutura familiar liberal que germinava nos ideais da revolucdo soviética. Hitler preconizava a teoria dos trés Ks — "Kinder. Kiiche, Kirche" (criancas, cozinha, Igreja) — como tinico destino das mulheres patriotas, na ‘Alemanha nazista. O integralismo € 0 fascismo fundamentam na constituicdo da familia sua forca, assim como assistimos as lutas de um islamismo obscurantista, no Ira, que pune hoje com a morte uma infidelidade conjugal, que retirou as mulheres das universidades etc As formas alternativas de vida familiar expostas neste texto, que se confundem com novas atitudes em relacdo 4 producdo e ao consumo, nao sao talvez mais do que os indicios precursores de uma transformacao pronunda da vida cotidiana, Unica estratégia, sem duvida alguma, para sabotar, a longo prazo, formas arcaicas e perigosas de organizacdo social. Danda Prado FUNGOES DA FAMILIA As fungies de cada familia dependem em grande parte da faixa que cada uma delas ocupa na organizacdo social e na economia do pais ao qual pertence é preciso alstinguir as expectativas socials em relacdo a familia, como também aquelas que eta propria preenche em relaco aos elementos mais indefesos da Sociedade: criancas e deficientes em todas as idades. Com frequiéncia algumas destas funcdes s4o complementares, outras chegam a se contradizer, quando a familia no esta adequada ao modelo preconizado por aquele grupo social 1 Toda e qualquer familia exerce sempre intimeras funcdes, sendo que para algumas recebem apoio e interferéncia de instituicdes socizis, enquanto outras func6es elas assumem com exclusividade. Por exemplo: a socializacdo das criancas é dividida 36 Danda Prado pela familia € pelas instituic6es educacionals. A salide dos membros aa familia é também Noje Complementada pelas instituices de satide piiblica, alam da atuacAo da familia que é solicttada a cumprir regras de higiene, de cuidados no tratamento etc.lEntre as inimeras tunc6es da familia que correspondem a uma expectativa social, temos, por exemplo: a funcao de identificacaio social dos individuos,! as de reproducdo, as ce producdo de bens (alimentacdo, vestuario, brinquedos, Temédios etc.) € de consumo desias. /Enire as expectativas das cnancas e dos denicentes da ramilia a protecdo de jovens, la educagdo e socializacdo da nova geracdo, os servicos domésticos de toda ordem (higiene, cozinha, costura etc), 0 cuidado aos velhos quando deficientes. iCntre as expectativas socials € dos individuos: as atividades de lazer (estas, reunides, comemoracées, passeios etc.), )civis, retigiosas (transmissao © cumprimento de crengas © preceitos), fiscalizacao de comportamentos de abediéncia a hierarquias e autoridades etc Nas familias antigas, a maior parte dessas funcdes era exercida somente pelo grupo familiar, embora contassem com a ajuda de terceiros num regime de troca de servicos entre os membros de uma mesma comunidade. iDurante a Idade Média, por exemplo, criancas eram entregues a outras familias que nao as de origem, onde faziam sua aprendizagem profissional'' /it itte € Familia 49 foi uma excegdo, pois em gerai é o marido quem se ocupa. Ela sente-se no dever de desculpar sua presenca numa atividade ndo doméstica No entanto, é preciso néo esquecer que a tarefa de cuidar do negécio implica um grande esforco sem nennum incentivo, pois no hd uma “remunera¢4o pessoal” pelo trabalho, como existe em qualquer atividade exercida fora da familia Essa alienacdo tem como elemento central a concep¢do de que a esposa jd cumpre seu propria trabalho, e assim a familia ndo considera que trabalhar seja uma auto-realizacao mas somente um beneficio para a prépria familia A frase de uma esposa entrevistada ilustra bem esse fato: "Gracas a quitanda estou aqui, porque meu marido ficou doente. Ele tem s6 um rim mas continua trabalhando fora. Se nao fosse o negécio eu também teria ido trabalhar fora e seria obrigada a deixar minha casa e minha familia. Se ele tivesse a salide boa eu poderia ficar s6 cuidando da casa e da familia como ‘oda mulher.” O trabalho no comércio familiar é, para a esposa, uma prolongacdo do seu tempo de trabalho comestico nao remunerado, expresso na inexisténcia de um salario ou retribuicao monetaria alreta. [Os pagamentos recebidos S40 automaticamente transferidos oui cedidos @ familia no caso do trabalho no negécio familiar. Essa transferéncia néo é mediatizada por um ato de apropriacdo prévia, o que a transforma num fato invisivel. 50 Danda Prado Diz uma dona-de-casa que tratalha num botequim: "Sempre estive encamegada da venda, mas ela esta em nome de meu marido, ele € que € 0 proprietario. As vezes ‘roubs! um dinheiro do caixa para comprar alguma coisa extra" ‘1 Em qualquer grupo sécio-econémico, existe a responsabilidade moral da familia de insercao pronssional das novas geracdes. A prooriedade de uma pequena ou méaia empresa € hoje uma excecdo, mas a ajuida ara obter um emprego assalariado atravessa todas as classes sociais. Desde © operano que recomenda o filho na fabrica, "Me de Santo" que "passa" seu ponto de venda de acarajé para a filha ou afilhada, ao presidente da multnacional que indica o fiho recem-diplo-mado para uma firma similar 4 sua. Na classe média esta ajuda supera muitas vezes o valor da heranca transmissive por morte dos pais. Nos paises socialistas, onde foi abolida a propriedade privada de meios de producao, e portanto sua heranca, 0 acesso a empregos por parte dos familiares € uria pratica dificil de ser contornada Os segures sociais, de apcsentadoria e satide, no suprem, em lugar algum, as necessidades reais, O recurso a assisténcia familiar econdmica persiste. Em geral, essa responsabilidade recai sobre as mulheres que abrem méo de alguma atividade rentavel para substituir, junto ao parente necessitaco, 08 servicos de enfermagem carentes na sociedade. HISTORIA DA FAMILIA q Podemos facimente encontrar a histéria da palavra FAMILIA Jando podemos dizer o mesmo da hisiona da instituicao Tamilar © termo FAMILIA origina-se do latim FAMULUS que significa: conjunto de servos e dependentes de um chefe ou senhor Entre os chamados dependentes inclui-se a esposa e os filhos. Assim. a familia greco-fomana compunha-se d= um patriarca e seus famulos: esposa, fihos, servos livres € escravos. A respeito da instituicao familiar so podemos retterar que de moco universal ha uma afirmacao ‘crescente da familia nuclear. Mesmo nos paises onde até hoje vigora a tradicional familia extensa, monogéimica ou poligamica, o ntimero de familias nucieares é cada vez maior, notando-se essa transformacdo princpalmente nos grandes centros urbanos em evolucéo na india, China e Africa 52 Danda Pr adi hegra ou do Norte. Cada uma das atuais formas de familia viveu histérias ou conjunturas sociais bem diversas. Muitas emigraram do campo para as cidades, em busca de novas perspectivas de trabalho, de vida, por raz6es socials, politicas, deixando atras de si varias geraces em esquemas familiares bem diversos daquele que tem possibilidades devivenciar em seu novo meio. 0 desenvolvimento industrial contribuiu em grande parte para preciptar esse processo migratério © de atomizacdo das familias tradicionals. No entanto, ele no pode ser apontado como causa tinica das mudancas que se operam nessa instituico. Teorias sobre a familia \ De uns quarenta anos para c4, 0 interesse pelo estudo da FAMILIA tem crescido em todos os setores do conhecimento. Cada ramo cientifico aborda-a por um outro Angulo. Assim, os econo- mistas se preocupam, entre outros, com o consumo doméstico, os etndlogos descrevem as estruturas de parentesco, os juristas analisam as leis relativas a familia a luz ce uma nova realidace social, 08 Soci6logos pesquisa 6 Seu Tuncionamento contemporaneo, os psicblogos, os efeitos sobre O que é Familia 53 05 individuos das re'acées inter € intratamiliares, os demogratos interpretam 0 crescimento ou a queda de natalidade, os antropélogos interessam-se pelos sistemas familiares em diversas culturas € assim por diante. Esses estudos que decompéem a familia em seus diversos aspectos néo respondem no entanto a uma curiosidade mais ampia. Permanece a teniativa do século passado de elaborar um estudo que compreenda a familia como um todo — tratando-a através de grandes teorias —, como foi feito por alguns autores, sendo 0 mais conhecido e divulgado Engels, com seu classico trabalho a respeito.4 Para Engels, a instituic&o do casamento e da familia faz parte da sociedade vista como um organismo total Ele analisa a instituicao familiar nas ciferentes regides do mundo e as mudancas que as afetaram através dos séculos. Interessa-se também pela interacdo entre a familia e as outras instituices sociais e culturais. Assim, 0 significado da monogamia, as relacées entre homens e mulheres, 0 modo de producdo, a propriedade dos berjs de producao etc. O matriarcaao tena existide antes do patriarcado? Antes de mais nada esclareceremos este titulo, 54 Danda Prado (“| Denomina-se familia matrlinear aqueta que identifica o individuo através de sua origem materna, \ somente. Existem sistemas patriarcals nos quais 0 nome dos thos segue a inna matema (matriinear), mas o pai é identificado e mantém estreitos iagos culturais de todo tipo com os filhos. | Patriarcal 6 aquela estrutura familiar que nao somente identifica o individuo pela origem paterna (patriinear) mas ainda da 20 homem o direito priorttario sobre o ‘lho € um poder sobre a pessoa de Sua esposa.,i Em verdade, malgrado desconhecermos detaines sobre os sistemas matriarcais existentes em eras remota, sabemos que os resquicios dessas culturas subsistem ainda em certas sociedades patriarcais (os israalitas atribuem mais valor a linnagem matema, alguns grupos sociais aficanos do prioridade as mulheres em certas decisées etc) Encontram-se na Historia também indicac6es de violentos choques entre as duas concepcées: patriarcado e matriarcado. (As Amazonas na Europa Central, Wiasta, rainha na Boémia no século Vill etc.) As religides monoteistas (todas elas identificadas com o sistema patriarcal) se impuseram pela forca, por sangrenta repressdo a costumes tradicionais vigentes, dizimando povos que cultuavam deusas, crencas politeistas, e seguiam costumes matriarcais, tais como a ndo atribuicdo da paternidade institucional a cada crianca nascida 1) que é Familia 55 No se pode, no entanto, opor um sistema ao outro como simétrico. No matriarcado havia 0 culto ao poder reprodutivo feminino, por parte de homens e mulheres, que al viam um sinal de fertilidade da natureza, o leite de sua subsisténcia. No patriarcado ha uma apropriacdo do corpo feminino pelo poder masculino. Um homem pode impor 4 mulher um grande nlimero de gravidezes a fim de gerar m4o-de-obra abundante em Seu proprio beneficio.* 0 inverso no é factivel Engels descreve essa passagem de um matriarcado para o patriarcado atribuindo-a as novas formas € modos de producdo, decorrentes de inovacées tecnoldgicas. Segundo ele, situa-se na pré-hist6ria, na fase chamada neolitica, caracterizada pela invenco da agricultura e da criacdo de animais. Isto € a humanidade, em vez de apropriar-se das plantas selvagens e da caca de animais, comeca a plantar em certas areas e a criar animais junto a seu local de residéncia. Mas a agricultura era limitada a pequenos lotes de terra, que eram monopélio das mulheres. Os homens continuavam nes atividades de caca e pesca como no passado A contribuic¢&o das mulheres para essas invencdes foi imensa, pois recolhiam filhotes recém- nascidos e davam-thes o proprio seio, assim domesticavam os animais. Em sua tarefé de colheita, ‘observavam como germinavam as i 3 56 Danda Prado (* sementes e se reproduziam as raizes dos vegetais. Pouco a pouco selecionaram as plantas mais apropriadas ao cultivo. ‘Ao mesmo tempo, esse cultivo de cereais exigia, para preparo e conservacdio de alimentos, o uso de recipientes capazes de resistir ao calor do fogo € de guardar liquidos em grandes quantidades. ‘As mulheres inventam para isso a ceramica. Nesse mesmo periodo surge ainda a arte da tecelagem, igualmente exercida pelas mulheres. Todas essas técnicas exigiram um extraordinaric acimulo de experiéncias, de deduces, de troca de informagées. As mulheres dominando o conhecimento dessas novas técnicas tinham também que transmiti-las aos mais jovens. A menina ajuda a mae a modelar 0 barro, observa os detalhes, imita-a e recebe dela orientacdo. Um verdadeiro sistema de aprendizagem preside assim desde os tempos neoliticos a transmissao das artes e oficios. AS mulheres exerciam 0 controle das principals técnicas de sobrevivéncia, nos primérdios do neolitico, € Por isso detinnam um grande poder. Dai o sistema matriiinear da estrutura familiar. Durante mithares de anos a Deusa Mae fora o tinico objeto de veneracdo. Na passagem ao sistema patriarcal, comecaram a surgir representacdes masculinas em estatuetas e o simbolo masculino: 0 Talo é modelado em barto e gravado na pedra. "Esses simbolos implicam 0 reconhe- i ' 5 i 3 3 z x 5 i = & g 3 g g 58 Danda Pradc @ ‘cimento do pape! masculino da procnagao, no surgimento de divindades masculinas, e tambem o enfiaquecimento progressive das bases ideoldgicas do matriarcado, num perfodo em que 0 arado conduzido pelo homem substitul a enxada, manejada pela mulher, € desir6i os Tundamenios: econémicos do matriarcado”, atirma Engels. No inicio da humanidade o comunismo primitvo — sinénimo de auséncia da propriedade privada — constituia um estado social no qual intimeros casais coexistiam com seus fos no seio d2 um lar “comunitario". Esse lar, cuja direcdo era garantida petas mulheres, constituia também uma atividade publica de producdo, socialmente necesséria (em conseqiigncia das atividades exercidas pelas mulheres: tecelagem, cerémica etc), assim coma 0 abastecimento de viveres buscados pals homens com acacae a pasca Foi com a familia patriarcal (0U individual, composta em tomo de um s6 indivicuo). contempordnea co desenvolvimento da propriedade privada, que a chefia do lar petdeu seu carater pUblico e se transformou em prestacao, pela mulher, de servicos privados para um homem. "A mulher tomnou-se sua primeira servente, afastada da participacdo da producéo social", sequndo Engels. Logo, a familia individual modema se tundamenta na escravidao doméstica confessa ou dissimulada ca muher... O homem de nossos O que é Familia 59 cias deve, na grande maioria dos casos, ganhar o suficiente para alimentar sua familia, pelo menos as classes de malor poder aquistivo. Isto ine d4 uma posico de supremacia moral e economica em. relacdo a esposa. Crrigido evoluconismo de Engels esta ultrapassado, mas sem divida ainda hoje persiste a interdependéncia de certas legislacdes familiares com o modo de transmissao da propriedade privada aos seus descendentes. No Brasil observa-se que, ainda em data recente, filhos legitimos eram exciuidos da heranca de seus pais, assim como um dos argumentos para recusar uma lei de Alvércio era a protecdo 20s “bens de familia” que ndo deviam ser dividicos, Grande parte dessas teorias de Engels tiveram que ser deixadas de lado diante de estucos mais recentes. Entre outras de suas afirmacdes, suas idéias sobre a ‘promiscuidade primitiva’, que assim Se refere a uma epoca em que 0 pal no efa dentincado insituclonaimente, Hoe ventica-se que essa & uma oprdo alternativa de vida, sem carater nagativo em si, Também faz a associacdo da "propriedade privada’ com a “opressdo das mulheres", o que nao corresponde a realidade Constatou-se que em grupos onde feinava o sistema do "comunismo primitivo" em relacdo @ bens € Valores jd se encontrava uma diviso de tarefas entre os Sexos, privilegiando os homens em detnmento das munneres. 60 Danda Prado (“Essa visdo nistérica/evolucionista marcou protuncamente a renexdo mundial soore a ramilla, em particular quando se refere as mulheres e 5 criancas. Fala-se na alual "iberdade” das mulheres, quanco esta jd viveu em outros tempos com maior autonomia As criancas também passaram por épocas em que eram propriedace exclusiva de seu pai Este podia vende-las, escravizd-las, tendo airetto de vida e morte sobre elas. Em épocas anteriores, tinham no entanto as criancas usuffuida de status mais liberais, Lembremo-nos da Biblia, onde Abrado, obedecendo as ordens de Deus, oferece-Ine o sacrificio de seu fiho isaac. Entre 0 passado proximo € o presente Quantas vezes ndo ouvimos referéncias a “cris2" por que estaria passando a familia em nossos dias?No entanto, se olharmos a evolucdo histérica dessa instituicao, constataremos que gande nlimero de comportamentos vistos como exceces se tomaram regras, e vice-versa: regras rigorosas passaram a ser vistas como excecées. Nao na transiormacao numa s6 deco. Contorme os interesses s0clo-econdmicos de uma <> que € Familia 61 Sociedade, conforme o destaque que uma sociedade dé a certos valores, as estruturas familiares v0 Se modificando. Fala-se muto em “crise” da familia, mas esquecemos que toda e qualquer mudanca ou estado de evolucdo permanente de qualquer fendmeno social implica transformacdo constante. sso leva a aiminuir 0 signricado co passado, e passamos ento a tuco opservar, analisar € julgar exclusivamente sob a vis0 & compreensao atual ou contemporanea Outra deformacdio freqiiente consiste na atitude oposta, ou seja, numa fuga para o passado que nos aparece como iix0 € evidente, pols certos acontecimentes e situacoes ja foram resolvidas, bem ou ‘mal, Quanto ao presente, esté nos parece incompreensivel, e nos inquieta. Ja o passado, estvel, Parece como de compreensdo evidente. Com trequencia efe ate nos Seduz por sua simplicidade, despertanco saudosismos com desejos ou esperancas de volta atrés. No entanto, na maioria das vezes, esse passado nao foi aquele vivido em nossas prdprias famfias, e sim aquele que idealizamos através da Iteratura, das lendas, da Hisiora das lembrancas alheias, Sa “crise” seria o resultado apenes das transformacdes industriais? Sem divida alguma ha certa Converaéncia entre as formas familiares e 2s diversas Zonas Geograficas e cutturals. Isto evidencia-se com clareza no caso dos novos paises, que se constituem tomando-se indapen62 Danda Prado —— dentes de suas antigas metropoles, como na Asia e na Afica. Anteriormente dominados por colonizadores que haviam imposto seu proprio sistema familiar, independente dos costumes ai enconirados, revoliam-se agora e teniam reviver, num nacionalismo alienado da nova fealidade mundial, formas antigas de familia. Assim por exemplo na Argélia. Quando conquistaram 20s franceses sua independéncia (1962) quiseram retomnar a antigas tradices em relacao as mulheres, que na muro naviam adotado os costumes ocidentals de seus Colonizadores. Isto gerou inumeros Confltos familiares, o nlimero de suicidios € de fugas entre as jovens tendo aumentado de forma alarmante A pressio das relies foi em geral a estratégia utlizada para impor uma nova e "verdadeita moral familiar’, de que cla seria a portadora. Assim, os missiondrios catélicos impuseram, drasticamente muttas Yezes, 0 fim ca poligamia, do infanticidio, a exigéncia ca virgindade, o uso de roupas a fim de esconder as partes sexuais do corpo etc Estas sdo somente algumas dentre as indmeras ilustracdes possiveis da muitiplicidade de influéncias reciprocas e complexas que ha no tocante a familia. Estas por sua vez se exercem em sentido contrério, ou seja, sobre as outras instituigdes e sobre a sociedade em geral Assim.la chamada "crise" da familia esté sempre inscrita num contexto amplo de transformagSes v. Oqueé Familia 63 sécia is. | Poderiamos distinguir de modo geral duas formas de crises familiares resultantes de duas etapas diversas da evolucdo social na histéria recente: —a primeira estaria ligada a revolucdo industrial que transformou profundamente, hd dois séculos atras, alguns paises, e afeta ainda hoje outros paises que esto em vias de realizar a mesma revolucao; —a segunda concerne aos paises que atingiram atualmente um alto estagio de desenvolvimento técnico e econdmico. 0 Brasil, por exemplo, seria um pais entre estas duas situacdes extremas (conforme a regio analisada) A revolucdo industrial gerou uma série de mudanas, em particular de ordem técnica e econémica, que transformou profundamente a vida social. Ja fol afirmado, e sem exagero, que 0 grande impulso cientifico que marcou 0 fim do século XVIII e 0 Conjunto do século XIX na histéria da Humanidade foi sem precedentes, Nao foram téo-somente as condicdes materiais da existéncia que se transformaram mas, por extensdo, 0 Conjunto de conceitos filosoficos, ideoldgicos, étnicos e politicos. A fevolucdo foi de tal importancia que os valores culturais mais enraizados, aqueles que durante séculos cimentaram 0 comportamento dos V_) 64 Danda Prada individuos, foram profundamente abaiados e questionados diante da pressdo do que se pode chamar "omundo moderno”, A amila tradicional Avamila, a instituicdo mais "sélida” desde os principios da era crist4, reforcaca em sua antiga forma patriarcal pelas religides ocidentais, conheceu desde ento grandes transformagbes que até hoje no conquistaram unanimidade similar a daquele tipo de sociedade repressiva e autoritaria de ento (Séculos XVIN-XDX), Hoje essas mudancas atingem os paises em vias de desenvolvimento e mesmo as populacdes que viviam totalmente & margem da ‘civilizacdo" branca e ocidental. é preciso no esquecermos que as revolugdes técnicas da producdo ndo se deram de uma hora para outra, nem simultaneamente. Numa grande familia, um fino podia emigrar para a cidade com sua mulher, enquanto seus parentes mantinnam as rigidas tradicGes patriarcais em suas terras de ongem, AA malotia das socledades pré-industrais baseiam-se numra economia essenciaimente agricola e comercial, Sua populardo, caracterizada por alto indice de natalidade e de mortalicade, varia pouco. O que ¢ Familia 65 assim como suas estruturas sociais se mantém estdveis € pouco complexas. O tipo familiar dominante encontrado nessas sociedades foi chamado tradicional, extenso, patriarcal € doméstico, entre outras denominacdes menos difundidas. Nas classes sociais abastadas encontrava-se este grupo vivendo numa s6 grande residéncia, numa propriedade extensa. Nas outras classes, 0s membros de um mesmo grupo familiar ocupavam, na maioria das vezes, casas contiguias. reunindo-se com frequéncia e participando de atividades em comum, Esse tipo de familia era capaz de assumir, tanto em relacdo acs seus proprios membros como em relacdo a sociedade, uma grande diversdade de funcées. - Seu papel também era preponderante do ponto de vista da reproducdo e da educacdo, assim como da religido e da politica - Quanto ao fator econémico, ocupava un lugar determinante pelo fato de transmitir no interior do proprio grupo uma verdadeira divisdo de trabalho que beneficiava o patriménio comum - Essa estrutura extensa era alias condic&o sine qua non para a criacdo ¢ transmissao de bens, titulos e direitos, o que permitia manter e reforcar os lacos intemos. O papel protetor do grupo em reiacdo aos seus membros é salientado com freqdéncia, sendo 66 Danda Praa de relevante importancia nos casos de velhice, caso em que redunda na manutengSo dos lacos com © passado, perpetuando traaigdes incispensavels 4 memoria nsstorica do grupo. As uniées matrimoniais eram decididas pelas respectivas familias, segundo suas conveniéncias. Numa sociedade muito estruturada ¢ limitada a um niimero restrito de camadas socials, a propriedade privada e a posicdo nos grupos familiares dependiam em grande medida dos tacos matrimoniais contratados. Muitas vezes os cénjuges vinham a se conhecer somente no dia do casamento. A paixdo amorosa arriscaria ligacées pouco desejadas pelo grupo familiar, pondo em risco 0 principio da fidelidade, e os interesses pessoais poderiam ultrapassar os interesses do grupo. A castidade da esposa era escrupulosamente protegida a fim de garantir herdeiros legitimos ao marido. Além da virgindade da esposa, tinha-se que levar em conta sua condicdo familiar, a educacdo recebida que deveria prepara-la adequadamente para seus papéis de esposa e mae. A hierarquia familiar era extremamente rigida, apoiava-se nas diferencas mais elementares: biolégicas, de sexo, de idade e geracdo. As mulheres subordinavam-se aos homens, assim como os jovens, aos mais idosos; o homem mais velho era portanto 0 personagem que detinha as mais altas dignidades (status) e a maior autori- O que é Familia dade sobre o resto da familia da qual ele era o patriarca_ Essa familia-padrdo tinha um papel socioeconémico essencial na sociedade pré-industrial. O prestigio social dos individuos decorria ao mesmo tempo de sua origem na sociedade e de sua posico no interior da familia. Suas perspectivas de aco e promocao dependiam fundamentalmente de seu nascimento, sua origem Em algumas sociedades menos complexas, com menor némero de formas institucionais, a familia era as vezes a Unica ou a principal organizacdo intermediaria entre 0 individuo e a instituic&o politica mais alta. A tradicao e os costumes impunham ao individuo dedicacdo a sua familia e ao Cla. 0 grupo familiar de tipo patriarcal retina o individuo ao longo de toda sua vida e intervinha na quase totalidade de suas atividades educativas, profissionais etc. Numa sociedade pré-industrial, € inconcebivel dissociar familia e religio. Tanto no plano social como o individual, tudo o que toca a vida organica da familia conta com 0 apoio e é controlado pela religiao. Em troca, a instituicdo religiosa é sustentada pela familia que Ihe forece apoio insubstituivel, colaborando de forma primordial a transmissdo das crencas, ao cumprimento das praticas religiosas, a aceitac4o das punic¢ées impostas 68 Danda Prado A familia sob 0 controle da religiao, Oque € Familia 69 Desta forma,;a Igreja, que é tanto ou mais tracicionalista que a familia, sacraliza as principals manifestagSes da vida familiar, como 0 nascimento, o casamento, a morte etc, e condena (punindo conforme 6 caso) a interrup¢do da gravidez, 0 divércio, o exercicio da sexualidade livre etc. Toda intracao as normas é sancionada.; Os deuses com frequéncia apresentam um modelo etemo € supremo de familia extensa e patriarcal Aparéncia é realidade Descrevernos acima as caracteristicas gerais da familia tradicional e patriarcal. | Varios autores porém tém duividas sobre a exatido de tal apresentacdo esquematizante. Poderros encontrar na literatura de épocas passadas personagens € situacdes que divergem desse esquema apresentado.! E também filésofos © pensadores que denunciaram conflitos na vida familiar de antanho. Sera que de fato tudo se passava assim da forma descrita nas familias tradicionais antigas? No estariamos diante de uma série de deformacées originadas de uma informacao fragmentada a respeito de €pocas mais ou menos remotas? € preciso também notar que |essas descricdes se referem a cerlas camadas sociais privilegiadas ‘economicamente. J 70 Danda Prado Tendo sido pouco registrada a vida das camadas populares, isso induz um historiador e seus leitores a erros mutto freqlientes de interpretacao da Historia. Assim, a informacdo sociolégica tida como segura € universal pode referir-se somente a algumas pessoas, familias ou setores privilegiados € ndo as classes sociais mais amplas. Andlises desse tipo induzem a erros mesmo se coincidem com 0 modelo cultural adotado pela classe ‘dominante. JA afirmamos anteriormente que nas sociedades antigas, baseadas num sistema patriarcal, algumas familias, aquelas que detinnam 0 poder econdmico, podiam corresponder ao modelo ideal de familia modelo esse propagado pelo grupo economicamente dominante. AS outras organizavam-se em células conjugais e/ou nucleares. Para uma familia patriarcal extensa subsistir era necessario que possuisse um patriménio e este ndo era a caso da grande maioria da populac4o, em sociedades onde as desigualdades sociais eram flagrantes, e onde ainda a maioria de pessoas sé podia contar com sua forca de trabalho para garantir a propria sobrevivéncia. Seria ainda preciso desmistificar a idéia de que as formas familiares do passado teriam sido estaticas.! Ao contrariovielas evoluiram juntamente com os movimentos sociais. i Seria preciso, para tracar as mudancas historicas da familia, conhecer a historia de cada modelo O que é Familia 71 familiar. Assim, por exemplo, tomar uma sociedade no século X, verificar qual o modelo familiar preconizado pelo grupo social dominante naquela época e acompanhar através dos séculos seguintes quais as mudancas constatadas naquele modelo particular. Resumindo,'diriamos que nao se pode falar em HISTORIA da FAMILIA, mas sim em HISTORIA de cada grupo familiar.| AFAMILIA BRASILEIRA CONTEMPORANEA Como ja dissemos, talvez pela primeira vez na Histéria mundial, o mesmo canjunto de influéncias — as forcas sociais da industrializacdo e da urbanizacdo — esteja afetando todas as sociedades conhecidas.) Essa transformacdo se da em ritmos diversos, com avancos € recuos, mas sempre num sé sentido, ou seja, a caminho da generalizacdo do tipo de familia nuclear. Igual tenémeno também pode ser observado no Brasil, Ha uma certa nostalgia de imagens classicas da familia burguesa, a qual em realidade foi numericamente pouco expressiva. Tais imagens refietem mais um modelo idealizado € trazido pelos imigrantes dos diversos paises europeus num passado mais ou menos recente, do que um O que é Familia 73 modelo surgido aqui mesmo em nosso pais. Com os portugueses, vieram para 0 Brasil suas normas juridicas, costumes e tradi¢des relatives & sua vida familiar. Doutra parte, as populacées indigenas mantiveram suas proprias tradicdes, que os missionarios da €poca tentavam converter para habitos cristéos. Por outro lado, havia a populacdo africana importada como escrava. Esta foi brutalmente impedida de manter suas préprias tradig6es, e em relacde as familias naturais (maes e fihos) as decisGes variavam conforme o proprietario da mae/escrava. As normas gerais em vigor modificaram-se através dos tempos. A Lei do Ventre Livre foi o primeiro passo no sentido do reconhecimento do direito da rnde negra ao seu filho, que ndo mais poderia ser negociado. Referimo-nos portanto aqui ao grupo da populacdo brasileira mais amplo, resultante dessa miscigenac4o entre imigrantes europeus brancos (portugueses a principio, holandeses no nordeste, a partir do século XIX 0s italianos, alemdes, orfentais, do Médio Oriente etc), indigenas "civilizados’’ isto é, aqueles que se incorporam as zonas urbanas, e negros libertos Sem divida, (formaram-se alguns nuicleos que reforcam ainda hoje suas tradic¢Ges de origem! (aponeses, sirio-libaneses, por exemplo) mas devem submeter-se a nossa Constituicao e ao nosso Direito em todas as suas jurisdicdes. ) 74 Danda Pradt Apesar de toda essa variedade de origens, pode-se afirmar que existe um consenso em torno a certos modelos familiares. Assim, descrevem-se "aqueles tempos" em que existiria um patriarca, o chefe da familia em todos os sentidos, exercendo autoridade moral e econémica sobre a mulher, os filhos e empregados. Havia uma divisdo de tarefas rigidamente estabelecida entre os miiltiplos membros da familia, divisdo essa que no deixava margem a dlividas nem conflitos pois também eram bem delimitados os direitos e deveres de cada membro da familia para com todos os outros.5 Essa familia-modelo tinha diversas funcGes: fonte de estabilidade econdmica, base religiosa, moral, educacional € profissional Os jovens eram educados para respettar a fidelidade no casamento, e as mocas deviam manter-se virgens até essa data. Uma vez casados, os filhos moravam © mais proximo possivel dos pals com ) As pessoas menos saudosisias. as "progressistas”, véem no presente um avanco, e ndo uma Tegressdo diante desse passado acima descito.i Com frequéncia reconhecem também a existéncia desse esteredtipo, mas descrevem o passado com uma Ul que € Familia 75 — conotacdo emocional diversa. Dizem que progredimos, pois passamos do poder arbitrario dos mais velhos para uma libercade maior para 0s jovens, de casamentos convencionais resultantes de Interesses, de allancas, para uniées baseadas numa escolna afetiva; de barrelras de classe € raca Para um sistema mais aberto de relacionamento interpessoal, da submissdo das mulheres a uma relaco de maior companheirismo na busca de uma relacao mais igualitaria, da repressdo das, ‘emocées das criancas para a compreensdo dos impulsos infantis, © mito da "grande familia unica e de sélidos principios", de antigamente, 6, como a maioria dos estereétipos, fruto de valores idealistas. Quando nos aprofundamos no conhecimento da Histéria social do pais, verificamos que houve um ntimero minimo desses exemplos de familia "tradicional" j Poucas s4o as familias que se mantiveram reunidas por muitas geracdes cur enalobando um arentesco extenso de miltiplos graus. A maioria das casas eram pequenas. Se hoje em dia vemos ainda um certo nlimero de casas antigas muo grandes, é porque essas casas foram provavelmente mais bem construidas, resistindo assim ao tempo. € verdade que 0 divorcio nao existia, mas nao temos nenhuma prova de que a uniao-dos casais era erene, sendo peias aparéncias que mantinham. | Na geracao passada de nossos av6s, eles ja se 76 Danda Prada referiam por sua vez a uma época anterior & deles onde a vida familiar teria sido ainda meihor € os individuos mais responsaveis, Qual a realidade familiar ai uai no Brasil? Néo varia muito de uma camada social para outra 0 IDEAL referents & familia, aos lacos que ai so valorizados (amor entre 0 casal, compreensdo e amizace entre pais e flhos), 0 comportamento esperado entre seus membros (responsabilidade econémica do marido, infra-estrutura doméstica € aietiva pela mulher, obediéncia as ciretivas paternas), e a expeciativa dos papéis Sociais que deverao ser cumpridos por cada um. Forém ha diferencas concretas-entre as familias de diversas classes socials. Por exemplo: a preméncia econdmica impele as classes baixas a uma grande mobilidade geogratica. Tambem entre as novas geracdes a migracao elevada € uma caracteristica de maior parte do nosso pais enve o interior 2 as capitals. O Jovem (a moca) deixa seus pals € val estudar numa cidade maior. Isso aumenta a importancia dos lacos decorrentes de uma mesma origem geogrdifca, reforcados ainda por relagdes O que é Familia 11 de parentesco, mesmo distantes. Os lacos de solidariedace, a expectativa de apoio reciproco, os sistemas de obrigacdo e de lealdade, ligam em grandes blocos os originarios de uma mesma regido ou estado. Nao s4o 0s descendentes da mesma familia que ocupam um conjunto abitacional, masosgruposde "paraibas’. ou de “baianos', "nordestinos”, etc. que ai se sucedem Entre 0 proletariado, encontramos muitas familias nucleares em que 0 casal nao é unido por lacos legais, assim como encontramos tambSm um grande nlimero de familas chefiadas por mulheres, nao somente em virtude da auséncia do mando (maes solteiras, separacao, viuvez) mas tambem porque em certos melos é equente que a muiner trabaine e assuma as fesponsabllidades materials do lar € da familia. Ao contrario dc que se imagina através de idealizacdes, a5 mulheres chefes de familia so comumente encontradas em pequenos povoados, nas regides Suburbanas e, embora em menor escala, representadas também em todas as classes urbanas. Na classe média, 2 familia tende a ser nuclear e, ainda, mergulhada numa vasta rede de parentesco. Na classe alta 2 familia se mantém ainda numa forma mais "extensa" que nas outras. E patriarca quem detém o controle dos meios de producao, do patriménio e da renda familiar e sua autoridade 4 precominante e, na maioria das vezes, indis78 Danda Prade - > cutivel No entanto, em todas as classes, seque-se, ainda que de modo relativo, os padrées patriarcais da familia de ciasse alta. © chamado complexo de virgindade-virlidade marca as posicSes diferentes da mulher e do homem na ofganizaco familiar. ao homem s4o permitidas e valorizadas as aventuras e a infidelidade Conjugal: ja @ mulher (tanto antes quanto depois do casamento) deve manter uma atitude de recato € udor, isso significa um duplo padrao de comportamento. A valorizacdo € 0 significado desse padréo implicam a existéncia de uma subordinacdo especifica da mulher em relaco ao homem que é reforcada pela cultura patriarcal Os parentes tém a funcdo de preservar as relacdes primarias, tomando-as assim um valor cultural fundamental para o individuo, 0 que garante seu entrosamento social em moldes tradicionais. Pode- se dizer que vivernos ainda numa sociedade de primos e ndo numa sociedade de cidadaos, isto é, obtemos ainda maiores vantagens através dos parentes do que da sociedade. As aliancas, as lealdades, criam-se e so desenvolvidas entre parentes consanguineos, ou por afinidade e escolha (compadrio) ou unio. O parentesco se compGe tanto dos descendentes de lina matema como patema. O aumento da importancia dos parentes corresponde a uma diminuic4o do poder patriarcal. Um jovem pode O que € Familia 79 encontrar no "tio que emigrou paraa cidade grande" a orientacaio, o apoio que s6 seu pai Ihe daria outros tempos. Sem, com isso, in‘ringir regras de lealdade familiares. Normas do Direito Civil Brasileiro retativas a familia — 0 Cédigo Civil Brasileiro dita as eis sobre a Familia, sobre proibicGes de uniées matrimoniais entre parentes; sobre os papéis do marido e da esposa na sociedade conjugal: sobre o sistema de filiacao, adocdo etc, de heranca € parentesco.6 Isto no garante que as lels sejam um espelno da realidade. Em geral, ao contrario, as normas do Direito, particularmente no caso daquelas que atingem a familia, vo se ajustando 4 medida que os costumes se modificam, Um exemplo recente e significativo fol o que se deu com relacdo a indissolubilidade do matriménio. Havia a separacdo legal, o desquite, mas este nao dava direito a um novo casamento. Para contornar 0 fato real, isto é, as miltiplas unides de casais que se realizavam fora das leis vigentes no Brasil, criou-se uma legislacao da ‘companheira’. Essa tomou-se necessaria pelos problemas decorrentes dos filhos nascidos dessas unides, das esposas que necessitavam ,de protecdo econémica etc. Hoje, 80 Danda Praa com a lei do divércio, estes confitos foram sanados. Criou-se também hoje um novo consenso em relagdo ao regime de bens entre os cénjuges, para adequar a uma nova realidade que é a da grande instabilidade atual dos casamentos, que s6 tende a aumentar. m realidade, cada familia recorre aos subterfgios que ihe convenham para manter uma aparéncia conforme aos modelos socialmente valorizados. Por tras desta aparéncia existe a adequacao as motivacdes e necessidades de cada indivicuo. Citamos como exemplo um caso ocorrido antes da existéncia do divércio. Um casal adotou legal- mente como filha a companheira do filho (desquitado) Visaram com esta medida permitir que a nora, usando o mesmo sobrenome do marido, aparentasse um casamento convencional Nas camadas menos favorecidas, essas exigéncias existem também, mas em muito menor escala Mantém-se, no entanto, como eventual garantia de ascensdo social. Cada a falta de recursos (econémicos, de advogados, de informacdo etc), o recurso a sutterfigios é mais dificil No entanto, conhecemos varias ocasides em que o mesmo se da. Exemplo classico é a gravidez em menores, decorrente de estupro ou de relacdes sexuais incestuosas, quando é freqente a avé do recém-nascido integra-lo como seu proprio filo a fim de manter a "aparéncia de um tar (O que é Familia 91 bem estruturado, As mulheres evitam recorrer a Justica quando brutalizadas pelos maridos, e isso em todas as classes socials, com esse mesmo objetivo, 6 de resquardar a imagem de uma familia “feliz” Retomando no entanto as leis ditadas pelo Cédigo Civil, constatamos que no Brasil s40 ilegais os casamentos com ascendentes diretos em todos 08 graus € com colaterais de primeiro grau (art. 163) Ainda segundo nosso Cédigo, o marido é considerado o chefe da sociedade conjugal, exercendo sua funcao em colatoracao com a esposa. Ele representa legalmente a familia, administrando seus bens comiuns e fixando 0 domicilio (art. 232), deve prover a manuten¢do da familia (art. 234), mas nao pode dispor dos bens comuns sem o consentimento da esposa (arts. 295 € 299), 0 que limita sua autoridade econdmica legal. Essa limitacdo é compensada porém pela autoridade moral € psicolégica que a Sociedade Ihe atribui. Por isso mesmo a grande maioria das mulheres casadas assina sem ler eas vezes nem sequer compreender todo € qualquer documento que o marido Ihe apresenta. Este, alids, costuma ressentir como falta de confianga da mesma nele qualquer pedido de explicaco sobre os documentos que deve assinar. Com o casamento ainda, a mulher assume geraimente 0 soorenome do marido apesar de a lel dat-Ine a faculdade de ndo tazé-to (art. 240). 82 Danda Prado Ja a mulher nao pode aispor dos bens sem o consentimento do marido (arts. 241 a 246). E pelo art 247 presume-se que tenha autorizacao do marido para comprar, ainda que a crédito, as coisas necessdrias @ economia domestica, para obler empréstimo, para contrair obrigacBes concementes & industria ou a profisso. Como considera-se ainda, segundo 0 art. 248, sempre autorizada pelo marico para exercer cargo pUiblico, ou Se por mais de Seis meses se entregar a profiss4o fora do lar conjugal Nesses do8 ttnos artigos a lel se mostra bem ambigua, pols ao mesmo tempo em que concede um direito 4 mulher, possibilita ao marido exercer seu dominio podendo impedi-la no exercicio de uma protissao ou mesmo no ato de comprar, por exemplo. De acordo com 0 art. 249, compete ainda & mulher a administracdo dos bens do casal quando 0 Marico estwer em lugar remoto ou desconhecido e ainda (art. 250 a 252) quando estiver preso ou |udicialmente impossioilitaco Assim, pela legisiacao, a mulher € subordinada 20 homem: esta subordinago nao é total, princi- palmente co ponto de vista econémico, embora imitada pelo individualismo e subjetividade de cada Maico.;Os elos de Sangue S40 reconnecidos até o Sexto grau. Ha equiparacao entre os Tinos legitimos e legitimados (art 382). A heranca € dividida iqualmente entre homens e mulheres, € O que é Familia 83 — para efeito de heranca reconhecem-se os primos até terceiro grau (aris. 1603 € 1619) Resumindo: as normas de parentesco no Brasil favorecem 0 casamento consanguineo; subordinam a mulher ao homem; reconhecem 0 parentesco entre grande niimero de incividuos.’ A familia indigena brasileira Como ja dissemos, existem no Brasil varios tipos de familias cujas normas ndo so reguladas pelo nosso sistema juridico. S40 as familias indigenas. Elas coexistem conosco e fazem parte da realidade nacional, mas so somente codificadas por usos e cosiumes que variam de um grupo indigena para outro e que tambem evoluem em suas formas através cos tempos, Essas familias também sequem normas e regras precisas que estabelecem suas prioridades, principios e funcées, incluindo punicées aos infratores. AS familias indigenas nao esto submetidas as mesmas leis que os cidadaos brasilelros, escapando portanto ao alcance ca nossa Constituicao bem como ao Cédigo Civil Os contatos com as civersas culturas brasileiras refletem-se a Cada passo em seus costumes. Tam- bém entre os indigenas, os jovens so acusados 84 Danda Prade —s pelos mais idosos de ser menos respeitosos, hoje em dia, as tradicées de seus pais. Obedecem menos, usufruem de maior liberdade, desrespeitam a moral sexual tradicional etc. A nosso ver, uma das razées do interesse da andlise do sistema de familias indigenas reside na observacdo de como evoluem suas estruturas e em quais direcdes, bem como nas possibilidades ou ndo de uma integracao aos usos e costumes da populacdo branca Existem no pais inimeras populacées indigenas, com uma grande diversificacdo em suas estruturas sociais e econémicas. Podemos ainda acrescentar que tem-se verificado entre diversos grupos indigenas uma gradual transformacdo em seus sistemas familiares em familias nucleares. Isto se da cada vez com mais frequiéncia quando o indigena é atraido pelos diversos trabalhos que surgem em sua area, como 0 garimpo por exemplo. Pouco a pouco vem buscar mulher e filhos para viver s6 com ele numa casa individualizada perto do seu local de trabalho, afastando-se assim de sua aldeia e criando novos: habitos de consumo. Modificam-se em consequéncia padrées familiares. © pai passa a ser a Unica fonte de subsisténcia e, uma vez modificados seus costumes tribals, 0 retomno sera cada vez mais dificil, aumentando o ntimero dos que se instalam na periferia das cidades dos "brancos" O que é Familia (A familia negra brasileira 85 A familia negra brasileira contemporanea no apresenta caracteristicas especificas que a distingam das familias brancas, segundo os diferentes extratos sociais. Entretanto, em passado ndo muito remoto e sobretudo nos niicleos negros rurais e litoraneos, destacava-se, € encontramos ainda, a familia matrifocal extensa.7 Essa familia, segundo alguns autores, seria a sobrevivéncia da familia africana que se caracterizaria pela troca objetiva entre as vantagens econémicas oferecidas pelos homens ¢ os servicos sexuais, prestados pelas mulheres, além de conferir aos homens 0 direito de propriedade sobre a prole. Neste tipo de familia haveria também uma certa proeminéncia da poliginia, que significa a relac4o de um homem com varias mulheres, embora fora do casamento, o que a distinguiria da poligamia (onde um homem tem varias esposas legalmente). Outros autores, ainda, afirmam que o aparecimento de uma familia negra, com caracteristicas patriarcais como a maioria das familias, destacava-se pela matrifocalidade e por um poder econé- mico acentuado por parte da mulher adulta. Ainda segundo os mesmos autores, tal situaco seria 0 resultado de trés fatores conjugados: 66 Danda Prado — a) na época da escravido, esta teria separado as mulheres e os homens negros (j4 que 0s contratos do trafego proibiam a inclusao de mais de 1/3 de mulheres em cada lote de escravos): b) os senhores aproveitavam de seu poder para exercer uma exploracao sexual sobre as escravas de sua propriedade, seja em uso proprio ou de seus amigos, seja expiorando-as indiretamente através da prostitui¢ao nas ruas. C) devido a apropriacdo pelos donos de escravos da prole das mulheres negras. Por ocasido da libertacdo parcial, muitos escravos homens dirigiram-se para os centros urbanos procurando exercer af alguma profissdo de artesdo, enquanto as mulheres continuavam nas fazendas e eles acabavam por constituir novos nicleos familiares. Por outro lado, como os negros livres mantinham relacées com as mulheres escravas, isso teria criado uma possivel "radicao" de poliginia que teria reforcado e multiplicado a formacao e a tradico das familias matrifocais entre os negros (isto €, familias que se constituem ao redor de uma mulher € seus filhos € netos). Tals familias constituiriam uma forma de organizacdo bastante funcional, ja que se constituiam na Gnica garantia de subsisténcia e de sobrevivéncia das criancas e dos velhos, como veremos mais adiante. Para Roger Bastide9 "é indubitavel que a O que é Familia 87 (“familia negra urbana seja o produto de um duplo processo de desagregacdo dos modelos africanos; 0 primeiro remontando a promiscuidade sexual da escravidao € 0 segundo a debandada que se seguiu a emancipacdo e que levou o negro a viver nas cidades longe do controle de qualquer grupo social" Mas a existéncia dessas familias negras matri-{oca is extensas néo seria o resultado de uma "desorganizacdo social’ como se poderia crer numa primeira analise, salvo se admitirmos que a familia nuclear e patriarcal (modelo das classes dominantes) seja 0 tinico modelo valido. Embora haja uma tendéncia generalizada em considerar a familia dita incompleta como indicio dessa "desorganizacdo social’, a realidade é que ela também poce ser vista e compreencida como um modelo cuttural em certos meios sociais € em certas épocas, Estas familas correspondem na realidade a organizacées bastante funcionais dentro de deter- minados contextos, como por exemplo, e atualmente, o dos meios pobres e rurais ou Iilordneos € o do subproletariado urbano em que a nocéio do casamento legal e/ou religioso no é um valor em si, mas representa um valor de classe e uma possibilidade de ascensdo social. Nos paises do Terceiro Mundo, também chamados de paises subdesenvolvidos ou ainda "em vias de desenvolvimento”, predomina o desemprego e 88 Danda Prado a instabilidade masculina (geogratica, afetiva e sexual). Nesse contexto as familias matrifocais tuncionam como espécies de cooperativas entre seus membros, ou "rede de ajtida miitua’, capaz, bem ou mal, de remediara auséncia de responsabilidade familiar dos homens € de atenuar também as deficiéncias da infra-estrutura social do sistema capitalista. No entanto os lares matrifocais tm via de regra um nivel de vida econémico foccosamente inferior a0 das familias nucleares, visto que nos primeiros sao as mulheres as verdadeiras chefes de familia Elas nao so ganham salaries inferiores aos masculinos como tambem tém menores possibilidades € menor capacitacao protissional ou acesso a carreiras, além de nesses lares pouco ou nada se contar com a participacdo econémica masculina. Para Maria Isaura Pereira de Queiroz, as unies consensuals que dao origem aos niicieos matrirocais seriam um género de uniao consttuindo uma “poligamia sucessiva", onde a mae é a referéncia e o sustento principal. Reyendo certos conceitos, tais como 0s de marginalidade, de norma e de desorganizacdo social poderemos entender meinor o sentido das familias mavifocais. Sempre, segundo Roger Bastide, pode-se falar em "marginalidade cuttural quando individuos ou grupos possuem uma heranca cultural dupla O que € Familia 89 - endo aderem a nenhuma das duas", o que seria tipicamente 0 caso dos negros que, tendo assimi- lado pela retransmissao oral usos, costumes crencas dos escravos seus antepassados, tiveram de adauirir em seguida e empregar paralelamente usos, crengas € costumes de uma sociedace branca, ‘ocidental e dominante na qual estavam inseridos. Por isso, afirma-se com freqlléncia que qualquer tipo de familia fora do modelo nuclear seria "anormal", visto ser ele 0 modelo majortario, valorizado e dominante em nossa sociedade, Isso porém no nos permite afirmar que a familia matrifocal extensa corresponda a uma "desorganizacdo social’, pois tal organizacdo ainda que minoritaria possul fungSes especificas, sendo fruto dé numerosos fatores como vimos anteriormente. Um grupo mais extenso que a familia nuclear tem por papel nao so compensara instatilidade do Marido ou concubino, conforme ja mencionamos, como também permit o estadelecimento de uma ordem iegitima sem perigo de destruir a organizacdo social e econmica de um grupo ou de uma localidade. » Para varios autores8, a familia negra é uma instituic2o derivada, estabelecida sob a forma de cooperativa econémica na qual entram, em certas épocas da vida, aqueles que j4 nao podem mais atender suas necessidades. Assim, é ai que virdo se refugiar os homens 90 Danda Prado em.caso de desemprego, doenca ou aposentadoria; é ai onde os fihos naturais encontrardo abrigo € alimento, e é ai ainda onde as mulheres mais jovens poderdo encontrar o apoio e a solidariedade do grupo familar feminino ao estabelecerem suas primeiras uniSes consensuais. Assim como pedemos encontrar familias negras na burguesia brasileira vivendo uma estrutura uclear tradicional, pois quanto mais se identificam com os valores da classe dominante mais assumem seus pacrdes de comportamento, encontramos 6 tipo de familia matrifocal entre a populacdo negra Aimar entretanto que somente as familias negras sao matrifocais e extensas, ou que todas elas 0 so, seria um erro, pois no seio de grupos ndo-negros onde a pobreza é similar e onde o impacto da economia dominan‘e cria a falta de oportunidades de emprego e de carreira para homens e mulheres

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