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O que é a filosofia?

Qual o estatuto do
conhecimento científico?
O que é o conhecimento
científico?
Conhecimento
do senso comum e
conhecimento científico
Conhecimento do senso comum

«Podemos classificar o senso comum como uma crença que se funda na


observação, na indução e na experiência de vida. Aqui, crença não tem um sentido
religioso, mas sim o sentido de hábito ou de regularidade. Resulta de uma
acumulação de observações que se repetem. Quando afirmamos abril águas mil ou
março marçagão, de manhã inverno, à tarde verão, estamos a constatar
regularidades. Mesmo que este ano não chova em abril, o ditado permanecerá.
Com o senso comum, cada um de nós fica à vontade no seu meio e no seu mundo,
como peixe na água. Sem constrangimentos ou ansiedade, até podemos errar sem
complexos, porque errar é humano. Persistir no erro é mais estranho.»
Mendo Henriques e Nazaré Barros, Olá, Consciência! Uma Viagem pela Filosofia, Lisboa, Objetiva, 2013, p.61.
Conhecimento do senso comum
Superficial Espontâneo Sensitivo Ambíguo Acrítico

Não há um grande Resulta da apreensão Resulta da apreensão Utiliza a linguagem Aquilo que é aceite como
aprofundamento dos imediata da realidade. sensorial da realidade. natural e não uma conhecimento não é
temas. linguagem técnica ou colocado em questão.
especializada, o que
gera ambiguidade.

Ametódico e Concreto e Refletor de


Dogmático Falível e pouco
assistemático subjetivo princípios, crenças e
seguro
valores da sociedade

Não decorre de É um conhecimento que é Resulta da experiência de Apesar de ter uma Baseia-se num conjunto
investigações aceite sem fundamentação cada ser humano e num função prática, muitas de pressupostos que
planificadas e apoiadas racional. contexto concreto. vezes baseia-se em nos permite, por
em testes ou resultados ideias erradas. exemplo, saber como
experimentais. nos devemos comportar
à mesa.
Conhecimento científico
«A ciência está longe de ser um instrumento de conhecimento perfeito. É apenas o melhor de que
dispomos. […] A maneira de pensar científica é a um tempo imaginativa e disciplinada. Isto é
fundamental para o seu êxito. A ciência convida-nos a aceitar os factos, mesmo quando estes não se
conformam com as nossas ideias preconcebidas. Aconselha-nos a pôr hipóteses alternativas e a ver qual
se adapta melhor aos factos. Incita-nos a um equilíbrio delicado entre a abertura a novas ideias, por
muito heréticas que sejam, e o exame mais rigoroso e mais cético de tudo – ideias novas e sabedoria
estabelecida. […]
Uma das razões do seu sucesso reside no facto de a ciência ter incorporada uma máquina corretora de
erros. Há quem possa considerar que isto é uma caracterização demasiado vasta, mas julgo que cada
vez que exercemos a autocrítica, cada vez que testamos as nossas ideias, contrapondo-as ao mundo
exterior, estamos a fazer ciência. Quando somos demasiado complacentes connosco mesmos e acríticos,
quando confundimos desejos e factos, deslizamos para a pseudociência e para a superstição.»
Carl Sagan, Um Mundo Infestado de Demónios, Lisboa, Gradiva, 2002, p. 42.
Conhecimento científico
Teórico e Unívoco Racional Crítico e
Mediato
Aprofundado revisível
Não se pretende uma resposta As explicações dadas Utiliza o rigor e a precisão da É uma interpretação O conhecimento é
imediata para um fenómeno, pela ciência baseiam-se linguagem matemática, racional dos dados constantemente revisto de
procura-se antes, esgotar em provas e evitando ambiguidades ou observados. modo a identificar falhas e
todas as possibilidade de demonstrações rigorosas. duplas interpretações. a ser corrigido e alterado.
explicação do mesmo.
Metódico e
Antidogmático Objetivo Preditivo Provisório
Sistemático
Nada é assumido como Tem em atenção os factos, Prevê a ocorrência de A teoria científica
É o resultado de uma
absoluto. evitando interpretações novos fenómenos. mantém-se até surgir
investigação metódica e
subjetivas. uma nova teoria mais
organizada.
eficaz e próxima da
verdade.
Senso comum e ciência: continuidade ou rutura?

Bachelard

O conhecimento do senso
comum é um ponto de partida
Problema ou um obstáculo ao
conhecimento?

Popper
Bachelard: a rutura com o senso comum

Tese O senso comum é um obstáculo epistemológico.


Bachelard: a rutura com o senso comum

«Não se pode basear nada na opinião: antes de tudo é


preciso destruí-la. Ela é o primeiro obstáculo a ser
superado. Não basta, por exemplo, corrigi-la em
determinados pontos, mantendo, como uma espécie
de moral provisória, um conhecimento vulgar
provisório. O espírito científico proíbe que tenhamos
uma opinião sobre questões que não compreendemos,
sobre questões que não sabemos formular com
clareza.»
Gaston Bachelard, A Formação do Espírito Científico, Lisboa, Dinalivro, 2006, pp. 20-21.
Bachelard: a rutura com o senso comum
Para Bachelard, a ciência deve romper com o senso
comum, na medida em que este representa um
obstáculo epistemológico que impede o progresso do
conhecimento científico. O senso comum é acrítico e
fonte de erros, não permitindo que se chegue a
conclusões fiáveis e, por isso, a ciência deve afastar-se do
senso comum, deve mesmo destruí-lo, dado que os
assuntos da ciência não se devem basear em opiniões.

Perspetiva descontinuísta
Popper: a continuidade com o senso comum

Tese A ciência é senso comum esclarecido.


Popper: a continuidade com o senso comum

«Toda a ciência e toda a filosofia são senso comum esclarecido. Deste modo começamos com
um ponto de partida vago e construímos sobre alicerces inseguros. Mas podemos progredir:
podemos às vezes, após alguma crítica, ver que estivemos errados; podemos aprender com os
nossos enganos, com a compreensão de que fizemos um erro […]. O nosso ponto de partida é
o senso comum e o nosso grande instrumento para progredir é a crítica.»
Karl Popper, Conhecimento Objetivo, Belo Horizonte, Itatiaia, 1975, pp. 42-43.
Popper: a continuidade com o senso comum

Para Popper o senso comum pode ser o ponto de partida


para a ciência, ainda que seja um ponto de partida
inseguro. O senso comum não é entendido como a base
ou alicerce sobre o qual o conhecimento científico é
construído, mas como um conhecimento que deve ser
melhorado, criticado e corrigido.

Perspetiva Continuísta
O problema do
método científico.
Indutivismo

Críticas ao indutivismo

Falsificacionismo

Críticas ao falsificacionismo
O método científico

Indutivismo
Em que consiste o
método científico?
Método hipotético-
-dedutivo

Problema

Qual é o critério que Verificacionismo


permite demarcar as
teorias científicas
das não científicas?
Falsificacionismo
Indutivismo

«Uma perspetiva simples, mas muito comum, do método científico é a seguinte: o cientista
começa por um vasto número de observações de certo aspeto do mundo: por exemplo, o
efeito de aquecer a água. Estas observações devem ser tão objetivas quanto possível: o
objetivo do cientista é ser imparcial e não ter preconceitos ao registar os dados. Uma vez
recolhida, pelo cientista, uma grande quantidade de dados baseados na observação, o
estádio seguinte é criar uma teoria que explique o padrão de resultados. Esta teoria, se for
boa, explicará simultaneamente o que estava a acontecer e irá prever o que é provável que
aconteça no futuro. Se os resultados futuros não se coadunarem completamente com estas
previsões, o cientista modificará a sua teoria para dar conta deles. Porque existe uma grande
regularidade na natureza, as previsões científicas podem ser extraordinariamente precisas .»
Nigel Warburton, Elementos Básicos de Filosofia, Lisboa, Gradiva, 2007, pp. 180-181 .
Indutivismo Observação de fenómenos (pretende-se que os
registos desta observação sejam tão rigorosos e
imparciais quanto possível), o que lhe permite
levantar questões sobre o que foi observado.

Formulação de hipóteses na tentativa de


responder às questões levantadas na observação.
As hipóteses pretendem explicar o fenómeno.

Processo de descoberta

A indução tem um papel importante, na medida em


que as hipóteses formuladas com vista à explicação
dos fenómenos observados são o resultado de uma
generalização.
Indutivismo Realização de testes experimentais. Estes testes
são realizados de forma criteriosa, envolvendo
aspetos qualitativos e quantitativos. Todos os
dados obtidos e etapas da experimentação são
anotados e repetidos.
Estabelecimento de leis. A lei descreve uma
sequência de eventos que ocorrem de forma
uniforme e invariável, ou seja, e um enunciado que
explica o fenómeno.

Processo de justificação

A indução tem um papel importante, na medida em


que as hipóteses são aceites como teorias gerais se
forem sucessivamente verificadas por experiências
particulares.
O critério de demarcação da ciência: verificacionismo

Tese Uma teoria só é científica se for empiricamente verificável.


O critério de demarcação da ciência: verificacionismo
O que distingue um enunciado científico de um enunciado não científico é a verificação empírica das
teorias.

Exemplo 1 - a proposição “Há flores Exemplo 2 - a proposição “Há animais


comestíveis.”, por exemplo, e carnívoros.”, em que podemos verificar
possível ser verificada e pode ser aquilo que ela afirma de cada vez que se vê
verdadeira ou falsa a partir da um animal carnívoro.
constatação feita das características
dessas flores.
Críticas ao Indutivismo

Nem sempre partimos da observação, e, mesmo quando


Crítica partimos da observação, ela não é neutra e imparcial. A
observação é seletiva.
Críticas ao Indutivismo

O método indutivo parece pouco fiável, na medida em que


Crítica apenas nos permite construir verdades prováveis a partir dos
dados observados e generalizados.
Falsificacionismo de Popper: o método hipotético-dedutivo

«A crença de que podemos começar pela pura observação apenas,


sem nada que se pareça com uma teoria, é absurda – como pode ser
ilustrado pela história do homem que dedicou a sua vida à Ciência da
Natureza, anotou tudo o que conseguiu observar e legou a sua
inestimável coleção de observações à Royal Society para serem usadas
como matéria indutiva. […] A observação é sempre seletiva. Requer
um objeto determinado, uma tarefa definida, um interesse, um ponto
de vista, um problema. E a sua descrição pressupõe uma linguagem
descritiva, com palavras qualificativas; pressupõe similaridade e
classificação, que pressupõem, por seu turno, interesses, pontos de
vista e problemas.»
Karl Popper, Conjeturas e Refutações, Lisboa, Edições 70, 2018, pp. 105-106.

A teoria precede a observação.


Falsificacionismo de Popper: o método hipotético-dedutivo

Resiste aos
testes:
corroborada

Hipótese Dedução das


Problema Experimentação
(formulação) consequências

Não resiste aos


testes:
Constatação de um problema que surge, regra geral, de conflitos diante de falsificada
expectativas e teorias existentes. Exemplo: constatamos que, num determinado rio,
os peixes estão a morrer. O problema que se coloca é: porque é que os peixes estão
a morrer?

Hipótese ou conjetura. Uma hipótese é uma suposição, uma explicação provisória


de um determinado fenómeno que necessita de explicação.
Exemplo: “Os peixes morrem quando estão na presença da planta aquática X.”.
Falsificacionismo de Popper: o método hipotético-dedutivo

Resiste aos
testes:
corroborada

Hipótese Dedução das


Problema Experimentação
(formulação) consequências

Não resiste aos


testes:
Dedução das consequências da hipótese, isto é, o cientista procura prever o que vai falsificada
acontecer se a sua hipótese for verdadeira.
Exemplo: Se a hipótese “Os peixes morrem quando estão na presença da planta
aquática X.” for verdadeira, a remoção dessa planta aquática evitará a morte dos
peixes.

Experimentação. Para saber se as previsões estão corretas, é preciso testar a


hipótese, isto é, confrontar a hipótese com a experiência.
Falsificacionismo de Popper: o método crítico

Exemplo: a experiência
A hipótese é confrontada com mostra que a mortalidade
Refutação potenciais casos que provem a dos peixes se mantém
sua falsidade. mesmo depois de removida
a planta aquática X.

Experimentação
A hipótese, depois de sujeita a
testes rigorosos, foi validada Exemplo: a experiência
pela experiência, sendo mostra que a remoção da
Corroboração considerada credível e planta aquática X evita a
reconhecida provisoriamente morte dos peixes no rio.
pela comunidade cientifica.

O objetivo da experimentação é mostrar que não ocorre aquilo que a hipótese prevê, propondo a sua falsificação.
Falsificacionismo de Popper: o método crítico

Verificação de teorias Falsificação de teorias

• Se a fábrica X está a poluir o rio, então há um aumento no número • Se a fábrica X está a poluir o rio, então há um aumento no número
de mortes de peixes. de mortes de peixes.
• As mortes de peixes aumentaram. • Não há um aumento no número de mortes de peixes.
• Logo, a fábrica X está a poluir o rio. • Logo, a fábrica X não está a poluir o rio.

(P → Q) (P → Q)
Q ¬Q
.·. P .·. ¬P

Falácia da afirmação do consequente Modus tollens


O critério de demarcação da ciência: falsificacionismo

«Eu propus […] que a refutabilidade ou falsificabilidade de um


sistema teórico fosse tomada como o critério de demarcação. De
acordo com esta ideia, que continuo a defender, um sistema só
deverá ser científico se fizer asserções que possam colidir com as
observações. E um sistema é, de facto, testado por tentativas de
produzir essas colisões – ou seja, por tentativas de o refutar. Deste
modo, testabilidade será o mesmo que refutabilidade e poderá, por
consequência, ser igualmente tomada como critério de demarcação.
Esta é uma perspetiva da ciência que encara a abordagem crítica
como a sua mais importante característica. Assim sendo, um
cientista deve olhar para uma teoria do ponto de vista da sua
possibilidade de ser criticamente discutida, ou seja, da sua disposição
para se expor ou não a todos os tipos de crítica; e, em caso
afirmativo, da sua capacidade de resistência a essas críticas.»
Karl Popper, Conjeturas e Refutações, Lisboa, Edições 70, 2018, pp. 423-424.
O critério de demarcação da ciência: falsificacionismo

Tese Uma teoria só é científica se for empiricamente falsificável.


O critério de demarcação da ciência: falsificacionismo

O que os cientistas fazem com as suas teorias é testá-las, através da falsificação.

Exemplo:
“Todos os corvos são negros.”

Falsificável, basta observar um corvo que não seja negro.


O critério de demarcação da ciência: falsificacionismo

“Todos os corvos são negros.”

Teoria falsificada: quando submetida a testes rigorosos de


tentativa de refutação não resiste à crítica.

“Todos os corvos são negros.”

Teoria corroborada: foi capaz de superar os testes de


falsificação.
Conhecimento a priori e conhecimento a posteriori

Uma teoria é tanto mais verosímil quanto,


resistindo aos testes que visam falsificá-la, está
mais próxima da verdade.
Críticas a Popper

O critério da falsificação não corresponde


à pratica do cientista. Os cientistas defendem exaustivamente
Crítica as suas teorias e não têm como principal objetivo testá-las por
meio da falsificação.
Críticas a Popper

O critério falsificacionista desvaloriza o papel da confirmação


Crítica de teorias. As previsões bem sucedidas têm um importante
papel no desenvolvimento cientifico.
Críticas a Popper

Popper, ao afirmar que basta um caso de falsificação para que


uma teoria seja abandonada, não teve em conta a
Crítica possibilidade de a falsificação ser resultado de um erro
humano, isto é, de uma má interpretação dos resultados.
Críticas a Popper

Popper, ao reconhecer as limitações da indução, rejeitando-a como


raciocínio usado pelos cientistas, deixa-nos com um problema
Crítica relativamente a juízos futuros: é tão justificado acreditar que amanhã
o Sol vai nascer como acreditar que amanhã o Sol não vai nascer?
O problema da evolução e
da objetividade da ciência
Perspetiva de Karl Popper

Perspetiva de Thomas Kuhn

Análise comparativa
O problema da evolução e da objetividade da ciência

Karl Popper

Há progresso em ciência?
Problema É a ciência objetiva?

Thomas Kuhn
O problema da evolução e da objetividade da ciência

Karl Popper Perspetiva racionalista.

Objetividade e
progresso científico

Perspetiva histórica e
Thomas Kuhn
sociológica da ciência.
A perspetiva
de Karl
Popper
Karl Popper: A ciência é objetiva?

«A objetividade nesta perspetiva (Popperiana), reside, pois, na intersubjetividade, na possibilidade de


os enunciados científicos poderem ser intersubjetivamente submetidos a teste. Assiste-se à
condenação da ideia comum de que o cientista basta para provar a veracidade de uma proposição ou
teoria, isto é, a objetividade neste contexto passa a resultar de um livre confronto das hipóteses e
observações, seguida de uma arbitragem coletiva, e não da pretensa objetividade do sábio. A ciência
surge quando se passa de um conhecimento subjetivo, baseado na crença do homem de ciência, para
um conhecimento objetivo, baseado no confronto crítico de pontos de vista. Muito embora os sujeitos
contribuam para o crescimento objetivo, não está ao alcance de ninguém compreender a totalidade da
obra constantemente renovada em que participa.»
Elisa Seixas, “Um Novo Contexto Epistemológico de Objetividade”, in Revista da Faculdade de Letras – Filosofia, II série, volume VXII, Porto, 2000, pp. 157-158.
Karl Popper: A ciência é objetiva?

A ciência é objetiva, porque as hipóteses ou


Tese conjeturas estão sujeitas a testes rigorosos de
tentativas de falsificação das teorias.
Karl Popper: A ciência é objetiva?
«1. Não existe nenhum critério de verdade; nem mesmo quando houvermos alcançado a verdade podemos estar
seguros disso.
2. Existe um critério racional de progresso na busca da verdade e, por conseguinte, um critério de progresso
científico. […] Mas que entende então por critério racional de progresso científico na busca da verdade, do
progresso nas nossas hipóteses, nas nossas conjeturas? Quando é que uma hipótese científica é preferível a uma
outra hipótese? A resposta é: a ciência é uma atividade crítica. Nós testamos criticamente as nossas hipóteses.
Criticamo-las com o propósito de detetar erros e na esperança de, ao eliminarmos os erros, nos aproximarmos da
verdade.
Consideramos uma outra hipótese – por exemplo, uma hipótese nova – preferível a uma outra quando satisfaz os
três requisitos seguintes: em primeiro lugar, a nova hipótese deve explicar todos aqueles aspetos que a hipótese
anterior havia conseguido explicar com êxito. Este constitui o primeiro ponto e o mais importante. Em segundo
lugar, deve evitar ao menos algumas das falhas da hipótese anterior. Ou seja, deve, se possível resistir a alguns dos
exames críticos a que a outra hipótese não resistiu. Em terceiro lugar, deve explicar, se possível, os aspetos que a
antiga hipótese não pôde esclarecer ou prever.
É este, pois, o critério do progresso científico. […]»
Karl Popper, Em Busca de Um Mundo Melhor, Lisboa, Editorial Fragmentos, 1992, pp. 48-49.
Karl Popper: Há progresso na ciência?

A ciência progride por conjeturas e refutações.


Tese O erro é o motor do progresso científico.
Karl Popper: Há progresso na ciência?
A ciência progride por meio de tentativas e erros:

• parte de problemas (P1);


• perante o problema inicial propõe-nos, por tentativa e erro, uma solução provisória ou novas teorias-tentativas
(TT) de explicação do mundo;
• em seguida, critica a solução encontrada com o propósito de eliminação do erro (EE), submetendo as teorias à
refutação;
• este processo conduz à descoberta de novos problemas (P2).

P1 TT EE P2
Karl Popper: Há progresso na ciência?

O erro é o motor do progresso científico.

A crítica é o critério racional que permite o progresso científico através da


eliminação de erros e a progressiva aproximação à verdade (verosimilhança).
A perspetiva
de Thomas
Kuhn
O desenvolvimento da ciência

«Já deve ser claro que a explicação deve, na análise final, ser
psicológica ou sociológica. Deve ser uma descrição de um sistema de
valores, uma ideologia, juntamente com uma análise das instituições
através das quais esse sistema é transmitido e reforçado. Sabendo o
que os cientistas valorizam, podemos esperar compreender que
problemas eles acentuarão e que escolhas farão em circunstâncias
particulares de conflito. Duvido que haja outro tipo de resposta a
encontrar.»
Thomas Kuhn, A Tensão Essencial, Lisboa, Edições 70, 2009.
O desenvolvimento da ciência

Há evolução, mas não há progresso em ciência:


a ciência evolui por uma sucessão de paradigmas,
sem que haja uma aproximação à verdade.
Tese
A ciência não evolui segundo padrões
estritamente racionais e objetivos.
O desenvolvimento da ciência

A ciência desenvolve-se por fases:

Ciência Ciência Revolução Ciência


Crise
normal extraordinária científica normal
O desenvolvimento da ciência: paradigma
«Qualquer que seja o número, os usos de “paradigma” no livro dividem-se em dois conjuntos, que exigem nomes
diferentes e discussões separadas. Um sentido de “paradigma” é global, abarcando todos os empreendimentos
partilhados por um grupo científico; o outro isola um género particularmente importante de empenhamento, e é
assim um subconjunto do primeiro. […] o termo “paradigma” aparece em proximidade estreita, tanto física como
lógica, da frase “comunidade científica”. Um paradigma é o que os membros de uma comunidade científica, e só eles,
partilham. Reciprocamente, é a respetiva possessão de um paradigma comum que constitui uma comunidade
científica, formada, por sua vez, por um grupo de homens diferentes noutros aspetos.»
Thomas Kuhn, A Tensão Essencial, Lisboa, Edições 70, 2009, pp. 336-337.

Dimensão teórica: esquema de explicação e interpretação da


realidade – leis científicas, valores e pressupostos teóricos.

Comunidade
Dimensão prática: regras, metodologias, modelos de investigação
Paradigma e de pesquisa, procedimentos. científica
Ciência Normal
Pressupostos metafísicos e filosóficos em relação ao que existe
no mundo e ao modo de funcionamento da natureza e do Universo.
O desenvolvimento da ciência: o paradigma

Aquilo que distingue ciência de não ciência - critério de


demarcação – não é, como pensam os indutivistas, o facto de as
teorias científicas poderem ser verificadas ou, como pensa
Popper, o facto de poderem ser falsificadas, mas o facto de
existir ou não, num determinado campo de investigação, um
paradigma aceite pela generalidade dos seus praticantes.

Ausência de um paradigma ou de uma


Pré-ciência visão comum de ver o mundo e de
resolver problemas.
O desenvolvimento da ciência: a ciência normal
«Pelo menos para os cientistas, os resultados obtidos na investigação normal são significativos, uma
vez que acrescentam algo à abrangência e à precisão do paradigma quando se trata de aplicá-lo.
Esta resposta não pode, contudo, explicar o entusiasmo e a devoção que os cientistas mostram face
aos problemas da investigação normal. […] Acompanhar um problema da investigação normal até à
sua conclusão é alcançar o que já se antecipa de uma maneira nova, e isso requer soluções para
todo o tipo de complexos enigmas, que podem ser instrumentais, conceptuais ou matemáticos.
Aquele que é nisso bem-sucedido mostra ser alguém que resolve enigmas de forma competente, e o
desafio que o enigma coloca é uma parte importante na sua motivação.»
Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas, Lisboa, Guerra e Paz Editores, 2009, pp. 64-65.

Atividade de resolução de enigmas no


Ciência normal
âmbito de um paradigma.
O desenvolvimento da ciência: a ciência normal

Os cientistas resolvem enigmas ou solucionam


puzzles, tanto teóricos como experimentais,
governados pelas leis e regras do paradigma.

Os enigmas são os problemas circunscritos pelo


paradigma e que testam o talento dos cientistas
para chegarem a uma resolução.

O paradigma fornece os meios necessários para


a solução dos puzzles.
O desenvolvimento da ciência: a ciência normal

Comunidade científica formada.

Investigação científica dominada por um paradigma.

Ciência
Atividade de resolução de enigmas.
normal

Progresso científico: desenvolvimento contínuo e


cumulativo – pretende-se tomar o paradigma mais
abrangente e preciso.

Dogmatismo em relação ao paradigma.


O desenvolvimento da ciência: a ciência extraordinária

«Quando, devido a estas razões ou a outras como elas, se começa a pensar que uma
anomalia não é somente mais um enigma da ciência normal, dá-se início à transição
para a crise e para a ciência extraordinária. A própria anomalia começa a ser agora
identificada como tal pela profissão. Mais e mais atenção lhe é dedicada por um
número cada vez maior de homens eminentes da área respetiva. Se a anomalia
continuar a resistir, o que não é aliás comum, muitos desses homens podem passar a
olhar para a sua solução como o objeto de estudo da sua disciplina. […] Embora exista
ainda um paradigma, poucos praticantes são aqueles que concordam sobre o que ele é.
Mesmo soluções para problemas consolidados anteriormente começam a ser postas em
causa.»
Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas, Lisboa, Guerra e Paz Editores, 2009, pp. 122-124.
O desenvolvimento da ciência: a ciência extraordinária

Enigma, teórico ou experimental, que não encontra solução interior


Anomalia
do paradigma vigente.

Crise Período em que a comunidade científica perde a confiança no


Paradigmática paradigma vigente pelo surgimento de anomalias graves.

Período de crise no seio comunidade científica, caracterizado pela


Ciência
Extraordinária divergência e proliferação de teorias e que, por vezes, antecede
uma revolução (mudança de paradigma).
Incomensurabilidade dos paradigmas

«A transição de um paradigma em crise para um novo paradigma do qual uma nova tradição de
ciência normal emergirá é tudo menos um processo cumulativo, um processo alcançado mediante
uma reorientação ou extensão do velho paradigma. Ao contrário disso, trata-se de uma reconstrução
do campo de estudos a partir de novos fundamentos, uma reconstrução que altera algumas das
mais elementares generalizações teóricas do campo, bem como muitos dos seus paradigmas ao nível
dos métodos e aplicações. […] Quando a transição se completa, os membros da profissão terão
alterado o seu conceito do campo de estudos, dos seus métodos e dos seus objetivos. […]».
Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas, Lisboa, Guerra e Paz Editores, 2009, pp. 124-125.
Incomensurabilidade dos paradigmas

A incomensurabilidade de paradigmas é a
impossibilidade de os comparar objetivamente de
maneira a concluir que um é superior ao outro.
O desenvolvimento da ciência: fases
Crise e ciência Revolução Nova fase de
Pré-ciência Ciência normal
extraordinária científica ciência normal

• Reina discórdia e • Adesão dogmática • Acumulação de • Substituição do • Investigação


divergência. a um paradigma anomalias. antigo paradigma científica à luz de
• Período que • Atividade de • Prática científica por um novo e uma nova
antecede a resolução de que se desenvolve incomensurável mundivisão e de
formação de uma enigmas. à margem do com o anterior. uma nova forma de
ciência e a adesão • Progresso paradigma • Desenvolvimento fazer ciência.
ao paradigma. científico: dominante. científico não
desenvolvimento • Fase de discórdia e cumulativo.
cumulativo e divergência.
contínuo. • O paradigma
resiste à mudança
e só será
substituído se
houver razões para
tal.
Kuhn – Objetividade Científica

Kuhn reconhece que há critérios objetivos na aceitação de um novo paradigma:

Exatidão Consistência Alcance Simplicidade Fecundidade

• Uma teoria é • Uma teoria é tanto • Uma teoria é tanto • Uma teoria é tanto • Uma teoria é tanto
tanto melhor melhor quanto melhor quanto melhor quanto melhor quanto
quanto mais mais coerente e maior for a sua maior for a sua maior for a sua
exatas e precisas compatível for com capacidade de capacidade de capacidade para
forem as suas outras teorias explicar mais recorrer a meios desvendar novos
previsões e amplamente fenómenos. simples para a fenómenos ou
aplicações aceites. explicação dos relações entre
práticas. fenómenos. fenómenos.
Kuhn – Objetividade Científica
Apesar destes critérios objetivos, Kuhn considera que a aceitação de um novo paradigma não e
determinada por fatores estritamente racionais e objetivos. Diferentes cientistas podem interpretar de
modo diferente estes critérios e chegar a conclusões diferentes, o que significa que há também fatores
subjetivos na escolha do novo paradigma:
Prestígio pessoal

Experiência anterior

Personalidade

Crenças, valores e preferências

Apoios fora da comunidade científica


Kuhn – Progresso científico

A ciência não tem de progredir


em direção à verdade.

O novo paradigma deve ser


aquele que melhor se adapta à
necessidade de compreensão
da comunidade cientifica.
Críticas a Kuhn

Propõe uma conceção relativista da ciência. Se não há verdades


Crítica objetivas, então a ciência é uma conceção do mundo tão justificável
como os mitos e as lendas.
Críticas a Kuhn

A incomensurabilidade dos paradigmas é implausível. Kuhn não é


coerente ao defender a incomensurabilidade de paradigmas: se um
Crítica
novo paradigma permitir eliminar as anomalias do anterior, então eles
não são incomensuráveis.
Críticas a Kuhn

A verdade e o progresso são as metas da investigação científica.


As teorias cientificas atuais permitem fazer previsões mais
rigorosas e exatas e, portanto, estão mais próximas da verdade do
Crítica que aquelas que foram abandonadas. Assim, os sucessos
científicos parecem refutar a ideia de que não há progresso na
mudança de paradigma.
Análise comparativa
Análise Há progresso em ciência?
Evolução da ciência

É a ciência objetiva?

comparativa Sim.
Há progresso em ciência, na medida em
Sim.
Existem padrões racionais, estabelecidos
que as novas teorias, sobrevivendo a no método científico, que permitem
testes rigorosos, eliminam os erros das comparar as teorias e determinar qual é
anteriores e, assim, se aproximam mais mais verosímil. A evolução da ciência é
Popper da verdade. A verosimilhança é o critério marcada pela atitude racional e crítica em
do progresso: as teorias mais relação às teorias: a nova teoria superou
verosímeis são as que explicam melhor os testes precisos e rigorosos e tem um
os factos e superam os testes em que conteúdo empírico corroborado por mais
as outras foram derrotadas. A verdade é factos.
a meta ideal da investigação científica.

A ciência progride em direção à verdade? A ciência é objetiva?

Não. Não totalmente.


Há mudanças de paradigma, no entanto, A mudança de paradigma não é
nada nos permite afirmar que o novo determinada por padrões estritamente
paradigma constitui um progresso objetivos, mas por uma combinação de
Kuhn relativamente ao anterior. A mudança de fatores subjetivos (psicológicos,
paradigma não constitui um avanço em ideológicos e sociológicos) e objetivos
direção à verdade. A verdade é relativa a (exatidão, consistência, alcance,
um paradigma e, por isso, nenhum é mais simplicidade e fecundidade).
verosímil do que outro. Os paradigmas
são incomensuráveis.
O que é a filosofia?

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