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Direito Civil

Parte Geral

Professora Valquíria Soares Cavalcanti


Agosto de 2020
SITUAÇÃO-PROBLEMA:
Na atualidade, não se cuida de buscar a demarcação dos
espaços distintos e até contrapostos. Antes, havia uma
disjunção; hoje, há unidade hermenêutica, tendo a
Constituição como ápice conformador da elaboração e
aplicação da legislação civil. A mudança de atitude é
substancial: deve o jurista interpretar o Código Civil segundo
a Constituição, e não a Constituição segundo o Código, como
ocorria com frequência (e ainda ocorre). A mudança de
atitude também envolve certa dose de humildade
epistemológica? (LÔBO, Paulo. Teoria geral das obrigações.
São Paulo: Saraiva, 2005, p. 2).
PARA • Como é possível harmonizar a interpretação das normas

PENSAR...
cíveis à luz das normas constitucionais? Seria possível, por
exemplo, exigir que um plano de saúde concedesse
cobertura de determinado tratamento médico com fulcro no
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana?
CONSTITUCIONALIZAÇÃO
DO DIREITO CIVIL
ENTENDENDO E MANUSEANDO
O CÓDIGO CIVIL
O Direito Civil
como ramo do Direito Privado

O Direito Civil deve ser identificado como principal


ramo do Direito Privado, bem como instrumento de
realização dos direitos fundamentais no âmbito das
relações privadas, regulando as relações entre os
particulares com fundamento na igualdade jurídica e
na autodeterminação das pessoas.
CIVIS (latim) = cidadão
O Direito Civil se dirige ao
núcleo da vida em
sociedade, ou seja, às
relações celebradas de
pessoa para pessoa, desde
o nascimento até a morte,
ou mesmo antes e depois
desta.
O Direito Civil regula as relações entre os
indivíduos nos seus conflitos de interesses e
nos problemas de organização de sua vida
diária, disciplinando os direitos referentes ao
indivíduo e à sua família, e os direitos
patrimoniais, pertinentes à atividade
econômica, à propriedade dos bens e à
responsabilidade civil.
CONCEITO DE DIREITO CIVIL

“É o ramo do Direito Privado que


trata do conjunto de normas e
princípios reguladores de direitos
e obrigações de ordem privada,
concernente às pessoas, seus
direitos e obrigações, seus bens,
e às suas relações enquanto
membros da sociedade.”
CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002

PARTE GERAL

Livro I DAS PESSOAS


Livro II DOS BENS
Livro III DOS FATOS JURÍDICOS

PARTE ESPECIAL

Livro I DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES


Livro II DO DIREITO DE EMPRESA


Livro III DO DIREITO DAS COISAS
Livro IV DO DIREITO DE FAMÍLIA
Livro V DO DIREITO DAS SUCESSÕES
O Fenômeno da Codificação

CÓDIGO: é uma lei que apresenta um


conjunto sistemático e unitário de normas
jurídicas (regras e princípios) relacionadas à
disciplina fundamental de um determinado
ramo do Direito.
DESVANTAGENS VANTAGENS

• FOSSILIZAÇÃO • UNIFICAÇÃO DO DIREITO


• APEGO AO FORMALISMO • ESTUDO SISTEMATIZADO
(letra pura da lei) • FLEXIBILIZAÇÃO:
• RIGIDEZ • CLÁUSULAS GERAIS
• CONCEITOS JURÍDICOS
INDETERMINADOS
• MICROSSISTEMAS JURÍDICOS
• LEIS ESPECIAIS
MICROSSISTEMAS JURÍDICOS PROTETIVOS
E LEIS ESPECIAIS

• Lei 8.078/90 – CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR


• Lei 8.069/90 – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE/ Lei 12.852/13 ESTATUTO DA JUVENTUDE
• Lei 10.741/03 – ESTATUTO DO IDOSO
• Lei 13.146/2015 – ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
• Lei 13.015/2015 – NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
• Lei 13.140/2015 – LEI DE MEDIAÇÃO
• Lei 11.340/06 – LEI MARIA DA PENHA (VIOLÊNCIA DOMÉSTICA)
• Lei 9.278/96 – UNIÃO ESTÁVEL
• Lei 11.804/08 – ALIMENTOS GRAVÍDICOS
• Lei 13.058/14 – GUARDA COMPARTILHADA
• Lei 12.318/10 – ALIENAÇÃO PARENTAL
• Lei 9.503/97 – CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
• Lei 6.015/73 – LRP – LEI DE REGISTROS PÚBLICOS
• Lei 9.434/97 – TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS
• Lei 13.185/2015 - BULLYING
A Codificação Civil Brasileira

ORIGENS DA PRIMEIRA CODIFICAÇÃO CIVIL BRASILEIRA (1916):


 Ordenações Filipinas de 1603;
 Constituição Imperial de 1824
 Constituição Republicana de 1891
 Projeto de Código Civil elaborado por Clóvis Beviláqua: aceito em 1899, aprovado em 1915,
promulgado em 1916 e com vigência a partir de 1917.

INFLUÊNCIAS:
 Código Civil Francês: 1804
 Código Civil Alemão (BGB): 1900
 Direito Romano
DIFERENÇAS
CÓDIGO CIVIL DE 1916 CÓDIGO CIVIL DE 2002

 1 – Realidade típica de uma sociedade  1- Realidade contemporânea


colonial  2- Sociedade Democrática, livre, justa,
 2- Sociedade Patriarcal (pátrio poder) igualitária e solidária
 3 – Patrimonialista  3- Personalista (repersonalização do
Direito)
 4 – Individualista
 4- Solidária (proteção aos grupos
 5 – Excessivo rigor formal vulneráveis e marginalizados)
 6 – Desigualdade entre homens e  5- Nova técnica legislativa
mulheres
 6- Igualdade entre as pessoas
 7 – Casamento matrimonializado
 7- Pluralidade de entidades familiares
 8- Diferenças quanto à filiação
 8- Isonomia entre os filhos
Repersonalização
do Direito Privado

• Recolocação da pessoa humana como o


centro de proteção do Direito Civil.
• Despatrimonialização: valorização da
pessoa humana, colocando-a acima do
patrimônio.
Detalhando o Código Civil de 2002:
estrutura, princípios norteadores
e campo de incidência.
DIVISÃO TOPOGRÁFICA
DA PARTE GERAL

LIVRO I – DAS PESSOAS


LIVRO II – DOS BENS
LIVRO III – DOS FATOS JURÍDICOS
Divisão estrutural do Livro I – PARTE GERAL

• TÍTULO I – DAS PESSOAS NATURAIS (arts. 1° ao 39)


• Capítulo I – Da personalidade e da capacidade – arts. 1º ao
10
• Capítulo II – Dos direitos da personalidade – arts. 11 a 21
• Capítulo III – Da ausência – arts. 22 a 39
Seção I – Da curadoria dos bens do ausente; Seção II e III – Da sucessão provisória e
definitiva
TÍTULO II – DAS PESSOAS JURÍDICAS (arts. 40 ao 69)
CAPÍTULOS I, II e III, respectivamente: disposições gerais, associações, fundações
• TÍTULO III – DO DOMICÍLIO (arts. 70 ao 78)
Princípios norteadores
do Código Civil de 2002 (Miguel Reale)

ETICIDADE
SOCIALIDADE
OPERABILIDADE
5. Direito Civil e a Constituição da República de 1988.

• O FENÔMENO DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO


• TÁBUA AXIOLÓGICA CONSTITUCIONAL:
• A) PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (art. 1°, III, CF/88)
• B) PRINCÍPIO DA IGUALDADE OU ISONOMIA (art. 5°, caput e inciso I, CF)
• C) PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE (art. 3º, CF/88)
PREÂMBULO DA CRFB/88

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional


Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-
estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a
seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”
TÍTULO I
Dos Princípios Fundamentais
• Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos:
• I - a soberania;
• II - a cidadania
• III - a dignidade da pessoa humana;
• IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
• V - o pluralismo político.
Princípio constitucional da
igualdade

• Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
• I - homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações, nos termos desta Constituição;
• II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei;
Solidariedade constitucional

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República


Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação.
Constitucionalização
do Direito Civil

• Análise do direito privado com base nos fundamentos


constitucionalmente estabelecidos. É a aplicação dos mandamentos
constitucionais no direito privado.
• Releitura dos institutos e conceitos do âmbito privado visando à
concretização dos valores e preceitos constitucionais, tendo por norte
interpretativo a proteção à dignidade da pessoa humana em suas
múltiplas manifestações.
• Superação do paradigma individualista do Estado Liberal e do homem
dotado de patrimônio, e passou-se a adotar um novo paradigma. As
constituições começaram a trazer em seu bojo regras e princípios típicos
de direito civil e a valorizar a pessoa colocando-a acima do patrimônio.
A CRFB/88, ao refletir as
mudanças nas relações familiares
ocorridas ao longo do século XX,
deu um novo perfil aos institutos
do direito de família.
• União Estável: reconhecida como entidade familiar;
• Maioridade Civil: aos 18 anos;
• Regime de bens: pode ser alterado por acordo entre os cônjuges;
• Exames de DNA para comprovação de paternidade: a recusa
implica reconhecimento da filiação;
• Filhos nascidos fora do casamento: não há mais distinção entre
filhos de qualquer origem;
• Guarda dos filhos em caso de separação: os filhos podem ficar com
o pai ou a mãe;
• Testamento: não mais precisa ser feito à mão pelo testador;
• Sucessão: o cônjuge passa a ser herdeiro necessário.
Respondendo Como é possível harmonizar a
ao problema inicial interpretação das normas
cíveis à luz das normas
constitucionais? Seria
possível, por exemplo, exigir
que um plano de saúde
concedesse cobertura de
determinado tratamento
médico com fulcro no
princípio constitucional da
dignidade da pessoa
humana?
Verificando a aprendizagem
Exercício 1:
(Procurador do Município de Diadema. 2008) Quanto à teoria da aplicação horizontal dos direitos fundamentais,
analise os itens:

I A teoria da aplicação horizontal dos direitos fundamentais analisa a possibilidade do particular, não somente o Poder
Público, ser o destinatário direto das obrigações decorrentes desses direitos fundamentais;
II O Brasil adotou, como discurso majoritário e influenciado pelo direito constitucional português, a não incidência dos
direitos fundamentais no âmbito das relações privadas;
III O indivíduo que é expulso de cooperativa sem a observância da ampla defesa, visto que esse direito não está
garantido pelo estatuto, sendo respeitado todo o normativo interno da entidade, não pode pleitear a anulação do ato
perante o Poder Judiciário, visto que o indivíduo pactuou com o estatuto quando se filiou à cooperativa, sabendo que
esse direito fundamental não era garantido;
IV Aplicação direta e imediata do efeito externo dos direitos fundamentais tem por objetivo impedir que o indivíduo saia
de uma condição de liberdades frente ao Estado e caia em uma relação de servidão com os entes privados.

Está(ão) correta(s) apenas a(s) assertiva(s):

(A) I e II;
(B) I e III;
(C) I e IV;
(D) II;
(E) III.
Exercício 2: (Juiz de Direito. TJPR 2007) Sobre a constitucionalização do Direito Civil, é correto afirmar:

(A) As normas constitucionais que possuem estrutura de princípio se destinam exclusivamente ao


legislador, que não pode contrariá-las ao criar as normas próprias do Direito Civil, não sendo possível,
todavia, ao aplicador do Direito, empregar os princípios constitucionais na interpretação dessas normas
de Direito Civil.

(B) A constitucionalização do Direito Civil se restringe à migração, para o texto constitucional, de


matérias outrora próprias do Direito Civil.

(C) A doutrina que sustenta a constitucionalização do Direito Civil afirma a irrelevância das normas
infraconstitucionais na disciplina das relações interprivadas.

(D) A eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, seja de forma indireta e
mediata, seja de forma direta e imediata, é defendida pela doutrina que sustenta a constitucionalização
do Direito Civil.
Leitura específica
Sobre a eficácia horizontal dos direitos
fundamentais, leia o julgado abaixo, do Supremo
Tribunal Federal, em que esta tese foi adotada, no
sentido de assegurar direito à ampla defesa a
associado que fora excluído do quadro de uma
pessoa jurídica:

A Turma, concluindo julgamento, negou provimento


a recurso extraordinário interposto contra acórdão
do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
que mantivera decisão que reintegrara associado
excluído do quadro da sociedade civil União
Brasileira de Compositores. UBC, sob o
entendimento de que fora violado o seu direito de
defesa, em virtude de o mesmo não ter tido a
oportunidade de refutar o ato que resultara na sua
punição. v. Informativos n. 351, 370 e 385.
Entendeu-se ser, na espécie, hipótese de aplicação direta dos direitos
fundamentais às relações privadas. Ressaltou-se que, em razão de a UBC
integrar a estrutura do ECAD. Escritório Central de Arrecadação e
Distribuição, entidade de relevante papel no âmbito do sistema brasileiro de
proteção aos direitos autorais, seria incontroverso que, no caso, ao restringir
as possibilidades de defesa do recorrido, a recorrente assumira posição
privilegiada para determinar, preponderantemente, a extensão do gozo e da
fruição dos direitos autorais de seu associado. Concluiu-se que as
penalidades impostas pela recorrente ao recorrido extrapolaram a liberdade
do direito de associação e, em especial, o de defesa, sendo imperiosa a
observância, em face das peculiaridades do caso, das garantias
constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
Vencidos a Min. Ellen Gracie, relatora, e o Min. Carlos Velloso, que davam
provimento ao recurso, por entender que a retirada de um sócio de entidade
privada é solucionada a partir das regras do estatuto social e da legislação
civil em vigor, sendo incabível a invocação do princípio constitucional da
ampla defesa? (Supremo Tribunal Federal, RE 201.819/RJ, Rel. Min. Ellen
Gracie, Rel. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 11.10.2005, RE 201.819).
Aprofundando os seus
conhecimentos
Sobre o diálogo das fontes, leia o tópico 2.7 do
livro: TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Lei de
introdução e parte geral. 16. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2020, v. 1.

Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books
/9788530989309/cfi/6/2!/4/2/2@0:16.0
Bons estudos!
Até a próxima aula!

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