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MÚSICA

Crítica/CD/"Schubert Late Piano Sonatas"

Pianista norueguês evidencia o discurso melódico


de Schubert
Em álbum duplo, Leif Ove Andsnes executa as sonatas do
compositor austríaco

IRINEU FRANCO PERPETUO


COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Ele nasceu na Noruega, tem 38 anos de idade e já está plenamente


consolidado como um dos maiores pianistas da atualidade. Vale bem a
pena ir atrás de "Schubert Late Piano Sonatas", coletânea de Leif Ove
Andsnes.
Não se trata de uma daquelas coletâneas caça-níqueis, cheias de faixas
curtas, melosas e fáceis de ouvir e esquecer. O disco duplo reúne
quatro sonatas para piano (D. 850, D. 958, D.
959 e D. 960) do vienense Franz Schubert (1797-1828), que Andsnes
gravara em discos distintos, entre 2001 e 2006.
Embora tenham 180 anos de idade, as sonatas para piano solo de
Schubert demoraram bastante para entrar no repertório.
O compositor não era um pianista de concerto, e o virtuosismo
constitui antes exceção do que regra em suas obras.
A falta de exuberância virtuosística não se traduz, contudo, em
facilidade. Pelo contrário: além de difíceis de tocar, durante muito
tempo, foram vistas como excessivamente longas e áridas,
afugentando os intérpretes. Foi o visionário pianista austríaco Arthur
Schnabel (1882-1951), que, na década de 1930, fez as gravações
pioneiras.
Quem ouviu Leif Ove Andsnes nos recitais que deu por aqui, no final
de setembro, já sabe de sua assombrosa capacidade técnica – não, ele
nunca trapaceia, nem usa truques de pedal, e toca sempre todas as
notas, por mais "cabeluda" que seja a escrita.
Por outro lado, seus tempos tendem mais para impulsionar o discurso
musical do que para retardá-lo. Assim, sempre haverá, nos
movimentos lentos, quem torça o nariz para Andsnes, preferindo
leituras mais estáticas e contemplativas.
Questão de gosto. O que não dá para negar é que, nas passagens
líricas, o pianista (talvez por seu hábito de trabalhar constantemente
com cantores) possui habilidade para salientar o melodismo do
compositor austríaco. Com Andsnes, o piano de Schubert canta, o que
não é dizer pouco do senso de estilo do pianista.

SCHUBERT LATE PIANO SONATAS


Artista: Leif Ove Andsnes
Selo: EMI
Quanto: R$ 49 (o CD duplo, em média)
Avaliação: ótimo

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2611200814.htm

MÚSICA

Crítica/ópera/"Sansão e Dalila"

Encenação ressalta "força das fraquezas" de


Saint-Saëns
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Há mais coisas no céu e no palco, decerto, do que sonha nossa vã


filosofia. São tantos símbolos, ironias e alegorias nesta montagem de
"Sansão e Dalila", que nós, filisteus, provavelmente deixamos passar
alguma verdade, se não a verdade.
Dirigida por André Heller-Lopes e regida por Jamil Maluf, a ópera de
Saint-Saëns recebe aqui uma encenação que ao mesmo tempo atualiza
e distancia as referências, misturando eras com facilidade análoga à do
próprio compositor.
Nisso está sua virtude; nisso está sua fraqueza. Desde sempre Saint-
Saëns foi admirado pela facilidade para escrever em qualquer estilo e
criticado pela dificuldade de encontrar, afinal, um registro
inteiramente seu. Mestre do contraponto, como fica claro nesta ópera,
por exemplo, nos momentos virtuosísticos do coro -o excelente Coral
Lírico, superpovoando a cena-, ele se esforça para criar um estilo que
combine a monumentalidade da Grande Ópera francesa com os
rigores formais da escola classicista (à maneira de Brahms) e técnicas
de transformação motívica (à maneira de Liszt).
O resultado soa muitas vezes teatral, no mau sentido, seja porque a
coerência interna da música acaba escondida, seja porque vem à tona
como exercício, no limite do pedante.
Quem melhor definiu seu dilema foi o compositor Berlioz, para quem
o jovem Saint-Saëns já sofria de "falta de inexperiência". Toda essa
carga ganha representação na montagem de Heller-Lopes, com
cenários de Hélio Eichbauer.
Os hebreus e filisteus bíblicos aparecem em cena com estilização de
fins do século 19, combinada a toques orientalistas, numa ambiência
que também põe em jogo nosso próprio misturado gosto. Grandes
"tableaux" fazem pensar nas cenas neoclássicas de pintores como
Ingres e David; mas também em Dolce & Gabbana.
O cordão enrolado no braço dos judeus ortodoxos é de um vermelho
fosforescente -e vermelho é a cor crucial, do começo ao fim. Mais
tarde, no terceiro ato, Sansão, "sem olhos em Gaza", surgirá em cena
contra o balé desses cordões fosforescendo, no limite do cômico.
(Depois vem o balé, propriamente, no limite do sério, durante o
famoso episódio orquestral, melhor momento da OSM.) Mais
impactantes são os globos oculares projetados no espaço, ecoados
pelos dois grandes globos prateados do templo. Sinais dessa ordem se
multiplicam do começo ao fim.
A encenação rígida também é pródiga de sinais. Raramente escapa de
uma linguagem engessada, o que faz sentido neste contexto, mas não
deixa de ser uma pena, especialmente com cantores tão bons como a
meio-soprano Denise de Freitas (Dalila), o tenor Marcello Vannucci
(Sansão) e o barítono Leonardo Neiva (Sumo Sacerdote). O trio está
cantando com segurança e engajamento -tudo o que falta num simples
beijo ou abraço, para não falar das cenas mais sensuais. Cantam como
entidades; beijam como bonecos.
O final é um anticlímax: colunas de brinquedo, desabando sob música
vazia. Não deixa de ser um comentário auto-irônico às ruínas da arte
de Saint-Saëns, que seguem caindo sobre todos nós com toda a força
de suas fraquezas.

SANSÃO E DALILA
Quando: hoje e sex., às 20h30, e dom., às 17h
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nº; tel. 0/xx/11/3397-0327)
Quanto: de R$ 20 a R$ 40
Classificação: não indicado a menores de 5 anos
Avaliação: bom

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2611200815.htm

MEMÓRIA

Morre aos 60 regente inglês Richard Hickox


DA REPORTAGEM LOCAL

Morreu no domingo, em Cardiff, aos 60 anos, o regente britânico


Richard Hickox, vítima de um ataque cardíaco. Ele foi um dos mais
prolíficos maestros de seu país, chegando a gravar mais de 300 discos
com suas récitas.
Hickox ensaiava atualmente uma produção de "Riders to the Sea", de
Ralph Vaughan Williams, que estréia amanhã, em Londres, sob
regência de seu substituto, o músico Edward Gardner.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2611200822.htm

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