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Conflitos na História do Brasil

- Período Colonial -

Revolta da Cachaça: 1660-1661


Revolta da Cachaça é o nome pelo qual passou à História do Brasil o episódio ocorrido entre final
de 1660 e começo do ano seguinte, no Rio de Janeiro, motivado pelo aumento de impostos
excessivamente cobrados aos fabricantes de aguardente.

Em 1647 uma Carta Régia da metrópole, visando a proteção do monopólio português no comércio
de vinho e aguardente (chamado de bagaceira), foi expedida e regulamentada em 1649, abrindo a
exceção de seu consumo para os escravos em Pernambuco - que se encontrava sob domínio
holandês. Com a expulsão definitiva dos holandeses, em 1654, aumenta a concorrência do açúcar
brasileiro com o produzido nas Antilhas e diminuem os lucros. Para compensar a baixa
rentabilidade, os senhores de engenho passam também a produzir aguardente de cana, obtendo
grande lucro com seu tráfico para Angola. Para coibir a ilegalidade, nova Ordem é expedida, em
1659, no sentido de se destruírem todos os alambiques da colônia, bem como aos navios que
transportavam o produto.

Esse quadro, em que a produção de aguardente no Brasil Colônia era uma atividade ilícita, teve
exceção no Rio de Janeiro, onde a situação foi tratada de forma diversa.Governava o Rio de Janeiro
Salvador Correia de Sá e Benevides, no início de 1660. Visando o melhor aparelhamento das tropas
coloniais, instituiu uma taxa sobre as posses dos habitantes. Como a economia açucareira estava em
crise, os vereadores propuseram, em compensação, que fosse liberado o comércio da cachaça, que
foi aceita por decreto a 31 de janeiro de 1660. A medida contrariou os interesses da Companhia
Geral do Comércio, que forçou sua revogação; apesar disso, persistiu o governador na cobrança das
taxas e, tendo de viajar a São Paulo, deixou um seu tio encarregado de aplicar a cobrança, inclusive
com uso da força.

Revolta
Embora na cidade do Rio de Janeiro não ocorressem incidentes, os produtores da região norte da
Baía da Guanabara, então Freguesia de São Gonçalo do Amarante (atuais municípios de São
Gonçalo e Niterói) rebelaram-se contra a taxa.

Durante a madrugada de 8 de novembro de 1660, liderados pelo fazendeiro Jerônimo Barbalho, os


revoltosos atravessam a Baía, convocando o povo da cidade pelo toque de sinos, a reunir-se diante
do prédio da Câmara. Totalizavam 112 senhores de engenho, e exigiam o fim da cobrança das
taxas, bem como a devolução daquilo ja arrecadado. Tomé de Souza Alvarenga, tio do governador,
e em exercício durante sua ausência, mostrou-se fraco diante dos amotinados que, sob a promessa
de pagamento dos soldos em atraso, haviam conseguido a deserção dos soldados. Refugiando-se no
Mosteiro de São Bento, junto ao Provedor-Mor Pedro de Souza Pereira, não esquivou-se Alvarenga
de ser feito prisioneiro.

Durante a rebelião foram saqueadas as casas da família Correia e de Salvador de Sá. Alvarenga foi
enviado para Portugal, junto a uma lista de acusações contra sua família, então poderosa. Na praça é
aclamado Agostinho Barbalho novo governador, mas este se recusa e busca abrigo no Mosteiro de
São Francisco, de onde é tirado à força e forçado a assumir o cargo.

Empossado, Agostinho buscou esfriar os ânimos, fez nomeações e procurou agradar a família
Correia; suas atitudes conciliadoras agradaram a Salvador de Sá que, informado dos acontecimentos
em São Paulo, reconheceu-lhe no cargo - apoio que gerou a insatisfação dos revoltosos, fazendo-o
derrotado nas eleições para a Câmara, que havia convocado. Seu governo findou em 6 de fevereiro
de 1661, quando a Câmara conduziu seu irmão, Jerônimo Barbalho, à governadoria. Este agiu
autoritariamente, perseguindo aos jesuítas, aliados de Salvador de Sá, e também aos militares. Isso
fez-lhe surgir poderosa oposição.

Instado pelos padres da Companhia de Jesus, Salvador de Sá organizou uma tropa de paulistas (na
maioria índios e mestiços), e o apoio de dois navios que lhe foram da Bahia para o litoral
fluminense, chegando em abril.

Repressão e fim da Revolta


O Rio de Janeiro foi atacado de surpresa, na madrugada de 6 de abril. As tropas baianas vieram pela
praia, enquanto Salvador de Sá invadia com os seus pelo interior. Apanhados de surpresa, os
revoltosos não opuseram resistência.

Aprisionados os líderes, foi montada uma corte marcial que condenou os rebeldes Diogo Lobo
Pereira, Jorge Ferreira de Bulhão e Lucas da Silva à prisão, sendo enviados à metrópole para o
devido julgamento. Jerônimo Barbalho, único condenado à morte, foi decapitado e sua cabeça
afixada no pelourinho - castigo justificado por Salvador de Sá, em carta ao Rei D. Afonso VI, como
lapidar à população para que não cometesse atos semelhantes.

O Conselho Ultramarino, porém, deu razão aos rebelados. Salvador de Sá foi afastado de suas
funções. e teve de responder em Portugal por seus excessos. A família Sá, descendente do ex-
Governador Geral Mem de Sá e do fundador da cidade do Rio de Janeiro, Estácio de Sá, perdeu
prestígio e a grande influência que até então conseguira manter. Os rebeldes condenados foram
libertados.

Conseqüências
Ainda em 1661 a regente Luísa de Gusmão liberou a produção da cachaça no Brasil. A medida
incrementou o tráfico com Angola e a economina fluminense. O comércio local, entretanto,
continuava vedado, mas a repressão era nula, contando até com a participação das autoridades: João
da Silva e Souza, que governou o Rio de 1670 a 75, era o principal contrabandista.

A proibição foi revogada, finalmente, em 1695. A cachaça, que motivou e deu nome à revolta - à
época também chamada de "aguardente da terra" e jeritiba - teve sua produçao elevada, em uma
década, a 689 pipas (barril de 450 litros) ao ano (ou cerca de 310 mil litros).

Para saber mais


• O Trato dos Viventes – Formação do Brasil no Atlântico Sul. Luiz Felipe de Alencastro,
Companhia das Letras, 2000.

• Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola 1602-1686. Charles Ralph Boxer, Companhia
Editora Nacional, 1973

• Entre a Sombra e o Sol - A Revolta da Cachaça e a Crise Política Fluminense (dissertação).


Universidade Federal Fluminense, 2000. Antonio Filipe Pereira Caetano.

• A Revolta da Cachaça. Reportagem de Ernani Fagundes em fevereiro de 2007, revista


Aventuras na História (editora Abril).

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