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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
-:'. . ti

fííosofia I *
cleocia e /
refiqiao L

mora/
htsforiss áo
cnsfíanísmo
índice
Pág.

ATRÁS VEM GENTE

Um brado perene:
"SENHOR, ENSINA-NOS A ORAR !" (Le 11,1) 3

Vinle anos de existencia:

CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB)


QUE É ? QUE PRETENDE ? 13

De casa em casa, oferecendo livros:


TESTEMUNHAS DE JEOVÁ QUEM SAO ? ' 25

Um livro em foco:
"ESCÁNDALO NA IGREJA" de Morrls L West/Robert Francls 43

LIVROS EM RESENHA 24, 42


3? capa

NO PRÓXIMO NÚMERO :

Homem, quem és tu ? Qual o dia do Senhor : sábado ou


domingo ? Cursilhos de Crisfandade : subversao ? Trans
plante de ovario.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Assinatura anual CrS 30 00
Número avul.so de qualqiUT mes Cr$ 4,00
Volumes encuadernados de 1958 o 195!) (pirco unitario) ■:. . . CrS 3500
índice Geral de 1957 a 1964 CrS 10,00
índice do qualquer ano CrS 3.00

EDITORA LAUDES S . A .
REDAQÁO DE PR ADMINISTRADO
Calxa Posta! 2.666 Rita Sao Rafael, 38, ZC-Oy
ZC-00 20000 Rio de Janeiro (GB)
20000 Rio de Janeiro (GB) Teis. : 2(¡8 Í)D81 e 268-279S
ATRÁS VEM GENT

Janeiro... O inicio de novo ano nos faz pensar na suces


sáo dos anos da historia; as unidades se váo acrescentando:
1970, 1971, 1972, 1973... E, com a sucessáo dos anos, é a
sucessáo das geragóes que desfila ante os nossos olhos. Consi
deramos a longa serie de homens que se yáo afirmando na face
da térra para tecer a historia da humanidade. Os mais velhos
entregam aos mais jovens a sua experiencia e o seu saber,
para que estes enriquegam e desenvolvam tal patrimonio. Os
mais jovens tém o direito de esperar dos mais velhos os va
lores que estes, pelo fato mesmo de terem vivido, háo de ter
cultivado. Ninguém, porém, recebe um patrimonio para o en
terrar; por conseguinte, os mais jovens tomam consciéncia de
que eles, por sua vez, háo de ser transmissores aos que viráo
depois.

Esta visáo dinámica da historia nos é incutida de ma-


neira premente por urna bela poesía de autor anónimo, que
vai aqui transcrita:

«Se em sua vida vocé andar, inao pare.


Se em sua vida vocé estacionar, nao demore muito.
Se em sua vida vocé cair, nao continué sentado.
Se em sua vida vocé enxergar a luz, nao feche os olhos.
Se em sua vida vocé descobrir a verdade, nao se cale.
Se em sua vida vocé adiar, nao se esqueca dos outros.
Se em sua vida vocé amar, nao se feche.
Se em sua vida vocé se revoltar, nao se destrua muito.
Se em sua vida vocé duvidar, nao desconfie muito.
Se em sua vida vocé chorar, nao soiuce alto,

Pois atrás vem gente !»

Estes versos, á primsira vista, tém algo de duro e incle


mente: «Nao pare, nao demore muito,... nao soiuce alto».
Esta dureza, porém, é altamente salutar, porque incita o leitor
a tomar consciéncia de que ninguém vive para si, mas todos

— 1 —
somos elos e pontes entre o passado e o futuro ou entre a ge
racáo dos mais velhos e a dos mais jovens. Cada um de nos
se torna grande se, consciente da sua posicáo na historia, pro
cura corresponder ao designio de Deus e marcar o seu tempo,
dando-se generosamente aos irmáos e irmás.

Atrás de nos vem gente, como antes de nos veio gente;


passou gente, muita gente, pelo mundo, e mais outras muitas
geracóes ainda querem passar. Sentimos a preméncia dessa
gente toda anterior e posterior a nos; sentimos a responsabili-
dade de sermos gente em meio a muita gente. É responsabili-
dade severa, mas extremamente nobre e dignificante, porque
nos dilata, nos obriga a sair das fronteiras do pequeño eu para
vivermos o momento de Deus ou um segmento de eternidade
no tempo.

Elevando estas idéias ao plano explícitamente cristáo, di-


zia o Apostólo:

«Nenhum de .nos vive para si mesmo, e nenhum de


nos morre para si mesmo. Se vivemos, é para o Senhor que
vivemos; se morremos, é para o Senhor que morrerroos. Quer
vivamos, quer morremos, pertencemos oo Senhor. Porque
para este fim é que Cristo morreu e ressuscitou : para ser
Senhor dos mortos e dos vivios» (Rom 14, 7-9).

Assim considerada em seu grande contexto histórico, a


vida de qualquer cristáo é importante, por mais insignificante
que pareca. É, sim, importante a vida de uns porque deixam
obras e sinais vistosos; importante a vida de outros, porque,
embora nao deixem marcos materiais aos olhos dos homens,
deixam o exemplo do «sustentar», do «agüentar firme», do
«pacientar tenaz c heroico». Vivemos hoje tanto das facanhas
vistosas como da paciencia heroica e modesta de nossos ante-
passados. A geracáo de amanhá deverá também poder viver
tanto das criacóes materiais e concretas como da tenacidade
silenciosa e humilde dos homens e mulheres da geracáo presenta.

Conscientes disto, fazemos votos para que 1973 seja, para


todos nos, um ano de construcáo e ponte ñas mais diversas
circunstancias que a Providencia Divina houver por bem ofe-
recer a cada um de nos!

E. B.
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XIV — N» 157 — Janeiro de 1973

Um brado perene:

"senhor, ensina-nos a orar!"


Em síntose: Apesar do que se diga em nossos lempos, a oracáo
continua sendo um elemento vital ou a respiracáo espiritual do crlstSo.
O lugar primacial da oracáo na vida cristS depreende-se de duas
observacóes:

a) A vocacao de todo cristáo é a de ver a Deus face-a-face. Ora


as etapas para o fim nao de ser homogéneas com esse flm. Donde se
deduz quo já no decorrer da vida presenta o crls!ao deve saborear a
contemplagño de Deus — o que se faz pela oracáo.
b) Todos sao chamados á santidade, Isto é, á perfeita unláo com
Deus. Ora esta nao se obtém sem oracáo sistemáticamente praticada.

O progresso na vida de oracSo dependa


— da acáo do Espirito Santo, que, mediante os seus dons (má
xime o da sabedoria), suscita a contemplacáo Infusa;
— da abertura do cristáo ao Espirito Santo, que é indispensável.
Essa abertura traduz-se em ascese, ou seja, purlficacao dos afetos (sem
esDfrlto de penitencia é impossivel progredir na vida espiritual), trabalho
e estudo (de modo especial, o estudo é fator da contemplacao adquirida).

A oracáo há de ser cultivada com generosidade pelos mongos.


Mas é tambóm tarofa dos apostólos e de todos os crlstfios que vlvom
no século. Quem ora, nao está subtralndo ao próximo tempo e energías
(pode naturalmente haver casos em que se deva deixar a oracáo para
atender ao próximo), mas está cultivando o espirito de amor, que o le
vará a se doar mais generosamente aos seus semelhantes. O homem que
tenha perdido o senso da oracáo, perdeu urna de suas dimensóes mals
auténticamente humanas.

Comentario: O pedido dos Apostólos a Cristo ressoa es


pontáneamente através dos sáculos. O homem senté natural
mente a dificuldade de rezar, pois a oragáo significa o contato
com o Invisível e Transcendental; ora a criatura é por si pro
pensa as realidades mataríais que Ihe entram pelos sentidos

_ 3 —
4 «PERCUNTE E RESPONDEREMOS» 157/1973

e muito a impressionam; em conseqüéncia, o coloquio com


Deus, que é Espirito, vem a ser arduo para a natureza huma
na; É o que explica o pedido dos Apostólos e de qualquer dis
cípulo de Cristo: «Ensina-nos a orar!» (Le 11,1).

Vamos ¡tbaixo abordar « toma orci^ao, procurando colo-


cá-lo no seu lugar corto dentro do quadro de urna auténtica
vida crista. A seguir, diremos algo sobre as vias ou os meios
de progresso na vida de oragáo, conscientes de que a materia
aqui proposta poderia ser longamente ampliada.

As reflexdes que se seguem, foram primeramente redigidas em es


tilo de palestra; daí o seu estilo próprio.

1. A oracáo na vida do cristáo

1. A oracáo sempre foi estimada como valor essencial


na vida do cristáo. Mestres e teólogos de todos os tempos de-
dicaram-lhe ampios tratados. A partir do século XVI foram
mesmo concebidos métodos de oragáo, que visavam a facilitar
a uniáo com Deus num mundo cada vez mais agitado como
o nosso : tém-se assim o método de S. Inácio de Loiola, o de
S. Afonso, o Carmelita, o de Bérulle, o Sulpiciano...

Acontece, porém, que nos últimos decenios o valor e o


papel da oragáo vém sendo postos em xeque. Urna nova concep-
cáo do Cristianismo visa a seoularizá-lo, ou seja, tirar-lhe os seus
elementos propriamente sagrados e religiosos. Ter-se-ia o «Cris
tianismo sem religiáo», que se exprimiría, antes do mais, na
promogáo da justiga, da paz, da fraternidade entre os homens,
como procuram fazer as instituigóes seculares dos nossos tem
pos. O relacionamento direto com Deus nao deveria ser alme-
jado pelos cristáos, nem seria possivel, pois o culto a Deus se
presta táo somente através do amor e do servico aos homens.
Foram os chamados «teólogos da morte de Deus» que desen-
volveram tais concepcóes, recorrendo a conceitos filosóficos e
vocábulos assaz próprios; tinham em vista o Cristianismo «pie-
tista» da Alemanha protestante; tal tipo de Cristianismo
apregoava que o cristáo nao se devia imiscuir na vida do
Estado nem na moral pública, mas havia de se restringir a
certas atividades dentro da Igreja e a piedade individual. Em
naagáo contra esta concepgáo, Dietrich Bonhoeffer, por exem-
plo, apregoava que os cristáos deviam deixar de ser religiosos
(isto ó, deviam deixar de se interessar exclusivamente pelos
assuntos da Igreja e de sua salvacáo individual) e os exortava

— 4 —
«SENHOR, ENSINA-NOS A ORAR !>

a se tornar «seculares», ou seja, a deixar o seu pietismo ego


céntrico e viver «para os outros» em meio ao mundo : ser
cristáo nao consistiría em ser religioso, mas em ser plena
mente humano.

As idéias de Bonhoeffer foram cultivadas por pensadores


alemáes, ingleses e norte-americanos, que tentaram assim ba-
nir da vida crista qualquer forma de oulto ou mesmo relacio-
namehto explícito com Daus (oragáo íntima ou pública).

Por causa destas idéias — ou mesmo independentemente


délas —, o fato é que hojs em día se reza menos do que
outrora, mesmo nos ambientes que professam a fé em Deus;
o S. Padre Paulo VI tem chamado a atengáo para esta rea-
lidade. É certo que a diminuigáo dos espagos de oragáo ex
plícita entre os cristáos se deve, ím boa parte, ao acumulo
de tarefas exigentes que pouco tempo livre deixam para cer-
tos exercícios de piedade. Mas podc-se crer que o próprio va
lor da oracáo esteja, na mente de alguns cristáos, em xeque.
Daí a pergunta que aqui nos colocamos : será que, de fato.
nao nos engañamos, dando a oracáo na vida crista um lugar
explícito, até mesmo com dimensóes comunitarias e sociafe ?
— Em rosposta, podemos afirmar qus a oragáo direta e
explícita continua a ser para o cristáo (por que nao dizer:
... para todo e qualquer homem ?) a respiragáo espiritual,
ou seja, um elemento vital indispensável. Quem assume o
Cristianismo nao apenas como escola de doutrina nem como
mero movimento día acáo social, mas como experiencia de filia-
gáo divina (daquela filiagáo divina que S. Joáo, em 1 Jo 3,1,
diz ser nao apenas nominal, mas, sim, real, ontológica), nao
pode deixar de reconhecer na oragáo, isto é, no contato direto
e intimo com Deus o ámago da vida crista. Esta poderá e
deverá exprimir-se também em múltiplas atividades, de tal
modo, porém, que nao perca o espirito de oragáo.

3. Para fundamentar melhor esta afirmagáo, sejam


lembradas duas grandes verdades da fé e da teología :

1) O objetivo da voca;áo crista é o encontró face-a-face


com Deus.

Tenham-se em vista os dizeres de S. Joáo :


"Desde agora somos fllhos de Deus, mas nao se manifestou ainda
o que havemos de ser. Sabemos que, quando isto se manifestar, sere-

— 5 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 157/1973

mos semelhantes a Ele, Oeus, porquanto O veremos como Ele 6"


{1 Jo 3.2).

Sao Paulo é igualmente claro :

"Hoje vemos como por um espelho confusamente; mas entáo co-


nhecerel totalmente, como sou conhecido" (1 Cor 13,12).

Compreende-se entáo que, se o termo de chegada da vo-


cagáo de todo e qualquer cristáo é o encontró face-a-face
com a Beleza Infinita e a contemplacáo direta de Deus na
vida eterna, as etapas dessa caminhada na terra háo de ser
homogéneas, ou seja, impregnadas do espirito de contempla
cáo ou uniáo com Deus. Em cutras palavras : se um dia Deus
há de ser absolutamente tudo para nos (de sorte que veremos
todas as criaturas em Deus e através de Deus), é lógico que
essa intimidade ou conaturalidade com Deus se vá tornando
desde a vida presente urna realidade cada vez mais concreta
e saborosa.

Por isto também os mestres da vida espiritual falam de


«oracáo» e «espirito de oracáo» como elementos constitutivos
da vida crista. «Oragüo» seria o coloquio direto c explícito
com Deus que se faz em momentos «fortes» (cuja duragáo
bem pode variar segundo os afazeres de cada um, mas nao
pode ser extinta). A oragáo explícita e direta, dando estrito
contato com Deus, deve deixar o cristáo imantado ou polari
zado por Deus de tal modo que, terminada a prece, ele exerga
qualquer outra atividade sob o impacto da presenga de Deus
ou em íntima uniáo com Ele; essa imantagáo ou polarizagáo,
que se vai tornando quase espontánea, é que se chama «espi
rito de oragáo» ou também «espirito de contemplacáo». Assim
entendida, o P. Rene Voillaume julga que «a contemplagáo é
elemento essencial de toda vida crista» (cf. «L'adaptation et
la rénovation de la vie religieuse». París 1967, p. 159).

2) Todos os cristSos tém a mesma e suprema voca?5o á


santidade.

Isto quer dizer: todos os cristáos sao chamados á per-


feigáo da vida crista que é a íntima uniáo com Deus no
amor. Ora, já que é a oracáo que nos dá o contato direto com
Deus, a perfeigáo da oragáo é inerente á vocagáo crista.

— 6 —
«SENHOR, ENSINA-NOS A ORAR!»

Em outros termos: o primeiro mandamento é o mandamen-


to da totalidade dirigida a Deus: «Dedicarás o teu amor ao Se-
nhor teu Deus com todo o teu coracáo, teda a tua alma, todo o
teu espirito, todas as tuas forcas» (Le 10,27). Estas palavras de
Cristo implicam o seguinte: tudo que fagamos, soja no pla
no da inteligencia, seja no plano da vontade, devemos fazé-lo
com vistas ou com relagáo ao Senhor Deus. Qualquer voca-
gáo imediata que nos toque aqui na térra, deverá ser sem-
pre encaminhada para o termo supremo, que é a plena uniáo
com Deus.

Este encaminhamento só é possível se Deus se vai tornando


cada vez mais presente, vivo, real, «colorido», «saboroso» para
nos mediante os encontros íntimos e profundos que a oragáo pro
porciona. Caso nao se déem tais encontros, Deus fica sendo
aquilo que Ele é muitas vezes para as criangas : urna palavra
distinta e pálida, ou aquilo que Ele é para o pesquisador cere-
brino : o primeiro Motor Imóvel, ou para o «teólogo da morte
de Deus» : o Fundo do nosso ser.

O Cardeal Jean Daniélou está táo convicto do papel vital da


oraejio na existencia dos homens em geral que ele intitulou
um de seus livros : «Oragáo, problema político». Nessa obra,
diz o autor que a oragáo interessa á Polis, ou saja, á cidade
inteira; urna cidade em que só naja casas dos homens sem
casa de Deus ou templo onde o Senhor seja adorado e glo
rificado, é urna cidade sem alma ou morta. A adoragáo nao
pode faltar entre as expressóes de auténtica sociedade hu
mana.

Muito a propósito vém também as reflexóes de Danié


lou a respeito de certas objegóes que hoje em dia se fazem
contra a vida de oragáo e de culto propriamente dita:

"Enflm, dlr-so-rt, nSo é mals Importante fazer caridado do que Ir á


Wlssa, participar no combate pela paz ou pelo alojamento do que assis-
tlr a reunISes litúrgicas? Meu Deus, sentimos o sopro do Mentiroso passar
sobre a nossa face. Evocarnos aqueles domingos do realismo socialista
em que a mística da construgáo da cidade dos homens se substituí á
da cidade de Oeus, os sinistros domingos do mundo sem Deus. Tocamos
aquí no fundo do problema: há urna construcáo da cidade dos homens,
há o que o hornero cria e que dá gloria ao homem. Mas, mais profunda
mente, há a construcáo da cidade de Deus, há o que Deus cria e que dá
gloria a Deus. E esta historia sagrada é o conteúdo mals fundo da his
toria" ("Evangelho e mundo moderno". Lisboa 1967, p. 76).

— 7 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 157/1973

Frente á tese segundo a qual servir ao homem já é servir


a Deus de modo que nao é preciso procurar a Deus direta-
mente se indiretamente o encontramos no próximo, observa
Daniélou:

"Claudel disse-o admiravetmente: 'A tentado do homem moderno ó


mostrar que Deus nao é necessário para fazer o bem'.

Esta acepcSo de um Cristianismo em que Deus é substituido pelo


homem, nao é so anticrlsti como é antl-humana. A relagáo do homem
com Deus é táo constitutiva do ser humano como a relagao do homem
com os outros homens. Um homem que n&o reza nSo é um homem. Falta-
-Ihe algo de essencial. Acha-se mutilado de urna porte de si mesmo. é
sempre, de resto já o afirmava Baudelaire, a marca de urna certa medlo-
crldade de alma o fato de nao ser alguém acessivel á ordem eminente de
grandezas que sSo as grandezas divinas. A adoracio, qué consiste pre
cisamente na aptidáo a compreender essas grandezas, é sempre a marca
da qualidade da alma. Eis por que, ao defender inexoravelmente os va
lores religiosos, os cristSos defendem o homem moderno da asfixia que
o ameaca" (Ib. 68s).

Urna vez estabelecido o lugar .primacial da oragao na


vida crista, compoto-nos indagar a respeito de

2. Como caminhar ñas vías da oragao ?

Nao tencionamos propor um tratado sobre a oragáo, le


vando em conta métodos, crises e progressos ida vida de ora-
Cáo. O que nos interessa, é realgar os dois elementos básicos
de qualquer programa de espiritualidade : a agáo gratuita do
Espirito Santo no homem, a abertura franca e ampia da cria
tura ao Espirito de Deus.

2.1. A acSo do Espirito

Diante de Deus inefável. a criatura é sempre peauenina


ou crianga que mal consegue balbuciar. Consciente disto, dizia
o Apostólo :

"O Espirito vem em auxilio á nossa fraqueza, porque nSo sabemos


o que devemos pedir, nem como convertí, mas o Espirito mesmo Intercede
por nos com gemidos ineféveis. E Aquele que perscruta 03 corasíes, sabe
o que deseja o Espirito, o qual Intercede pelos santos segundo Deus"
(Rom 8.26s).

É o Espirito Santo que, mediante o dom da sabedoria


infusa, nos comunica o sabor das coisas de Dsus, fazerido-nos

— 8 —
«SENHOR, ENSINA-NOS A ORAR !»

assim penetrar deleitosamente dentro do Inefável. Dessa aqáo


do Espirito resulta a contemplado infusa, ou seja, um certo
estado de deslumbramento sadio diante das verdades da fé,
deslumbramento que nos pode acometer quando menos o es
peramos. «Ele primeiro nos amou» (1 Jo 4,10), «Ele nao poir-
pou ao próprio Filho, mas por todos nos O entregou» (Rom
8,32), «O amor de Deus foi derramado em nossos coracóes»
(Rom 5,5), «Quando ainda éramos pecadores, Cristo morreu
por nos» (Rom 5,8), «Onde abundou o pecado, aí^superabun-
dou a grasa» (Rom 5,20)..., eis passagens bíblicas que po
demos ter ouvido repetidamente sem jamáis haver sido im-
pressionados, mas que um belo dia, imprevistamente, se po-
dem tornar altamente significativas ou mesmo esmagadoras
para nos, desde que o Espirito Santo nos mova segundo o dom
da sabedoria infusa.

Essa acáo do Espirito em nos introduz-nas cada vez mais


nos caminhos da Mística. Sabemos que «mística» nao é outra
coisa senáo o conhecimento experimental de Deus, ou seja, o
conhecimento que se obtém nao tanto na base do estudo e da
reflexáo, mas, sim, em virtude da conaturalidade ou afinida-
de com o próprio Deus; o amor abre o olho da mente e aguga
a percepcáo do espirito.

A vida mística assim entendida nao é vocagáo privilegia


da de cristáos raros, mas é o chamamento geral que toca a
todo e qualquer fiel batizado; está na linha do desenvolvi-
mento normal do batismo e de seus dons em nos. Se há quem
nao atinja esta experiencia de Deus, isto se dá nao por de
ficiencia do Espirito, mas por covardia ou retracáo da cria
tura que se fecha á agáo da graca, temendo ser invadida ou
mais e mais solicitada pelo Infinito.

É por isto que passamos a considerar explícitamente

2.2. A abertura do crfotóo ao Espirito

Dizem os mestres que ascese e mística sao insepaiáveis


urna da outra. Isto quer dizer: a agáo do Espirito supóe
urna constante atitude ds abertura e disponibilidade da parte
do homem. Esta disponibilidade implica naturalmente domi
nio sobre nos mesmos, renuncia ao velho homem e as ten
dencias desregradas que habitam em nos. Em urna palavra,

— 9 —
10 rPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 157/1973

ela implica purificagáo, segundo a bela palavra do Apostólo


Sao Joáo: «Seremos semelhantes a Deus, porquanto o ve
remos como Ele é. E quem nele deposita esta esperanga,
torna-se puro, assim como Ele é puro» (1 Jo 3,3). Alias, o
próprio Senhor diz no Evangelho: «Felizes os que tém um
coragáo puro, porque veráo a Deus» (Mt 5,8).

Essa purificagáo será sempre dura, austera. Donde se de-


preende que nao pode faltar, numa vida que realmente aspire
ao progresso na oracáo, a prática da penitencia ou da morti-
ficacáo. Querer remover a esta sob o pretexto de que nao
encontra eco ou aceitagáo da parte dos homens de hoje ou
dos candidatos á vida religiosa, é condenar-se a marcar passo
ou perder tempo nos caminhos da espiritualidade. O que de-
vemos fazer em nossos tempos, em que as saúdes sao mais
frágeis ou estáo habitualmente abaladas, nao é abolir a pe
nitencia, mas, segundo a Constituigáo «Paeniteminb de Pió
XII, procurar descobrir novas formas de asoese: será valiosa,
por exemplo, a privagáo voluntaria de certos prazeres ou
comodidades que a vida moderna oferece em proporgóes iné
ditas e que até nos ambientes mais religiosos podem ter en
trada (revistas ilustradas, televisáo, cinema, praia, fumo,
bebidas...); a aceitagáo alegre, e -unida a Cristo, dos dissa
bores, tumultos^ enfermídades físicas, dores moráis da reali-
dade de cada dia equivale a outras tantas expressóes de mor-
tificacáo crista.

O trabalho há de ser um elemento importante para


manter a austeridade de vida do cristáo. Ele estabelece um
ritmo de vida metódico, com obrigagóes a ser cumpridas pe-
rante a comunidade ou a sociedade; liberta-nos assim do in
dividualismo e das arbitrariedades. Urna vida que nao conhe-
ce as obrigagóes, nao raro imperiosas, do trabalho, corre a
ameaga de degenerar, tornar-se aburguesada (as vezes, sem
que o próprio sujeito tenha consciéncia disto).

O estado é outro elemento que integra a ascese e a mis-


tica do orante. Pode assumir o aspecto de estudo sistemático
da teología e de disciplinas conexas, como também o de lei-
tura aprofundada da Palavra de Dsus e de obras de espiri
tualidade. O estudo predispóe o cristáo á contempla<jao ad
quirida, ou seja, á meditagáo consciente e voluntaria das ver
dades da fé.

— 10 —
.SENHOR, ENSINA-NOS A ORAR !> 11

3. O santo lazer da ora{5o

1. O que acaba de ser proposto, aplica-se de modo es


pecial á vocacüo dos mongas. Estes sao dispensados pelo Se-
nhor Deus das obrigagóes de familia e de afazeres lucrativos
a fim de viver, por excelencia, de Deus e para Deus. Aos
monges, portante, compete na S. Igreja de Deus — e princi
palmente em nossos días, quando a prática .da oracáo é assaz
reduzida ou esquecida — cultivar a vida de oracáo, seja par
ticular, seja comunitaria. Há aqueles e aquelas que perma-
neosm constantemente na clausura a fim de usufruir dos be
neficios que o retiro do mundo pode propiciar á vida espiri
tual. Outros há que Deus coloca em atividades fora da clau
sura compatíveis com o estado monástico; também estes, do
ssu modo, sao chamados a desenvolver profunda vida de ora-
gáo; esta lhes será sempre possível, pois Deus nao recusa a
sua grasa a quem Ele assinala determinada tarefa, por mais
agitada que seja.

Seja aqui citada a conclusáo com que o P. Rene Voillau-


me enosrra o seu livro «Prier pour vivre» :

"A vida contemplativa, no claustro ou fora do claustro, nao 6 outra


coisa senáo urna antecipacáo do que deve ser um dia o estado de vida
de toda criatura humana; esta é a sua última e verdadeira justificativa,
sem a qual ela noo tem sentido. Anteclpamos desde já o que deve ser o
destino de todo homern salvo e glorificado por Cristo... Apesar de nos-
sas fraquezas e da maneira miserável como vivemos tal vocacáo, nosso
estado de vida fica sendo a afirmacao da vocacáo sobrenatural da huma-
nidade. O mundo precisa de ver essas realidades, nao somente afirmadas
em pregacoes, mas realmente antecipadas ante os seus olhos em vidas hu
manas" ("Prier pour vivre". París 1966, p. 125).

2. Do sou modo, tambóm os cristáos que vivrm no sé-


culo sao chamados a levar profunda vida de oracáo : a orac.áo
pessoal é essencial á vida crista.

Verdade é que em nossos dias há quem considere a ora


cáo como urna í'uga ou evasáo; seria urna separacáo dos ou
tros e um desperdicio de energía. — Em resposta, pode-se
reconhecer que há certas formas de vida interior que sao
simplesmente urna egoísta procura de si mesmo. Nao é nisto,
porém, que consiste a oragño crista, como observa mais urna
vez o Cardcal Daniólou :

"Na vida de ora$5o crista auténtica, nao há perigo de nos separar-


mos uns dos outros. Nao se trata de um regresso a nos próprios senáo

— 11 —
12 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS* 157/1973

para encontrarmos a Deus, que em nos vive, e o contato com Deus far-
nos-á amar mais os outros...

Na medida em que o amor do próximo decorre do amor de Deus,


faz-nos ver os outros á luz em que Deus os ve. Aparece-nos cada um como
urna determinada Idéla de Dous, urna peculiar ImitacSo de sua beleza,
como urna determinada obra prima quo Ele procura construir. A carldade
será, pois, colaborar na obra do Deus operario, ajudá-lo a construir a
cidade dos filhos de Deus. A carldade crista abrange o homem todo, mas
precisamente porque o abrange totalmente, ve-o á luz do que Irte dá a
plenitude, a sua vocaclo de eternidade. Amputada do amor de Deus a
carldade rebaixar-se-á ao nivel de urna solidariedade slmplesmente hu
mana. Certamente, esta solidariedade existe tora do cristianismo. A histo
ria está chela de exemplos de homens que se dedlcaram aos seus seme-
Ihantes num plano meramente humano. Encontramos múltiplos exemplos
a nossa volta. No próprlo cristianismo, esta carldade desempenha um pa
pel essenclal, tanto no plano privado como no plano social, porque a ca
rldade de Cristo abarca tudo, nSo se detém na miseria temporal. Há urna
outra miseria, bem plor, que é a miseria espiritual. So Cristo atinge a
raíz desta miseria, Ele o único que desceu ao dominio da morte para
destruir o seu poder. Dal considerarmos rebaixamento quando os cristáos
reduzem a sua mensagem a urna HbertacSo temporal, que ticará para sem-
pre limitada" ("Evangelho e Mundo moderno", pp. 144-146).

Estas reflexóes sobre a oracáo e seu significado na vida


do cristáo contemporáneo possam contribuir para dissipar
mal-entendidos e avivar em muitos coragóes a estima da au
téntica oracáo crista !•

Amigo,

Jó ronovou sua assinatura de PR para 1973 ? Caso


nao, faga-o sem ¡demora em nome da Editora Laudes, Rúa
Sao Rafael, 38, 20000 Rio (GB) - ZC-09. A sua pronta eola-
boragño terá valor que talvez voce nao imagine.

E, se esta revista Ihe foi útil, voce nao a quer difundir


entre os seus amigos ?

— 12 —
Vinte anos
ano de existencia :

conferencia nacional dos bispos


do brasil (CNBB)
que é? que pretende?

Em sintese: Desdo os primciros sáculos, os bispos tcm procurado


exercer as suas íuncCes pastorais de manoira colegiada, reunindo-se em
sfnodos a (im de estudar conjuntamente os assuntos atinentes a acüo da
Igreja neste mundo.

A consciéncia do colegiado dos bispos se tornou especialmente viva


nos últimos decenios. No Brasil teve sua expressSo máxima na criacio da
Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) verificada em 14 de
outubro de 1952. Hoje em dia contam-se 92 Conferencias Episcopals es-
parsas pelos cinco continentes do globo. A CNBB realiza suas assembléias
plenárias de dois em dois anos reunindo entfio cerca de 250 bispos,
que estáo á frente das 204 circunscricóes eclesiásticas do Brasil. Além
da assembléia plenária, varios órgSos movimentam a CNBB : a ComissSo
Representativa (36 bispos eleitos pelo plenário), que se reunem anualmente;
a Comlssáo Episcopal de Pastoral (6 bispos igualmente eleitos) que se
reúne na última semana de cada mes; a Presidencia c a Secretaria Geral.

A CNBB tem feito certos pronunciamentos sobre a situacáo sócío-


-económlca e a política do Brasil, que se tém prestado a mal-entendidos.
Na verdade, a Igreja nSo tem partido político, mas Ela se julga obrigada
a ¡ntervir na historia dos homens sempre que esta pareca desenvolvor-se
contrariamente aos principios do Evangelho. é missáo da Igreja contribuir
para que os valores humanos (que o Cristianismo corrobora) sejam res-
peltados e se traduzam concretamente ñas cstruturas da sociedade c ñas
instituicóes públicas. Dai os pronunciamentos dos bispos sobre certos
aconteclmentos da vida nacional contemporánea. — Reconheca-se, porém,
que nao é fácil realizar adequadamente pronunciamentos de tal tipo, pois
exige se levem em conta numerosos e mui diversos (atures. Por ¡sto, se
nem sempre as palavras dos bispos logram os efeitos positivos alme.ndos,
nao se deve, por isto, negar a boa intengáo e o desejo de acertar da
parte desses pastores do povo de Deus

Comentario : Aos 14 de outubro de 1952 íoi fundada no


Rio de Janeiro a Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil
(designada por CNBB), que .desde entáo tcm desenvolvido

— 13 —
U - PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 157/1973

ngáo notável no cenário da vida brasileira. Visto que nem


sempre sao claros o significado e os objetivos da CNBB, pro
curaremos, ñas páginas que se seguem, oferecer ao leitor
alguns dados sobre essa entidade e seu modo de agir.

1. CNBB : quarrdo e como. . . ?

A Igreja sempre teve consciéncia de que os bispos, como


suoassores dos apostólos, nao se devem isolar uns dos outros,
mas háo de exercer varias .de suas fungóes pastorais colegial-
mente, isto é. em agáo conjunta. Daí a realizagáo de Sínodos
ou assembléias de bispos desde os primeiros séculos do Cris
tianismo; esses sínodos podiam ser regionais apenas ou uni-
versais (tomando entáo também o nome de Cotacflios Ecumé
nicos).

Acentuando essa praxe, o Concilio de Trento (1543-1565)


incutiu a celebragáo freqüente de reunióes sinodais. No Bra
sil, o primeiro desses Sínodos teve lugar em Salvador no ano
de 1707; um de seus resultados foram as «Constituigóes» que
por quase duzentos anos nortearam a vida da Igreja no
Brasil.

Em 1899 o Papa Leáo XIII promoveu em Roma o Con


cilio Plonário Latino-Americano, que formulou normas para
a ncao pastoral dos bispos no nosso continente; entre outras,
achava-se a exortagáo a que os bispos ss reunissem periódi
camente a fim de estudar conjuntamente os problemas ocor-
rentes em sua missáo e procurassem a respectiva solugáo. Em
eonseqüénein, rcgisíraram-se as assembléias episcopais do
Xoi-io (Balva) e do Sul (Sao Paulo) ,do Brasil em 1907. Fo
ram entáo atualizadas as «Constituigóes Primeiras do Arce-
fíispado da Babia»; a catequese se renovou e comegaram a
se mulliplicar as dioceses e arquidioceses do Brasil, a fim de
¡i¡( :idcr mais eficazmente as exigencias da missáo.

No Brasil, a República estabeloceu cm 18S9 a separagáo


da Igreja e do Estado. Dasde 2ntáo os bispos se aentiram
sempre na obrigacáo de oferocer urna contribuicáo crista a
ostruturacáo :1a nacáo. Após a revolugáo de 1930, ó digna de
mrncáo a atuagáo do Cardeal D. Sebastiáo Leme, que for-
mulava as «reivindicagües politicas» dos católicos : que a nova
Constituirlo se abrisse invocando o nome de Deus, assegu-

— 14 —
CNBB QUE fe? 15

rasse o ensino religioso facultativo ñas escolas, a assisténcia


espiritual as Forcas Armadas c a indissolubilidade do casa
mento.

Em 1939 realizou-se no Rio de Janeiro o Concilio Plená-


rio do Brasil sob a presidencia de D. Sebastiáo Leme, legado
papal; era mais urna profunda tomada de consciéncia dos bis-
pos do Brasil frente as interrogacóes do momento.A seguir,
o episcopado paulista, no qual se salientava a figura de D.
José Gaspar de Affonseca e Silva, arcebispo de Sao Paulo,
promulgaría algumas Cartas Pastorais coletivas, que acompa-
nhavam o Brasil sob o regime da ditadura e da guerra; mostra-
vam-se os pastores vigilantes e destemidos na defesa dos prin
cipios cristáos que pudessem ser afetados pela situagáo de
emergencia da patria. O exemplo do episcopado paulista foi
imitado em outras partes do país.

Apesar desses pronunciamientos coletivos, nao se pode


dizer que naquela primeira metade do sáculo XX o episcopado
no Brasil estivesse agindo de maneira colegial; cada bispo em
sua diocese seguía diretrizes próprias, despreocupado do que
seguiam seus irmáos no episcopado; cada qual prestava contas
diretamente a Roma. Visto, porém, que esta situagáo enfra-
quecia a acáo do episcopado, pensaram os mentores deste em
constituir urna entidade organizada, com estatutos e regi
mentó, destinada a promover o conhecimento mutuo dos
bispos e a coordenar os seus trabalhos; em assembléias pe
riódicas, os bispos estudariam sistemáticamente as questóes
ocorrentes na sua agáo pastoral e procurariam colegialmente
as solucóes mais adequadas.

Note-se, alias, que a primeira vez que surgiu a idéía da


criacáo de um órgáo coordenador das atividades dos bispos
brasileiros, ocorreu em 1947, num congresso de Acáo Cató
lica, da qual era presidente o Sr. José Vieira Coelho e assis-
tente geral o bispo auxiliar do Rio de Janeiro D. Hélder Cá
mara .

Tal Ldéia tornou-se realidade quando di 14 a 17 de outu-


bro de 1952 se reuniram no Palacio de Sao Joaquim (Rio de
Janeiro) os Cardeais D. Jaime Cámara (Rio), D. Carlos Car
melo (Sao Paulo) e os demais bispos do Brasil, a fim de fun
dar a Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil. Esta, por
sua direcáo e sua assessoria, possibilitaria maior intercambio
dos bispos do Brasil e lhes ofereceria elementos valiosos em
vista de melhores resultados pastorais.

— 15 —
Iti _;PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 157/1973

Organizada segundo os modelos das Conferencias dos


Bispos da Alemanha e dos EE.UU. e posteriormente remo-
delada segundo as ligóes da experiencia brasileira, a CNBB é
urna das mais bem estruturadas, dinámicas e importantes
dentre as 92 Conferencias Episcopais existentes nos cinco con
tinentes. Ela corresponde a um anseio da Santa Sé, que de-
seja promover a agáo colegiada dos bispos, evitando a perda
de tempo e energías.

A CNBB teve como presidentes, sucessivamente, D. Car


los Carmelo de Vasconcellos Motta (arcebispo de Sao Paulo),
D. Jaime de Barros Cámara (arcebispo do Rio de Janeiro,
já faleddo), D. Agnelo Rossi (arcebispo de Sao Paulo, hoje
Prefeito da Congregacáo para a Evangelizagáo dos Povos,
em Roma), D. Vicente Scherer (arcebispo de Porto Alegre)
e atualmente D. Aloísio Lorscheider (bispo de Santo Angelo,
RS). Os Secretarios Gerais da Conferencia foram até agora
D. Hélder Cámara (hoje arcebispo de Olinda-Recife), D.
José Goncalves da Costa (bispo de Presidente Prudente, SP),
D. Aloísio Lorscheider e D. Ivo Lorscheiter (bispo-auxiliar
de Porto Alegre).

As finalidades da CNBB sao assim enunciadas pelo seu


Estatuto aprovado na assembléia geral de maio de 1971 (Belo
Horizonte) :

"Art. 1? — A Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil... é a ins-


lituicao do Episcopado no Brasil que, como expressSo do afeto colegial,
tem por finalidade:

a) esludar assuntos de interesse comum da Igreja no país, para


melhor promover a acSo pastoral orgánica;

b) deliberar em malarias de sua competencia, segundo as normas


do direlto comum ou de mandato especial da Sé Apostólica;

c) manifestar solicilude pela Igreja Universal, artavés da comunhSo


e colaborado com a Sé Apostólica e com as outras Conferencias Eols-
copáis;

d) cuidar do relacionamenlo com os poderes públicos, a servico do


bem comum, ressalvado o conveniente entertdimonto com a Nunciatura
Apostólica no Ámbito de sua competencia especifica."

Como se vé, a CNBB nao pretende ser um órgáo de co


mando para os bispos do Brasil; somente em circunstancias

— 16 —
CNBB QUE É

especiais, as suas proposigoss tém foca de lei.1 Trata-se,


antes, de uma entidade que exprime a solicitude, o afeto e a
consciénda colegial dos bispos do Brasil — o que certamente
é de grande valor; aponta aos bispos os resultados das re-
flexóes do episcopado do Brasil, ficando, porém, a cada bispo
a liberdade de julgar esses dados e aplicá-los na medida em
que o queira.

2. Como funciona a CNBB?

1. O Brasil está distribuido em 204 circuiiücricoes


eclesiásticos, assim discriminadas :

arquidioceses : 32
dioceses : 131
prelazias: 41

N. B.: a dlocese (ou blspado) é um conjunto de paróquias adminis


tradas e servidas por presbíteros (padres), tendo á frente um bfspo.

A arquidlocese é uma dlocese de importancia, que tem como su


fragáneas algumas dioceses vizlnhas (cada capital de Estado do Brasil
ó sede de arquidiocese, exceto Cruzeiro do Sul no Acre). Cada arquidlo
cese com suas sufragáneas constituí uma Provincia eclesiástica.

Prelazla é uma diocese em formacáo. Tem á frente um prelado, que


nao é necessariamente um bispo (mas geralmente o é). As prelazias ocor-
rem em territorio de mlssao, .onde a igreja ainda está em fase de oraa-
nlzacao.

2. Segundo o «Diretório Litúrgico» publicado pela CNBB


para J973, o número de bispos do Brasil, a 17VIII/1972, ele-

1 £is o que reza o Regimentó da CNBB no seu art. 4° :


"As decis6es das Assembléias Gerais tém forca de lei e conse-
qüéncias jurídicas, quando reunlrem as tres condicSes seguintes :
a) obtiverem aprovacáo de ao menos dois tercos dos membros;
b) versarem sobre materia confiada á deliberacáo da Assembléia,
por determinacSo do direfto conium, ou por delegacSo da Sé Apostólica,
conferida por iniciativa desta ou solicitada pela própria Assembléia:
c) forom confirmadas pela Santa Sé.
Parágrafo único: — Entre as conseqüéncias jurídicas, a que se refere
este artigo, Inclul-se o direito de recurso judiciário ou administrativo aos
orgaos eclesiásticos competentes, por parte das pessoas físicas ou mo
ras que se tenham por prejudicadas".

— 17 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 157/1973

va-se a 272, assim distribuidos: 4 Cardeais-arcebispos (dos


quais um, o Cardeal D. Agnelo Rossi, se acha atualmente em
Roma, como Prefáto da S. Congregagáo para a Evangeliza-
Qáo dos Povos); 36 arcebispos e 232 bispos. Dentre os bispos,
a grande maioria é de pastores residenciáis (isto ó, responsá-
veis diretos pela pastoreio de urna diocese), algqns sao titu
lares (destes, a maior parte é de bispos auxiliares de algu-
ma diocese, outros poucos sao prelados que renunciaram ao
governo de diocese por motivo de saúde ou idade). Contam-
-se também no Brasil 3 Abades Nullius e 2 Administradores
Apostólicos. O Sr. Arcebispo de Brasilia é Vigário Militar,
encarregado de todo o servigo religioso católico junto as For-
Cas Armadas.

3. As circunscrigóes eclesiásticas do Brasil estáo distri


buidas em 14 Regides, que constituem Secretariados Kegionais
da CNBB, tendo á frente um (arce)bispo local. Tais sao:

1) Norte I (Amazonas, Acre, Roraima, parte de Ron-


dónia),

2) Norte II (Para, Amapá),

3) Nordeste- I (Maranháo, Piaui, Ceará),

4) Nordeste II (Rio Grande do Norte, Pernambuco,


Paraíba, Alagoas, Fernando de Noronha),

5) Nordeste ni (Sergipe, Bahía),

6) Leste I (Guanabara, Estado do Rio),


7) Leste II (Minas Gerais, Espirito Santo),
8) Centro (Brasilia, DF),
9) Centro Oeste (Goiás)
30) Extremo Oeste (Mato Grosso e parte de Rondónia),
11) Sul I (Sao Paulo),
12) Sul II (Paraná),
13) Sul III (Rio Grande do Sul),
14) Sul IV (Santa Catarina).

4. A CNBB realiza de dois em dols anos urna assem-


bléia geral, em que examina e estuda os problemas que inte-
ressem a Igreja no Brasil.

— 18 —
CNBB QUE É? 19

Á assembléia compete eleger, por um mandato de quatro


anos, os tres membros integrantes da Presidencia da CNBB,
a saber: um Presidente, um Vice-Presidente e um Secretario
Geral.

5. Os 14 Secretariados Regionais da CNBB elegem seus


representantes (um representante por dez membros ou me
nos), os quais, juntamente com os membros da Presidencia
e da Comissáo Episcopal de Pastoral, constituem a Comissáo
Representativa da CNBB. Esta consta atualments de 36 mem
bros, que se reunem urna vez por ano, a fim de
tomar decisóes inadiáveis «ad referendum» .da assem
bléia geral,

elaborar a pauta dos trabalhos da assembléia geral,


acompanhar as atividades dos organismos permaneces
da CNBB,

deliberar sobre qualquer assunto, por delegaeáo expressa


da assembléia geral, salvo prescricáo do Direito Comum ou
determinagáo da Santa Sé.

6. A Assembléia Geral elege também os membros da


Comissáo Episcopal de Pastoral (tantos quantos julgar ne-
cessários; atualmente sao seis bispos). Esta Comissáo se reú
ne mensalmente e coordena a execugáo das deliberagóes de
índole pastoral da Assembléia Geral e da Comissáo Repre
sentativa da CNBB.

7. Existe também a Comissáo Nacional do Clero, órgáo


de natureza consultiva, constituido de representantes eleitos
pelas Comissóes Regionais do Clero. Competc-lhe encaminhar
á Presidencia, á Comissáo Representativa ou á Assembléia Ge
ral as sugestóes que lhe parecem oportunas, assim como fo
mentar a aplicagáo das normas de ac.áo tragadas pela Assem
bléia Geral e por órgáos da CNBB.

8. O Secretario Geral da CNBB é coadjuvado por Secre


tarios adjuntos e por Subsecretarios Gerais; pode valer-se
também dos servigos de tantos Diretores de Departamentos,
clérigos ou leigos, quantos necessários.

9. Note-se aínda que existem entidades c organismos


cujo funcionamento está, de certo modo, vinculado á CNBB.
Tais sao: a Campanha da Fraternidade, a «Caritas» Brasilei-
ra, o Centro de Estatística Religiosa e de Investigagáo Social

— 19 —
20 PERPUNTE E RESPONDEREMOS.* 157/1973

(CERIS), o Instituto Nacional da Pastoral (INP), o Instituto


de Previdencia do Clero (IPREC), o Movimento de Educagáo
de Base (MEB), o Servigo de Cooperacáo Apostólica Inter
nacional i? outros.

Pennmta-se acora:

3. E que fez a CNBB até hoje ?

1. Desde que comegou a existir em 1952, a CNBB tem-


-se empenhado por Coordenar as diversas iniciativas e ativi-
dades dos bispos no Brasil, fornecendo subsidios e materiais,
ministrando orientagóes e diretrizes a quem as pega, dando
informacóes, distribuindo torgas, cstabelecendo ligagóes com
o governo ou as autoridades governamentais, relacionando-se
com entidades estrangeiras e com a Santa Sé... O campo de
servigos é i menso.

2. A CNBB nfio é órgüo <fc» comando. Ncm os Cardeais


nem os arcebispos exercem chefia ou jurisdigáo fora das res
pectivas dioceses. Na verdade, cada bispo em sua diocese
goza de liberdade para organizar as atividadcs pastorais dio
cesanas como melhor lhe parega, estando obrigado apenas
a seguir as determinagóes que direta ou indiretamente venham
da Santa Sé e tenham caráter imperioso. Se, portante, algum
bispo houver por bem divergir dos bispos vizinhos no tocante
á celebragáo da Liturgia ou á pastoral da familia ou da juven-
tude, poderá fazé-lo (contanto que nao se oponha as diretrizes
emanadas de Roma). Nem a presidencia ou assembléia geral
da CNBB, nem algum Cardeal ou arcebispo nem outro bispo
podorá intervir com autoridade judiciária na diocese de tal
bispo que, embora difira cá ou lá da orientacáo de seus irmáos
no episcopado, ainda esteja dentro do ámbito daquilo que a
Santa Sé preceitua ou permite. A consciéncia deste dispositivo
administrativo é útil a quem acompanha os pronunciamentos e
atitudes públicas dos pastores da Igreja; sao tais que nem
sempre envolvem a responsabilidade da CNBB ou do episco
pado e — muito menos — a da S. Igreja como tal.

3. A fim de atingir os seus objetivos, a CNBB tem


promovido assembléias gerais, das quais já doze se registra-
ram desde a sua fundagáo. Vem realizando também Encon-
tros regionais de bispos a fim de tratarem das questSes pró-

— 20 —
CNBB QUE É ? 21

prias a tal ou tal regiáo. Digno de mengáo especial foi o


Encontró efetuado em Campiña Grande (PB) em 1956; reu-
nindo os bispos do Nordeste, despertou vivamente a consci-
éncia das autoridades eclesiásticas e civis para a problemática
daquela porcáo do Brasil o a neccssidade de 92 procurarem
solugócs cristas para a mesma.

Em 1962 a Assembléia geral da CNBB, atendendo a um


apelo do Papa Joáo XXIII, estudou e promulgou um Plano
de Emergencia, ou seja, um plano de agáo conjunta do Epis
copado, válido por tres anos. Este plano proporcionou á Igre-
ja novo dinamismo e novas possibilidades de agáo, preparando
terreno propicio para ampia renovacáo na linha do Concilio
do Vaticano n. Após o encerramento deste, novo Plano foi
promulgado pela CNBB em 1966, válido por cinco anos com
o nome de «Plano Pastoral de Conjunto»; este visa a aplicar
eficazmente as condigóes do povo de Eteus no Brasil as dire-
trizes emanadas do Concilio do Vaticano II. Este novo plano
apontava seis grandes linhas de trabalho :

1) Promover urna scmprc mais plena unidade visivel no


seio da Igreja Católica.

2) Promover a acáo missionária.

3) Promover a acáo catequética, o aproíundamento dou-


trinal e a reflexáo teológica.

4) Promover a agáo litúrgica.

5) Promover a acáo ecuménica.

6) Promover a melhor insergáo do povo de Deus como


fermento na construgáo de um mundo segundo os designios
de Deus.

Com outras palavras, estas seis linhas sao : Unidade da


Igreja, Evangelizacáo, Catequese, Liturgia, Ecumenismo, Agáo
Social. Até hoje tais linhas de agáo continuam em foco em
diversos planos de Pastoral elaborados por dioceses ou re-
gióes do Brasil.

No próximo bienio 1973-1974, a agáo da Igreja no Brasil


terá em mira tres objetivos, apontados por D. Lucas Moreira
Neves, da Comissáo de Pastoral da CNBB:

— 21 —
22 ePERGUNTE E RESPONDEREMOS» 157/1973

a) a estrutura comunitaria da Igreja («lavar a Igreja


a ser cada vez mais uma grande comunidade, formada de
pequeñas comunidades diocesanas, paroquiais e de base, res-
pondendo assim a própria definicáo da Igreja, que deve ser
uma comunidade»):

h) o laicato («nos sentimos a necessLdade de consagrar


esse bienio a uma retomada de tudo quanto se fez com rela-
Cáo ao laicato»):

c) a Igreja no atual momento brasileiro («toda a pro


blemática da Igreja-Estado no momento sócio-politico e cul
tural que o Brasil vive, toda essa presenca da Igreja, que,
por obrigaejio, deve estar na vida dos homens»).

4. Nao é nosso objetivo enumerar exaustivamente o que


a CNBB tem feito em seus vinte anos de existencia. Interes-
sava apenas acentuar que ela corresponde a um anseio da
Santa Sé e dos bispos do mundo inteiro. Em nossos tempos,
aqueles que se esforgam em prol ,de uma causa, tém consci-
éncia de que só poderáo lograr éxito se unirem suas forgas
e trabalharem em comunhád fraterna. Além disto, a própria
índole da Igreja e da missáo do episcopado exigem agáo co
legiada (o que nao extingue, em absoluto, o primado de Pedro
e seus sucessores, os Papas). A propósito, pode-se lembrar
que em 1955, por ocasiáo do Congresso Eucarístico Interna
cional realizado no Rio de Janeiro, foi fundada nesta cidade
a Conferencia Episcopal Latino-Americana (CELAM), que
visa ao maior entrosamento dos bispos do nosso continente.
Seja mencionado também que, a pedido dos bispos do Conci
lio do Vaticano II (1962-1965), se reúne atualmente, de dois
em dois anos, o Sínodo Mundial dos Bispos: representantes
do episcopado do mundo inteiro convergem para Roma, onde
estudam conjuntamente as questóes que preocupam a Igreja
no momento presente; em conseqüáncia, existe uma Secretaria
Permanente do Sínodo Mundial dos Bispos, que se dedica in-
teiramente a promover o bom éxito de tais assembléias.

Compreende-se, pois, sem dificuldades que no Brasil os


bispos estejam reunidos em uma Conferencia Nacional. A idéia
é feliz e louvável. Há, porém, quem julgue que a CNBB se tem
preocupado demais com questóes temporais, atinentes (a vida
sócio-económica e política do país. — A guisa de elucidacáo,
diga-se o seguinte : a Igreja nao tem partido político; eom-

— 22 —
CNBB QUE É? 23

pete-lhe, porém, considerar as estruturas sociais e temporais


da nacáo do ponto de vista do Evangelho, ou seja, na me
dida em que está interessada a pessoa humana, feita á ima-
gem e semelhanca de Deus,... na medida em que as virtudes
cristas da fraternidade, da justica, do amor evangélico... sao
postas em causa; embora o reino de Cristo nao seja deste
mundo, o cristáo nao se pode dizer auténticamente cristáo,
se ele pactua com situacóes, injustas ou contrarias as normas
do Evangelho. Eis por que os bispos do Brasil se tém pro
nunciado sobre este ou aquele aspecto da vida pública na
cional.

É o que explica D. Lucas Moreira Neves, bispo auxiliar


de Sao Paulo e membro da Comissáo de Pastoral da CNBB :

"A acusacáo míe se faz á CNBB de se preocupar mais com os as


pectos polltlco-soclals do que com os religiosos, basela-se num equivo
co... Na verdade, a vida normal da CNBB se processa em torno da edu-
cacSo religiosa do povo de Deus no Brasil, da oracSo desae povo de Deus,
da criacSo de comunidades ecleslais de fe, de esperanca, de amor mutuo,
de cartdade fraterna e de oracSo. Evidentemente faz pate da mlssSo di
Igreja a orientacSo dos .homens no seu destino humano. A Igrela faltarla á
sua mlssfio se ela isolasse no homem apenas os seus aspectos religiosos
e desconhecesse nesse mesmo homem as suas necessidades cívicas, suas
aspirares políticas, sua educacSo cultural. O Concillo lembrou multo bem:
a Igreja é chamada, também, a orientar o homem em outros campos que
nio o religioso. No Brasil, a CNBB se vé obrlgada, pelo próp'io Cristo e
pelo próprlo Evangelho, a levar em conslderacáo toda essa problemática
social, econOmica, politica. Parece-me que a riqueza da Igreja reside na
capacldade que ela tem de nSo formar campos estanques, mas de olhar
o homem como um todo e de ter, para esse homem, respostas ás suas as-
piracSes e necessidades religiosas, respostas ás suas aspirares e ne
cessldades culturáis e políticas.

Se a Igreja se Isola num determinado campo, ela corre o perigo de se


alienar de toda urna problemática humana sob o pretexto de nao se tra
tar de um problema religioso ou entáo de atender somente a um problema
político, como farla um Partido qualquer. O segredo da Igreja, a riqueza
da Igreja é olhar. o homem como um todo e dar a esse homem a3 respos
tas todas que ele postula. E a Igreja tem no seu depósito, quer no Evan
gelho, quer no magisterio, respostas a essas indagacdes e a esses pro
blemas. A grande preocupado da CNBB no momento (e eu posso dar
esse teslemunho como Integrante, pela segunda vez, da Comissáo Epis
copal de Pastoral) é dar esse atendlmenlo ao homem como um todo"
(transcrito do "Jornal do Brasil", 18/X/72, p. 16).

Eis o programa da CNBB. Vé-se que ela nao pretende


sair dos termos que lhe parecem definir a sua missáo em prol
da Igreja e da humanidade. É preciso, porém, reconhscer que
a execugáo de um tal programa nao é fácil, pois a realidada

— 23 —
2! PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 157/1973

humana no Brasil e no mundo oferece um conjunto de face


tas complexas, sujeitas a ser julgadas diversamente e diver
samente encaminhadas. Reconhecamos também que nao é
fácil intervir e pronunciar-se em situagdes sociais e políticas;
numerosos e diversos fatores tém de ser levados em conta
para que determinado pronunciamento seja oportuno e cons-
trutivo, atingindo realmente a finalidade positiva a que si»
destina; os bispos do Brasil tém adquirido consciéncia cada
vez mais lúcida deste fato; a experiencia lhes tem servido de
mestra. Em conclusáo : ss as palavras de urna declaragáo nem
sempre sao felizes ou bem entendidas, nao se negué, por isto
mesmo, a intengáo reta e louvável daqueles que a fizeram.

Possam estes dados e essas reflexóes contribuir para dis-


sipar qualquer equívoco ou qualquer falsa imagem que, no de-
correr dos tempos, se tenha criado a respeito da CNBB !

livros em resenha
A Igreja e o aborto. Declara^dos de Conferencias lCplscopais.
■¡Sal da Térra» n' 1. — Edic5es Paulinas, SSo Paulo 1972, 135 x 210
mm, 133 pp.

O debate sobre o aborto tcm ocupado os ambientes civis c re


ligiosos do mundo intoiro, nao excetuando o Brasil. Ora, a íim de
dar urna contribuicáo muito útil aos que discutem o assunto, a Con
ferencia Nacional dos Bispos do Brasil houve por bem coletar e pu
blicar no volume ácima dezessete pronunciamentos de Conferencias
Episcopais de outros paises: Perú, Estados Unidos da América, Ca
nadá, Holanda, Alemanha. India, Bélgica, Franca, Italia, Paises Nór
dicos... Essas declaracücs abordam o assunto sob os mais diversos
aspectos: direito pessoal á vida, responsabilidade dos país, direito ci
vil, conseqüéncias fisicas, psicológicas, moráis e sociais do aborto...
Nao falta a consideracáo dos problemas da máe solteira e da previsáo
de anomalía fisica ou mental do nascituro; até mesmo a difusáo da
pornografía e a permissividade das Ieis sao encaradas nesse docu-
mentário, que pode ser fácilmente compulsado pois é munido de Índice
temático assaz minucioso.

Nao há dúvida, os bispos no mundo inteiro tém levado em conta


a angustia de pessoas e casáis que se véem diante da perspectiva de
ter um filho indesejado. Todavia procuram mostrar que no julgamento
de tais sltuacSes aflitivas nao se devem ponderar apenas os interes-

(continua á p. 42)

— 24 —
De casa em casa, oferecendo livros:

testemunhas de jeová quem sao?

Em Síntese: As testemunhas de Jeová constituem urna seita fundada


por Charles Taze Russell (1852-1916) e Joseph Franklin Rutherford (1869-
1942). Baseando-se em textos bíblicos, fantasiosamente interpretados, ne-
gam a SS. Trindade em Deus, a Divindade de Jesús Cristo, a imortalidade
da alma... Inspirados por veemente pessimismo em relacSo a todas as
instituicSes religiosas e civis, sfio Infensos tanto ao catolicismo como ao
protestantismo, e recusam transíusfio de sangue (pois, segundo a Biblia,
a vida, que é proprledade exclusiva de Deus, está no sangue), prestacáo
de servido militar, uso de fumo, álcool, prática de caga e pesca amado
ras. .. A segunda vlnda de Cristo é itninente ; Jesús instaurará um reino
milenar na térra, no qual haverá paz e bonanca; ao termo desse periodo,
dar-se-á a batalha de Harmaguedon. Apenas 144.000 justos serao salvos
no céu; "outras ovelhas" permanecerfio na térra, sem sofrimento, mas om
proliferacSo constante...

Nao é neeessário demonstrar qufio gratuitas e arbitrarias sao tais


proposicóes; estáo longe de resultar de urna leitura serena e científica da
Biblia. O grande éxito que as Testemunhas de Jeová tém obtido, explica-
-se, em grande parte, por encontrarem um público destituido de ¡niciacáo
bíblica, ás vezes alheio á prática religiosa (católica ou protestante); visi
tando as casas de familia, as Testemunhas sSo adestradas na prática do
proselitismo, de modo que sabem persuadir. A esperanca (sugerida pelas
Testemunhas aos seus ouvintes) de estarem com o especial favor de Deus
num momento da historia em que Satanás campeia pelo mundo, nao pode
deixar de allciar o público.

A propaga^So das Idélas das Testemunhas de Jeová vem a ser, para


os fiéis católicos, urna veemente exortacSo a que procurem aprofundar c
consolidar seus conhecimentos bíblicos e religiosos.

Comentario: Vao-se tornando muito notónos certos


grupos de crentes que, dizendo-se «Testemunhas de Jeová»,
visitam as casas, a fim de oferecer Biblias e argumentar...,
ou recusam transfusáo de sangue e prestagáo de servico mi
litar, saudacáo á bandeira... Eram cerca de 44.000 adeptos
em 1940, ao passo que em 1970 diziam contar com sete mi-

— 25 —
2(1 PERGUNTK E RESPONDEREMOS» 157/1973

lhoes de crentes no mundo inteiro1. A partir de sua sede


central («Watch Tower») em Brooklyn nos EE.UU., langou
a Sociedade das Testemunhas, em 72 idiomas diferentes, mi-
lhares de toneladas de livros, folhetos e revistas. Em 1969,
conforme o Anuario da Organizagáo, editaram-se em 26 línguas
um total de 159.395.59S exemplares da revista «A Sentinela» e
166.356.756 exemplares de «Despertai!»

Visto que no Brasil o avango da saita tem suscitado a


necessidade de esclarecimentos, vamos dedicar as páginas se-
guintes ao estudo das origens e da doutrina das Testemunhas
de Jeová. Ao que se seguirá breve confronto com a mensa-
gem bíblica propriamentedita.

1. Testemunhas de Jeová : surto

As Testemunhas de Jeová constituem mais urna ramifi-


cacáo do protestantismo (ou mais urna dissidéncia dentro da
dissidéncia), embora esses irmáos crentes já nao se digam
protestantes. Na verdade, da denominagáo batista procedeu
o bloco adventista em 1844; dos adventistas separaram-se as
Testemunhas de Jeová em 1878, das quais, por sua vez, se
derivou o grupo recente dos «Amigos do I-Iomcm» em 1920.

Mais precisamente, assim se reconstituí o surto ña or-


ganizagáo das Testemunhas :

Na primeira metade do século passado, forte tensáo es-


catológica (ou seja, expectativa do fim do mundo) sacudiu os
ambientes norte-americanos. Foi entáo que William Miller,
membro de urna comunidade batista, anunciou ao mundo a
spgunda vinda de Cristo para o intervalo de margo de 1843
a margo de 1844. Tendo-se passado sem novidade este perío
do, Miller logo refez seus cálculos; julgou ter descoberto o
erro e poder anunciar que, aos 22 de outubro de 1844, o Se-
nhor Jesús se manifestaría sobre a térra, inaugurando um reino
de mil anos de bonanza (cf. Apc 20). Também esta data sp
passou sem que algo se mudasse na historia.

Nao obstante, o desejo de predizer com exatidáo «tempos


e momentos» (cf. At 1, 7,) continuou a seduzir certas deno-

lNa verdade, as Testemunhas de Jeová militantes parecem nao ehe-


gar a constituir um milháo.

— 26 —
TESTEMDNHAS DE JEOVÁ 27

minagóes protestantes, das quais proceden o chefe do novo


movimento religioso: Charles Taze Russell (1852-1916).

Nascido em Pittsburg (Pensilvánia), de familia presbite


riana, Russell sofreu embates de fé e tentou resolvé-los ade-
rindo aos adventistas de Mil ler. Estes haviam sido decepcio
nados em 1844, mas muitos ainda esperavam a segunda vinda
de Cristo para breve. Russell passou a afirmar que de fato
Cristo voltaria em 1874, mas de maneira invisível. Em outu-
bro de 1874 — dizia ele mais tarde —, Cristo inaugurou um
periodo de importancia capital, período de messe, durante o
qual o Senhor estaría congregando o seu rebanho. Taí perío
do terminaría em 1914, com o aparecimento notorio de Cristo
sobre a térra.

Em 1878, Russell separou-se da seita dos adventistas, pas-


sando a constituir com seus discípulos um grupo religioso in-
dependente; pos-se entáo a viajar anunciando a sua mensa-
gem ao mundo inteiro; atribuia-se a missáo de denunciar a
todos «as fraudes e blasfemias» contidas nos ensinamentos de
qualquer entidade crista, fosse católica, fosse protestante, e
de apregoar «a maravillosa noticia da instauracáo iminente,
sobre a térra, da cidade ideal paradisíaca, na qual já nao se
cometerá mal algum».

Para remover as objecóas que se faziam contra o náo-


-cumprimento das profecías adventistas, Russell concebeu a
idéia de urna vinda meramente espiritual e invisivel de Cristo.
Assim podia sustentar mesmo no fim de sua vida que em
1874 de fato se dera o grande acontecimento da descida de
Jesús á térra; afirmava, porém, que até 1914 a presenca do
Mestre seria invisível. Em 1914, Cristo nao tsndo reaparecido
sobre a Ierra, Russell adiou a data para 1918. Infelizmente,
porém, morreu em viagem aos 31 de outubro de 1916.

Teve como sucessor o advogado Joseph Franklin Ruther-


ford, desde 1907 conselheiro legal da Sociedade fundada por
Russell com o nome de «Watch Tower» (Torre de Vigia).
Rutherford proclamou-se juiz e com veeméncia singular co-
megou a condenar as instituicóes religiosas e civis da sua
época (em 1918 chegou a passar alguns meses em prisáo por
haver-se manifestado contra o servigo militar e disseminado
a insubordinacáo ñas Forgas Armadas norte-americanas).

— 27 —
2S PERGUNTE E RESPONDEREMOS^ 157/1973

Após 1918 Rutherford tinha que refazer os cálculos...


Transteriu entáo a data da manifestagáo de Cristo para 1925,
anunciando: «Podemos esperar, em 1925, ser testemunhas
da volta de Abraáo, Isaque, Jaco e de outros crentes do An-
tigo Testamento, despertados e restaurados em urna natureza
humana porfcita para serom os representantes da nova ordi*m
de coisas sobre a térra*.

Mandou conseqüentemente construir por 75.000 dólares


em San Diego (California) a suntuosa «Casa dos Príncipes»,
futura mansáo dos Patriarcas redivivos, que, na ausencia des-
tes, ele ocupava como residencia de invernó com sua esposa
e seu filho. Passou-se, porém, o ano fatídico de 1925 sem que
se presenciasse a volta de Abraáo ou de Cristo. Sem se des
concertar, Rutherford apoiou-se na seguinte advertencia, que
ainda hoje é o esteio da posicáo das Testemunhas :

"Tudo se cumpre e atesta que o Senhor Jesús está presente e seu


reino vem chegando. A ressurrei$áo dos morios comegará em breve. Di-
zendo em breve, nfio queremos dizer no ano próximo, mas eremos con-
fiantemente que terá lugar antes que decorra outro século".

Com estas palavras, Rutherford se premunía contra qual-


quei" desmentido ou decepgáo, pois desistia de fixar a data.

Quanto ao título da nova entidade religiosa, variou assaz:


«Russellitas, Auroristas, Estudiosos Internacionais da Biblia»...
Finalmente em 1931 o Conselho da Sociedade estípulou que;
seus membros se apresentariam ao mundo como «Testemu
nhas de Jeová» (cf. Is 43,10; 44,8).

Após intensos trabalhos de propaganda pelo mundo, Ru


therford se retirou para a «Casa dos Príncipes», onde veio a
falecer em 1942. Teve por sucessor Nathan Knorr, que na di-
recáo geral da seita, procurou guardar as normas d-a seus
dois antecessores.

Vejamos agora como se articula a mensagem cías Teste


munhas de Jeová.

2. A doutrina das Testemunhas

Através das múltiplas publicacóes das Testemunhas, do-


preende-se o seu corpo doutrina río, que pode ser formulado
nos saguintes itens :

— 28 —
TESTEMUNHAS DE .TEOVÁ 29

1) As Testemunhas de Jeová sao contrarias a todas as


formas de Religjáo existentes (inclusive o protestantismo e o ca
tolicismo) . Para eles, «religiáo» significa idolatría ou aposta-
sia; é obra estritamente diabólica.

E por qué? Qual o grande pecado das religióes?

— Ensinam a imortalidade da alma. Com isto tomam-


-S3 cúmplices do demonio, que quis contradizer á palavra de
Deus assim concebida no paraíso: «No dia em que comeres,
morreras» (Gen 2,17). O demonio, embora esteja consciente da
condigáo mortal do género humano, ensinou-lhe ao menos a
crer na imortalidade da alma.

2) Existe um Deus único, que, para se diferenciar dos


outros «deuses» do mundo pagáo, quis revelar a Israel o seu
nome próprio : Jeová ou Jeová Deus. É o salmo 83,18 quem
o incule, exclamando : «So Tu, cujo nome é Jeová, és o Altís-
simo sobre toda a térra!» — O nome «Jeová», dizem, passou
para plano secundario, principalmente após a morte dos Após-
lolos. Recentemente, porém, Deus quis despertar os seus fiéis
para proclamarem Jeová Deus.

Em Deus nao há tres pessoas. O misterio da SS. Trin-


dade parece absurdo as Testamunhas. Com efeito, Deus fez
o homem á sua imagem e semelhanga; ora o homem tem um,a
.so cabega; por conseguinte, Dsus nao terá tres cabegas!

3) Jssus Cristo é a primeira criatura de Joová, usado


como instrumento para a criagáo de tudo mais. Russell diz que
Ele era «Miguel Arcanjo»! Quando, milenios depois da cria-
Cáo, cssa criatura se fez homem, a sua natureza foi
completamente transformada de angélica em humana. Quando
Cristo morreu na cruz, era meramente homem; a morte foi
o seu fim total. Mas um ente-espirito emergiu do túmulo,
criado por Deus para viver urna vida meramente espiritual.
Assim as entendc a «ressurreicáo de Cristo», conforme as
Testemunhas.

4) O homem foi criado em condicóes de bonanga para


disíaca; nao possui alma imortal por sua natureza; em conse-
qüéncia, a morte vem a ser, para ele, aniquilamento total.
Foi Sata quem incutiu nos homens a concepgáo de que a alma
é imortal.

— 29 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 157/1973

As Testemunhas falam de ressurreigáo dos mortos. Esta


nao se dá por reuniáo da alma e do corpo, mas é entendida
como criacáo de um novo ser.

O homem pecou no paraíso. Desde cntño Deus luta con


tra Satanás; este suscita seus adeptos, ao passo que Deus
(Jeová) tem suas fiéis testemunhas e seus profetas.

5) A historia da humanidade, marcada por tal luta,


chegeu á sua última fase cm 1918. Desde entáo Cristo, já de
volta sobre a térra, está reinando por mil anos (veja Apc
20,6 entendido ao pé da. letra). As Tesfemunhas de Jeová
tém por funcáo apregoar esse reinado — o que se dará até
2.914. Tal período terminará com a batalha de Harmaguedon
(cf. Apc 16,16), travada entre Cristo e seus inimigos; Sata
nás desencadeará tremenda ofensiva contra os homens; to
dos seráo tentados e provados. Os que venoerem com éxito a
provacáo final, seráo divididos em duas categorías.

A primeira categoría, chamada «Classe Consagrada» ou


«Classe Vitoriosa», será um pequeño rebanho, limitado a
144.000 eleitos. Estes iráo para o ar superior, a fim de rei
nar com Cristo num reino nao terrestre; nao precisaráo de
alimento, pois teráo vida eterna; esses eleitos seráo recruta-
dos entre as Testemunhas de Jeová. Já, porém, que a seita
atinge atualmente número de membros suparior a um mi-
lháo, cada Testemunha tem motivos para conceber certa an-
siedade por saber quem integrará a cota limitada de 144.000
eleitos.

A segunda categoría constará do resto dos homens sal


vos, ditos «Jonadabs»; seráo deixados «na carne e no sangue,
que nao podem herdar o reino dos céus» (cf. 1 Cor 15,10). Esta
térra será a sua eterna morada. Seráo as «outras ovelhas»
em oposigáo ao «pequeño rebanho» dos lugares celestes. Cum-
priráo o plano de Deus, fazendo que a térra seja habitada
por homens e mulheres justos e mansos, cm ambiente de paz
perene, livres de guerra, opressáo, doenca e morte. Precisaráo
de alimento; multiplicar-se-áo e povoaráo a térra '.

'Aquí se pode perguntar: que resultará de urna constante mul.ipli-


cacao de seres humanos neste mundo, ¡sentos de morte para todo o
sempre ?

— 30 —
TESTEMUNHAS DE JEOVA 31

Quanto aqueles que nao conseguirem superar com éxito


a sua prova final, seráo aniquilados, juntamente com o Diabo
e todos os seus anjos. As Testemunhas de Jeová negam o in
ferno; o «inferno» de que fala a Biblia, seria simplesmente o
túmulo.

6) Na sua vida moral, as Testemunhas sao infensas a


diversas instituigóes vigentes na sociedade : a celebragáo de
Natal, a oferta de presentes (quem oferece, espera recebar).
Sao reservados frente ao fumo, ao cinema, ao teatro, á caga,
á pesca praticada por amadorismo (em Gen 10,8s, Nemrod,
tido como grande cacador, é condenado). Nao aceitam trans-
fusáo de sangue (pois a vida reside no sangue e pertence a
Deus só, conforme a interpretacáo dada aos dizeres de Gen
9, 3-5). Sao propensos a vsr ñas instituigóes políticas e esta-
tais, como também na Liga das Nagóes e na ONU, expressóes
de ampia organizagáo satánica.

Estes dados sao suficientes para que possamos passar a


urna

2. Reflexóo sobre a mensagem

1. As Testemunhas de Jeová compartilham plenamente


o espirito das seitas modernas oriundas do protestantismo.

E quais seriam as características desse espirito?

— A seita é «urna reforma da reforma». O fundador de


seita julga ter redescoberto o Evangelho e deseja recomegar a
vivencia do mesmo a partir da estaca zero, como se ninguém
mais estivessc entendendo o Evangelho em sua época. Em
conseqüéncia, os membros de urna seita se júlgam especial
mente iluminados por Deus para escapar á perdigáo que ame-
aga o mundo inteiro; apresentam-se como «a arca em meio á
corrupgáo universal»; esta consciéncia subjetiva leva-os fácil
mente a urna atitude de separagáo — se nao mesmo de agres-
sáo — em relacáo ao mundo e aos próprios cristáos. Certos
de que os acontecimientos váo de mal a pior, sao propensos a
admitir o fim do mundo para breve, pois a situagáo de pecado
se torna insustentável por muito tempo; para fundamentar a
sua expectativa, baseiam-sc em exegese, por vezes sutil, de
textos bíblicos. Nao raro os membros das seitas modernas pro-
metem, e parecem realizar, curas maravilhosas. Em geral,

— 31 —
32 PERPUNTE E RESPONDEREMOS> 157/1973

deixam-se guiar mais pela experiencia subjetiva e pelo senti-


mento do que por sólida compreensáo das Escrituras s do
Cristianismo.

2. Pode-sa dizer que as Testemunhas de Jeová cstáo


realmente penetradas das características do espirito de scita.
Tal espirito pode despertar fervor e entusiasmo, nao porque
seja iluminado por idéias verídicas, mas porque faz vibrar
sentimentos e afetos veementes. O estudo da Biblia entre as
Testemunhas deJeová (como em outras seitas contemporáneas)
carece, muitas vezes, das luzes que a sadia exegese contem
poránea tem projstado sobre o texto sagrado.

3. Charles Taze Russsll era comerciante perspicaz. Em-


bora pretendesse esquadrinhar o sentido das Escrituras, só li-
dava com a traducáo inglesa das mesmas, pois nao conhecia
o grego e o hebraico K Entre as conseqüéncias deste fato, po
de-a;} assinalar a seguinte: Russell lia em inglés o texto de
Lev 28,16, que, segundo o original hebraico, diz: «Se, apesar
disto, nao me ouvirdes, punir-vos-ei setc vezes mais pelos vos-
sos pecados». Ora, usando somente o texto ingles, Russell in-
terpretava seven times (more) como sete tempos ou períodos,
em vez de sete vezes. Para Russell, um tempo equivalía a um
ano simbólico, ou seja, a 360 anos (em vez de 360 dias) 2.
Sete tempos seriam, pois, 7 x 360 -f- 2520 anos. Dado que este
período de 2520 anos tenha principiado em 606 a. C. (quan-
do Nabucodonosor comecou a ameacar Jsrusalém, dando ini
cio á chamada era dos gentíos), 606 anos •haviam decorrido
no inicio da era crista e restavam 1914 anos após o nascimen-
to de Cristo para se ter o fim da «era dos gentíos» e a se
gunda vinda de Cristo (2520 — 606 = 1914). Era na base des-
tos cálculos que Russell prediziu o fim dos tempos para 1914!

Julgue o teitor a validade e solidez de tal exegese basca


da sobre a equívoca palavra time!

' Com isto nao queremos insinuar que só pode ser perito conhece-
dor das Escrituras quom conhega o grego e o hebraico. Apenas deseja-
mos observar que quem nao possua esses idiomas, deve ao menos estar
consciente de que é preciso valer-se de traducSes fiéis aos origináis e das
conclusóes que abalizados peritos em linguas biblicas e orientalismo pos-
sam fornecer ao estudioso da Biblia.
2 Doze meses lunares de 30 días perfazem 360 dias. No livro de
Ezequiel Deus disse ao profeta: "Cada dia que contó, coresponde a um
ano", é por isto que, para Russell, cada tempo equivale a um ano simbó
lico, ou seja, a 360 anos.

— 32 —
TESTEMUNHAS DE JEOVA 33

4. O fanatismo leva muitas vezes as Testemunhas a


apregoar falsas noticias, falsas noticias que eles aceitam pelo
fato de deturparem os outros crentes. Assim em 1946 Knorr
escrevia :

"O Papa fo¡ excluido da sociedade das Nacdes. Em conscqüéncia, a


hierarquia católica romana decidlu destruir essa Sociedade por rucio do
fascismo e do nazismo" ("Let God...!" p. 257).

Em outro livro escrevia o mesmo autor:

"O ano de 1940 fol o 400? aniversario da fundagSo da Ordem dos


jesuítas. NSo há dúvida, a Igreja Católica Romana escolheu essa data
para tentar conquistar o controte do mundo gracas ao polvo nazista, á
quinta coluna e á Agáo Católica" ("Nacoes, regozijal-vos!", pp. 53s).

Quem conhece um pouco a historia, só poderá lamentar


tanto fanatismo ou tanta ignorancia.

Examinemos agora de mais perto os principáis tópicos da


doutrina das Testemunhas.

3. Análise da doutrina

3.1. Deus Uno c Trino

a) A doutrina católica nao afirma tres deuses, mas um só


Deus cuja vida é táo rica que ela sa afirma tres vezes ou em
tres pessoas: Pai, Filho e Espirito Santo. — As Testemunhas
lembram que a soma 1 + 1+1 nao pode dar sanáo o resul
tado 3; donde concluem que os católicos professam o triteis-
mo pagáo (a associacáo das cifras 3 e 1 em Deus envolvería
contradigáo). Contudo, recorrendo a outra imagem, os cris-
láos lhes podem recordar que a própria matemática admite,
sob outro aspecto, a perfeita compatibilidade de 3 com 1;
basta para isto mudar o sínal (por x em vez ás -+■) na opera-
gáo ácima : tem-se entáo : 1x1x1 = 1. — Eis, desta vez,
urna Trindade que nao quebra a unidade, ou urna unidade
que é riquissima (elevada ao cubo), sem, porém, perder a sua
simplicidade e unidade... Pois béiñ; para ilustrar o misterio
da Trindade Divina, recorra-se á figura da multiplicagáo áci
ma proposta, nao á imagem da soma.

A existencia da SS. Trindade é atestada por mais de urna


passagem ido Evangelho. Levem-se em conta as seguintes pa-
lavras de Jesús : «Ide, ensinai a todos os povos, batízando-os

— 33 —
PERGUNTE E RESPONDEREMOS.» 157/1973

em noms do Pai, do Filho e do Espirito Santo» (Mt 28,19).


Neste texto as tres pessoas sao mencionadas como distintas
urnas das outras e em pé de iguaíólade. Oonstituem o Deus
único, adorado pelos Apostólos, pois o batismo deve libertar do
pecado e consagrar a Deus. Pode-se notar que a cópula e, re
petida, indica bem a distinc.áo o a igualdade das pessoas e que
a fórmula cm nome de manifesta a unidade do Deus único,
i;m nome de qu2m o batismo ó conferido.

Do resto, sobre a SS. Trindade, vcja-sc PR .1/1958, pp.


7-11.

b) Rutherford julgou poder dizer onde Deus habita: «A


constelagáo das Pléiades é a sede do seu trono eterno»
(J.R.R., «Recondliation» 12). Pergunta-se, porém: se tais
sstrelas nao sao eternas, como reconhecem todos os cientistas,
como podem elas sar o trono eterno de Deus?

c) As Testemunhas afirmam que estáo reabilitando o


nome de Daus csquecido pelos homens : Jeová. — Na verda-
de, o nome Jeová nao precisa de reabilitagáo. Nunca esteve em
voga entre os judeus ató o século XII d. C. Antigamente o
santo nome de Daus escrevia-se com as consoantes J II V H e as
vogais A E; donde JAHVEH. Todavía, para evitar o risco de
profaná-lo, os judsus, ao verem o tetragama JHVH, pro-
nunciavam sempre EDONAY, Senhor. Por volta de 1100 d.C,
os rabinos fizeram a fusáo das consoantes JHVH de JAHVEH
com as vogais E O A de EDONAY; donde resultou JEHOVAH.
Este nome, pois, nao correspondí» á pronuncia usual entre os
israelitas antigos; nao há por que enfatizá-lo tanto, como de
resto fazem as tradugóes inglesas da Biblia e as Testemunhas
de Jeová. Alias, a maneira como Deus quer seh chamado pelos
cristáos, aparece claramente nos escritos do Novo Testamen
to: «Quando orardes. diréis: 'Pai...'» (Le 11,2); «O Pai bem
sabe o que vos é necessário» (Mt 6,8s).

3.2. Josus Cristo, primeira criatura de Deus ?

As Testemunhas de Jeová ar^umentam com textos bí


blicos, dizendo :

— Jesús Cristo nao era Deus, pois teve principio, como


se dopreende de Jo 1,1 : «No principio era o Verbo».

— 34 —
TESTEMUNHAS DE JEOVA 35

— Jesús teve um espirito semelhante ao de Jeoyá, mas


sujeito a Jeová, como se lé em Flp 2,6s : «Subsistindo em
forma de Deus, nao julgou como usurpacio o ser igual a Deus;
antes a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo,
fazendo-se semelhante aos homens».

— Jesús foi a primeira criatura espiritual: «... o pri


mogénito de toda criatura» (Col 1,15).

— Jesús foi exaltado ácima de suas condicóes pré-huma-


nas : «Mediante a ressurreicáo de Jesús Cristo, o qual, de-
pois de ir para o céu, está á direita de Deus» (1 Pe 3,21s).

Que dizer diante de tais textos bíblicos ?

1) Na frase de S. Joáo 1,1 note-se que o verbo é de


imperfeito : era (o Verbo no principio). Pouco adiante, diz o
Evangelista: «O verbo se fez carne». A distincáo entre era e
se fez sugere bem duas naturezas em Jesús : a divina, que
existe sem comego e sem fim (era indica uma existencia con
tinuada), e a hum&iia, que veio a ser ou teve inicio no seio de
María Virgem, mas, como Deus, sempre existiu. — Alias, bas
ta ler todo o versículo de Jo 1,1 para dissipar qualquer dúvi-
da: «O Verbo era Deus». — O Evangelho de Sao Joáo apre-
senta numerosos textos que incutem a igualdade de Jesús e
do Pai: «Ver a Jesús é ver o Pai» (Jo 16,14); «Os judeus
procuravam matá-lo... porque dteia que Deus era seu pró-
prio Pai, fazendo-se igual a Deus» (Jo 5,18); "«Como o Pai
me conhece, eu conheco o Pai» (Jo 10,15).

2) No texto de Flp 2,6s, se a exprcssáo «forma de ser


vo» significa a humanidade de Jesús, a expressáo paralela
«forma de Deus» indica a Divindade de Jesús. «Forma» (mor-
phé, em grego) quer dizer «natureza, condicáo», conforme o
Apostólo. Donde se vé que o texto de Flp 2,6, longe de negar a
Divindade de Cristo, só serve para prová-la; Jesús despojou-se
de tudo o que o caracterizava como Deus, para poder viver
entre nos «uma vida humana humilde e obediente até a morte.

Quando Jesús diz: «O Pai é maior do que eu» (Jo 14,28),


refere-se 'á sua natureza humana. Se assim nao fosse, nao se
explicariam outros dizeres do Senhor no mesmo Evangelho :
«Eu e o Pai somos um só» (Jo 10,30); vejam-se também
5,18; 16,14 (já atrás citados).

— 35 —
36 >PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 157/1973

3) A expressáo: «O Filho é o primogénito de toda cria


tura» (Col 1,15) nao significa que o Filho de Deus seja a pri-
meira criatura, mas, sim, que Ele é anterior a qualquer cria
tura, como Deus que é (primeiro, no caso, significa prioridade
ou antcrioridade). Veja-se a continuaQáo do texto de Sao
Paulo: «Tudo nele, por Ele, para Ele foi criado; ludo ncle
subsiste». Isto quer dizer: todas as criaturas foram conce
bidas em funcáo de Cristo, principio e centro de toda a cria-
Cáo; por Cristo foram trazidas á existencia e a Cristo se
destinam. Mais : o Filho nao somente criou. mas também
conserva todas as coisas.

4) A exaltacáo que coube a Cristo em conseqüéncia da


sua ressurreicáo, nao significa algo de novo e inédito para
Deus Filho. Ela implica, sim, que a humanidaue de Jesús foi
feita participante da gloria que, desde todo o sempre, compe
tía a Deus Filho. Com efeito, assim dizia Jesús antes da sua
Paixáo: «Agora, glorifica-me, ó Pai, junto a Ti, com a glo
ria que eu tive junto de Ti antas que o mundo existisse» (Jo
17, 5).

Por finí, note-se o claro testcmunho da Divindade de


Jesús proferido por Tomé após verificar a ressurreicáo do
Senhor: «Meu Senhor e meu Deusb (Jo 20,28). Os versícu
los subseqüentes nao somente nao dizem que Jesús procurou
convencé-lo do contrario, mas atesta m que Jesús o confirmou
na sua crenca. Donde se impóe urna das tres seguintcs op-
cóes : ou Cristo quis engañar a Tomé, ou Tomé blasfemou,
ou Cristo era verdadeiro Deus.

3.3. Imortolidade da alma humana

As Testemunhas de Jeová apelam para as seguintes pa-


lavras bíblicas :

— O vocábulo nephesh sm liebraico significa «criatura


viva»; designa na Biblia até mesmo os animáis inferiores ao
homem. Ora todas essas criaturas sao mortais.

— Adáo era nephesh. Ora Deus lhe disss que ele havia
de morrer (cf. Gen 2,17); por conseguinte, o homem
(nephesh) é mortal. A doutrina da imortalidade da alma ó

— 36 —
TESTEMUNHAS DE JEOVÁ 37

de origem diabólica, pois foi a serpente que disse a Eva : «Nao


morrereis» (Gen 3,4).

— A Biblia declara que só Deus é imortal (cf. 1 Tim


1,7; 6,16). Deus pode destruir nao só o corpo, mas a vida
ultraterrestre do homem.

Como julgar tais afirmagóes das Testemunhas?

1) Antes do mais, seja feita urna advertencia geral: as


Testemunhas baseiam-se preponderantemente em textos do
Antigo Testamento; ora este nao apresenta todos os aspec
tos da Revelagáo Divina; Deus foi manifestando paulatina
mente aos homens a sua mensagem, de modo que somente em
Cristo e no Novo Testamento temos a plenitude da Palavra
de Deus.

2) Examinemos os vocábulos bíblicos que falam do prin


cipio vital do homem:

— nephesh. Tem sentido ampio, podendo designar qual-


qusr ser vivo, como animal irracional (cf. Gen 1,21), homem
(cf. £x 1,5), Deus mesmo (cf. Is 42, 1);

— troach. Pode significar o vento (cf. Is 7,2), como tam-


bém o sopro, o hálito do homem, e o próprio espirito humano,
em oposicáo a carne (cf. Is 31,3);

— psyché. Quer dizer vida (cf. Mt 2,20; 6,25; Me 3,34),


homem indivfohio (cf. At 2,241; 1 Pe 3,20), principio vital do
homem, contraposto a carpo (cf. Mt 16,26; Le 9,24; Jo 12,25);

— pnouma. É evidentemente principio de vida, que nao


se identifica com o corpo (cf. Mt 26,41: «O espirito está pronto,
mas a carne é fraca»); quando nao está no corpo, este se
reduz a cadáver (cf. Tg 2,26 : «Assim como o corpo sem alma
está morto, também a fé sem obras está morta»; cf. Apc 11,11).
Na hora da morte, o espirito volta para Deus (cf. Le 23,46:
«Pai, em tuas máos entrego o msu espirito>, disse Jesús co
mo homem; cf. Le 8, 55). O espirito distingue-se da carne,
nao tem carne nem ossos (cf. 1 Pe 3,18; Le 24,39).

Donde se vé que a Escritura reconhece no ser humano algo


que ultrapassa o plano corpóreo, ou seja, um principio espi-

— 37 —
3S PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 157/1973

ritual, designado de formas diferentes : «Lembra-te do teu


Criador... antes que a poeira volte á térra donde saiu e o
espirito (ruach) volte para Deus, que o dsu» (Ecle 12,7). Diz
também o Senhor : «Nao temáis aqueles que matam o corpo,
mas nao podem matar a alma; temei, antes, Aquele que podo
perder na geena a alma (psydié) e o corpo» (Mt 10,28). S.
Tiago assim exorta: «Reoeberei com docilidade a Palavra que
foi implantada em vos e que pode salvar as vossas almas
(psychá®)» (Tg 1,21).

Verdade é que no Antigo Testamento os judeus julgavam


que, embora a morte nao extinga o ser humano, ela o coloca
no sheol, regiáo subterránea, em estado de soñolencia e torpor.

A sobrevivencia após a morte é claramente afirmada pe


los hebreus,

— quando o escritor sagrado diz que Abraáo, após a


morte, foi reunido á sua parentela (cf. Gen 25,8);

— quando o velho Jaco, cíente de que seu filho José íora de


vorado por urna fera, exclamou : «Em luto descerei ao sheol
para junto do mcu filho» (Gen 37,35). Ora Jaco nao quería
dizer que seria sepultado junto a seu filho, pois o julgava de
vorado por urna fera; tinha em vista o encontró na vida
postuma;

— o profeta Daniel prediz : «Um grande número daque-


les que dormem na poeira, levantar-se-áo: uns para a vida
eterna, os outros para o opróbrio, para o horror eterno» (Dan
12, 2).

— No Novo Testamento diz Sao Paulo : «Para mim, a


vida é Cristo, e morrer é lucro... Nao sei o que escolher;...
sinto-me coagido por esta alternativa : de um lado, o desejo
de partir e estar com Cristo, o que é muito melhor. Mas, de
outro, por vossa causa, ó mais necessário permanecer na car
ne» (FIp 1,21-24).

Quanto as palavras de Jesús ao bom ladráo : «Em ver


dade te digo : hoje estarás comigo no paraíso» (Le 23,43), as
Testemunhas querem entendé-las segundo outra pontuacáo :
«Em verdade te digo hoje: estarás comigo no paraízo».

— 38 —
TESTEMUNHAS DE JEOVÁ 39

— Ora leve-se em conta que os manuscritos origináis nao usa-


vam pontuagáo; esta tinha que ser colocada no texto de acor-
do com a lógica da frase. Pergunta-se entáo se teria sentido
enfatizar: «Em verdade te digo hoje ...», como se se pudes-
se supor «Em verdade te digo otntem ou amanhá...» Nao é,
pois, evidente que o adverbio hoje nao se liga a digo, mas a
estarás? Observe-se aínda que a morte, prometida por Deus
em Gen 2,17, está associada ao pecado; ela supóe a elevacáo
do homem á filiacáo divina e á justica original, e nao apenas
a natureza física do homem.

De resto, a Escritura é táo explícita ao afirmar a vida


postuma que as Ttestemunhas se véem obrigadas a crer na
ressurreigáo. Perguntanse, porém: como um ser que já nao
existe por ter sido aniquilado pela morte, pods ressuscitar?
O que se da entáo, nao é ressurreigáo, mas, sim, a criacáo de
um ser novo, totalmente diverso daquele que existiu anterior
mente. A ressurreigáo supóe sempre prostragáo de um sujeito
que, com a sua identidade, volta a se erguer. É, alias, realmente
neste sentido que a Escritura entende ressurreigáo : a alma
(espirito) do homem, sobrevivendo após a morte, será um
dia reunida á materia (nao ao seu cadáver putrefeito), de
modo a voltar a viver no corpo.

3.4. A data da consumado da historia

No tocante á expectativa de iminente manifestagáo de


Cristo, nao é necessário demonstrar quanto é vá; as múltiplas
tentativas adventistas de calcular a data mediante a combina-
gáo de textos da Escritura constituem a melhor prova de que
nada se porte dizer de preciso a respeito. Querer desvendar o
misiono «do dia o da hora» seria contradizer á explícita in-
tsi-vcngáo do Senhor, que em sua sabedoria preferiu que o
homem vivesse continuamente como se o dia presente fosse
o último de sua existencia neste mundo (cf. Mt 24,45-25,13;
Me 13.22; At 1,17).

Nao há, de resto, na Escritura indicio de que a historia


deva terminar ñas proximidades do ano 2000. Quanto á ex
pectativa de um reino milenar de Cristo glorioso sobre a térra,
deriva-se de falsa interpretagáo de Apc 20. Este texto na ver
dade refere-se ao periodo que corre entre a primeira e a se
gunda vinda de Cristo : neste intervalo o Senhor já reina so-

— 39 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS.» 157/1973

bre a térra, pois infligiu derrota ao Príncipe deste mundo,


quando remiu o género humano na cruz (cf. Jo 12,31; 16,11);
desde entáo Satanás é como o cao acorrentado que pode la
drar, sim, mas nao consague morder senáo a quem se lhe en
trega voluntariamente (S. Agostinho). Os cristáos reinam com
Cristo no século presente, pois já atualmente possuem o penhor
da gloria celeste (cf. Ef 1,14). A esse reino día Cristo no mun
do o Apocaíipse atribuí a duracáo de 1000 anos...; a cifra
ó, segundo a mentalidade do livro sagrado, evidentemente
simbólica, designando urna duracáo que tem sentido completo
em si ou que no seu remate chega ao termo intencionado por
Deus (mil é símbolo de totalidade e plenitude). A ressurreicáo
primeira, que inaugura o reino dos justos com Cristo, é a
vivificacáo das almas pelo batismo, ao passo que a ressurreigáo
segunda, que rematará os mil anos, significa a vivificacáo dos
corpos no dia do juízo final, quando toda carne ressuscitar.

Em tom irónico (que o leitor pardoará), o autor ameri


cano L. Rumble comenta as idéias das Testemunhas concer-
nentes á consumacáo da historia :

"As Testemunhas ensinam que por toda a eternidade haverá dois


ramos do reino de Cristo: urna seccSo no céu, para a qual so iráo os
144.000 escolhidos, e a outra na térra, onde todo o resto dos 'salvos', os
Jonadabs, habltarSo para sempre, casando-se e multipllcando-se, sem
morrer ninguém, tudo sem quaisquer limites de tempo. O problema do li
mite de espago nesta térra, eles simplesmente o Ignoram. As 'outras ove-
Ihas' devem ter o duvidoso privilegio de acotove!ar-se eternamente com
os miihOes de pessoas a se multiplicaren! sem conta na superficie da tér
ra. Evidentemente, os 144.000 bllhetes para os assentos no céu já foram
esgotados; e as Testemunhas de Jeová concebem ser agora seu dever
anotar gente como ovelhas para os eternos pastos na face deste planeta.

Desnecessárlo é dizer que a referencia de Nosso Senhor ás suas


'outras ovelhas' foi completamente mal aplicada pelas Testemunhas de
Jeová. Em Jo 10,10, achamos Nosso Senhor dlzendo: "Tenho outras ove
lhas que n§o sao deste redil: também essas devo trazé-las... e haverá
um só rebanro e um so pastor*. Ele estava entSo simplesmente contrapondo
ao Israel de outrora a Igreja que Ele estabelecera. Como povo escolhldo
de Deus, Israel fora restrito aos judeus. Aquí Jeaus declara que os gen
tíos, tanto como os judeus, te rao o privilegio de participacSo no 'novo
Israel', a sua Igreja, formando todos um só rebanho sob um chele su
premo visiva! como seu pastor na térra...

Quanto ao literalismo cru com que as Testemunhas interpretam a


batatha de Hamarguedon, ndo se Impresslonará com ele ninguém que com-
preenda o caráter misterioso e simbólico do Apocaíipse. Ali Hamarguedon
A mora expressáo figurativa simbolizando a vltória final, por meio de Crls-

— 40 —
TESTEMUNHAS DE JEOVA 41

to, do bem sobre o mal, usando Sao JoSo como analogía urna referencia
(Juízes 5,19) á derrota dos reís de Canaá no monte de Megiddo (Har-
Mageddon)" ("As Testemunhas de Jeová" Petrópolis 1959, pp. 67s).

4. Conclusao

Quem folheia os escritos das Testemunhas de Jeová, tem


fácilmente a impressáo de estar em presenta de divagacóes
da fantasía acobertadas por versículos bíblicos mais do que pro-
priamente diante de mensagem inspirada pela Biblia. Infeliz
mente as Testemunhas de Jeová nao reconstituem a mensagem
completa da Biblia, nao léem os textos bíblicos em seus res
pectivos contextos — o que dá margem a arbitrariedades e
confusóes.

Na prática, porém, as Testemunhas sao extremamente


atuantes. Urna dupla conviccáo as move a isso : a da iminén-
cia do Harmaguedon ou da batalha final dos tempos e a cer
teza de que possuem, eles somente, o favor de Jeová. A pro
paganda que exercem. tem obtLdo inegáveis sucessos. Verdade
é que o proselitísmo das Testemunhas se desenvolve principal
mente entré pessoas (cristáos, multas vezes católicos) pouco
esclarecidas ñas suas crencas religiosas ou um tanto alheias
e indiferentes 'á Igreja. Nao raro as explicagóes bíblicas mi
nistradas pelas Testemunhas — por mais fragmentarias e de
ficientes que sejam — constituem as primeiras doses de S.
Escritura ou de fé que os prosélitos julgam ter compreendido.
Entre os católicos atingidos palas Testemunhas, pode-se per-
guntar: quantos aprofundaram a sua formacáo religiosa após
o primeiro Catecismo? Quantos foram atingidos pelas prega
cóes das Missas de domingo (pregacóes que muitos, de caso
pensado, deixaram de ouvir, talvez porque essas pregacóes nao
satisfaziam) ? Nao atingidos pelas palavras da Igreja, esses
católicos foram recrutados pelas Testemunhas em seus lares
para aderir a um outro Evangelho, fantasista, incoerente,
muito menos belo e reconfortante do que o auténtico Evange
lho, mas muito mais calorosamente apresentado e vivido pelos
seus arautos. Compreende-se entáo que o avanco das Teste
munhas de Jeová significa, para os católicos, urna ligáo de gran
de valor, pois lhes evidencia como lhes é absolutamente ne-
cessária urna profunda formagáo religiosa: esforcem-se os
fiéis católicos por conhecer e viver cada vez mais o auténtico
Evangelho que professam. O terreno em que por excelencia
proliferam os erros, é a ignorancia. Isto é particularmente ve-

— 41 —
42 «PERGUNTE E RESP0NDEREMOS> 157/1973

rídico no setor religioso. E, para que haja aprofundamento


religioso, é para desejar que haja também mais arautos da
Palavra do Evangelho : mais sacerdotes, mais catequistas, mais
missionários e missionárias. Possamos nos compenetrar-nos
destas ligóes e tirar délas as conseqüéncias práticas!

Bibliografía:

L. Rumble, "As Testemunhas de Jeová". Colecáo "Vozes em defesa


da fé". caderno 22. Petrópolis 1959.

"Testigos de Jehova. Errores y refutaciones". Colecao "Iglesias y


sectas" Fé católica. Maldonado 1. Madrid 6.

G. Hébert, "Les Témolns de Jéhovah". Montréal 1960.

PR 14/1959, pp. 84-89.

(Continuacao de «livros em resenha»)

ses da máe ou do casal que nao querem ter filho. É preciso respeitar
também- o direito de todo ser inocente á vida e nao esquecer as gra
ves conseqüéncias psicológicas e sociais que a prática do aborto acar-
reta para os que sao coniventes com ela. Desta forma, a Igreja
intenciona emprestar sua voz aos que nao tém voz: os nascituros; estes,
embora desconhecidos ao público, merecem ser valorizados como au
ténticos seres humanos (já formados ou ainda em formacao; esta
modalidade importa relativamente pouco). Destarte também a Igreja
faz ouvir á sociedade brasileira urna palavra sabia e serena em meio
á perplexidade que o tema «aborto» tem suscitado.

Esperamos voltar a explorar em PR a riqueza de conceitos


e nerspectivas contida neste .valioso livro. em boa hora editado por
iniciativa da CNBB, tanto ñas Edigóes Paulinas como na Editora
Vozes de Petrópolis.

A cruz e o pimhal, por David Wilkerson com. John e Elizabeth


Sherrill. Traducao do inglés por Agnes Maxwell Penna. — Editora
Betánia, Belo Horizonte 1972 (7* edicáo), 150 x 180 mm, 219 pp.
'* i
David Wilkerson era. alguns anos atrás, pastor pentecostal da
pequeña cidade de Philipsburg (U.S.A.). quando um belo dia se sentiu
chamado a dedicar-se aos jovens do submundo de Nova lorque que

(continua na 3' capa)

— 42 —
Um livro em foco:

"escándalo na igreja"
de morris I. west/robert francis

Em síntese: O livro ácima impugna veementemente a atual leglslacSo


da Igreja relativa k Indissolubilidade do matrimonio. Concita o povo de Deus
a tomar consciéncla das falhas dessas normas, a fim de pleitear cnn-
cepcOes mais humanas, inclusive o divorcio, na Igreja.
Pode-se observar que, para a Igreja, a indlssolubilidade matrimonial
nfio é questáo de disciplina ou direlto transitorios, mas, sim, de doutrina
e de fé; é ponto intocável, que o S. Padre Paulo VI reafirmou implícita
mente em sua Éxortacáo Apostólica de 8/XII/1970, fazendo eco a toda a
tradlcáo do magisterio da Igreja, inclusive aos ensinamentos do Concillo
do Vaticano II. O Direlto Canónico visa a garantir a fiel vigencia de tal dou
trina; como toda legislagáo, os cánones da Igreja tém seus elementos
transitorios e reformáveis. Por isto, o novo Código de Dlreito Canónico
retocará pontos da legislarlo matrimonial da Igreja que suscitam a surpre-
sa e a burla de estudiosos contemporáneos; impedimentos, exigencias,
tramitacSes jurídicas serao devidamente revistos.
Quanto aos casos escabrosos que M. West e R. Francis referem em
seu livro, infelizmente vém apresentados sem indicacáo de fonte e docu
mentarlo. Podem ser a expressao das limitacoes humanas de pastores de
almas; nem sempre, porém, supSem má fé ou IntencSo desvirtuada nesses
pastores. Tenha-se consciéncia de que os antigos eram mals propensos
á metafísica e aos valores objetivos do que o homem contemporáneo, que
mais se inclina a valorizar os elementos psicológicos e subjetivos de cada
problema. Em conseqüéncia, nem sempre entendemos nossos antepas-
sados, como também nossos antepassados nem sempre entenderiam o
homem moderno.
£ á slntese entre os valores objetivos e subjetivos que a Igreja tende
e que a nova legislacáo canónica aspira; o amor conjugal deverá sempre
ser defendido pelo InstituicSo jurídica e objetiva para o bem do próprio
homem.

Comentario: Morris West é um escritor católico que


se tornou conhecido por romances concernentes á vida da Igreja;
tais foram, entre outros, «O advogado do .diabo», «As sandalias
do pescador»; mostra ter certo conhecimento do Direito Ca
nónico e dos hábitos administrativos da Igreja. Etesta vez, M.
West aparece ao lado do autor anglicano Robert Francis nu-

— 43 —
44 *PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 157/1973

ma obra que já nao é romance, mas um ataque veemente á


atual legislagáo da Igreja referente ao matrimonio; daí o sub
titulo do livrq atrás citado: «Protesto contra as leis rígidas
do matrimonió católico». O tom do livro, sendo violento, tem
provocado perplexidade; abaixo procuraremos dar breve no-
Cáo do sou contoúdo; ao qtie so soguirño nlgumas reflexóes
sobre o assunto.

1. «Escándalo na Igreja» ; por que?

Morris West faz eco aos autores contemporáneos que jul-


gam erróneas as leis matrimoniáis da Igreja palo fato de que
estas nao admitem o divorcio; seriam leis, em grande parte,
arcaicas, ineptas para acompanhar a vida contemporánea. O
autor pleiteia o que se poderia chamar -urna concepcáo mais
antropológica e personalista do casamento, concepcáo menos
jurídica ou menos presa as instituigóes e ao direito. O amor
nao deveria estar sujeito a leis (cf. p. 110).

M. West pretende demonstrar a inoportunidade das leis


da Igreja apalando para casos dolorosos em que tais leis oca-
sionam perplexidade ou nao as resolvem,... apelando para
testemunhos de autoridades eclesiásticas que reconhecem si-
tuacóes angustiantes de casáis infelizes. Apela também para
o passado da Igreja; entre os escritores cristáos dos primei-
ros séoulos encontram-se testemunhos oue poderiam ser inter
pretados como favoráveis ao divorcio. Mais : a Igreja Oriental
admite o divorcio em caso de adulterio. Isto tudo parece sig
nificar que nao seria ilógico, para a Igreja Católica, aceitar
a legitimidade do divorcio dentro de certas circunstancias da
vida moderna.

O Direito Canónico está passando por reforma e atuali-


zacáo. Morris West, porém. teme que essa renovacáo do Di
reito nao atinja os principios mais fundamentáis 3á' legisla-
cao matrimonial da Igoja. Em conasqüéncia, pretende ele.
mediante o seu livro. chamar a atencáo dos leitores para a
problemática; a Igreja Ihe parece ser a «Assembléia Católica
Romana», na qual os fiéeis deveriam ser ouvidos de modo a
contribuir para a formulagáo das leis canónicas.

O autor usa, nao raro, de tom sarcástico ou jocoso, cri


ticando os impedimentos matrimoniáis estabelecidos pelo Di
reito Canónico ou comentando casos narrados, personagens da

— 44 —
«ESCÁNDALO NA IGREJA» ? 45

Igreja, etc. Infelizmente nao indica os documentados ou as


fontes donde extrai os episodios ou as declaragóes que cita;
conseqüentemente o leitor fica privado da possibilidade de
averiguar pessoalniente o teor das citagóes feitas por Morris
West; cf. pp. 68.73.

Em suma, as páginas do famoso autor sao de leitura fácil


e impressionante; mas deixam o leitor confuso pelo seu teor
pungente e o seu aparato de erudigáo dirigidos contra as leis
da Igreja. Daí a necessidade de se fazerem algumas observa-
góes sobre o livro «Escándalo na Igreja» e o assunto que
aborda.

2. Reflexoes sobre «Escándalo...»

O livro de M. West-R. Francis apresenta um conjunto Se


ponderagóes minuciosas, pois impugna até as pormenores da
legislagáo matrimonial da Igreja (diga-se, alias : essa impug-
nacáo é, por vezes, tendenciosa e caricatural). Nao é necessá-
rio, porém, (nem possivel dentro dos termos deste artigo)
descer a todas as particularidades abordadas pelos dois auto
res. Proporemos, portante, alguns principios básicos que lan-
garáo sua luz sobre a atitude geral da Igreja frente ao ma
trimonio e concorreráo para dissipar hesitagóes.

2.1. Casamento indissolúvel

Para a Igreja, a indissolubilidade do matrimonio nao é as


sunto meramente disciplinar, jurídico ou canónico, mas deri-
va-se dos ditames da lei natural e da Palavra de íteus (reve
lada pelos escritos do Novo Testamento e aprofundada na
Tradigáo da Igrejaj.

Verdade é que hoje em dia se contesta tanto o fundamen


to natural quanto a base bíblica e teológica da indissolubili
dade matrimonial.

Lio¡ natural... Nao poucos pensadores atualmente rejei-


tam o conceito de lei natural estática, perene; nao aceitam a
perspectiva de que o homem tenha de reconhecer normas de
comportamento derivadas da natureza humana (ou do «ser
homem») como tal. A concepgáo cxistencialista de que o ho
mem é essencialmente liberdade e, por conseguinte, se faz, se
define aos poucos pelo uso da sua libsrdade, está na raiz da
impugnacáo de urna lei natural psrene, válida desde que o

— 45 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 157/1973

homem teme consciéncia de si. Segundo a concepgáo existen-


cialista, nao há própriamente principios perenes de morali-
dade, mas é das diversas situagóes da vida que o homem deve
depreender as normas do sen comportamento; é o individuo,
em suas condigóes subjetivas momentáneas, que define o que
é moralmente bom ou mau para ele em cada situagáo.

Tal concepgáo existencialista, por mais atraente e difusa


que seja, nao condiz com as concepgoes éticas cristas. Segundo
estas, o homem nao é um ser que se improvisa ou que se vai
definindo a partir de sua liberdade, mas é, antes, alguém que
se descobre; é alguem que encontra em si mesmo, já esboga
da, a sua imagem (que nao é senáo a imagem e semelhanga
do Criador); a marca do Criador, os apelos da santidade pe
rene e nao oscilante de Deus estáo gravados no íntimo do ho
mem; auscultando as leis de sua natureza física e de sua
consciéncia moral, o homem percebe certas normas constan
tes de sua auto-realizagao ou de sua configuragáo ao Exem-
plar Divino. Entre esses dítames da lei natural, está a to-
talidade e a perenidade do amor conjugal; este chega a inti-
midade tal que supóe doagáo irrestrita.

Palavra de Disus... A mensagem do Novo Testamento


incute, por sua vez, a indissolubilidade da uniáo matrimonial,
tendo em vista precisamente a praxis divorcista dos judeus.
Assim fala o Senhor em Me 10,11: «Quem repudiar a mulher
e casar com outra, cometerá adulterio contra ela. E, se a mu
lher repudiar o marido e casar com outro, cometerá adulte
rio».

Sao Paulo, em 1 Cor 7,11, faz eco a tal preceito, dizendo:


«Aos casados mando — nao eu, mas o Senhor — que a mulher
nao se separe do marido, se, porém, se tiver separado, fique
sem casar, ou que se reconcilie com o marido; e que o marido
nao abandone a mulher».

Verdade é que em Mt 5,32 se lé : «Todo aquele que re


pudia sua mulher, exceto por causa de poisiéia, expóe-na a
adulterio». E em Mt 19,9 : «Aquele que repudia sua mulher.
a nao ser em caso de porncia e casar com outra, cometerá
adulterio». — A tradugáo da palavra grega pornéia é contro
vertida; "significará adulterio (uniáo fraudulenta e transito
ria) ou concubinato (uniáo ilegitima permanente, que deve ser
dissolvida) ? A tradigáo crista oriental apoia-se em Mt 5 e 19

— 46 —
«ESCÁNDALO NA IGREJA» ? 47

para conceder o divorcio em casos de adulterio e outros seme-


lhantes a esta. Todavía a tradicáo ocidental nao conhece ex-
cecoes á indissolubilidade matrimonial, levando em conta nao
somente o conjunto da mensagem do Novo Testamento, mas
também as palavras de Jesús que completam o texto de Mt
5,32: «E quem se casar com a mulher repudiada, cometerá
as segundas nupcias que se sigam á separagáo de ura casal.

De resto, sabe-se que a S. Escritura nao pode ser inter


pretada independentemente da tradigáo oral e do magisterio
,da Igreja, que a acompanha; é a palavra viva da Igreja que
ajuda os fiéis a penetrar na letra das Escrituras. Ora aínda
em 1970, comemorando o quinto aniversario do encerramento
do Concilio do Vaticano 11, o S. Padre Paulo VI observava
que muitos fiéis hoje em dia se sentem perturbados por «in
certezas e düvidas que atingem a fé no que ela tem ae essen-
cial». E continuava: «Estáo neste caso os dogmas trinitario
e cristológico..., as exigencias moráis que dimanam, por
exemplo, da indissolubilidade do matrimonio...» (cf. REB,
tase. 121, margo 1971, p. 157).

Firmando-se pois, em principios naturais e na Palavra de


Deus, a Igreja ensina que o matrimonio sacramental contraí
do válidamente e consumado é indissolúvel.
Morris West e Robert Francis impugnam a legislacáo da
Igreja relacionada com esta proposigáo doutrinária. Eis por
que se impóe agora urna palavra sobre o aspecto jurídico da
questáo.

3. Legislajao escandalosa?

1. Toda verdade precisa de urna regulamentagáo jurí


dica para poder ser aplicada á vida, mormente á vida em so-
ciedade. Eis por que a Igrsja, no decorrer dos séculos, foi
estipulando normas relativas ao casamento. Essas normas pre-
tendem salvaguardar a integridade do matrimonio dentro das
contingencias da historia dos homens; por isto, na medida em
que se dirigem aos homens, estáo sujeitas a reformas. Deter-
minacóes jurídicas que outrora tinham plena procedencia e
fomentavam o bam comum, podem-se ter tornado obsoletas,
destituidas de propósito, suscitando a surpresa e o risco, em
nossos dias. É o que acontece com certas proposigdss do Direi-
to matrimonial da Igreja que West-Francis contestam em seu

— 47 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 157/1973

livro. A Igreja, consciente disto, está em período de reforma


do Direito Canónico: impedimentos, exigencias, tramitagóes
jurídicas seráo objeto de revisáo da parte dos canonistas. Em
conseqüéncia, varios dos pontos impugnados pelos dois auto
res citados seráo devidamente reformulados, sem, porém, se
tocar na indissolubilidade do matrimonio sacramental (ponto
este sobre o qual a Igreja sabe nao ter poder).

2. Morris West e Robert Francis, em seu livro, apontam


casos em que a Igreja lhes parece ter procedido de maneira es
candalosa no tocante ao matrimonio. É de lamentar, porém,
que nao indiquem a fonte donde tiraram as noticias, nem a
documentagáo respectiva. Diante de tais episodios, podem-se
reconhecer por vezes as deficiencias e limitagóss humanas des-
tes ou daqueles pastores de almas. Todavía nem sempre em
tais casos houve má fé ou intengóes desvirtuadas; dentro de
circunstancias passadas, alguns dos procedimentos que hoje
nos chocam, nao eram ápresndidos como chocantes. Os medi-
tívais se deixavam guiar principalmenie por criterios objetivos,
metafisicos, transcenderíais, levando pouco em conta o aspec
to subjetivo e psicológico de cada questáo. Ao contrario, o
homem moderno tende, antas do mais, a valorizar os elemen
tos psicológicos, pessoais e subjetivos, esquecendo, ora mais,
ora menos os aspectos transüsndentais e objetivos dos proble
mas. É o que nos pode levar fácilmente a ter os antigos na
conta de homens duros e desumanos; os antigos, por sua vez,
estariam inclinados a julgar que o homem contemporáneo é
dado ao relativismo. Diante disto, verifica-se que as acusacóes
de irmáos a irmáos podem vir a ser injustas; a posigáo ideal
consiste em se realizar a sintese do objetivo e do subjetivo, do
mctafisico e do psicológico. O Direito da Igreja procura fazé-
-lo dentro das circunstancias próprias de cada época.

3. Morris West pleiteia que a reforma do Direito Canó


nico leve em conta o parecer de todo o povo de Deus (a cha
mada «Assembléia»; cf. p. 8). É justo pleitear isto; nao ss
pode, porém, esquecer que a Igreja nao é simplesmeñte urna
democracia, mas, sim, um sacramento ou a continuagáo de
Cristo ou do Verbo Encarnado. Nao é o povo de Deus que se
governa mediante seus representantes eieitos (como se dá em
toda república), mas é o próprio Deus quem governa seu povo
mediante os pastores legítimos, a quem Ele dá o carisma do
pastoreio e do magisterio (sem, porém, ¡sentar tais homens
das respectivas limitagóes).

— 48 —
Nao nos prolongaremos nestas reflexóes sobre o livro de
Morris West-Robert Frajicis. O assunto se prende ao atual de
bate em torno da indissolubilidade do matrimonio : poderá o
■divorcio ser, de algum modo, reconhecido pala Igreja? — Tal
assunto já foi recentemente explanado em PR 156/1972, pp.
558-570, onde se encontram alguns dos argumentos mais expla
nados pelos recentes canonistas em favor do divorcio, com as
reservas que merecem.

EstevSo Bettcncourt O.S.B.

(Continuando de «livros em resenha»)

se entregam ao crime e á depravacáo. Deslocou-se entao para a


grande cidade, onde soíreu escarnios e vexames, experimentou de
sánimo, enírentou obstáculos materiais, até que finalmente viu sua
obra coroada de éxito. É atualmente o chefe do movimento «Desa
fio jovem», que cresce rápidamente e que ajuda os jovens «perdidos»
a se encontraren!, de maneira viva e pessoal, com Deus.
Wílkerson estove no Brasil em outubro/novembro 1972, onda
através de palestras inflamadas impressionou profundamente o pú
blico. A historia das origens e da evolucáo do movimento desse II-
cler da iuventuclo sao narradas no livro referido, que at.ingiu a
venda dé seis millióes de exemplares em inglés, ao passo que em
portugués já alcangou seis edieoes entre fevereiro 1970 e setembro
1972.

Merece louvor o espirito generoso e abnegado desse apostólo


da juventude; com profunda fé e ardente amor tem ele reconduzido
muitos jovens ao caminho reto. Apenas se poderia' observar o se-
guinte: o espirito de piedade de Wilkerson é assaz pessoal. O au
tor atribuí á oracao um poder infalível para obtsrmos «quilo qua
nos julgamos Uever obter; fácilmente espera milagres t diz fre-
(|ücntementc ter conseguido milagres (revelacóes, sinais, respostas
do Dous, dádivas cm dinhoiro o outras...); cf. pp. 37. 4<>. 49. 07.
172... Através da leitura do livro, tem-se a improssuo de (¡uc Deus
se faz sentir •xsení-ivelmsnte» aos seus fiéis... — Ora tais concepgóes
podem ser ilusorias. Reconhecamos que a oracáo nunca é inútil, mas
nem ssmpre Deus Ihe atende de acordó com o modelo ou o «figurino»
que nos Ihe apresentamos; negando-nos o que de concreto Ihe pedi
mos, pode o Senhor estar-nos concedendo algo de equivalente ou me-
lhor. Mais: Deus pode estar intimamente presente aos seus fiéis
fem lhes dar sinais sensiveis ou extraordinarios da sua presenca,
mas íazendo-se encontrar vivamente na experiencia da fé, que nem
sempre fala á sensibilidade da criatura.

Com estas observacóes, nao intencionamos depreciar a obra do


pastor Wilkerson, mas apenas lembrar que a auténtica piedade nao
está sempre ligada a sinais e prodigios da parte de Deus; deve, nao
obstante, traduzir-se em atos, mesmo na aridez e na penumbra das
circunstancias em qus Deus queira colocar os seus amigos.

E.B.
MELBOURNE - AUSTRALIA
18 a 25 de fevereiro de 1973

Karírt bfgulha-se dé rerbrtfan izado


S- corrí total éxito, péregririacoes aos Gon-
. gressQ.sl.EücrarTsticos.Ü^UNICH, BOM-
BAIMLeJBQtiOJÁVe agorá'éstá organizando
uSaao^O.^Gongresso Eucárísticó que terá a
Alsisténéra'Espiritual.dé D.Estevád Bitten-
court, O. S. B., e que visitará: Papeete, Nandi,
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