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Curso de Graduação de Medicina

Disciplina de Psiquiatria
Reabilitação Psicossocial
Questionamento da psiquiatria como ciência
 Questionamento de difusa e equivocada idéia da “cientificidade”.
 Científico é tudo aquilo que se exprime com as categorias do
quantitativo , que se refere a modelos claros e distintos e que exclui a
subjetividade.
 Ciência deveria ser acima de tudo um método para observar os
fenômenos, para estabelecer relações entre esses e não um atalho para
tornar mais descritível a realidade.
 Psiquiatria como discurso da medicina (biomedicina). Libertou-se na
declaração, mas não nos fatos da sua equivocada vocação para o controle
duro e desumano dos “loucos nas correntes”.
 Houve um enriquecimento na qualidade de vida dos pacientes?
Complexidade de contribuições
 David Cooper e Ronald Laing (Inglaterra)
 Michel Foucault, Deleuze, Felix Guattari e Robert Castel
(França)
 Thomaz Szass (Estados Unidos)
 Franco Basaglia (Itália)
Reabilitação como ruptura do entretenimento
 Hipótese central: principal característica da Psiquiatria é ser
um “entretenimento” do doente ou danosos, ou indiferentes,
raramente úteis.
 Ambivalência do termo: “ter dentro” e “passar
prazerosamente o tempo”.
 Objetivo da reabilitação: quebra do entretenimento com a
construção de ações dotadas de maior eficácia transformadora
da vida do paciente.
 Operar micro rupturas de fontes de recursos e modos de
operar que confluam para a reconstrução da cidadania do
paciente psiquiátrico..
 A cidadania do paciente psiquiátrico é a construção afetiva,
relacional, material, habitacional e produtiva.
Interesse pela Reabilitação Psicossocial
 A partir dos anos 60, em todo o mundo, diminui a população de pacientes
internados nos hospitais psiquiátricos por diversas causas:
 Na Itália pela crítica à instituição psiquiátrica.
 Redução de 80% da população manicomial nos Estados Unidos como
consequência dos movimentos pelos direitos civis associado as políticas
sanitárias que tinham o objetivo de reduzir a despesa com hospitais
psiquiátricos.
 Na Inglaterra cruzam-se argumentos de natureza ecônomica e motivos de
natureza técnica (confirmação que o hospital psiquiátrico é um lugar com
baixo potencial terapêutico).
 O que é certo, é que uma grande massa de pacientes psiquiátricos
abandonada,mas não mais contida e vigiada, faz surgir problemas
gigantescos às famílias de origem, às autoridades sanitárias, à
coletividade.
Desospitalização e desinstitucionalização
 A interrupção do controle duro e visível do manicômio e de sua oferta de
soluções simplificadas às necessidades habitacionais e de necessidade
cotidiana, determinam outras respostas
 Organização na lógica do abandono.
 Organização em torno da contenção extramural
 Lógica da reconstrução da cidadania plena.
 Desospitalização: transferência de multidões de pacientes do abandono
manicomial ao abandono extramanicomial.
 Desinstitucionalização: superação das condições de dependência dos
pacientes psiquiátricos das instituições de psiquiatria, hospitalares ou não
e dos automatismos invalidantes que caracterizam o círculo vicioso
doença/resposta invalidante à doença.
Reabilitação e o Hospital Psiquiátrico
 Não é possível pensar em Reabilitação em psiquiatria sem levar em conta
o hospital psiquiátrico, lugar vigente da reprodução da doença e da
psiquiatria.
 Franco Rotelli: o manicômio é o lugar da troca zero. Lugar destinado a
zerar a troca, a expropiar ao máximo.
 Função paterna e patronal do manicômio.
 Com o crescer paralelo da presumida cientificidade da psiquiatria, vemos
prevalecer a miséria e o abandono, ou seja, a função patronal.
 A crítica do manicômio como lugar desumano e antiterapêutico, se não se
assume que tais conotações não são só do manicômio, mas da ideologia
psiquiátrica (do qual o manicômio é o produto) se traduzirá em outros
cenáriso para o exercício da mesma ideologia psiquiátrica
Campo da Reabilitação
 A cronificação e o empobrecimento do psicótico são
resultados não necessariamente intrínsecos à doença,
mas a uma constelação de variáveis que podem ser
modificadas e orientadas no processo de intervenção.
 Na maioria das vezes são ligadas aos contextos
microssociais da família e da comunidade.
 Ir além das intervenções extramuro farmacológicas e
psicoterápicas.
 Intervenção sobre a psicose tem sentido quando atua
por “todo o campo” das variáveis que constituem os
fatores de risco e de proteção.
Crítica ao Manicômio
 Reconhecimento do manicômio com deserto ético e material.
 O louco do Basaglia é antes de tudo um sujeito social
condenado a uma progressiva perda da contratualidade não só
afetiva, mas social, econômica e civil.
 Aquilo do que se necessita é a reconstrução de nexos sociais,
da contratualidade, do acesso às mercadorias e às trocas.
 Seja benvindo o desaparecimento do manicômio, mas
também possibilitar transformar a vida do psicótico em um
cenário sem vida em outro cenário, dotado de vida.
As variáveis reais: sujeitos, contextos, serviços,
recursos.
 Descolagem entre realidade e modelos.
 Quais as variáveis que realmente desempenham um papel
determinante sobre os sucessos ?
 As variáveis diagnósticas ou psicopatológicas são
secundárias para o resultado do processo reabilitativo,
enquanto as variáveis sociais e situacionais têm um peso
comparavelmente mais importante.
 Como entrar em relação com as variáveis reais que mudam as
vidas reais das pessoas reais.
 Necessidade de pensar sobre as vidas reais dos pacientes e
sobre as vidas reais dos serviços.
O paciente, o diagnóstico e o contexto.
 Qual é o olhar necessário para coletar necessidades, demandas e
possibilidades do paciente.
 Realidade mais conectada à vida da paciente do que à sua doença.
 Olhar para interações operativas – entre pacientes e outros, entre
pacientes e vida material, entre pacientes e as respostas que ele recebe,
entre pacientes e lugares.
 Intervenções para que o sujeito possa exercitar cada vez mais “escolhas”.
 Intervenções sem hierarquia: a escuta, a solidariedade, a afetividade, a
possibilidade de modificar o contexto material da vida cotidiana do
paciente, a possibilidade de favorecer trocas afetivas entre pacientes e
outros.
 Justificativa para a construção da cidadania: escolha ética e técnica.
 Somente o cidadão pleno poderá exercitar as suas trocas e com essas,
trocar também a loucura.
Integração interna
 Integração interna.
 Alguns serviços se organizam de maneira a consumir o
mínimo de afetividade e de conhecimento: trabalha-se pouco,
arrisca-se pouco e pensa-se pouco, adotando um pensamento
pré-pensado e pronto para o uso.
 Integração interna de um serviço é a adoção de um estilo de
trabalho com alto consumo afetivo, intelectual e organizativo,
onde os recursos encontram-se permanentemente disponíveis,
as competências flexíveis e a organização orientada às
necessidades do paciente e não as do serviço.
O serviço, seu contexto e os recursos.
 Um serviço de alta qualidade é um serviço que se ocupa de
todos os pacientes que a ele se referem e que oferece
reabilitação a todos os pacientes que dele podem se
beneficiar.
 Características de um bom serviço, a “flexibilidade” e a
“diversificação” ao contrário de um serviço como produtor de
uma oferta fechada a qual o paciente deve se adaptar, sob
pena de expulsão.
 Bom serviço é um serviço com alta integração interna e
externa, ou seja, um serviço onde a permeabilidade dos
saberes e dos recursos prevalece sobre a separação dos
mesmos.
Integração externa
 O muro do manicômio a ser demolido é qualquer muro que
impeça de ver (e usar) outros saberes e outros recursos.
 A comunidade na qual se encontra o serviço é uma fonte
inesgotável de recursos existentes e potenciais, tanto
humanos como materiais.
 A comunidade é uma realidade complexa e que exprime
interesses contrastantes e eu me coloco como interlocutor,
continuamente gerando alianças e conflitos.
A família
 A família do paciente é parte da comunidade e o serviço pode escolher as
estratégias mais diferentes, desde a negação até o conflito permanente.
 A história da psiquiatria tem sido também a história das atitudes da psiquiatria em
relação à família do paciente.
 No velho manicômio, a família era cúmplice designada para a internação do
paciente identificado. A família era grata à instituição por se ver aliviada do
problema ea instituição se auto-reproduzia também graças a essa gratidão.
 A medida que a psiquiatria não pode mais sequestrar impunemente por toda uma
vida o paciente no manicômio, mas deve se ocupar também do “fora”, parece
sedutora a culpabilização da família e o consequente abandono do paciente para a
família culpada.
 Por fim, a família passou a condição de protagonista que produz consenso e/ou
dissenso.. A própria família pode ser protagonista das estratégias de cuidado e de
reabilitação, mas também as famílias como sujeitos sociais coletivos podem ser
protagonistas e aliados conflitivos das estratégias abrangentes dos serviços.
O conflito
 O hospital psiquiátrico é um dispositivo eficiente para
silenciar o conflito gerado pelo paciente (na família, na
comunidade e no interior do hospital) e ao mesmo tempo o
gerado pela comunidade e pela família do paciente: conflitos
que dizem respeito a interesses diversos e frequentemente
contrastantes.
 A desintitucionaliação é também liberação e escuta do
conflito (dos interesses contrastantes).
 Enfim, a psiquiatria não mais em consenso com a família e
comunidade, mas desafiada a “negociar” entre interesses
diversos, para garantir não mais a ausência do conflito, mas o
seu governo.
Modelo trifásico da esquizofrenia de Ciompi
 Na primeira fase uma combinação de fatores biológicos (danos pré-natais
e/ou fatores genéticos desfavoráveis) e fatores psicossociais (condições
sociais desfavoráveis) podem determinar uma estrutura vulnerável da
personalidade.
 A segunda fase se inicia com a descompensação psicótica aguda
influenciada por fatores psicossociais estressantes.
 Em muitos casos, após o primeiro episódio psicótico segue-se uma
permanente fase de remissão, enquanto que, em outros casos, desenvolve-
se uma terceira fase de longa evolução da doença.
 A terceira fase é fortemente influenciada pelas respostas que o paciente
recebe do contexto: a prolongada hospitalização, uma rede social
inadequada, a estigmatização e a marginalização, a ausência de programas
reabilitativos são todos fatores que agravam a condição inicial da
vulnerabilidade.
Mudança de paradigma do biomédico para o
psicossocial
 Podemos dizer que a separação da saúde mental e psiquiatria gera na comunidade
uma espécie de “fobia da doença”e na psiquiatria uma espécie de “fobia da
normalidade”.
 Passar de uma abordagem biomédica para uma psicossocial obriga a mudanças
importantes:
 Na formulação de políticas de saúde mental
 Na formulação e no financiamento de programas de saúde mental.
 Na prática cotidiana dos serviços.
 No status social dos médicos
 No reconhecimento da importância do papel e dos direitos dos usuários e das
famílias.
 O reconhecimento da importância da comunidade como geradora de recursos que
devem se aliar aos recursos técnicos dos serviços sanitários.
 O reconhecimento da importância das atividades intersetoriais entre diferentes
setores da saúde, da previdência e assistência social e da economia.
Mudança de paradigma do biomédico para o
psicossocial
 Na abordagem biomédica existe uma clara separação
 entre profissionais de medicina e pacientes;
 Entre lugares de doença (lugares específicos para a intervenção) e lugares de
saúde.
 Entre os pacientes e a comunidade da qual fazem parte.
 Na abordagem da saúde mental:
 Centraliza a humanização do sistema de saúde.
 Descentraliza os recursos das grandes instituições sanitárias para a comunidade, a
qual se transforma, assim, em lugar natural e privilegiado da intervenção.
 Enfim, o mesmo trabalho que é realizado no interior de um hospital psiquiátrico
pode se transformar em uma ação que, além de melhorar as condições de vida
material do paciente, sua dignidade de cidadão, pode envolver também a
comunidade circundante em um grande processo de transformação e humanização
no qual o benefício não seja somente para o paciente mas para todos os sujeitos
sociais envolvidos, que se tornam protagonistas do projeto saúde.

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