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Brasil2013 NUSO - Bringel - Pleyers
Brasil2013 NUSO - Bringel - Pleyers
ABSTRACT
Sejam de direita ou de esquerda, as mobilizações que sacudiram o Brasil em 2013 e 2015 compartilham
algumas formas de expressão, ação e organização comuns a muitos movimentos contemporâneos. Estão
associadas a uma nova «geopolítica da indignação global». O artigo analisa a fundo as manifestações,
deixando de lado as leituras nuançadas da mídia e da academia. Argumenta que as mobilizações
massivas de Junho de 2013 produziram uma abertura societária no Brasil. Emergiram novos espaços
e atores que levaram a um aumento da conflitualidade no espaço público e a um questionamento
dos códigos, sujeitos e ações tradicionais que primaram no país durante as últimas duas décadas.
As mobilizações de massa são menos controladas por organizações sociais e políticas, difundidas e
reproduzidas de forma viral, sob uma lógica que abre um maior espaço para os indivíduos.
Pleyers, Geoffrey ; Bringel. Junho de 2013… dois anos depois: polarização, impactos e reconfiguração do
ativismo no Brasil. In: Nova Sociedade, Vol. 2015, no.(2), p. 4-17 (2015) http://hdl.handle.net/2078.1/172074
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concorrem na academia, nos meios Por outro lado, o segundo campo de in-
de comunicação e entre os atores po- terpretações compreende que 2013 em
líticos e sociais. Um primeiro tipo de si nunca teve um potencial profunda-
interpretações vincula as manifesta- mente transformador da sociedade e da
ções de junho de 2013 mais à esquerda política brasileira que, de fato, teria se
(seja a uma visão de aprofundamento modificado bastante na última década
democrático ou a uma ruptura de ca- – dentro das (di)visões políticas e dos
rácter mais radical) e as mobilizações horizontes normativos, alguns diriam
de rua de 2015 à direita (e, consequen- que para bem, e outros para mal. Con-
temente, a uma guinada autoritária e verge com a leitura anterior o entendi-
antidemocrática). Uma segunda visão, mento de Junho como uma «explo-
enraizada em uma gama muito diver- são», conquanto os protestos de 2013
sa – e inclusive contraposta – de a(u) sejam vistos como mero grito e estron-
tores, entende que as mobilizações de do. 2015 corresponderia à polarização,
dois anos atrás, a despeito de seu ca- acentuada pelo cenário eleitoral de
rácter massivo, não passaram de um 2014. Espontaneísmo e fragmentação
epifenômeno. são palavras-chave destas leituras.
esquerda) sejam vistas, para alguns em alguns casos, como «mal menor».
ativistas e para boa parte da sociedade, A vitória apertada de Dilma gerou um
como caducas, pouco capazes de tra- clima de instabilidade que foi alimen-
duzir e canalizar seus objetivos, expec- tado constantemente por setores da
tativas e inquietações. Um dos motivos oposição. No calor da disputa presi-
principais disso é a associação direta dencial, não foram poucos os analis-
entre «ideologia» e grupos e ideologias tas que associaram a perda de votos
políticas específicas (sejam partidos ou do pt com as manifestações de 2013.
o «comunismo» o «socialismo» ou o Embora possa haver, de fato, algumas
«liberalismo»). Neste momento, já não relações entre protesto e voto, não se
há manifestações massivas nas ruas e pode estabelecer ilação direta e uma
nas praças, mas seguem ocorrendo vá- causalidade sem maiores cuidados
rias mobilizações mais pontuais, bem analíticos. Além disso, o maior pro-
como uma reorganização mais invisí- blema é que as leituras hegemônicas
vel dos indivíduos, das redes e dos co- sobre os impactos das manifestações
letivos. A confluência no mesmo espa- de 2013 acabaram restringindo os efei-
ço público é paulatinamente deslocada tos ao campo político-institucional e
a convocatórias com objetivos e recor- político-eleitoral. Nesta chave, muito
tes mais definidos. Embora boa parte orientada por uma «política de resul-
destas ações não se dirigisse ao campo tados», haveria outcomes políticos cla-
político-institucional e político-eleito- ramente mensuráveis, se olharmos,
ral, que possui lógicas e temporalida- por exemplo, para como as demandas
des diferentes do campo da mobiliza- formuladas nas mobilizações foram
ção social, o cenário pré-eleitoral de recebidas (ou ignoradas) pelo sistema
meados de 2014 rumo à contenda pre- político. Pensemos em políticas públi-
sidencial acabou abrindo um novo mo- cas concretas, na inserção de novas
mento de acirramento das polarizações que pautas nas agendas governamentais,
absorveu boa parte dos atores sociais e na criação de novos espaços canais de
políticos ao longo de 2015. mediação e/ou de participação, e na
conquista real – mesmo que transitó-
■■Para além da «política ria ou parcial – de algumas das reivin-
de resultados»: dicações mais simbólicas, tais como o
a multidimensionalidade preço das passagens de ônibus.
dos impactos das mobilizações
Já no tocante ao cenário eleitoral, a
Apesar das críticas formuladas ao pt conturbada disputa presidencial de
em particular e aos partidos políticos 2014 pode ilustrar alguns elementos.
em geral, as eleições presidenciais de Em primeiro lugar, torna-se impor-
2014 mobilizaram massivamente os tante diferenciar as tentativas de apro-
brasileiros, inclusive para defendêlos, priação de algumas das pautas das
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Breno Bringel / Geoffrey Pleyers
manifestações por certos candidatos resultados destas eleições foi muito me-
(caso de Marina da Silva e seu discur- nor do que a do «movimento de maio»,
so de uma «nova política» recheada um movimento cultural que transfor-
de «velhas» práticas) e partidos polí- mou a França12 e influenciou movimen-
ticos descolados dos setores mobili- tos de várias partes do mundo.
zados daqueles processos em que há
uma relação histórica ou alianças táti- Estas perspectivas político-institucio-
cas e estratégicas entre grupos sociais nais e político-eleitorais, preponde-
e políticos (caso do pt – como parti- rantes tanto nas correntes mainstream
do e não como governo –, visto em sua da ciência política brasileira como no
heterogeneidade interna, e de outros campo governista, restringem a visão
menores à esquerda). Em segundo lu- da política e do político e ignoram ou-
gar, é interessante notar como o «dis- tro tipo de resultados, impactos e ce-
curso do «medo» foi mobilizado elei- nários possíveis. Argumentamos, de
toralmente para opor «direita» versus maneira inversa, que um olhar am-
«esquerda», restringindo esta última, pliado e multidimensional para os im-
no discurso governamental, ao campo pactos é fundamental, pois nem todos
governista, o que traz como consequ- os desdobramentos das mobilizações
ência a contenção às possibilidades de de junho de 2013 são facilmente men-
mudança que emergiram no país. Fi- suráveis. Ao menos outros dois tipos
nalmente, cabe frisar as limitações, no de impactos devem ser considerados:
médio e longo prazo, dos próprios re- sociais e culturais.
sultados eleitorais para o entendimen-
Dentre os impactos sociais, podem-
to das transformações societárias que
se destacar dois principais: a reconfi-
vivemos. Se, por um lado, a criação de
guração dos grupos sociais e a geração
uma fronteira rígida entre amigos/ini-
de novos enquadramentos sociopolíticos.
migos por parte do governismo serviu
No primeiro caso, as mobilizações re-
para tentar frear (e às vezes deslegiti-
centes serviram para chacoalhar as
mar) as forças à esquerda, por outro,
posições, visões e correlações de for-
os desfechos eleitorais não invalidam
ças entre partidos, sindicatos, movi-
as mobilizações sociais e não neces-
mentos socais, ong e outras coletivi-
sariamente pressagiam sua perda de
dades. Embora ainda seja cedo para
influência. Lembre-se que na Fran-
afirmar o alcance e o efeito disso, al-
ça pós-Maio de 1968 as eleições na-
guns atores se realinharam ou ainda
cionais de junho deram uma ampla
buscam fazê-lo (em alguns casos, sem
vitória eleitoral para a direita. Ape-
saber muito bem como), enquanto ou-
sar disso (curiosamente este fato é
tros têm problematizado sua própria
hoje escassamente lembrado), poucos
podem negar que, em um horizonte 12. Luc Boltanski e Eve Chiappello: Le nouvel
temporal ampliado, o impacto dos esprit du capitalism, Gallimard, Paris, 1999.
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Junho de 2013… dois anos depois
entanto, não podemos cometer o erro maior espaço para indivíduos16. Além
de, tendo em vista os interesses golpis- disso, os principais atores, mais es-
tas e midiáticos, nos restringirmos, de truturados, que até pouco tempo deti-
forma isolada, somente a este tipo de nham praticamente com exclusividade
movimentos que não são únicos nem o papel de formação e de socialização
hegemônicos e, em última instância, política no Brasil (sindicatos, parti-
são parte de um confronto político mais dos e, inclusive, determinados movi-
amplo, inclusive sobre os rumos do mentos sociais, principalmente o es-
progressismo no país. tudantil) estão sendo deslocados como
instâncias centrais da socialização mi-
■■Reconfigurações do ativismo litante. Vários fatores influenciam nes-
no Brasil (e no mundo): sentidos, ta mudança, tais como o descrédito dos
tendências e ambivalências partidos tradicionais e das organiza-
ções hierárquicas e verticais, a dimi-
Sejam de direita ou de esquerda, as nuição do trabalho de base realizado
mobilizações recentes no Brasil com- junto às comunidades e os territórios
partilham algumas formas de expres- e a rejeição à delimitação organizativa
são, de ação e de organização que são muito estrita com fronteiras bem defi-
comuns a muitos movimentos contem- nidas para a entrada e a saída em uma
porâneos. Isso quer dizer que, a despei- organização. Nesta lógica, os processos
to das especificidades locais e nacio- de engajamento militante tendem a se
nais, as mobilizações de 2013 e de 2015 transformar, com destaque para a in-
no Brasil estão associadas, no espaço, a serção em pequenas coletividades, re-
uma nova «geopolítica da indignação des e grupos de afinidades. A amizade,
global»15 e, no tempo, a uma ruptura as emoções e as proximidades, mesmo
com ciclos políticos, sujeitos, práticas que circunstanciais, animam os rumos
e concepções prévias. Pode-se falar de a serem tomados.
uma reconfiguração do ativismo no
Brasil que afeta os atores, as práticas,
15. B. Bringel e Jose M. Domingues: Global Mo-
as formas de mediação, a expressivi- dernity and Social Contestation, Sage, London-
dade e suas matrizes discursivas e vi- New Delhi, 2015; B. Bringel: «Le Brésil et la
géopolitique de l’indignation», cit.; B. Bringel
sões de mundo.
e P. Pleyers: «OpenMovements: Social Move-
ments, Global Outlooks and Public Sociolo-
Em termos de atores, pode-se destacar gists» em Open Movements, 16/3/2015, <www.
opendemocracy.net/breno-bringel-geoffrey
um maior descentramento dos sujeitos -pleyers/openmovements-social-movements-
e das organizações. As mobilizações de global-outlooks-and-public-sociologist>.
16. Danilo Martuccelli: La société singulariste,
massa passaram a ser menos controla- Armand Colin, Paris, 2010; Jose M. Domin-
das por organizações sociais e políticas gues: «Las movilizaciones de junio de 2013»
em osal Nº 34, 2013, pp. 63-75; G. Pleyers: Alter-
e são difundidas e reproduzidas de for- Globalization. Becoming Actors in the Global Age,
ma viral, sob uma lógica que abre um Polity, Cambridge, 2010.
15 Nueva Sociedad especial em português 2015
Junho de 2013… dois anos depois
entendidas aqui no sentido dado por tos-chave de uma atitude e uma per-
Eder Sader décadas atrás, tem se orien- formatividade do mundo vindouro.
tado a duas tendências chamativas. A Já a segunda tendência está marcada
primeira delas é a de um discurso da pela ênfase do que podemos denomi-
urgência da ação que, mesmo sendo nar como «política dos eventos». Sob a
capaz de pensar o presente e mobilizar marca da urgência da ação, é realizada
para causas, campanhas e interven- e convocada uma infinidade de atos e
ções imediatas, não parece se projetar eventos que não necessariamente ge-
para a construção de uma utopia de ram acúmulo social. Eis aqui um desa-
um futuro ideal. De todo modo, po- fio central, pois a adoção de uma lente
der-se-ia argumentar, a despeito das analítica processual, como a aqui suge-
possíveis contradições, que, no caso rida, enfrenta-se com o movimento em
dos atores emergentes, a construção de movimento, com os atos mais visíveis
um horizonte porvir encontra-se nas prá- obscurecendo aqueles mais subterrâ-
ticas e não nos discursos, materializada neos e com um processo político trun-
em um ativismo pré-figurativo que cado e escorregadio, onde nem sempre
busca construir o mundo que quere- os eventos se concatenam claramente e
mos a partir do espaço que habitamos. cuja permanência no tempo é incerta.
Neste sentido, o compromisso pessoal Junho é mais longo e mais complexo do
e a coerência aparecem como elemen- que prevíamos em 2013.
REVISTA BRASILEIRA
DE CIÊNCIAS
SOCIAIS
RBCS
Junho de 2015 San Pablo Vol. 30 No 88
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