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MORFOLOGIA

Profa. Maria da Conceição M.B. Costa


Catar feijão
Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar (vaso)
e as palavras na da folha de papel;
e depois joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

Ora, nesse catar feijão, entra um risco:


o de entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quanto ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com o risco.
(João Cabral de Melo Neto. Obra completa)
 O poeta fez uma troca dos sufixos de flutuante e fluvial, um jogo
morfológico, possível graças à propriedade que têm os morfemas de se
encaixarem e desencaixarem, como peças de um brinquedo infantil.
MORFEMA

 A menor unidade significativa;


 Tem a propriedade de articular-se com outras unidades
de seu próprio nível;
 No entanto, a maior unidade de que o falante da língua
tem consciência, nas frases que diz e ouve, escreve e
lê, é a PALAVRA.
 A palavra nem sempre coincide com o morfema.
MORFEMA e MORFE
MORFEMA – unidade mínima significativa, que
tem propriedade de articular-se com outras
unidades de seu nível.

Ex: o fonema /a/ não se confunde com o morfema –a


(marcado feminino); nem com o vocábulo “a”
(artigo); são entidades diferentes de níveis
diferentes.

O MORFEMA concretiza-se em um morfe de configuração


fonemática, que é um segmento de vocábulo (am-a-
mos), ou eventualmente, tem a extensão do próprio
vocábulo (de, que, paz, mês, flor, fel, etc.)
Alguns linguistas
restringem a terminologia:
 MORFEMA ao nível da língua, considerando-o como valor
abstrato da estruturação linguística;
 MORFES estariam em nível da fala, ou seja, os morfes
são as realizações dos morfemas.
 Ex: um morfema corresponde à significação gramatical
plural que se atualiza por meio dos morfes –s e –es etc. (
cada um desses morfes é um ALOMORFE).
ANÁLISE MÓRFICA
PRINCÍPIOS BÁSICOS E AUXILIARES
ANÁLISE MÓRFICA

COMUTAÇÃO ALOMORFIA

MUDANÇA MORFOFONÊMICA
(Alomorfia fonologicamente NEUTRALIZAÇÃO
condicionada)
COMUTAÇÃO
 A depreensão dos morfemas de uma língua realiza-se a partir
da cadeia sintagmática, isto é, de um conjunto de unidades
articuladas, que formam um todo maior, seja ele vocábulo ou
frase;
 Uma cadeia sintagmática, qualquer que seja sua extensão, é
formada por unidades presentes articuladas entre si;
COMUTAÇÃO

 A depreensão dos morfemas realiza-se sobre a cadeia


sintagmática, mas só se completa graças á existência de
reservas de segmentos que podem ocupar aquele
determinado ponto da cadeia para o qual se volta nossa
atenção;
 Essas reservas constituem um paradigma, um conjunto de
unidades ausentes que poderiam substituir aquela que está
presente na cadeia sintagmática.
COMUTAÇÃO
 É a troca de um segmento do plano da expressão (unidades
não significativas, fonemas e sílabas), que tem como
resultado uma alteração no plano do conteúdo (unidades
significativas, morfemas).

 COMUTAÇÃO consiste em uma operação contrastiva por meio


de permuta de elementos para a qual são necessárias:

1) a segmentação do vocábulo em subconjuntos que vão ser


permutados

2) A permanência paradigmática entre os subconjuntos que vão ser


permutados.
COMUTAÇÃO
 Nível fonológico:
 O elemento necessário à troca acha-se no eixo
paradigmático (vertical) e o resultado se faz sentir na
cadeia sintagmática (horizontal);
l a r
mar
mal
 Na comutação a troca do significante implica a troca do
significado.
COMUTAÇÃO
 Nível morfológico:
 Vejamos algumas comutações possíveis em um certo ponto
da cadeia sintagmática das formas verbais amava.
 Ama va 0 indicativo pret. imp.
 Ama ra indicativo mais-q- per.
 Ama rá indicativo fut. Pres.
 Ama ria indicativo fut pret.
 Ama sse subjuntivo pret. Imp.
 Ama r subjuntivo fut.
 Ama 0
 Com à troca do segmento corresponde uma alteração dos
valores de tempo e/ou modo (VALOR CUMULATIVO)
ALOMORFIA
 Possibilidade de variação de cada forma
mínima.
Exemplos:
 -s (marca de plural de um modo geral,
mas outros segmentos como –es têm a
mesma função). Menino- meninos; flor-
flores.
 -ria (marca de futuro do pretérito, tem
uma variante –rie).
Eu amaria Nós amaríamos
Tu amarias Vós amaríeis
Ele amaria Eles amariam
ALOMORFIA
Pode ser:
 Fonologicamente condicionada;
 Não fonologicamente condicionada.
ALOMORFIA: NÃO FONOLOGICAMENTE
CONDICIONADA

 Implica variações livres, que independem de


causas fonéticas.
 Ex: faz, fez e fiz
ALOMORFIA: FONOLOGICAMENTE CONDICIONADA
OU
MUDANÇA MORFOFONÊMICA

 Consiste na aglutinação de fonemas, nas partes finais e


iniciais de constituintes em sequência, acarretando
mudanças fonéticas;
 Trata-se da mudança MORFOFONÊMICA (porque operando
entre fonemas afeta o plano mórfico da língua)
 Ex: a redução de in- a i- diante de consoante nasal
seguinte: incapaz / imutável
MUDANÇA
MORFOFONÊMICA

A consideração da variação morfofonêmica dentro do vocábulo


é muito importante na derivação vocabular, principalmente
nas flexões nominais e verbais, porque simplifica a descrição
gramatical, suprimindo falsas irregularidades
NEUTRALIZAÇÃO

 Consiste na perda da oposição entre unidades


significativas diferentes.
 Ex. a primeira e a terceira pessoa gramatical
em vários tempos verbais: cantava – cantava;
amaria- amaria.
“Outro dia maltratei bastante o valor da linguagem como
instrumento expressivo da vida sensível. Agora conto um
caso que exprime bem a força dominadora das palavras
sobre a sensibilidade. Quem refletia um bocado sobre
uma palavra, há-de perceber que mistério poderoso se
entocaia nas sílabas dela. Tive um amigo que ás vezes ,
até na rua, nem podia respirar mais, imaginando,
suponhamos, na palavra “batata”. “Ba” que ele, “ta”
repetia, “ta” assombrado. Gostosissimamente
assombrado. De fato, a palavra pensada assim não quer
dizer nada, não dá imagem. Mas vive por si, as sílabas
são entidades grandiosas, impregnadas do mistério do
mundo. A sensação é formidável.”

Mário de Andrade, Memória e Assombração. In. Os filhos


da Candinha. São Paulo: Martins, 1963. p. 161
BIBLIOGRAFIA

 CARONE, F. B. Morfossintaxe. São Paulo: Ática, 2001.


 SILVA & KOCH. Linguística aplicada ao português:
morfologia. São Paulo: Cortez, 2002.
Não basta saber ler que 'Eva viu
a uva'. É preciso compreender
qual a posição que Eva ocupa no
seu contexto social, quem
trabalha para produzir a uva e
quem lucra com esse trabalho.
Paulo Freire.

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