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SILVINA RODRIGUES LOPES Serna Cees eee ma da legitimacao em literatura, 0 Pree emcee co Peon LT IRU We eee eT Pew eae the Pac eset NC tc meno literdrio, a0 supor a parado- 3 om Faltehsta so neti GO A LEGITIMACAO Perce re eo Cen eo Tee eee te eet Fete a \7S Ne aU mensao fundadora do discurso, da Eee esti ae TUNEL eC eral eae eaten re Brat SN Soe teoria. A irredutibilidade do cam- PON Herts Oe Pra Mr ltiecees carta Peer rete tet ae COCO Preece eae ct (Uomo em Cr eam ae Rig! Fearon ere eee ened ECC MC tentay rel reve nent EM LITERATURA MAGAO EM Rodrigues Lopes é actualmente Fesreerie We ere ter ence Gigneias Sociais ¢ Humanas da Uni versidade Nova de Lisboa. Publicou, etree Ro eee Uo Rec SILVINA RODRIGUES LOPES Beer ene cone Ronee ora es ra prensa Nacional-Casa da Mooda’ eee ros 1-108 Ve a ar ene a Le et epitome et pect NN enna S aw erie) | Bok 09 Bessi-Luis. By 40 LITERATURA NG Tce none orere ey eI) Cosmos Literatura 5 ‘Stevia Ropzicuss Lopes ALEGITIMACAO EM LITERATURA Edigdes Cosmos Lisboa, 1994 [Na capa: Pormenor de Versuch einer Verspottung, Paul Klee, 1940, pottung, ‘Ao Daniel ‘Agradecendo a orientacio de Eduardo Prado Coetho, desejo ainda assinalar que a sum obra foi ointerlocu- tor privilegiado na aprendizagem que conduziu a ‘este trabalho. © 1994, Bdicbes Cosmos eSilvina Rodrigues Lopes Reserva todo ot dss de ord com lage em igor Composgio: Baie Cosmos Inpro: Rolo & hor 1 igo: Maio de 1956 Deyo lege 7374/98 ISBN 9728061405 Diao: Laman con ‘A Jo Dini 8 Los 23 «30-P 1000 Lisboa indice Introduoto po? Capitulo I. Lecrmaacso # exictNcts De FUNDAMENTO 5 1. A auto-legitimagie da modernidade 2D [A dade Moderna com resultado dem proceso de sect Iasizagao ou como ruptara aravés da autocerificgao da subjecividade (Blumenberg).Kant ea etica como intau ho do tribunal da razho. Os juz reflexivos ea relagho 0 contngente. A Hist6niscoeno reconcliagso (eg) 2. Objectividade, historicidade, interpretacao 36 0 positviana e a legitmagiopela cincia, A hermenéutica na fundaglodas dncias humanes (Dilthey).Acedéncla Postivismo (Ditiey). Os vires tipes de legitinidade, fpundo Max Weber A nogio de vida como coaflito © suas Implicagoes no que se refere ao problema da leptimacto, 3. A crise das nogies de objectividade e subjectividade 47 ( abismo do fundamento: Nietrche e Heidegger. A afic- rmagio do sijeito e a imposiic do modelo do conher mento cientlico (Heideggen. 4, Hermenéutica e critica 53 (s preconceto eto ea fundamentacko ostoligia da hermentuticn (Gatiamen). Da erica da ideolegia 20 agit comuuniescional (Habermas). Hermenéutica ¢ autonomia do texto (Ricoeur). 5. A viragem pragmatico-linguuistca 6 A nogio de jogos de irguagem e a impossbilidade de con- ‘ober uma acividede fandamentadora Wittgenstein), Com- reensio eirvengic, 10 Indice 6. A modernidade em questo (© fim da racionalidade moderna. A nogio de paradigma (uit) ¢ « concepsio de una «raconalicade metaariear, UUme steoria da inconceptalidade» (Bkamenberg. fsa das grandes narativas de legitiragio (Lyotard). © con- senso (Habermas) A paralogia (Lyotard) 7. Narrativas, crengas, erica 0 dierendo em oposicio pretensio de wniversalidade. 05 ‘desis como forcas orientaderas (Putnam). educacl con- fra ¢ naturalism (Atlan). A cipla fancdo da ideologia (Riceeur). Argumentagio e conven, 8 Verdade e aceitabilidade racional ‘A austneia de dkotomia entre fictos ¢ valores, A no “coincidéncia entre verdade erefertnca (Futram, 9. Verdade e insuficiéncia do consenso ‘A radicaglo da cca no «mundo da vida» ¢a sua fencio ‘de mediagto entre a5 divenas ssferas da cutura (Haber ‘mas). Solidariedade e legitinacto (Rorty. A diviniragso scm iim (elo) econtra-fina- lidade (sublime), Estética e constituigao do campo literario (O a-fundanento de estética em Kant como destituicio da primazia do goto. Shiller: una ideologia da este. A ‘hova mitolngia(remintica) como meio de atiagir a coma- ‘lcablidade univers Hegel» estica come o depots da arte Da perda do culo ao autotlismo da arte [Nietasche: a mascara e o mito Sobre a arte como afirmacio em Nietzsche (cnfronto com Teituras de “eidegger, Deleuze, Povcault, Vattmo, Bohr) Enfre naturalism enio-naturalismo. A questio da retéric Heidegger: o choque e a salvaguarda da obra de arte ‘A nagio de Dichiong. A arte como pér-te em obra da ver- ‘dade. A mifcagio da possi e» moridade da sescuta» do ‘exegeta. A Mertara como ofl cuea técnica impose poesia (© herofsmo medemo. Critica e segredo em Walter Benjamin Do valor de cto ao valor de exposigho. O choque oa ale- [oria mode-na. A Fangio da etic, Verdadeeconbecimento Adorno: as aporias da estética moderna e 0 «momento do jogo [Nio-identidade * mins. A estétka da ruptura contra a ‘hermenéutia das obras de arte, Jaws, Habermas e Welimer, u 138 “3 155 159 m1 19 a 203 234 2 Indice cxitcas de Adoms a partir da delesa de uma nogio de ‘omunicablidade 4a arte. A condisto enigma ca das obras ‘de arte. A dissondacia~ sublime como sucificio do belo. “Aporis da autonomia da arte e da sua legnacio, Uma ‘elacio contaditénia com a noclo de jogo. 11. O jogo ou o corhecimento em figuras {A Figura como constelagio. A economia do conhecimento fem iteraturs, O covheciment no romance, Contingénca © tence A rculgioente lo gore nose Ilia de compasar a teratura xo it. Capftulo IIL. IvPLcAgoRs DA cRISE DE FUNDAMENTOS NA TEORIA DA LITERATURA, p25 25 1. Da insustentabilidade de uma concepsio essencialista da literatura ‘A fundagto de uma cénia dh litrmara€@sbndono (r= ‘olugio) do problena da legtimacte. Potton essencialits © pottca condisionalista (Geneto. Modos de confinar 2 fea eri por con) mtn i de ccs ‘aca. Contras ora» (Knapp eMichadl) eo neopea mati oe estado iteranion mee 2. A teoria ea crise do comentsrio ‘A unidade organics do text itersri e a questéo da ambi ‘Da scrise do comestirion (arthes) & deseo entifea dos textosliterdrios Andis clentifcae atibuisdo dde sentido. A reabiBtagio do comertario: Todarov eco e Blanchot, ou pretenaSo de reduzir a Telagto com 0 texto erdrio a uma dimensio argurnentativa, red: dade do dlalogisme (Bakhtine a0 dislogo. 3. Teoria, epistemclogia, ideologia © posestruturalismo american. Paul de Man: a teore da Iieratura como erica da ideologl. Puritanism enim de de Man. Reducto da literatura & critica das ideoloias ‘ou anulagio da literatura. O tem, ou gesto, como pertutos- so da causalidade Derrida, Lyotar).Irecutiidade de Tteratura eflosofa| 4. A retérica como fundamento da passagem da autoridade do literério a da teoria A flologa como horizonte eas leturas rténcas de De Man. A reabiltagio dos estudos de reria 1s estilos mm 305 Indice ltersios. A retérca como filogofia Valeso). A especie dade da Retiica Iteraa (Berio! 5. A ret6rica em relagio com & forga. Simulacro e feito estético Persuasio e retorca sogunde Carlo Michelstaeter. es qaecmento da reérica como esquecimento da natureza thisoeia da inguagem (Nietsche). A retrica como pro: dusio de esto esti 6, Pedagogia, técnica, sacrificio ‘A leitura como ecastrucio témica de exemplos © a exem- plaridade do litertrio. A nogio de Initura errnea nse fing) © sua relagsa cem sma légic. sacrifical (De Man, [Harold Bloom), Rorty:a precmidade dos exemplos ea poe- Aiczagio da lta. 7. Doliterstio 8 ética da leitura (© ensino da literatura. Responsabiltade perarte o texto € ‘esponsabilidade sone. O respeto come fundamento da Ieifura A letura Somo um argumento de subordinagso & Je Aafirmagio na génese dale Capitulo IV. Lecrmaacio & INSTITUCIONALIZACAO DA LUTERATURA COMO QUESTORS ACTUASS DA TEORUA 1. A problematizacao da Teorsa da Literatura ‘A teora da literatura como icoria da letura e/ou como soda de conhecinants. Estabilzacio /desestablizagio da teoria, A proposts le uma artropologia teria. A teoria ‘como opasigio a rakinaizagio da instulglo Uerazia 2. A paradoxalidade da fundagio da instituigéo literdria ‘A literatura como discuso incerto¢ a sua fuacio educa- ora, O géno ou a nuturalizacto do discurso iteriio. O testabelecimento do cAnone enquante processo de legitima ‘ho e manifestagie a sustoridade danttulge terri. A ‘odemidads coma dupla afirmagio contraditea. A divi- ‘io da palawra no ciscieo itersio.O mito humanista ea ‘asura da torla. Vanguardas e crise das institaigGes Jo campo literieo. 3 p36 359 377 395 397 a 4 Indice 3. A questio do sentido ‘A tradigo humanita contra a teoviada lteratra,em nome {o seat. O sentido como edu A presencn negagio a fru. Sentidoe senso comm, 4. A responsabilidade de aberture das inte-pretacbes A intransmissiblidede do sentido, 4 leiturt como decsto. acids e despedida. 5. A experiencia literéria CCftca da nogio de experinca estéica. Comumicsbilidade f pobreza da expesenela. A experéncia roma invencio: ssinaturae contr-assinatus Conelusio Bibiografia pats 45; 473 se despedir-se de tudo um offcio inguieto.» Herberte Helder Introdugio Propondo-se apresentar e pensar o problems da legitimacio em literatura ~ através do confronto de alguns dos trodos como tem sido colocado e da sua andlise segundo perspectivas que actualmente se abrem em Teoria da Literatura , este livro comesa pela verificagdo de que 0 referido problema 6 indissociavel da exigéncia, generali- zada, de jusifcacio que surge na HistGria do Ocidente com 0 advento dda modernidade. Aplicada 3 literatura, a exigencia de justifcagio da lugar = uma contradicio irresolivel, a de se pretender afirmar do interior da racionalidade a possibilidade de um dominio que se sub- trai a sua determinagao, Sendo contemporiinec da formulagao do principio de razdc, o aparecimento da literatura dé-se a partir do advento de certos textes em que a crise da oposigao razo/ mito se torna evidente pela instabilidade que deriva da relagéo especifica que esses textos estabelecer com a Lei ( lei dos géneros, a da divisdo. de esferas da cultura, da separacae er tre mundo real e mundo ficticio, dia distingao entre o caso e o exemplo, etc). Por um lado, a existéncia de textos designados como literatura vem tomas necessé ite magio de algo que néo inteiramente subsumfvel pelo racional enquanto conceptual, mas que nio pode ser atribuido, como ante- riormente o fora a poesia, a uma inspiracio divira. Por outro lado, a injustifcabilidade desses textos enquanto literatsra da lugar a pro- jectos de afirmagaode uma autoridade primordia (a Natureza, Deus) {que se propée inverter a ofosigae razao/mito no sentido da valori- zagio do segundo pélo, considerado superior ao primeiro. A consti- tuigéo de um novo campo cultural, o liteério, é pois também indis- socidve' de uma tendéncia fara substitu a funcio reconciliadora da religiio por uma nova fungio recaniliadora, A tradicio romantica tencontra neste designio supremo da arte a resposta ao problema da legitimasio e empenha-s na articulagio de literatura e discursos legi- timadores. No entanto, « tersdo entre a necessidade /impossibilidade 8 Introducio de determinar o lugar do literdrio e a afirmacio de uma autoridade injustificavel persiste e intensifica-se dando lugar, na actualidade, a ‘uma explosio dos discursos legitimadores. Torna-se entdo evidente {que a teoria da literatura no pode ignorar'se como campo proble- thético: nao 86 0 campo onde se colozam oa constrozm problemas, ‘ras o campo instavel que a cada memento existe pela experiézcia dos seus limites. No nticleo de qualquer problema de legitimagao esta a questio «O que é», que pode ser considezaéa tanto do porto de viste da Investigagao das essensias conw do da investigagio das fungies A rimeira, tradicionalmente atribuida 8 filosefia, a qual compete an- ar e delimitar discipLnas ou instituigbes ~ circunscrevé-las garan- {indo a identidade dos seus objectos, assinalar-lhes uma origem ~ tem sido, no que se refere a literatura, um dos objectivos da teoria literdria. A segunda, a investigagéo da fungio, nfo pertence apenas & {losofia ou a teoria lite-iria, mas também a out-as disciplinas como a ccitica da cultura, a erftica literéria, a sociologia, ete. Como veri remos, a esténcia ¢ a fungio implicam-se mutuamente em grande parte das tematizagdes do fenémeno literdrio, quer elas procedam da filosofia, de posticas, da teoria e da critica, ou de outras disciplinas. ‘Mas ha um outro aspecto fundamental a ter em costa: a literatura ‘como algo nio-situavel faz vaclar as interrozacdes sobre a esséncia © 1a fungio em geral, o que néo quer dizer que as destitua ou Ihes retire pertinéncia, mas sim que revela a precaridede de qualquer circans~ Grigdo. Por outras palavras, a teorizacio da literatura, na medide em ‘que é afectada pela insiabilidade ou improbabilidade do seu objecto, fcaba por implicar a autoquestionacao da teoria. Daf decorrem diver- 1508 constrangimentos dos quais se destacam aqueles que interfere decisivamente na organ:zacio deste trbalhor o de toda a investigacio ‘em teoria literéria dever ter em conta a oscilagdo entre estabilidade instabilidade, constitutiva desse dominio; o de ser preciso conduzir ‘uma andlise hist6rica sem escamotear 0 facto de o problema da legiti- ‘magio ser um problenra em aberto e por isso sempre historicamente reinventado. O facto de se atribuir uma grande importincia a Histéria nko significa nem que se atribua objectividade ao passado, nem que © consideremos como resultado de uma pura construgéo subjectiva, ‘Trata-se de admitir que toda a investigacao, toda a teoria, parte de leituras. E 96 ha leituras do passado, de textos anteriores, embcra 0 anterior 86 exista pelo que vem depois, 0 primeiro pelo segurdo, ‘como veremos. Estamos perante uma dificulcade que determica a ‘struturagio e o ritmo do presente trabalho: face 4 impossibilidade Introdusio » intrinseca de uma construgéo linear ~ rarrativa 2 argumenvativa -, adoptor-se uma estratégia que parte da concepgao do problema como ‘uma pluralidade de persvectivas, a qual se manifesta através de inter -relagGes nunca interamente etermiraveis, pois decorrem mem meio conde sao suetas& contingénda Pretendese asim conjugar o recurso & Histéra da literatura, da estética, da filsofia dateora iterria) com a exigéneia de quescionasio, de argumentacio e até com a possiil- dade de alguma deriva menos identifcsvel, de modo a nao orivar 0 trabalho de um cero desenvolvimento, sem prejuizo de frequentes retomon No anans naan repel no pretend ino wurar qualquer cirulavidade, uma ver que nfo pretendem orga- "iar em Fangio de wm centro, tm Font fixe, mas im 20 jogo que faz com que nada do que se repste soja exactamente o mesmo, cada repeticao deslocando consigo 0 néo-lugar do centro, © assim dando lugar a uma evolicso are a prossecucio do cbjectivo atris referida comecar-se-8, no ‘capitulo, por apresentar alguns dos elementos que, de pontos de vista diferentes, contzibuem para o questionar de uma axigencia de legit ‘masio como submissio @ um fundamento sltimo, Esta exigencia, enquant> subordinacio absaluta 20 principio de razao, pretende reduzir todo o conhecimento a representagdo enquanto relagio entre lum sujeito © um objecto, através de tim medium, a linguagem, cuja perfeicio constitui 0 designio da flosofia ao propor-se como tarefa essencial a depuracio dos conceites. E neste designio que assenta a sujeigio da literaturaa flsofia uma vex que o acesso a uma linguagem transparente e universal ~sinica lixguager autértica -, permitindo separar rgorosamerte o literal e 0 metaforico, coresponderia a uma ‘metalinguagem aptaa dizer « verdade das linguagens impures. ‘0 questionar da exigiaca de fundamento esboca respostas dife- rentes quanto ao corhecimento e relagio com a verdade. Procurou- -se pOr em confronto algumas daque'as, atendendo a dois pos de preocupacses: as que dizem respeito &ideia de teoria; as que visam © limite em que se aside opesicode teatro 0 se ‘A supremacia concedida as eitneias da natureza em relagfo a0 -estante conhecimento encontra explicagdes muito diferentes:a que a coloca na dependéncia do iluminismo enquanto ruptura com a ‘radigio humanista na qual nao existia autonomia da legitimagto de tum saber tedrico em relagie a um saber pratico (Gadamer); a que a situa na sequéncia da reducéo da razio a razdo instrumental (Habermas); a que a considera um resultado da descoberta do prin- 0 Introtugto mundo. Mas, 20 fazer depender de uma estrutura antropoldgica,a-hstorica, a divisto das tres esferas da racionalidade,o sistema conctruido por Kant nfo Ihe permite apresentar qualquer hipétese de unicagio. Este € un dos aspectos que a sfirmagic de um pritepio de subjctvidade vai deixar em aberto e que vai dar lugar a civeras problematizagées © respostas Hegel, que considera vo problema da autocertfcasio da moder- nidade» como problema fundamental da sua filosoi (cl. Habermas, 1985: 27). vena disseciagio entre fe saber, que caracteriza a moder. nidade tel como Kant a interpreta, um factor de desagregagio social Pretende pois retitur razao um poder unificador, oque significa a superaca> da subjecvidade, suboumindo-a na manifestagio de un Espinto Absoluto, que se realiza na hist através de um movimento lético, Trata-se de conceberahistria como movimento de reconc lingo, que cond ao Fir da Histéria ou realizagio total do Fspfrito. Pela reflexdo, a razio referee a si prapra e vé-setransformada em destino, e que corresponde a uma wdesagudizacio da critica» Claber- sas, op. ct: 49) e ao desaparecimento dos problemas de funcamen- ‘acho ¢ legiimacto, 2, Objectividade, historicidace, interpretagio © positiviamo e «legitiagio pels cidnca. ~ A hermendutica na fundasso das ‘aneias humanas (Dilthey).~ A cedéncis ao positivismo (Dithey) ~ Os varios tipos de legitimidade segundo Mex Weber. — A no3io de vida como ccnfito e stuns implicaies no que se refee 40 problema ds legtimact, Durante o sécula XIX, 0 problema da legitimagio enquanso fun- damentagdo tem sobretudo, para além da res osta romAntica oriunda dde uma cancepcio messianice, das respostas do racionalismo légico, hegeliano, positivista ou marsista, éa resposta da filosofia existencial ‘Kierkegaardiana e de um niilisme que se generaliza no final do sécu- Jo, diversas formulag6es que partem da sociologia e da andl:se da cultura e que, de mados diversos, correspondem a uma necessidade de ligar oexercicio da razdo a situacio historia. Como diz Habe-mas, «o positivismo assinala o fim da teoria do conhecimento, Esta é substituida por uma teoria das ciéncias» (1968: 101), ou seja, 0 positivismo corresponde & instauracéo de um novo modo de legitimagio do conhecimento: € legitimo todo o conheci- ‘mento proveniente de uma realizazao cientifica. As questbes trans- ccendentais sobre as condigSes do conhecimerto sio substitufdas pelas [quests de método, processuzis € de verificaglo. Nessa substituigto ha dois aspectos fundamentais e correlativos. Deixando de ter em. conta fo sujet do conhecimento, a teoria da ciénda aio pode deixar de negar também a constituigio do objecto: «A atitude positivista dissimula a problemética da constituigio do mundo (..) 0 tinico resultado € corréncia da ideia ingéaua segundo a qual 0 conhecimerto & a descrigéo da realidade» (op. cit: 103) Para 0 conhecimento enguanto conhecimento cientifico 70 hi senio factos, e por isso a distingio entre a esséncia e o fendmeno desaparece. Com ela desaparece a necessidade de encontrar funda- ‘mentos, pois no inceressam as razbes des factos, mas apenas a sua descrigio, as suas les. As exigtncias que a filosofia positivista soloca ’ ciencia, como meics de provar a sua legitimidade sao, segundo 0 testudo de Habermae: certezs, precisio e utlidade (op. cit: 110-12). ‘A primeira € oriunda do empirismoe refere-se tanto a «certeza sesivel da observacio sistematica, que assegura a inter-subjectividader, (Objestividade, historkidade interpretagio a7 como a «cerleza metsdica de um modo de proceder obrigatoriamente tunitrio». Quanto a precisae, ela diz respeito a0 estabelecimento de is Enjoanio per sua ver a uilidade ou sea necsidae de corresponder a melhoria da condigio humana, pressupde uma alia Lr —— da natureza e da sociedade> ‘A dupla subordinagto positivist as factos ¢ aos métodos con- dur a uma demaracio nda entre of obetos que poem fer parte de uma experigncia cintifca, aqueles que s80 empiricamente Tides « formalicaveis,© uv que pertencem a metafisien, que fo aqueles que nto se submeter a estas condigoes. 'Na medida em que se censidera que é a cin, aliada técnica, ‘que concorte para oprogresso da humanidade,o positivismo defende 4 imposigio dessa aianga a0 maior neimero de actividades, de modo a dispor de cada vez mais elementos ca realidade através da sua teorizagio. Uma tal tendéncia para a redugio do campo do saber a0 ddominia das ciéncias vai influenciar decsivaments a constituicto © 0 esenvo'vimento das eigncias do espirto, ou ciéncias humanas. Embora 6 pensamento que sustenta estas uitizas possa ser em alguns aspec- tos antipositivista, € modelo das citncias da natureza acaba por pre- valecer. £ a conclusio a cue chegam autores como Gadamer (1960) ou Habermas (1968), a partir da andlise da fundacio das eiéncias do ‘espitito no século Xx. Para Gadamrer,o facto de as Geisteswissenchaf pproclamarem a necessidade de método significa ta indistingdo em relagio as cigncias da natureza, pois nao existe qualquer método senso por referencia a ests. E 2 necessidace de métoda que conciiz Dil they, apesar de o sea propésito de fundementar a distingto entre 08 dois tipes de ciencis partir de uma tradiclo romintica, ao reconhe- cimento de uma analogia entre as ciéncias do expirio eas da natureza. Reconherimento que anula em grande parte 0 seu antipositivismo, baseado na afirmacio da historicidade, que a acekacio daquela ana. logia torna insusteniavel. Pata Dilthey, a revelagio da «impossibilidade da metafisica» deriva directamente de uma concepsao da Historia como imanéncia, 1 qual contrapse a concepgio hegellana da Histéria. Fazer da Historia a manifestagio teleoldgica co esprito ¢ anulé-la na sua verdade; impse-se, porlanto, pensar o que ¢ singular e contingente fora da referdnei a uma determinacio absoluta. Contra a possbilicade de recorrer a qualquer fundamento tomado como causa final que just- fica o8 acontecimentos, oa quais sio por esséncia histdricos, isto 6, singulares, escreve Dilthey: 38 Legitimasio eexigéncia de ‘undamento ‘Nio podemos pensar numa dltma casa ncondidonada pare acres centamos 2 conedo condiconada dos fenérenos, pb a ordennao de {uma mulipcdade cus elenertonse compoem en si ursormerente¢ {amber um st, eprint do uno imutavel dose pode compen ‘erm amianga nom 9 mpage 1907: 206). ‘A importincia cue Dilthey confere ao mundo pritico e & «expe- riencia vividay (Eriebms) €visvel na sua teratizacéo, antipostivist, dda distingo entre citncias da natureza ecénsias doespiito. quan to nas primeiras o objecto exterior a0 tomem e resulta da obser- ‘vagio, nas segundase homem far parte d> campo a estudar, que nko ‘existe portanto pela simples cbservagio mas ¢ dado pela experiencia vivida. Essa distingéo dé lugar a uma oulra que diz respeito as atribuigées de ambos os tipos de ciéncias a explicacio, para as cién- clas da natureza ea compreersc, para as do-espiit. Dilthey propoe assim para as ciéncis do espirito uma base hermenéutica, fazendo desta no apenas 0 acesso ao sentido dos textos, mas ao sentido do espirito objetivo que constitu as diversas praticassocias. Toda a justficagio e validagso do coahecimento é portanto his- torica, imanente a una determinada situacio, constatacio que entra ‘em conflito com a pretensio ciltheyana de validade universal. Essa é ‘uma contradicio que anima sm pensamento em que a pretensdo & historcidade ea radicacio do conhecimento na experigncia vivida se alia 8 partilha dos dasignios positivistas de eientifisdade que, como vvimos,sfo os da objectvidade. ‘A fundagko da compreessio que caraceriza as Geisteswissens- chaften 6, para Dilthey, numa primeira fese do seu pensamento, de natureza psicologica, tamando-se, numa segunda fase, de natureza ‘mais estrtamente hermenéutica. A abordagem psicolgica subordina a comprensio a deverminacio de uma intengio e, na sequereia de Schleiermacher, supse uma eapacidade psicologice, a simpata, que permite a cada individuo transpor-se imaginariamente para & Vida psiquica de outrem, Quanto ac procedimerto hermenéutico, que acaba por prevalecer em Dilthey, ele pretende-se urna concepciosisterstica que parte da objectivacso das manifestagées do espirito, ou da vida, fa Histora. A compeeensio ¢ entio a intepretacio dessas manifes- tagdes obectivadas. Dilthey admite que o facto de haver uma zelagio imediata entre a experiéncia vivida particular e a compreensio her- ‘menéutica revela tum conflity irresokve: © conflito entre ss ten- dencias da vida e a necessidade de cumprir objectives cienticos. Segundo Habermas, a suspensio deste confitoem proveito do segundo palo corresponde a cedéneia ao pesitiviama, Tambeé: Gadamer aponta Objectividase historkidade, interpreacio 9 essa cedéncia,salientando que a importancia dada & Histéra ea valo- nizagio da hermenéutice como mode de compreensio sf0 abaladas pela ingenuidade de se enegar a uma metodologia que Ihe faz sesquecer a sua prépria histricidade~ (1960: 140). nome da objec- tividade que diz respeitar « Historia, 0 historiismo ¢ afinal a sua anulagio por preterder colocar-se fora dela. © deseo de obectividade equipera as ciéncias da natureza eas citncias do espirito, desacando, como elemento comum, o método. Perde-se assim qualquer hipotese de especificidade e com ela o pro- jevtu de fazer radicar as egundas aa Historia. Mas se, pelo contratio, a distincao deixa de ser feite do ponto ce vista do objecto e passa a silo aonivel dos métodos, cualquer distingSo parece tornar-se para~ doval. Bo que acontece com a proposta de Windelband (cf: 1894), aque divide as cigncias em nomotiias e ideograticas. As primeiras Visam o geral, 0 esabelecimento de les, enquanto as segundas se crientam para a compreensio do que € tinico, ierepetvel, portant. © paradoxo reside, abviamente, n> facto de se pretender consttuir tum tipo de cigncias que vao contra a propria idea de cienticidade que se parilha, na medida em que esta pressupée necessaramente tum método, e aguilo que rao se repete no é aplicivel qualquer métocio. A radicalidade ce uma diviséo deste tipo ¢ atenuada quando se tem em conta que 0 singular se dé apenas na linguagem, ou quando, a partir dal, 9 considera que ele apenas é apreensivel integrado num sistema axcologic. Da constatagio de uma solidariedade entre repetigio e expe riéncia do tinico resulta para as ciénciss do espirto, tal como se dlesenvoiveram no século XD, uma certa oscilag entre a recusa do historicismo e do positivisms, bem como a aproximacio destes. No capitulo de Verdade e Método intitulado «Signifcagso da tradicio hhumanista para as ciéncias do espisito», Gadamer considera que para 4 compreensao do modo como estas tigem e se consolidam é insu ficiente atermo-nos aos concsitos de znéodo e de cigncia moderna, Propée ainda que, pelo contrario, se procure na vinculagio a uma tradigéo humanista aquilo que oi resistencia a estes. E assim que Ihe aparece como essencial mas cgncias do espirito, embora elas possam. rio o reconhecer, 0 conceito de formacto, Bildung, privilegindo no modo como dé conta da relayio entre o particular eo geral entre a capacidades individuais e a cultura, No texto de Gadamer, tomar visivel aquilo que poderiamos considerar como 0 recalcado das ciéncias 4o espirito, faz evidentemente parte da construgio de uma concepgio da hermenéutea. O que, porém, aqui interessa resatar 6 40 Leglimasio e exigeneia de fandamento que a investigagio ds dilogo com tradigic humanista nas ciéncias do espirito coloca igzalmente a recessidade de as essociarmos a um tipo de saber diferente do conhecimento cientifico e possuindo por- tanto modos diferentes de legitimacao. Tomando Vico como centro da resistencia &indistingdo de todo 0 saber n-1m tinico tipo de conhe- Cimento, o das ciencias modemas, Gadamer vetrocede até Ariststeles fe afirmacéo de um saber prético, a phronésis, em relacio a qual se situaria um sistema co saber que se legitima através da capacidade de julgar exercida no harizonte de um sentido comunitério. Em confir- magio deste ponto de vista, a analise do concelto de gusts, que apareceu no século XVII, permite-lhe estabelecer a ligagao entre a Tdade Moderna ea Antiguidade no que diz respeitoa importinzia do saber pritico. ‘O problema de uma legitimagio do conhecimento das céncias do espirito que recuse para estas © mode’o das ci@ncias da natureza toma-se particularmente agudo em. sociologia, com Weber o: Sim- ‘mel, ou ta critica da cultura prosseguida por Nietzsche através da anise geneal6gica des valores da cultura ocicental. 2m ruptura som © positivismo e o histericismo, estes pensadores trazem para primeiro plano 0 trégico da existéncis, em virtude do qual a actividade do Conhecimento se reconhece asi propria come inexoravelmente ligada a0 devir dos seus objectos. ‘O pensamento volta-se para a andlise da a-tividade humana, para a observacéo das situagdes empfricas em que a produglo de coaheci- ‘mentos ea formacéc de valores se dé num processo de interaccdes, € f visto tragica tende a impor-se como uma espécie de reconheci- ‘mento simultineo da necessidade ce ums ética da responsabiltdade, {que supe 0 individuo, e de uma situagiode conflto para a qual ndo 1a resposta unificadora possivel. Daf que, como acontece em Max ‘Weber, o problema dz legitimacia se coloque do ponio de vista de uma teoria da acgio e da sociedade. Weber pretende conferir sociologia lum estatuto cientifico sem, no entanto, admitir quer a adopgio posi- tivista dos métodos das ciéncias da natureza, quer a existencia de um tipo de citncias que, como as ideograficas, seriam sem métodos nem leis. Na sua concep¢o das citnciae sociais, estas orientam-se para a compreensiio dos fenémenos concretos, nic podendo ser tdo gerais (que nelas se dilua aquilo que as individvaliza, e colocam a determi- nacéo das leis em fancéo da compreensio, ndo o inverso. Porém, a reocupacio com a cientificidade leva Weber a distinguir entre enun- Giados descritivos e enunciados normativos, propordo a neutralidade ‘axiol6gica, ou seja, a exclusiva aceitagio ce trorias de cujas hipsteses Objectividede,historicicade, interpreagio a fundamentais nao faca parte este iltimo tipo de enunciados. Trata-se de uma exigencia que Foe em causa 0 proprio objective de compre nolo.» ial to pode et tndependete de tna ago com valores, ou seja, deum reconhecimento da historicidade daquela (cf. Habermas, 1982: 26) stabelecendo uma distingSo entre dois modos de acgéo, aquela que ¢ crientada para 0 éxito e a que € orientada por valores, Max Weber ‘az-Ihes corresponder dois ipos de raioralidade: a que con- siste numa capacidade de escolher os meios mais adequadcs para 0 xito da avydo, © aquela que peruite avalar emt fae de valores € tomar decisoeseticamerte corrects. © desta racionalidade valorativa que Max Weber faz fundamentalmerte depender a validade de uma rdem, isto 6, aqulo que faz com que ela seja representada como uma ordem legitima. Dai que para Max Weber o problema da legit- macio nio se coleque apenas como © dos furdamentos de uma Aactividede cientfica ou o as condicoes priori da morale daesttica, ‘mas também do ponto de vista das relagbes secais das quais faz parte o poder politco eas formas de deminacio legitima em que se apoia. Para Max Weber, a legitimicade é uma cuestio de aceitabi- Iidade, ou sea, do reconhedmento, enquanto obxigacio ou modelo, das maximas orieniadoras do agi socal, dos costumes adquiridos, da exemplaridade, da autoridade Uma ordem que se apoia unica. mente ro costume ¢ mais estivel que aquela que se apoia Unicamente na razio, Por sua vez la 6 sincomparavelmente menos estavel que a {que se afirma graces a0 prestigio da exemplaridade e da obrigacéo, ‘quero dizer, da legitimnidede» (1955: 30) ‘A legitimidade de ema ordem pode depender quer de uma ante lina, quando depende de mativos cements alone ‘ou religiosos, quer de uma garaatia exterior, quando depende da conventio ott do cireto. Esses tipos de garantia estio em relacio directa com 08 fundamentos dessa leptimidade, 0s quais podem residir aa tradiglo, nas crencas afectivas, nas crencas oriundas de ‘uma racionaidade valorativa ou na legalidade. Esta itisra existe sempre como fundamento de qualquer dominacio legitima. Nessa ‘medida, qualquer crenca na legitimidade de uma dominagio, da qual decorre um interesse em obedece:, participa de uma crenga na sua legalidade. Nenhuma dominacio pode ser exclusivamente ‘undada sobre motives sentimeniais 9u radorais, «todas as dominagSes pro- curam despertar e manter a crenca na sua “legitimidade”» (op. cit: 220). A dominacfolegitima pode ser de és tipos, onsoanteas eren- «as dominantes em que se apoia:carismtica, tradicional e racional 2 Legitmagto e exigéndia de fandamento Esta altima, que correspond: a9 tipo de dominagSo legtima das sociedades democriticas modernas, apoiase na crenca na legalidade dos regulamentos eno dreito de osadiministrar. Ema termos eva, a Epoca Mederna corresponde & passagem da legitimagio teologica ¢ commologzen para a legitimacéo pela razi0. (© que é aqui importante ressaltar € que o conedito de dominagso legitima, como o define Max Weber, implica uma nogio de legit rmagio que a faz cerresponder a uma erenca da qual depende a tcelabilidade de una dada crdem social on, por analogia, de uma ‘dem eapecifica no merior da ordem soca. Fseacrengaesobretudo, nas sociedades mocernas, ua crenca nalegalidade. Habermes, que tencontra em Weber um dos inerlocatoresa partir dos quai sestenta f'sua teora do cagir comunicacionaby, coloca algumas questOes & Concepsio weberiara de legtimidade, na medida em que da faz equivalera crenca naiegalidade ea crencana leitimidade. A questio principal diz repeito As justficagdes da erence: até que pon elas partem do pressuposto de que se trata de «xm fenémeno empiric, fem uma relagio inanente com a verdade> ou, pelo contrino,s¢ baseiam nesta (labermas, 1°73: 196). No primeizo caso, qualquer decisio se justficainvocando apenas «sua legalidade;no segundo, 0 ‘proprio legisla se toma objeco ce ema argumentaio legitimadora ‘Rauilo em que Habermas diverge de Mac Weber, neste cas0,n80 € za pretensio de produsirjustifiacSes rasionais, 0 que & comm a ambos, ms é no facto de o primeiro admitir que «é possivel fandar pretens6es normativas a validade>, Estas sto possiveis pela exsténcia ‘Seuma estratura de angumentagto (Disrs) separada da experiencia ¢ liberta dos constrangimentos da acgio, onde 0 consenso obtido ossui um carécterracional, universalizavel, portant. Por sua vez, a concepsio de leptimilade em Max Weber esta subjacente ma distingso entre validade socal e validade idee! das rormas e, or conseguint, a inxisincia de critrins de justia Universas'~ € 0 politesmo ou a pluralidade, sem totalizacio, de legalidades? 'Notese que ests nocio de politeismo como culminar de um processo de desencansamentonio partitha da nostalgia romantica de tim absoluto om opesigto a ordem democritica, 2elo contério, 0 acetismo religioeo 6 visto como o impulsionador desta ordem que 6 tuma das caraterfstne princpass da mcdemidade. E nee que se origina, segundo Weber; um mecanismo impardvel que permite a ‘ada individiuo 0 desenvolvimenro da paisio por ima determinada Sctividade procurando levar c mais longe possvel as possiblddades (Objectividade, historciade, interpretasio 6 desse campo ~ a sua rsionalidade prdpria- sem procurar qualquer principio de ttalzacto, acho de uma narrative ioaizador, so © So uma rardouniverabet, erate ¢consatagio de um irreversivel potelsmo, ot plural dade, sem sintese, dos valores, nfo se tata, parn Weber, de propor tim imposevel relrmo a0 assaco, mis ese propor promepulr 4 ampreensto do sentide do desencaniamento, a dessacalieagio Essa compreensio, bem como a preibildade que o individ posr de tomar desde cslarsids, depend do dil, mas sem aque ete tsp entendido con propecionnlor UnigaleD Uo conven, pelo Contréro, €no confito Ae valores que a decsio individual toma fentidoe pode, por sua vez, coresponderhatribugte de um sentido Tenstenda, Panindo de mitodos de andise completamente diferentes dos aque se encontram em Weber, também Sinmel confer san grande Televo d idela de confit, Ex 6 antes de mais, 9 renstado de una peda de cesso do socal da sobrepaiio da individual 30 peso das fnotitugoes, a qual determina a nectsilade de atengio as apaéncia, Sem recorer 8 ardlie hstérca dos grandes acontecimentow ou rudancae, mas partinds de detathes, fragmenton casos dnicos que permite o acess compress soma lahorasto de imagers total Zadoras, Simmel procede ao desenvolvimento-de um persamento qe possui carateristicas impressionist, Tratnse de adit una tase entia para « socologin isto € de privlesiar una percepto imediats, aquela que copa Ouider de reaidade © perme repre Sentila como apetgio eu apartniaincessantemente mutivel” As imagens da reaidade so de hatureza etc, els resultam de uma apiidto eapeciica, que encontra 0 seu pleno desenvolvimento na ant, paca organiza impresses e entimentos,stuando 0 fragmento numa pluralidade de iteracges (fr. Frisby, 1985 59), A afemagio de unr tal ponto de partidn tem como prestuposto a ausénca de fundamento de qualquer explicago solr as actividades ssa, ou Sef, de qualquer fundamerto pan as chamada Gencias humans fou do esprit, Nido porque nfo exist uma orgem absolut, crenea de que Simmel paripa mas porque eats étda como abolutamente inacessrl , por iso, c coneittento ‘eré que admit, com a ua incompletude, a sim suséncn de fundamen Simmel denominow ego weciproci o jogo de aces «ceases que determinam quale gquer fexdmeno corsttindeo sempre numa compleddade que conhecimentodevers expor endo reduc Para o coahecimento todo fo pono de pari € abitiie, pois or objector do conhesimento “ Legitimacio e exigtncia de funcamento cestem numa relagfo ou interago, ca qual depenciem, de mode que a sua verdade ¢ uma verdade relativa, a verdade de uma relagéo. Por ‘outras palavras, a verdade nio resulta da adequacio de uma propo- Siglo am objecto, mas do jogo de ciferencas entre as proposighes, 0 ‘qual por sua vez depende do sujeito do conecimento, determinado cle proprio por um sistema de noes a prori que variam histori- ‘mente. De acordo com esta concepgdo relaivista, cada co's ou lacontecimento é assim acessive nossa compreensio apenas enguanto centro provisério de um feixe de relag6es, no havendo qualquer Ppossibiidade de the determinar uma causa Chima. Tudo aque que Se apresenta como causa ou fundamento ¢ susceptivel de ser dissol- Vido numa nova rede de relagoes, num processo interminavel. No entanto, amuidanca nio se deta determinar segundo qualquer con- ‘cepato historcista que admita um sentide da Histéria como realiza- ‘fo progressiva do espirito, em sentido hegeliano. Uma tal concepcio Ga mudanca e da interzelago encontra em Simmel um tizo de Giscurso que the faz justiga. Toda a sua obra pode ser consicerada ‘como um rasto ensais em que tema é abordado a partir de perspec- tivas diversas, em que estas confluam necessariamente para uma imagem centralizadora. Pode dizar-se que 0 ensaio 6 para Sirrmel 0 modo de discurso que melhor integra a dindmica éa Vida e da ate, ‘ao constiturse como um jogo de separagées ¢ligagtes motivado pelo esejo de estabelecer mites e pelo seu opost, 0 desejo do iimitado. ‘Qualquer individualizaglo, separacio portanto, s6 pode ser referida 420 humaro, ow melzor, a0 pensamento e 4 arte como modos de interrupgéo de um movimenvo geral de metamorioses. Por isso a continsidade, simbolzada na imagem da ponte, implica sempre o seu ‘posto, a unidade finita a que ancoramos a exsténca, simboizado [por um «ponto fronteita» aimagem da porta (cr. Simmel, 1908 15). Contrariamente &rigidez do metodo postivist, 0 ensaio mantém a tensio enite finito e infinito,fazendo justiga 8 natureza do hamem como weer de ligagics. Daf @ sua modernidade, que consiste sobre- tudo em participar dos propésites da arte, como ode dar forma a0 que éfugidio e mutavel, sem sbandonar os do conhecimento Da auséncia de fundamento, o1 do recuo infinito deste, zetira Simmel a necessidace de privlegicr a arbitrariedade do pono de partida que the dé a pensar a Histria também ela como conjugagio de continuidade e descontinuidade, nocessidade e acaso. Decorre ‘essa perspectiva a imporancia que Simmel confere a0 fragmento, que onaidera especfico da modemidade na medida em que lhe corres- pponde um tempo especiic, suspenso do passado e do futuro, 0 da (Objectividade, historicidade,interpretagion a5 ‘experiencia do tiniso ¢ ocasional. Este tempo intenso determina das figuras da modernidade, o aventureiro e o jogador, que, tal como 0 artista, sio aqueles que, por exceléncia, compem com a cadeia tempo- ral e se erguem como figuras da impossibilidade de legitimar a exis- tncia: (O aventureo ¢ tube o exemplo mais impertante da estinciacon- temporinen da pessoa serftum pastado por out, 0 fitaro nse existe par ele (risby, op. 68). esta anséncin de Hatéria que determina tima das caractersticns da modernidade, a do privilegiar de uma existincia estética ou do eterno presente como tempo (intenso) sem tempo (cronol6gico). Note-se que, para Simmel, a modernidide ¢ a época que se instaura com a viragem para o sécilo XIX, na qual 0 cesenvolvimento da economia monetisia atinge um es:dio em que a sua interferéncia na formacio das ideias e valores sociais se torna indesmentivel. Em Filosofc do Dinheiro (1907), a expansio da troca monetiria €associada a diversos aspectos psicologicos ecognitives. O seu contribute para a fixagio de ideais de objectividade e universalidace, bem como para a substituigao do qualitatizo pelo quantitativo, alis-se a uma generali- zagio do relativismo, a qual comresponde a transposicio para os dominios do conhecimento e dos valores da possbilidade de estabe- lecer um miimeroiimitado de equtvaléncias. A constatacao deste tipo de mudancas especificas da modernidade nae corresporde uma avaliacio negativa.Os aspectos negatives, como o da impessoalidade fu da distancia as coisas gerada pela logica quantitativa, existem em jogo com aspectos positives, entre os quais o desfazer das comunida- des fechadas e o ecodir ce multiplicidades de gostos e de formas de vida, Oconflito revela-se como esséneia da vida. Dai que, nocombate centre a vida e as fermas, 0 conceito de vida ocuze na modernidade ‘um lugar central, ¢ que implica a sua oposigio 4s formas, a tudo 0 que ésistematico e perfeito,acabado (cfr. Simmel, 1919: 229 segs.) ‘A fllosofia da vida, particularmente importante na ikima fase da obra deSimmel, vem acentuar a impertancia do coaflito. A aliemacio da auséncia de fundarento, propria da sua concepgio relatvista, conjugase com a auséncia de finalidade da vids, pois a finaidade apenas pertence 20 desejo humano. Sem um principio absoluto que ppossa conhecer, nem um fim que possa determinar, o conhecimento ‘toma-se conhecimento ca mudanga. E dado que a vida se realiza em formas, que por sua vet a anulam Exando 0 néo fixavel, a moder nidade adquire consciéncia de um conflito iresolivel. este que 46 Legitimagio e exigéndia de fundamente determina o trégico da modernidade, époea do inconciligvel da ver- ide, ou do conhecimento, e cos valores (marais, estéticos). Sendo a ida pensada como forga sem forma, que ororre no plural das formas, impulsionando a destruigéo destas, 6 a prépria nogio de vide que cexclui qualquer hipétese de uma forma das formas, qualquer ‘otali- zacio, qualquer universalidade. O que nd significa que ndo existam formas globalizantes, mas sim qu2 © que se apreende através destas, que sio por exceléncia as formas artistices, $ 0 conflito. Posszindo ‘uma fungio redentora do instante; pois integra em si o conflito,a arte indo é de modo nenhtm redutivel ao esteticlsmo dominante na epoca fem que Simmel escreve, © qual 6 sobretudo da ordem da diluigao no imediato e nlo da criaglo. 3. A.ctise das nogGes de objectividade e subjectividade (© abismo do fundamento: Nietzsche e Heilegser.— A alrmagio do sufito ea {mposig do modelo do conbecsmentocientieo (Heidegger. A impossibilidede de ercontrar um fundamento para os valores ea consequente crise e destruicio destes é um tema importante da literatura das décadas finais do século XIX e, por excelancia, dos ro- -mances de Dostoievski, cue faz ajustar-sea todos os herdis principais a célebre férmula que uma personager promuncia a propésito de Ivan Karamazov: «Se Deas nic existe, tade é permitido». Com Nietzsche, © pensamento do nillismo decorre ce uma andlise da cultura que parte da crise de valores para a sua génese. A morte de Deus ¢ apresentada como 0 grande acontecimento pelo qual a maior parte das crencas ‘que sustentaram a cultura modema. ckegou ao fim. Nao se trata apenas da perda de valows ede critérios. Tratase de uma situacio em. ‘que a necessidade de explicagdes tltimas desapareceu. O suieito res- onsavel ¢ a verdede-adequacio aparecem coro imposturas ine- rentes a um determinado “ipo de relagBes de poder. Eles fazem parte de uma zoncepsio dualista que distingue mundo verdadeiro e mundo aparente, colacande o campo dos valores em relacéo com equele e submetendo a exisiéncia, na sua dimensio histirica, as verdades intemporais. Nietzsche, invertendo ou recusando aquela distingio, pproclama a necessidade de criagio de novos valores, fundades jé no sobre a verdade mas sobre as interpretagoes. Eslas, na medida em {que ndo so atributo de um sujeito pleno, correspondem a um jogo de forgas, manifestacio de uma vontade de poder cujo estatuto pos- sui no pensamento de Nietasche uma ambiguidade susceptivel de conduzir a leituras muitc diversas. As proprias contradigoes e a com- plexidade de um pensamento nao sistemitico permitem que se consi- dre o jogo das interpretagces numa concepgio vitalista em que a vida aparece como nove fundamento, que se veja nele um estidio final da racionalidade tecnocientifica ou que, pelo contrario, se desen- volva através da actividade de inerpretagto e avaliacao um novo tipo de responsabilidade, uma respcnsabilidade sem fundamento, 48 Legitimagioe exigincia de fundamento propria de um sujito divididoe sem Deas. A dificuldade dese timo frou de conceberaexistnciainerpretante © avaiadora et este ‘amente ligada a dficuldade de conceber tum sveito que se supere sendo responsive. para além da consciencia de si. Nesta necesi- dade/iimpossiblidage consste o trigico da exstencin que nfo se dleixa resolver por qualquer pro2osta de concepsio do supito em ‘moldes perspectivistas ‘A questao do fundamento & um dos aspects centrais do pensa- mento de Heidegger, desenvolverdo-seao longo de toda a sua obra scompanhando at nlexies dest. Em A Essénsa do Fudan’ (1925) Heidegger repensa, a partirde Arstotcles, os trés modos de entender « fundament: tum fundar como institu eri, projectar otro fun- dar que € alicergar, encontrar un ponto de apoio, e um tererro que onsite cm fundamrentar metvar, encontrar sas raz de>. Ou noutros fermos, como «possbilidade, base, letimacio>. Os dois primeiros ‘modorsi0 inseparsveis, pes corstituen eles préprios @ temporal Zasio e permitem a realidace mana (Deen) como transcendenc Quanto bo fundarentar/rotiva,,€ atavés dele que «se realiza a “Preventagio do existente” (J exsterte assim “presentado” anun- cia-seentao como “cas”, por exemplo, on como “motivo” em ree ion um context de exstente jf revelado> (opel: 150 a eslocagio deste tipo de relagio que toma possivel a questéo , ete conver- te-se em abismo do fundamento (Ab-Grund), pois a iberdade coloca 2 realidade humana mima abertare de pesiveis que determinsm 0 set ‘roprioabismo, O ebismo do fandamente€ equi o -poder do Das, Griginado na préprialiberdade que o constitu o que significa que as Sua razdes serio sempre razdes proviscrias excedidas peo ser fo pensamento caleulador,o das cicias, que erige a razBes em casts fina, como € priprio Gos seus cesigniosobjctivantes, Por [ss, a uestio do fundamento ests intimament gad a ua visio das Ciencias que tanto espera dela, da radicalizacio extrema dos seus todos que Ihe perma atingir 0 incakwlavel, a passager para tum novo modo de relagio com o ser, quant acentua a dicotoria entre © pensimento caleulador e 0 pensamento meditativo, resrvando para esta integracto mista n9 se. , Objectvidade esubjectividade 9 Fm «A época das concepsdes de mundo», Heidegger pretende que, quando antram na fase decswva da sie ocorréncia,os Tempos Moder- fos anunciam um seber que nos esié ainda suspenso, Isso mac deverd justficar um retormo ao passado ou o debrucar-se sobre a tradicio, gestos af considerados como um tipo de cegueim, mas devera dat Iugar ac questionamento e meditagie, pois «o homem nio poders sequer aprender e tomar em consideragio o ue esté em suspenso tenquanto persistir em mover-se ma simples negasfo da sua épocar (Gleidegger, 1938: 15 ete texto pertence uma conferncia que teve por titul «O faa mento da concepgio moéerna do mundo pela metaisicar. O facto de tata ter sido proferida ers 1938 corfere Aideia de um saber que eta fem suspenso algums enigmaticdade, seo relaconarmos coma ulili- ago que na época era fete da cincia e da técnica a0 servco da destruigfo. Ai Heidegger corcebe « evolugio da déncia e da tecnica como a ce um excesto de hiz que gera sombra e obscuridade, ou um aumentode quantidade que gera oqualitaivamente novo: algo capaz de abala: a esséncia dos Tenpos Mocernos. Estes distinguem-se de qualquer outra época da Histéria pelo facto de corresponderem & época em que (op. cit: 122). A Waltanschaang & um resultado da cincie como imposigio do domirio do hemem, organizada em ciéncias particu- lares, tanto exactas como humanas, ue na Epoca Moderna edquire caracteristicas espectficas organizando-se como investigacio, com tudo o que esta implica de projectos planos de investigagto, métodos € instituigbes. A ciéncia moclema caracteriza-e como investigao, na medida em que nela¢ fundamental a constituigio dos factos, objeto da investigacio através do horizorte prévio da regra e da le. Sto condigies de desenvolvimento da cincia como investigagio, a parce- larizagdo do saber, bem como a delimitacto rigarosa de cada céncia particular, dos seus cbjectos, métodose programas E como resultado do desenvolvimento desta céncia «forte, que {garante a0 sujeito um lugar de conquista e dominio, que Heidegger ve surgir um «espayo que escapa 8 representacio, concedendo a0 Incaleulével a cua determinayio propria e 0 seu cardcter historia mente tnico» (op. el. 125. Esta concepeso da Epoca Moderna levi-nosinevitavelmente a por questdes como est: Poderéareferida colocago do mundo mam espaco 50 Legitimacio eexigincia de fandamento que excapa em absoluto a representagio ser anuncladora de algo {ais quea morte? Ou entac: Como € que aanundagio de algo que se desconhece pode servir para justiicar o que no presente € apresentado como a inatramentaizacio méxima da razio? O que aqui seadmite€apassagem da instramen‘alizagfoe do célclo, pela ples progressas quanttativa, para em outro modo de reiagio a0 Ser, da ordem da incalculablidate, Hi aqui entfo uma especie de crenga no progres como crenca na sia autoliquidacSo, ou renga na possibiidade ce ele condurir a algo nfo a6 mais primiivo mas Sriginio. Ndo dena de ocr significative que cote sntuiaemo» pela cia ve tena manifestado em 1958, "Embora sem omesmo cenfusiasmo>, a ideia de que acincia nfo 6 redutivel ao cakuldvel € posteriormen'e abordada de rovo por Hiidegger em diversas ocaides. Numa conferéncia de 1954 (op. i262), a qualimplica necesseramente uma frimazia dométodo. ‘Acdencia moderna acareta asim perda do senido grego, original da teora, que era 9 de uma satensio respeitadora prestada 4 n80- socullagio ta coisa presente» ou evisio da vendade e guardia da verdade> (op. cit 58) 0 qual, no entanio, continua a rodesla como uma sombra. Esta sombra, cw anvncia de algo que excapa i razio calaladora, parece em cada ciencia como 0 Incontornavel desea cienca. Com tfeito,« compartimentagio eespecializag fazem parte da esséncia {da ciéncia modems, mas munca a deimitagio e Fxagao de umn domi- ho tinge a plenitude do ser daqeilo que ai aparece como ozjeto. A prova desse Inconsoravel eta no facte de as cifncias nao poderem. “munca presentar-se (eo seller) a si pr6prias como cinch pelos smeios da sua teria e pelos procesios de teora» op. ct: 73). Ou sei, tessa prova € 0 priprio facto de ser imposafvel a existéncia de uma metareoria que prescinda do recurso aLingua natura, Para Fides” {ger este Incontomsvel nfo tem nada a ver com uma ide recente de Scrise dos fundarrentos» da ciencia. Ele € aquilo que ne Epoca “Moderra permite pasar da razio calcuiadora A meditagio, como um sretomno ao pais natal, abandone ao «cigno-de-questao», sem qual- Objecividade esubjecividade 5 quer objctivo, nemo de tornarconsciente nem ode corresponder a0 Iodelo que ¢ a cutura Trata-se de atingir uma pobreze que nie pode dexar de lemorar a experiencia mista Parca compreensio da dimensio de ncaiculabilidade que rodeia 0 desenvolvimento das céncias,é fundamental o texto que tein por thalo «A questio da técnica», onde Heidegger comega por fazer uma afirmacio decisiva para o desenvolvimento posterior da questio: «A fssencia da técnica nao € absolutamente nada de ‘eenicos (1953 9) Sendo a técnica anterior cncia moderna, &a inquitasio gerada por ceta que vern enplicinr aquilo uc a Iiga. A reoresentasto cor Fente, instrumental e antropologica, que fazemos da técnica ¢ dif rente do significado grego ce tech, sla & prodagio, o que nela € decisive «nao reside de modo nenium na aoyio de fazer e de sancjar, nem na utiizagio de meics, mas sim no desvelamento» (op. cit: 19). A tchné€ assim, mum certe sentido, poesis. Tal como apy 6 poisis, embora esta tenha em si a fossibilidide de produsto, tenquanto pela tein? o praduto a rece2e de tum outro, 0 artesio ou 0 artista. Apenas a téenica moderna deixa de ser pro-ducio, para ser tama provocagio «pela qual anatuceza € convocada a entregar uma energia que possa ccmo fal ser extraida eacurulada» (op. cit: 20), ‘A idade da técnica, ada iéncia moderna, ocula assim, no maior risco, aquilo que salva a essincia da técnic no # nada de cnc, ras ¢ poiss. De acerdo som isso, 369 abandono da concepcio ins- trumental da técnica da concepeSo esttica da arte permits que a are venha a ser © lugar decnwvo da questio da técnica Note-se que a facto de apiysisser consderada como panidigina da produglo, e de ser em funcio dela que se coloca a questo. da téenica e da poesia, correspende a total auséncia de referencias is instituiges e converges sacais. Seb preexto de questionamento de tum impéro totaizador,o da cigncia moderna, usr fal proceso con- dz afirmacio de uma outrainstanciadestinadera, totalizadora, a plysis, qual s a poesia responde perfeitamente A recusn do pind Pio de raz em nome dla poesia, aque Heidegger procede nos cursos ® conferéncias aquele dedicacos em 195556, culmna a interrogagio acerca da téenica a0 concur pela necessdade de abandon da pro- pria interogacio, ‘A concepsio da Epoca Moderna de acordo com a qu esta correspond @ instauragio de uma Tazio calculadora identificavel som 0 medelo cientiico¢ colocada em relagéo com a descoberta do Principio de razdo siciente como sua caraceristica principal. A ex- Bence fundamento que 0 principio de rast instal ceesponde i 52 Legitimacioe exiginda de findamento 4 reducio do ser a um objecto para um sujeite, o que sucede em definitivo a partir de Kant, com a identifieagio da Razao, a ratio, a0 sujeito e as condictes de possibilidade a prior. Eo sujeito =ue cabe determinar a azo suficiente de todas as coisas, modo como elas se representam. Hid nesta andlise do principio de razo uma preocupagio insis- tente em mostrar que aio a filosofia e as céncias que fazem seu este princfpo e por isco a sua actividade esté interminavelmente ligada ‘20 «porqué?» e ao como», Enquanto a ciéncia e a flosofia ccrrespon- dem a uma razao calculanve, © pensamerto ¢ a poesia abd:cam do “«porqul?» endo procuram um findo ou uma razao, mas alirmam 0 porque, o fundemento dos entes no seu ser. Repare-se que «por- que», weil, tem a mesma raiz que dieweiien, palavra que significa ‘permanecer’, ‘durar’, ‘perdurar’-O «porque» opde-se a todaa funda- io sobre razbes ea todo o «porque?» ele designa o que pe-manece. 6 0 ser é fundamento, 0 cue implica que nao haja fundarsento do ‘er: «0 ser “é” sem fundamento (Ab-Grund, abismo» (1956: 239). rr 4, Hermenéutica e critica (Os precorcits egtimos e afandamenteco ortoldgia da hermentutia (Gad ‘med. ~ De critica da ideologin 29 agir comuncacional Glabermas). - Herme- ‘ndutica © autonomia do texto Reneu) Afirmando aimportincia de todos aqueles persadores que desde Dilthey a Simmel, Bergson, Kierkegaard, Nietzsche, Husser ou Hei- dogger epuseram & pretensio posiivsta de uma :eori centfica do conecimento a necessidade de sma compreensio radicada na histo- ricidade, Gadamer aparece como um autor que pode ser tomado como ponto de partda para apresentar os princpais agpectos que const fuem 0 problema da compreensio, por cle considerado como micleo central de uma disciplina, a hermenéucca ela propria constituda em Ailogo com a tradigio lesen Eectivamente, eaconatmse, ou sso susceptveis de ser relacionadas, com a hermenéutica quase todas as propostas de pensamento que, no nosso século,cerespondem a um bandono da fandamentagto metaisica ‘A rehgho de Gadamer com a tradigio hermenéoticaconstruida por Dilthey, na sequénca de Scheiermacher, resulta de uma avaliagto capaz de ressaltar os aspectos posiivos daquela, ecusando embora, ‘como vimos, os ses desigios finais que «converte numa determi acto de métodos e regres de interpretagio, em sintonia com ex sgncia positivist de validade universal, A via que Gadamer cons era fundamental em Dithey, e que fica suspensa ow anulada pela sua preocupacio metodoiégica,é aquela que Feconhecendo a impor- tanca da historicidade ne'a preterele fundar a cempreensio ¢, por conseguinte, as ciéncas humanas. A nogio de Eve, experiéncin do vivido, ecupa im Tagar cenral nese reconhecimento. Corespon- dendo'd experiencia conceta de uma unidade de sentido (emotvo, infelectual) que espentancamente ace & consciéncia de um sujeito empitico,a Evers excede a rlagio abstractizante ce sujet e object. ‘Mas, para Gadamer, tratz-se de uma noo ambigua, eu génese © desenvolvimento Ihe permitem ser straids para pols opostos~sja. a filosofia da vide, sea tna afiemagio ds historiidade que nao se consegue sustentarecai no positivism. Eda concgpgio da radicagio | 54 Legitimagio e exigtacia de fundamerto da experiéncia no mundo da vida (Leberswelt) que parte Husserl 20 propor o repensar dos fundamen‘os das préprias ciéncias da natu- reza, concebendo-as a partir do horizonte historico e cultural. Esta hipétese é no entanto anulaéa porele préprio, ao conceber a fenome- nologia como ciéncia. A esta caberia enconirar, scb a multiplicidade de mundos da vida, uma crigem néo hist6rica, resultante da acti vidade de um sujeito transcendental. Tanto Dilthey como Huser! ‘acabam, portanto, por sacrifaro mundo da vida a uma exigincia de objectividade, sendo apenas com Heidegger, e a primazia que Ser ¢ ‘Tempo (1927) atribui a0 ser-no-mundo, que a historicidade da com- preenséo se afirma plenamente. A compreenso é uma questo de ‘autocompreensao, Ela corresponds ao transcender-se a que pertence (0 Dasein, a realidad2 humara, sendo que pertencer a transcendéncia significa projectar e esbogar um. mundo, esiando esse projecto desde Jogo determinado palas possibilidades osiundas do passado. Em con- sequéncia, Heidegger descreve o procesto de compreensio, fezendo- *o corresponder a0 circulo hermenéutico oriund> da hermenéutica romantica, como um cfculonéo vieioso na medida em que perante 0 jf concebido, vinda do passado, se afirna a antecipagio do futuro. Gadamer retoma este tipo de descricéo, encontrando nela uma das [preocupagdes centrais da hermenéutica » desenvolvendo a pertir dai fodo o seu pensamento e dislogo com a tradigio filosofica. A relagio entre a antecipagac de um sentido e a determinagio deste a partir da expectativa que se possui mio consiste num acordo automético que conduziria directamente desta Aquela, mas supe uma distincia ou ‘confronto, que é a interrogaso: (Ora, ocomgreender nio acede 3 sua possibilidade auténticaa nfo ser que as preocupagies que pée em jogo nfo sejam arbitrrias. B portato oivel reconhecer que ¢ intérprete nio.acede directamente a0 texto, ypolando-se comodamente numa pré-cencepcio jé ineiramente pronta, tas ie ele precisa expresearerte de por A prova tais pressuposiies, {nterrogando-ee sobre asus legitinacio, quer dizer, sobre a sua origem validade (Gadamer, 1960: 15) ‘Aaafirmagio da néo-arbitrariedade das pré-concepgbes que cons- tituem o processo de compreersio e, portanto, igualmente ca neces- sidade de inquirit da sua legitimacdo é uma das mais densas de sentido, e que apresentam maiores dificuldades de interpretagio, na ‘obra de Gadamer, Por ela passam as questiies fundamentais desta, ¢ ‘que dizem respeits & importancia das préconcepgoes e consequen- temente da tradicio; a impossitilidade de submeter a verdade a _métodos de pesquisa; & necessidade de conugar uma disponbbilidade / wae Hermenéutioaecrtica 35 perante o que ¢ ouiro ox estrangerc com a capscidade de critica: & ribwig de ma prividace & cempreensio hermeneutice em rela Gio a qualquer out moco de conhecimento ‘A posicio antihstoricsta e anti-objectivista de Gadamer tem como alvo aquele que el considera o preconceite principal da tradi Go iluminist: «o preconcsto contra cs preconctitos em geral © a Teeusa da tradicHo que cat resulta (ap. cit 108) 0 termo precocet, signifcando um juizo prévio, pode ter tanto tm sentido positive Como um sentido negativo, No enlanto, com a Aula, ele passou rer eiclusivamerte negative, consilerandu-ve com prewneete todo o «juizo nfo findecon (cf op. ct: 109), aquelejuizo que nao dbedece ao principio de razio sufcieate De facta, com a Awjlirung, femais especifcamente com Kant, a coneciéncia da fintude, que tra onsigo a ecessidade de delimilagio dos poderes e deveres dos homens é acomparhada de uma exgércin de attonomia, a obriga- fo, ques cada tim abe, ce se servr dasa propra razio. Ora esta, ¢ ‘consequente autoafirmacio do sujet, prtencem a uma época de ruptura, que assenta numa concepeto da Historia como progresso do ‘thas para o logs. De acordo com esta iia de progresso, omito ea razio apresentamse como aspectos inconciliéveis, sendo que, na ultrapassagem defntiva do mito, arazio deve rejetar a sutoritade da taitoe dos precencetos, ios quel se aia subetendo sa aerticn, Mas quando Gdamer pe como condicto hermeneutic que as pré-concepgies postas em jogo «nfo sejim arbitriiasy, no eta le tambéma recoreraideia de criti? Se tomarmosa critica no sentido de tribunal da razio, concertera que nao. Gadamer fala da neces dade dedeixarmos que o texto nos dga algo, necessidade de sbertura Aalteridade, de moto a que no encontra com a8 oseas pré-concep- Ges ele possa spor em jogo «sua verdade> (op. cit: 107). Aquilo que, no final determina que nio exsta ou prevalega uma aritrariedade das préconcepsées & que a compreensio sea fundada na propria coisa a compreender.Eevidente aq # reiagio como projectoheides- geriano de uma orvologia fundamental ea distinc em relagho a qualquer concepcao de ma critica baseada em crtérios prévios & Compreensio, Em rlagio 4 autoridade da tradic, trata de no a conceber como uma exigénca de subrista, mas sim como reconhe- cimento de uma sabedori que é a0 mesmo tempo a nosea possibi dade de econhecimento, Em suma a importincia da tradigho reside no facto de com ele pocermos dislogar e nos podermos consituir como seres dialogantes, ou seja, no facto de podermos admit a 56 Legitimaco eexigencia defundamento cexistencia de preconceitos legitimos. © que nao significa que todos 108 preconceitos sejam legitimos, Gadamer di-lo explicitamente: Para uma hermentuticeverdadciraments histérca, a questio central, 1 questo fundamental do panto de vista da toria do conhecimesto, pode portanto wer formalada asin: em que € que se deve fundar a legiimidade fos preconceitos’ © que distingve os Freconceitos legitimos de todos faquee, intmeros, que compete ircontesiavelmente & razio erica ular passer? (op. cit: 18) Gadamer admite que a oposicio, defendida pela Aufilarung, entre a fe na autoridade eo uso da raze Seja correcta, mas aperas -uando aquela substitul 0 juizo pessoal, 0 que nao acontece em relagio & autoridade da tradigio na medida em que ela resulta do reconhe- cimento. Trata-se, portanto, de recusar a existinda de uma relagio necessira entre autoridade e obed:éncia, pcstulada pela filosofia das Luzes e que o romentismo, zo manifestar-se pela primeira, nfo con- tradiz. Para Gadamer, «a auloridade nac tem neniiuma relacio ime- diata com a obediéreia; ela assenta no reconhecimento» (op. cit. 118) ‘A relagio com a tradigio néo € passiva e receptiva, mas implica a liberdade: «A tradigio, mesmo a mais autéatica, a mais respeitavel, rio se realiza apenzs de modo natural em v-rtude da forca de perser- vvacao do que existe, mas ela requer ser afirmada, captada e mantida» (op. cit: 120). A avtoridade da tradigio refere-se sobretudo a um saber pritico, ou a certas realidades, como € 0 caso dos costumes em relagio aos quais nio ha outro processo de validasAo sendo o serem sacolhidos em toda a liberdade, mas de nenhum modo criedos ou fundados na sua validade por urn livre discernimento» (op. c:: 119) ‘Afastando-se do projecto de ontologia fundamental que domina © pensamento de Heidegger antes da viragem (Kelire), Gadamer vai (pl: 231. Isso acontece sempre que se atinge 1m falso censenso, um acordo «que resulta de uma comenicacio deformada, uma comuniceclo per- {urbeda por fenémenos ccs isos rterlocutores no tim consiénca, sea pertirbagio apenas & perceptivel por tim tercero, excerior a0 didlogo ounico que eté or bso em condigbes de expicar a ca genese , as condigbes de possibifdade de uma comunicagto nao distorcda, as quais garantem 1 validade do consenso. ‘Ema medida em que Habermas define ese consenso como dura- douro e universal que Gadamer pode ver nele uma identifiacfo do ‘eal de verdade com odo bem. A ta fal coincdénca contapse & i oo Legitimacioe exigéncia de fundamento tradigao em que se inscreve o seu pensamento e para a qual é funda- ‘mental distingio aristotélica entve teckté e phronesis. Ea esta tltima que pertencem os didlogos e cansensos que constituem a vica social. For isso mesmo, todos os esclarecimentos da refiexio hermenéutica resultam de um «pdr em jogo, reciproco. de argumentos criticos, mas daqueles nos qua: se reflectem as conviecoes dos interlocutores» (Gadamer, 1977: 169). Assim, a néo-existércia de uma verdede exte- rior a experiencia hermen@utica mostra a nacessidade do entreeruzar desta com a retérica, 0 qual se pode manifestar naturalmente, isto 6, independentemente de ume estralégia conmciente, ein qualeser dis curso que vise a persuasio, do qual faz parte a capacidade de influir emocionalmente. A nogio de manipulagio torna-se, por isso mesmo, equivora eo objectivo, expresso por Habermas, de libertar 0 discurso dda componente retirica, consid erendova ura elemento de constrangi- ‘mento que pode da: origem a consenso: falsos, revela mais uma vez 1 prossecucio de um ideal de transparércia, que dé primazia A objec- tividadena determiragio do agir humana. £ af que, com efeito,radica 0 essencial das suas divergéncias com Gadarner, que ndo partilha esse ideal de verdade universalmente valida, afirmando-o claramente: Aguilo a que eu dou importdncia £, na minha opinigo, um velho problema, que Arisbteles jf tem em vist nz sua erica da Ideiageral do Bemem Plato. © Bem husrano ¢ qualquer ccisa quese encontra as prtica Juma, eno ¢determindvel sema situa conerea na qual uma coisa & preferida @ uma outra. Apenas isso, e mio 1m acon contrafarsel, a ‘exparenda eis do Bem 0p. et: 72-73; ‘A exigéncia de validade universal manter-se-4 nas obzas mais recentes de Habermas, nomeadamente em Teoria do Agir Comunica- ional (1981), apesa- das alteragies importantes que derivam de uma ppassagem do paradigma da consciéncia para o paradigma da teoria da comunieacio, conjugada com o recurso a nogées fundamentais de psicologia do conhecimento, coms 0 proprio Habermas explica no preféciode 1967 a tradusao francesa, A mudanca traduz-se, no funda- ‘mental, em admitir que ndo é possivel conceber qualquer realidade independentemente da linguagem 0 que, para Gadamer, 6 uma con- sequéncia da proposigio heideggeriana «A linguagem é a casa do sem, enquanto para Wittgenstein deperde de considerarmes a lin- ‘guagem como limite do nosso conhecimerto, pois na hipétese de haver algo que precede a linguagem ou que esta completamente separado dela, disso nao se pode falar. ‘Ao prosseguir a sua teoria. do agit comunicacional, Hebermas reformula, explicita e desenvolve aspectos dos seus trabalhos ante- Tr Hermentatia eeriticn a riores, nomeadamente no que s¢ refere & nocio de hermenéutica filosofica, de comusicagto perturbada, de situacio ideal de comuni- casio ede validagio do contenso, A hermentutica filosdfica compete ‘um ipo de interpretagoes especifcas, aquelas que visam comuica- (Ges Telizadas em condicoes lingussticas que 140 si as exigidas ppara tina cominicacio aormal, nfo perturbada, Em sumi, 0 set papel élimitado a interpretacio de textos incompreensiveis.O exem- plo que Habermas dé ¢ oda dificuddade de interpretacio de um texto fransmilido por tradicac. A hermenéutica filos6fica determira para o Drovelimento correcto dois aspectos principnis: a investigagso do Eontexto em que o texto foi escrito, de modo a poder destacar os pressupostos que fazem paite do mi:ndo da vida do autor; react ‘vagHo da comunicagio através do cenfronto implicito do intérprete ‘com as :226es do autor. © intérprete encontra as 7az6es que mostram a raciomalidade do texto (que Ihe dio coeréncia, podemos dizer, mas ao tomar a sério o seu interlocutor ele néo pode prescindir de um conéronlo em que as suas propria raz5es se afirmam pela avaliao. ‘A exporicio daguele que Habermas considera como o procedimento ‘orrecte em relagio aos textos de tradicio leva-o mais uma vez a ddemarcar-se de Gadamer. Critica neste a sua proposta de basear a interpretacio de um texto na «presangioda perfeigio», que considera ‘como um preconceto que valida injustificadamente 0 texo inter- pretada Esse precenceita é quanto a si, solidérin de uma rogio de lssico em Gadamer e carresponde ao preconceito de uma superio- ridade do texto em zelagio ao intézprete Verificamos assim que Habermas nio s6 retera a sua recusa de tuma universalidade da compreensso hermentutica que a coloca na base de todo o pensamente, incluindo o das ciéncias da natureza, como levanta abjecydes is préprias bases da hermenéutica de Gada. rer. Situa-as no prosseguimento da , que Witigersiin sinietiza ao dizer. «A Filoeca € um Combate contra o embraxemento do intelecto pelos meios da nosse Tinguagem (op. t:§ 109) "A nogio de funcio terapéutica parece pressuporno entanto ainda tuma coneepeio do jogo de linguagem da filosofa como wm jogo de linguagem especial que pode ir lem do sea entrlagamento com formas de vida Nstoricuentesituades, 0 abandono dss press posto, que implica o tomar ex atengio qe o jogo de inguagem da flosofa € um jogo de linguagem e nao'se pode subtrar a isa, obriga a admiir a exsténcia de problemas flosficos tadicionais¢ mio 8 ‘onsideré-los meros sintomas de tama doengs. Ox seja, 0 reconhe- ‘dmento da sua néo primazia nic signilica que se pretenda anulilos, ‘© que seria ainda partciper da iein de desmisificago, propria do jogo de linguagem filosfico tradicional. A defesa de uma concepcio holisica da significao, scbretudo com Da Certza,conduz a0 aba dlono dessa ideia de uma terapeutia dalinguagem, Como método de compreensio, Wikigenstein propbe que nos repreventems 0 que poderi ter sido, pra observarmos o problema a uma luz n3va, que Aesenvoivamos conceitos fictcis, que procuremos a expansao das nossas metiforas, que tsemes # analogia © procuremos conexdes inesperadas: «Nada é (.) mais importante que elaboracis de con- ceits fiticios, 0s nicos que ros ensinam a compreender os n0ssos> (cit in Chase, 1989: 207, A recusa de considera: a flosofia como una teoria é, em Witt- gensten,solidéria da distngSo entre dos tipos de explicsgdes: as {que pretendem apresentar as causas eas que expoem razbes Trata-se de jogos de linguagem diferentes, correspondendo a confusio entre causas e razdes a uma confusdo gramatical. A ciéneia nasce de um comportamento generalize, ou instintivo, que visa combater os efeitos partir das suas catas, Bassim que ela aparece como jogo de Cauusas efeitos, endo aquelas apresentadas com hipéteses a gerem confirmadas, 0 que fundamentalmente as dstingue das razbes que tutes ace nostos actos, po estas nio esti suits a consrmagho: ‘A proposio segundo acu a vos nego em lo ta nse uma hipstese A hipstese€ tem fandada se temen us ceto nimero Ge tsperencias Quem coninte, encore pula demonstias que vosa soqio € uma sequins glare certs condos qu née Guamamos ‘no casas daa. Pas concer ato gue fees para format un A viragem pragméticolinguistics o cert enunciado, para agir de uma maneim particular, et, ado 6 necestrio ‘quauer mimerc de expeiéncas concordantes, e 9 enunciado da vosse fazio nfo ¢ uma hipétes (Cahir Blew 15;ct in Bowveresse, 19%: 82) A ciferenca entre 0s dais tipes de explicagio € particularmente pertinentenaleitura que Wittgenstein faz de Freud, a qual insite na Rrcorrecio que corssteem consicerar a picandlse como una disci plina cientfca, Como mosta Bosveresse, essa Teitura df a pensar a Eonfusi entre raze e causas coma base de uma construgio mito- Jégica cue € apresentada como cénca, Freud toma as explicagdes que ercantca pare doles ecw sano wendy vs cau As Suns texplicages possuem ume caracteristen particular, 0 charme, que faz ‘com que sem faciimente acsites, stg que cada im as poss aceitar vendo nelas op seus motive ou as suis razOes para agit de um determinado modo. Segurde Wittgenstein sso no as transforma, de todo renhum, em causas, Mesio se hi razes que sio causas, aquelas munca se teduzem inteirimente a estas os dois pos de txplicagio, no sendo incompativeis, sic no entartoiedutives (fr. Bouverese, op. cit: 90), Eevidente que uma tal irredutilidade contrar qualquer tese do tipo da de Schopenhaver, segundo a qual ‘ motivagto im modo da cassalidade ‘A explicagio através da exposigao de razdes levanta problemas que nie sfo de natureza cientifica mas hermendutia, pois dizem Tespeto a0 facto de os motos apresentados emo jusifiasio de tuma acco serem aguilo que the confer sentido. Encontramos aqui tuma incistociabilidade entre acgio e sentido do mesmo tipe da que faz com que os jogos de mguagem supenham tm entelagar com a8 formas de vida. 86 poceremos, pois, falar numa hermeneutia wit sgensteiriana, ow aproximar o pensamento de Witygenstein das preo- ‘SupagSes hermenuicas, tendo emcontaa sua dimensio pragmatic, aquela que leva Ricoeur a intermgarse sobre a hipétese de um ‘cdesacondo insandvel extze uma flosofis através da qual qualquer coisa nc interior da tradigh> especulativa do Ocidente cortimua a falar-nos ¢ uma filsofia que coloca o acento principalmente ma pritica actual do discurso tim contexto ce quotidianidade» (Ricoeur, 1386: 9, Mas, se ¢ juste ver no pensiments de Wittgenstein um dos ‘marcos importantes do desfaze, quer da hierarquia tradicional entre teoria e pratca, quer da propria oposiio, a idein de «desacordo insandvel» parece conter lgam exagero, Por um ado porgu®, como diz préprio Wittgenstein, ¢ impossivelescolher a tradigho a que se pertence: Ela & anterior a toda a decisio, nfo se aprende: no € 68 Legitimacloe exigincia de fundamento objectivivel: «A tredigéo nfo é nada quese possa aprender, ro € um fio que possamos reaver quando acharros oportuno. Tal como tam- bém nao nos € possivel escolner os nossos antepassadosy (cit. in ‘Chauviné, 1989; 223). Wittgenstein néo restringe @ compréensso & insergic em contextos de quotidianidade. Ele prope mesmo, como ‘vimos, que, por analogia e cutros meios, se inventem contextos dife- rentes e conceitos ficticos, de modo a obter uma melhor compre- ensio. 0 recurso ao simulacro pode ser entendido como um meio de relagio com a tradisio que desfaga, no en‘anto, a ideia do passado como uma combra exanguc que a inlerpretagio visa sluminar € restituira vida. Porque, no fundamental, o ue Wittgenstein recusa é 4 apresentacio de razbes — iterpretagoes ~ que se pretendam objec: tivas, que pretendam identificarse a causas. E uma recusa que partilha com Gadamer, para quem a interpretacfo também mio cor- responde nem a busca de uma objectividade, nem ao acesso a. uma comunicagio néo deformads rt 6. A modernidade em questio (© fim da racionalidade modera.— A no;to de paradigma (Kuhn) e a concepcio {de uma staclonalidace metaférica». ~ Uma steoria da inconceptealideder (Glumenterg).~ O fim das grardes narrativas de legitimagio (Lyotard). ~ © ‘consenso (Habermas). ~ A paralogia (Lyotard). A irvestigagio sobre a modernidade enquanlo época que chega ao seu fim desenvolveu'se, sobretudo a partir de meados do nosso século, em campos cisciplinares muito- diferentes, desde a historia das cincias, A sociologia. filosofia ou 3 estética e& literatura, tendo como interesse comum a racionalidade modema enquanto vinculagSo de sm cconceito de razao que, pretendendo-se universal, se revela como res- trigdo daquela a um joge de linguegem, 0 da tecno-ciéncia, De certo ‘modo, corresponde a esta restrigio 0 interesse quase exclusive pela interrogaggo da racionelidede moderna. Esta seria caracteristi daquele que Descombes designa como «pensamento épochales (1989: 99), o qual distingue do pensamerto de uma épeca, na medida em que este se ocuparia da descr dos «us0s e dos costumes, das regras e das inst-uigies» (ibi.). A critica implieita nesta distingSo € do mesmo tipo da que encontrames en Rorty, quando ele discorre sobre a necessidade de uma «histéria intelectual», que registaria aquilo a {que habitualmente se chama «cultura» e serviria de contrapomto as diversas histérias da flosafia (cfr. Rorty, 1984: 83). Para além da necessidade de ultrapassagem da modemidade, anunciada por Nietusche e Heidegger, encontramos em Horkheimer Adorno (1944) uma critica ao iluminismo que é fundamentalmente a aritica ao processo dialéctico da razio e do seu outro ~ 0 mito. Consideram aqueles autozes que, através desta dialéctica, a razd0 ‘moderna tendeu para a sua transformacio completa em razio instru- ‘mental. Perante esta, que faz equivaler dominaggo e razo, a snica saida s6 pode ser a 4a medernidade estética enquanto dialéctica da negatividade. A filosofia, torada critica da razio, num sentido total e paradaxal ~ critica dos furdameatas da propria razao -, encontra nna arte da modernidade a possibilidade de manifestacio de uma subjectividade que rao € constituida no processo de subordinagio a ‘um fim, o da razAo instrumental, dominadora, 7 Legtimacio eexigtncia defundamerto Num sentido muito diferente do da critica da razio, mas que se refere também a una progressio da razac modema no sentido de autonomizacio do dominio terico, esta Gehlen, Fara quem lodas as possibilidades da cultura moderna se deservolveram ja, coincidindo © fim da modernidade com o fim da Historia. De acordo com essa visdo, na época actual, pés-hstéria, as ideias da modemidad jé nao sao motivadoras do desenvolvimento social. Tratase de uma época ue comesponue ao fim da modemidade cultural e & exclusividade de uma modemizacdo social que funciona por i, rsproduzinda-se. A perapectiva de Cehien é'no entanto deomen-ida por grande parte dos ensadores da mozernidade, que encontram ainda nas ideias da nodernidade a base em que pocem assentar as da pés-modemidade. ‘Aos diversos modos como a racionalidade moderna foi p:sta em questao, sobretudo a parti da década ce 60, rene-se um trabalho ‘uito importante como 6 0 de A Estrutura das Revolugdes Cintfces, dde Thomas 5. Kuhn, publicado na sua primzira versdo em 1952. Nao sendo imediatamente um questionar da modemidade,o liv de Kuhn situa-se no dominic de uma reflexio sobre a hist6ria das citncas, Af se conclui que a racionalidade cientifca nao é uns nem se aproxima dde uma linguagem idealmente universal que se fosse depura-do em termes de um progresso em sentido acumulativo, Pelo contiério, as clanias estéo sujetas a uma alterrancia entre periodos revolucioné- os e periodes normais, que no corresponde 30 percurso de aquisi- «lo de uma linguagem tinivoca,-mas 8 invengio de Hinguageas e sua ‘stabilzagio, respecivamente & com base nessa andlise histrica que Kuhn elabora a nogio de paradigma, a qual responde a necemidade de pensar, num sentido positive, os modos plurais da raciona idade, (ou seja, a necessidade de conceber as transformacées da histizia das Cléncins com cair na Uuafo tradicional que a vé desenvolverem se nm processo em que a Iuta contra @ erro vai superando uns estidios de desenvolvimento em favor de outros estadios superiores. As trans- formagées que ocorrem na histéria das céncias corzespondem a smudangas de paradigmas, os quais nfo sia apenas constituides por leis eteorias mas, mais do que isso, determinam a atitude do centista «em tudo o que se refere & sus actividade e aié a sua visto do mundo. ‘Tais mudancas nlo decorrem como um processo dialéctico de transformagao continua: néo € possivel justificar as alteragies ~ em termos de filiagSo, de infludncias cu de fon-es. Um novo paradigma surge na sequéncia de uma cise, caracterizada pela confusio- insta- bilidade. A sua afirmagéo vem por termo a crise ed lugar &ciéncia normal, periodo de estabilidade durante © qual o novo paradigma domina integralmente A owodernidade em questio n Em Os Universes da Critica (1682), Eduardo Prado Coelho apre- senta e discute as principa's eriticas feitas & necio de paradigma formulada por Kuhn. Sendo 0 seu objectivo a aplicacio da rogdo de paradigma aos estudos literérios, excontiamos ai cuestionadcs aspec- tos que dizem mais directamente zespeito a estes, como € 0 caso da possibildade da existncia de cidncias biparadigmaticas ou multipa- zadigméticas. Ai se apresen:am também diversas interpretagbes da nogio de paradigma, as quais prepSem que se pense a sua corres- pondéncia com outras nogées, como-a de «sistema de proposigées absolutes», de Collingwood, ou a de «quadros de significincia», de Giddens (1982: 30), e se discutem questtes principals come as que dizem respeito aos periods pré-paradigméticos, as crises, ow 20 monopélio do paradigma na ciénca normal. Tal como Kuhn a apre- ‘senta, a compreensio das transformagSes das ciéncias tem ela propria implicagdes decisivas quanto & concepeio da verdade e quanto relagio entre a linguagem usada na ciéncia e os outros jogos de lingua- gem, aspectos que estio inteiramente relacionados, Nao havendo tuma verdade como adequagio de uma representagdo a um exterior da representacio, deixa de fazer sentido busca de uma linguagem pura da ciéncia, uma linguagem que permitisse a descriglo neutra. E ‘o que to:na admissivel que a reflexdo sobre as ciéncias possa admitir nestas o recurso a persuasio na argumeatagSo contra ou a favor de uma detzrminada teoria. E tcrna igualmente admissfvel a exploracSo das potencialidades signifcanies da figuratvidade da linguagem, sendo 1 pressuzosigio de uma metaforicidade intrinseca aos varios paradi ‘mas importante para compreendermos na sua incomensurabilidade as hipéteses de intercompreensdo, pois, como diz Rorty (1980. 299), a incomensurabilidade implica a irreducibilidade mas nao a incompati- bilidade. Umberto Eco (1984) assinala a homologia entre o valor da abducio numa logica da descobertae a utilizagio/interpretacio de ‘uma linguagem metaférica ‘Anaisando a relagio entre a nogio de paradigma, tal como Kuhn 1 expie, ¢ uma «racionalidade metaforica» que vé deiendida por autores como J. Schlanger, Barthes ou D. Schon, Eduardo Prado Coelho conch: Yemos asim como. furefo merce desempenta um dup papel no problema da eveliio cenlica, Por um ldo, segura a transigio de in peradigna para outro ~ através dos mecaisnce de ransposie que per iter que velhas >laviascomecem a dizer cols novas, deslocutdoae © Sento a0 longo das, e movendo-e elas x foro de determinados es de sentido, Por uo lado, expica a >ersistencia de alguns cendosconcep- tuaise o modo come eles fusiicam lzaqi srraconas de certos dent- tab en relagto a determinadasteorias ¢«crrespondent ejegto de oxtas 0982 118, 2 Legitimacdo eexigincia de fundamento Se aproximarmos a concepsic hegelara de depuragio da meté- fora em conceito (ou o set inwero nitzscheanc) da relagio entre «ciéncia normaly e ecinciazevolucionéria em Kun, parecsr-noe-§ Heito admitir que wiéncia normale cotresponde usta des meta- foras, ou ej, a uma codificagio rigprosavestavel, enquant a cciéncia revoluconérias corresponde a pujanga metafsica. Compreenderemos assim a generlizagto que Rory faz a pair das concepybes de ecién- ‘da normals e «iénaa revoludondrie, propoado-nos que consideremos tum discarso snort» eum discurso «ano-mal>. No prime, esta- toe diane do sompresnetve, da explicngio aceite, da faclidnde de ‘btengto de consensos; enquarto no segundo eslames perente um theamento das corvengBes que toma os discursosincompreensives, © fgrau de convencionalidade dos dincersos determina, portant, a sun qualidade de discurso «normal» ou «anormal sja qual for 0 dominio que esse discurso possa vir a pertencer.O discurso «anor- ‘mal» € assim um dicureo sem qualquer tipo de gaantia do sea valor € que «pode ser taco, desde o dist a revolucio intelectvals A sua tvitenci fustifea a necessidade da hermenéutica tal como Kory a entende: Mas a hermentutics &«ehido de un dacurso anormal do ponto de vista de um quaker diciso normal entatv de prone algum ‘endo apr deo que pas, mimestaioemaue nos enc-tramos Tina demasiado nerve tore dle pera deaccvermos , portent, faranigurmos una sua desrigh epstencgics (179-25) De acordo com esta concepsio, ¢ tal como para Gadamer, a hhermenéutica nao ¢ especifica das ciéncias humanas, Epistemologia e hermenéutica processame ambas a partir de uma pré-compre fensfo que garante s universalidade do crcelo hermenéutico. Aquilo {que as distingue € sua inlegragio num processo de continuidade Cpistemologia) ou de ruptura thermentatica) © ado a diferenca de objectos (a «natureza», o «humano»). ‘Podemos dizer que na medida em cueo critirio de legitimagio do conhecimento sea a periormatividace, s epstemologia se toma lominarte on mesmo excsiva, Enso apenas a reducio da cencia& ciéncia normal», em termos do estudo de Kuhn, mas a edusto do discurso ao discurso «normaly, em termas ca generalizaio fata por Rory, Embora sem negar que todo o processo de interpretasao do discurso metaérice corresponds 4 tentaiva de aibuirsignticados susceptiveis de acetagio consensial a0 que aparece como inzeto © ‘nclasiicivel, Blamenberg rejeitaa possibilidade de ve considera & metafora como um mero atliar mum processo ce formacao de con- ‘Amoderidate em questio 73 ceitos. Tal como a concebe, a metifora, para ser pensada, exge uma ‘teoriada inconceptuaiidadey: a inconceptuallade quer mais do que “forma” dos processos ou dos estas, ela quer a sun “figura”> 9750: 17). Nao se trata de deccirente intuigao e abstactio, nem sequer de procurat uma sintese cefnica das duns. i talvez melhor pensar figura como perturbagto do diivel pelo visvel, admitindo fssim cue a metaforaiarplque na Linguagem um elemento hetero- _éneo cue faz com que ela sta ciscordanciniredstivel,que paticipe de uma imprecsdo que no se destina ser corrgida ow enniquecida, pela interpretagio, mas que a coloce perante as potencialidades do pensar que se prencem ao que ¢incerto © discordante. Dat que Biv renberg, mais do cue tecriar a metsfors,elejacertas metaforas para a sua irvestigagio de determinados temas, como € 0 caso da subjec: tividade em Naufrgio cm Espectador (19750), Desse modo, Bamen- berg inclui-e entre aqeles que nfo separam o extudo de problemas filossfcos da leitura de textos de filcsotia ou de literatura, As meti- foras sto para ele, tanto num tipo de textos como no outro, nicleos por exeslénca de irradiagio de imagens do pensamento de fenéme- deste a uma espécie de suplemento de eloquéncia, a revalorizacio da metéfor pela filosofia e pelas diversas discipliras cientifias é um dos modos como se manifesta 0 abale de uma épcca em que a centra- lidade do proceso de autolegitimasio acaba por conduzit a uma ‘quase auséncia de criterios de legitimacio, tendendo a reduzi-los a ‘um tinieo, 0 da performatividade. Este tipo de reducéo € analisado em A Condigdo Pés-Moderna (1979) por Jean-Francois Lyotard, que parte de uma nogio de legiti- ‘magdo que a toma no sentido de uma conexao entre a legitimagio da ciéncia e a do legislador, mostrando ao que ela se ope, o que concre- tizae como se radicaliza numa época que designa como pés-modemna. Trata-se de uma conexio que eslabelece uma alianga indissokivel entre peder e cigncia que na wera da informatica» se torna, por assim dizer, evidente,irrecusavel. sta dela dealianga entre poder e ciéncia prossegie a teoria critica da Escola de Frankfurt naquilo em que ela se aplica a demonstrar, rcmeadamente com Horkheimer e Adorno, a ‘ransformagio da rez0 em azo instrumental. Fsté igualmente pré- xima da andlise habermasiara, segando a qual a sociedade industrial foi sendo progressivamente domirada pela ciéncia e pela tecnologia, Lyotard baseia a sua tese, de acordo com a qual a legitimagao da modernidade assenta num recurso a fungio narmativa como «legiti- m Legtimagio e exighndia de fundamento mac dosaber», numa distingio entre pregmitica do ebernarativo Tapani do saber Gente. A caracterzach de uma pragetica ap raber narrative parte de uma dingo previa entre saber one Sorta. primelo nio se resinge acs enunciados denottivos, Seri ofquaifeages teens 2 sabedona ca, a formato do Futo'e a defnigd dovbelo. Nes'ascepcio global, o saber ligase 20 Srotume e & lgitirado pela opin, a doxa. A’sua formulecio € ‘Shnumseo presen se stance de naretvasparcelaes eq, enibora ‘Gath eur varios pos de enunciado, no st globalizantes. So ER que determine os crterios de competencia © apreserars v= cae ctcmenton moras esocais exemplaes, Para Lyotard, o saber teaaesonal nao integra a qustao de dreio ou questo da et crascrengpia de ua jogo espectvo do Ocdente,o jogo introga- Te ee Detene encorrar 1 ata sifcsio de todas as coisas are a idopeto oxtusiva de emincacon denostivs,aqueles que soe Sadie ou aso em relago a im referent. Conearemente ‘santa memes demu do aber acer fz stoic una pragmatien que imediataentslepimante, questo Perlunidadee prop de uma pragma do saber entico aqule came epltimaco deixa de ser iediats pasa a depender da Sipatnentgio.e da prova, £ dense modo que, segundo Lyotard, eer da Tegitimclade determina uma ieomerourbiidads entre "pagmutantoneaponderte so» dps deer quel 2 aBriiade de pear quar um Seles partido outro. Apenas 3 ScEeen da lang. jurdicocientfica fr com que se desenelvesse $2 Stkiente um imperialism cultural que pretendia conver ast 7 fou inferores da cultura prpria oa #ttalidade da catura de jutro povos considera inferior F Neantant, Lyotard corsidera que a imposico de um tt dom ni ¢daconnequeste exigecia delegtimagd jurdico-ienticn no ‘Hpaideso sbardono da forme nerrativ, signin porém, 0 sim Teele tipo de sertiva ao rarativas de legltimaho ou meta ‘Mf Na fetanamativa do ideale alzmo, e mais especiisamente Silanunmtivehegelana,¢0 saber que se lyin asl mest af ‘Bundovse como saber esperulativo, 0 qual consiste na proaessiva Malagho de um Sujet absolut, Ne-metanarativa kantiana, 0 TGte'c'a humanilade «lptiidade de seu dominio deorre do cea de ume fnclocitea, um julgamento em funcio doprojecto Se utonoin da vntae. Tanto tna metanaatva coma oa con detain germe a sun propria angio. Eas integravam conta: Mahan em Gepeatemnt eo o popes Om pot eevee ao A mademidace em questio 6 tornou-se visivel na sociedade actual. Na era de informatizacio, a adopgae de crtérios de perfermatividade € 0 resulkado de uma inver- si0 da relagfo entre ciéncia e téenica © corresponde a uma nova forma de legitimacio, a «legitimagio pelo poder. E com esia que a alianga entre o direito ea ciénciaalinge o seu ponto mais alto. ‘0 confronto da tese de Lyotard com o modo como Habermas descreve a evolugéo da modernidede mostra como uma constatacéo idéntica pode depender de presupostos muito diferentes e ter Bes divergentes, Também Habermas constata a substituicio, za sucialade industrial moderne, das legitimasées tradicionais por uma lepitimagio pelo poder que deriva directamente da céncia e tecnologia. No entanto, no considera que tal resulte de um movi- mento ratural de auto-erosdo. Para ele, isso € consequéncia de uma ideologia cientifico-tecnaldgica, a cual, enquanto ideologia, oclta os interesses de que decorrea primazia dada 8 técnica e a ciéncia, permi- tindo essa ocultaglo apresentar como legitimas as relagGes de domi- nagio a que aquela da crigem. Desta representacio da sociedade contemporinea retia Habermas a necessidade de dar prioridade a0 que designa como eritica da idedlogia ou andlise da comenicacio distorcida, em relagio a qualquer procedimento hermenéutico. Essa critica éapresentada em Toria do Agir Comunicacicnal como resultado de uma distingio entre o agir estratégico, que € orientado para um fim, e oagir comunicacional, que visa o acordo in-er-subjectivo. ‘A partir da afimacio desta distingio, Habermas prop6e a adopsio de novos modos de legitimagio fundados no ideal de universalidade da razio, o qual depende de um ideal de comunicacao ilimitada, sem obstaculos, que da lagar a tréstipos de angumentagses e de consensos que cortespondem a modos especticos de validade. Cortrariamente a Habermas, Lyotard considera que tanto 0 desdobramento entre o discurso especulativo e 2 positvidade dos saberes, como a autonomizagio de esferas da cultura dotadas de leis proprias, tendem para a deslegitimacio, As ciéncias prescindem da dimensio especulariva, mas também no preteadem legitimar os outros campos do saber. Abriu-se assim uma crise de legitimagio que Lyotard associa directamente & experiéncia, que adjectiva de «pessi- mista», mas a que também jé se chamou de «apocalipse radioso», da getaco de pensadores ¢ artistas de Viena do principio do sécul: Musil, Kraus, Hofmannsthal, Loos, Schonberg, Broch, Mach e Witt gensteir. No seu entender, esta experiéncia corresponde a um «tra- batho do luto»,o qual foi ultrapassado através do zontributo decisivo de Wittgenstein, que encontrou na prética da linguagem a ii [0 76 Legtimacio eexigénsia de fundaments legitimacto, aquela que permite, portanto, recusar os critétios de performalividade pelos quaisse passaram a reger aciéncia ea sénica Eo fim das narrativas de legitimacio. E de acordo com uma leitura da concepgao wittgensteiniana de jogos de linguagem que Lyotard rope a paralogia como nova forma de legitimacSo. Profi cont do seu tudo sore a cine das narratives de legitimacio, Lyotard recorre so que considera ser odesenvolv:mento Meinl din clcis eve, subtmnindo-se ao dominio da tence, encon- tram novos discursos de legitmagio. Esses discurses, frequentemente onstituldos por pequenas narrativas, que Privleyiasn a capecicade Imaginative e acentuam odisersimento como fore propulsor inte ‘0 que designa de paralogia. Esta, que parte da aceitacio de jogos Be ingosgem eferentes, faz depend «legitinidade da madanca die regrac apenas de aberturz de novos possiveis. O critéio é siss0 dard origem a ideias, ou seja, a novos entinciados» (1979: 105). ‘A paralogia define-se, poranto, em oposigio ao consenso, Ete nada garante. Pelo contririo, pretender té-lo como criterio de validade & Pretender submeter-se de novo, de acordo ccm a teoria defendida por Habermas, a narrativa de emancipagio que a propria evoluqao da ‘modernidade, segundo a histOria reconsiruida po: Lyotard, 0s em causa, Tratarse-ia assim de um recuo na radicio da filoscfia das ‘Tazes, recuo esse que esquece a contradisic imanente aquels, a de a ppretensio a uma universalidade da razo enquanto justificagio ce todas | 4s coisas ser ela propria injustificével e dever resid, por issc, numa idela regaladora (a narrativa de Iegitimacio), que éapresentada como a ideia de comunidade ilimitada de comunicagio. ‘Os novos discursos de legitimagio que Lyotard encontra nas cincias actuais estdo de certo. modo mais préximos da tradicéo humanista da hermenéutica gadameriana. A reabilitacio das peque- nas narrativas, ccm esta a da nio-oposicio entre conhecirento € retorica ou entre caber e conhecimento constituem um elemento comum, fundamensal, Notese que Lyoiand atribui A proséaia das farratives tradicionsis «a marca desta bizarra temporalizario que fere em pleno a regra de ouro do rosso saber: nfo esquecer» (pp. ct. 41). Um tal observacio possui vastas implicactes hermenéuticas. Lyotard comenta: ‘tio de inaginaiosimpliicador pedemos supor que uma cole tividnde que faz da narrativa a formachave da competénca ‘Ho tem, Contnriamente atnda a expectativa,necssicade de poder recordar do Seu passado (.) A referencia das narraivas pode parecer periencer 80 ‘aceido mas na relidade, ela €seqpre cantemporines dest atop. S-. é “Armodemidade em questio ” __ Colocam-se aqui dus quests prinsipas: uma questi herme- duc, pois ¢a nario eaquano inexpretagto (ou etre) qe assan fe mea vem quabjucr ragio cont tata funyao de decirago © tstd por completo afastada de uma visio hstonicsta da Historia; tana quite knguistcae Glootea que diz respelto a relagdo entre tnunciado ence de fala, Euanto a primera ode remeer park Algo corr a naglogadameriana de husio de horizonts a segunda pe tm causa a propria nog de acto enquanto muifestago de una intencionalidade Dai que Lyotard consi quea tenporaidad epe- Mice dajuee pw derhaatvas €suo meno tempo evanescente e imnemorahp. Gt: 42), Advemvlhes deem temporadade o poder de terem inedlatamene logiimantes As narrtvas da actualdade no Possuerr exe tipo de proprielade + porno nelay a legtimapo a En aberto,dlferida paras fturo enquanto reapotta, A impertanca dada sojogo por Gidamer «por Lyotard evidenciaadiferenga que tustena aa reapectvaspolgss: enguano para oprimelo a dimen: Sto primordial do joge depend da rememoraio, ra o segundo ela sobretudo invengeo © devese em cacs momento A afimas80 do fneomennunvel Ou th onde o prinarosentun oaordo wpundo tcentuao denimena » dimenetoagénca. No enfant, aque que {yor consrs como 0 io tr lee ca to dark origern dein» supe um certo consenao da com nidade entific feta dlcplina ea casa, necesrio ao rconhe- Cimento das ideas, Ror (984 196-97) astinala 0 mesmo tipo de tontraste entre 0 deseo de consenso em Habermas e aqucle que Ahslgra por deseo sebline ema Lyotard eltudo 0 prietro na teqench de ua preocupasio socal osegundona da necewidade de expreo de anguariies ¢ da invengio de uma linguagem propria. No seu entnder, eta time, que comesponde a Temas ecetidadesidiosinriticas de afirmagis dos intlectats, nao pode sensr dete de defea de uma su frie soil Examos prem um taclocino que abre para quests essencals em slag a0 dscuso de Lyotard eb oposigo donenao|invengio em geal ah qiesten como da primazi da coigten oua da tnaio entre a formasto do {gato era comatahe ce entades, ea neces Ga mdanc., feteic de cero mundo equivalent ca rela ene belo eo sublime 7. Narrativas, crengas, critica © diferendo em oposicio & pretensio de universalidade, -Os ideals como forcas ‘rientadons Putnam) A edcagic ccntra o raturaismo (Aan). = & dupla Fangio da ideologia Ricoeur). Argumentagio convensto. [A historia que Lyotard compose em A Condigo Pés-Moderiatem- -se tornado referéncia para grande parte dos trabalhos onde esté em Guestdo a possibilidede ou necessidade de fundamentagio do sonhe- mento a partir de uma logics da causalidade. Ela tem suscitado triticas econcordandias que atestam a acuidade do problema, Uma das {uestoes que se levantam é ada relagto entre «pequenas narrativas>, ‘imetanarrativas» e marrativastotelizadcras» "Nas sociedades pré-modemas, em que o saber narrativo &exchs- sivo ou dominante, nfo existe aperas uma pluralidade de «pequenas harrativass, mas sim um universo centrado em narrativas funda- doras,totalizantes, que instituem a comanidade na dependéncia de tuma causa exterior, causa Finals, Deus. Sao essas narratiras que legitimam a autoridade garantirdc as relagdes de poder e obeiéncia cm que assenta a ordem social. No entanto, 6 preciso ter em conta {ue, como observa Descombes (1939: 138), as narrativas funcadoras, Os mitos da origem, dizer sempre respeito a uma comunidade que Se situa perante outras comunidades, ciente da sua diferenca, daquilo {que faz com que cada elemento dessa comunidade possa dizer «n6s» eles, O que a3 metanarrativas da Idade Modema, sendo também narratives totalizantes, fundadoras, tém de especifico é o encon- trarem nio jé um fandamento da comuridade, mas um fundamento dda histéria que ¢ interior a esta ~ 0 Sujeito universal, o Povo. Este & fandamento porquanto se identfia coma razio, com o seu exerccio, que em sentido moderno toma como modelo, ou se identifica com @ racionalidade centfica, Legiimacio significa para a filosofia moderna fu para a citndia, nso s6 a fundacho, mas sobretudo a furdamen- tacdo, a possibilidade de responder & pergunta «porqué?>, encon- trando uina causa, somo prevé 0 principo de razao, As narrativas de legitimagio da ldade Mosema sic, portant>, um novo tipo de narra tivas tolaizantes ~elaslegitimam o facto de a razio se legitimar a si [Narrativas, crenqaseitca ~ naa gine cr nome en voi, pulls congeners desea, Sab Sapopanpt ‘fark ee is a ao or esi some ego equ vd por qed, A Eins sprindoran ene prc peter como tty cera poste ieee we ene derolcdsq opeta ie razdo, tradigdo e razio. Como diz Descombes: a Pens hen proton, ener madoe su na ea Po Shame Ae eee SEL SS Be Lyctard vé em exemplos da evolugio recente de algumas iéncas o por em causa da seperagio entre ‘ibsla e razio através da inte gragio da narrativae dometaSrico, como componentes da descriglo € expliaigio, Iso mostra como Lyotard pretende pensar a neces- sidade de ulirapassr a dicotomia mito/razio, devxando em aberto@ questo do reconhecimento, a possbiidade de dizermos «rs». A {he da tradigto humanists, ot a0 da tradiciocitca, ope Lyotard a necessidade de nos corcedermos como excess, Para persar esta frredutibildade, propbe a nogio de diferendo, Esta surge como carac- terizagio de uma sssimetria que toma o conseaso impossvel e 0 confit irresolivel.Existe diferendo quando € o idioma de uma das partes ~0 causador do dano (tor!) —a regular 0 contencioso que as apse. A vitima, parte lesida no confte, &0 precisamente por néo possuir um idioma em gue a arpumentacio sea possvel,Ficando Sssim remetida & impossibildade de provar (fr. Lyotard, 1983 28) Isto nae significa que as pertes do conflito sejan individios dife- rentes. O mesmo individu pode ser a vtima provocada pelo seu idioma. que a consciacia do diferendo implica que nao se preten- dam resolver como simples litigios aqueles conflitos pera cuja resolugso #80 necessérios novos iiomas Ease é em modo de opor& pretensio de universalidads do discuno das céncias humanas a Invengio de novos discurss. Em termes ortianos diriamos que se trata de opor ao discurso «normal» 0 discurso »anormal», Hg, 10 entanto, diferengas importantes porguanto Lyoterd ateibu ao dife- tendo 0 valor de manifestagio onclogiva. £ que o diferendo € & 0 impuiso para a sua liquidacto. Eleé uma sirase negativan, um siln- cio activa que exige a busca de novos idiomas; uma forga que opera na linguagem a parir des stasfalhase como impulso para criagio ey Legitimacio eexighncia de ‘undamento de novos poss(veis. O diferendo assinalase pelo sentimento de dor. Ele € «0 estado instvel eo instante da linguagem onde qualquer coisa ‘que deve poder ser sosta em frases nio ¢ pode ser ainda» (cfr. 1983: 2). A liquidagio do diferento, invencio do idioma que desfaz. a situagio de vitima em que a lizguagem nas coloca, corresponde 0 sentimento de prazer. Quando Lyotard striaui a0 filésofo a misss0 de transformar 6s dterenlas em lig, através da invengSo de novos {idiomas (988: 45), esté a propar 8 floscfia uma fungio de critica © de vanguards. Trata-se de uma eritca muito especial, na medida em gute do depende do critérioe « priori nem julga em fungio de ‘enhuma comunidade ideal de comunicagdo. Ela 6 pode exercer-se ‘como um «julgamerto sem cctérios» (op. cit: 45), que encontra nos sentimentos de prazer e desprazer a garantia da saa necessicade, 0 que atribui a critica uma evidente analogia com o juizo estétco, tal como Kant o concebe 'Na sequéncia de Kuhn e de Mary Hesse, Rorly assevera que a evolugio recente de algumas ciéncas, re‘erida por Lyotard, cores- ponde sobretudo a uma mudanca ao nivel das justificagbes © 780 00 Rivel dos processos, que nunca te-io obedecido rigorosamente a0 modelo de clareza exigido peo pacrao de racionalidade. Iso levar- “not-ia a sdmiti que a modemidade nfo é ema época homogenea ¢ que nem sequer na siéncia o medeo da racionalidade cientiica foi alguma vez integralmente cumprido. Além disso, Rorty adverte para 0 facto deo ideal de emancipagio néo se can‘undir inteiraments com © esforco da filosofia moderna, pois ¢ igualmente necessério ter em conta a shistéria da politica reformista>. Ssta foi um conimibuto importante para a formagio de tuma consciéncia de comunidade a partir do reconhecimento de cada individuo como parte de uma opinigo pablica e corespondente sbandono da reigiso fundedora. ‘Com esta atengio & politica, Rrty pretende mostrar © que haveria de reduciomista em pretender identificar 0 ideal de emaneipacio com 0 {deal platinico de uma primazia des «ideias clara e dstintas- que, introduzido na Epoca Modema por Descartes, e identificaris com um ideal da flosofia ‘Assim, 0 que é importante ressltar diz respeito a uma comple- xidade do préprio ideal de emancipacio que, estabelecendo uma ligagio entre razioe mito, impede que dais conclua pela legitimacao ‘exclusiva de um jogs de linguagem da legitimagao que aferira de acondo com critérios de cientificidade ou clareza, aqueles que paran- tem a dimensio universalista do idea. Fm relacio aos ideais como narrativastotaizants, pode dizer-se que eles apenas so universaistas quando invocam uma finaldade [Narrativas,crongas, critica a1 natural, decorrente da natureza humana ou de qualquer lei 3 priori ‘Sem a invocacio desta, que 6a invocagio de uma origem anterior € exterior 4 hist6ria, portanto, os ideais apareceriam na sua dimensio histérica, nem universais, nem nao-universais, pois, como ciz Put- ‘nam, uma afirmagio do tipo «Todos os enunciados gerais $50 falsos», € auto-refutante, pois a sua verdade implica a sua falsidade (1981. 18). Nao € portanto inevitavel que uma cultura que pe em causa a garantia de universalismo, se vejatrarsformada apenas numa plura- Iidade de narrativas particulares e especiicas de sada dominio. Ela ilo exclui a exicténesa deidecis, simpleamente nfoos situa na dees déncia de um conhecimento cienttfica e por isso ao implica o seu cumprimento obrigaiério, como se de leis se tratasse, mas pode cons deré-los como ficgbes orientadoras, estimulos do dislogo. Por outras palavras, existem narrativas totalizantes que correspondem a crencas ‘endoales e,como tal-admitersa pluralidade de crergas. Nesse sentido, como diz Putnam, (1990-336) Narratvas, rengas critica fe ‘A impossiblidade de ude a importnca ds convengsse das spree ins om qe aban ou oa taller, as norma do spi soil val tanto conta posabildade oe tima cra absolutimente ceomisificador, com conta Kear bind, de una mubiplaraa de entncadoe que nao teen corn imo gue tes ips no dont de ake. fora pritica, Eta altima hipetese @ « que, em nota mele ee atime A Condo Par Madera de ).¥ Lyotard, Descoen ears tse piel det vo, 4 moderne pec en gues pasate Srperan ws oss od gaeaey aes oe ea fendo aallanca poder-itncasubstituido a esse poder leghimadr's feneralizagto de citer de purormavidade que oe tonnes clus. Ao compara a fang dao nartivae otlindonas espe, ciicas da modernidade, com a furgho daa nareativan obey ea cena tyr win apna contrac aan deed ientos limos eda moderna como época qu fades conccho de jizo Nao considera, portanto, qualquer fungao constrangedors ¢ Integradra das narratives outs jos de linguagern Quando coloen como aternaiva os cteos Me petormtviiade cna, plicagto de lances num jgo, basis nua coneepeo de jogo de Hinguagem retrada da era de Witigenstein, que sieve ¢efas uma espcie de entncia da Inguagem segundo qual fala com. bater, no selido de gare Parc’ ne erento enquerer a inpestne Gia da regra como elemento indispenedvel ext ies pote oe Impse restriges qunto sos lances poslele A coccpgio spies dalinguagem, dominant mA Congo br Madens ota ete he 1 proxinidade do pensamento nietecheano da relaglo ext vos dade « poder. Douterewe Conadera ammo gue ne Sonciatan af defendidaa conser um mau peace da inversho de ealores etchant, not from pe jacadoe no lugar do consens, do dilogo, da cooperiio etc.» (1964: 134). “4 maa cae 8. Verdade e aceitabilidade racional ‘A auséncin de dicotomia entre facts # valows, ~ A nfo-coincide verdade ereferéaca (Putnam). © facto de a verdade ser, segundo Nietzsche, um «valor que se dissolve», ndo pode dear des relacionar com o fendmeno que es ‘como «morte de Deus», uma Vez que é com ele que se intioduz a suspeita em relagio ao sentico altino, a existencia de um lugar exte- Flor ao mundo, no qual o centista se podia colocar& semelhanca de Deus, tomando o stu olhar pelo clhar deste. Surge, assim, « neces- sidade de encontrar uma verdade que nio seja nem objectira nem subjectiva, no sentido que damos aestas alavras quando falamos de tuma corcepgio da verdade como adequagio ou da verdade cons- truida com base em projecgSes subjecivas. A verdacte no pode partir de um clhar exteriar ao mundo, mas apenas formar-se no interior deste. £0 que pretende Putnam 90 afirmar que verdade e aceitabi- lade racional sts noses inteependentes Yim dow specs importantes da sue concepsio de verdade consiste na negas8o da aiotomin ene facts © Vabres,proporta por Max Weber, qual considera fo ter uma justfiagio rcional: «Para ter um mundo ‘empiri € preciso dispor jt de citrias de aeitabiidade> (198: 153). Gutra das bass da teoria de Putram € a nfocoincidénca entre representagio, ou vardade come representagao, e referencia. Os cons- trangimentos operacionais e te6rices que permitem determiner a ver~ dade nao permitem determinara referenda, a qual existe numa relagio causal, contextual, mas é sempre indeterminada: «nenhuma aproxi- agio que fixe somente o valor de vercade das frases pode fixar a referéncia, mesmo especificando o valor de verdade das frases em todos os mundos passiveis» (op. cit: 44). As representacbes cue pos- sums soo prio da signicsio que w poe coneberdzeo que holistic, que € em parte uma nego normativa eque é intra ‘A acetabilidads racional depende de normas que fazem parte de ‘um patiménio biolégico e cultural, mas essas normas exisi2m em ‘mudance, nfo se identifica inteiramen:e com as normas insitucio- Verdade eacetabilidad:racional 7 nalizadas, pois nestecasoa nosio derealidade deiaria de fazer sentido, sendo, portanto, necessrio pressupor «uma norio de justificagao racional mais vasta que a nacho 2osiivista e, de facto, bem mais vasta que a nogio ce racionalidade criteril instsucionalizada» (op. cit 129) Putnam compara a posicio daqueles que pretendem iden tificararacionalidace com as normas insitucionalizadas & de alguns leitores de Kuhn que concluam que, de acordo com A Estrtura das Revolugies Cientficn, nfo havia justificagao racional, e lembra que ‘Kuhn propés mais tarde a ideia deracioralidade nso paradigmatics, fdéntica ide racionalidade nso exiteril aqui propeata por Putnam. A justficago racional entendia como exercicio de uma racionalidade nfo criterial recusa igualmente a ideia de incomensuirabilidade, que considera como efeio de uma confusio entre coaceito e concepcto. CConceites idénticos podem pertencer a concepgbes diferenter, que significa que erengas que podem nio ser idénticas 88 noseas podem, no entarto, ser inteligives para ns. E nesta distingio que assenta 0 principic da scaridade inerpretativa», de acordo com o qual, sempre que intespretamos, pressupomos nes cutros uma racionalidace aso- Giada as suas crengis e valores. Varios pensadons, entre os quais Vico, fizeram depender 1s suas méximas de interpretacio de uma distingio daquele tipo (fe. Putnam, op cit: 139) Podemos vé-la ‘gualmerte como pressuposto da ideia de «boa-vontade de inter- pretagios, que Gadamer propoe como trakicio deuuma expressio de Platao,ewiencis elencoi, que significa «ne procurar somente localizar as fraquezas do outre com vista ater razdc em absovuto, mas procurat sobretudo dar a méxima fora ao seu onto de vista, de modo a permitir a clareza daquile que diz» {1987:60). Rejeiiada a ideia idealista da verdade como correspondércia e a racionalidade criterial, positivista, a verdade passa a ser compreen- dida como resultado ideal da nossa pesquisa de melhores concepsdes da realidade. Neste process, aideia de verdade e ade bem aparece associadas. A aceitabilidade racional implica quer citerios de aceita- bilidade racional quer criéries de pertintncia. Para acetarmos una teoria cientifca,€ preciso que ela tenba certas virtudes:eficdca ins- trumental,coerénciae simplicdade de funcionamento, Mas iso no basta pan definirmes a zacionalidade, pois esta ¢ insepardvel dos nossos valores. 56 temos factos porque temos valores. Estes cond cionam 0s nossos eritrios de pertinéncta toda a escoha de um quado conceptual presupie valores € a eeolha de tum quadro para dascevar 8 welaes pesos ordingr eos facto eo, nds mais part pear os nossos proprio projec de exist, pi jogo ene outs, os nosea valees morals Putnam, 1981: 238) 88 Legitimagio ¢exigéacia de undamento FE tendo em corta a muitua dependéncia de factos e valores que, para o «realismo pragmético» (realism interno), defendido por Put- ham, sio tio objectivos uns como outres: nem ai coisas que cons- tituern as noseas representacSes fazem parts de um mundo exterior, Objectiva, nem os juizos de valor sfo uma expressfo de «>recon- ceitos». A equivalércia entre racionalidade e racionalidade cientfica, herdada do século 2X, condiuziu ao privilegiar do instrumentalismo, que poseui na cultura uma imagem de facilidade por permitir con- cluir detates que no campo da étca, per exempl, seriam intermi- ndvels. A defnigto da acelmblidae rational pelo consenso relevaria do mesmo espirito, nfo fosse ela propria auto-refutane, pois ‘correspond a impossibilidade do exercico da racionalidade. Na con- ‘cepcto de Putnam nfo ha um fundamento dltimo, nem sequer 0 do ddever de argumentar. O exercicio da racionalidade tem come base a tradigio, mas ndo € uma sua raificagao pura e simples. Nae é uma aceitagae inquestionavel dels, mas sim a busca de uma concepcio ‘mais racional. F nesse sentido que ela se exerce como um « e a sua fungho de mediagio entre as diversas esferas da cultara (Habermas) -Solidaiedadee legitimagio (Rry).— A {ivinizago da dancia Rost). A pluraidade de gies Qty) ~ A paoridade Ga solidaiedade em rdacio. cifntia (xty) Um dos problemas que se colocam na sequ@acia das akteragdes vverificadas nas ciéncias no nosso século, ou no modo como passaram, ser concebidas a partir de Kuhn e outros pensadores da historia das iéncias, bem como, de um modo geral, a partir do pensameato anti- -essencialista, 6 0 da autonomia das trés esferas d2 racionalicade, tal como ela foi concetida por Kant. A separacao estabelecida por este entre cigncia, moral earte ¢, para Habermas, um elemento essencial da ‘modernidlade. A sua unifcagao €, no ertanto, deixada em aberto depois de o jovem Hegel ter abandonado a hipdtese de a conceber a partir da existénca de uma «comunidade de comunicacio» Habermas retoma essa hipstese na sua teoria do agir comunicacional. Para isso, parte de uma distingao fundamental das acces realizadas na linguagem: ‘as acces que se orientam para a intercompreensio; os actos de fala {que se integram em contextos estratégicos. Os segundos podem ser constativos, regulados por normas e dramatirgicos, possuindo cada tipo modos de validade propria que sio, respectivamente, verdade, justeza ¢ veridicidade. A capacidace reflexiva da linguagem permite {que a intercompreensio seja subjacente a todos os tipos de accées na linguagem. Assim, existe nestas, sempre antecipada, a «estrutura de uma situagao de linguagem ideab, uma «comunidade comunica- cional» que é formada essencialmente pela forga ‘ocutéria da argu- ‘mentaglo, a forga racional que preduz o consenso. Com esta nogio de comunidade comunicacional, Habermas demarca-se de um mero consensualismo e cefende o consenso do melhor argumento. Na defesa do melhor argumento, a filosofia ndo censtitui um acesso privilegiado a verdade, nem possui um método préprio, nem tem um objecto exclusivo, recorrerde & nogio de falibilidade que caracteriza as cigncias experimentais Iso ndo significa que a filosofia prescinda de toda a referéncia a totalidade. Fla parte de uma totalidade, 0 «mundo da vida», pré-teérico, em que se formam as evidencias do 90 Legitimacio eexigéncia de fundamento senso comum, separando-se deste através da anilise critica. essa relagio intima cor o mando da vida que determina o papel da filosofia como ums critica que serve de mediadora entre as especia- lizagbes da ciéncia, da téctica, d> direito ou da moral e a pratica quotidiena, 4 semethanga do. papel mediador da critica Merdria, Porém, essa fungio deve ter em conta uma distingfo fundamental entre o sentido proprio do discurso normal» eo sentido figurado do scdiscureo poético», 0 que corresponde a uina diferenga de fungBes: solugio de problernas e descoberta de mundos. E por isso que, nquanto a fritica Merdria, tal como a crfica dr arte, areespers © contetido experiencil da otra de arte pare a linguagem normal», a filosofia, dstinguindo-se «pelo seu questionamento universalista © or fortes estratgias tericas, mantém uma relagko fntima com as Giéncias» abermes, 1985: 197). Pare Karl Ott Apel, que parttha com Habermas um grande rimero de concepsbes teGrcas, 2 filoofia nfo se pode limitar & fungi mediadoraeatre os discurss espeializados eo mundo da vida Para ele, o ideal de uma comunidade comunicacional ndo é funda- ‘mento suficiente,e teria da acco comanicacional 6 pode solver as contradigbes de que enferma se admit uma fundagso altima, ragmétco-transcendental, com vista a waestitur & flosofia sua Fangio fundadora autentica igada a pretenses ) validade de tni- versais a prior e auto-referencia:s» (Apel, 1989: 9). "Um dos principis defereores ca verdad como consenso, mas que nto concebe a legitmacio deste a partir de qualquer forga ilocutoria extra-contextua,é como jé fi cite anteiormente, Richard Rorty. AS suas concepsdes principals prosseguem a linha do pragmatismo tra- dicional de Peirce, William James e Dewey. O seulivro A Fileofc eo Espetho da Natureca (1980) € uma obra fundamental de reflexdo sobre a tradicio dominante do pensamento ocdental e os diversos modos como a crenca na existéncia de uma realidade objectiva independente da realicade humana subordinow a razio 2os processos de adequa- so, definindo crittrios que legitimam o seu exercicio, Todz o seu ppensamento se constroi no sentide de mostrar a necessidade de um afastamento da filosofia inspirada no pamdigma cartesiano, que con cebe a consciéncia somo espelho do mundo. a partir deste para dligma que se desexvolve aguilo que Rorty desigha por «mé-fé do flosofor (op. cit: 298). Esta consste em wsubstituira paeudocogniclo Aescolha moral isto é em procuraro sentido da vida ea resposta as diversas questées da existencia através ce uma actividade ccgnitiva {que busca os principio achiatricos da delerminago da verdage como Verdade insuficitncia do consenso 1 objectividade ou adequagio. Nesta tradicio, a revolugdo kantiana foi ‘importante, justamente na medide em que recorheceu a separacio ddo dominio cognitivo edo dominio moral ea impossbiidade de encon- trar naguele respostas as questoes que neste se colocam. No entanto, Kant, diz Rorty, «criow novas formas de mé-fé filosofica ~ substi tuindo as tentativas transcendentsis para encontrar o nosso verda- deiro euastentativas de encontrar omundo algurese (op. cit: 296) Rorly subscreve a distinglo entre valirmagio de sie «fundagfo de si, feta por Bhumenberg ao apeesentar a primeira como caracte- Fisticn central da Made Mederma. Admite iguaimente o Heal de éemancipagio da citncia era relagSo a teologia. Noentanto,reconhece que a vertente do ihuminismo que permaneceu na flosofia foi av tente fundamentadera, aquela que conduairia & separacto entre cid cia ¢ filosofia,reservando para esta um papel primordial em relacio ‘8 todas ss actividades sociais, como Kant especifica em © Corflto das Faculdads ‘A tradicio que tende a fazer da filosofia a base da organizacSo social, erigindowa como garante da objectividads, opde Rerty tum designio de solidariedade, © qual, deixando de identificar a razao com a bbusca de objectividade ou a definicSo- de principio imutavels, tanto destitu a flosofia da fungio primordial que a metafisca Ihe atribui, como cenfere a ciéncia tim novo estatsto resultante do reconhe- Cimentoda inexistércia de wna neutralidade dos factos, os quais no existem «ld foray, independentes da linguagem e por conseguinte das suas crengas ¢ valores. O designio de solidariedade impiica, em primeire lugar, que nao ha nenhuma forma de leitimacio dos nossos discursos que Seja exterior a comunidade a que pertencemos e cujas ‘rencas e valores pertilhames. Elegitimo aquilo que no interior da comunidade se apresents como tal, ou sea, aquilo que nela encontra justifcagio. Nao se trata de submeter o discurso a normas prévias que configuram um dado consenso, mas sim de criar e alargar consensos, a partir da insercio numa dada comunidade. E esta que 4a soldariedade um valor determinante, 0 qual afasta o pragma- tismo do relativismo, com o qual muitas vezes é comparado ou de que ¢ acusado. A tese etnocéntrica que dat deriva esta directamente associada 4 exclusvidade de uma legitimagso da investigacio humana apoiada sobre asticee ndo sobre a epistemologia ou a meta- fisica (cf. Rorty, 1987: 46-62. Isso significa obviamente a recusa de tuma determinada concepeio de teoria,acuela quese pretende deter- rinasao das leis de uma realdade objectva, a qual é substituida por tuma outta concepcio que consider a teoria ‘nim sentido amplo de 2 Leptimaclo eexigéncia defundamerto pprticas de justificagio que sio um modo decompreender a mudanca fem que nos situams. Compreensio essa que & necessariamente cir- cular: ela parte de situagies da rossa cultura e integra-se nela. O circulo hermentutico 6, ness» sentido, inultrapassivel. A justificagio € uma explicagio pest factum, que no se confunde com uma Zesmis- tificagio ou busca de autenticidade, nem com um juizo feito # partir de critérios prévios de julgamento, mas a qual se pode, no entanto, chamar critica. Esta é de um tipo particular, que Retty concebe nestes termos: Na opaio pragmatista ou etnceentrsa cue 6 a minha, todo © pode, ‘ou dever da cries consists em fazer Joga on elements qe releeam «da renga do home ordiniriow conta os outras elementos. Se geitermos fazer mais corremos oraco de delrar em ver de conversa, Eu set que 0 imaganisio pode ser um adjavante para ua converaca0 mas futosa, ‘mas quando ele do presncne esta funcdo ndo merece 0 nome de critica (2962!147, Em relagio a ideia de ertica defendida por Habermas, encontra- mos diferencas importantes, como sejam 0 afastamento de qualquer pretensio & universilidade, bem como da crenga numa natureza jhumana orientada para a intercompreensio. O didlogo, segundo Rorty, faz parte da tradicZo de intelectuaisliberais, herdada de S6- crates, endo de uma natureza humane. Embora partilhe com os relativistas, como Feyerabend, por exemplo, a ideia de uma plura- lidade de tradicoes, Rorty demarca-se do relativismo pets néo pretende uma teoria da verdade. Pelo contrério, « tese etnocéntrica que defende implica consigo.a defesa de verdades, nio admitindo a equivaléncia generalizada de valores. Por cutro lado, o pragmatismo néo se identifica de modo nenhum, ‘como pretende Jacques Poulain, nz sua recensio ce A Filosofia como Espelho da Natureza, com um tipo de racionalidade causa-efeito, cestimulo-resposta, pois a passagem de um es-ado a outro, no processo de interacgio, nao ¢ determinvel por leis. Para Poulain (cf, 1952), Rorty, ao combater a ideia, dominante na filasofia ocidental, de uma verdade como espelho do exterior da Iinguagem, procede a uma troca das evidéncias: enquan‘o no empirismo se partia da evidéncia de uma afeccfo casi! dos sentidos pelo objecto, no pragmatismo de Rorty parte-se da evidéncia de relacoes de interaccho causal Poulain ‘sublinha as duas ocorréncias de ecausals) entre os participantes da comunidade de comunicagio. Ora, enquanto a afeccio causal dos sentidos era tida camo a verdade, a ser prevista através de leis & susceptivel de cont-olo, as respostas, oriundas da interaccio, sic Verdade e insuicincia do consenso 93 vverdatles que correspondem z justficagbes revogiveis por uma melhor resposta. A exitica, propria das prticas de justificacto, na medida em {que joga certos elementes da cultura contra outrcs elementos, torna a respostas imprev'sives Pare Rorty, 0 confronto entre teorias no interior de uma cultura, ou entre culturas diferentes, & um importante exercicio da raciona- lidade, © processo por exceléncia que nos pode levar a abendonar aquilo que tinhamos conc verdadeira e a adoptar uma ideia methor. No entanto, os resuliados esse corfronto no siosusceptiveis de ser pprovistor. A racionalidade, defende Rosty, nao pode de modo nenhusn restringir-se ao paradigma das ciéncias definido pela existéncia de critérios prévios e pola capacidade de previsio. Se assim fosse, tanto as artes como as letras (cu humanidacles| seriam consideradas como inracionais, 0 que nio é ocaso destas ultimas. Segundo Rorty, a divinizagSo da ciéncia, aquele sentimento em relagdo &s ciéncias da natureza que faz com que as outras disciplinas aspirem a um «estaruto sientifico», resulta da pretensto dacuelas & objectividade, a qual atribui ao cientista a capacidade de interceder fentre o humano e 0 nao-humano, fazendo dele em novo sacerdote (cfr. 1987: 49). Associada A pretensio de cbjectividade, vem a ideia de jum procssso cumulativo orientado para um ponto nico. A essa ideia contrapée Rorty, apoiando-ce em Kuhn e Feyerabend, a visio da ciéncia como uma plurabcade de teorias em competicio, de onde se ppode concluir a existéncia, entre 05 cientistas nas instituigdes que desenvoiveram, de uma grande caacidade de atencSo a argumentos diferentes, 0 que faz da ciéncia um mede'o de solidariedade humana (op. cit: 55). No entante, acmite Rorty, & mais ffeil chegar a um acordo rum dominio que visa principelmente a capacidade de prever controlar fenémenos, como é 0 caso das ciéncias ditas da netureza, do que em dominios como os das chamadas céncias humanas, onde rio € esse 0 objectivo e, portanto, onde a verdade, no sentido de aquilo que é justificado, ado possui nenhuma relacio com a eficicia técnica. Para 0 pragmatismo, esse menor grau de possibilidades de acordo rio se explica atzibuindo-e a qualquer diferenca de objecto fentre as ciéncias humanes e as da natureza (imputando, por exem- plo, ao primeiro a labilidade e ao segundo a rigidez), fazendo depen- der umas de valores e outras nao, ou considerando que as ciéncias, ‘humana estio ainda num periodo pré-paradigmatico. Uma explica- ‘glo que invoque este tipo de caracteristices tem subjacente a eevacio da ciéncia a ideal, em viriude da sua divinizagao. Esta desaparece quando as diferencas entre as ciéncias so admiticas apenas na base sill on Leitimagioe exigincia de findamento dos diferentes interesses das comunidades que as constituem: nas ciéncias da natureza 0 interesse da comunidade dos cientistes € prin- cipalmente prever e contrclar os fenémenos; nas outras ciéncias 0 interesse ndo ¢ ewe, mas em muitos casos é principalmeste o de produzir novos discursos. Ao substituirse a verdade como objectivi- dade a verdade como livre acerdo de ume comunidade, a solidarie- dade entre os elementos desta passa para primeiro plano, Nodominio das letras, passar-se-ia entio, segundo Rorty,a falar mais de paradig- mas do que de método, ce originaliéade mais do que de rigor; desapareceria a imagem do clentista come combatente em nome da azo, e com ela ¢ estatuto honorifico da cigncia, o que teria como consequencia que a utilizacio da palavsa eidncia perderia 0 seu sen- tido actual, ‘A utopia que corresponde & construgio de um ideal em que a racionalidade se beseia na solidariedade permite pensar a autonomia das diferentes disciplinas, bem. como a comunicacio entre clas, sem ‘para isso haver nezessidade de uma fundamentasio e delimitacio @ priori dos respectivos ambitos e sem reccrrer a ideia de universa- lidade unificadora de uma convanidade ideal de comunicacio: [Nesta situaco, as shumanidadeo» alo se conserariam mais como tal, asim como nfo parilariam uma linguagem comum. Cada uma das lseplinas incluidas atualmente nesta mibxica se preocuparia to pouco como seu métode ou estatuto cognitvo quanto as matemsticas, mineer fing dvi e 2 escutura. Nao se preocuparia arais com os seus fundamentos Silosificos,Porqv os termes que designam zs disciplines ndo seam mals ‘onsiderados como divisdes dos acbjectos, ocados de mundo lgados uns 08 outros por slmerfacess. Considerar geia antes qu eles designs com fidades cujos limites seriam to fuidor quanto cr interesses dos seus ‘membros (Rory, 1987: 61). O anti-reducionismo aqui proposto nao significa o abansiono da necessidade de totalizagio, mas sim que asta se faz respeitando a autonomia e que, por isso, 9 nivel a que se processa é sempre o de ‘uma fiero: a fice daquilo que é melhor para a comunidade, como se fosse possivel colocar-se exteriormente & cultura e as suas civisoes ppara ober dela uma visio global, Neste «como se» parece residir a responsabilidade do individuo, e ¢ ele cue determina a primazia da ética no que respeita ao sentido da existéncia, na medida em que a decisio responsivel, a resposta as interpelagbes e solicitagies que constituem o individuo & de dominio da ética. Trata-se de a2mitir a importancia de uma ficco que, seado racional, nao é a simples e6pia do senso coum. Com efeito, conceber a razio como capacidade wr Verdade einsufciencia do consenso 95; ppara acitar 0 melhor argumento & reconhecer necessariamente a Insuficiencia do coasenso, pois este, como livre acordo, tambéan ddevera ser abertura 2m relagio aquilo que o pode alterar. © que quer dizer que 0 consenso tem como pressuposto o seu possivel dese- quilibrioe a passagem para um novo equilibro. Tada a fecio que se coloque portanto a um nivel ético,o ca totalizacio dos interesses de tuma comunidade, teré ro s6 que justiicar ser a melhor hipotese, sas que aceitar 0 confronto com outras ficgdes que pretender igual- mente corresponder ao melhor para 4 comunidade. Esse confronto -nio tem quaisquer Imitagber, isto 6, nao coloca como objective mn ‘consenso final. O anti-messianismo, ou reconhecimento da insufi ‘iéneia ce qualquer ficgia, garante 4 pluralidade de fiogdes. Enten- dendbo estas como constituindo ideolcgias e utopias, no sentido que Ricoeur thes confere, encontrariamos a concepeao da racionalidade segundo Rorty um bom argumento 2m favor da pluraidade dequelas. No modo como cada individuo vive as ficgBes de sua comunidade, confirmandoas, alteandc-as ecriando outas, é que reside a dimensio txitica da raza ena nos ulzas fits a pacts de eiériosintem ora ‘A instancia de éeciséo aparece assim, nao como um tribunal da azo, mas como a fice de um tribunal sem lei onde se decide na precaridde de uma telagio entre a sgpilaridade eas insituigdes, onde 4 responsabilidade assumide vai clém da resporsabilidade de um Sujeito reduzido a dimensio da conscisncia. A florofia como garante do livre-arbitrio entre as faculdades da razio, permitindo a dassifi- cago das decisdes em certs e erradas, deixa de fazer sentido. Da necessidade de airmacio 2 uma autoromia sem candigbes: «Nenkum sector de cultura seré mais privilegiado do que eutzo ~ nem 0 dos padres nem o dos fllésofos, nem o dos homens de cincia nem o dos poetas» (1990b: 11). Esta autanomia é apenas limitada pela primazia da ética, ou, como diz Rorty, pelo nico fndamerto, o da vlealdade reciproca». Cada sector da cultura prosiegue a sua autonomia no respeito Dela autonomia dos outzos sectores, Descembes admite uma concepgio idéntica aplicada & autoromia das esferas da cultura determinadas pela divisio kantiara. Segundo ele, 0 filésofo pode defender um principio de es, 1989: 180), ce acordo com o qual cada uma das esferas dda razio deveré admit a exstencia das outras e nao absolutizar-se, falando em nome déas. 0 que o filésofo nao pode ¢ estabelecer lis que regulem as deckées fazendo-as cerivar de wma lei nateral, de uma unidade originiria da zazio. £ nessa medida que a filosofia deixa de ser um apelo a teoria a tode o preco, extendendo esta no 96 Legitimacto e exigéncia defundamento sentido tradicional de estabelecimento de leis que permitem a pre- visio e 9 controlo dos fenémenos. O flécofo nlo pode deixar de constatar 06 riscos di sta imposicio como tinico modo do saber, o qual dde modo nenhum se pode reduzir a essa actividade. A constatacio do risco de separacio absoluia do exercicio das teorias em relagio a0 sentido da existéncia e as necessidades mais imediatas da huma- nidade nio ¢ de hoje. ela fazia js parte da cdlebre conferéncia de Husser, risis. Hoje, para Rorty tal como pera outros pensadores, nose trata de pretender colmatar distancias. Trata-se sobretudo de admtir em 1pé de jgualdade divessas formas de saber, aceitando sem reservas que 0 conhecimento te6rico ndo é modelo obrigatério da racionalidade e reconhecendo a prioridade da solidariedade em relagio a circa. Correspondendo a racionalidade a capacidade de apresentar 0 melhor argumento num dado contexto e nfo em abscluto, isso implica reconhecimento da persuasio e da utilizagio retérica da lingcagem, pelo qual Rorty se revela préximo de ou:ros pensadores, nlo 36 dos desconstrucionistas, mas também daqueles que adoptaramn a autode- signagio de pensiero ebole’ 10. A hermenéutica como exigéncia de primazia do passado sPensamentofraco» ¢ fim dz mederniade>, - A hermendutica como secule ‘Bzagio da metaisica (Vatino) A recolha de ensaios com o titulo Persiero debcle, organizada por Pier Aldo Rovatti e Gianni Vattimo (1989), nao é um volume onde se defenda de modo homogéneo uma determinada concepgio, mas onde ‘existe uma confluéncia que parte da constatacho da agudizacto de ‘uma crise dos fundamentas a partir do ps-estruturalismo, e da pro- pposta de uma atitude do pensamento que nao seja a do dominio da natureza, interior e exterior ao sujeito, no sentido em que desta falam, por exerplo, Nietzsche, Adomo ou Heidegger. A ideia de «fraqueza» relere-se entdo sobretudo a um despo:ensiamento da razAo, isto é, & necessidade de abandonar a pretensic do dominic absoluto inerente a afirmasio de uma vocagio do Aomem para as ideias «claras distintass. Mas 0 recontecimento de debilidade corresponde, por ‘outro lado, também a uma proposigio ética: uma disponibilidade em relagao ao passado que permita uma ligacio com oque na historia da ‘metafisica ficou nas margens do sentido totalizante, remetido para a indeterminagdo. A crise da teoria, que em Lyotard aparecia associada a ideia de uma condicgdo pés-moderna, em Habermas ao pensamento pés-metaisico e em Rorty ao pée-fils6tice, é em Vattimo uma poss bilidade trazida pelo fim da rodemidede Note-se que a adjeciivacdo «, ea prende-se mais directamente a uma concepcio de pos-modernidede* e pos-metafi- sica, que ndo correspond & pura e simples ultrapassagem do asterior, mas maniém dele certos aspectos, embora alterados. Vattimo retoma de Heidegger a necessidade ce pensar a relagao ertre o pensemento :melafisico e ps-metafisco, substituindo & noglo ce Ueberwindung a de Verbindung, uma espécie de retomada-resignacio-convalescenga- -distorgdo (cfr. 19892: 19). O tipo de relacao assim caracterizado 98 Legitimacio eexigencia defurdamento corresponde a uma ontologia do declin, ou nista, que Vattimo lanalisa a partir de Nietzsche e de Heidegger. De acordo com a letra {que faz destes pensadores, 0 Ser nlo é fundamento, Grund, as G chick, envio, mensagem. Est noo de Ge-s:hick é ainda radicelizada jor Gadamer, para quem «0 ser que podese- compreendido élingua- eme, expressio que para Vattimo sigrifica a identificagio do ser com a Ingua na sua vida hist6ria,fita de estruturas linguiticas e ontudo principalmente marcada por obras caracteristicas, pcr fextos ‘eminentet» (op. cit: 1). "A Verwindung ¢ assim scbretudo rememoracao, Fecusa da histo- ricismo, que ¢ pretende como um mode de recurso a0 passado que ‘io faca dele ura sicessio de pessagens a cumpris enquantoetapas, ‘no sentico da Histéci. £ desse tipo a relagdo com o passado proposta tm muitas das posticas que se pretendem pés-moderas, nas quai, diz Vattimo, ha sum atitude de “estilizagaa”, de pesquisa de szempla no sentido retdrico do temo (op sit: 20). relagio com o passado, Ge assim se torna o mébil cen‘ral do pensamento, dé lugar a uma fransformacio da fiesofia, que Vattimo cesigna como «secularizacdo da filoscfa», a qual consiste no abandono de qualquer pretensio fundamentadora e aa sua substituigio pela ‘nica hingSo que a partir dai ¢ legtimo atrbuir-Ihe ~ a inlerpretagio. Esta € sobrettdo um modo de estabelecer continuidades, quer em relagS0 ao pessado, {quer entre os saberes especializados. Eis porque, pela secularizagio Gu serosto progressiva de todos os caracteres fortes», a filootia pas- Sou pare o lugar de tuma espécie de mediadora, com uma fancio cedificante, Perdeu, em consequencia, a pretensdo a uma linguagem tniversa, cientifice, aproximarde-se do «cardcter vago, i'DUTO € provisério da linguagem quetidiana» (op cit: 35). "Parece claro que Vattimoestabelece uma equivaléncia ente inter- ppretagio-e rememoragto. O rer ¢ lembrado nas interpretagées que se fazem do passado.e constitier as respostas através das cuais se projecta futuro. Este processo implica que nao haja relagdo com o passado independentemente de contexto do interprete, com> escla- Fece Cadamer. A resposta em que o futuro se projecta ndo pode ser ‘pura subordinagdo a um passado que nao existe independentemente Uela. $6 assim havers interpretagies diferentes e possbilicade de projecar o futuro partir do contronto desses projects. Admitir 0 Eonfronto de interprstagbes €considerar a hermenéutica como inven- Go de novos discursos. £ o que faz Rosty, como vimos. Porém, em ‘Vattimo o pensamento voltase sobretudo Fara o estabelecimento de continuitades, Ele considera que a necessidade do novo € uma Anhermenéutio como enigtncia de primazia do pasado 9 invengtoda metafisca era época da Veruindicng desta o pensamento é infeiramentecondiionado pelo passado Numa demonstragio labo rioss, a partir de Sen und Zn, defended que «a possibilidade de acesso a verdade,ligada & autenticdade do projeco, nfo est verda- deiramerte ligada ao presente, mas a0 pastado» lp. cit 11). Esta tfzmamlo, que faz parte do ua tees da verdad como momtenton, aparece-nos como bastante disstivl pais atrbui ac passado, 3 obras do passa, ma expécie de presenga intemporal através da qual se nos drigem, Isso deve-se a0 facto de Vatimo identficaro ser com 8 tmensagem ou aa obms ralizadas na Iguagemy c nfo tanto som a2 tstruturss linguistics. & 0 que ve conclui da sua interpretagio de Gadamer hi poco dtada, onde se diz expressamente que a lingua € «principalmente marcads per obras earacterstens, or fens em nents. Ora sea linguagem determina a compreensio, ss0 nfo ¢ imediatamente devido aos teres enineweo, maa as regas dos virios jogos de lnguagem,cuja necessidade rao pode senso ser inventada ‘Sendo o por em causa de uma fungio fundamentadora o3just- ficadorn éaflosfia am elemento comm a pensadores como Ry, Habermas, Vattimo ou Lyotard, iso ro impede que as fungies de conselhero, comentador,intérprete, critic, ot simplesmente de crat dor de novos discusos,airbuldas 20 flésfo, partum de concepdes diferentes da linguagem © da verdade. Assim, enqunnto Habermas supée a possibilidade de um jogo ce linguagem da intercompreen onde a argumentacio € « dnica forga locatria, Lyotard e Rorty tntendem a verdade sseociads a capacidade de persuasso invencio que consttuer o esencial douiso da linguagem, eVattimo pretende {ue a rememoracto € 0 mado de relagio com a verdade enguanto contecimento ontologico © passado para Vattimo determinante de toda 1 relagdo de autenticdade ou verdade. E 0 modo como 0 passado + recebido enquanto possiblidade em aberto, e portanto ossibildade de repetigio em sentida hedeggeriano, que define a Iutenticidade, Esta ¢ 0 oposto da tagarelice do quotidiano, a qual toma o paseo como encerrado ems Embora chamando a atencao para a crise do valor do novo na cultura contemporinea, confaponto da sua importancia na cultura da modemidade em que o desej do novo integrava 0 histriismo messlanio, Vattimo admrte que a recepoto do passado enquanto ossbilidade nfo nega 0 nove, pois todas interpretagao €, enquanto ‘epetico, também uma ocorréncia uisica. No entanto, a sua consepcio de uma verdade como mamumento pressupde que oacontecer do ser se rstaliza em obras as cis existem eobjectivamentes na Hist6ra, 300 Legtimacio ¢exigencia defundamerto sujeitas a escolha que as elege como exemplos ou adopta 1 partir delas os seus heré:s. Perante uma tal «ristalizagao das formas de significagio» em monumentos que constitem a tinica «substancia hist6rica» (op, cit: 122), a interpretagio corre o risco de se tornar apenas uma escola, isto, de considera qe o passado exis em st fe nko como abertura de possibildades. A capacidade criativa do didlogo e da argumentacio, enquanto modos de interacgao numa comunidade, e as tentativas de redescriga> do mundo, em que se exprimeo desejo de singularidade, Vattimo sobrepse a ideia de expe- tiencia enquaulo Exfahrung, no. sentido em que Hegel ¢ Gadamer ‘usam esta palavra, > de uma «experiéncia de verdade>, a qual «ndo é senfo a experitneia que modifica todo aquele que a faz» (Vattimo, 1989b; 194), Tal como para Heidegger e para Gadamer, também para ‘Vattimo a experiércia da arte cende a ser privilegiada como expe- jéncia da verdade.O modo como assim se concebe a relagao da arte a verdade corre, no entanto,o risco de fazer da fundamentacio her- ‘mengutica a subordinacio a uma autoridade do ser, perante a qual qualquer hipétese de liberdade se anula. F 0 que acontece quando, na sequéncia de Heidegger, se consideraa poesia como palavra inau- gural, em fungSo ce uma concepgio que a vé como relagio com 0 silencio, entendido como o mais originavio, o outro da linguagem, Por outro lado, ao conceber a hermenéutica como secularizagio dda metaiisca, Vattimo assoc trés elementos fundamentais na deter- sinagio dessa passagem: o declinio do ser, ou nilismo, a finitude da cexisténcia, a pietas. E através deste tiltima que se exprime uma ética da interpretacio: «pietas 6 ¢ amor pelo vivo e pelos seus vestigios = vestigios que ele deixa e vestigios que ele traz, na medida em que cs recebe do pasado» (op. cit: 20).Pela pietas, 60 estabelecimento de continuidades que ce coloca em primeiro flano, e nao 0 projecto de criacio de ideas valores. 1. O duplo gesto: arkhé e an-arquia © pensamento para além do prncipio de razio (Derréa). - A escrta como duplo gesto: a indecidiliidade (Derrida). ~Tradighoe inven Para Derrida, a ética da interpretacio tem um sentide muito diferente, que comega por ter em conta a indecidibilidade ¢ double bind da interpretacao: ha uma injuncao do texto que ordena a forma- «fo de uma comunidade em vista da sua salvaguanda (leitura, preser- ‘vagio, ec); hé, para além disso, o facto de toda a interpretagio formar um modelo (ou virios) de comunidade, sem que isso resulte de uma submissio passiva & primeira injuncao. A responsatilidade da interpretacio depende, como é ébvio, desta nio-submissio pas- siva, Ela é em primeiro lugar, para o fl6:ofo ou gara o intérprete, a necessidade de pensar a relagio das suas interpretacbes, e do seu pensamento de um modo geral, com os modelos institucionais e sociopolticos que nelas esto em causa, Através da leitura de O Conflito das Faculdade: de Kant, Derrida desenvolve o tema da responsibilidede do pensade: (intérprete leitor, filésofo) em relagio com a necessidadie de fundaco como necessidade de algo «sobre que se apoiar para forcar e deslocar», uma ‘um moch'os, em grego’. Desd? Kant que a filosofia se identifica com ‘uma fungao fundadora, Fundacdo e delimitagio corvergem, tomando central a questio de direite que compete zo fildsofo esclarecer, deter- ‘minandoas legalidades préprias de cada esfera dacultura e das suas Instituigdes. O kantismo, diz Derrida, um discursoque se apresenta como projecto essential de deltag: pensamento do lite camo psi do lime, fundagio ou legitimagso do Julzo tendo em conta os et limite. A cena desta posigto e desta leg timacio, desta posisto leptinante,¢estaturalmente > indseociavelmente Juriio-poltce-flosofics (1930: 69, A fungio que Kant atribui a filosofia consagra este estatuto juri- ‘ico-poltico-filos6fico da razio, pois ela aparece como instancia que assume 2 responsabilidade de ser um contribute decisive para 102 Leitimagioe enigéncia de fundamento exercicio da razo fora dos seus limites institucionais. Por outras palavras, trata-se de pensar a razio em relagio com as ins:tuigdes sociais e, sobretudo, cam uma instituigdo como a universidade, onde assume um papel central enquanto produtora de juizos imparciais, através dos quais intervém nas querelas entre as outras dissiplinas, ‘ou que pée directamente ao servico do Estado. A autovafirmacio da autonomia da razio, e a consequente auto-atribuicao da exclusiva capacidade de delimitacio ¢ legitimagic, nio se refere apenas a uma Instituigio universalizante ~ a Critica como tribunal da razio ~ mas aos discursos da razKo, atraves dos quais essa critica se exerce, € a Instituigio Hlos6fiea, ou Faculdade de Filosofia, na qual a auonomia da razao encontra, como diz Derrida, «o seu espelho ou a sua psiché académica» (op, cif: 93). Ora, a autonomia cesta, em relagio com uma legitimasio que apenas lhe pode advir do poder que a institui, dé lugar ‘2 uma aporia que revela a complexidade Ca articulagio do rolitico- -filoséfico para a flosofia critica: reivincicando a independéxcia dos seus juizos em relacio a0 Estado, a Faculdade de Filosofia existe no entanto como instituicao pablica,legitimada pelo Estado. Essa aporia 6 canstitutiva de O Confito das Faculdades e do modo como af é tratada a questic da responsablidade em relagia com a Universidade, ondea Faculdade de Filosofia submete ao seu juizo a verdade das outras disciplinas. Aceitando a divisio das Faculdades em Faculdades superiores e uma Faculdace inferior, a de Filosofia, Kant atibui a esta uma furgio principal na medida em que ela se ‘pronuncia sobre as outras. Nao scbre 0 que nelas est ao servico do governo, mas no que diz respeito a verdede. A filosofia assume assim "um papel centralizador que impede que as discipiinas super‘ores, as que tem uma tilidade imediata para o Estado, tomem 0 dominio da Universidade e, por consegainte, da sociedade em geral, em detri ‘mento da verdade. Digamos que o papel central da filosofia 6 ntdo 0 cde manter o conflita entre as Faculdades e de assegurar ao govverno a ‘possibilidade de ser aconselhado de modo a poder decidir nas melho- res condides. Este tipo de relagio da filosofia com o pode: passa pela distincio rigorosa entre os juizos teGricos e os actos. Apenas os ‘primeiros sao da competénca da Faculdade de Filosofia, cabendo ao overno o direito ce controlar o exercicio dessa competéncia, isto é, de censurar todos os enunciados que nao sejam apenas constatives. ‘Uma das questies que Derrida levania diz respeito aa poder universalizante de que a Faculdade de Flosofia se acha investida — 0 poder da razio, ou Seja, poder de julgar, De onde retira a razdo esse direito que exerce institucioralmente? Da propria instituiglo. Da fun- wy (© duplo gest: arkhé e anarquia 103 aco da Universidade, acontecimento que néo é inteiramenteidenti- ficével com o tribunal ca razdo, pois ea Universidade ¢ fundadan. Para que a Universidade, ov 0 principio de raz8o com o qual ela se identifica, pudesse cumprir a sua fungac legitimadora, houve neces- sidade ce uma fundagio que lhe garantiu o direito de existércia, isto 6, que a legitimou nas suas pretensées de instancia egitimadora. Como cconclui Derrida: ‘Um acantecimento de findagio mio pode ser compreendido simples- mene a logica dau que ele funda. A kindagho de um dieito nfo & um ttonfecimento furdice,& origem co principio de rarto, que eet tembisn {mpleado na origem da Universidade, nfo ¢racional (1980 435), ‘Toda a fundacio de um novo direito apela a uma responsabilic dade fundadora que é da ordem dos actos e r40 apenas da dos tenuunciados constativos. No entanto, no € por estes serem insuf- cientes, e com eles uma certa ideia de verdade e de razao, que 0 acto fundador passa a poder ser tomado como irracional. A fundacio de ‘um direito como 0 universitirio revela que a racionalidade esta para além da razao identificada com o prinefpio de razio. A racionalidade dda fundagio evidencia-ce na responsabilidade da fundaclo, a qual no pode ser avaliada pelo direi‘o prévio ao a:to fundador, mas também néo pode estar em absoluta oposicio a sle. O mocks, que permite um apoio para «forsar e deslocar, resulta de um «compro- ‘isso com 9 direito tradicional», E 9 que permite concluir que «é preciso que a Universidade caminhe com os dois pés, 0 diteito e 0 fesquerdo, que um suporte o outro enquanto ele se levanta e dé, a cada passo, 0 salto» (op. cit: 437). ‘A responsabilicade da critica, em sentido kantiano, como tribu- nal da razio, identficando-se com o exercicio do juizo, limita-se & responsabilidade de um sujeito tranccendental que julga apenas de acordo com a lei, geral, sem ter em conta a singularidade do aconte- Cimento, aquilo que afasta o nao-sujeito da experiéncia e que, por tanto, escapa a conceptualizacio e subsungio em leis, Uma respon- sabilidade de tipo novo que nao se pretenda alheia ao acontecer dos ‘acontecimentos teré de ser uma responsabilidade pela propria fun- ddagio do direito da razdo, ndo a responsabilidade de um sujeito transcerdental, mat uma Tesponsabrlidade que necessariamente o excede e se forma auma relagio entre a experiéncia (a tradicao, as instituigbes) e aquilo que no é okjecto de uma experiéncia por mio ser objecto de representacio. Trata-se de pensar a responsabilidade como resposta, o que, segundo Derrida, implica. que se interrogue a relacio entre actos de - ail 104 Legtimacio cexigencia defurdamento fala constativos performatives, a qual cetermina que nenhuma interpretgio sjaabsolutamente censtrangida por uma lei e que cada texto seje abertura para o exercicio de uma liberdade. A proposta € entao a de tomar como liberdace minima do investgadr a neces sidade de tematizar as implicages poitio-sociisinerentes ao valor performative de qualquer interprelagio,o que significa tematizalas ppondo er questo a ideia de responsabilida te concebida como puro cumprimento de leis (obviamente um cortra-senso) Tor tematizagfo to clan quan posivelentendo seuint admit ou eanlear om rsdanse 2 Somunicage doy inverse im todas oo opersyes que ide ‘enamce em conhnt (ana tu, tara interretago, 2 cnatrugto de tim modelo teonco, a redriet Bums argument, otatmento dem mate historic c mesmo un forme leet mated, eat em ge um con nto sn eh tipo de coat, conse uma inagem do eennaio ideal implce se, repetese, desocia, invents, trnsorne ge, meagre ou doth Sims. A insituiio nio sto smente aon ¢ estas exes due rodeiam, protegen, geanicm au constnngem a Iberdade do nono ttabalio, tamben fia estruire da noneatepretacho Op. ts 429, A leitura de Derrida pS em relevo dois aspectos, que & fanda- ‘mental ter em conta quando se fala de crise da teoria, no sentido de crise das operacées de fundamentayso e da nogio de verdade como determinagio de fundamentos. O primeiro aspecco diz respeito & auséncia de fundamento da filosofia critica: a razio auténome auto- ~legitima os seus jutz2s, mas nio pode legitirrar o seu direito a iulgar, pois a legitimagao deste no faz parte dos poderes da razio na ‘medida em que implica relagGes cociais e poiticas, aquelas que estio nna base da fundacéo da Universidade mocerna como espelho da azo. O segundo aspecto refere-se & possibilidade de, rejeitando a absoluta subordinacio do juiza ao sujeito transcendental, 0 conceber ‘como uma operagio discursiva que, enquanto tal, possui um valor pperformativo para o qual concorrem varios factores, nao s6 aqueles de que se tem consciéncia, mes também desejos e motivagoes inconscientes. O que significa que a forca iocst6ria nao esté necessa- riamente a0 servico de um ideal de compreensso, mas pode igual- mente fazer parte tanto das mais diversas estratégias como da concretizagio do imprevistvel. Admitir a indecidibilidade entre 0 que faz pare de uma estra- tégia rigorosa e o imprevisivel nfo implica nem a submissio a0 principio de razdo, identificado com a instituigte universtaria moderna, nem a sua recusa. Implica, isso sim, que se interrogue a auséncia de eo yy 0 duplo gest: are an-anquia 105 fandamento do principio de fundamento. Ou sea, odever, consignado no principio de razto, de responder ao sew apelo dando razies, transforma-se no dever de responde: plo principio derazao. B através da mudanca da proposigio atrés sublinhada que Derrida vé confi furar-se um novo tipo de responsabiiidade univesitaria, um novo modo de relacao entre institu e pensemento. A mudanca corres- ponde a uma alteragio dedsiva Ja organizagio dos saberes na Universidade, a qualtornos cbsoleta a distincko, feta por Kant em O Confit das Facudades, entre o (Isic 102). Rory assinala uma altersiica ene perfods revoluctadvios cu literrios periodoe normals, banas, ou costratives,cormeopon” endo os primeira 0 aparecment Ge hovaslinguagens eo Eu doe A suaconsolidago, A nd homogenekiade da tadicho apresenta divers mods dereasio ente litraidade eos sents figurados, de tal modo que at relagbes entre argumentacio e persuaslo si0 complexes em muitos casos, indisocaveis. En segundo hig, Roty considera que os textos de Dera ont se fila vsias Lingus fo sio os primeira a faze, independentemerte de corspor: derem ou nao a una tin ds desconstroi, Finalmente, Rory nto considera pertinent dela, vinda ce Heidegger, de que a metafsica, ro sentido de busca de una lnguagem fota: ou pretensio de abjec- tividade, tena sido central no Geidente e tenha tnercido um pocer inquisitorial sobre opensamesto,determinando en, absoito os seus limites. Seria em fungi do valor central assim attbuido a fuesoia 0 upto gest: arkhée n-arquia 107 que certa critica literdrie pretenden que todos of textos se orga zavam segundo um sistema de oposigdes metafisicas e sua descons- trugio. Rorty desenvolve estas criticas tendo como referéncia os pri- ‘meiros textos de Derrida e o trabalho dos desconstrucionistas ameri- canos ne dominio da teoria da literatura. Contrapée-Ihe uma ideia de rnio-pertinéncia da oposigio entre o fecho filosifico e a abertura literiria, propondo em sua substituicio que se considere a flosofia como um género literério sujeitc & oscilagio dassico-roméntico, ‘equivalente a que opoe o sdiscurso normal» ¢ 0 «discurso anormal», ‘ou a argumentagio e a invengio de novos idiomas. Num texto poste ior, Contingéncia, Ironia eSolidariedade (198%), Rorty considera a obra de Derrida dividida em duas fases: a primeira, «mais professoral»; a segunda, «mais excintrica, pessoal original» (op. cit:148). Nesta Uitima, Ce que so exemplos La Care Postale e Glas ndo ha lugar para demonstragées mas s6 para uma escrita pessoal e original, rio sus- ceptivel, portanto, de ser elassificada ou submetida a qualquer ava- liagdo segundo critérios frévios. Tal como acontece com os textos literdrios, estas obras teriam por funcio oalargamento dos limites do possfvel, sem referéncia a qualquer tipo de demonstragio 03 argu- ‘mentacio. A leitura ée Roxty vai obviamerte contra aquilo que Derrida reafirma nos escritos postericres a Glas, enomeadamente no texto da conferéncia de que se falou acima, «Le principe de raison et lidée de Université», pronunciada er 1983, Para além da necessidade de um (1987: 341). Desse confronto surgem diferencas impor ‘antes: a tradigio ndo ¢ para Derrida nem susceptivel de reconsirusé0, a partir de uma hermenéutica da suspeita, nem de integracdo, @ partir de uma concepcio do dilogo corre fusio e horizontss. Por isso, a desconstrugéo afasta-se quer de uma hermenéutica enquanto modo de pensamen:o que contribui para construir uma visio mais verdadeiza do passado, quer de uma relacio com o passado que funcione como legitimadora de presente, como acontece na hhermenéutica gadameriana, ‘A tradigio, senco compesta de fragmentos e vestigios nio tota- lizaveis, perdicos desde sempre na opacidade de uma escrita que rio se limita a um contexto, nem do passado, nem do presente, no pode ser garantia dé qualquer interpretagio. Aceitar a perda é entio passar da nostalgia & afirmacio, como se lé em «A estrutura,o signo 0 jogo»: 4 portnto duas interpetagdes da interpretacto, da estunia, do signo © do jogo. Una procra desir, sonks decifar ma vereade o8 ‘ume origem que escapa ao jogo ea ordem do signe vive como um exo Ss necesidade de iterpretgio. A outa, que t no esté volada para a crigem, afima o go e tela passa além do homem e do humaniamo, senclo © nome do bomem o nome desse ser que (.) sonbou a Frese plena, © fandamenso tangulizante, a oxigen e 0 fim do Jogo (Derrida, ‘sere «27. ‘A afirmagio do jogo ndo significa de modo nenhum a avséncia total de constrangimentos ou regras das interpretagbes, implica sim 0 duplo gastos arkhée a-arauin am que cles nto sejam absolutos equ se desloquem ealterem acolhendo 1s potendalidades criadores do ncso,£ poriaso que apenas até cerio ponto podemos esta: de acondo com Ferraris quando ele diz que «0 Intento da desconstrasio € 0 inverso da hermenéutica» (op. 370). Esta afirmacio apoia-se essenialmente num dos designios do pensa- mento de Derrida, ode proceder a uma dessedimentag dos concei- tos que dé a ver a complex-dade dos seus sos menos problemiticos. Porém, se se considerar apenas este aspecto oblitera-se a dimenséo translormadora da iterpretaio e do-perasr 0 qu Feira & descons- Uugio o seu principal nterese. Com feito, cate nfo consnte em defender wma concepac como a que & sustentada no campo des tstudos Iterdrios pelos Yale Critics, segundo a qual s6 ha kituras txroneas (svn) mas em por en cata a oposgtorigida entre o verdadeiro eo erroneo através de una ideia de altenbilidade que permite pensar a verente criadora, ou sinventora», das litures. "A parlr dos textos mais recentes de Derrida, podemos estabelecer uma certa equivaléncia ertearelago de double bind com a tradi © D movimento da invenglo como envengio do Outro». A primeira sorigao paradoxo de um passado perdi, mas do qual no pedemos Tetirrncs 0 segunde,o dea invengio nloser possve senéo enquanto invengio do impossvel, pais 0 que pode ser projetado ¢ apenas 0 novo e nfo a invengie, stg, no implica o outro, mas apenas o mesmo. “Tanto na relagi com a tadigao coma na inven, 0 to Vik através da economia do mesmo, por epetcio e simulacro © vir do our ou e seuretorne, 60 sco acontce possve as ele ao seinventa, meso au au prec ss eal invented pase Preparer pare aolhor pect fe prepar pre aimar 0 cis Ge on Excite i 20 nh sya case mas que nlo vin soqur Screg! ainda homogenso do caesise, um iadeael nda em ttabao de cect. penves Nao eviesterent, cs porque nice invent possive Derrida, 187 60 Trate-e de um pensimento da invengio que parte dos sentidos aque ihe sto conferidos dese a preasmivel origem latina da palavra, para oc quais se encon‘ra uma base esével: a invengio & sempre atribuida ao homem como supito; acapacdade deinvengio étantoa de constuirfcgdes como a da inovagao ténica (ck. 1987: 37), Pode- mos dizer que ¢ tambérn na alianga dastes dois aspectos que radica tanto a defesa da paralogia em Lyotard, como a distingSo feta por Rory enze um disearso normal e um discurso anormal que, como vimos, considera equivalente da distingio entre literario e 0 Cientfico, Em ambos 0 casos prevalece a oposiio entre 0 calulével alll m Leptimagio ¢exigeacia de fundamerto ‘© 0 incalculivel, a qual vem na sequéncia de ama concepgo romantica dda imaginaglo produtiva e se traduz furdamentalmente na proposta de rejeicio do passado e apelo ao novo, proprics de uma atitude ‘vanguardista e de uma concepcio da Historia que, & semelhanca da concepséo kuhniana da histéria. das ciércias, a cancebe como alter- nancia de perfodos 2ormais e revohucionirios. elo contrério, ainvengio que se pensa em «lavencio do outro» no resulta nem de um apelo & inovagic, nem de um apelo a reme- ‘moracio, embora sja insepardvel da meméria eda repeticio.O lugar do outro é sempre o do futuro, «0 que vem, a condigho da acon. tecimento. Por isso, um ndo-lugar e, coma tal, a nvengao do outro esti além do possivel, sem estatulo, sem lei, sem horizente de reapropriagio, de zrogramacio, de legitimacéo institucional, ela ultrapassa a ordem da encomenca, do mercado da arte ou da cifncia» (Derrida, op. cit: 61), Mas sea invengio do Outro nio pode resultar de um apelo a invencio, pois isso seria admiti-la como resullado de ‘uma estrutura egoligica que apenas pode conduzir a invencio do ‘mesmo -o novo ~ isso nao impliea para Derrida a resignacio passiva. ‘A invengio vem do outro. A desconstrucio ¢ 0 preparar-se para essa vinda, e por isso a néo é susceptivel de definicio; 0 acaso néo funciona nela como suplemento, mas como a vinds do Outro que se anuncia a vérias vozes. ‘Néo sendo identificavel com uma teclogia negativa, nem corres- pondendo a uma andlise, uma critica, um mitodo ou sequer um acto ‘ou operasso, como se 1é na «Carta a um amigo japonés», a descons- ‘truco tem a dimensio afirmativa que é a vinda do outro: «a des- construgio realiza-ss, é um acontecimento que nio espera a delibe- raglo, a consciénciz ou a organizacéo do sujeito, nem mesmo da modernidade> (op. cl: 391). Enquanto em relaco ao impossivel lugar do acontecimento, da desconstrugio ou da invencéo, a primazia atribuida 3 invengo por Lyotard ou por Rorty aparece vinculada a um voluntarismo que néo escapa a convencionalidade da nogio de invenglc, encontramos no prosseguimento do «pensiero devole», de Gianni Vattimo, uma excessiva resignacie. Ao preparar-se exclusivamense para a rememo- raglo, a antologia hermeneutica parece propor o enclausuramento no passado, numa vor. nica, que seria apenas a do reconhecimento ou repetigio e se fecharia ao futuro, 0 outro cu a condigéo de toda a invengio, como de todo 0 acontecmento. Vattimo corre o risco de radicalizar o pensamento de Gadamer, resolvendo o que nesteé mais, ambfguo ou contraditério no sentido da reducio co pensamento a0 © dup geste: ah ean-arqula m3 aque ¢leptimavel pela traciio © que em dtima instincia se edz & conforméiade com as obras que conitees tua histrin monumental ‘Acete propésit, da slacio entre hermenéuticae desconstructo, 6 importante referr aquitema das perguntas de Derrida a Gadamer. ‘Se a condigto do Vester, em verde sero contin da relagto (~) rio é antes a interrupgSo da relagSo, uma certarelagio de interrap- Gio, a suspensio de qualquer mediach?» (1987b: 0) ‘A descontinuidade da cmpreensfo ¢ aqui indissocisvel de uma nogio de texto segundo a qual este pertence sempre atm contexto indeterninal uan contento que 10 0 precede em absolute que nao pods ser fixado em todos of seus elementes. Uma tal nogio impede que se considere quero texto como algo proprio, urna iden. tidade, quera leitracoma apropriago, De facto, aideia de apropria- Gio da radio através da compreensdo hermenéetica ¢ soleira da noc metafisica de uma histria universal, suponco por conseguinte uum fundamento ~ 0 Ser, a Vontade, c Espirito. Plo contri, ume nogio de compreensio que tenha em conta a precaridade desta, devido 2 auséncia de um fundamerto absolute, apresenta come condiéo a possibilidade de interrupgio da contiruidade, ito da Historia como cadeiade apropriagber Presupde enti que opassad nunca sed como ta 0 movimento de repetigionlteragto exsencial nha constinicio de qualquer discureo imple, pela indissociablidade dos dois polos da dicotoma, que a simulgio de eontinaidade coin- sida coma inacessibikdade do passado edo presente, Seve pode dizer que um eiscurso solicit cutrodiscuso para a sua compreensi, este Segundo confere existincia a0 primero na medica em que por le 0 passado surge como perdido, muda, masa mudez se dir na pala. A compreensio do Outro x6 se torra possvel quando o movimento de universalizacio, cue € parte essencal da compreensio, ¢ pertur dado, interompido, pela singularidade de urna experiéneia que para além de relagao como universal rela com o singular, a naces- sibilidade do outro. Toda a compreensio supde ji 8 normaiizagio que da Inger & aceitblidade de um discurso, Desse modo, ela € fempre um factor de aquisiio de hibitos, de aculturagio, © por conseguinte constitu 0 essencial os processos de legitimacio. E nessa meiida que qualquer conceito de legitimagio falha: este nfo & apenas o resultado de processosespuctics de legalizacio ou norma lizagao, mas ¢ intinsea 20 compreenderagir. Como diz Derrida, 0 conceito de legitimagio «no tem contrénioe (cf. 1990: 30) facto de um discurso entrar em rslagio com textos on acontecimentos inaceitveis pela sua estranheza face noralidade das instiuigbes € ua Legtimagio eexigencia de fundamento j& um processo de pré-legitimacio, Nas sociedades moderaas, 0 parecimento da literatura corresponde 2 necessidade de salvaguar- dar a possibilidade de um tipo de discursc que escape exigéncia absoluta de legitimagio, Mas isso no significa que a literacara se cexclua dos processos de legitimagéo, uma vez que ela ndo exclui a compreensio; significa, sim, que se salvaguarda a possibilidade de ‘existéncia de um ginero de discurso que nunca perde uma certa ‘margem de estranheza que rele marca a sta irredutibilidade & cul- tura, ou, se quisermos, a sua ndo-contemporaneidade, 0 por virque 0 Notas do capitulo I us * sOpus et, dizer os Latinos para designar as obras axqultecténicas fetes de Dedias regulars: € preciso ajuzar das pssbiidades dea alse,» orem da onstrugo nao €daana ordanao anterior do materials (Nancy, 1983: 40) 2 Habermas discorda data idea de pluraldade provocada pls astonomisagto dat ccfera Js culture pois pars ales unidode €cestrida pla validaph: specie ‘mente ¢ ao nivel formal em que pela argumentgie so Roneadas a5 preensbes 3 Yalidade que €asseguaa » wnidade da acionaidace na dveridade des eaferas fe valor raconalizadss segundo o seu frprio sent. As pretenses & valdade distngwemse de pretenses empirias pola presuposigo Je que eas podem sor hones com a ajuda de arguments (81:26 » Jankéevitch define orlatinssmo simmelano como una aiangs do formalism anton, que afrma energramente © primadoindipensivel do pit (.) com "umemprismo socioshstrie que reabiianco os contedes, se dedicana sbretido fa mostar como € queels agen sabres foneas que a razao thes mipes (198 2s, 4 ego ac wend num sentido qe prtende ser aquele que Wittgenstein confere ata palsra, quan fal de gos de gugem>. Da usizagho dea term rologa por Lyotard, flarseamas adiarte § Opropne Rory, 2 sittizar pncipl das sua concepts como sends dem nivessncialsmo e um antstpresertacionemo que oe Ibert da ides de ver dade como salvagio, constats que pars ema ferapeciva com 0 chamaco pene Vattimo craceriza 0 pos-moserno como tendo com 0 madero uma rlasto de contiguilade que aceite retome, disorends-o 20 probngil. Fate dels de ‘contiuldade nfo et nage daa cersiderasSes de yolard sce spr modemidae, posters aA Condi ps dere, nomeadaente quand» prope 9 resi 3 ‘moderdade. 7 Em nota, Derrida expla: «Mohs ¢tarbér 0 nome da “estes” ou alavanen de ‘madeira que Ulisses oe marha de Ningséin, ots, Mis ~ 308 9 lume etes dea enterarna pupla do Ciclop> (580 439, Capitulo I Da institucionalizacao da literatura . ee 1, A autonomizagao da literatura (© nascirento da Iiteratura: da aemagio da fungho heuristics da fegio& expe- tlinciae Histria. ~ A orginalidade do escrito e» conti de un campo literiio. ~ Os dizetos de autor. = O public © a formagio de um vespago ppblico» (Habermas). A cendigio emepcional da Itertura perare a lee erante ameméria, F ccmum admiti-se que 0 aparecmento do conceit modem de literatura teve lugar durante ctina metade do século XVIE. Como razio de estabelecimento deste marco, apresentaseo facto de o woot. bulo lteatura adquirie um valor novo, que tende a restringi «sua utlizacio a designasio da escrita artis, em detrimento de um sentido anterior de acorde com o qual compreencia toda a producto escrit,incuindo a da Aes a ciénce’ Nua gpoca om que a afemago do sujeito coincide com s necessidede absoluta de autojutficacio, 0 Aparecimento da literatura associa-se quer A constituigno Juridica de ‘uma nova instincia social, 0 autor, quer & consoldagto das identi- dades nacionais pare que concorver, primeir, a8 ideas de cultivo do gostoe, posteriormente:tedas aquelasque se asociam a projecto de uma mitologia da razio. No entento, a relagio da litertura 8 comunichde é desde inicio ambigta: a memria que ela pretnde em larga medida constitu, embora se afasteda repeticio intemporal de arquetipos, também nao cabe interamente em modelos de linear dade hisrica;éna medida em que ela é meméria do memorial, do aque esta antes do stjeitoe pertence & multiplicdade iredutivel do acontecimento, que iterate € desde o nico mas do que qualquer projecto de litertur. Per outras palavras,a literatura naste como afrmacao da iredutbilida eda inguagema uma fungio de dominio ¢ autojustificago. A andlise de Foueauk em Les mots et les chases | (0966) 6 elucdativa a este respeito, De acordo com a sua investi gacio, a episteme renascentista, definida por um pensamento das semelharcas, dé lugar, desde o inicio do’ século XVIl, a episteme cléssca, em que a defnicio de identidades¢ fundamental, stuando- “se 0 aperecimento da Ireratura um pouco mais tarde, apenas no inicio do século XIX. Durante of séculos XVII e XVI, @linguagem deixou de estar inscita no mundo e passow ater em exclusivo uma fungio de represent, subordinada a8 principais estruturas do 120 Da institucicnalizao da literatura saber clssico, a mathss e a txiromia, No inicio do séeulo X0X, uma nova episeme, a moderna, corresponde \ winutacio da Orden em Historian a partir da qual a linguager, a vida eo trabalho dio orem a novas discipinas ~ silologia, biologia e economia politica ~ que, entradas nima peropectiva da anaiica da fintude sto insepersvets da busca de fundamentos antopolégicos. literatura aparece entio como 0 que compensa (e tio. 0 que confirma) 0 funcionacente significativo da linguagem (19660: 69). Foucault retera idsia de compensacto, pretendendo que # Iteratura ce opde a perda de uma independéncia a nguagem spe, dado 0 regi bis doo oigos na dade Clisica, se desolve tomando-se apenas um instrumeato Ge mediagéo. quando a linguagem, com a filologia, se torn objeto de investiga que a Iteratura sparec: como sconteslagho da A-logia Ge que ch é no entanto, ira gémea)> lop cit: 393). Por isso, diz Foucault, «a itima dis compensagoes ao rivelamento da linger, a mais importante, a mais inesperada também, é 0 aparecimento da Iteratura (op. cit 32). De acedo com esta perspectva, a liteatura corresponde no 56 & uma recusa da representagio e, consaquen- temente, da andlise da Iinguagem de acordo com a estratura Binria significante/significaco, mas ambéon& recusa, dai decorrente, dos valores que tornavar legitimaa steratare» da dade Clissica,como Sejam o gosto, prazer ou a verdade. A partir de entio, «a literatura distingue-se cada vez mais do discarso de ideias, fecha-se ruma intranstividade radical (p. cit: 389). Para alm de radicalizar a dlimensio de corte daramentesituado no tempo, esta explicagso do aparecimento da literatura coleca-ara dependéncia de urna oposicho entre a epresentagac © 0 seu outro. o qual, ou se identifies com 0 ‘pura e simples manifestacto de ema linguagem que nio tem por lei Sendo afirmar ~ contra todos os outros dscursos ~ a sua exisencia abruptan (p. cit: 398), ou se faa corresponder a inscrigto de um enigmatico ser da palavra absolutamente silenciosa, como acontece na seguinte passagem bem esclarecelora No mamento em que a inguager, cmc paiva dssemina, se toraa objeto de cnhesimen, que Teaprsce sob ina modaiade tstitaente open lenin, corelna colada pave soe ras ura do papel onde ela nto foe er nem sonondace nem nero ‘nde nada mais tema dzer na maa aver do que salar no fla Seu proposer opt 39) A radicalidade da tese de Foucnult, que apresenta a ltertura como 0 absolutamente outro da representacio, deriva sobretudo de tama coneepgio que acentua a incomensursbiidade entre epistemes, ‘A auenomizagio da iteratura am caracterizando cada uma por aquils que nea € etremo. Assim, im: porta observar,seguind de perte ma critica de José Guilherme Merquios (1985), que a sezaragio rigicia entre a cpisteme clssca ea modem, fazendo parte de uma estraégia de delimitagio rigida © rmonolitca das epistemes, nib tem ex consideragio as «problema Cos transepistémicas» ov 8 «cortes intr-episemicos». A ndo-consi deragio dests titimos teélevado a esquater as mudangas ocorridas no final do séeulo XVI, is quais Paul Hazard se referiu dzendo, fembora com exager, que las constituiam a wcrse do espirito euro: ppm Mas nfo 626 acrise do final €o Grand Sidcl que nto 6a em conta. E também ignorada a importanci do lumsinismo na deter- Iminagio do conceite de zazio tal como ele & legado ao século XIX, {ncio da epinteme madera (ci. op.cit: 208) A necesidade de consi- deraro século XVI, especialmente o3eu fim, tendo em vista a probe: titica do aparecimento ca literatura, ganha evidéncia se considerar- mos que o acontecimento mais sigrifiativo da mudana se situa no campo das letras. Trata-se da Querelle des Anciens et des Moderne, 4 qual, segundo Javss (1968), a0 dar Zugar a uma relagio diferente Com a Historia, mara o info do Século Gas Luzes em Prana. A esta hipdtese de Jasss,partthada por Habermas (1985), opde Descombes (2989), cem grande pertinéaci, a tese de uma autoaomizacio da ate iniciada no seculo XVI justamente pelos Antigos, a0 conceberem a ‘Smitago cos antgos» como um principio nove que deveria conduzir a Constituigo de um mando atebnoma se magense ficcbes. Descom- bes apois @ sua tese mum ensaio em que Starobirsk (1977) reflecte sobre a fangio do mito na cultura sassica dos séculos XVII ¢ XVI Btarobinski comecs por apresentaradistingto presente na época entre fabulae mitlogia, correspondendo a primeira a live uilizagio dos tmotivos iticnse ea segunda a um sconhectmentoerudito doe mito. O conhedmento da fébula ¢ essencial, nfo 36 como condisfo de acesso A Iteratura mas, de uina mareia gral, para toda a deciaclo de ume cullra dominada pela alegerinconstraidaa partir de iguras codificadas que confrem a fibula um cansctera-istrico. E mama sociedaderepartida em dois dominios aut6nomos, o do sagredo e 0 do profano, que a fabula pessuia sua plera aceitagio, Nessa partlha, tla assume-se como fcgdo e divertimento, garantindo desse modo @ sutonomia de um dominio que permite « todos viverem legitima- mente a duplicidade Numa estéfiea que, como aaienta Starobinski, no privilegia a orignalicade, a utiizegto do mito pode dar higar & dma muliplicidade de sigrificagdessublise velades. «sob a garantia a cobero de um mito reeebido, que Ihe oferece uma forma de wm a institucionalizagio da literatura acolhimento,o des pode vives nspessonlment a sua realizag ima- gindria» (op. cit: 989%. A conclusio que Descombes retia da predo- ‘mindncia da fabula enquante autonomizagao de um registolidica & obliguo, votado ao compraziments no siawulacro, revela-se inteira- mente plaustvel: Bm resume, & » ctor elisa que ets a origem da nosio essen cialmente modtaa da arte come ise ogo da imaginagio, como ena pete da evista hana que 6 votada i aprtnlasbihanie, A dalages da feo os disfrces que temam 9 dese agradéve (198960). ‘Ainda segundo Starobinski, ccm o aparecimento de uma neces- sidade de expressao pessoal o mito pasta 2 ser objecto de interpre tagfo. A partir de meados do sécule XVII o equilibro entre osagrado 0 profano é rompiso, dando lugar a reavaliacio co mito, que com 0 romantismo adquire uma legitimidade entologica ¢ postica. O pro- cesso vaiser oda ustcralizagio do mito, que Sestrekamente trbutiria da humanizagio dosagrado> (op. ct: 97). (© que de muito significative o final do Grand Siécle nos evela & por um lado, a definigto de uma nova personagem no quadro das lage Sodas = o ator ~ por out, a cancnla hatin associada ao sentimento de abertura pare uma nova 6poca em que a rrazio se afirma sobte a recusa dos preconceitos. : interessante veritcar que a afirmagio do autor se sucede a um pprocesso de aitonomizagéo das artes niciado com a separagéo renas- centista entre arte stcra e arte profana. Fa partir desta que se tora ppossivel a consideragio do artista como autor pois, com o desfazer a ligagio (consurrada em aome de Deus ott da comunidad) da obra a0 absoluto, 0 sub. tetera juizos. A literatura, pera além de existta parti de um certo rimero de leis que regulamentam os dicts de autor, existe somo todas as cutrasinstiuigdes numa relagio com as trinsformagses da lei, Mas ainstitugio lterdviarevela em relasdo a ete aspecto tina particulardade signicativa. & que nfo hi les juridicas que regula. mentem a instituice estabelecendo-ihe funcBes, fins ou modes de fancionarsento, AS tnicas leis que we Ihe relerem dizem respeto A propriedade dos textos lteréris. A propretdade, no sentido de per fence, confunde-se assim com determinacac de um ser propio los textos, coma sua natureza de textos iterrios. Ou por outraspalavras, a0 garantisea associacio de um texo a um nome proprio, atesando | vy ‘A autonomizagio da literatura 125 desse mado a sua sngularidade etesta-e a0 mesmo tempo a sua inclusto no geral,atteratura, Mas par isn presto que o texto se literdi, isto €, que sj ele a determinaro seu autor como aster de am texto liters. Em lina instacia no texto que deve reir a ie como le do texto Todas ce mecaniomos de legtimaco da itera tira tem somo pressapostaa preteeio de encontrar esa lel. Bo que fxplien que a teoria da Iterafura msca 20 mesmo tempo que ets, constituindo esse plo rascimente am campo, o do Iiterai conn poto pela Iteraturae pelo vriosdscuros lepitinadores), em que longa tnteo juice eo térico ewelna sum mévime nevesidde ¢ compleddade ‘Atalsando o proceso deautonomizaio david atitica,o ual consist tzencatinente ta passagenn de uma total subordinaao 8 legtimacio externa para Constinagio de un campo calal que rocks oF seus proprios mecaniamos de leitimagte, Bourdieu consi der divers factorera dvertficagho da produgte¢oaparecimento de empresirios a ela igads (os editores)sconsitugto de um publi cSt de med pina deltas pon O aparecimento de diversas natuigtes que colocemalepitacto das produgde artistas na sua dependencia (as acadsmias, os male) Bor analegia com o procnso de selarizcso, tal como ee € anal sado por Weber, pode entio entenderae qu, assim coin a recona: Tengo de eligi que ihe contre tuloncnia nonnative cee so sparecimento de um corpo sarendoa, assim a autonomia do campo isco ea do campo intelectual decorrem da cnstiticio de um fsrupo de profisionas que se demarcasocialmente © que pretende Emuancipao campo alt! em questo, sabrando a dependenca de uma Kgitimagio exter crande 8 suas proprias nomas a arr dacuelas que ecebe datradiio tee Bourdlea 1970: 100, ‘De acordo com Vial 1985), séculy XVII em Franga aparece como momento decivo dese process gerado a partir da expasio das acadeias, ques desenvelveram de modo dferentes ns diver- tom pats europeus © que,» par do mecenato e do clentdismo, Comesaram por sustestar todo o processo de certifi dos autores fide gorertia da crculagoe aguivodes obras, Fizeam-no apoando- ‘Seem les que eram tante 1s do dirt positive como ae de uta ormatviiadeinspirada na adic, que paso a conti um dos modos de consagrar o principio de autonomia de campo itersrio Cocxistindo com o excitorvorado ao cult de in necenas, vrs. ‘se entao 0 aparecimento ce um nova tipo de excite, aque que fanha com a venda daa soas obras © eeabelece dese modo una 126 1 insttucionalizacio de literatura elagio com o paiblico, Sorel, em De la connaissance des bors livres (1671), admite que a stuagio daqueles que pretendem ganhar cinheiro com as obras que produzem néo obste a que alguns sejam bons teseritores, podendo a profissio de escritor ser considerada wna pro- fissio digna. Por sua ver Boileau, ro canto IV de L art poétigue (1674), satiriza violentamente aqueles que pretendem ganhar dinheiro com fs stas obras, dizendo deles que «fazem de ura arte divina um oficio de mercendria». Desde o in‘cio do século XVI até ao final do séeulo XVII (1791 ¢ a data de extingio dos privilégios em Franca), toda a regulamentagio da actividade literaria fazia parte de um sistema de concessées e privilégios que determinavam os direitos obrigagies de editores e livreiros, 0 que se revestia de particular importancia no que se refere ao impeditrento de falsificagies da obra. Este sistema, que correspondia tanto a um controlo das edigoes por parte dos poderes piblicos, quanto a tuma garantia dos direitos de propriedade das obras, abandonava no entanto os interesses dos autores, identificando-os com of dos editores, que a partir do acordo dde ediglo podiam dispor livremente das obras. ‘Como contraponto da lesistacio que defende a propriedade das obras e concorre para a autonomia da literatura, desenvolve-se igual- ‘mente no século XVII uma legislagio abundante sobre a censura que, vvinda do exterior —Igreja, taco Parlamento -, tinha como objec- tivo impedir a difusdo de ideias consideradas nocivas. Como forma de controlo directo das publicagées, a censura nao logra impedir a crescente autonomizacio do campo literario que desse modo se afit- ‘ma desde sempre como a possibilicade de um discarso incontrolivel, (ou a impossibilidade de con‘rolar todo © discurso. O escritor nao s6 joga com as leis de censura utilizando varias estratégias de dupli- cidade de modo a anular alguns dos seus efeitos, como é jogado por ‘uma capacidade trensgressiva do discurso, a de minar toda e estra- tégia. A aogio de autor retira daqui toda a cua complexidade e para- doxologia. Com efeito, como salienta Foucault em «O que é um autor?», 4 definigko deste comecou por corresponder a uma necessidade de apropriagio penale: a existéncia de um autor garantia a possibili- dade de punigéo. S¢ mais tarde, no final do século XVIII e principio do XIX, 0 autor passou a existir numa relagio com a propriedade da sua obra, tendo daf decorride para a literatura uma espécie de imperativo de transgresséo: como se ¢ autor, no momento em que foi scete no sistema de _propeledade que damina s nossa cultura, compensase seu nove statuto {evivendoo antign campo bipolar do diserso numa priticasisteritica de ‘A autonomizagio da erature 1 ‘ransgreslo, erestaurandorisco da excita & qual, por outro lado, tinham sido confers os benefcosda propriedade (Foucatt, 1969 131). O reconhecimento do direito a propriedade literéria, essencial no processo de autonomizagio do campo literirio, € inseparsvel da for- magio de um piblico, da qual dezende e de que & por sua vez a melhor garantia: a literatura concorre para a eduucagio e formacio do ‘gosto, tomando por sua vez o piblico aplo a participar em debates e fa gerar correntes de opinifio. Esse processo acelera-se com a invengio da imprensa periédica, que vem permitir uma actividade regular de informagio cultural, particulermente ro dominio Lterério. A propria nogio de piblico s6 progrssivamente adquire um sentido préximo daquele que actualmente the conhecemos. Embora le public designe «na Franga do século XVII 0s leitotes, os espectadores, os auditores fenquanto destinatérios, consumidores e criticos de arte e de litera- tura», ele era ainda apenas constiruido pela Corte e pela camada superior da burguesia (cfr. Habermas, 1962: 42). Sendo dominada ‘pelos aliteratos», 0s «novos doutos», defensores da autonomia e de uma codificacio rigorosa que a garanta, a imprensa periSdica torna-se um aliado importante nasua Ita pela supremacia em oposicao aos «dou- tos» (os «letrados»), defensores da tracigio enciclopédica humanista ‘Ainda durante 0 século XVII, um acontecimento de grande relevo do pponto de vista da autoncmizagao do campo literério é a institu do ensino da literatura pois, como diz Vial, «a inscrigdo como disci- pina de ensino é a legitimacéo social mais eficaz de uma actividade intelectual» (op. cit: 137). De facto, sendo o ensino o melhor meio de conservasio de uma meméria, ele constitui um dosaspectos decisivos ‘na manucengio da autonoria de qualquer campo cultural (ct. Bour- dieu, 1970: 117). Nos primordios do ensino da literatura, esta 6 tida essencialmente come um modo de formagio do gosto e dos valores, sendo a seleecio do ensirsivel realizada com base na maxima «agra- dar e instruir». A propria delimitacio dacuilo que deve ser ersinado constitui,no entanto,jé um esd00, quer de historia, quer de definig8o da literatura, ara além de todo 0 desenvolvimento de instituiées legitimadoras edo facto de o confronto entre «letrados» ¢ «iteratos» se ir saldando por um desprendimento da literatura em relaggo aos saberes, um tlemento novo e fundarrental consiste no que Viala designa como sestratégia do sucesso» (cr. op. cit: 217-38): embora sem desprezarem as instituigbes, certos escitores nao se suieitam a realizacio progres- siva de uma carreira que aquelas lhes oferecem, visam directamente reconhecimento de piiblico e pretendem que o sucesso junto deste 108 De instituccnal:zagio da literatura garante a qualidade que deveré ser institsconalmente reconhecida. Orque ha de fundamental neste tipo de estratégia,prosseguizo em Frange sobretudo por autores de obras de teatro como Racine e Cor- nelle, € cue 0 propésito de autonomia r8o passa agora, corraria mente ao que aconteca com vs edoutos», pela coificnc rigoroa. Pelo contrio, os defensores da estratégia de sucesso defendem a necessidade de origimidade » admitem a variabilidade dos gosto © escrtor pretende entio encontrar a aun maneir proprin aquilo «que o individualiza eda sentido a0 eu nome, embora a partir dessa Saneice ania x mecamkinde de variar 0 vciients paon GUuctar 0 {nteresse do piblico. Associa &importincia que esta nova en-dace aque, oconceito de gosto que se desenvolve durante os séculosXVIe XVI possi duas vertntes qe consitiem como umeampo de tenses a que o desenvolvimento da Hteratura nao € alheio por um lado, 0 gosto nao éindissocavel dos ideas de fermagio da sociedade, por ‘outro, ele pretende ver um modo de afirmacao, sobretudo afectivo, a subjectividade, o que implica o excesso da propria subjectividade, ‘A afirmagio da criginalidade ne campo cas letms revela-se deci siva em virios aspectos: pare alén de introduzir um proceso de superacio que, ao valoriza®o present, faz suceder os inovadores aos cldssicos, para além de dar lugar & poémica e & Querelle como factozes do processo de legitimacio, ela é um dos elementos finda- mentais da definigio de ator. Com efeito, a criginalidade pode estar na origem da nevessidade de repensar a propriedade litera, na medida em que contribu para cistingnic eta dos outros tipos de propriedade. A intensa discusto que decorreu desde o primeiro {quartel do século XVII até ao fim do mesmo veiotrazer para printiro plano a relacio entre a proprielace lterdria ea nog de proprio. Ea partir desta que a legslaho sabre os direitos de autor nao se Linita 40 direito de propriedade, mas reconhece igualmente um tipo de direitos inseparaveis do seu detentor na medida em que constiruem 0 reconhecimento do seu direto como se: nico. Tratase dos cha- ‘mados direitos morais ~ de ptteridade, respeito,arrependimento, dlivulgago (ft. Vial. op. eit. 86), os quaissincidem sobre a forma do texto, forma do conte e forma de expressio (a este titulo, ma antologia ou uma tradcio sioabrangidos po eles) mas nfo sobre as ideias» (inid.). Torna-se assim dbvio que, nfo incdindo sobre as ideias, os direitos do autores so indissocdveis da formacio ce um grupo de excitores, 0 slteraioss,e mais especificamente dacteles ‘que se dedicam as bele letras. Um dos diets princpaiso dreto a paternidade das obras, que implica acondenasio do pagiato, apenas ‘A autonomizagio da literatura 129 {az sentido a partir de uma ideia de orginalidade que, nio exciuindo ‘imitagio, supoe no entartoazelagio entre um nome préprioe una rnaneita propria como procesto de identfcagao. Kant fun dos Princpais detensores da natureza pessoal des direitos de autor, ms- Eontanco a feora soguavdo a qual estes deveriam ser consideredoe, antes de mais, como um direto de pe-sonaldade (ct. Sol 1915-253). ‘A ascociagho de nowe e maneira separa o esritor do poeta, designaciototaizant no campo das belas-etras.O poeta, cuja indivi dualidade se diluia na alirmagio ce uma inspiragdo divina, fazia usted un sistema de acorde Como qual oe eluava no terior dae felas-letres em confronto © conjugegho com 0 eredito, aquele que reunia saber elogutncia. £ esse satema que se desagrega com a constituigio de uma idemcisade do autor Pela de'esa da original- dade, sem a qual estaidentidade no existiria, 0 autor torna-se esr tor mum sentido moderno, que se 076 tanto ao sentido tradicional de poeta, como 20 de erudto, ou sibio. Fle passa a ser aquee que cscreve obras literérias e goza do prestigiosocial que a actvidade de tscrtor vai progresivamente sdquiindo, ‘As contradicbes que 0 proceso de autonomizacho do litersrio na poca Clssica deiea em aberto so éesertas por Vila, em conchso 40 seu estudo, como eonsttuindo ua «cansngracio confiseada», 20 nivel da imposigao do valor social do escritor da iteratura,« uma ‘duplicidades, ao nivel da producto textual A primeira refeese & contradiio que exist no fatode a airmacto de sonoma coincidir om diversos mecanismos que impdem submissio co poder exterior. Tratase de uma tensio aceite pelos prprios esertores, que gam com 0 estibelecimento de compromigsos de modo a obter a consa- fracdo que Ihes permite a autonomia, sobretudo erquanto indepen {éncia em relacho acs letrados» e afirmacio de originalidade. A Segunda, a duplicidade, verfcarse ro recurso ao enfemismo, ou, de tm modo geral no assinalar da instancia de enunciagio como pro- ‘sso de ciardistanciamentoe segundos sertidos Est imo aspect € tssencial, pois a distincia ente um losutr Fictcioe 0 escrito € a Caracteristi dos textos lteririos que determina a especficidade da rogio de autor: a0 mesmo tempo que os direitos de autor afirmam 0 direito de personalidede, o aulor comesa a defnir-se enquanto fun- Gfo-autor, que € como Foucault (1963) designa o principio unificador da escrita 0 qual nto se kinfficn nem com # personalidade do tscritor nem com o wa fcticio da enunciagio. Independentemente de estarem igadas a0 poder da nobreza da época, estas contradigbes que se revelara no process de consti 130 ‘Ds instituconalizasbo da literatura do campo literério vio ficar em aberto, mesmo quando se dé a mu- ddanca das instituic6es legitimadoras. Trata-se, afinal, da contredigto que reside na constituigao de um deminio que pretende respeiar um direito de afirmagao do proprio e pretende simultaneamente cue Ihe seja reconhecido valsr social. Ora, essa pretensio s6 pode basear-se fem duas hipéteses: cu a existencia do préoris tem em si valor social, e entZo a snica questio, aparentemente simples mas insoliive, seré a de determinar 0 que & que caracteriza o ser proprio de um tex:o; ou de entre o que define o ser proprio de um texto nem tudo tem valor social, e entao a primeira quest4o, insolival, crescenta-se ume outra [para a qual se poder encontiar virias respostas. A questao detisiva & sempre a de definir o que é que num texto € proprio. Qual éa lei tinica, ou do tinico, que o coratitui? A ideia de lei do tinico é abvia- ‘mente paradoxal, pots quando se classifica um fenémeno, neste caso quando se classifica ium texto como literario, a classificacio significa que hi uma lei que se aplica = um conjunto de elementos. Mas cexistem dois tipos de leis: as leis tebricas, que sio as da ciéncia, ¢ as leis praticas imperativas, que sto as da ética e do direito. Chaim Perelman estabelece, a este propésito, a seguinte distingéo: ‘A lel obra no soft excep: ela € universalrente ou necessaria- ‘mente vardadeira. Lim 96 fact contriro A ei Easta paca a invalids: neste sentido pode-se afimar que ofacto tem prima em rdagao ale, porque € le que a desqualifa. Sao factes que poem a leis 4 prova, No deminio {erica so os facios que sio normnatives (.) Palo conedro, a Tei prtiea imperstiva nao pode ser nem universalmente nem necessarizmente segulda, Onde hi necessidade nto hi obrigacio:a obrigagio, pelo conrsro, supe liberdade; mio € possivel constranger senlo o que & ire; aio se pode regulamentar sno o que ni énecessnc (..)alei que énormativs, ela que seimpoe sas facos, que jai, no da saa realidad, masdo eeu valor (1990; 62-3). Estes dois tipos de leis estio na base de procedimentos racionais idénticos: a explicagio dos fenémenos ¢ a justificacio dos actos. No primeiro caso, aquels refere-se ao que é (lei te6rica); no segundo aso, ao que deve ser (ei pratica imperativa). Entencendo-se a justica como «regra das regcas de uma sodedade», um acto € considerado justo quando esta de acordo com a regra aplicivel ao tipo de acto em ‘questdo. Trata-se aqui da nogio de justica formal. No entanto, ¢ ideal de justica nao visa azenas esse tipo de justica, mas pretende que a [prOpria regra a aplicerseja justa. Segundo Pezeiman, a concretizagio desse ideal consiste em «elimina, ne medida do possivel, 0 arhrdrio das regrase (op. cit: @), Fazé-o 6 integrar as regras num sistema em ue elas encontrem uma justificacao. No entanto, de justifiagio em | yy ‘A nutonomizagic da iteratara 11 justfcagio, € inevitavelstingit-e o arbitério de um principio em ue o sistema se funda, pois, como se disse, a existincia de qualquer tipo de necessidade anularia 0 sistema normative For outras pala- ‘tas, ndo ha justica perfeita, © © recorihecimento dessa imperteigao Inevitive: €0 que torna a justice mais justa, afastanco-a da arrogineia de se tomar pela vez de um absolut, como acontece quando se Coloca a ustiga em relacéc com um dirato natural e no com um direito pesitivo,socialmeate fandado. 'A patir da distingSo atrés estabelecda, podemos apontar na selaiv ealte © propio, entendido como aquilo que determina 0 oct proprio, original porque singular, de uma obra, e 0s direitos de autor fomo dimsites de prepriedade, o principal motivo da confusio que parece reuni-los desde o aparecimento da literatura E que os direitos de autor, enquanto direto de propriedade em relacio a uma obra Dpublicade, nao consttuem tum direto de propriedade na sua forma eral oriunda do Direito Romano, mas insituem um tipo de proprie dade especial, uma vez que o autor ado pode, por exemplo, determi- nar todor 08 usos de um liv, o que, em termos gerals, pode fazer com qualquer objecto que sejp propriedade sua. Aquilo que esté na base dos dretos de autor 63 rdacSo, socialmenteinsituida, do autor a0 ivro. E também ela que dard origam a ideia de direitos morais do autor, nao s6 0 direito chamado de paternidade, que condena © plagiato, mas o direlto ao respeito, que implica a liverdade do autor, 2 sua néo limitagio por poderes exteriors. Mas quando se pretende, por exemplo com Kant, ue o fundemento dos direitos de autor esté yo facto deo livro se: «o prolongazneno da personalidade do autor» ‘fr, tol, 1915: 299), pretence-se desse modo fundar a lei na natu- yeza do objeto sobre o qual se legisla. A justifcacio assume-se, portanto, como uma explizacio. Aquilo que é uma questio de direito Positivo, um dreito que nose funda senéo no fact de exist, isto de ser uma insltuicto socal, aparece como uma decorrénciaIogica tu cientifica de um prindpio a que 03 factos se cevem conformar. Tomados na perspectiva de um direito da personalidade>, os direitos de aufor assentam no pressaposto de que a emancipagio do individuo, que o separa das ccunstincias imediatas, dé Iugara uma verdade original, a da afrmacao de si, a qual se manifesta através das decsbes e desejos de que & senor absoluto. Tratase, en‘do, de tum tipo de direitos que fem. um fundamento natural, o qual € 0 proprio fundamento do humanisme abstracto~ 0 poder de decisto e 2 vontade do sujeito. Ao mesmo tempo que o ator € reconhecido pela maneira particular do seu discarso, isto é pelo seu estilo, lhe 132 a-istitucionalizagio da Hteratura reconhecida igualmente uma ratureta huriana, que garante no 86 a autonomia dos seus “uizos face aos preconceitos da tradigic, mas também o valor universal desis juizos. E desse medo que a voz do autor (0 seu discurse, prolonganento da sua perscnalidade) ¢ lege tima. Por outras palavras, aqulo que legitima qualquer discurso & 0 facto de ele incluir o jzo e nao ser epenas ur jogo de smagens. "Em De la littérature (1800), Madame de Stal fala da necessidade de distinguir aquilo que na literatura pertence apenas & imaginacio, daquilo que nela pertence ao pensamento. Uma tal distingio é funda- ‘mental do punto de vista de nogiv de prcfectibildae: 0 progress no dominio da primeira ¢limitado, enquarto que, ne que diz respeito t20 segundo, a possiblidade de progredir cortinua infinitamente em aberto. A partir dessa perspectiva, aguilo que caracteriza a poesa dos “Moderos face & dos Antigos €0 facto de ela nfo se limitar as imagens (escrigao de objectosexteriores) nas de as ccnciliar com a expressa0 de sentimentos, incluindo deste modo a «eloguéncia das paixses» e cumprindo assim aquilo que Madame de Staél designa como «o primero passo para 3filosofia» (op. cit: $1), 0 qual correspond 30 facto de 2 curiosidade, caracteristica central da modernidade, ser ‘cima de tudo uma curiosidade em relagioao homem eo seu poder, ‘eos limits so também os limites do mundo: A ilosofiaestende-se a todas a artes deiraginact, tl como «todas as obras de racocno, eo homem, neste cul, no tem curcndade Sento plas printer do homem. No exterior, tudo ex sto, todo ent [pleads o ser moral seus movimenis interes, 0 drleo que permanece bind um objecto de urpresa 0 dmico que pede causa uma impressio forte (Madame de Sad, op. ct: 350, A hegemonia da filosofia em relagdo acs outros dominios, tal como Madame de Stal a apresenta, implica acima de tudo # afir ragio de um poder de separacia face as insvituigées naturalizantes da tradicio, bem comoa recusa das formas de legitimagio normativas ue Ihe io inerentes. Desse modo, porém, a cutonomia da literatura 4 limitada pela nica instincialegitimador, @juiz0, cujas condigdes ‘fo reguladas pela flosofia. Por isso, Madame de Staél repete a adverténcia platnica contra os perigos da poesia, que «se desicou ‘com mais frequéncia a louvar do que a censtrar 0 poder despttico>, ppodendo, através da frag que proporciora, contribuir para wfozmar ‘Sujetos tal como os iranos o dejan (op. sit: 80). Face as isos do ppoder da poesia, impoe-se que a literatura moderna se submeta «8 filosofia independente que julga no tribunal do pensamento todas as insttuigdes todas as opinides humanas» (op. cit: 8D. i -F | Aautonomizacio da literatura 133 ‘Ao mesmo tempo que a filosofa concede @ literatura o disito de inventar historias e Hbulas originals e ao autor o direito a um estilo ‘Prpriow,impde-he o dever de nao ir aim do acetével e portanto, necessarsmente, do recoahedvel, isto €, proibe-s de inventar a no ser que a literatura sja ela propria uma spropricdade da flsofian icf Nancy, 1976: 98) Este double ind ¢ inorente&intituciona zagho da iteratira, que desde o sex inicio no século XT, e sobretudo a partir do século XVII, a apresenta como indissoctivel tanto de um fazer que afirma as potencalslades de acaso e joga com a incerteza, como da formagio de uma wefera publics, designagto que Haber: ‘has atribul a cesfern das pessoas privadas reumudas em publico» 11962: 138, Esta constitute como oposigao ao poder através do #50 prblico do racocinion (ii), tendo como suporee do set: desenvolvk Trento sobretudo as assocacies igndas # literatura, 4 flosofiae 8s artes. Tals assocagbesconcorrem para a forragio do grande pubico, {nfidade dotada de caracteristicas criginsiscorrespondentes 30 pro: sso de desscrlizagio das obras que entram no circito do mercado. Si sobcetudo os saldes © or cafes que apresentam caractritcas fssencnis ao desenvolviriento deste process, como sejam: a subs- fituigio dos rituis herrquicos pelo recenhecimerto de um dirito dlemocratico 8 discuss; a possiblidade de discutic aquilo que ante- siormenterelevava da pura atoridade; 0 nio-fechamento dos grupos de discuss sobre siprpri ou sea, a aberara d= qualquer srculo | Sua paricipagio num crculo mais vast, odo grande publico. Em nome deste que surgen novas profisdes, como critica da arte e 8 Sra terra: ‘Arnovaprofnio, gue aparece 26 mmo tempo que et Pic rece nit da ep ome de todas aren” xe sbrossume tis ets propriamente alice sla ae mesmo ego orepretentante do povoe 0 bau prdagogo, Os drbiros dw ares polo ner enendon SEES pont cent de sua contoversi com of ste ~ com pore “rove do public prose no eeonhedam menhura ator pe “em dado arguments e sense cidiros de todo aces eres {rguenton pam convenes (Habermas, 194252 A ideia de uma esfera piblica como forga mediadora da politica ‘eda moral é a partir de Kant, «direstamente assocada a hipérese de uum fundamento natural de ordem legab» (Habermas, op. cit: 126).No fentanto, essa ideia seré, na sequéncia de Hegel, denunciada como ideologia, Para este, » acerdo publico, que designa por «opinito pa- Dlica», corresponde a uma generalidade empirica, nao sendo senio a aparéncia do saber» (cz. Habermas, fd). Durante o século XVII, embora sal 134 Da istitucionalizagéo da iteratura os periédicos tenham passado a dar um lugar relevante s artes e 3 literatura, a critica literéria era ainda quase inteiramente englobada na critica cultural. Exigia-se 20 erftico que possulsse conhecimentos repartidos pelos diversos campos slo saber, de modo a fazer aceitar 6 seus jufees de valor, contsibuindo assim para a formagio do paiblico, Este € 0 objective dos periédicos maés importantes que, tal tomo em Inglaterra 0 Tatler e 0 Spectator, «t2ma consciéncia de estar ‘educar um piiblico socialmente heterogéneo, levando-o a assimilar formas de razo, goste e moralidace universais» (Eagleton, 1984: 16). Tanto em Inglaterra como em Franca ou na Alemania, a concepcio naturalista da literatura ~ que domina 0 periodo neoclissico, em que © aparecimento da critica lterdria se associa a nomes fundamentais ‘como 0s de Dr. Johnson, Diderot e Lessing ~ implica que ela seja ‘omada como «parte da politica, no sentido lato do termom (Weilek, 1955: 23). Esse ¢, porém, 0 aspecto em que a literatura se dissolve na iilosofia, aquele em que ela respende na actualidade, pela actuali- dade, nio aquele que Ihe confere um luger de excepglo ¢ que Ihe permite ultrapassar o seu tempo sem dar quaisquer garantias, livre has suas ficgdes, sem se submeter Bs exigencias imediatas do célculo. ‘Analisando os processos e fung6es dos diversos grupos que for- mavam a chamada Repiiblica das Letras, a partir dos quais se propa- tava a livre discussao de ideias. Koselleck caracteriza essa actividade Fomo sendo a de uma shipoerisia erica», que consiste na pretensio de ser mediadora da politica, colocande-se num papel de juiz absolutamente exterior a ela, ou seja, denunc:ando, sem no ensanto construir hipéteses mais adequadas as resoiuces dos problemas 0s fitisofos das Luzes desmascaram, reluzem, nfo notam que desse modo o conteido do desmascarado se distlve: Para 0 filésofo hiptcrita dias Luss, o poder ésempre atvao de poder (.) Para o ilécofo das Lazes, { dbvio que umn bom monarcs ea pict que wm mau monarca, porque ele lmpedia 2 criatura humidhada de descobrir « inconveniincia do principio slbolutsta (ct. n Descombes, 983: 45). © que aqui nos irteressa nio & tanto o exagero da afirmagio de Koselleck a0 tipificar a atitude dos filbsofos da Luzes, quanto 0 facto de ela colocar a relagio da critica ao poder como sendo necessari ‘mente tum proceso de negacie. Podemos dizer que essa é uma con- sequéncia da ideia de sesfera publica», em que as discussdes filos6- ficas e estéticas se conjugam, como mediadoras da especulacio poli- tica, dissolvendo a auronomia do literério em relagio ao politico e colocando este na dependéncia de solugdes orientadis para a uriver- salidade. Torna-se entio importante questionar essa relacio entre as ‘A autonomizagio da literatura 135 sieias esttica»« o pensamento poltico pois, tendo um fundamento Taturalista ~a comuicabildade © ela tende a negara possbilidade de qualquer discurso que néo sja de netureza imediatamente tic © Folltca {nesta wliberdade» corsstria defacto, a aatonomia da lite ‘tura) Alem disso, desvie essa posabilidade para o terreno de uma Aiscussio da erica de preconcsitos ede justeza em terms uiversais, {que nao tem em conta a Faricipacso nas instuiges existentes © {dos os constrangimentos e potencialidadss elas cecorrentes, ‘Aiden de uma esfera publica como mediadora do politico cor- reoponde de certo medo 3 ida de que tudo 6 peiicor, « condus necessariamente a uma uriformizagzo dos jogos de lingdagem pela supremacin de um dele, oda flbsofin dentifcadn coma capacidade de titi joins baseados em argumentagdes ce eardeter universal. Num Sentido dirente, a universalidade, en sinlonia com a ideia geal de Tatureza aniversal, defendida desde o period neoclssico, nomes- damente por Goethe,» continsada pelo romantisme de Tena, ispica também um afastamento da legitimagio rormativa da tradiio, De facto, enquanto «revolugi esttica>, a soncepaio romantica de uma poesia universal corrsponde amb ela &afrmacto da iteratura Ce {a arte) como relagio com a verdade, embora sem a subordinar @ qualquer processo de argumentagSo, A aproximagio do literatura e verdade (ou de ate e verdade) € entio, desde o «nascimento» da literatur, a condigso que a separa da tradigéo eque a remete pave novas formasde legitimacio em fancho das props leis que nstaurae desta incessantemente. E por i0 cque bcondigiorelativa das inttuigeessocnis que regulam o campo Therdrio a literatura opde uma resistin afrmativa, de fazer le, se ro enterdermos a fi como uma norma, mas como a norma das rormas, aexigencia de julgamento, que revelaa fala de todo ofuiz0, G facto de nenhum caso se substi interamente na norma. Assim @ literatura aparece como 0 dominio éa acividade humana em que @ rcionalidide moderna exbe uma dipia contradicio: a que poe em rise a oposigio radical da razao e do seu outro, a que revela © confltoertre norma e caso como confit espectfcoda le. ‘As contradigbes que encontramos em aberto no movimerto de fundagio da insitwigio itera corroboram a ideia de precaricade @ aque Derrida a associa, a0 considerat 0 seu aparecimento na depen- ‘encia directa de duas ordens de factoresfactoresjridcos,rlaco- ‘nados com a identdade do aviore da obra, ber como com os corre Iutvos dirtos de ater factores de arquivo, ue peritem a formacio dde uma sespécie de memérin objctiva, para alem de qualquer 136 Da institucinalizasio da iteratu suporte oral» (Derrida, 19840 376). com base nesses dois tos de factores que Derrida pode falar de um wapareeimento “sincrone”, de uma ce-perienea do principio de zazio e do projecto de lteratara no sentido estrito, aquele que nde podemos considerar anterior aoe u- los XVIl eXVIN> (op cit: 378). 'Na determinacio da idensidade cultural de um povo, através da constituigio de um arquivo, de uma meméria sélida, a literatura parte jé necesariamente da defesa da universalidade, na media em que esta consttui um: devir, um movimento ce toalizaglo: nao existe ‘meméria em 6, mao a actualizagho ou Festalizacio da ment, ox s¢ja,aquilo que torna a meméria possivel é um progresso no sentido do universal. A consttuigéo de uma meméria cultural seria asim, 20 ‘mesmo tempo, a pera de toda a meméra enquanto relacio com a singularidade de um caqui e agora» constititivo da hstoricidade e de todas as diferengas epocais e geograficas, a menos que a universa- Hidade sejt ela propria atravesseda pela sua perda, interrompida, posta em crise. Mas também a possibilidade de tal interrupgio pertencealitera- fura, ao cue a modernidade designou como tal, compensando a” subordina;do aos dados da experiéncia ccm a consirugio de fccoes ‘em que o pensamenta vai além dos limites impostos& actividade de conhecer, desenrolanzo-se num livre jogo em que ¢efeto do singu= lar se afirma, O duplo imperativo de universelidadee singulardade, que caracterza a literatura, faz dela o lugar onde a razSo se exibe como tise: a religko com o presente, visada pelo principio de razdo.como objectivacio, 6 desmentida na literarura, que diz a auséncia de pre- sente,€ por conseguinte a inexsténcla de uma meméria como preset vvacio de singularidades, essas nunca resoliveis ou integravels num processo de acumulagio ou arquivo, ‘Com a literatura ea sua vinculacio & censtrugio de um arquivo, a conscincia da precaridade da memiria fez do problema da ident dade um problema central. Nao 6 porque a possibilidade da meméria, a sua conservagio material, se associa decisivamente &finitide, mas sobretudo porque toda a insrigio fica sujta a tornarsewletr ta» seni for continuamente relangada, isto 6, integrada numa iigica aque € a da identidade ou da histria enquanto tal. Como «verdader da literatura aquilo que. caracteriza, a «verdades que ela taz),.cons- cifneia da precaridade da meméria desloca pars primedro plano a ques- Bo da escrita (ou da sigificacio) a da violencia em que ela oe orizna € {Que a coloca para sempre em rsco de deseparecimento; a de ea ser condigio do acontecimento que expoe o texto a um destino errante. aS iy ‘A aulonomizagio da literatura 137 © texto separa-se de seu autor pare adquirir ele prépro uma singularidade absoluta, jamais aproprivel. Continuamos hoje a ler textos ~ filos6ficos, postiecs, literéros e outros - do passado, néo $6 porque eles se constituem como ap=lo que suscita a nossa responsa- bilidade, no sentido de recessidade de uma resposta, mas também porque 0 segredo absoluto da sua singularidade é algo que di a pensar. Mas se isso acontece em relacZo « muitos textos do passado, alguns, como os da flosofia, joram construidos a partir da utopia da transparéncia, que ¢ a da perda de singularidade, enquanto outros correspondertm a inttituisho de um jogo em que ae pretende afiemar 1 paixao do singular para além de qualquer constrangimento. Nesse abandono da cognicio pura e simples, o que nio quer dizer na sua recusa, consiste a fundacio da literatura, uma prética da escrita que rio se subordina & identificagio do singular com o particular, mas onde o desejo de o salvar ou inventar traz consige a necessidade de passar além do desejivel e do indesejével. 2. Historia, meméria, justificacao Inrupso da conscincla Matric. - narrativa histérca ea feng da litertara ~ A sobre-tebunalizagao da existénda, Considerar simultaneidade da sfrmagao do principio de raz8o da literate implice associ esta, em termes epoais, 8 earners” tic definicora da mosemiade, que Hege’ determinon como sendo 2 da sua autocerifcado, A corscenca historia, que no século XVI dex haga elimitacto a dade Moderna, com ino no scale XV, 8 ullkzario da dengracao cTempoo Modanocs ea veferacia & sea epoca inseparavel do aparecinento Se uma Iden de Hisra, Esta pode, como cm Vico e, pstesormente em Feel, fazer parte de ta Sloofia da Histria que situa s compreensio do presene no horizonte de uma evaugto ttlizarte, om como em Kant, da pri tuazia a uma interrogarto da atalicade Segundo Foucault a ques tao do presente aparece pela primeira ver ro texto de Kant intitiado sit Auflerang?, Esa interrogaqio da actoaldadle no visa apenas o que acontece hoe, agora, mas também o que € ease wagon», tctualidade de que faremos pete. Do que se trata a0 & da ragio tom a tudo ou coma mtanidade em ger nas com un nee gue constta a actalsade. A questa da modernidade, que na pis tEme classca era ada comparaio ere Antigoe e Modernos, exzonr tra em Kant tana noe formilagio, cama nova cuaneira de por 8 questo da modemidade jt no mma telagt longi 208 Ang, tar no que te podera chamarurvarelagio agit” cua propria actualidade» (Foucault, 1984: 35-39). E partindo da necessidace de prosseguir questio do presente que Foucault encantra 20 laco da tradigto aque chamarfamos epstemalgcsontra tradigho exten do ‘oder, tnbémn ela fundada poe Kana qual oe iteroga etre oo came acted expense can up a na nor logia do presenter, confologa de mis propos, contologia da acta eae Pape pei ge a De acordo com est eta, a vnsulago da Histiria a0 acon smento seria em Kant un pensamentodaliberdade eda possibiizade Fistoxia, meméra, justilcagso 139 de experimentagio que a partir del caracterza 0 agit, 0 qual, por tonseguine, nem esaria eubordinado a uma oréem natura, nem Shedover a um progress inlutivel da ciizagio. Da que o pensa- tnento Kantano da Historia se posa situ em reagio a esttica, © ge dara lugar na obra de autores posteiores, até & actualicade, a ‘eflexdes historcas e polities que preendem fundamentarse na Srimeiza parte da Cen da Faculdade de lulgr, a «Critica da Facu- Aide de -lgar estetear, Pare além de possuir em si mesmo impli agdes politica, o uz estticy, que supdea partida a universalidade, Sab sol pusea reall ta empirictuente,senlo assim tim con‘sbuto para a fomagio do sense comm, como se torna 0 modelo a seguit fa formogio politica, E de uma tl Hgacio da politica a estetia, onsagada por Kant nas sas declaragdes sobre o enfusiastro com gue os Alemies partciparam, enquanto espectadores, da Revolicio Francesa, que desiv, para alguns autores, a possibilidade de uma "politica dos intelectaaisy (fr. Desconbes, 1989: 40). De acordo com feta, flosofia €literarara, em conjunto, si investidas de um prvilé gio de relacio com a acteaidade, © que constitu utr forma de as Eblocar ra dependéncia de uma necessidade. Rastra-se desse modo 2 ficionalidade da iterators, aquilo que nela afirma a ndo-oinc déncia etre o acontecimento ea sua naratva. Este rasura est afinal fa base de qualquer narrativa que, esquecendo ¢ sua condicio de Fg, se pretonde hisGrea into € integravel na grande narrativa aque 6 Fistria Segundo Hans Rober Jass, a consciénca histrica~ como cons- citneie da prtenca a uma époea expec considerada em relagio com Sutras épocas que deveri compreender naquilo que as distingue ~ pode sitar-se ha sequencia da Querelle des Ancions et des Moder- Fes contfovérsa que no final do século XVI deu lugar a uma viséo ‘ova das relagbes entre os Amigos eos Moderns, cuj oposiio Jas “ncontra como manifestaio ciclica na ciilizagio ocidental desde o sécalo V Gauss, 1974). O essencial cessa sova visto, que se pretende Iberia de preconcetos, caste no reconbecimento de diferena, que correspoaciem a carecteristics propria da beleza na Antiguidade, a Gqual no pode ser irteiramente comparivel 3 beleza no séewo XVM, if gue esta possui caractriticas inerestes & sun pertenca a uma Epoca censtifuida por outros modos e costumes. A Querelle, que “odifcnu a percepsio da Fistoria ac mostrar que ela exluia repe- tigho» (op. cit. 178), eparece assim como modelo expicito da exbicto {Se uma consciencia da epocn, 0 que a coloca como acontedimento ignifcativo de una nova etapa da Idace Modems, o por s guia peas sluzes da tasio» ‘Também Gadamer considera ques Querelle se resolveu no «sen tido da consciénia histrica», sendo assim a wiltima forma de un debate a-histrico entre a tradigto ea época ea modernidade> 1971 73). No entanto, 0 optimism iuminista na faz do século XVII um século homogéneo. A afirmasio Gas diferengas epoca entra em cho- que com 2 pretensdo de supremaca e universaidade da rasio. O Aparecimento de uma conscieneia da época€ seguid ela conse2nca da ciato entre o ndividuo eo vocal entaea talateaa co Hotads ‘A necesidade de conciir subjectividade euniversalismo toma -se verdadeiramente problemética quando, com o abandono de ideia de subordinacéo ao pode divin como litador do saber edo desje do homem, estes passam a ser Teleridos & sua finitude. Urra tal mudanca pode ser lecalizada aaquela que Koselleck designou como Satelzt, uma época chareitsstuada enire meacos do écule XVI do séil Xb, cu fuleo fot constituido pela Revolugio Francesa Esta Satelit, assinalada nomeadamente peo facto de determiradas palavras adquirirem novas sigificngdes, como € 0 caso da pulavza Iteratua, corresponden, segundo Koselleck (1979), a uma muéanca decisva, a partir da qual a ralizacio da hiséria decorre sno no tempo, mas em fungas do tempor (in Jauss, 198344), Poderemos dizer que 0 ponto de vista da fiitude introduz coasigo tante una ‘ideia de progressividade e um ideal de progresso (cfr. Blumenberg, 1976: 27-36, quanto ma necesscade de conceber a autonomia do sensivel ede dar especial relevo a compreensao da natureza humana, assim que, quase a0 mesmo tempo. por volta de 175, surgem quer a estética, quer a antropologia, quer a floscfia da historia ‘A modernidade como exigincia de autocerifcasio, ou, por extras palavras, 0 problema da legiimacaa na Kade Moderna inica-s, Portanto,em sincronia com o reconhecimento da arte como dominio Aut6nomo e com a constitigho das literataras nacionas. Dal que © problema da lgitimidade sia abviamente também oda legitimdade da arte e da literatura, o qual esta subjacente & fundagio da estética e da tori iterdria, Jaus (1974), que dentificara 0 inicio da mademidade com a data do aparecimento do substantvo la moderitér, 1848, ou «Die Mo- dern>, 1887, recifica asua posgio a partir ds teses Ce Horkheimer ¢ ‘Adomo,concluindo: xe preciso entaoineluavlmente debar de pro- curar no meio do século XIX o iar partr do quala nossa motier- nidade se deve comproender ela propria, mas tear stué-lo no meio Histria, meméra,jusificaco ua do século XVI» (opt: 45), O nove limiarstua-oagora nos Discours de Rousieaw, que em 175) ¢ 1754 releriam ja situacto de diviato aque seré object principal de reflexd para Adorno em Minima Morale (0951): a duplieidads a cultura, o seu rosto de Jenus, a consigneia dia cisfoe do conflilo ene o individual eo socal aparece pois em pleno Sésulo das Luzes, Uma tal conscienia€indissoidvel da neces- Sidade de justifacéo a que o ilurinismo constringe o homem a0 fazé-lo sujito da sua historia e covoca a quests da leitimidade, a qual, segundo Rousseaw, no Conta oval no € apenas uma questo de logalads, mas vim a da propria posibldade de existéncia de leis legtimas: «Quero saber se na orem civil pode haver alguna regra de administrasto Iegitma e segurs, tomando os homens tis como 0 € as leis ta como podem ser». Segundo Jauss, a necessdade de jusiicagio we o seu coroléio ~ a sobre‘ribunalizagio do mundo da vida ~ devia, ali, ser ates tada, da maneiea mais impresionante possivel através da sindroma de perseguicio que habita as Confsdes que Rosssea redigiréno fim da Vida» (oy. cit: 45) A iein de uma sobre ribunalizagio do mundo 4a vida ¢apresentada por Odo Marguard como base da sua tori da ‘compensacio, De acordo com esta, aparecimento simultaneo, por volta de 1750, da filosfie da Histéra, da antropologia e da etic, ‘slo tentativas de compensara sobre-trbunalizagio por uma "evasio na intocabilidade’» Marqeard, 1961: 1019. Integrand ja teodicia leibniziana, foi contudo a parti da crise desta que o uso do conceto de compensagio se ornoa mais importante, registando-seeniio um rmovimerto constants de bua de squilfris. Havin na época uma sforma fraca da idea de compensagio», a do ecuilforio de ceras infelicidades pela feliidace de outres cealzacBes, ema «forma forte da ideia de compensagiow, ade que €0 mal que permite o aparec mento do bem, é a «idein do boram-permalunin, ou, como se diz walgarmente, «hd meles que vém por bem. Sio muitos os exemplos que Marquard encontra dessa lopca do bom po mau, os quais interpreta como fazendo parte da afimmacio de im optimisme indi- recto, ponterior a 1755, data do terramcto de Lisboa que abala o ‘optimise ca teodiceiaIebniciana, a qual se scede im pensemento 4a responsabilidade do homem fendada na filosfia da Historia {nquanto criador, o homen fica também sujeito a jalgamento torna- “se wacusidore juz obrigndo a justficarae, a legitimarseabolutamenter opel: 126), 5 a cata obrigatoriedade que Marquard chama exactamente «#o- bretribunalizagio da realiade exstensial humana. Como sua com- 2 De institucionalizagio da iteratura pensasio, o século XVIII deseavelveu algumas formas principais de ‘cevasio na intocabildade», de entre as quais, a par de certos temas rromantices e pré-rominticos, se desiaca a esteticizacao da arte, e com cla a crigéo de um dominio ande o jutzo € suspenso. O conce:to de ‘gosto ¢ elucidativo dessa suspenséo consignada na maxima «Gostos Ino se discutem», que garante ao mesmo tempo o reconhecimento da excepcionalidade e da exemplaridade do génio, que goza do privi- légio de nio ter de se justificar. A valorizacao da estética encontra-se associada a de elementos até ai consideradcs inferiores e de elgum modo identificados com o mal ~ «a emoglo, a metifora, 0 mito, 0 exotico, oselvagem, a crianca, a mulher, « terceiro e o quarto estado, (08 grupos marginais: (Marquaré, 1987: 195)~ e carresponde « uma reavaliagio do problema do mal moral. ‘A hipétese de Marquard, que coloca como solidarias a sobre- -tribunalizagio da existencia ¢ uma espécie d2 consagracio de esferas {que escapam a esse regime geral, para além de poder ser um contri buto parao pensamento que vise inlerrogar a funcio social da arte na época do aparecimento da estética, € importante pelo relevo que confere a duplicidade no quadro que nos traga do século XVII. Os jogos de equilibrio sia significativos da necessidade de considerar a0 ‘mesmo tempo algo z 0 seu contratio, o que, em termos da «desco- berta» do principio ce razao, significa tarbém a «descobertan do seu ‘outro, o mito, Mas eles no so menos significativos de uma sibuagao fem que 0 conflito se impée como dimensio inultrepassével da exis- téncia, a qual esta vinculada a um jogo de oposigbes e a partir ele se determina ‘A obra de Rousseau é exemplar desse ponto de vista pois, como diz Starobinski, ele nao imputa a origem co mal nem a Deus nem 20s homens, mas sim ao devir do homem aa Historia (cfr. 1971: 33). ‘Torna-se, portanto, esencial para Rousseau situar aresponsablidade do homem na conflséncia de méltiplas cortradicbes: a que ape a natureza b cultura, cindividuo a sociedade, a aparéncia & esséncia, 0 animal ao humano, Dai que 0 objecio do seu julgamento seja z socie- dade e que o seu pensamento seja antropoltgico e politico, mas que ‘coloque como questio fundamen‘al a prépria oposicio enquan‘e opo- siglo, isto é,a sua origem, a linguagem. 3. O paradoxo de autor Rousseau: 1 suplementaridade aliteratura.- Diderot: a mines geral;razio © deseazao, A idela, defendida por Jauss, como vimos atrés, de que Rousseau pode ser tomado como uma espécie de sintoma da crise situada no século XVII francés partilhada por outros persadores, entre os quais Derrida e Paul de Man, que fazem da leitura de Rousseau um onto de partida para o desenvolvimento de um pensamento sobre a escrita ov a teoria da retér-ca, respectivamente. Aquilo que para al- guns leitores constitui a principal fonte de equivecos da leitara de Rousseats ~ 0 facto de os seus escritos serem néo s6 de reflexdo sobre a sociedade e a politica, mas também ficcionais -, por induzir os tstudiosos a separar a sua abordagem numa perspactiva de Historia da cultun, de teoria politica, ou numa perspectiva literdria, é um dos ‘lementos principaisda manifestagio ce uma irreconciliabilidade do discurso consigo mesmo, ou seja, de ur pensamento que pensa mais do que aquilo que pode pensar, excesso que vem necessariamente perturbar a vontade de transparénda inezente ao Século das Luzes. Para Dertida, a crise que se abre ne século XVIII revela-se na inten- sidade ccm que Rousseau se aplica na defesa de fonologismo ou Jogocentrsmo e na conderagio da escrita. Hlas correspondem airrup- «10 de um problema da escrita, 0 qual ¢ posto em evidéncia por uma Jeitura dos textos de Rousseau, Desmontando as afirmagoes ou teses sobre a violéncia da escrita, Derrida expe ¢ interroga aquilo que nelas é ccntradicao impensada, ou, melhor, descrita mas no decla- zada, e que deixa latente unna ‘eoria da escrita ‘Um dos conceitos-chave do século XVIL, com o qual Rousseau confronta insistentemente, #0 de perfectibiidade. A ideia de progresso ¢ de desenvolvimento das faculdades humanas es'é associada 8 do desenvolvimento da filosofia e ao seu projecto de uma linguagem universal. Este, que em Leibniz: se assume como proposta de uma grande ciéncian,a que chama Caraceristice,¢ impoitante no processo 4e aperfeicoamento daquela, a0 permits, nomeadamente, a equi- 44 Da insttucionalizagio da literatura valencia entre raciocnio e culo. A caractesSstica universal é apre- sentada como uma excita que 6 matrix absoluta, englobando a pala ‘vra, a musica, a aritmética, 0 raciocinio e o seu regsto. Trata-se de ‘uma escrita ndo-fonética que seria construida segundo o modelo da escrta chinesa, 0 que tetera 0 «preconceito cainés, como The chama Derrida (19674: 12), eomum aes varios projectos de escrita tniversal desenvolvidos na época. A releréncia a tal modelo néo consti, no entanto, nenhuma quebra do e:necentrismo, A escrita universal devers ter qualidades de economia dos signos que tarnem fila sua ‘aprendizagem e garantom a am eficicie, no que ultrapassaré comple- tamente a escrita chinesa. Esta apenas serve de termo de comparagio, de onde Leibniz pretende relirar «o seu arbitrério © a sua inde. pendéncia em relacic a Histéra» (Derrida, op. cit: 118) (© progcto de Lebniz possui um fundamento teoldgico que nao ppde em causa a determinagio do ser como presenca, embora a defesa cde uma escita ndo fenética parega ic contra & tradigio que, tal como Platéo no Fedro, condena a escrita, por ela, enquanto substitu'o da viva-voz, pér em perda a relagio imediata desta com a preseaca. E em nome desta tradigo, em que o fonologismo e o logocentrismo consituem a metafsica enquarto determinacio do ser como presence, {que Rousseau se ope & Caracierstca. A sua vposicéo desenvolve-se fem teoria da escrita, a qual aparece como necessicade intrinseca a qualquer pensamento antropoligico ou politico. Ena afimacio desta cumplicidade entre a reflexio sobre a eserta e qualquer dominio do pensamento que a obra de Rousseau aparece como momento exer- plar de tum problema da eserita numa época em que oaparecimento da sua historia introduzia a interr>gacio sobre asa origem e diferencas. As afiemagées de Roussea em selacio & escrta sao radicais: ela € a origem da desigualdade que comeca na dstingSo entre o repzasen- tado eo representante entre o Povo e os seus Repretentantes, entre a ei, proclamada pelo Povo em sssembleia, eo decreto escrito”. A ideia de Representantes, que considera como ideia moderna por excelfncia, corresponde assim & mediagSo da escrta enquanto substituto da vor, que Rousseau recusa, como recusa toda a mediagio. No entanto, as razées que Rousseau apresenva da sua condenagio da escrita sio obliteradas pela reabiitagio a que procede nas Confisées ao jussficar 0 terse tomado escricor pela possiblidade gre a etcrita The oferece de recuperar 0 nio-realizado desi. No fundamental essa obliteragSo resulta, segundo Dercida, de uma logica da suplementaridade, ela propria pensada no texto de Rousseau a partir da recorrénda do tema do suplemento, que faz coexistir dois sentidos diferentes deste 0 paradoxodo autor 5 conceito. Por tim lado, © suplementa é algo que se adiciora, que acrescenia plenitude por outo, ele spre, subtit-se, nfo & pleni- tde de una preseng, mus sin a umn vaso, Em qualquer dos esos, o suplemento ¢ exteroraquiloa que se acrescentow ou que se destina 2 suprir. Ora, sendo a linguagem um sistema de signos que se subs- studs cosas, e sendo a societade fandada pela inguager, a lopica am que s=baseia €ado supement: a faha da natureza suprida e revelada pela imager cla natureza, a qualé j cultura, histéria.O que 2 logica do suplemento ps em questi é a identidade, tornando-se dente modo inbustentave, para o principio de rardo © afrmando-se como uma operasio que cesfaz tedo 0 sistema de oposigdes que tstrutura os textos de Rousseau, assim que Derrida encontra nesse Sistema duas séres~ «1. animalidade, neessidade,intereste, gosto, Sensbilicade, entendimento, razSo, etc; 2. humanidade, pabxdo, ‘maginacio, palavrsliberdade,perlectibiidade, et» ~ que nio fun. cionam apenas em termos de oposisio, mas tambem do seu apaga- snento, visto arelacionarer-se sempre uma com a outra, segundo 8 \Ggica dasuplementardade> lop. cit: 260) ‘A suslementaridade € assim colocada na origem da sociedade ou de toda a ordem humera, tal como o éa palavia,considerada no Ensaio sole a Origer: das Linguas a primeira insituigdo socal». A palavra, orouda no devirtinguagem do grto, 60 persdignn de toda logica do suplemento, Fla nasce do paixio (e da imaginacio como tniso mado de exctar as paises) em oposicio &necessdade, ‘ natureza, No entanto, nem uma nem outraconsttuem uma essen. Gia, 0 que as determina ¢ 0 jogo de presenga e anséncia pelo qual aqiela,acrescentando-e a esta como suplemento substitu, e esta se afirma ao impulsionar& susiementaridade que « desi Na ar calagio ca linguagem, a convencio substitu-se 20 acento vocal, Segundo um processe que subsitut a razio ao sentimento. A medida qe este vai desaparecendo, a linguagem toma-ie mais exacts, 0 ‘heamo sucedenda na escita, que se vai eperfeigosndo progresiva- mente. Ete progreso é re entanto, visto como tina regressi0, Por que ele €um progresso natural, isto &, ¢ determinado pela natureza Sonaturl,o que eca inferior eantescr A linguagen, age na lingua gem “apres coup” operando na sequencia da origem © provocando @ decadéncia ou a regression (op. cit: 382), 'No Ensaio, a poesia € consideraca como fala original, anterior #0 raciocinio ea regressi, portato. Essa fala constitu uma linguagem figurada como linguagem primers. A parr dela, oaperfeigoamento da Tnguagem e o aperfegoaento da escrita coincidem com o apaga- 46 Dainstitucioralizagio da IReratura mento da figura, Mas de uma figura que ¢ arteror ao seu uso ze6- co. Ne explcag que visa demondtar a anterioridade da palavea Fgurada em relagho h palavraprdpra,aquca & apreseriade smo esulado de um lachio da pando qu ser congo posterior. trent, no decurvo da experi, dando Inga ao woSibuls props, ‘A passagem em que Rouseau desenvalve¢ ron exlicago’s parts doveampls do aparediento da decignsto hone €a seguint ‘Un hanen singer, to ensnter gure tree nieve merino © tn tee ered ter cot Somes mao ts eee ae ee eee eae thats pend ct wince gen aosendoest meet ae ‘Somn inkee ms mab oom gee 4m cates es to Sas Tlc gue ta amecrend gad pelere cpa npr porns xt nome cman igus eh cone or Sepia none ot Tone nr ee bj on ais Ss coo paar guna use nts da props quando a aco 10s iacu 0 on oa ima Lida ate ne Sereno Et de Verda et in Deas ae 5 ata alae igus, expe em seu no 2 mete em setidoretdrico a qual surge apenas Guendo @ lad sport do conhecinento do evo ini er pertant, da dscephncia eMe 9. figura e o proprio. la € sempre posterior a este sendo 6 sno metafrico ndreto en telage ao aecto ical signo de sgro, Bo exprime a emoglo senfo aban de um otto iggy atavls do Tepresentane do terror iat 0 signofulso Ere nlo representa pro. pramenteoafecto vendo representando um fas representantes Op {is 392). Como concat Dery, embora Rousseau na relagho qu tsabelece etre o proprio eo figurado, aerente tomar ese on Jrimiro,oque ele laze osiiears prams do propo: ne princpo. {a expressto propria da painto, no fim devers surgir um sertide PMOprio como verdade. “Analisando as diversas formas de eer, Roussen conc pela sua independ er wlagio&plavae pl sua soldaicdade co ¢ ‘xganizacio politica ecocial.E aescrita fonétice que significa o maior rogrewo no sentido da univenaldede e da econildade, Ea € tina consequénca da nua isigaiicaca que ‘he pemiteapagesse ta aun repreentagh da vor et, por st a foro de eee autora eset Vas prot lao achnla atrl da mguagem Ca perda da paidoe do canto, que eto ongem da Imguagem como fala, enquanto sceseo a pura presenga- neste ambi. suidade que se move oda a tradigho que condena a ssrta equal O-paradoxe de autor w Rousseau pertence. Daf deriva a sea critica da caracteratica univer: sal, que & ima eriten a todo processo de abstracsio da linguagem da citncia, pois na medida em que a escita debsa de representa a ‘or deiva de ser urn suplemento da palavr falada, Em relacio a uma talabstroqio, a escrta fenética aparece como tm mal menor Segundo a leitura de Derrida, Rousseau afasti-se desea tadicio porquan, apesar cas suas declaagSes, descreve o «mal do exte- Flom, que caracterizaaescita, como Senco intrinseco a palara viva. Dado que esta € i voz e ndo apenas som, ela nao pode ser anterior & ariculago, a escrita: «A articslagao que subs € acento éa origem das linguas. A altereqao pola eserits € ura exterioidade originaia Ela é a origem da linguagem. Rousseau descreveo sem o declarar> (op. cit: 449) Fca em aberto nessa cescrigio, embbora contra as decla rgdes de Rousseau, a hipStese de pensar o lterdrio sem ver nele a simples fxagio do poético ou da palavra metafria,espontinea. Se toda a voz é ja articulaglo, relago com a morte, escrita, entio o literério ndo é separivel 2a repeticio que introdu o jogo enire pre senga e ausenca,o qual, desttuindo qualquer posibilidade de fixa- Glo de uma essencia, permiteo acess A fruigho. ‘Sem que Roussensadmita essa hipdtese (a do literdrio ex: oposi- io a0 poético), €noentanto a ela que cond a sua logica de repre Sentagto como um movimento ou imperativo de compensacto: tira dio mal o remédio que deve curamy (ct, n Derria, 1967" 420). De acordo com esta logica, c exttemo da corvencio atingria de novo a hatureza, Poderiamts ver at alogica do lteréio ova sua justéicagso 4 fcglo,autobiografica 03 nfo, sendo o atifcio maximo, conduz a0 triunfo do arbitraro, a peeda do refecene, Porém, esta perda é cla propria, como acto de eserits, um acantecimento que nao reeva da Fepresenagio como relagio de substtuigio de representante a repre- sentado, mas de uma manifestagio de presenca, 80 presente como signoe sun como causa de fruigao literirio,segeado o exemplo da ficedo ov da autobiograia, distinguir-seia entto da concergio da poesia como linguagem primeira, manifestagio do canto, anerior & {ueda na representagio. A compulsto a confissio'e a necessidade de {do revelar correspenderam a uma dupiaexgencia: da verdade dos factos como base de juizo, a da necessidade de zadicalizar a repre sentagio transformandovs em flegho, de modo a aking a propria lei da natinera, ou lei do acortecimento, 0 que se vetifica € que 0 imperativo de compensasio, ao se levado a0 extremo, se converte ‘em paradoxo: quanto mais artifical mais natural: quanto mais longe fe vai noprocesso de representagto, maispossibilidades se abrem de 48 Da nstitucionalizagto da itertura regresso A natureza, Trata-se do movimento de reversibildade que Lacoue-Labarthe atria ao paradoxc e que o leva a encontrar a 5ua definigdo a «troca infinita ou identicade hiperbolica dos contitios» (4986: 20). Podemos dizer que 6 0 paradoxc que sustenta a esritaficcional de Roussest, incluindo a autobiogréica, «qual é exemplo de-uma exigéncia de escrita como mado de acesio a uma realidade que excede a imagem que equele que esereve pode reconhecer come sua, Essa realidade paradonal € nfo s6 a do «autor» (que nio se confande com a ideatidade de uma pessca exterior 20 texto, que nele se pretenda representar 24 nfo, mas é um efeito do acontecimento do texto esertd), mas também a do inconfessivel, ou segredo,inserito tas histéris que se contam. Donde se conelus ado 88 que o proprio de um texto nao consste em ele ser o prolongamento da persona- lidade do autor, mas cambém que sé ha literatura quando se passa, da coincidéncia consigo da vez. inspirada, ao «eu 6 um outro» da sserita diferenciadora ‘A estrategia de revelacio, que em Rousseau parte da afirmacto de uma necessidade de justificagao,distinta do puro e simples relato de facts, éesenvolvese na expectativa de uns fatalidade da perda do sujeto como fru. Bla distingue-se da indiserigio, que em Diderot parte de um motivo ofosto 20 da culpabilidade, o elog:o da experimentagho, que no visa oacesso & natureza como se ele consis: ‘isee no desvendamento de um segredo oculto, mas também no pretende acrescentar mistério ao que tem una infinidade de possiveis maneiras diferentes de ser. Enguanto em Rousseau ¢ apesa cle toda ‘ tematizagio em sentiocontréro, isto 6, no sentido da transpartncia da poesia, do elogio da «linguagem espontinear, que a escria se desenvolve como um processo de dissimulagio e revelacio sirmul- tineas, em Diderot, a mpossbilidade de transparéacia e de taal dade é colocada imediatamente como uma consequéncia da identi- ficagso do conhecimento com a experimentacio, ¢ desta com uma multiplicagio de perspectivas cue desfaz qualquer hipotese de rela- ‘so com uma origem entendida como um segredo, um autor, Deus [Nao ha queda porque no a origem, mas ¢ orginar-se permanente. Tal como separa a natureza de qualquer hipStese de um autor ical, Diderot tamibém no cancebe « obra do poeta ou do escritor como manifestagio da vor tnica do seu auter. Para ele, 0 posta ou o esator enquanto autor € uma disponibilidade que se sumpre ao cumprir-se oliterdrio na dimensie de imitasio-qce lhe ¢ propria. A esta, chamow lacoue-Labarthe (1986) «ninsis gerab, defnindova como suplemento CO péradoxe do autor “9 do que seria uma «aimesis restritas, aquela que consiste na simples duplicagio ou cépia. A afirmagio de que em arte no hé rimesis simples, mas apenas ‘mimesis geral um dos principios que se podem retiar da leitura do texto de Diderot intitulado O Parsdoxo do Actor. Este inicia-se com ‘um didlogo acerca da representacio teatral. A dada altura, o narrador interrompe o didloge entre os dois interlocutores e conta aida deles ao teatro onde no entram por falta de lugares ~ e ¢ passeio silencioso que se lhe segue. Na sequéncia deste, a0 apresentar 0 soliléquio, em forma de didlogo, do «Primeizo, o home do pacadoxy, v rarradlor deixa ambiguamente a possibilidade de 0 identficarmos com ele. Entretanto, o «Segundo» sonha e 95 tinicos comentérios que inter- rompem o didlogo interior do homer paradoxal slo os do narrador. (O didlogo apenas é reatado quase ro final do texto. A relagio entre as ppersonagens e 0 narrador permite-nos dizer que o ponto de vista deste prevalece e com ele a apresentacio do comediante como o exemplo por exceléncia da mimesis zeral: a representacio teatral mostra & evi- dencia a suplementaridade da mimesis, que enquanto representacio se substitui aquilo cue representa, sendo esse o principio de toda a arte. E por isso todo o autor, a semelnarca do actor, deve possuir a capacidade de suprir na escrita a natureza, acrescentando-the aquilo que toma a arte superior. A capacidade de imitacio depende de uma falta de sensibilidade que torna possivel imitar tudo de igual modo: 0 homem sensivel ets demasiado sbandonado & sorte do seu dia- fragma para ser um grande re, um grande magistrafo, um homer justo, lum profundo observador, © consequentemente tam sublime feador da ‘atureza, a menos que poe equecerse e disraise de pri, que com a jude de uma imaginacio ferte salba erarse, e com a ajuda da memoria ‘mantra gua atenciofnada em fantasmas que lhe server de modelos; mas entdojé nfo ¢ ele cue age, é«expiro ce um outro que o domina (Diderot, ‘tn Lacoue-Labarthe, quem perience oft, opt: 27 Laccue-Labarthe parte desta ede formulagdesidéntcas do para~ ddoxo para saientar que a sli de imzrogredader que dele se pose retirar& «propria lida rime (pc 27. Ennis assim desde 0 “nascimento» da literatura aespecticidade intratavel de um diseurso {Que para ser inventivo tem de renunciar a qualquer suport da inven Gio = projecto ou sujeito. £0 que term possivel que a0 lermos a Sequéncia do comentario de Lacoue-Labarthe nes demos conta de como atavés dele poderiam ser visados autores do nosso sécul, Como Masil ou Pesto: +<6 0 “homem sem qualidades", o ser sem propriedade nem especificidade o suit sem sueto (ausente de si 150 Da institucioralizacio da Beratura proprio, distraido de si proprio, privado de si) # capaz de presenter ou produzir em geral» (i. Entendendo-se a capacidade artista como o dom ou potéacia a que Diderot chaima génio, conclui-se que odcm da impropriedade e © dom da apropriagio ou presentagao se reversibilizam, consistindo © paradoxo nessa «troca hipertéliea do nada e do tudo» (op. cit: 29). (Os motivos que levarem a cordenacdo platénica de mimesis encon- ‘tramrse agora como parte do sea elogio, o que corresponde a abertura de uma tradicio que chegaré ao seu momento extrema com Nietasche, ‘A.complexidade das questses a que a lig-ea pardoxel de Dide~ rot pode dar lugar é muito vasta e passa pela relacdo entre inspizacdo e sensibilidade: a recusa da sensibilidade nio implica a da inspiragdo que, pelo contrério, é varias vezes afirmada também ao longo do Paradoxo; a primeira esta do lado da possessao de um sujeito que 6 afectado pessivamente, a segunda, da mimesis que «enquanto supe uum sujeito ausente dele préprio, sem propriedades nem qualidades, tum, sujeito sem sujeito, puro ninguém [une pure personnel, ¢ por efinigho actioa» (op. cit: 33). Trata-se, nes:a oposicio, de afirmar a soberania do génio, o que pode ser entendide de um ponto de vista ‘moral e politico que determina uma fungio social do teatro. A «re- -teatralizagio da “comédia do munde'» correeponderia assim a uma ssmimesis activa, vil, farmadora (..) contra a muimesis passiva, 0 papel sofrido» (op cit: 34). ‘A dimensio moral e politica da condenagao da sensibilidede & evidente na passagem jf citada do Paradoxo, em que o homem sensi- vel apenas pode aceder as qualidades de ncbreza, justica e ciéndia se se esquecer de si para se criar outro, Mas, analisando esse movimento em que o homem abandona a sua sensibilidade para poder ser otro, encontrames uma concepgio do proceso de mimesis em que o ele- ‘mento mais importante é a idealizagio. Esse concepgio inverie a hierarquia, varias vezes afirmada ao longo do Paradoxo, entre o poeta eo actor. Aliés, numa das ocasibes em que se afirma a superioridade deste em relacio aquele, essa superioridade pareze ser éesmentida, pois 4 condigao de nao ser nada € comum 20 actor € ao adulador: (© Primeizo - Uns grande comediante nfo & em um plano, nesta harpa, nem um craro, nem um violio, nem em viloncelo, Nua tem ‘nenhuim aconle que ihe seja proprio; mas capta o acorde e 0 tom que cconvém a0 seu desempenko € sae prestarse 2 todos eles, Dow rite Jmportircia ao talents de um grande comediate: esse Fomem & reo, tio rrp, ou talvez mais que € poe. “Aquele que na siedade se propte e tem o infliz talento de agradar 1 todos nfo € nada, ao tem nada que the perteng, que o distinga que © piradoxo do axtor 151 centusiasme uns e enfade 08 outros Ele fla sempre, e sempre bem; & wm Adulador de profsdo, @ um grande coresto, ¢ um grande comediante (Diderot, 179: 387) Poderiamos entio interrogarmo-nos sobre o que & que separa 0 actor doadulador, na medida em que a condicio éo comediante, ade rio ser nada, existe em ambos. A hipétese que se apresenta com ‘maior plausibilidade 6 a de a diferenciacio entre um e outro residir nna capacidade de idealizagio ou construgio de um modelo, a qual, pertencendo ao primeiro, o segundo 7a possui. Apenas para o pri- Inelro faz sentido a idela de uma mimesis geral camo suplemento da simples mimesis duplicadera. O actor, como todo o homem nobre e justo, 1ndo se limita a repetir um texto, para ser um simiitador sublimen & preciso que ele se exqueya de si e que «om a ajuda de uma imagi- nnagio forte saba criar-se € com a ajuda de uma mem6ria tenaz manter a sua atengio concentrada ros fantasmas que Ihe servem de modelos» (op. cit: 362). Crlar(-se) & entio construir os seus modelos, re-criar 0 texto original garantindo-o contra qualquer repelicdo que, partindo dda mesma sensibilidade, ou seja, dos sentidos comuns, Ihe zetiraria toda a «originalidade», toda a verdede tal como Diderot a concebe em Observations sur Garick (1769), concepgio que encontramos repetida {quase pelas mesmas palavras, apenas com ligeiras modificagdes, nesta fala de «O Primeiro: Pego-vos para refke‘rem por um mamento sobre o que no teatro se chanta sor verdad. Serk matrar ae coisas como es sfo Wa natureza? De ‘mode nenhuim. A verdad neste sertid9nio sera een o comum O que é (nfao a verdade de cent? Ea conformidade das acgSes, dos disersos, da figura da vo, domovisren, do gesto, com um modelo ideal imaginado plo poet efrequentemente exagerade peo comedinte (1769: 12). Nao é em sia ideia ce construcio de um ideal que € aqui impor- tante, pois como tal ela ¢ susceptivel de nos transportar para a con- cepedo aristotélica da mimesis, Mas ha dois aspectos imporantes a sublinhar: a sensibilidade ¢ a verdade identificada com 0 comum; a imitagio verdadeira é a multiplicacio dos textos, ée que a corstrucio do ideal enquanto processo diferenciador faz parte. A sensibilidade & ‘entao 0 equivalente da sinceridade ou espontaneidade. Poder-se-4 ‘mesmo dizer, lembrando Fernando Pessca, que 0 actor sensfvel sente «por caderno de encargo™. Mas, para alémn disso, podemos apresen- tar uma outra formulacae do paradoxo do actor: oactor 56 ¢ actor (na verdade} quando é autor. Ou seja, quanto maior for a originalidade, ‘mais verdadeira é a representagdo. Acentua-se deste modo a dimen io afirmativa do actor, pois é criando um modelo do texto original 152 Dainstitucioraizagio da Ieratura que cle se cra‘ sie cena. O actor & assim ¢ttimo estédio de um Drocesso de suplementarcade:o modelo construido pelo poeta wn Suplemento em relagio a nafureza e, por sua vez, 0 do acto, um suplemento em relagio ao do poeta essa euplementaidade pro- gressiva que justia a hieragu que coloc na base aquele que tnita direcamente a natureza e atribus wm lugar superior a0 actor, na medida em que a sua representagao nao € reproduio. Trata-e de conceber a verdade como fastamento em relagdo 8 nafureza enquant limagem comum, tal :omo em relacio a sersibiidade ou sentido vulgar No wArtcle ginio> ena nota ware génien (1757), Diderot desenvolve uma concepeto segundo aqualtoco o pensamento «arte se afastam da «monotonia da natureza», entendida esta como resultado de um olhar doméstio ow cilculador. Oolhar que horoge. neiza a natureza ¢ aquele que seleciona ean fuagio de uma ulidade, ‘so 6 do que € comamou vulgare e fecha a ser focado pelo miliplo, « incerto. por isso que nenkma das qualidades determinadas pelo cAlculoconstituem caracteristcas essentials do pénio. tas consitem sobretudo ro modo como ele €afectado na sus capacidade de obser- vagio em queactividade e passvidade se reversiblizim, pois o genio nao impée & multiplicade de mpressoes a linguagem da uniform dade da natureza. Diz Diderot ma nota anteriormentereferida: ale [o genio] nfo olha, vé (.) nao tem nerhum fendmenc presente, mos todos o afectaram>. © genio ¢ entio sobcetudo 0 efeto de sma rmeméria que nio exise como tl. A relagio com essa memoria ~ a literatura ~no pode sendo ser impredsa, Compreencé-lo ¢ percsber como memériae fice se aliam, como a segunda € osuplements da Primi, permitindo nese jogo afrmar a ausnca designs aboolos, a partir da qual se devencadeiaa multipliagao de texos que ¢alinal fuga & menotonia: como ¢ que um pape poesia ser representa da mesma mania por das store dere, dade que no sear mais energie, scare Enis preciso, spares no pale nunca er nigos eben dena idea, des sentient, de um pensanento? ope: 1 Hi aqui uma espécie de principio da excita, muito proximo do «que Blanchet enuncia em epigrafe de un dow seus livros «has Porqué dois? Porgué das palavras para dizar uma mesma coisa” = “E que aquele que a diz é sempre o outro" (1963) E neste sentido que a figura do actor 6 exemplar, anunciando "ma estatura testa dos textos literdrios de Diderot em que € frequenteo narrador as otras personagens tao pertencerem a Historia contada como eta, rem fora dela sugerindo-se ambiguamente a possibilidade paradosal 0 pandoxodeawor 153 de cada um ser j6 0 actor que representa 0s seus préprios acs. Ao fazer-se outro representandi-se, 0 autor criar-seia como singula- ridade ou subjectividade sem sujeto, puro agenciamento de uma Telagto de forgas qué € 0 acontecimento. Reparese, por exemplo, que quando Diderot escreve um texto intitulado Ceci nest pas un conte, aquilo que é uma demarcagio de géneto justifica-o por uma alteragio fundamental: enquanto no conto como narrativa moral havia uma separagao niida entre a matéria rarrada e a sitwagio de narracéo, pois o narrador e 0 ouvinte estavam em preseng: um do outro, no Sto tein ein nue da rao eo do narra eto relagio. Oleitor que agora disloga com o narradornao corresponde a time dupa do uate que log cm ocoreador de Rta Ele é cleramente o actor que desempenha esse papel quebrando qualquer ilusio de espontancidade e fazendo com que a excita no parea como representagio (c6pia) da voz, mas sim como teatra- Iizacio que nfo conece os jogos ce diferencas e ndo tem qualquer nostalgia de uma transparéncia. O facto de Diderot considera a sensibildade como capacidade passiva da itago enquanto imitagie do comur, nfo impede de Considerar 0 efeito que tm as acybes € paixdes representadas ou ‘araas sobre oespectadoz ono Ievor. evades 8 qualidade de texto, clas deixam de fazer parte des conver gbes vulgares, acedendo a um tipo de convengio, seréra que ¢ também o vacilar de todo 0 conven: cdonal attavés do jogo de dilerencas em que cade um se cria como futor, As acgBes e pabxBes representadas ndo desencadeiam nem 08 simples mecanismo: de atracgio e repulse, ou de piedade e teror, rnem 0 puro racioinio, O queelas permitem & que espectador, ou 0 Ieitor, se metamorfoseie em acto, partcipando do universo criado. & soa possibilidade de pasticipagze que encontremos como carac- teristica diferenciadera do literério em relagioa outros escritos, como fs contos morais o 08 provérbios, por exemplo. No «Hoge de Richardson, Diderot compara a maxima e o romance: Uma moa & umm regen abet gerl de conduta de que nos detsam a aplcago a iver Ela n8o imgrime por si mesma nenhuma imagem sesiel ro nose epilo: mes ayele que age, vero, pomo- ‘nos no lugar dele ou 30 se lado, apazonamo-nes por ou conta ee; “Umnannoe a0 se nape le &Virtueo; fastamo-noe com ndignagh se tle cinjuto ou vito. (-) Richardson tomamos, mesmo que nos cl, fim papel nas tuas obras, mistramo-nos 4 converaglo,aprovamos OM binsferacnoe, daira, ieitamo-nom ndignamo nos (pct: 28) Enquanto a maxima diz o que deve ser, a literatura (0 romance) permite que cada um a irvente, isto €, faz do leitoro actor/autor das 154 Da institucionalizagio da iteratura aves pos massa, Engst a prim et dodo do uve Sct como resulta de divioho ence seaiidade eucso, a ceneea estado lao do partisar ou contingent pots ete sere alo ue afeta a nota seebidads Porc, pum auea lage ao coat pape pile i only emimmerarag iso rca sem aa no We prchvasto as opeees ome Xo. Tratase de penal aco;ptenta da railings ne cosea ts reach imei como exe, tazp como alam dor iat deircora a endbaca que price furlapda ion $i eniaram oer ours dan Goss ‘omeagio/aproprngo de um extoior coma nesta de afimagio da denigacepropen € um dos aspectos fran de ade Celene, segundo Michal Foucal, demining a ecpeience de desrazdoconsesutnc deta implagao da aio detente Sol om auto con a muy po eng soa shaceasve, a desrarto€ alg de dedi pot omeapente de aproprisve. Le neveu de Rama, livio em que, depois do «Grande areramentonseeparee pea primeira vel a personages co Las spent 8g ene oly someting Penoamentotnodernor (ce Fouaul 1972 363.79 al se pone oo Primetra vrs sepaaciodeloucara¢destazte, moarando que ata Fula de sana necro que a rca tem de desgoal tpn, Prando-se dla como um modo dese defn Mas napropncct oa cgasdo volver conra a propia rcSo,jtandce sum noe mento que sevela'araplidade de ume defneno que soca nomeagio/apropriagao de um exterior. a Meda 4. Do sensus communis & estétice ‘A fundagao da estética: rupture e ontinuida decom a tradiz3o humanist, [As datas atrés referidas relativas ao uso do vocdbulo literatura ‘num sentido moderno indicam-nos a coincidéncia do aparecimento deste com um marco decisive da histéria da arte ocidental: a funda- ‘clo da estética, coma publicacao, por Basmgarter, de dois volumes ‘com esse titulo, em 1750 e 1758. A propria palavra estética fora utili- ‘zada pela primeira vez por Beumgarten nas Meditages filoséfcts sobre ‘alguns assuitos relatives a esséncia de poema (Meditationes philosophicae ide nonrnuis ad poema zertinentus), de 1735, livo que termina opondo a insuficizncia das posticas (decorrente da natureza normativa destas) a nevessidade de ume ciéncia do sensivel. Desta, apresenta a publi- acho de 1750, no sex § 1. a seguinte definigao: «A Estética (ou teoria ddas artes liberais, gnoseoicgia inferior, ate da beleza do pensar, arte do analogon da raza0) € a ciéncia do conhecimento sensivel>. © ponto dde partida de Baumgarten é a distingio de dois tipos de verdade, uma verdade estética, a da beleza,e uma verdade logice, sendo a primeira 2 tinica possibilidade de conhecimento do particular. O objective € testabelecer as bases da autonomia da arte, considerando as obras de arte como percepobes verdadeiras e, pcrtanto, belas. A verdade singu- Jar, aquele que constitui uma relagic com 0 paricular e 0 contin- gente, é apresentada como percepgio, quer do mundo real, quer de ‘mundos possiveis (verdade heterocdsmica). Lé-se no § 442: «A ver- dade no sentido mais estrito & tal came a descreve Cicero, “aquela que permite dizer” (perceber) “sem modificacio o que é, foi ou seri” (>. Em qualquer caso, s6 hi verdade estética como resultado de uma “«percepgio sensivel, que se realiza ou por sensagSes, ou por imagi- nnagoes, ou ainda por previsées que acompanham pressentimentos» 44a), ‘Reconhece-se nos dois tipos de verdade - estética e légica ~ tal como Baumgarten os apresenta, uma semelhancs com a definigso leibniziana do conkecimento confuso e do conhecimento distinto, 156 Da institucionaizagio da lteratura pertencendo o primeio aos sntidos e 0 segundo ao infect. No fntanto, enquanto para Leib 9 eonhecnsnto distnto deve oer Preferido 20 conhecimento confuse, 0 mesmo aio acontece com Baumgarten, para quem os dois tipos de verdad devem permanecee ¢ desenvolverse a0 Indo um do outro, pos dizem resto a tna Aivisio inultapassaval, resultant da fntade humana, que inplicn que haja um tipo de conhecinentc dependente da co!poreldade. Embora o freferido §1 da Estes sinds designe eta por eprases: login interior o qu prvalceéa vontale de excontrar Fort o easel tim estatuto que rompa com sea subondisaqao ao intelectual eave a consgnad através da afrmacio da eteta como sanales da razon ‘A reunio de sensbilidade, arte ebeleza que anova cléncia soma como object da sua iavestigacto cerrespondie a uma mudanga de atitade em rlagéo as considedes‘aculdadesinferiores da nro, quea partir do Renascmento vio adquirindo uma importancia dre. lamenteassociada 20 movimento de tatonamizagio a arte A rao. Haagio do sensvel tal somo ce prosegulda nat cbs de Bauman ten pode, no entanto, ser interpreta quero ponto de vists da continuidace com 0 anterior, quer de ponto de vista da instauralo de uma concepeio diferente dojuizo dos sentidos. A partir de tana investigagio histriea sobre ee assanto, David Summers (989) defende a tese segundo a qual entre nataclisino renascentss 2 fuindacio da esttica moderna ovste tna continuidade que pernite considerar a8 ideias principals desta como adaplagies'© tanson. ragies de uma tradigfo clita. A cortinuidade tm por base» noo de juizo enquanto actvidade de desriminagio e avaling ss se reliza drecamente a partir dos sents exeros e interos De entre estes, o senso comum, a que fa referencia Anatomy of Melanoly (1821), de Robert Burton, remonta acs autres latines, onde semis communis inl tanto aideia cde uma compreenoo intuitva das ora, ‘es particulars, uma sompreensao que melaforcamnte designe: ‘os por stactos, come possul «conotagbes de comunidad, de ser luna virtude universalnenteparihados Summers oct: 109) (© objectivo de Summers 6 assnalar uma tedig latina de osso- ciagho de sensis communis gosto, que se prolongaia no Ressce renfo naturalist, através da importnciaarvulde a0 partclan g aja consttiria aque por sua Yea, numa especie de pee historia da tetetia, ex que fulao acerca das cbra de arte patticpave as Caractristicas dos juts éicos,onientados para of que & bows, seston, scomecos, em cada caso. Nao se tate. para Sumimers, de 187 Do sansus communis & est negara separagio de esta e ica, mas de investigar cama longa Seuss qual a derancaio nso era tho ails Gp. ee 1) Spesar de Eston de Taumgactensepresentar wma raphe com Son tadicto ela fem er comm 0 facto de os jlzes estos Corresponderem a uma facuade do fszesensivl Nos §§ 606 608d Netafses,Batmgartn define a faculdade de juizo como #0 gosto em sentido amplos, 0 wfizo dos sentidos».-A Neco de gosto, como facldade que permite ditngur 0 be dof, parece durante o culo XVII nan, Espana, Prange, Inglaterra ‘Ppencrorment, ma Alemanba, Ha conilulu’v fulamento de Srben a qual niolavaiava as obras de ate segunda sun adoquag Sm modelo, mas segunco 2 apreensio pelo sextimento, © gosto parece asim na dependnei de uma sejectividade empirica que, {Sm Baumgarten dara fupar eora da senubliade, ou sciencia do SSnhecimento sense, que fanda um dos modos de preteafo da sited verdade. ‘ = : Sepundo Gadamer,& semethangs do que acortece com a noxdo de sens conmusis, com cuja tadigio lésica reatam na Idade Moderna Vico e Shakesbury, mbm partido raioalismolibn- ano edo uminis ve consama wma progressveinviexdo de nogto fe posto, que acabe por -etrngi a sun apicago as belaartes ‘Aquando do sea resurgimento no séulo XVI, a utlizago do con ccto de gosto tnha ainda em conta gua importncia na formasto das pssen, tanto dopontode vista mralcom doesttico. Arla tomo que ta époce grega er uma etica do bom gosto esté ainda presente sm Baltecar Grain, para duet 0 gosto aparece como =P theta espintalizagio da animalidedes (Cadamer, 1960: 67 ‘A rgtes de setsus communis e de gota, como elemertos da pr-histria da esttca moderna, pondo em evidéaca sun anterior Stings eum a ttoral sos costumes aa formulagto dos jutzos sobre as obra de arte, duo fandamentalmentea pensar o modo como una estéca fandeda na subjcivedade mantem ou rompe com a tensto tnireo individual eo clectivo,expicta no uso moderne dequelas ogies Para Luc Feny,em Fm Actes, toda aetétiea modern, oseeule XV ao xby constitu um esfoge para concliarosubjectivo como objetivo, juzosensvel coon o eros. Una tal perspectva impli uma leara da Queele des Anciens et ces Moderes que mb colon o acento ra rufa queda pos representa em termes de Conftons ou compaagao de duas posta, nem &>-poico No apare- Cimento de wna nova concepgto de Hite assim no lc de ela comesponder a emergenia an citiza «que poe fin 8 representagio 158 Da institucioraizagio da Iteratura antiga, objectiva, do belo» (1950: 68). A critica corresponde, nessa Perspective, a uma operagio de subjectivagi, a qual tem jé lugar nos Alisscos, como Boileau, que Fery diz erem ves menos moderis dos modemnos». A oposicio centrada na Querelle aparece assim como tum exacerbamento pelos Modernos de certas caracteristicas izual- mente reconhecidas pelos Clissicos, ecome desvalorizacio de outras, tidas por estes como “undamentais. Assim. a relevancia atribuida & Jmaginagic ea invengio vai cntra 0 sentido comum como fonte de emanagio de regras que dirigem o artista. Tratase da afirmacto de modos diferentes da subjetvidate e, cori eles, de diferentes ret postas & nevessidade ce mediacdo ou comunicagao irter-subjectva. Ainda segundo Luc Ferry, até 2 Estetica de Baumgarten, € na ideia de Deus como garante da comunicag8> intersubjectiva que assenta a nocdo modema de Sersus commu e, com esta, a definigSo do belo como mediador. Seja a harmonia pré-estabelecia, sofa a ssséncia da natureza sumana, furcionam como garantia anterior © Jnguestiondvel de uma norma do gosto, Mesmo no relatvismo extrem, como o de Hume, 0 pacrdo de gosto é uma idea central, dando lugar uma estética dominada pelo paradexo: por um lado, afirma-se que o gosto éabsolutamente individual ea arte cepende apenas da auten- ticidade dos sentimencns; por outro lado, constata-se que 0 gosio & universal e cutivavel através da observacto dos objectos belos, E pois paradoxalmente que se pretence deservolver gosto através da ‘sproximagio de um padrdo social, atribu-lo exclusivamente aos sentimentos, devolvenco-o a um relaivismo cue o associa aos ite- zesses partculares de cada individuo. A natureza humana, enquanto sptidio para a delicadeza, a distingfo, o refinamento do. gosto, fanciona entao como garantia inguestionavel ce uma mesma nerma ‘aja transcendéncia se reduz «diferenca que existe de facto entre os peritos € 0 vulgar» (Lue Ferry, op. cit 65), ou, por autras palavras, entre uma aristocracia das artes eo comum dos didadios. [Em apoio de uma ideia de ratureza humana, e camo passo deci- sivo para o desfazer da relagéo paradoxal entre sentimentoe univer- salidade do gosto, surge com Shaftesbury, consolidande-se com Hrutcheson, Burke ou Alison, o conceito dé desinteresse estético, 0 qual visa a separacio de um dominio estético face a qualquer subor- dinacéo a interesses religiosos, morais, cogntivos, outros. 5. O jufzo estético ‘Uma subjectividade sem sujet. - © «cema se, principio de avalisgo. ~ Di ogo de gosto & de gécio:o naturaliemo, ~ A Jpica perergona. ~ inalidade fem fim (blo) econtra-nalidase subi) De Baumgarten Kant: aestétia pasia de um projecto de auto- somia, ata tornadoinvigvel pela propricrenga nam saber atsouto to de Deus, face ao qual sensibilidade er origem de imperfeigo),& constatagio da impossbiade deste prejecto, ot sea, da. impos bilidade de determinar o beloa part de concetos. Na medida em cue inte a rolagio da arte & verdade numa perspectva secularizada, isto 6, a partic da recuse da omnisciencia fivina como causa do conhecimente humano e sa imitacso Gubst- tuindo-Ihe a idein de Deus apenas com uma fungi regulaora, Kant introduz pela primeim ver © problema da legitimacso da are como problema flosofico. O modo coma esse problems € colocaco tem Implicacoes em todo 0 pensamento posterior sobre a arte ea literatura. [As resportas As quesides O que é literatura?» e «Qual a fungao da literatura’» cruzam-se a parti de entio sobre o frosseguimento, a contestaio oto dessio de aspectos Fundamentas a Criticn da Fac dee de flger- ‘A afmacto cenzal da critica kantiana em reaglo a arte, a da impossbilidade dea ‘egitimaratravés ce regrasconceptuais, significa dina aimpossbiidade de una etic ex afirmagio da necestidade de limitar 0 pensamento sobre a arte 4 determinacto das condigbes formas do juz esttic. Nap senco 0 zo de gpsto um juizo de conhecimento, aquile que o determina nao € uma rela da repre- Sentagio 20 object, mas sim o efeto eubectivo de representa, 0 fentimento de prazere desprézer.Aquilo que permite distingui wn abject bdo € 0 afect mas nfo qualquer tipo de afe:to, apenas aquele {que resula da contemplacio desineressada, que aparece como Uma {Spécie de suspensio da experiencia ou de nascimento do sujeto. Ea yrtr deste que o principio de universalidade do juizo postula @ Reweosidade de se distorcer em termes Ligzos sobre objet. Ojuizo de gosto é, portanto,inseparivel do conhecimento, sem que opere 160 De institucionalizagio da literatura qualquer sintese entre as faculdades de imeginaglo e entendimento ot tenha uma funcio de mediacao. Issc faz com que ele possa ser consi- derado uma faculdace da passagem. jogo ou tensdoentre o sensivel e © inteligivel. A relagio com o objecto bele ou, mais especificamente, ‘com o objecto artistico, implica uma represertagio desse objecta que do € fixa nem fixével, ou seja, determinavel com objectividade, segundo kis ou conceitos. Tal facto situa ¢ arte no dominio da incer- teza, dando lugar a uma necessidade de pensar que no poset: qual- quer limite ow terms geral, processando-se como uma espécie de jogo intermingvel, que pode ser infinitamente rerchializavel Num nota ao § 1 da prmeira parte da Critica da Razdo Pura, Kant contesta a possbilidade de utiizacio da palavra estétice num sentido diferente daquele que esse pardgrafo confere a ciéncia que designa como «estétics transcendental». Comentando 0 uso alemaio de estétion que toma esta designacao como sinorimo de «critica da gos- to», reconhece nela 0 -esultadoda influénca das pretenses de Baum- garien, «que tentou submeter a principios racionais 0 julgamento tito do belo, elevando as suas regras 3 dignidade de uma cigncia». [Embora antes tenha considerado Baumgarten como «excelente ana- lista», Kant & perempt6rio ao affrmar a impossibilidade de consti- tuigdo de uma ciéncia desse tipo: ais regras ou criterias, com efeito, so apenas empiricos quanto as suas fontes(princpais) © nunca podem servis para lis determinadas @ Priori pelas quas se devesse guia? o gorto dos sees é antes 0 goa qu onsttu a gonuina nedre-de-toque da exatiltc das reras bid) Embora na Critice de Faculdade de Julgar Kant utilize a desigragio «jutzo estético» como sindnimo de juizo de gosto, ele nao deixard nunca de acentuar a impossiblidade de estes se tornarem cient Hicos. O belo nao se demonstra, ele aperas pode ser objecto de uma critica, aquela quedetermina as condicces de possibildade de um juizo estico, 1s condigées que justficam o gosto ou faculdade extética, enquanto faculdade do sentimento de prazer e de desprazer. Na base dessa justificaco esta a distingio entre os juizos determinantes ¢ 08 juizos reflexivos: A faculdade de julgat em geral € faculdade que consate em pense particular como estindo compreendido no reversal. Se 0 universal (a 1Tegr, 0 principio, ale) 6 dado, eno a faculdace de jelgar que subsume sob ele o particular ¢ determinante (acontace o mesmo quando, (CEJ, § 11). Nfo sendo nceito de um substrato supra-sensivel dos fendmenos)» (ibid, § 57), E nessa media que, para além de se ligar a0 conacimento, «0 belo € simboio do bem mora (ii, § 59). Ou Seja nic € apenas o livre jogo entre imaginagso eentendimento que € implieado no juizo de gesto, mas &tambim, querse tate de abjectos attstioos quer de objetosratarss a relagio entre inaginago erazao, a partirda qual qualquer juizo de gosto nao assinala apenas aperfeigio {Ea forma mas partipa das [eins etic, Da que a impossiilidade de jizos de gosto cbjectvos sea indinsccisvel da condigho ce ficgto de qualquer jusifcacto dele. Quando acontempagio de ur objecto natural dé lugar a am juiza que o considera beo, a representagao desse objeto tem sempre rlagao com 0 ideal estico, Por sua vez, para que a contemplacio dos objector antistcos dé lugar a um senti- mento exttico, & necesirio que eles nfo se apresentem como tendo Sido preduzidos de ncoria com dcterminados fins eregras, mas sim Como objectosnaturas, dotados de uma fnalidade sem fm "A simulacio (0 «como se), que constitu um tema matricial» da Critica dt Faculdade de Jlgar.€ a operacio qe permite dize= de um Object que ele € belo, procedendo comose sbelo»fosse uma caracte Titiea do object, emborao sentimentoesttico nao resulte das quali dades do objecto mas do acordo das faculdades na sua consttuigdo do sujeto. O sé», ca aftmagso sé belo», pode ent ser ligo como Scqualguer coisa de ungeieue, de monstraoso, de sublime portanto» (Escoubes, 1966: 80. Haverm assim tum smodo sublime, caracteri zado pda relagio entre faculdades ~acordo ou conflto ~ enquanto “produsio sem fim do revtro (nem 0 mesmo, nem 0 oun) como 1s a insttucionalizagi da literatura produsio da forma (i), qual estara tanto ra origem do belo como do sublime. Assim, quero acordo entre imaginagio e entendimento Selo), quero conflite entre imaginagioe raza (subline), correspon deviam a um jogo em que a mimesis reprodutiva éabalada ea mimesis prodliva instaura uma instabiidade originérn dos limites daquilo Que se apresenta, O consenso universal (wde todos os tempos e de todos 0s povosy) nunca ¢ um entero de belezs,embora ele poss ser considerado como tum scitéio empirico» que permite presumir 0 acordo que lhe esti nabase (ct: CF J§ 17) Kant, porém,a pats da distingay entre o jue de gosto, em que a Deleza ¢ considera Avre, € 0 jtzo de gosto aphicado, em que ea ¢ adezent,introduz quer @ Iipétese de fxagto do gosto, quer a de consticuigio de um Ideal de beleza. Sendo a beleza sderente aqua que ests associada a um Sim, © conceto ¢e pertecac da coisa, sso implic a ligagio da satsfagho tstética e da Stistagio intelectual» (Bid, § 16), © que possbitta 0 estabelecimento de reyras que permtem por 0 belo ao servige do hem. Nao hi aqui contradigio com as anteriores afirmag®es da inexis- tencia cle regras do goso, pois nko € desta que se trata, mas sim de segras que dizem respite & unio do gosto com a Tazo» (id). No entanto, nfo exstem padres om modelos a imitar, nein 0 gosto 6 susceptvel de ser adqisrco por imitagao, Exsrem sim produgdes de gosto que «do exempkres. O seu resonhecimento ¢ um modo de Confer ao gosto um earicterhistérieo e pragrtico,o qual, toda, énegado quando se pretende qve a producto sea eespontinen, auto. roma, livre no proprio momento em que pela sus liberdade ela atinge um fundo universal» (Derrida, 1978: 125). Nao sendo o objeto teo imitvel, cada indviduo prez a sua ideia ce belezae, com el ideal de beleza que este uma representa adeuads a ‘Ao por em relevo a importincia éo obecto contemplado na for- racio do juizo,o conccito de beieza aderente permite que os objctos sejam considerados também a partir de uma normatividade que cor. responde & formacio ¢ fxagio do gesto. Nao € porém, extludva- mente essa a via seguida por Kant na teotizagio da arte, pois. na ‘media em que ela ¢ produzida pelo génic, toma-se exemplar por cbedever as leis da natureza, por integra em sia finalidade desta, E ‘sta subordinacio da arte sles da naturera que leva Gadamer a dizer que «ogrande mérito de Kant € ode no 9: ter fechado no mero formalismo do “puro juizo de gosto”, master superado 0 “ponte de vista do gosto” favor do “‘ponto de vista do genio» (Cadamrer, 1960: 83). que acontex& que a teora do génio, na medida em que 7 O jnizo eaético 165 concebe uma relagio entre naturezae ate, vai contra uma concepofo dn autonoria do bela arto © aprosime-se de uma concepoio da arte come manifestacio da verdade De facto, para Kant, enquanto a apreiacSo dos objectos belos ddepende apenas do gosto, sia predugio exige géni, isto € capa- tidade de elaboragio do obreco artistco, obra realizada, no natural, 2 qual, sendo representaglo, & no entanio transfiguracio de coisa Tepresentada: «Una beleza natural ¢ uma bela coisa, beleza atstica ima bet representagio de uma coisa» (i, § 48). A elaborarto do objecto atistico exige tim projecto quc, por no corresponder a um inferesse particular do artata, supe regres que este nao concebe por Si A definigio do genio como «a dspasiio inata do espirite (inge- wu) pele qual a natureza dé as regras a art» (id, § 46) ralifica a dependércia da arte em relagio a uma origem que é a Natureza, e através dela, Deus. Notee que estas regas nao so constituidas por precetosa aplicar, apenas podendo ser abstrafdas do projecto produ- Fido. A exliitagio des regra de construcio de uma obra, send fita a Dartir da concretizagio dest, pressuple na sua orgern tum conceito Que serve de fundamente 2 sua construgio e que obriga a que, do {hizo sobre o belo artistco, se tena em conta a perfeigo, o que no Iontece, em relagio ao belo natural. Dai a exemplaridade do belo artistico que nio se tornando object de imitacdo, & no entanio alvo dle uma atengdo as Tegras da sua constiuigfo, 6 que introcuz no dominio das ares «qualquer coisa de mecinico (.) quer dizer, qual quer coisn de escolar, que constitui = condiglo essencial da arte» (tid, § 4. Kant introduz assim uma exigéncia de equilfrio em relagio & originalcade, que no § 46 ¢ apresenada como caracteristca principal do genio. Porque, se ado basta o agi que se toma por genial erenega 2 pesquisa da razdo, também nao basta fazer uma obra bem Feta, & Drecso que ela tenha alma, ox se, que nite a0 jogo das faculdades fo espitto e que garanta a manutencio desse jogo. Esta alma, «no Sentido estéticon, como diz Kant, € pois a manifestagéo propria da {enialidade, um principio que habita a obra e corresponde a vfacul- dade de presentatao das Hea: estas» as quais define deste modo. Fela expres Idea exc, entendoaguelarepresetac da ima- sinagio que dt muito a persr, sem que contudo ranhum pensamento Seino, tot de vel Ie pose sor aun eee Pot onseuirte nena lingua pod complcamente expan tora ine lige! Veselacinente que tana tl lesa» corp (dan) de ttn ie dr rn a qual peo cosso € am conce a0 gual nena Jntucio representa da implnact) pode ser adequada Ghd, § 49. 166 Da insttucionalizagio da literatura ‘A exemplaridade, implicada pelo juizo estético ao supor uma finalidade para a qual nao existe conceito, constitui-se como modo cespecifico de articulagio do singular e do universal que se da na constituigio do exemplo como simulacro: nenhum interesse preside a construgio do exemplo, no entanto, ndo s5 c acordo das faculdades, necessario sua cons:tuigéo,¢ também do interesse de todo o conhe- cimento, como a ana.ogia do belo com o «bem moral» significa que se constr6i o exemplo.como se hot:vesse para isso um interesse moral. Explorando a hipétese de ume leitura da terceira Critica a partir dos ‘seus exemplos, DerriZa comesa por analisar 9 exemplo apresentado 10 § 14, elaborando a partir dele uma légica do parergon, que pie em relevo a condigao de simulacra de que todo o exemplo participa pelo seu inacakamento que, tal como 0 inacabamento da obra de arte, é relagio com o exterior: a obra nao existe sem o quadzo que a delmita le que, ao mesmo tempo que é cutro, étambém elemento dela prépria. No § 14, ao estabelecer a diferenca entre juizos estéticos empitizos & jizos estéticos puros, Kant apresenta com ewemplo os parerga lorna- ‘mentos), que apenas contribuem para a intensificacio do gostc atra- ‘6 da fora € no porque prodzm wna satitnio iment dos sentidos: TE mesmo aquile a que se chame omamentos(parrga, ou see, aqullo {que nde faz parte da inttrarepreemntagho do byecto mis no seo uma Aigio exterior que aumenta asalisfagio do gos'o, mio o faz todavia sendo pela su forma, come as moldaras dos quadros ou a8 vestes das ects, (a aradas em tomo de edicios eumptuatos, Seo proprio omarients ‘no corsiste numa forma bela, ¢ se, como a moldura dourada, ele 0 fol splicade sendo pare recomendar pelo seu strectiv, © quadro a0 nosso ‘ssentimento, entdo chama-se adoro ¢ atenta contra a Beleza autntica (aad, 810, A Logica do parergon 6 ume légica do saplemento pois os prverge acrescentam-se ao objecto orig:nal, ao mesma tempo que vio suprir uma falta desse objedo e participar na sua constituicie, mostando assim que no pertencem nem 10 interior nem ao exterior mas fazem parte do movimento cue os institu. «O discursofilos6fico foi sempre contra o parergon», diz Derrida (o0. cit 62), © que significa que, 20 pretender impor a plenitude do ergon, rejitava a possibilidade de qualquer falha interior a sua corstituicéo, e portanto a possibilidade de qualquer acrescento que viesse por ex causa a distirgao rigida entre o interior eo exterior, ou entre 9 necessério eo contingente. O que os ‘exemplos apresentados por Kant vém mostrar & que o parergor nao deriva snaturalmente> da simples inscricao da obra num meio, cor Ojuiz0 exterico 167 respondendo sim @ propria eéruturagio da relacio interior/exterior, a ppartir da qual se constitui a unidade do ergon. Mas enquanto Kant apenas refere a separagSc dos parerga em telacio ao corpo proprio da obra, Derrida acentua igualmente a espessura queos separa do meio fem que oe inscrevem, soja no sentido mais imediato, como o da {mplantagio espacial de uma obra seja em relagio a «todo 0 campo de inscrigi histéres, econémica, politica na qual se produz a pulsio de assinctura» op. c#: 71). Oparergn € assim, ao mesmo tempo, algo ‘que se separa tanto do interior come do exterior dacbra, funcionando pate cath wis dos campos como sendo pertenga Jo outro, Uma tal Simpropriedade» e juizo suspenso de um abismo, 0 ndo-acordo das faculdades. ‘Um movimento inverso ao éa producio artistica atribuida ao génio 0 que se assinala no sentimenio do sublime. Trata-se agora de uma perda do poder da natureza, que deixa de di-ar as suas leis, A falha ou Impoténcia da imaginasio face as ideias exibe a perda da submssio ‘uma finalidade. Tal camo o be'o,o sublime supoe um juizo reflexive « pretendese universal, mas, contrariamerte aquele, aparece como negagio da forma e do livre acondo, constituindo-se antes numa reaglo com 0 informe e deslocando consigo a tensdo entre imaginagso entendimento para uma tensao entre imaginagio e razio. O prazer € 0 desprazer que constituem o sentsmento do sublime corzespondem i tensio da imaginagio que leva a0 extremo 0 seu moviments de presentacao de uma ideia sem a:ingir 0 acordo ou adequacéo. A ideia prevalece sobre o joga. O desinteresse caracteristico do belo radica- liza-se, transformando-se num contra-interesse, na medida em que nele © prazer resulta da «resistencia a0 interesse dos sentidos» («Obser- ‘acio geral sobre a expasicio dos juizos estéticos reflexivosy). A impossibilidade de um juizo puro do sublime resultar da apresen- ‘agio de produtos artisicos ou, mesmo, de coisas da natureza ecujo ‘onceito jé inclua um fim determinado» (C.FJ., § 26), ao mesino ‘tempo que restringe o sublime ? «natureza bruta, abandona a hipé- tese de uma estética fundada no poder forrador da naturez O sublime da natureza nio pode ser apresentadc como modelo pera a arte, pois a impossibikdade de atingir a representacio nao esté em Ojuizo esttico 169 relagio com a representasio de um fm que é ullrapassado, mas resulta lnicamente dae limtagbes da faculdade de imaginagSo em relaglo tao poder da razio. O movimento do sublime néo ¢o de transpressfo do limite, mas ode ceslocementoinfiritodo limite, isto ilimitaao. Em arte como em qualquer object iro conceit incua um fim, toda a grarcicea se avalinem relagio a ese fim, e por iso af apenas pode haver o monstraoso ou o colssal Mas, enguanto «monstruoso> diz respeto a0 objcto que vai contra o seu fim, «colossal» designa a preventagio de um conctito «quase demasiado grande para toda a Dresentagios, Ao mesmo tempo qu exch o paregon 0 colewal no fe afiria como ergo, ele assnala nos limites do presentado a ina- equagio da presentagio 4 ideia da razio, Essa inadequacto ¢ do {nesine tipo daquela que caracteriza o sublime na natureza, pois eta Go resulado de uma proseeio da razbo: © eentmento do clos, efdto de uma pros subjctva,€ a cxptdncin de ua inwdegungi a st preprin da resent canes, forge toda e presetnto atcqunda a propia de ue inadequaao Jo poeentante no presetade da presetago (eri op. 15 © sentimento do colossal como experiéncia de inadequacto & experiénsia do confito entre razao e imaginacio que caracleriza 0 Sublime. Correspondende o colosse a umconceto «quase demasiado grande para ser repesentado», ele exci qualquer quadro que lhe Gelimite as dimensies; no entanto, ele ndo ¢ilimilado, no seu limite inscrevese o exceso do limite, a possagem entre oinforme ea forma to sublime do colostal, se nio releva da arte ou da cultura, também ‘io tem no entanto nada de natural. esatura do colosso nao é nem Cultura rem naturem, € a0 esmo tempo uma e gutra» (Dertida, op fits 160. Conespondendo a um duplo movimento de aracgio ¢ repulss, proximidade e distin, limtacioeilimtagio,o sublime € 0 pensar ue desraturlizao sujet, grand quer a conscitnca de separacéo A natureza, quer ada frepiidade dessa separacic, a qual nfo é nem negagio nem afirmagio pois aquém do sublime seria 0 abismo, sem Consclénca dele. £ por iso que o pensar o sublime, ndo exstia sem 2 fagildade dos ensuadramentos, sem as passagens que estes permi- teme que sio tamben inlerrupgdesnao assnalaves indeterminadas. ‘Avrelagio entre 0 belo # 0 sublime joga-se nesse trabalho do quadto, pis também o belo partici da instabilidade do lime, sem SMfual no se ullrapasa a fruigio do apenas agradvel. De facto, se om Jean-Luc Naney corsiderarmes o belo na dependéncia de uma fruigio que corresponde & instauracfo do sujeite como garante da 170 a institucionalizagio da iteratura anidade do diverse, teremos de admitir af um «interes profi fe , ir af um sinteresse profendo da ratdov,o de presentasio « autopresertasioy que @ cenprnse intetramente identifica o belo com © agradavel A suspensia dee interesse, por sua vez, aproxiatia ¢ belo do sublime O sublime € assim condigio para que 0 belo, endo mais do que bel, pos see Feo, Do io 2 subine passe da lmao 9 mf, nde existindo um sem o outro, pos no pena a forma mas tambins sua retrada et implcada na ogto que we desprerde do interetse profundo da razdo, enquanto, por sua vez, o exceder da forma ¢ ura movimento que informinavelnente a deste Oboe subtine soa presen, ms deal ms qu oes resentado na presente, enquanto oeiblime a presenaghc ta sin n-go ue 6 ourcetmerto able daiautadoo bugs devodoe ins O ishlie no ¢ amor do quo el ck nie mas evade ae Com ve dino se oto dato massed fo senidc em gue tce, Cepeigie retirada ilimitada do belo (Nancy, 1988: 55). ‘ 6, Estética e constituicio do campo literario © a-fundamento da estetica em Kant como desituigéo de primazia do gosto chiller uma Kdeologia da etética— A nova mutologa (remantic) come meio {de atingle » comunicabiidade universal. Hegel: a estélia como o depois da te, ~ Da perda do cult a autotlsme éa arte, Dade que para oaparecimento da literatura, ne sentido moderno do termo, foi decisive a autonomizagio da escrita, enquanto acte, em relagio a um dominio mais vasto da literatura, que englobava a aproximagio humanista de poesia céncia ou de poesia e moral, nesse aparecimento condensam-se ¢ interligamse duas ordens de proble- mas: por um lado, o conhecimento estrutura-se como relagdo entre lum sujeito e um objecto, sem quaiscuer limites que Ihe sejam impos- tos do exterior; por outro, reconhece-se a existencia de um tipo de discurso que, para ser considerado objecto artistico, deverd ser sub- metido a um juizo ce gosco. Este comega por obedecer contradito- riamente tanto a modelos de normatividade em relacéo ao bem e 20 belo, quanto a critérios de originalidade e de expressdo do singular, 1s quais tem por base nogées como as de autor ou estilo e se legiti- mam numa estratégia de relagio com o piblico e com as diversas instituigdes que intervém na formagio de uma opiniao publics. ‘abre-se a bipétese de pensar o literéric a partis do juizo de gosto como procedimento decisive para a constitigio do campo literirio. Tal jaizo, como vimos, fundamenta-se exclusivamente no afecto, mas sup0e a priori a esperanca de ser partilhado por todos os outros individuos, ou seja, de, sendo abjecto de um juizo reflexive, que parte do singular, adquirir um estazuto de texemplaridade, aquele que leva a por em discussao as generalidades 1 partir dele construidas ¢ que deverio corresponder a sua finalidade sem fim. A discussio assim desencedeads, que 6 um protongamento da resposta imediata enquanto sentimento estético, pode ser conside- rada como um dos elzmentos essenciais da constituigao de um campo literdrio, na medida em que favorece a constituigdc de uma meméria comum apelando para a selecgio e arquivo das obras de arte. A literatura, enquanto arte profundarrente ligada ao efeito de represen- tacho do objecto artistico,e, portanto, desencadeadora da expioragéo m Da institucioraizacto da eratura dee lt tte prom eo wen ge passin Saori ages einen Coat akon eta ips aesteh leer scene ae Sete edema ta ne fos wi eensiage era tome $e on alee Epica Eeaenioc 1nd an ema ae Sct cbiiejeumuerena gga h eee arte rinn Be Sal ceplineai a sae ite en cee eae coe see Ts ee See soo are pn rece rch Ee Sip a, oe aaace ge ine Ss Se AMOS pea tins i erp came seeps arpa Meera salen ha hm ee ceo fan otis ae sneiedee aan cmctacn eon NG Sa ne dope po omc ote ullsn cons peru gaat Hogs et shee Dena Shinn petite theme a geen Sinn ecneSeiase Stgs Santen srguls eeandoemeiten enema Sedat ecco econ menue drt tee mn Soria en sph once a nmcreas cing Fe pr ttn tom ssa ppc eo segues Snort came oa CGumaremesmerreng ow inane o pinata bE Fa ao a a Pe a Gorcosints oe Cited Sint ang sl ac ates ce i pattie ee ie re” tao prance taet mes capes Estéecae campo lteritio 173 (ondmero ou a «coise em sis, x0 sentido lantiano);entre iteralidade « figuragso na linguagemy entre arte e moral; a questio da educagao do gosto; ou ainda a da funcio social da arte, Todas estas questoes, que recetem na terceira Critica de Kant uma base ambigua para desenvolvimentos futuras,ultrapassam porém o ju20 de gosto, por- ‘quanto 0 sem da «finalidade sem fim> (que é uma caracterisica da representagio dos objectos julgados belos, néo sendo negacio, mas sfirmacio de uma ausénch, faz de todo 0 juizo estitico um trabalho de enquadramento e desenuadramento que nos stua sempre na passagemem que o belo eo sublime se dao um pelo outro. Igeorar a limitagao e iimitagao a que se procede 108 julzos estéticos 6 ficar pelo equioco de considerar o sentimento do belo como um acordo entre «uma fundacéo do sueito como tnidade das ‘aculdades e uma legitimagio da conveniéncia dos cbjectos reais com a destnacio autntica deste sujety, a Idela de natureza» (Lyotard, 1988: 149). A “Analitce do sublime, obrigando a passer do pleno acordo 20 con- flto entre as faculdades, subtrai 0 juizo & destinagio da natureza, tomando visiveis a precaridade do quadtoe, portanto, a da corstituk «io de qualquer dominio zutéxome da arte e da literatura, Ea propria «intuigdo» simbica que pode entao ser pensada fora de uma total subordinacao a mecanismos de destinscio da natureza, que a convertem em intuigio plera, captagio imediata do dado. Entendido como analogia ot presertacdo indirecta,o simbole pode ser consicerado como efeio de indistircio e irredutibilidade entre 0 natural e 0 nio-natural. Sé a naturalizacio antropologico-tecl6gica do simbolo permite a Kant colocar 0 belo do lade da moral, por conseguirte da Natureza ¢ de Deus. A afirmacio «0 belo é0 simbolo do bem moral» (C.F, § 59) tanto pode ser lida como uma natura- Tizacio que apela para um acordo furdactor do sujet, como enquanto reconhecimento da importénda histrica da formagio moral para a ‘qual o sentimento cerrespondente a esse acordo contribul d= uma Inaneira decisiva. As duas leituras cruzam-se quando Kant admite {que a naturalizagio do belo como simbol do bem dé lugar » uma verdadera propedéutica para fundar 0 gosto», que consiste no “desenvolvimento das deias morais eno culivo do sentimento moral» iid, § 60. No entarco, controverto que o gosto tenha uma grande importincia no pensamento ce Kant. Gadamer (1660: 91) censura a ‘ste filésofo 0 ter azibuide a prodigéo do belo atistico ao génio, desprezando o fenémeno do gosto Par sua vez, Bourdicu, defen- dendo a tse de que o gosto éum mecenismo privilegiado de distin- ‘a0 de clisses, core a uma afirmagio de Kant en Antropolagia do 1m Da institucionalizagio da literatura Ponto de Vists Pragmstics, onde o gosto aparece dotado de um pi de diferenciacao: © gosto ¢ uma dinpesigio nla para eiferencin e capri, como di Kant ou, ew pefere, para etaelecer ca mace ferences por {tnt opergio de dating que nde € foun 6 recearnmente) un cone: "mento dint, no serdo de Lebni, ols ssqgraoresnhecimento no Sentido oniniri) do objeto ee inplcar ¢ conbecimeno dos egos Aisne que o definem Eom propridide (Board, 15754) Quando, na Critica da Faculdade de Julgar, Kant atibui a0 gosto uma fungio aniversalizante, isso nao significa que v4 contra aquele poder de disingao,sigrifica sim que o gosto como funclo de orien- {ago em sociedade ¢ integrado numa perspectiva de emancipagio ‘camo elemento fundamental de uma perspectva demorética que Luc Farry considera o gosto, entendendo-o como o lugar de uma tensi0 entre 0 subjective e 0 sbjectivo, o individual e.0 colectivo, Decsa tensho deriva a extrema importincia co belo: «O belo é aquilo que 10s rene simultaneamente do modo mais confortével e do mais risterioso» (1990: 41), ‘Aparentemente contraditéras, as posigbes de Fery e Bourdieu rio diferem profundamente: embora o primeizo conclua pelo elozio do belo e o segundo pels necessidade de compreensic dos mecanis- tmos de impesigio dos produtos artistcos, ambos ficam pela subor- dlinagdo da arte ao fendmeno do gosto. No entanto, o mais importante para 0 campo artistico parece ser a sta irredutibilidade face a08 juizos de gosto. & essa irredutiblidade que faz com que a arte nem possa ser felegada para o estatuto Ge objecto simbslico legitimador de diferencas socais, nen para ode objcto cuja legitimagio traduc a coisténcia de um consenso demozrétice. Apenas a separacio de arte ¢ gosto, traduzida na reeusa de um principio de universalidade da relagio com os objectos de arte, noe permite pensé-la desvinculeda de um movimento unifozmizantee situs-la em relagfo com a demo- ‘Assim, se 0 aparedmento da estétca transpée inteiramente a reflexto sobre o belo na arte para a endlise do estado afectivo da relagio de um sujeito a0 abjecto artistzo, ele € desde logo excedido por uma idea de arte e de Uteratura que nio se deixa resumir 20 “Abjectivo inter-subjectiva. Podemos pois dizer que com Kant se fc afundamento da etstcn, 0 goal resulta da imposiiidade de separar em absoluto 0 belo ¢o sublime, rind este processo de ilimitaglo em que qualquer pretensio de um qudro ou de um fundo seabisma em defintivo Estétca ecampe literério 75 Mas também podemos dizer, com Heidegger (1951, I: 75-89), que a fundagio da estética implica o fim da arte tal como Hegel o apre- Senta. Assim como em relagio a0 «principio de razdo» Heidegger considera cue a Idade Moderna apenas descobrira o que esteve cesde sempre implicto na histéria da mezafisica, também em relaclo a testética ele se pronuncia pela sua existencia desde Platao © Arist6- teles. Nesse perspective, a estética radica na dicotomla matéra forma, tomando a obra de arte susseptivel de ser caracterizada e avalinda pela sua aparéncia. Com a imposigio da distingSo matéria/forma {ficialmente associada a fabricagao de utensils, 0 sentido primitivo de lend (segundo o qual esta rio se apae a physi, pois & apenas um deixar produrir e nso um cominar) altera-se, sendo a partir dessa ‘mudanga que a reflexio sobre a fabricasao de objectos artistcos ds Iugar a uma reflexio sobre o belo. NaldadeModerns, a afirmagio da subjectividade faz do gosto uma relacfo privilegiaca com os entes, da qual depende o aparecimento do termo estétca. f, portanto, desde ocomeco ca metafisica ques estética (reflexao filoscfica sobre a arte) Corresponce & passagem de um acolhimento das obras de arte alheio a toda a areflexao conceptual» para uma interrogacéo que visa expli- Célas na sua esséncie, colocando desse modo 0 problema da sua legitimagao. No porque os Gregos remetessem a relacio com a arte para o camrpo das wexperiéneias vivicas>, Fois eles cesconheciam tal {oisa. Pelo contririo, 0 saber celes era o de uma chridade primor- dial, uma auscultagdo sem interrogacBo, que dispenseva por completo ‘estética. Na sequena da grande arte grega, antecior a ciéncia da legica, toda a grande arte prescindia de justificagdo, pois ela «no & somente grande a partir da alta qualidade da coisa crinda, nem apenas tm virtude dela, mas pelo facto de constituir uma “necessidade abso- Iuta’s (Hleddegaer, op. cit: 82) ‘Com Flatio iniciou-se a necessidade de dar justificagbes em rela- cio 8 arte, mas foi com o desenvolvimento da estética, quando esta atingiu o seu momento mass ato, com Hegel, que se tomnou evidente que a arte deixara de ser uma necessidade absoluta, £ a perda desta ‘que da lugar a célebre declaragio de Hegel segundo a qual «a arte &¢ Permanece para nés, quanto & sua tuprena destinacio, uma reali- Gade passidar. Segundo Heidegger, 0 facto de exstirem obmis de arte notaveis posteriores a arte grega ou a da Idade Média tardia ndo ‘ode par em causa aquelaaismacao do Fiege, na mecida em que essas {bras apenas tém tum valor reativo, isto , so avaliadas a partir do gosto. A caracterizagio sumnaria que Heidegger faz da estética parte Go seu repaidio da objectivagio e da intuicdo, processos igualmente m6 a irstitucionalizastc da literatura rejeitados por todos aqueles que actualmenle se opdem a uma ideo- logia da estitica. No entanto, a sua tentativa Ge zestaurar um valor absoluto da arte conduziré a tmoutrotipo de ideologia, uma ideolo- ga do poético. Quanto is propostas pés-kantianas de prossecucio.da estetica, elas «esquecem» normalmente aquilo que € decisive na Critica da Faculdade de ‘lgar, a mpossibilidade de qualquer funda- rentacio da estética, decorrente das propriascaractertsticas do jaizo estétco. E assim que os diversos autores que prosseguem o projecto de uma esttica, como Schiller, Schopenhauer, Nitzache, Adorno 4 Cadamer, prociram tma fundamestagie antropoligcs da eativa [No entanto, tanto em Nietzsche como em Adorno a afirmagéo de un fandamento inclinase, através da nogio de jogo (simultancamente natureza e cultura), no sentido da indecicibiidade Embora se situe na sequéncia de Kant, como 0 afrma expressa- rmente na primeira das Caras sobre « Eduagio Estéica do Homem (0795), Schiller iré inflectir a cencepcio de que o julzo estético se jo conhecimento e da moral no sentido ce confer a primazia ‘da arte coma verdade eo ber. Em Kallas ow Sobre a Beleza, na carta de 25 de Janeiro de 1993, Schiller distingue quatro modos de definir 0 belo ~ sensivel-sub- jestivo, racional-objectivo, racioral-subjectivo e sensivel-objectiva -, correspondendo o primeiro ao empirismo, como acontece em Bure; © segundo, a estétin da perfeigio, defendica por Baumgarter, 0 tereeiro, a fosofia kantiana da arte, e sendo o quarto defendido por si proprio como exigéncia de um prindpio de objectvidade. Schiler ‘omega pela contestagso de um pensament> da beleca que a faga ddepender apenas da sersbilidade, cu da perfeigd, para em sepia se confrontar com a exigincia kantana em relagio a0 belo, a de uma finalidade sem fim. No seu entender, se esa, lal como a distingio entre uma beleza vaga ¢ uma beleza aderente, tem a sua azo deser 420 separar 0 ldgico do estético ela deturpa contudo 0 conceito de beleza, pois esta, a0 ser concebida como forme de uma forma, «supera a natureza légica do seu objecto», a qual € por isso mesmo presst- pposta. Concilia-se desse modo o emocional ¢ @ racioral, cabend: a proposia schlleriana numa estéica clissca, uma esttica do can feido, a qual encontramos definida na carta de 28 de Janeiro de 172, ‘Na carta que se accha de reieris definem- a sua propria le, ‘sem aceitar qualquer constrangimenta da realidade. ‘Com Schiller, a nogio de aparéncia, tomada desde Platao numa acepeio pejorativa que a considera como o aspecto imediato de uma coisa ou fendmeno susceptivel de iludir a sua ve-dade ou esséncia, tende a ser valorizada positivemente, deixando de sor um simples plo negativo de uma ofosicio. Coloca-se entio a possibilidade de con- {eri legiimidade moral? aparéncie «na medida er que ela é aparén- cia estética, quer dizer, aparéncia que nfo pretends substituir a real- dade e ndo tem necessidade de ser substitufda por ela» (XXVI Carta). Schiller estabelece, assim, uma oposicio entre a natareza ea liberdade do homem enquante capicidade de construcao de formas ou aparén- cias auténomas, oposigho essa que o desenvolvimento do seu 2r6prio ppensamento se encarregers de por em causa. De facto, a actvidade estética do homem uo € corsiderada como resultado ocasional uni- camente de te de circunstancias fortuitas, was & integrada por Schiller no desenvolvimento histérico, com 0 valor de elemento dec- sivo no desenvolvimento civilizacianal e ético da humanidade. f na medida em que a teleologia implica um fundamento natural que a autonomia da aparéncia em relagioa ratureza e aoque ela determina 180 ‘Da institucionalizacio da literatura dda realidade se revelainsustentével. Do mesmo modo, & pore a "parencin se integra peefltamente num sistema histriita mess. ico que ela pode estar no centro ce uma concepgio cue atrbt ama fungi moral social 4 arte. Si a partir desta a educagto estiica , reconcliagto estéice propesta por Schiller ‘io visa imeditamente ma e:teticzagfo da politica, mas indiree tamente a transformacto da poliica através de am dominio indepen- dente, oda rte identificada coma aparéncia prodzida em iberdade elo impulso estético, daminio esse orde po: exceléncia se manitesta Iquilo que é comum a todos. 'No entanto, se se entende a educacio estética como modo de atingir uma razdo comnicacioral, ou a efessureigfo do senso core desta» (op. cit 83), iso implica ecessariemente que se The corira Frimazia em relagio as outras actividades igacas a fins paticuleres, Etque, consequentemente, a arte adquira uma autoridade que vem Substituir a attoridade religions. E uma autcridade que 96 pode San- dar-se, em iltima instincia, na ‘adicio ou na meméra conservada ras obras de art, mas que aparece jusficada pela exstenca de wma faculdade de harmonizagio dos impulsos naturas,faculdade essa que se revela apenas numa circunstania, a predugto de aparéncas. [X-defesa da astonomis da aparénciacorressonde a um movimento ‘ontraditrio: por um lado, ea pretende surgir de um desinteresse; por outro, a alucacio estétien que dela Gepende e resulta tem tm Interesse imediatamente poltce, o de ser um modo de totalizeci0 Entética e campe literério 181 que reside na faculdade de «tornar socivel», tornar comum através do desenvolvimento de um impulso comum, formar 0 gosto, apresen- tando-o como natural e universal, Nesta pretensio de universalidede reside aquilo que faz da utopia estética, iniciada com Schiller, uma ideclogia da estética, como the cchama Paul de Man, para quem «é enquanio forga politica que a estética ainda heje nos diz respeito.como um dos mais poderosos mecsnismos ideol6gicos que intervém na realidade histérica» (1984: 264). A esté- tica converte-se em ideologia na medida em que >retende afirmar a ferinténcia de wun cunnunicabilidade eevencial, © que faz com que Sef mpossivel restringia a urs dominio especfico, oéa aparénciz, e com ue, pelo contrério, se Ihe atribua uma fangéo universalizante. Veri- fica'se mesmo que a edificagio de uma ideologia estética é um modo de «igncrar» que a par da autonomizacéo da arte e da literatura se coloca © problema da pessibilidad? dessa autonomia, a qua, resul- tando nio s6 da erosio da anterior fundamentacio mitico-raligiosa da arte, mas tambérr da afirmagao de novos campos culturais,corres- onde a abertura de ume erise de identicade coma qual se debaters a partir daf toda a critica que no se subordine a uma filosofia ou cestética da reconciliacéo. (© aparecimento da critica, com 2 Querelle, 20 por em causa a fundamentagao tradicional, introduz 4 nogao de um valor social da arte, a qual se consolda durante o Século das Luzes, apesar de estar na dependéncia de uma noglo ambigua, a de gosto, que tanto diz res- peito & normatividade imposta pela “radigho através de sr: sensus communis em que éticae estética se relacionam, como ao que 6 >r6prio e portanto original. Nesse processo interferem quer © aparecimento da literatura, em que a crise da razio se d a ver como crise da univer- salidade centrada na nogéo de sujeito enquanto causa; quer a reflexto sobre a linguagem, que coloca em relasio com ama perda irrepa- rivel do imediato; quer a Critica da Faculdade de Julgar, que poe em. ‘causa a existéncia de ume estética como esfera autsnoma do canheci- mento, excluindo a possbilidade de um juizo objectivo do belo & colocando como cordigao do juizo estético a ndo-subjectividade do sentimerto estético, decorrente, como vimos, da ideia de prazer desinteressado. ‘Apesar da oscilegdo antre uma eritica do gosto e uma teoria do .génio, a ambiguidade da nocio de gosto s6 desaparece com Schiller, lecorrendo do seu projecta de encontrar uma justifcagio abjectiva do belo, Desaparece assim qualquer possibiiidade de um juizo estético dizer respeito ao singular: ele nao supoe apenas a comunicabilidade 182 De institucionalizagio da literatura ‘como ideia reguladors, mas afirma a garantia da comunicabiligade, pois o impulso estético que é constitutivo da natureza corresparde a ‘uma comunicabilidade livre de constrangimentos. O que se vetifica entlo com Schiller 6 fundamentalmeste a passagem de uma fase em que o poder do campo artistion (e Lterario) se afirma socialmente admitindo uma pluralidade de pontos de vista que o justificam, mas ‘alo determinam (Kant «Gostos nao se disputam, disaitem-se>), para uma fase que significa a necessidade de redugao de pontos de vista, de ‘modo a encontrar um principio legitimador. Schiller considera incor- 1ectos ou insuficientes as modos de legitimagkn habituais na épaca © propoe-se estabelecer novas bases que permitam a avaliacio das obras de arte ‘A.necessidade de redugio de fontos de vista é a necessidade de encontrar um fundamento, que Schiller apresenta como sendo 0 «kleal de Humanidade». E por isso que a estétice surge como utopia, ela ao se refere ao homem limitado pelas circunstAncias hist6ricas mas 420 homem tal como a razao o concebe. isto é, enquanto sujeito de um processo de emancipasio. A utopia estética constitul-se assim czmo ‘um duplo da utopia das Luzes: superar a divisio do homem, repar- tido entre os impulsos contradit6rios da sansibilidade e da raza, através da sua sintese no «Estado estéticom. Este 6 apresentado camo tum reino da liberdade, o nico que a pode tornar real, pois tanta no “Estado dinimico do Zireito» como no «Estado ético do dever» 0 Fomem esti em oposigio natureza ou acs outros, e é apenas no ‘Estado estético» que o individual e o social se reconciiam (cft, XVI Carta), Se compreende-mos o «stado estéticos como um modo es- Fexfico de actuagio do homem, ele pode aparecer como um modelo a atingir, mas dificimente seré identificado com am Estado no sentido rolttico. A atitude esté:ica, do ponto de vista de Schiller, é soberana nas diz respeito a um cominio limitado, 0 da aparéncia ou da Forma, ue se separa da realidade, como lemes na XXVH Canta Mas o homem sé potsui exe dieto soberano no mde da aparécia, no reing nanimado du imaginagio, 2 apenas ¢ possui se se abstiver eer: ppulosamente de procimar a evstnciaferica deste munco da aparénea,¢ Se renuncar a conferivIne existncia prtica Fodeis ver assim que 0 poe!a tltrpassa do mesmo modo 0s seus linites atribuir exiténcia 0 set ‘eal, que ao perseguir2om cle uma determinaca evsténcla. Porque sé pode Jovara cabo riba as “isa de dias maeiras diferentes: ou ulltspasstndo 0 seu direto poético,cuer dizer intervindo por meio do ideal no terr2n0 dda experitnciae arrogando-se di faculdade de determinar uma exstincia real valendo-se da mera possibilidade ou entlo renunciando a ese dito police, cuer dizer detando intervie a experineia no terreno do ideal, © Iimitande possbiidade as condigbes que impoe a realidad Se UU Esticae campo litera 183 De acordo com ¢ demarcacto que Schiller aqui estabelece, nunca uum object podria ser julgado belo risma relagia com a realidade, nem a realidadejulgada ruma relacSo com o modo ideal do belo. A legitimacio da arte seria, pastirdacui,automética. Kentfcada com a csferaes:tia, cla seria enstituida pelo reino da aparéncia, ou das formas. Mas a justificagic antropolégica que Schill encontra para 0 Ideal de beleza como Ideal de Humanidace contradiz a possblidade de delimitacdo rigorosa que ele estabelece: negara intervengio do mpulso estético nas mais diversas manifestagdes da existéncia seria negara oun natureza dfinicora da canta humans, acitéln ¢ 6 por em questio a possblidade de ume aparéncia auténoma, que € Un dos conceitos-chave da concepgio schilleiana do eatético. Als, é 0 praprio Schiller a wignorar» essa autonomia quando faz afirmacoes directamente politces e que constituem 0 fundamento de d:versos equivocos politicos que s revindicars da estétic. Como exemplo, pode apresentar-se tma passagem da IV Carta, em que a harmonia tire a singularidade dos individuose Tstado depend apenas de 0 homem estar «interiormente em Harmonia consigo mesmo>, pois enido «o Estado sera o mero intérprete do seu belo instinto, ser tio. “36 uma formula mas clara da sua legislagdo interior. A existéncia de uma comunicabilidade essencial,a do impulso estético, impedivia a sua resrigio a. um dominio espectico,o da aparéncia. A mesma ‘mpossiblidade de deimitagio de um dominio auténomo resulta da nogio de impulso estético como impulso desinteressado, dado que a nogdo de desinteresse s6 se pode referir ao sujeite que percepciona sma forma, sendo pertanta ele que a qualifica com participando do estético endo a forma quecoresporde a um abject esttico, ‘A medida da pretenséo de inscrisho directa da produc estética na vida social pode encontrarse nas diversas tentaiivas de Fundagéo de uma «Repiilica das Letas>,a que se associa quer onome de Herder, quer 0 de autores romanticos da época, os quais zelangam um pro. Jpctooriundo jé do Renascimento, Trata-se do projecto de uma inti- {igo que abrange lteratos de todo o mundo, ecujo cobjectivo titimo é 1uma sabedoria que consiste no conhec:mento das verdades necessé- Figs ettels ena divulgacBo das artes e das cincias (Fiz, 1987:79) ‘A jusifcagio antropoldgica da existéacia de uma esfea estética, {al como ela € apresentade por Schiler, pode dar lugar a varios tipos de desvios em relagio sua afimagio nical de separagio de aparéncia ¢ realidade. No entanto, nessa formulagio inicial, ela distingue-se do absolutism podtico que, a9 colocar a arte como real absolut, impede qualquer Jelimitagiode um campo artstico, de um campo epistemo- 14 Da institucioralizagio da literatura logicoe deum campo pritico, repulados por nomas diferentes. Os, 6 exe ipo de norman pode gant, por eemplo, a liberdads do artista, no sentido de iberdade de exserimentago ede manifesagto rola de originalignde ‘dela de uma exfera do atsticoregulada por normas expect fxs nfo Eneemariaent cg, seo, no eat, tatoo jusifcages antropoligcas como ae onfologca, gue subotdinan a Verdade de uma lel tetrica Ago que ¢ de domino da conse de um campo cultural Esta distngto impli, em primero haga. que 23302 pos falar de are como se foe ego dein de una es for todas e, em segundo lugar, que se consdere que exquanto canipo ecco da acide scl compo arbiconto mplica nea Fiamente um poder ouautordade inguestndvel Esse poder apenas Ihe €conferido quando, como em Kant, oscordo da feuldaces no sesmento do bo em como ert elo aru resp ficho de umn Deurartst uy, Schiller se} como em chil, se justin prodasto Ae formas teas a pars de impulse originfros que aproviners © rea ae divindade. ae ottanto a idenicago de aritico com esto (solidi da fundamentasio da utepia de um sEstado eteGeos) que confer. s0 «sitio uma important org ideoligiea como assnala Paul de Man Masaquia queens cana, ama conse ert a Kane pes vendo ean gue ¢ ode Se» oes aa ‘Stegoribolada mam pine de ats ene va fod conte, acide nedosdeconcineio.O que nf coca o tcu pce pris enno, ones nono pon falta € a san ein igs com o coaheumena sr inplagee qpeiegers que wre esto ening quanto eto vue mo rated deus 58s Notes. no enanto, que nfo porgu esti sj relaciongvel com o teria e pratice que ele pasa ser ta forea login 0s uma coisa e afrmar ess relagioenguanto jogo indeterninade eta Sin uasomar geo tn rab. nendendo elo a sempre como uma fogatoilizant $6 exist uma idelogis do SSteco quando se pretend, nao sper que ct e aio oo conheciment mas quedetermina ease conhctmento al como det tina a mora pots tem origem numa font euperor de verdad 'A utopia echllrana de tum «Estado telco nfo evtando dependente de uma visao historicista,coresponde a um ideal que embora afirme a iredutbilidade de wma diferenca entre o dominic da aparéncia, ou da ete, e 0 da efevtulidace historic, deta etal mente em aberto hipiteseoposta de onde resultaram dives — ae ee Batetica e campo lterdrio 185 versbes politicas. Pede destacar-se, como faz: Fiz, «o Estado estético ‘como medelo eo estado eststico como aberracio» (1987: 79). Enquanto a tradigao do primeiro se retixe a todas as tendéndas para atribuir A arte ume funcio formadira essencial, na iradigao do segundo podem situar-se todas as visbes do Estado como obra de arte, ou sejt, todas Aquelas que defencem a relacio directa entre estéticae politica. Estas, fortemente condenadas por Walter Benamin como constituindo um ‘eesteticsmo da polica», encontram © seu momento mais radical no nazismo, Na Alemanha, em 1932, chegou a ser publicado um pan- fleto, de H, Fabricius, cule tfulo eta «Schiller como companheiro de lta de Hitler» (cfr Fiz, op. ci: 80). ‘Apesar de todas as possiveis implicagGes totelitarias que decor- rem do sesquecimento» da impossiilidade de fundamentaggio do juizo estético, posta em evidéncia pelo pensamento kan‘iano do sublime, a concepgio de um dominio auténomo da actividade artistica, corres- pondendo a necessidade ce ter especialmente em conta a finitude do hhomem através da impertarcia conferida aos sentidos, ndo implica necessariamente uma estetic:zacio da politica de acordo com a qual fa arte exerceria uma fungac de legitimacio desta. E perfeizamente ossivel conceber um dominio artstico eauténomo> e colocar a ética ‘ho primeiro plano das devisdes socials. Considerar a autonomie da arte ‘eda literatura , acima de tudo, corsicerar o problema da autonomia. De facte, se por esta se entender uum dominio dotado de uma finali- dade propria reconhecivel ou determinével, isso implica automatica- ‘mente a possibilidade de integrar essa firalidade num sistema cons tuido pela articulaglo de diversos dominios autSnomos parciais, ¢ portanto a possibilidade de anulaczo da autonomin. Mas se se admitir 2 existencia de ume finalidade néo determindvel a priori (finalidade ‘sem fim), esté-se apenas a admitir a possibilidade de autoncmia, ou Seja,esti-se a admitir que, em cada caso, ela possa existir, mas tam- ‘bem possa nao existir, $6 se pode falar de autonomia da arte ¢ da literatura se se entender a autonomia como possivel, como aquilo que constitui problema. (© problema, owa crise de identidade que a «literatura» como reali- dade «auténoma» constits, 6 ustamente o da impessibilidade de dizer proprio (0 auténome) e da necessidade de crenca na possibilidade de dizer 0 proprio. Assim, sempre que se considera a arte come parti ‘pacio imediata do absoluo, o problema da autonomia da arte é aulado. [A rejeigio de um dominio estético autromo, corsequéncia da abso- lutizagao da intuigio, na Filosofia da Natureza de Schelling, ou do devir-absoluto da poesia no romantismo alemso, parte explictamente 186 Da insitucioralizagto de erature de uma vontade de tetalizasto, isto ¢, da imposigho de um discurso da verdade Trata-se de confers primazia Arte sobre a filasofia eo siscurso postico sobre toda a arte. C historiesmo a que a absolute zacio da literatura conduz é um memianisino que promete a reden so pela arte considerida como o modo «raturaly de ocosrenca da verdade,englobando por isso as ciéncias ea filwofa recuperardo a necessidade absoluta cue s6 pode sora de uma relgiso, com o romantismo alemao, mais especiicamente com o grupo de pensadoresreumids no final do séaulo XVII em Tena, em toro Lin revista Athenaeum, que as questOes susctadns pela mutonominscao do campo Iterésio se radicalizam corduzindo a lterstura} inteso. sgacfo de si mesma. Inugura-se desse modo usa sidade eitices ems ue a questi da ident dade da literatura, e com ela ado seu destino € destinacio, pde em causa a hitrarquizasio entre flosfia caste on ‘losofia e poesia, dominante em toca a histria ds metasica © somantismo teico» (assim designado in Laocue-Latarthe © Nancy, 1978) pode ser entendido a dois niveis que ce ariculamn enti 2 como necessdade de encontrar uma resposia crise de legitimssao {que na sequéncia do recionalismo das Luzes e da fileofia kantana, €0 resultado da ausénca de uma autoridade capae de determina ¢ smifcagio social; como instauragio de uma lada ade rellexio,e por conseguinte dependen'e da idea de pres so enquanto autovengendrament. ‘Manfred Frank cham a atensio pera a importincia do problema a legtimagio que, radcando ro romantismo alemfo, «a princina epoca ater cescrito o afastamento entre 0 Estado a sociedade (.) cemo tm problema de perda de legitiniagio- 1980: 1) se prolonse atéa actualidae, Um dos indicadores cesea importanca €olntesee pelo mito. Airmando-se como um valer para alsm do conhectments rasional,o mito represerta a possbilidade de reconciling das diver sa esferas da cultura, e, portato, de unifiagho social Tratacee de tum valor supremo, ingcestiondvel einacessvelaraves do cleus ¢ dl raciocnio, que estabe ee entre os membros de una comunidad « ligagdo onganica resultante de um fando comum dos valores para. Thados, ‘Uma pese-chameira na afirmagio éa potencalidade uniicadeca do mito enquanto afirmagio de tm Sajitorhumanidade opeste & fragmentasdo da colectividade que conaiui o Estado €0 docemerto ‘ncompletointitulado O Mais Antigo Programa Sistema devs Aledo, aeibuido a Schelling (cr, Lacoue Labarthe e Nancy, 197. 40) De acord com este sendo Fstado qualcuer coisa de mactnice, [Estetica e campo iterério 197 Ree eee Se eae ae eee SS ee ee ee eee ee ee a ee ea iia aera nh tesa oS ee ae ee ee a eee ise ery ene a cree eel Fee erg re ae ere FRE eee ree epege ne Se eee: ee erent ee a saea es Se a ee nr ee Ce ee re ae See ee eee Sa eer cae aes Se al ee eee ree ee ae re ee ae eee a eeneretetery eS Sans aes a a ea el “fon nge ps cr on la ot ile A Paar tnd er pecs Se eee aaa eee ee ee ee es ee eae ea jena hae tae ck ctaraieaet ies Seance nen aren raaaaes eee "Bl im Sobre Esluds da Pocsa Greg, Schlegel apresenta como factor Re ee ae sree Se ee a fr aaanie ees as eae a ae as ee a eet ieee vontade complexa. fidai que resulta a importancia conferida zo ind a ape at eee ry 188 Da insttucionalizacio da lieratura 1 poesia, nog denteresane api poesia moderna salina 0 seu earicter afi, de poesia Fndada ma Fefleao\e, Por cones, suinte, infita, em oposig ao carter natural bjctivoe fora scabada ca poesia ang, O lugar central do historcmo no desenvolvimento da teria romantic da literatratnha sco apontade por Walter Benain ue, numa carta de Abst de B19 a Emet Shoe, la deo motivo aloe auais na sua tese O Conceity dr Crce do Romantomo sendy te abordou vo mesianismo, casio do romantsmon tin Lacoueabes the, 1986110. Apenr deo taballe Benuml nae see onerato ara compreensfo do romantsmo a parts da su entncn meni ca, em «A teoria etéca dos primeifos romintcose de Coches, apéndice que sinetizaedestacao aopetosprincoas dost, eta clasamente a dstngio entre alia como ctegeria omsnicn du ec € Ideal da arte pronsequldo pea pocica de Goethe, que a piscina epende em absoto do messianisne come unt espe de ison cso, Embera a poetics lssica do cond, ea torn, do deri artlhem a coneepo de supremicia da poes, que advem dese Flaio por exclencia& verdade, na primirscida obs wepetes na contingéncia historia masindfrentea qualques feos precinct um arquétpo origina, eterno, inte poral enquanto na segunds 2 verdade est em permanente ralizago, dondse como peomesea ‘mum futuro, Benjamin az correspondero Léa! a ein ch senate Ptnico,acntuando «separago ete os arquéipo es obras, hers como. das obras entre si, Bolas to suetastoiselamento edaper sto inerentesdausénca de qualquer principio delgagho orga Na sa elo aI chr agua pernanece por anim der fragment wtorom Ek, sm etre ido poe procse ey "io eno to de mode que el pode dures com eine ke ‘semelan oda Sune ss Stns ei data de sing on agen opm ceicmeto vo wade propo! ejay a A oposicio, exabelecda por Benjain entre 1 relago esttica que liga a obra ao Idea! ea zelagio dingmen da bra a eis resco catictervtlta do penssmento romantic. A cba ¢realzagao da ldsia samedida em que portcpa da netareza dela daun ide senlo rox sa vera obra una condo de dada dea Aunidade dae oboe a unidade daarte sto assim o pressuposto de utraWtaidade sears implicto de um owe), que vem colocar em primeire plane 0 Mabslho de radusio (os Ge leiturs), Entendendo # arte como experiencia do outro ou afasta- mento essencal a propriagic,€ nela que se pode buscar © Fréprio ‘Mas buscaseintroduzinco-o pelo trabalho da trad aque consist tem fazer dizer ao texto [gregel 0 que ee no cessava de dizer mas sem ‘minor o dizer Que eonsisc em repetiro improferido da sua pr6pria oferigiow (op. cit: 8) Pr erence do pensumeto de Halden enquanto penament da (des)propriagto t entio 0 oposto do que dele € apresentado em grande yarte das leturas dos seus poemas, que delesretiram nocbes Como a da reablitgio de sagrado de lenda, ou ada necessidade de Temitologizagio. E que todas estas nogdes assentam na possitilidade {Ge distingto entre phys e tec, que serve de fundamento &nogso ‘de mimesis enquanto imitagio, asim exposta por Arstételes: «Por lum lado tc realza o ce a pis €incapaz de eectuar, por out Indo ela initara» (cit ibid: 74, Admitinde, com Hélderlin, a ssénca de uma Natureza a imiter na ate, conceber-se-4 como suplementa- ‘ade areago quent eles se etal no senda dereizalo do proprio que tem no cuto a sua condigio. Phys e feciné, ou atures carte, deikam etn de poder er consideradas como real dades auténomas, apenas existindo ro movimeno de suplementa- ridade que as instawra "A rea necesira ene ten’ pln faz com que no se poss distinguir entre o imitade e aquilo que o init, oque obriga a suspen- der nio 36 0 repadin platonizo da mines, e consequentemente dos Poetas, mas também toda profeismo e messianismo roménticos we Da institueionalizagio da literatura fundados na concepgao do auto-angendramento de uma physis que a si propria se destina através da arte como medium da realizacio das formas. Em The Rhetori: of Temporality (1969), ensaio tornado um clissico da Teoria da Literatura numa perspectiva desconstrucionista, [De Man desmonta a ideslogia esttica que esté na base de grande parte das leituras tradicionais-do romantismo. Esias ficam pelas declara- 8es de deseo fusional entre natureza e pensamento, svjeito e objeto, partir das quais autores como Coleridge opem simbolo e alegoria, ‘Quanto a De Man, ele vé na alegoria a figura que desfaz a possi: dade de naturalizado da linguagem, uma vez que se assume como cconstrugio de que tempo € «categoria corsti‘utiva». A alegoris € assim impossibilidade de coincidéncia com a origem e € como tal, como crise de identidade, que elase apresenta nas obras de Rousseess, Wordsworth ou Hélderiin (ou em Friedrich Schlegel, uma vez que a alzgoria partilha coma ironia o facto-de esta assinalar oseu diferirdo sentido literal ede tematizar esse diferc). E a pactir da ruptura coma ideologia simbolista que a poesia, ou a literatura, se afasta do mito pperde qualquer pretensio formadora e/ou politica, o que no signi- fica que perca importincia politica, mas '30-s6 que esta rina é directa endo é legitimavel, nfo sendo pot isso ilegitima. Quando Holderlin, numa carta de Janexo de 1799, dirigida & ‘ie, diz que a poesia é ca ocupacio mais inocente de todase (cit. in Heidegger, 1936: 43), 6 essa condigao, nem transgressiva nem con‘ ‘madora, da poesia que vemos af assinalada. Uma tal inocéncia as30- Giarse a0 risco pelo factz de a linguagem ser «o mais perigoso dos ‘bens», como também diz Hélderlin, [sso nfo retira em nada o poder de indeterminagdo caracteristico da inocéncia, uma ver que nesta 0 bbem eo mal, o que salva e 0 que condena, se ndo distinguem, Mas quando Heidegger, em «Holderlin e a esséncia da poesia», estabelece a relagio entre a inocéncia do «poematizar» e a linguagem como <0 ‘mais perigoso dos bens:, ele toma a inocéncia como sinénimo de ineficécia, fazendo-a paiticipar da oposicdo entre o instrumental st eficaz e 0 essencial - entre a techn e a phys, Se xa lingua primitiva é a poesia enquanto fundagio do ser» (eidegger, op. cit. 55), entdo © perigo da poesia ¢ o de submergir inteiramente 0 poeta sactificando-o a voz dos deuses, como prove 0 destino de Hiderlin, Heidegger nio pode considerar de modo nenkem ‘a poesia como «a mais inocente das ocupacées», pois isso implicar:a que a aceitasie como um segredo, utra tensio irresolivel de q: renhuma forga se destaca para seimpor como garantia, seja ela uum fundamerto ou a de um destino. A inocéneia, tal como 0 segreco, stética e campo literiio 193 €0 jogo sem resultados, o joge que 180-6 0 oposto do sério, mas que Gele participa segundo uma ligica do suplemento, £ essa porsibil- Gade do segredo que Heidegger no admie, e por iso ele justfica a frase de Hélderlin fazendo-a equivaler a0 que, no seu entender, € a saparencia inofensive» que a ocupagic do poeta apresenta e que é tum mode de 0 proteger. «A poesia assemelha-se a um jogo [diz Heidegger] eno entarto ela nda 06> (op. ct: 57). Por outras palavras, poderiamos dizer que a wapartncia inofensiva», que néo 6 © mesmo fue a cinacénciao, € vista como dissimulacio de uma esstncia da poesia, que consste em reeeber os sigros ds dese para os entTegar a0 ovo. A actividade do pocta nfo é no entanto,a de um puro mensa- ero, pois, pertencendo ao centre-dcs, entre os deuses eos homens», 3 sua palavra € inaugural, fandadora, converte a vor dos deuses em ‘oz profética, historia, O proletismo que a partir da leitura de Hil- Gerlin Heidegger apresen’a como esstncia da poesia assimila-0 a0 yTojecto m»mintico, deixando de lado tudo aquilo em que o pensa- hnento de Holderlin, nomeadamente sobre a tragédin grega e sobre 0 tragico moderno, se opde 20 entusiasmo divino em nome do seu cutto, a sobriedade. Segurco Heidegger, Hélderln funda de rovo a tsséncia da poesia, 0 que o situa na arigem de um tempo nove, © do messianismo, caracterizado nestes termos: «fi 0 tempo da devastacao [détress), porque este tempo ¢ marcide por uma dupla falta e uma Gupla negacio: 0 "36 nfo” dos deuses que se retizaram e 0 “ainda mio” do deus que vai chegar» (op. ct 40). A semelhanga com 0 projecto romfntico defendido por Schlegel éflagrarte, como se pode yer comparando a alirmagio acim tranvrita com o frag. 222 da thenacuin: «© voto elastic de realizar oreino de Deus € 0 posto dlastico da cultura progressiva eo cameso da Histria moderna “Tanto.a concepcaa schelinguiana de uma natureza homéloga da arte eda ‘losolia como 0 proecto de uma supremacia da literatura detendide pelos romantices de Tena contrariam 0 movimerto de sutonomizagio da arte em reacio 4 regio, que o nascimento da tsttica como discplia auténoma pretende colocar en primeizo plano Se 0 nascimento da estética corresponde & necessidade de aceitar a finitude, «com ela a contingéncia do sentir pela qual o singular se revelairredutivel ao particular, o4 sja, debta de poder ser inteira- mente subsumivel ne geral, qualquer concepeio que atribua arte lm valor onolégico corresponder a uma das duas alternativas seguintes:ou pretende dissolver todo o pensar numa categoria totali- datlora que é arte; ou afimmar-se como-um saber de ordem superior, ‘onsiderando a arte como coisa do passado. Nm ve a inmtitucionalizagioda literatura {A filosoia de Hegel nio renega o valor ontol6gico que os romin- ticos atribuem a arte. Também no rejeita o seu historicismo. No centanto, estabelece uma demarcagio rigorosa entre a estética como flosofia da arte ea propsia arte. porque a filosofia coresponde a um nivel de conhecimento superior ao da arte que ela se pode proman- iar sobre esta, a qual, por sua vez, é destituida de qualquer cepa cidade de conheciments de si. Mas a filosofiando ¢ apenas supericr & ate, ela éThe posterior. No percurso da realizacio do Espirito, a arte ‘como «manitestagSo sensivel da kdeia» esta antes da filosofia. Embora lambas pertencam ao Espirito Absolute, 0 historicismo que as hierar Giza implica que a flosoia s6 pessa falar da arte a partir do momento em que ela acaba, ou sep, a parts do momenta em que deixa de ser possivel arealizagéo da »Grande Arter. ‘A época de Hegel, na medida em que a sua obra correspond2 & realizagio da filosofia,é aquela em cue, de acordo como seu sister, a arte deixa de ser necesséria, sendo portanto a époci da morte da ate. O que nio significa a total auséncia empirica de producio de obras de arte, significa sim que jé nao existe necessidade ou possibili- dade da arte, A arte deixa de corresponde: a9 modo supremo de apresentagio da verdade, e € apenas nesse sentido que se pode d:zer «que ela acaba, Perdida a necessdade do vinculo qe uni religio, ate e Slosofia, as obras de arte deixan de poder curprir uma funcac de ligagio, 0 que permite interpretar a «morte da arte como morte do mito» (Fiz, 1987: 143). E a partir da constatagio da auséncia de necessidade da arte que Hegel veloriza positivamenteo seu fim, elo contrari, para alguns pensadores posteriores que com ele concordam admitindo a sua Verificagao da more da arte, tal acontecimento 130 decorze de uma atsséncis de necessidade da arte, mas sim da impoesi- bilidade a que o desenvolvimento da ciéncia raoderra a condusi Trata-se, segundo Heidegger, de uma subondinacio do pensamento 40 céleulo, a partir da qual esta 20 poeta a missio de fundar de novo uma necessidade da arte Segundo logica hezeliana, quarde uma obra é considerada como arte € porque jé se separou da sua finalidade, a de dar corpo 20 absoluto, Perdido o seu fim, a arte ndo tem mais razdo de ser, j& nada justfica a sua produgio.O que fia é a arte do passado, mas no aquilo ‘que a partir dela era vivido no passado.O que se nas apresenta depois de perdido ouniverso a que a obra pertenciae que fazia parte da sua realidade e necessidade ¢ a verdade historca. A estetica enquanto ‘GEncia da reflexio sobre a arte s6 pode sera interpretacio sisteméca «partir da qual se catalogam e hierarquizar:as obras que passam @ xtetica campo iterério 195 cconstituir os museus como lugares que participar da recordaglo ou interiorizagio que é 0 movimento da meméria. Que a nossa relagio ‘com a arte s6 pode ser histérica € o que Hegel esclarecet jé em Fenomenologia do Espirito, dizendo que as obras das Musas sio para nds «belos frutos separades da érvores, que perderam a ligagio a tudo 0 ‘que fazia parte da sua determinagio: Assim, portato, 0 desino mo nos 4 a0 mesmo tempo que estas ‘obras 9 mundo desta arte, a vida preccupada com 0s bora modos ¢ cos- fumes nos qual elas Goriram e amadureeram, mas unicamente a recor ‘Sagte velade dene efecividade 1007 499) No entanto, a perda que é a impossibilidade de aceder acs senti- rmentos que aquelas obras outrora tero Frovocado é nfo s6 compen- sada, mis também supezada pelo exercicio de uma consciéncia reflexiva que € superior a vivénci dizecta da arte: «0 espirito do destino que nos apresenta es'as obras de arte é mais que a vida ética ‘ea efectividade deste povo, porque é a rcordagio 2 interiorizacao do espirito ainda exteriorizado relasm (ibid. ‘Uma vee que a filosofia stingiua sua realizacao, a arte nfo existe mais senio pela recoleccio que resulta do desdobramento da obra, a partir de qual ela acede a corsciéncia de si ou & sua autopresentacio. Quando Malraux cencebe a autonomia da arte como o equivalente da constituigdo de um «museu imaginario» é também de autopresen- taco que se trata, De factc, ese processo refere-se a possibilidade de identifier como obras de arte obras cas mais diversas proveniéncias, fe associadas nos seus mundos de crigem a fungies nao s6 religiosas ‘mas outras, Nessa medida museu maginrio corresponde ao advento dde uma possibilidade de falar de «arte», reunindo-se desse modo ao advento da estética hegeliana. Malraux considera a passagem & ‘autonomia como uma revelagio da esséncia da arte, a qual consiste ‘numa total independéncia face aos valores exteriores. Segunéo ele, 0 {que a arle modema revels ¢ 2 autotelia da arte. Nessa medida, parece afastar-se de Hegel e aproximar-se da ideia kantiana de finalidade sem fim como condigéo do jufzo do belo. Afirmendo-se como uma construgio autotélica, a arte no seria legitimavel For critériosa prior, znem pela interpretacio historica, nem pea relagfo com um Iceal. No tentanto, o fundamento humanista do pensamento de Malraux leva-o fa dar & arte um lugar que a coloca directamente em relagéo com mundo dos valores. Com a decadéncia das religides, a arte, que esti- ‘vera subordinada e portanto oculta, toma o seu verdadeiro lugar, substituindo aquelas: «A arte modema traz em sie promete,talvez— ‘uma disposigéo humana essencial, ela & 0 indice desse modo de ser 196 a irstitucionalizagtc da literatura do homem segundo o qual este é orientado por um valor supremo» (1951: 622). Assim, Malraux acaba por negar que a arte possa ser autotélica, uma ver que ela esté directamerte dependente da capa- ‘edade de criagto de valores especttica do homem, e, por conseguinte, 6 julgada e legitimada na referincia 20 campo de valores de uma cvilizagdo. O «museu imaginario» nao deixa de corresponder a uma interpretagao da Histéria em que a fintude das obras € ultrapassida zuma relagio ao valor supremo, 0 que as toma legitimaveis pela sua fangdo religadora, isto €, instauradora de usra religigo em que 0 artista vor subetituir o deus que ve retirou, Levando a cabo a negacio da auiotelia, que por outro lado se empenha em demonstrar como o prizcipio de toda a arte revelado pela arte moderna, o pensamerto de Malraux ¢ significative de a aestao da autonomia e da legitimidade da arte nfo s6 ndo estar ultrapassada como ser em si mesma inaltrapassivel. Por outras pala- ‘vias, a autonomia da are, considerada pela primeira vez por Hegel (aa vequéncia de uma revalorizacio do belo artistico em relagac a0 natural) como resultado da evolugio histérica, revela-se insus- tentvel. Insustentabilidade que se tracuz no facto de a possibilidade da arte (auténoma, tal camo é cortemplada nes museus) coincidir com fim da arte Aquilo que a arte perde para se apresenter enquante tal =a sua anterior funcio religiosa - & transformado em ganho pela abertura nela de uma auto-reflexividade que ‘orna possivel a mia interpretagio histérica. Este processo dialéctico implica que a arte ceteja destinada ao seu fim, ou seja, a existir apenas na proximidade do fim, no risco de jé néo ser arte, O modo como Hegel considera a poesia € muito significatwo a este propesito, como se veré em seguida, ‘A.autonomizagio da arte, como resultado de umn processo evolutivo ue conduziu a superacio do mundo que a justificava, implica uma svcessdo de formas artisticas - simbélica, cléssica e romantica - uma hierarquizagio das artes que as faz comecar na arquitecture € ‘culminar na poesia, a qual correszorde jé a superacio do sensivel 20 cconceito. A poesia aparece assim como 0 luga: de uma certa ambigui- dade do pensamento hegeliano em relago & arte. Ao mesmo tez:0 que & considerada sintese de todas as artes, la é apresentada como ‘aquela em que a realizacao sensivel tende a tornar-se insignificante, «isto as proprias palavras serem apenas sinais de representacies» (Estetica, VI7D. Da representacio puética diz Hegel que ocapa «o meio entrz a intuigéo vulgar e 0 pensamento como tab» (op ci 73), sendo a partir dei que a define como , aquela que nio se Eetéticae campe litertio 17 limita a continggncia do sentimento imediato, sem no entanto se converter inteiramente em pensamento abstracto, Porém, pelo facto de ser uma representacdo em palavras, a poesia esté ameacada desse duplo risco. O seu equiibrio consiste afinal na sua especifica consti- tuigio linguistica, ou seja, na equivaléncia entre representagio figurada estilo figurado: «num tempo em que se torna habitual a exactidéo do pensamento prosaico, a poesia ¢ 0 seu estilo figurado encontram- se em situagdo dificil (op. cit: 78). Hegel explicita algumas das dificuldedes inerentes a tal situagio insistindo justamente naquela que resulta da impessibilidade de estabelecer um limite entre a lin ‘guagem da prosa e a da poesia. © hibito converte em prosa expresses {que antesiormente eram posticas. No entanto, a necessidade de inven- do de novas formas, decorrente desse processo, € susceptivel de conduzir a um rebuscamento verbal que «apresenta os objectos sob uma luz artificial visando 0 efeito, ¢ 0s despoja assim da sua cor € ‘luminagio naturais» (op. cit: 79). Os limites entre o prosaico e 0 poético, como aqueles entre a representacdo ndofigurada e a figu- ada, revelam-se precirios pois ndoha critérios que permitam estabe- Tecer esses limites cem rigor. Apenas se sabe que nem a pura repeti- ‘Glo, do hSbito, nem o efeito de nove, da busca de originalidade a todo o preco, conduzem i possia, Esta invencio de uma linguagem figuradae nao a aplicacdo de uma retérica. Da poesia como invensso nada se pode portanto saber a priori, mas na medida em que ela é juma questio de ritmo, ce sintaxe ot: composicie em que 0 habito cede imperceptivelmentea outra coisa que nao é o puro conceto, ela 86 pode ser um modo singrlar de apresentagao. CO instante em que a obrade arte, uma vez suspensa a sua fungio religiosa, aparece como tal nfo € airda o tempo da universalidade do conceito mas o «intervalo» em que o contingente se expe ao desapa- reciments. Enquante tal, a arve ~a beleza liberta de qualquer fungio ‘ou laco que a prenda a um universo especifico - coresponderia assim 3 ‘suspensio do processo dialéctico, ao instante que rompe a cadeia ‘temporal ¢ em que 0 peso da comtingéncia persiste numa negagso snunea concluida. A inlerpretacio da obra, que constitui a estética segundo Hegel, desequilibra esse momentc instituirda-o como promessa e tomando- ea si pripria como resultado. Nessa medida, nio ha obra de arte sem sua interpretacio, isto ¢, em que ela receba nome de obra de arte, quea retira momentaneamente A voragem da temporalidade para rela a langar de novo, atribuindodhe un valor histérico exacto € definido. Arte por exceléncia, a poesia como arts da palavra esti 198 a irsttucionalizasde da literatura ‘mais préxima da interpretaglo, que nela se pode confurdir com a auto- “nterpretacio, reforcardo assim também 0 risco de prosaico, ou de foarte, que a ameaca ‘A dependéncia da aztonomia da arte em relagio A sua nomeasio, ‘a9 mesmo tempo que ros dé a medida da sua :mpossibilidade, da a ‘esta uma dimensio temporal, apresentando a arte come sendo semre anterior a si mesma. Para 0 historicsmo messianic> de Hegel, 0 anterior 6 totalmente superado no processo hermenéutico, que sup=ra pportanto qualquer crise de identidade Na auséncia de uma teleclo- Bia, esta fica porém eis aberly, ow seja, sempre que o instante de Suspensio da temporalidade nio esta destnado a ser apenas um momento negativo na cadeia temporal, a interrupgdo d& lugar a0 imprevisivel. A crise de identidade pede enti coexistir com a promessa da sua superacao, que é promessa de cedengio do contingente, pr0- ‘essa da sua participasio na Ideia, sem ser dissolvido ou superado nla. Este tipo de messianismo est4 na hase das concepgbes de arte de Benjamin e Adorno, as quais, com a de Heidegger, configuram no nosso século os principais lugares de interrogagio de relacdo entre arte e verdade. Precedendo-os, Nietzsche destaz a ligagdo estabele- ‘cida por Hegel entre verdade ¢ aparéncia, segundo a qual nao 50 a aparéncia ¢ necessaria a verdade mas a arte constitui uma aparéneia superior em relagéo 2 Uusio que constitui a sparéncia do mundo perecivel. Para Hegel, 2 aparéncia da arte enquanto manifestasio sensivel da Ideia destina-se a ser ultrapassada nesta. Para Nietzsche, 4 aparéncia € constitutiva do ser, ndo podendo ser superada ou dissolvida numa unidace superior. 7. Nietzsche: a mascara eo mito Sobre a ate como afimnacic em Nietzsche (confronto com leituras de Heides- ger, Deletze, Foucault, Vatina, Bahren.- Entre naturalismo e nfo-natralismo, SA questio da retrica ‘Quando se abordam as conceps0es nietzscheanas sobre a arte ou a literatura, sio inevitaveis dois tizos de dificuldades: em primeiro lugar, a linguagem poética e aforistica dos seus textos e a diversidade muito grande no tra:amento dos temas fazem com que leituras muito diferentes e até con:radiiGries postam encontrar aeles o seu funda- mento; em segundo ‘ugar, grande parte dos comentérios a esses textos est na base de propostas filaséfices que sio condicéo da sua legibi- lidade, Em termos gerais, a Gefesa de ura estétice da criaglo, aliada 2 proposta anti-nilista da arte como fundadora de novos valores, 60 riicleo que sustenta toda a complexidade do discurso de Nietzsche sobre a cuestao da arte. A partir dat, ele €considerado seja erquanto expressio mxima do poder da técnica, xeja come defesa do grande estilo e éa criagdo de novas mites, seja como pensamento da desfun- damentacao e da interpretacéo, Tanto o comentério de Heidegger como o de Deleuze (que é, com Foucault, Derrida e Lyotard, um dos chamados «fildsofos da diferenca», designagio que parece ter ustamente porbase a leitura de Nietzsche) acentuam 0 anti-hegelianismo de Nietzsche, embora de pontos de vista muito diferentes. Segundo Heidegger, © pensamento de Nietzsche nio 6 se integra na historia dz metafisica como histéria do esquecimento do ser, mas corresponde mesmo a sua realizagio, pois com a filosofia da vontade atinge-se a argan-zacio sistematica do ente. Segundo Deleuze (1962), Nietzsche constr6i uma filosof:a da dupla afirmagio, afirma- fo da alirmagio, que vai inteiramente contra a dialéctica como pro- eso de negacio ou contradicio. Nessa perspectiva, é a voniade de ‘poder, elemento diferenciel que permite a telacia e avaliacso das forcas que desencadeiam a afirmagio do mi:tiplo, pelo que toda a flosofia € uma arte da avaliagdo e da interpretagao. arti-thegelianismo ce Nietzsche cecorre, segundo Heidegger, do pprocesso filoséfico que, utilizando uma expressio do proprio Nietzsche, | | 200 Da insttucionalizagde da literatura ‘onsiste na sinversio do platonismo» A partir desta, que atribui a0 sensivel a primazia que em Platio era a da supra-sensivel, é a arte {que surge como estrutura da vontade de poder, nogio central do ensamentonietzschearo. Assim, enguanto para Hegel a arte perecia, ficando para trés 0 modo de relacio 20 absoluto que por ela se ins. tituia, para Nietzsche sio os outros modos dessa relagio, ou sea, a roligio, a moral e a filosofia, que chegam <0 fim, sendo a arte, aas alavras de Heidegger, «o movimento anti-nilista por exceléncian ‘oda a leitura que Heidegger faz em A vortade de poder enquanto artes (1961° 11-190), visando encontzara coerdncia de pensamento de [Nietasche sobre essa questio, se desenvolve de modo a mostrar a solidariedade entre dois aspectos, que a muitas outrasleituras podem aparecer como eixos de um campo de tensées e contradicées irre- solfvels. Heidegger enuncia-os deste modo: Por um lado, com efeito, 2 arte deve eprosentar 0 movimento anti -nilista, quer dizer, a base dos novos valores, e desse modo prepatct © fundar a medida e a lis da edstencia histodalmente espiritual. Mae 29 ‘mesmo tempo pretende-se que a arle seja comproendida através da fisioiogi e com 08 meios desta (pci 85). A relagdo entre os dois aspectos torna-se compreensivel se admi- tirmos que 0 pensamenta de Nietzsche sobre a arte pertence ao dominio da estética, isto 6, se centra no estudo dos estados afectivos associados a producto e recepcio do belo. A condigao da arte é a embriaguez, lum estado em que as forcas vitais se encontram intensificadas e a pprodugio se torna por isso possivel. Logo em A Origem da Tragiia (1872), Nietzsche distingue dois estades de embriaguez, o dionisiaco £0 apolineo,o que importa sublithar por desmentir uma leitura muito fequente que acentua naqueles dois conceitos a oposicio em detri- ‘mento da raiz comum qze é a embriaguez como estado estético englo- Dante, embora com manifestagtes diferentes. A definicao de uma condigéo da arte ~ a emriaguez ~ & acompanhada por Nietzsche da apresentacio de critérios de juizo que permitem dizer o que é belo. Como para Kant, o bele implica 9 prazer. Ne entanto, Nietasche 240 associa © prazer da experiéncia da beleza ao desinteresse, conside- randova, pelo contréric, como um modo de c individuo se ultra- passar, e portanto de atingir 0 mfximo de pujanca e de forca. Be'o é entdo 0 que € digno de veneracio, no num sentido moral, mas rum sentido biolégico, Esse é fundamento da sua esttica, tal como 0 ex>3e za seguinte «proposigio geral»: «que os valores estéticos repousam sobre valores biolégicos, que os sentimentos de bemestar estéticos ilo so sendo sentimentos de bem-estar biol6gicos» (cit. in Heideg- et, op. cit: 108). [Nietesche: a mascara €0 mito 201 ‘Admitindo que > furdamento biol6gico da arte e o papel central desta, o de combate ao nilismo através da instituigio de novos valo- 1s, nio e excluem, se levado a admitir cue também os novos valores tém um fundamente biol6 ico, Dai que a defesa da arte sea a defesa da «arte de grande estilor, sendo esta, enquanto conjuncio do ser € do devir, do activo e do reactivo, a estretura da vontade de poder. Por sua vez, a supremacia da arte em relagio @ verdade possui o ‘mesmo tipo de fundamento. Para Heidegger, essa afirmacio ceve ser centendida a partir de auséncia do questionar da verdade, que faz. com {que Nictrache aceite a nogic de verdade como sendo a de verdade do conhecimento, Desse modo, ao opar-se A verdade, 20 que arte se ‘opie € 20 conhecimento teSrico 2 cientifico. E entéo numa base biolégice que se determina que «a arte tem mais valor do que a verdades, devendo aqui bioligico ser entendido mum sentido geral ue significa: tado © que diz respeito a vida identficada com o real. Gra, sendo a perspectiva otregodefnicor da vida, todo o rea, tudo 0 que é vida, implica o perspecivismo, emora de modos diferentes: 0 ‘ndo-orginico possui uma Perspectiva em que hé unidade do jogo de atraccioe reptlsa; o orginico possui ums multipiidade de perspec- tivas em variagio continua, serdo essim incertezae aparénci, Incer- teza, porque ele € sempre daco jé pela multipliidate de perspectvas. ‘Aparéncla, no sentido de parecer, porque este, enquanto unificagio sob sma perspectiva, fxasio,¢ indispensivel para que nos possamos ‘mover num mundo de cosas estives. A necessidade da aparércia esté assim na origem do erro, estando na origem da légica e do conheci- ‘mento cientifico, processos de estabilizacio de perspectivas que nos dio as coisas enquanto ‘ais, na sua solide2 ou identidade, = nessa ‘medida que a verdade, cu conhecimento, é indispensivel & sobre- vvivéncia do homem, Mas é também por isso que Nietzsche postula «que «a arte vale mais do que a verdade»: 4 arte €(.) a vontade mas especficae mais profunds do parecer, ou sca, vontade doirradiane aparecr do cue ansfigura, no qual e forma visivel a suprema lel da exisncia.A vercade, em toca, éa aparencla de ‘aula ver estabeledde cae etabilin © conserva a vila numa Perpectiva ‘detemninada (eicegget,o7. ci: 18). ‘A nogio de aparéncia em Nietzsche tem portento, segunio Hei- degger, um fundamento bioldgico que € 0 da concepeéo perspecti- ‘vista do zeal, segundo a qual verdad e arte sio dois modos do parecer, nio se situando em niveis diferentes, mas em desacordo entre si, correspandendo a verdade a um impalso de conservacio e a arte a um impalso de mudanca: «A arte enquanto transfiguragio é de uma 202 Da institucioralizacto da Iteratura verdad mis intensfcadora para a vida do que a verdade enquanto Enagio dein apartacan (Did). "A interpetagao que Heidegger apresenta da questo da arte em Nietsche ro vai de modo nen contr tras como ade Keige gue fazem oquivaler © antnitismo da are ciao de uma ova Iitologia, de acordo com a qual os saves valores eds pela ate epencem da livre afirmacto da vida, ou sea do set com cevit Foder-se-dobjecar a esa inerpetago facto de, apesnr de ter em conta a importania pera o pensamentonitescheano do evento sec tivo que ¢s morte Ge Dewy ignovar co contradighes que poco as tausa'a undade do conceito de aparenca nomeadantente quando tle € pensado em relago com a conaiéncia storia Com efits, a0 fer em conta esa conicienia, conceito de tparénca dena de er nivoco. Assim, Heidegger, o comsderar Nitache como © ima Flot, ist 6; ao intel ainda na historia da metafisien engunts stra dos diferentes ests ce recat do ve’ ao ene, los por da idea central de inversto do platorisao¢deixa defor a pomstvel Aeslocagio que em regio eta se eectua ji om O Livro do Faye, onde s advert para aimproprisdadede todo dizer O que fazcom sue verdadee are nao seam dois aspectos do mesmo em desacordo nize si, mas ambas seam novas pensbilidedes de vida, emergentes dem principio pléstco dilerenciador a vontade de poder Eats se, defendida por Deleze. cond idenificacio da sola com nar te interpreta e avai, sendo eta una actividad legislador, ein ora de valores ou de concetos, Consoante se pretend desenver a ate de interprear ne sentido do esmascarsmento.eda convene de textos fenémenos ein sina, ow aquela sep entendlde no sverdadeior sentido de actividad leglacors, asim se deservol vem clierenes vias e ates no pra cao» supeta€ onlin fendem a tomar-e dominantescomespondeno Te as pindes tte, 1 segundo, flwofa constr paras propa am estatuto de exe. ei erent so gu surgi om oteecineto da het stirmando oseu poder fe invento, dé lugar cegria. Engen te Segundo registo € ode Deleuze, o primero ¢ parthado em carta ‘medida plo pos estuturalismo smeriano, romendamente com Pa de Man, 0 tet de Foucault Nuts. Frew ef Mare C967) aia se entre os dois, Neste esa, Fouenultspresenta os ts autores como fundadores denowes mados de interprstaa que devorrem da nos sila deinierpretar sucstivaeinterminavelnerte cade smbolo gue € em si uma interpretasdo. A teoria da interpetago infinite sera prranto propsta mas obras de Mar, Nietzsche Fred abvindo pers a ttt Nietzsche: a méscara eo mito 203 pectivas essenciais para o pensamento do século XX ¢ fornecendo bases para superar 0 conflilo entre hermenéutica e semiologia em proveite da primeiza, Foucault nao distingue entre o inacakamento da interpretagdo em Marx e Freud, para 0s quais, respectivamente, a infra-estrutura e o inconscierte pocem ser apresentados como funda- ‘mentos,e a auséncia de um fim da interpretagio em Nietzsche, dlecor- rente da auséncia de fundamento. Daf que poss: concluir que se a interpre‘agao nao termina, € porque tudo ¢ ja interpretagio: Se se prefer, ni howve niunca uum fnterretandum que nio tvesse sidomterpretans, e€ uina Teagio mus de Wolencia ue Ue eucidayio aque fe estabelece na Interpretasio, De facto, a interpreacio mio acara uma fnatiria que com o fi de ter interprotada ce oferce passivamente; ela esta de se apoders,e volentamente, de ums imerpretacio que jets fl, cue deve trucdar, revolver e romper a oles demarteo ar-cit: 189). ‘Avvoléncia da interpretacSo vai a par com o seu poder criador e, por isso, ela é uma actividade de avaliagéo e hiera-quizacao de forca Cujo tnico mébil € a alegria, a intens:ficagao da vida. Uma primeira ‘consequencia disso é que no imperta o que ¢ interpretado mas quer: prope a interpretagio; a segunda & que a interpretacio, interpre- tando-se infinitamente a si mesma, dé lugar a um tempo circular. E evidente que Fouccult se limita a consiatar a violéncia ¢ 0 tempo Circular da interpretagic independentemente ce thes reconhecer ‘qualque: legitimidade, No entanto, em Nietzsche et la Phlosophe (1962), de Deleuze, aliés reerido no ensaio, equeles possuem a legitmidade aque Ihes é dada pela dupla selectividade do eterno retorno. Este & ensamento selective (€a ao individuo a lei da sta vontade aut6- roma, segundo a qual o que quer que alguém queira deve queré-lo querenco também o seu eterno retorno) e Ser selective (faz com que $6 a afirmacao, a alegria, volte). A selectividade do etemo retorno aparece assim come fundamento é:ico da missao legisladora, ou cria- dora de valores, do fildsofo. Se a este compete criar novas perspecti- vvas, noves possiveis, da existéncia, cssa € uma actividade de expe- rimentasio garantida pela selectividade do eterno retorno que assim aparece como uma espécie de Lei da Histria, dispensando cualquer actividade de justificagio e autojustfieagio, ou seja, de argumen- tagio, O individualismo extremo, consagrado pela lei da autonomia da vontade, conjugs-se com a idea Go Ser como méiltiplo em devir; afirma-se ao mesmo tempo 0 subjectivismo e a auséncia de sujeito. Na selectividade do eterno retorno, tal como Deleuze a in‘erpreta, podemos ver uma forma de messianismo apresentada como legiti- ‘magio da filosofia dand>the 0 estatuto até af reivindicado pela lite- | 208 ‘Da instituconalizagio da iteratura rntura. Aqulo de que a seletvicade do etemo retorno liters 0 fléwao€ de todon bs consiangimentos conttuldos pels insu Bes em relatos qua se artila do ponte de vista socal e police Siinvensto de novas formas de vida, Descocinesendo esses contra. gimentos, 0 filolo jgnora a inerrogacao © argumenagio como Eamponentes da retérica, vendo nas apenas ton igo de ferns exquanto produgio de sentido ereivindieand> assim am discaso Furamente performativo que prescinde em abwouto di ierabllidade, Equal, no ertanto, nao pode dear deser cond ode todo peo. tative. Pode dirrse vw a letura que Delewse fas de Meters inverteaquela que, no se entender tending dominant, ou Sinica, da histria da sofia ade sera chistora das Submissoe So homem e das razdes qie ele se da pera as legitimars (1965-211, exclusividade tradicionalmente sonferda ao eonstaivo passa 2 atrbuida ao performative. Dese modo, conta 0 ideal acetic, Filosofia dentfic-se com os propésits da ate, Assim se compre ene que no extenso fice anaitico de Nitec ett Phone a {te apenas aparece coro obecto de sto nina da aliens 2 jo capitulo tec, compondenso-heapenss das pagina (1168) A afinidade e mtuainerfetinca etre pensamente« ala ambos selectvos no eterno retomo, € base Ce toda a construgio Gelewziana da leitura de Nietache, sendo a party dat que a sn encepsio da retrica a restringe& produgio de efeitos Uma outa letura que nio pata debasesvilistas come a que Lacoue Labarthe faz de , A corsciencia histérca implica assim que a mascara Sejeeovenial tanto do ponto de vst da decadéncia, ato 6, do homem a quem ¢ consciéncia do efémero retiou a capacidade de agit, cua ‘ida se reduz a desempenhar o» papéis que le sioatribuidos, como do ponto de vista da delesa contra a decadéncia, contra o ilismo ‘que cla traz consigo. dete sltimo ponte de vstaque se deserwolve Sempre a conceptualizagio do dionsiaco em Nietzsche como uma “potenca psticafonmadaca de aperénca ede iuibes sempre Nova, que neste comteca a ser terrve, © Segundo, enquanto apologia de uma arte aperas lgada A exitqse dos sentdos, a recusa do enigma, o qual éindissociave da lingua. g2m, ea sua substituigso pelo puro efato fisologico. Sese entender a mascara como alegoriaapatir da propria escita de Nietzsche, nomeadamente a de Zartusirs,entender-se que ela no é determinada por um principio universal da atureza, as pela auséncia de um dizer proprio, pla impossillidade de colocar sepa. radamente uma realidade eum sistema de simbolos, A alegoria © a cunsciznca cess impossiblidade, e pertantode que toda a aparéacia 6 ficgdo. Mas sendo assim, a autonomia de arte como campo por excelencia do ficcionamento nunca & completa, pois aquilo de que la se separa nfo 6 o absoltamente outro de una verdade sem feo. Entre o ficcionamento ds arte e ocampo da moral edo conhecimento ‘eistem diferengas que so fundamentaimente decorrertes da propria insttuigio da autonomia da arte: quando se cia ur dominio -or cexceléncia para ainvenci,o corte pelo qual se ve separa dos outros Nietzsche a mascara e9 mito 209 dominios suspende as regras que Ihes sio aplicdveis, Por isso, quando Nietzsche diz.que a arte esté «acimada moral», tal nfo corresponde a stribuir & arte qualquer prerrogativa ce imorslidade, mas apenas a designé-la como o lugar onde os valores se suspendem sem que esse movimento seja considerado socialmente host © efeito estético ~ que para Nietzsche ¢ inseparivel do choque pelo qual 0 sujeito, zo ser trensposto para um dominio em que as ormas que 0 constituem como sujeito foram suspensas, se sente a si proprio posto em causa - pode associar-se A experimentagio e & enitica. O que Burke recorihece ao apontar 0 priviligio das palavras no desencadear das paixées é a sua imensa capacidade de criar 0 Imprevisto, de fugir 4s normas da representacio, que so uma subor- dinagdo ap verosimil, ou seja, ao poder centralizador de um sujeit. Mas desse modo o eftito es:ético, o choque provocado pela aparislo, ¢ inseparivel da aparéncia, o acontecer é inceparivel do aconteci mento, ou seja, da consciéncia de perda do sujeito perante aquilo que io pode dominar. No sublime, 0 efeito estético alia-se assim a um pensamerto da finitede, a uma interrogacso dos limites do sujeito, {que sio também os limites do mundo. A astonomia da arte é abalada 0 limite que a separa da realidade teérico-pratice torna-se o lugar incerto a que pertence o movimento da alegoria, simultaneamente de ruptura ede ligacio. Com o iiltimo capitule de A Gai Cigncia inicia-se o terceiro perfodo da obra de Nietzsche, o da sfilosofia do meio-dia», em que a nog de etemo retorno ¢ 0 projecto de transmutacio ée todos os valores se constreem em conexio cam o desenvolvimento de uma «ventade de poder enquanto arte» ‘cfs, Vattima, 1985: 101-25). Retomando temas de A Origem da Tragedia (1872), as consideracdes de Nietzsche sobre a arte integram-na niume estética «fisiolégicas em que 0 estado de embrisguez é uma intensificagio da forga imediatamente asso- cada ao «grande estilo» como sua consequéncia dizecta, No ertanto, na medida em que embriaguez ¢ 0 esiado maximo da poténcia dionisiaca de dissolucio, essa relagio directa nao pode deixar de parecer como problerstics. Como modelo da vontade de poder, a arte no corresponde a uma vontade de forma e, consequentemerte, de dominacao, mas 0 seu movimento essencial & desestruturante: «a forcajoga contra a forma ea medic: em que desvela e pie em cristo set ‘arictr violento = do meszn0 modo que a vontade de poder desmascara ¢ ‘desetrutura todas ae oncene pretensaments «natural, eternas,civins, objectias, ete (Vatlimo, ep. cit: 122-23). 210 ‘Da istitucionalizasto da literatura na medida em que encontramos em Nietzsche o afastamento ée uma concepgio da linguagem poética come nomengio original qze 0 Seu pensamento de uma origem comum da verdade e da arte, da Flosofia eda poesia, seafasta da tradicio romantica messianica. Com feito, 0 seu propésito de reconstrucéo de uma tradigdo que tem Crigem na Grécia pré-socrética, anterior a distingio entre discurso ostico e discursofilasifico, encontra-se jé no romantismo de leva e Ebretudo em Hlderlin, que faz do impossivel retorno a Grécia uma ‘epécie de programa para a possia, ou a literatura, dos vltimos Zois Séculos, Ajrsa: da st secuea daquilo que designe por sentimen talismo romantico, e do seu elogio do «grande estilo» cléssco, Nietzsche prossegue de diverses modos a concepgio romantica de ‘uma naturesa pre-cultural, visando atingir uma individualidade an- terior ao ser suijito e, sor conseguinte, ume mascara de decadéncia das forgas vitais. E nee sentido que a sua cbra pode mesmo ser ‘onsiderada um dos momentos fundamentals da recepgio da “ra- dessa tradito, tal como do pensamento de Nietzsche. Um ta ‘proposito associar-seia 8 importancia que a nocBe de Dichtung, cen- tral no pensamento de Heidegger sobre a arte, possui no «projecto romantico de um acabamen‘o “literrio” da filosofia» (Lacoue-La- barthe, om. cit: 25), crienfado pela figura do eretoro a0 miter, Esse project ndo deixa de se anunciar em grande parte dos escritos de Heidegger sobre poesia earte,nomeadamente nos seus ensais sobre Hlderlin e em A Or'gem da Obya de Arte. Neste ensaio, a0 determinar a esséncia da arte enquanto pér-se em obra da verdade, Heidegger designa essa essénca como Poema (Didhturg): Deixando advir a verdade do ente como tal, toda a arte € essencialmente Poeras (1935. 81). A designagio Toema possui um sentido mais vasto que o de Poesia, pois esta nio sen umm modo, enbora eminente, daquele. 0 Poema é0 dizer da nomeaso original sendo como tal «lingua ela propria Poema no sentido estencial», dai derivando o lugar insigne 4a poesia, 0 Poema mais ariginal. A’nogio de Poema é assim inse pparivel da consideracio de uma orgem absoluta, o Dito primordial, ‘que em aida obra deartese conjuga coma instauraglo ou origem de lima determinada época historica. Essa conjugagio depende do ser- bra da obra dearte, aquilo cue a dist-ngue da coisa e do produto. O predominio, no pensamento écidental, deuma interpretacio da coisa que a determina a partir do complexo matériaforma «provém de lima interpretagio do ser-produto do produto» que no reconhece 22 a frstitucionalizagSc da literatura ele eno o resultado da imposigic de uma forma a uma matéria em fingio de uma ullidaie. & porque cuotidianamente o produto se reduz para nés& sua utlidade que o ser-produt> do produto éesque- ‘do, Heidegger dé como exemplo Ge um preduto um par de sapatos ‘de camponesa e, recorrendo a letura de um cuadro de Van Gogh, eiclarece: ( sexproduto do produto reside na sua utdade, Mas esta por sua ver repousa na pleniie de um ser erence do produto, Charon Soles (ie Verkasiciei). Grass «ela a campontsa €coniade por est produto oo pelo sllrioro da ters gras ao eal gus o produto of ls olden la ets igada ao sou mundo. Poe else pare os ue ilo com ela, om ela mundo e terre esto apenas no proeuto Op. 3) (O quadro de Van Gogh pie-nos perinte a verdade do ser-produto e risso consiste a sua esiéncia de obra, que é a esséncia da arte: «A ‘eséncia da arte seria portanto: opbz-se em obre da verdade do ente» (op. cit: 37). Heidegger esclareceré devidamente que esta afirmegio ilo significa qualquer partilha de concepcées da arte como cépis ou jimitagio da realidade. A verdade advém na por-se em obra da ‘verdade, nao se confundindo com o verdadero e nao existindo co:no ‘al: 6aletheia, Dafa importancia do questionamento da nogio de obra, qual implica uma reflexdo sobre a autonomia da obra de arte. Tal como Hegel, Heidegger entende que com o desaparecimento do mundo em que se integravam as obras de arte, ¢ com a organiza: ‘gio dos museus, aqueks se transformaram em objectos. Mas para Feidegger a obra de arte como pér-se en obra da verdade nao implica apenas a pertenga a ummundo, ¢ também, necessariamente,a instau- ragio de um mundo. Para explicar como a adveniéncia da verdade se relaciona com aquela instauracio, Heidegger recorre a outro exem- plo, o de um templo grezo. A mudanga de exemplo € significativa, pois aacompanhi-la esté a a teragio do modo como a relagdo entre mundo cetera é considerada. A propésito do quadro de Van Gogh, era dito que a «plenitude de um ser essencial do produ‘o» fazia com que ele excedesse 0 seu uso, ists 6, estabelecia a ligacao daquele que com ele se relacionava ao usé-lo (a camponesa), a0 mesmo tempo com 0 mundo e com a terra. Essa 6a verdade que se pte em cbra no quadro de Van Gogh e € perante esse movimento que s0r30s colacados quando vemos esse quadro. Nao é de mode nenhum claro que seja um ‘mundo que se abre, pois tudo aquilo que Heidegger diz em relaglo ao mundo da campones ¢ da ordem do reconhecimento das ideias {feitas sobre uma realidade®. Por exemplo: «Na obscura intimidade da abertura dos sapatos inscreve-sea fadiga dos passos do trabalhador. Hildegger: choque esalvaguarca da obra de arte 213 Na gravidade rude © s6léa dos sapatos conservase a Tent ¢tenaz caminhada através dos cumpos> (op. cit: 35). Em todo o pardgrafo a ‘Que pertence o excerto ats ctado desenvolve-se uma descriqao que orresponde obviamente uma imegem do mundo da vida dos came PPoneses imagem esta qu €exteriovao quadro, Que esse quad no Corresponde &abertura de um mundo é ali, caro no final domesmo parigrafo, onde ve refere expressamente o «mundo da camponeea “Este produto pertence & tera e esta abrigado no mando da campo- ‘ean, mio da camponesa no éum mando que o quadro instar, he anerior, exterior A obra de ete limlta-se nesse caso a ser um ‘modo de conhecimento mato particlarem que aquele que es perante © quacro se limita aescutar 8 fala que €0 Poema como esséncia da arte: «No fizemos eonfo pormo-nas na presenga do quadro de Van Gogh: Fe ele que fal» ip. cit: 36. E remetendo-se descuta da fala do quadro que se atinge um conhecimento superior: «A obra de arte faz-nos sibero que éna verdad 0 par de sapatos» id). A obra pée- -nos na presenca da verde do ene, 4 sua eclosto, a que 08 Gregos chamavam aleteia.aquilo que Heidegger nunca diz a propésito do ‘quadro de Van Gogh ¢ que ele instiua qualquer smando, (© quadro permi‘e aceder a uma verdade orginal, absolua, a do ser-produto do prodito, colocandonos perante a aa igagio&histo- rialidade. Porém, ele nfo funda nenhtsm mundo. A fundagio de um ‘mundo rio é abordada neste exemplc, seo a relagho entre terra e ‘mundo apresentada como pur circularsace: a terra este pelo mundo, ‘omunde existe pela terra, Abra de art, no case o quadro de Van Gogh, no é mais de que a aparéncia on forma em que essa elagio nos ¢ aprecentada, colocende-nos sssim perante a verdade do ente. Tendo em conta a rflexdc de Heidegger sobre o facto de a obra s6 ser obra na medida em que persiste o mundo en que se integra, podemos concluir pela persstenci de um mundo cuja vercade se presenta na obra de Van Gogh, néo podemos éconclir nada sobre a fundagio desse mundo. E quanto a0 auto exemglo apresentado na ontinaagio de A Orgem da Obra de Arce, oexemplo do templo grego, Poder exteaparecercomo fundador de un mundo que desapareces? Seo murdo a que pertencia o templo grego desapareceu, também 0 «que hoje 20s rest ja é apenas um otjoco 0 stemplo, do qual poss thos uma imagem inseparavel da hstora da meiafsia e do estadio terminal desta que, segundo Heidegger, a actualicade ¢ Quando se diz que o templo foi no passido, na época em que fi erigido e em aque perdarou como obre, esie dizer 26 pode corsstr muma cons- truco que parte da imagem actual do mundo grego, ou de uma a4 ‘Da insttucionalizagt da literatura concepgto de ate que s aplica 8 descrio daquilo que se considera como arte gega. Em Heidegger, as duas hipéteses retinem-se. Embora nfo o diga a propésito deste exempio, podernos admiti, com bas= no {ue diz pare o quadro de Van Gogh, que o «método> para aceder & ‘erdade do templo grego consiste em remete=se & sua presen € tscutara sua fla De pi sobre a racha,a obra que é 0 tenplo abre um mundo « em retoma,etelece- sobre a term que, ment eno, speece como Osal0 ml) 2c tempo sm ple aan ire, kim min © sly a bowers «vita fo amon Ina vst peomarmee eur 2 ohn for ‘obra encants 0 deus dela nao tive ugh cl 15). exemple nao faz mais do que sondensar em sintese os elemertos cssenciais de um pensamento sabre a arte que Heidegger desenvol- verd em seguida, A sua fungio no discurso $6 pode ser, portanlo, de produzir um efit, zetrico, de autoridade. Autoridade, porquanto tudo 0 que se diz do templo é a fala do templo, e o que este diz, ou chama (De pé, sobre a rocha»), na sua antropomorfizacio, & que é sutoridade,crigem absoluta de um mando. A fungio de autoridade do exemplo provém enti da sua construc tautologica, idéntica A , a sua irter- pretaclo de Kant consiste entio em fazer ver Carameate o que Kent, para além das suas formulas expressas, touxe & luz (.. (op ct: 25). (© que aqui é suscestivel de ser posto em cetsa é a revindicagso Ce autenticidade. De facto, quando esta nao ¢ formulada e Heidegger propée apenas que o pansamento que se exerce a partir de um txt0 Heidegger: choque esalvaguarda da obende arte 215 anterior no se vincale ao que nele éexplcito,entendemos iso como Gefesa de uma concepgic do pensar enquanto invengio, modo de, acolhendo 0 expliczo, 0 conrecida, se dspor ao acontecer do outeo. Podemos entender asim o «Preimbulo & segunda edigio», de 1950, do referido livro. Nele Heidegger alude as ecusagoes de sarbitrariedade de interpretacao» que Ihe sto movidas edesigna o eu trabalho como ‘didlogo de pensarentes» que enquanto tal ndo se suboréina aos _métodos de filologiahistéricae esdlarcce: «As leis do dislogo sS0 mais valnerdveis; maior € aq: o perigo de derrota, mais numerosos 0s Tiscose op cit, 59). Ao asus assim 0 riaco do dialogo, Heldenger ‘fasta da ideia de inte-pretagio dominada por uma presenga Origi- zal, uma expécie de forca cesinador, tal somo a considera no deculso do livro, nomeadamente quando expGe a sua nogio de «repeticho de ‘um problema fundamertal> (op. et: 261), a qual decorre do modo ‘como cancebe o conhecimento filoxéfico, cujo essencial eno repousa ‘em prireiro lugar sobre as Froposibes expictas de que é feito, mas sobre o que resta ainda inexpresso,emboca presente através as teses explictas» (op. cit: 255). a presenga do inexpresso, ou impensado, ‘que & invocada pela defesa'de uma autenticidade como acesso 3 Dresenca oculta, Estamos assim perante a proposta de tuma herme- htutica que se base no pressupcsto de uma fala, presence que se sobrep6s a significazio come jogo de diferencas. "A concepgio de um tal suplemento original de autenticidade s6 pode deverse a uma sacmalizacto da linguager da qual decor, como Sbserva Adomo, uma «giria da autenticidade> (cfr, Adorno, 1964). B testa a designagio que encontra para um discurso que explora poder de sugestao de determinadas paltvras que pele seu brilho (carga femotiva, anacronismo, etc} se substitiem aos constrangimentos Statics e argumentativas. Analisando a funcio ce uma dessas pala- ‘ras, aventicidade, Adomo aponta o platonismo que suporla 0 seu estatuto de «palavra-vedetaxformade'a partir do adjective auttico: ‘ela ndo diz 0 que éuma cosa, mas se e em que medida ela 60 que jé cesté pressuposto no seu conceit, em oposigio implicita ao que ela parece simplesmente sem» (op. cit 128). autentcidade da interpre fagdo preconizada em Ken! ¢0 Prablema da Metafsice assent, como viimos, ra oposigdo entre o implicio e oexplicto, correspondendo o primeiro a uma presenga que va: garantir a veedade do discurso Interpretativo mas ndo o reconhedmento desea verdade. A retérica dda autenticidade reine-rea afirmagio de uma auloridade inerente & presenca, esborando-se desse modo um estatuto mistico do discurso. Com efeto, a invocasio de uma pintura,um monumento, uma pala- 216 a institucionalizagoda literatura vy ou_um texto ~ como sucede em A Origen da Obra de Aris ~, pretendende aceder& fale que neles guarda a verdade, € inseparivel {a postulacéo de uma comunicagio imediata na linguagem- Como Se, por uma expécie de magia, as palavras de origem dessem a ouvir verdad atsoluta 'No entanto, contrariando 0 esatuto mitico ou mistic do discurso,a invocagio de origem pede dar lugar ~ como sucede igualmente ex A Crigem da Obra de Arte~ a um pensamento em: que a origem surge como combate, movimento diferenciador, e ndo-presenca ou fala = seconfunde com um destino. Neste vt, eaibora nde proponta a renascimento da filosoia grega, Heidegger considera rossivele dese- jivel que se retome aquilo que nessa flosotia ficou desde 0 inisio ‘oculto. Assim, parte da iia de que ¢ no impensado da ilosofia grega {que reside a verdad. Ora esse impensado persiste, em seu entender, em certas polavras ds quais recor para o dar a pensar. Aletheia é ema dessas palavras em que o impensado (neste caso, a verdade como desocultacao) persiste: ‘A enncn da vewade enquanto nete permaneceimpensads no ppensamesto gogo e, mais snds, a. losoli que Ihe sucsde O st a Atscoberto 6 para o zemsament,c gue hi de mais fechado 20 Dusit rego, mas, simullaneament, og a ex presena dead sua aurora ep. e259) Uma ver que nos Gregos a alesis é impensada, 06 no pensa- mento de Heidegger ele € a essencia da verdade como desocultaco. ‘também para Heidegger quea verdace ou cesecultagio como acon: tecimento 6 a0 mesmo fempo ndo-verdade oa ccultago, A desocil- tayo é.a abertura de uma Clrera em que o-ente surge © ao mesmo tempo se oaulta, Desse modo ela umn combate: «A esséncia da verdade é em si mesma o combate origindria em que se conguisa 0 tneio aberto, no qual oente advem e ¢ partir do gual se retran ip. cic: 48). Quando anterirmente questionava 0 ser produto do pro- dato, Heidegger referia a «plenitude de um ser essential do produto», aquilo a que chamava solider (Verislichiet) « era.c que ligavn a camponesa 20 seu mundo © a confiava ao apelo da terra. O ser “produto do produto era entio.o que osituava no aberto, de que faz parte 0 mundo e a terre. Mas o mundo e a term, surgindo uin pelo butro,supdem no entanto ima orgem Essa origem € a verdade, 6 0 combate entre 0 mundo ¢ a tera dado de vicios modos, um dos {qais € 0 do ser-obra (outros sfo. a hundagho de um Estado, a pr sided de un Des osauieo cena o pear ome pergurla Heidegger: choque esalvaguarda da obra de aste 217 [Em relacio ao ser-obra da obra, diz, Heidegge: que «o que ha de propriamente obra na obre reside (..) n0 facto de ter sido criada pelo artistay p. cit: 64). Este ndo procede segundo o modo de uma fabri- cago mes sim de acordo como sentido original, grego, de teckn?, que permite scaracterizar a criagdo como um fazer-advir a um estado do ser-produto» (op. cit: 67). Quando o ente produzido é uma cbra, «0 combate nao deve suprimir-se num ente (..) também nio deve simplesmente ser deposiadc nele; mas deve precisamente ser insti- tuido, inaugurado, aberto, a partir desse ente. Esse ente deve por- Lalo ter nele os tacos eseenciais do combnter (op. ct: 70). A verdade, © por-seem obra da verdade, ¢ entio o combate original pele qual a obra se constitui como movimento, diverindo constantemente de «si- propria». Esse combate & trago que separa e retineo mundo ea tera Ele nao ¢ exterior & circalaridade segurdo a qual cada um é pelo outro, mas é uma ferca de ligaco com uma unidade anterior, uma origem geradora de diferengas. O combate entre mundo e terra é entdo na obra de arte a sua relacio com uma origem que faz dela origem, actividade diferenciante, exposicéo de um mundo e producio da terra © mundo exige a sua decsio e a sua medida e faz chegar c ente 20 bert» doe seus eaminhes. terra, emengéacia e rupert, aspire a mantera sua rserva e a confar ado ao seu esiatto. O comoate nfo abre de um trac um simples corte entre 08 combstenes. Ele és intimidade de uma perteaga veciproca para aqudles que nele se defrontam. Um tl trago ata bs combatentes~a partir do indo tnien~ 468 origem da sua unidade (op. sit: 7D. F através do trazo que o combate se fixa na obra constituindo-a ‘como ser criado, fazendo com que o ser riado ressalte na cbra, 20 invés de desaparecer, como sucede com os produtos na sua wtiliza- ‘fo, No entanto, Heidegger aereacenta que o Ser-obra no se esgota no ser criado. Isso significa que aquilo a que poderiamos chamar auto rromia» da obra € que @ constitui como choque face ao habitual é condigto da alteragio das mossaszelagdes habitucis com o mundo e ‘a terra», mas nko é condigho Snica. E presso ainda a salvaguarda da (obra que consiste num decidir (que nada tem de subjectvo) fundando ‘co ser-com-e-para-os-outias». Ou seja, sna medida em que 2 obra é insttuigéo de um mando, els 6 obra. Mat pensar esse insite apre- senta diversas dficuldades: )/enquanta combate a obra no € acabada, ‘o munde que ela insitui ndo &fechado; 2a salvaguarda que permite 6 instituirconsiste num saber, mas no rum conhecimento. F preci samente porque nio se encerra em si quea obra nio é susceptivel de Cileulo, jue nao se Ihe conhecem os linites, ¢ por isso pode ser 218 a instucionalizagboda literatura abertura da decisio, fazendo do saber um querer. Daf que a salvar ‘guarda nio se confunda nem com a his\éria da arte nem com a critica, voltadas para a erudigio ou para a pedagogia vincalada & inver- -subjectividade, embori, como Heidegger esclarece, «a salvaguarda advenha em diversos graus do saber, de cada vez com um alcance, ‘uma constancia e uma luz diferentes» (op. cit: 72) ‘© problema que a ideia heideggeriana de salvaguarda da obra znos coloca reside nesta sua afirmacao perempt6ria: «Quanto a0 modo de salvaguarda rigorosa da obra, a obra ela propria, e $6 ela, 0 cia fantecipaanenten (i. Se v seretiada da ubre se fina no leayy que abre o combate entre mundo e terra e esse taco é o diferis da obza, ‘runca acabada ou perfeita em si, ro faz qualquer sentido falar da obra ‘ch propria. Esta hip6tese, que fica em aberto na leitura que fazemos de Heidegger, impede ro s6 que se possa falar de verdade da obza, ‘mas também, por conseguinte, do seu poder fundador. A conexto centre mundo e terra diz-nos que o mundo no comes, nem acaba, ‘ransforma-se, embora 2s leis da sua transformacao sejam desconhe- cidas e possam ndo exisir previamente. Nao ha, por isso, lugar para delimitarmos a fundagio de um mundo, a ndo ser posteriormente ‘Mas também essa possibilidade contém cs seus revezes. Dilthey, pra quem sé a consciéncia histérica pe-mite resgatar o que no vivido imediato permanece obscuro, incorre no positivismo ao pressupcr a existencia de um sujeito do conhecimento exterior aos seus interesses, € pr conseguinte alheio &historicidade. Com efeito. pelo facto de mudar 8 propria perceptibilidaie do mundo, a mudanga no é perceptivel. Pera a consciéncia, a Histéria é necessariamente um continuo, pois aquela é um modo de perceber que estabelece as diferencas a partir de uma continuidade que é a sus, pois na Kegua nio hd sendo dife- rrengas, néo hi rupturas. ‘Se ndo ¢ entdo a partir da consciéncia histérica que se tem acesso {8 mudanga, podemos admitir que a relagio com a mudanga é 0 choque de que falam Heidegger e Benjamin, ou o estremecimen‘o do sublime, segundo Adorno. Porque é choque, xexperiéncia» estética, 6 que a ‘muadanga nunca é dada somo tal. Por isso, o poder fundador da arte ‘ou da poesia (ou da literatura) ndo pode ser apresentado senio como hipétese ou crenga, nunca como tese, isto é, rao € susceptivel de ‘onfirmacao. £ isso que-nos permite concluir que para Heidegger 0 carfcter inaugural da obra de artetem um valor Frofético, aparecendo esse profetismo como compensagio da recusa mais imediata do histo- ricismo. Enquanto de acordo com este o desenvolvimento hist6rico se processa em funcéo de leis conheciveis a priori, aquele nao nega Heldegger: chocuee salveguarda da obra de arte 219 {que exista uma lei a prior, s6 que essa lei no € conhectvel como tal Assalvaguarda da obra pode, pois, ser enlendida como um modo de preserva: a profecia. Nessa medida, ela nada tem a ver com 0 «dizer sobre», proprio do conhe:imento; 0 seu elemento central & 0 pensar. Em didlogo com a poesia, © pensamento remete-se para uma espécie de fungio sacerdotal. Assim, pensar ¢ poema nio difere de «deixar dizer a partir do poema ele mesm> em que consiste a sua propria particularidade e em que é que ela repousa» (Heidegger, 1968 242) Mas o pensamerto que se pretende um «deixar dizer a partir do [poema» caliciona cirularmente o eslalulo profétieo do poema e a si [proprio com ele: institut a werdade da obra como verdade insttuinte. Para isso leitura que Heidegger faz de certos poemas, sobretudo de Hilderlin, ajusta-se as teses que pretende defender ratificando-as, ‘mas procurando criar a ilusio de que essas teses nascem ratural- _mente da escuta dos poemas. E um processo muito Sbvio, por exem- plo em «Porqué os poetas?», onde a Ieitura é nitidamente forcada'* rnum sentido que permite dela retirar a tese de cue «no tempo da noite do mundo, 0 poeta diz 0 sagrado» (Heidegger, 1926: 327). Ou, ‘em termos mais programiticos: «Eis porque os “poetas em tempo de desolagéo” devem expressamente no seu dito poético dizer a esséncia da Poesia (Dichtung)». Como nio podia deixar de ser, Heidegger conclui que é na poesia de Hélderlin, a poesia pensante por excelén- ca, que ganha relevoa figura co pensamenio postco ichtends Denke), cla propria uma evidencia do destiro do ser. Contudo, a necessidade de se render ao poema ndo significa que © pensamento seja pura passividade. Repare-se como Heidegger retine aquilo que pode ser Juma denegacio da sua atitude mitificadora da poesia & afirmacio de ‘um poder sem limites sobre ela (i seria 0 mannento de fazer do fizura do poeta um mito artical, ©@ ‘ocasito de abusar do seu dite poston para fazer dele um flo da fllosaia, ‘Mas fea eta nica nocesidade: de experimentar por um persameno brio ‘edesiidido 0 queno dita de seu peema nio foi enunciado(p. cit: 329 Mais uma vez, a autoridade § a de uma presenga oculta. O dilogo do pensamento com a poesia ¢ neste texto, escrito em 1926, ‘concebids de modo idéntico go que encontramos no referido Kant «0 Problema da Metafiscs, de 1928. Hi em ambos os casos, quer sefale do que nio foi enundado ou do que permaneceu impensado, 0 ppressupesto de uma presenga destinada 2 desocultagao. Esta, no fentanto, 4 data de «Porque os poetas?» 6 considerada inseparivel do ‘movimento oposto, a ocultagio, O que, porém, néo altera o caracter ‘profético da poesia ou do pensamento como modos de relaglo com a 220 a institucionaizagdo da literatura presenca. No jogo entre desoculiaglo e ocultagio, a presenga ¢infini- famente diferda, mas através desse diferr promete-se a si propria enquanto verdade ‘Se na época do fim da metafisica, ou, como Heidegger tamisém iz, eno tempo da noite do mundo», os poetas devem interzoge=se sobre a sua misslo, é porque esla deiiou de se: evidente. Ao tomar- “se etic, 2 relagio com a poese deixcu de asalvaguandar para pessar somente a usé-la, remetendo-a para o dominio planetirio da técnica (© movimento de ocultasio/desocultagio inerente 3 salvaguarda que a funcko religiosa garaata fol substituily pele do conhecument 0d cbjectivacio.E perante esta ameaca de desaparecimento que a poesia se interroga sobre o seu destino e se tera poesia pensante. © pensar da poesia, oa simplesmente o pensar, faz a pactir de enti parte da sua salvaguarda, $6 ele impede que & poesia sejatransformada em mero adoro, ou reduzida a informacio. Uma nova fungio se Ihe anuncia, a de ser pensamento nos limites do canto, ou sj, nos Hmites da dimensio no representative da linguagem, aquela onde se ori gina 0 «dizer que salkav. Ao mesmo tempo, a poesia constiti-se mo modelo do pensar, pois também este ceverd abundonar 0 que~ rer auto-afirmativo e objectivante, preparando um dizer que jé no & ode um sujeito, mas o da linguagem, ela prépria que fla ( didlogo entre poesia e pensamrento nac é 0 vinico mode de salvaguarda da obra de arte. Esta, como se diz em A Origem da Obra de Arte, pode consistir no esqueciment> da obre. O que nao pode ser uma actividade,e por isso nfo se identifica com a esa ou a histria arte. A salvaguarda, sendo endo sobretudo um permitir a verdede como abertura de mundos historicos ra sua alianga com a producio da tera, ¢ nunca a imposigdo de novas visées do mundo, pode ser considerada como o modo dea vexperisncianesttica se dar enquanto relagio. Aquele que I, ouve, contempla, é afesiado na medida em que entra numa relagio estruturada pela Linguagem. Por isso, a sexperitncian esttica nio deperde exclusivamante da obra nem do seu exterior, ocorrendb sim na articulaglo da cbra e do exterior, no Timite em que a obra altera o munda mas subsiste por este. este processo, a furdagio de mundos hist6ries néo assnalivel como fal, sendo essa uma condigéo para que 0 choque da «expe- ritncia»estdtca ndo se anu. O que sigrifica que a fala da obra se sta rnuma relagio com a linguagem de tal mode que, se nfo se limita 2 que nele nao se realizou mas persiste como um dos seus possiveis. ‘Uma vez que a perda da aura néo origina qualquer plenitude, ‘mas, pelo contrario, decorre de experiéncia do «choque, associada & da reprodutibilidade, como perda do presente, do hie et nun dnico em que a obra foi produrida e que se integrava nala como marca indelé- ‘vel do acu crindor, a autonomia da obra no corresponde a um encer amento em si como em algo realizaco, mas existe numa tensdo entre ‘irrealizado ea promessa que nele se encerra, seu outro nio revelado. ‘A separacio da arte em relacfo ao culto, iste é, Aquilo que permite integré-la numa tradigio e numa comunidade que s2 organiza como totalidade plena dotada de um centco infinitamente Jonginquo mas presente em todos os simbolos nessa distanci absoluta, implica pois luma nogio de imanéncia em que 0 outro se inscreve no mesmo constituindo as potercialidades infinitas da mudenca. «Perda da aura» nio significa enfgo identidade ca obra, palo contrario,o distante inscreve-se nela, retirando-a de um estado inerse, de morte, € anunciando no fragmentario, nas runas, a pssibilidade de redencho. ‘A complexidade da nogo de aura reve'a-se no facto de quea sua perda, embora caracterize ua determineda época, nunca € total. ‘Adomo, enticando a teria da aura desenvoWvida por Benjamin, iwiste no facto deo ic e nure da obra de arte ndo poder ser suprimido, pois «nfo € apenas a sua aura, mas aquilo que nela ultrapassa sempre 0 seu cardcter de dado, a seu contetido» (1970: 59). Perante esta censta- tagio de Adorno importa verificar a vacilagio da nogio de aura, 0 que permite colocar a hipétese de ser, com efeito, a aproximagio daquela ao hic et nunc que faz com que a questo do seu desapareci- ‘mento néo se possa colocar sem ser contrariad por cutros elementos do pensamento de Benjamin. Mesmoa arte da modemidade, a.arteda época do desaparecimento da aura, vive de uma tensio assencial entre 0 préximo eo distante, que significa a persisténcia do outro, irepetivel, contra o qual se deservolvem todos as mecan:smos de reprodusio ¢ massificagéo. ‘Num dos seus estucos fundamentais sobre a modernidade wts- tica, Benjamin prossegte, a partir da letura de Baudelaire, a sua refiexéo sobre a aura das obras de arte, deixando dea colocar na dependincia exclusiva da integracio do individt:o na tradigto, mas admitindo uma mudanga das proprias condigies 2 modos de percersio. Embora 0 Ceca e segredo em Walter Benjamin 25 desenvolvimento das téenicas de reprodugi tenda a sompensar a perda dda experigncia pelo alargamento da memoria voluntéria, nenhwen objecto a-tstico & redutivel aesta. A relagio com aauséncia torna-se pois esseacial, sendo concicao da obra dearte que nela se suspenda a possibilidade de corstituir uma tolalidade fechada. Nela, qualquer elemento é sempre susceptivel de atrair um outro, infinitamente, sendo essa inesgotabilidade de sugestoes aquilo que a constitui como lum corpo em metamorfose, dotado portanto de um poder proprio de intervengio e de osmase ecm o melo. Esse poder &0 da alegoria, que determina nio 66 a poceia, come toda a cocrta lteriria © a criti. Na obra de Eaudelaire encontra Benjamin o aparecimento da alegoria na modernidade, ressaltando a sua natureza, que consiste em abrir pas- sagens entre o signo eo nome secretoe indesvendavel, entre a histéria © » instante mistico. Nos textos em que Baudelaire reflecte em termos sociol6gicos sobre a arte dasua época, a necessidade de afirmararelagio inexordvel entre a arte e a morte adverte para a aondicio alegérica dessa arte, a qual no sonha com a reconstituicao de uma unidade perdida, e como tal nio se orienta para a avaliagio das obras de arte, nem a partir de valores eternos, sok a forma de c&nones académicos ‘ou qualquer outra legislacao, nem a partir de um efeito estticoimediato. 'No ensaio «O pintor da vida modema», frequentemente citado pela sua definigio de « modernidade», esta, sendo o nome que Bau- {ela atribui a algo que ¢ artista busca e que consiste em sseparar da moda o que ela pode conter de Foético no hist6rico, extrair o eterno do transit6rio» (1865: 694), encezra uma ideia de reconciiacso impossivel, de divisio do tempo pela qual o presente néo existe. Na auséncia de reconciliacdo hé, no entan‘o, o que de tensio entre dois polos & articulagéo entre eles. Mais adiante no referido ensaio, Baudelaire daa seguinte definicio: «A modernidade € 0 transilorio, © fugitivo, o contingente, a metade da arte cuja outra metade é oeterno 0 imutavel>. Benjamin considera que Baudelaire ro teoriza correc- lamente sobre a arte moderna, uma vez que tende a estabelecer uma oposigdo entre antignidade (modelar em termos de método, cons- trugio) e modernidade (fonte de inspiragio) que efastaria qualquer intercimbio de ambas (cf Benjamin, 1935-40: 143.94). ‘Tendo em conta expresses coma as acima dtadas, em que @ modernidade aparece come a busca que procura «extrair 0 eterno do {ransit6rio», a relagao entre antiguidade e modernidade esta loage de ser de oposicio. Nao é porém essa a questio que aqui interessa Independentemente dela, c que ¢ importante é que é em relagso 8 poesia de Baudelaire que Benjamin exalta 0 uso da alegoria na 226 Ds instituclonalizacto da itexatura ‘modemidade, considecando-o como a construgio rigorosa que permite ‘a0 poeta utilizar as mascaras e da origem implica tanto a introduglo da des- continuidade na tradiglo como 0 inacabado das idzia, umna vez que alas 36 se ealizam na Flistria E possivel encon:ra na nogSo benjaminiana deorigem um ponto de partida para pensar a relagio entre illogia e miologia, desenvol- vida no romantismo alemio nomeadamente por Friedrich Schlegel B essa a proposta de Agamben que, partir da semelhanca entre ambas, define uma «miologia cniica>, O'né da semethanga entre floogia e 228 Dainstitucionalizagio da Lterstura mitologiaconsiste em ambas consituirem «uma produgfo da ougem, ras esta origem nfo é um evento arcuetipico separado in illo tepore, mas 6 ela mesma alguma coisa de essencislmente histérico» (Agam- ben, 1978: 146) As ideias pertencem a linguagem,& sua fungio oigi- nal, addmica, de nomeagio da natureza. Porém, uma ver que esia fangio foi degradada quando « linguagemse converteu num siserna de signos, as ideias persistem como um potercal susceptivel de ser ‘eacivado pela remenraracio. Eta nfo correspende de modo nenhism & reconstrugio de uma historia somo narraiva em que factos eacon- tecimentos do passado se adicionam segundo uma ordenagio crow Tégiea que respeita a ordem da sucessio de causes e efeitos. Pelo contriio, nas tees Silve o Const de Histria (1935-0: 195-207), Ben jamin expiitou a sua recusa da idea de Historia como desenvolvi- mento linear e progresivo, opondorhe a ideia de redengio, interrupgio mestiinic. Pensa redengio exige um conceto de tempo- -presente,Jelztzzt, «cue nBo € passagem, mas no qual 0 tempo se fixou e parou» (XVI Tas), Escrever, neste ‘empo-presente, 6 accitit ‘uma relacio com o passado que nfo é« da contemplasio da sua imagem. eterna mas que, a0 inacrevéo rma experéncia Gnica, destoi o continuo da Histria, Por iso, o ettzelt no se integra num tempo cxonolégico constituido pela cequércia pussado-presente-futuro, O tempo-presente €rruzgio no presente da plenitude do passado E na medida em que visa ssa redengSo do passado que a Tememoragio a recusa de ura tcleologia da Histériaecorresponde a mani- festagio de um «principio corstrativo» sem 0 qual nfo é possivel {falar de meméria ou de passada. A saida do texapo homogénee e vazio para o tempo da Historia enquanto interrepeto da circularidade ow linearidade daquele ¢ em Benjamin fundeda na nostalgia. Camen- tando a concepsfo benjaminiana do tempo, a partir das teses Sore 0 Conceto de Histiria, Agamben salienta a natureza desse poder fun dador, dizendo que «9 verdadero materialista histico» (expressio uusada por Benjamin) é waquele que era cada momento esté altura de parar 6 tempo porque possui a recoréacho de que a ptria original do hhomem ¢ 0 prazer» (1978: 107) Sendo a obra de arte um dos lugares da rememoracio, ela €a alianga de verdade e beleza: as ideias que nel se apresentam parti- cipam do aos ¢ da Histéria, io « natureza que nae se dé seni na cultura. Benjamin, alvdindo & obra de Goethe, compara as ideias & inde féustia, pois epermanecem na escuricso até que os fenézrenos as reconheam e ciraindem» (1925: 32). Snquanto experiencia de redengSo que se apronima da anterior fungao nomeadora, a baleza CCaltica« segreco em Walter Benjamin 29 que se sent perants uma obra de arte rfo result do desveamento de uma origem, mis da verdade secret que nela existe vada Ou figurade,impossivel de ser apropriada em conceit. A filsoia,ata- ‘és do comentario cu erica da obra, estabelece ccm essa experiénca uma relagao que, sendo fundamental para a obra citicada, no & de modo nenhum a sia reducio ao conhecimente, pols «no € um desvelamento que destréi 0 mistéro, mas uma revelago que the faz justican 1925: 28). A questo da erica das obras de ate ¢ importante tanto do ponto de vista destas como dod filosofis Se ¢ 0 comentario ot erie contre legtamacaces una obra de arte, a losin que os realiza, reconheve ma arte um excetso em relagho as ideias © ‘onceiton ue dela consegue apresenter™, Enquanto lugar verdade, aflosofa encontra no carécterenig iitico a arte os seus limites, reconhscendo a partir dela a inposs bilidade deatingir a ideia num presente cu se corstsicomoperda confit. Mas sso 35 se torna possivel porque a critica ihumina os enigmas da obra de arte, reacionanco ss suas figuras com oxtras, oritndas da fos, de modo a encontrar nelas a manifestacio do ‘ideal do problemas. Eo «ideal do problema», designacio de tina inexisterte unidadeda filosofa, que a extion deve extrair da obra de arte, fazendo-o aparecer através das suas manifestagdes. A relacio entre arte ebeleza parece assim supor sma impossbilidade expecta da ilosofia, dese interrogar sobre si como sistema, Na obrade arte, a beleza 6 algo que nfo se deixa faa: em termos de conheciment, Correspondendo 8 apresentagfo da verdade e nao de um centeudo dlefinido «numa obra, a veriade, sem ser object de interogacio, reconhecer-seiacontida como exigénia» Benjamin, 1935-4089) Todo o conhecimento ini o seu desaste, pois sendo o conhec mento de alg, «esse algo insiste para que a reflexo o conhega como desconhecido que ele 6» iedmann, 1973 37), Ena medida em que o conhecimento supde uma actvidade coasciente em. que 0 “aqui © agora», ou winstante misticos, se perde ro processo de abstaccio & Classficagto, que ele fal a verdade ce um acontecinento enquanto Singularidade absoltta, Daf que Benjamin posea fazer a seguinteafit- rmagio:«O conhecimento-e a verdade nunca sao idénticos; no existe nenlum conhecimento verdadeiro nem nenhma verdade conhecia» (Git. in Tiedimann, op. ct 37), Tanto a atte como filosofiavisam a verdade. Fazem-no porém de modos diferentes. Na primeira, € a aparénca que consttui uma exigencia de verdade; na segunda, 0 conhecimento partipa do processo que a tora vsivel. Benjamin ‘continua afirmagio anteriormente cada dizendx «Contudo, certs 230 Dainstitucionlizagio da Ltentura conhecimentos sio absolutamente indispensaveis pera a presen‘agio da verdade>. Estabelece-se deste mado uma relagio entre conheci- ‘mento e verdade que implica, mais do que a afinidade entre arte e filosofia, a necessidace de estabelecer passagens de uma a outra: por ‘um lado, para reconhecer a exigenda de verdade na arte & preciso uma investigagSo que a filosofa «tem a voragio de guiar» (bid; por outro lado, a arte confere a filosofia a possibilidade de se aprosimar da unidade que o trakalho conceptual nao permit. ‘Auunidade de verdade e beleza aparece assim como possibilidade «4 partir da conjugagio de dois dominios auteaomios, o da arte © 0 da filosofia, em que cabe a esta ditima, sem quebrar essa autonomia, ‘mostrar como 0 teor material da obra difere do teor de verdade que zo entanto origina. Por outras palavias, a critica, actividade essencial dda investigacao filosética, con‘ribui para ¢ afirmacgo da autonomia da obra de arte ao mostrar que o mundo da obra nio pode ser {dentificado com a representacio ou reprodusio da realidade social na sua existéncia ou ra sua utopia, Mas a critica contribui de igual modo para mostrar como a autonomia néo significa que a obca se encerre em si mesma. facto de nio exist uma relacio directa entre ‘a obra de arte e a realidade social nao exclei a existéncia de uma relaglo indirecta. A clegoria 6 0 medo de essa relacio se dar. pois cada significado é susceptivel ce funcionar como signo para o qual se ‘encontra um novo significado; » que implica tanto a desmontagem da ‘obra ou o quebrar da sua unidade imediata através da corcep- tualizagio, quanto o reconhecimento da inesgotabilidade do processo de interpretacio ou coment. Reconhecer a autonomia da obra de arte implica entio um ‘movimento contraditério que revela tanto a impossibilidade absoluta da existéncia de quaisquer critérios a priori nos quais se possa funda- ‘mentar tum juizo sobre ela, quante a necescidade de romper o fecha- mento a que a obra ficaria circunscrita se a sua solidao nao fosse quebrada por uma anilise conceptual de que decorrem juizos a =ue a ‘moral néo pode ser alneia, como no 0 é nada que diga respeito 20 hhomem, Pode entio concluir-se que no hi jusificagso possivel de qualquer obra artistica ou literdria, 0 que mo exciui a institacio- nalidade da arte. Esta parte do reconhecimento da importdncia de um lugar da invengéo, o1 do possivel, na vida das sociedades, ¢ tem como consequéncia que esse lugar seja aceite enquanto"risco promessa, acarretando a anulagio de qualquer um destes elementos a anulagio do outro. O rsco é anulado quanco se passa da auséncia de fundamento, e portanto de qualquer garan‘ia que permita distinguir (Ciltica segredo em Walter Benjamin 21 a verdade da mertira em arte, A aceitaggo de um fundamento insondavel como aquele que tradicionalmente constitui a aura ot :istério das obras de arte; a promessa extingue-se quando se pretende fazer ccincidir © conhe:imento que se extrai da obra com a sta verdade. Em Benjamin, ofundamento 6 um simulacro defundamento, pois a ‘origem s6 € causa no originar-se dos fenémenos, ra ideia que precisa do fenmeno para existir, para desenvolver o seu poder metamdrfico. “Apenas desse modo ele pode afirmar a autonomia da obra dearte ea jimportiacia da eritica como mode de reapeitar crea autonomia. Ao recusar a relacio de empatia, ou qualquer outro modo de relagio que privilegie a subjectividade, correndo assim «o risco de cair no mime- tismo e na tautologia» (Missac, 1987: 22), Benjamin afasta-se de um dos modos mais comuns de subordinar a arte a um fundamento divino ou natural que a tornaria de imedieto partilhavel. Nao havendo nada que garanta uma comurieatilidade imediata, € no entanto possivel ‘admitir « comunicabilidade,e nessa metida realizar todas as opera- ‘G0es de construgdo cue se “ulgue contribuirem para ela. A consciencia da austncia de fundamento traz. consigo uma exgencia de maior rigor, atribuindo a critica uma obrigagio de desconstruir (desmontar) 1 obra citicada e de construi:, com base nos elementos evidenciados, ‘um dos possiveis dessa obra. A importincia que assim se atribui & recepgic antecipa aquela que Ihe é conferida a partir dos anos 70, nomeadamente pelo pés-estnuturalismo. Note-se que néo se ‘rata de decifrar uma obra do arte, mas de participar no seu devir através de tum discarso que acompanha as sas modificacoes, isto é, que faz justiga A sua realidade hist rica, ‘O que podemos considerar de grande interesse fara o modo como 0 problema da legitimacio se coloca hoje na teorialiterdria é 0 facto de ‘para Benjamin o replidio do subjectivismo da critica hermenéutica psicologista no corresponder, de modo nenhum, a uma pretersio de objectividade. A eritca admite que a obra possa possuir um segredoe 1ndo pretende forgéda a sua revelaga, sem no entanto abdicar de contribu para o esdarecimento dos seus enigmas: Suposhamos que travamot conhecimento com uma pestos bela ¢ simpitica, mas fediada porque tra congo um segredo. Errartamos se quiststos forgat as suas confideneias. Mas € permutido iavestgar se ola tem imios inna, eee a essncia dees poderia career, de algummod, 0 que éenigmatico mse csranho. &exactarrente assim que a erica procura ftmos irmas da obra de arte. E todas ss obras autentica tém 0 eus Jims eiemas no dominio i ilosoia So justamente as figuras ras quais se manifesta 0 ides doses problems (Benin, 1922-34: 87-88). 232 Da instituconalizacto da literatura Nao querendo forgar o segredo da obra literdria, e como sinico ‘modo de respeitar a sua inesgotabilidade, Benjamin recusa a isto de uma critica objectiva. Uma obra 86 ¢ inesgotavel porque guarda no mais intimo de si o segredo éa sua absolute singularidade, que € também a sua abertura ao exterior, a possbilidade de possuir uma semelhance de familia com outras obras. A afirmacio do proprio entao uma relacio como impréprio; a autonomia, uma hipotese que supée o jogo entre o estranho eo conhecidc, uma questio de limites, ou seja, da necessidade/ impossibilidede de demarcagSes. E por nfo ser subjective nem objective que © comentério c-tico encerra ele préprio o smu segredo, do seu nascer, «aqui e agora», mum presente em falta, qu: 0 futuro procuraré em vo preencher, ndo fazendo sendo reavivarshe 0 segredo, relangando-o através da >r0- messa de plenitude. Desse modo © comentério crtico de uma obra literéria nunca 6 aperas eritico, no sentido anteriormente referido, que implice a morlificacdo ou decomposicio da aparéncia imediata da sua unicade, mas € também Ieitura, no sentido de uma apropria- ‘fo que, nio estando subordinada a subjectividade, se poders atrbuir 20 movimento da escrita em que se wembareca> (evoque-se Carlos de Oliveira) o escritor enguanto nio-sujeto. Esta ideia de recolhe:, ou sapropriar-se den, faz parte do vocébulo alemio para letura: «Para além do mais, Aujfleser significa também recolher, apanhar, e L:ser (em por vezes 0 mesmo sentido» (Missac; 1987:68) Embora a legitimacdo da obra litera resulte automaticamente 4o acto de dar a partihar 0 seu saber, sendo por isso mesmo sobre- tudo um resultado da critica enquan‘o investigagao filosofica, ela € insepardvel da leftura como a:olhimento, ov. seja, da leitura que desenvolve o seu pensar a parti: daquilo que recothe. Por esta dupla ddimensao, o comentaia eritco 10 se limitaa extrair da obra litesiia ‘um saber que resulta da aproximagio de elementos daquela aos pro- ‘blemas filos6ficos, e por conseguinte também ca sua integracdo num campo moral determinado, mas é ele proprio também possibilidade de contribuir para a deslocacio do saber e ca moral. A responsabili- dade da critica nao pode ser de mareira nenliuma zeduzida & sua cdimensio de justificacto. Ela é também responsdvel por acompanhar a obra no seu ir além do conceptualizivel, participando desse modo ce um movimento idéntico ao ¢a cbra, nfl intelramente justificével por introduzir a possibilidade de mudanga. Esta relagfo entre a legitimagio e a sua coexisténcia com a introducio do néo-justficivel, ‘encontramo/la, em termos semelhantes, em Musil, num texto sobre a caitica, em que fala da situagio desta, dizendo que ela «ndo é menos Catticaesegredo ers Welter Benjamin 233 delicada que a da moral» (1926: 215). Nenhuma cestas esta sujeita a leis divinas e imutaveis, e no entan:o em ambas ¢ do sistema e da sua ‘modificacio que se vrata, Dai que no haa verdaceira legitimacio de uuma obra se ndo se passa além da justificagao conceptual, aceitando que ha sempre nacuela algo que no tem justificacio, por ser da ‘ordem dos possiveis ou da verdade da obra, considerando esta como 2 sua singularidade, ndo lhe dando, portanto, nem o sentido de cor- respondéncia a ums realidade objectiva, nem o sentido teolégico de redengio final, nem um sentido normativo. 10. Adorno: as aporias da esiética moderna e 0 «no- mento do jogo» Ndovidentidade e mimesi. — A estélca da ruptum canta a hermentuti das obras de art. ~Jauss, Fabermas e Wellner, ertices de Adorno a paris da defesa de ura nocto de exmunicabiidade da arte.— A condo enigmatca das obras de arte ~ A dissontncia.~ O sublime como saerifcio do belo. Aporias {ia autonomia da arte e da sua legtimaydo. ~ Uma relagio contraditria fam odo de ogo A ideia de perda de uma relagio no-cominadora e néo-hizrér- quica entre o homem ea natureza é comum a Benjamin e a Adorno, cembora se epresente de modos diferentes. Em Benjamin, ela ¢ supor- ‘ada por uma concepgio teol6gica em que dominam os mitos judaicos da criagio e da queda depois da catistrofe, a relagio mimética que fazia coincidir 0 nome com a coisa romeada foi quebrada, embora ppersista como meméria oculta dos signos que a arte tem o poder de (re)construir, a partir da sua desconstrucio ou desnaturalizagio Em Adorno, a ideia de uma relagdo mimética entre o homem ea natureza torna-se fundamental para a sua construcio da nogio de nak tidade, como para todc 0 seu persamento sobre a experiéncia esttica «sobre a arte, Tratase sobretudo de pir em causa a relagio de demi- rao do objecto pelo syeito, ppetrada naconcepso de identi lo conceito. (© questionar da totalizagio (quer se trate do mito, quer da razdo instrumental), que reclama o ndo-idertico, constitu ¢ mticleo do tra~ talho publicado por Horkheimer e Adorno sob o titulo Dialektit der (op. cit: 129). ‘A oposigho € assim, na obra de arte, 0 moviznento que, a0 mesano tempo que a constitui como apartnda (manifestagio da essen), abala esta aparéncia revelando 0 ndc-ente como seu constitunte © instaurando desse moco a autonomia da obra de arte como «final dade sem fim», segundo a formula kantiana. E enquanto ihisie ou ‘Morente que a arte se pode separar de toda a finalidade exteror, afastando-se desse modo de uma racionalidade dominada pela ideia estratégica dos fins, Noentanto, porque a mines néo € uma intaigS0 camo perceptibilidade tmediata mas apenas se dé pelo seu contrSrio (0 conceito)a obra de arte nfo pode ser estrenha a este, nem redezit- tele, Essa 6a condigle que a tora indissocisvel de uma finalidace, a Jei da forma, embora a sua existéncia consista em fazer justice 90 recaleado de finalidade o singular e contingents. ‘A arte resiste & suboungio e, porianto, nenhuma obra pode ser sxsimilada a um jueo determinant, cognitive, No entanto, a condigfo iscursiva, Kigica, de manifestazio do ndo-discursivo ou mimdtico implica que a obra de arte possua uma légica semelnante aquela a ‘Adome:estéica moderza e«mromento do jogo» 239 que se epoe, sendo «um processo raciocznante sem conceto ¢juiz0> (op. cit: 157). E assim que Adorno interpreta a concepcio kantiana de «finalidade sem fim», desviando-a da sua vinculagso a uma teleo- logia de fundaments divino: «A sua finaidade liberta dos fins prt cos constitu a sua analogia com a linguagem, o “sem finalidade” € a sua acoaceptualidade, ¢ sux diferenga relativamente 3 linguagem signficativay (op. i 161. [Nac sendo da ordem do uizo cognitivo, a obra de arte assemelha- -se Aquele na medida em que «intuigie> e «conceito» nao existem hela como elemenivn Ludependentes, may sin sua religao de rmediagéo, semelhante a uma linguagem. Essa mediacio ou sintese do hete-ogénco, que confers unidade 4 materiais diversos artici= lando-osentresi, é¢ forma. Por iss esta & determinant em qualquer objecto artistico, cuja eoastituigho runca é da ordem da criagio espontinea nem da apresentacio imediata de um contetido, mas exige uma determinada técrica, «nome esttico para o dominio do material (Adorno, 1970: 240). A ténica nfo s6 € mais importante do que aquilo que as tendéaciasiravionalistas e espontaneistas preten- dem através do seu menosprezo ¢a realidade prosaica, da qual ela aparece como tuma emanagto, como & decisiva para a constituicdo de ‘qualque: obra de arte. Ne constituicao de uma finalidade sem con- ‘eto, a ténica deve necessariamente desiazer a oposigio entre forma fe contetdo, afastanio-se desse modo da sua subordinagio 3 razio instrumental e partcipanco da const-ucio do er-gma. Sem técnica, (0s materiais que constituem a obra de arte no passariam de coisas desarticuladas, pois apenss aquela «faz com que a obra de arte ecja rmais do que um aglomerado do facticamente exstente, e este mais constitu © seu conteidon (op. cit: 244). Sendo coadiglo essencial, a técnica rao é uma garantia: por sis ela nada vale. ‘0 facto de a arte como mimesis dispor dos meios téenicos mais avangados néo assimila a sua racionalidade & do «mundo técnico» Com efcito, através da técnica, as obras de arte constroem a sua ‘autonomia em relagéo Aquele mundo colecando-seem confronto com ele, 0 que torna possivel dizer que «A. oposiglo éas obras de arte & dominagio mimess desta» (op. ct: 320). Para compreendermes 0 ‘modo camo a técnica organiza os materiais emplsicos subtraindo-os 4 empiri e transcendendo-os num mais, é preciso termos em conta a forma atistica come articclacSo, estraturagio de campos de forgas, € rio totalidade determinada. Por cutras palavras. é preciso ter em conta que «estruturasio significa néo-estrutura> (op. cit: 320, 0 devir endoa fxider. 240 a institucionalizagio a literatura ‘A forma artistca ou expresso transfigura os entes que a com- poem e que por els adquirem um valor dierente daquele que pos- suem na realidad empirica. Na obra literéria, isso implica que a sua dlimensio hermenéutica nio possa ser considerada fundamental, pelo ‘que «as obras de arte nao devem ser compreendidas pela estética ‘como obectos hermenéuticos» (op. cit: 138). O que nelas € essencial é ‘0 seu enigma, decorrente do modo como ininteligivel eo inteligivel se aticulam numa forma vinculada a sua cordigio histérica. Enquanto expressio, a forma nao corresponde, portato, a nenhuma manifes- tacio psicolégica, nio podendo ser enterdida no centido comum de expressio de uma subjectividade. Daf decorre a recusa absoluta de considerar a arte a parti de uma perspectiva comunicacional, 0 que, [Por conseguinte, derrarca a teoria estética de Adorno de qualquer tipo de teoria que tenha como base a recepsio das obras de arte (como é claramente desenveivida por Jauss), ou que pretenda reconiaecer a autonomia de um daminio expressivo enquanto fonte de abertura de ppossiveis, como defendem Habermas e Wellmer. Na sua «Critics a estética da negatividade de Adornos, Jauss (2977) ope aquela um tipo de «experiencia esttica primaria», baseada rnuma comunicacao inter-subjectiva espontanea, isto é aum movi- _mento de identificagio do sujete ccm o outro. No seu nivel primério, ‘este movimento € pié-reflexivo, emocional (como 0 «ir-se com» ou 0 schorar coms), consistindo numa comunicabilidade imediata que funciona como catarse e como mecanismo de agregagto socal. Ao conceber a identificagdo primaria enquarto momento primorcial de qualquer relagio cor uma obra de arte, Jass ndo pe em causa a primazia do sujeito, que segundo Adorno esté na origem da domi- nacio da natureza, tanto intericr como exterior ao individus. Pelo contrério, a hipétese de comunicagéo espontanea, que pressupse necessariamente a possibilidede de percepedo intuitiva, pré-concep- tual, da lugar a uma concepsia de intersubjectividade segundo a ual o que € social e hist6rico vem reforgar uma aptido natural. Trata-se de, na linha de Schiller, conceber um impulso estético origi- initio como fonte de orazer € de vadicar nele toda a producfo avistica Por iso, Jauss contesia a tese de Adorno segendo a qual a experiéncia artistica exclu o prazer. A ess tese, que considera «purismo esletico», contrapée: «o prazer que a arte provoca e possbilita constitui a expe- riéncia estétca por excelénca, que caracteriza tanto a arte préautd- ‘noma como a autsno:a» (op. cit: 57) O prazer a que ambos se re‘erem, ‘embora com propésitos opostos, corresponds a uma confirmaglo do sujeito, do seu poder face a um dado objecto, E © que toma com ‘Adora: estéticn moderna «momento de jogo» 2a preensivel que Jauss se apoiena sua investigacdo sobre a recepsio da rte «preautonoma> pars afrmar a existnca de uma sfunlo pro ptia da experiéncia estética na formasio, justificagto,sublimacho € transformagio de normas sodais» (op cit: 82), enquanto Adorno 86 apoia noseu conhecimento da arte moderna para por em causa qual- her hipstese de se considerar uma fencio social lredia da arte, 08 seja, uma partcipacio da arte na consolidagio de uma onganizacao social que assenta na vortade de donxinio desenfreada que constitu out. "As concepgbes de Acomo ¢Jauss sobre a arte io simi emt muitos arpectos, delas desorrendo mods de relagio com as obras de arte igualmente simétricox segundo Jaus, a0 prazer da experincia catética imediata segue-se uma experiéncia hermenéutica (0 prazer € a signficagfo estdo em consonanca); sepundo Adomo, a exclusso do prazer na experiénciaartstica depende da sua negatividade, isto 6/da sua ecusa, rica, a rechizir a experincia ardstica a um conhe- cimento conceptual, hermenéutico, que €0 dico possivel na comit- hicagio de sujelto a sujelfo, Enquanto Jause parie de uma anise hhistorica para dedusir uma espécie de esséncia da arte que seria a comunicabilidade, Adorno parte deur pensamenlo que encontra na arte moderna, e mais especifiamente no moderismo, 0 recalado da objectivasto, isto é da raconalidade crientada para umn fin. Ambos conferem portanto & arte uma autoridede particular e um lugar privilegiado no interior de uma dada cultura: para fauss, uma fungio Ee consclldaclo socal que 20 exch! a crea; para Adorno, ima fungto etica que exclul qualquer possblidade de funcionar como factor de consolidacio social. Tendo em conta este tipo de oposicdo, em que cu ge trata de atbuir arte uma fungio efirmativa ou de a coneiderar apenas enquanfo negatividade, podemos eltuar ainda no primeiro pélo as concepgSes de Hazermas e Wellmer. Para ambos a Comunicsbiidade € fundamental, seo através delaque a ate exerce a tua funglo, sobretudo efica eiaventiva par o prinetro, de transfor tmagio dz percepgio para. segundo. labermnae diz partilta: a conce>¢lo de nguagem postica adop- tada por Richard Ohman que, na sequéncia de Austin, atebutaquela tim estatuto peculiz, considerando’ que nela os actos de fala sfo despotencializador, isto é, perdem a fora ilocutéria e s8o apenas signlicados locutrics. A autonomia do disursoItedrio consist secim na sua subtracgdo aos constrangimentos inerentes ao discurso nor- tral enqeanto interacgao directa e, nessa medida, forca vinculativa Do facto de se constiir came flegSo ou aparéncia esttica, 0 discurso 212 ‘a institudonalizado da Ueratura lterérioretira a autoridade que the permit ser a pura demonstragfo da forga descobridara do mando de que sio dotadas as expressdes ‘novadoras da lingoagem» (Hbermas, 1935: 191)". A validade de uuma obra literria, ou de uma obra de arte em geral, nfo eepende porém excasivamente da aia sumpensio da for iocutdra, Para {que esta tena valor artistic, € preciso que posta ser concebida como expressio de uma expericia avténtic, sinpindo desse modo a necessidade ce uma etic estética enqvanto hermenéutica, om se), enquanto fungio mediadora que, para além de proceder a ysidagio dias obras ( discuo subve a sus autetiidade)e win gule da per cepgio das mesmas. A argumentacio da critica iterria esta desse ‘modo oxentada para a parihabiicade de um tipo espectio de actos de fala através do tomar evidente da sua autenticidade. Quanto a Weller, ele pe em causa.adivisio entre um ciscurso normale tim discusoliteraio enquanto tipos diferentes de actos de fala. Invocanclo Kart, defende qe o jogo entre imaginagioe entend mento, que caracteriza a experiéncia do elo, confere a et um spotencsl de verdad» que consist justamente no retabelecmento de uma scontinuidad entre arte ea vida quotiiana» (1985: 281). Tal ontinuidade ¢ afinal um jogo entre aparénein autOnoma e relidade Social, entre um modo metaérizo e tum medo nio-metaférico, Com cfeito, a verdade xo metafoicamente pede ser atibuida a arte. No fentanto,€ preciso para isso que a experitnciaesttica sea, de mod niormetatorio, experiéncia de verdade, dado que, enquanto expe- Héncia de um sujet, ela nfo existe fera da confluéncia cas tes dimensées da verdade deserias por Habemnas, O ertelagamento entre © metafricoe 0 nic-metafric, tal somo Wellner oconcebe,&impen- sével do ponto de vista de Adorno, que nao admite qualquer con- finuidade ou relagio directa afirmatva, entre a arte ea eaidade social Para Welle, aide de separagio radial da ate 6, em Adorno, solcria de uma iia de redengzo na qual se cruzam temas teldgicos sensualistns Quando, em cetrimento dos temas materialist, eta dimensto se tora kundamenta, a experénsin esti, tal como em Schopenhauer orientase para o évase, ni tendo nenhuma ligagio com umé utopia que tenka por bate a realidade. 2 wtopia da recon- cllagio entre os homens, as cosas ea natareza, contrapoe Welimer 0 {deal de uma comanicagto sem constrngimentos. No essencal, Wellmerbaseia asus ertca Atecrisesética de Adorno no facto de as categorias principae deste ~ verdade, epartncia e reconcilagio ~ ependerem de tim paradigma da flosofia da consciénca, sendo, Portanto, necessarianente postas em causa quando aquele ¢ aban- dome: estéta modem ¢ «momento do jogo» 243 donado dando luger a.m paradigma da linguagem. Enguanto 0 Primeire reduz # razdo a un tipo de rlacto sujelto objeto, ass Inétrica, para © segundo (de acorto com © modelo habermasiano invocado por Wellmer) é posivel distingaixente esse modo de exer cicio da racionalidade ¢ uma racionaidade comunicivel que se dlesenwoive numa racic de simetia entre suetos. Assim, enguanto 4 floeofa da conmcbacia «aio poe pensar a menesis vendo’ sob a forma do outro da recionlidade, tal como no pode pensar a euniso da mimesis e da racionaidade endo seb a forma de ima negacio da realldade historica» ‘Welimer gp. ct: 262), aconceacao de ure ra nalidade comunicaconal permite projecar uma realidade wtpica a partirda realidade social, na media em que esta nfo €s6 constitu pela racinalidade instrumental, objctivante. Partndo de tima concepsto da inter subjectividade como cons- titutiva da realidade socal, Wellner nfo pode deixar de pensar os efeitos que sobre la exer a experiencia estén, o cue o leva aac a alteracio reciproce as altergoes 4a percepgio so ja mudancas da realidade e, por sua ver, a3 transformagies teenices podem desenca- dear transformacdes da experiéncia aristica das quais decorrem transformasoes da percepgio. F a0 admit esta daléctica que Well mer se aproxima de Senjzmin, Nesse santo, a Adorno ele contrapoe Benjamin, cua refledo sobre a artee a sun transformagio na sequen- da do desenvolvimento da técnica vé nesta 20s elementoo de um antidoto a destraige psiquice dos homers pela soxedade industrial» (ep cts 286). Dest mento eortrariamente a Adorne, para quem a arte (op. cit: 133), Por esse estremecmento, a arte no pode ser nem racional nem imracional, nem corresponde a um desenvolvimento orientado por uma ‘ei natural nem a um desenvolvimento caético Aliés, como ja vimos, ao pensamento de Adarno nao ha qualquer idealizagio da natureza, Autopia da néo-violencia ndo é associada a um estado natural. Pelo contrério, como se I era Dialécica Negativa, «a liberdade nio se pode realizar senio através do constrangimente civilizador e nao como felour ata natures (em irances no original, 1566: 120). Apesar de tudo, 8 teoria estética de Adomo néo deixa de ter um fundamento natu ralista, o qual reside na nogio de mimesis. Com efeito, é a mimesis que Adorno: estética moderna e «momento de jogo 27 garante a dimensio critica da arte, poit dela desende o poder de ‘issondrcia ou suspensio da forma. Apesar de toda a imporlancia conferida& forma como organizagio racional dos materias, Adorno ‘io dena de considerar ceciiva a mia negacso, a dissonincin, Assim, 4 natureza assume um papel inverso co que Ihe € atrbuldo por Kant 20 considera o génin como «a disposi inata do esprit Gingenium) pela quel a natureza dé as regres A arte» (CF, 46). O impulso ‘imétic, como impulo natural, suspende a lei ds forma mostrando dlesse modo a ireconciliatlidade e asim aginco crticamente. “Ao concaber como nogasto a daléctca entre miners e raciona- lidade, Adorno compresade oe dos elementos como pélos de uma opesigic que, embora rao sea superdvel name sintese, sue 0 modelo metafsico de hierarquizagio das oposigoes, Enquantoa com. plementaridade em que minsise micionalidade se harmonizam cor Fesponde a primaziada forma, e portantoda raconalidade, a disrup- G06, peo contrério,o privilgiar do impslso mimétco, Em qualquer dos casos, 0 polo privilesiado é uma origem ou presenga eta let € ‘onsiderada determinants. Adorno.6 pode concur pela verdade da fre em vrtude da sa filosofia da Histeia, De acordo com esta, a arte {Que se afrmou como uma esfera auténoma cuja hamonia contastava om a realidade socal, fx: forgada, pela dindmica de imposigso da razio instrumental, avolar-se contra si propria, fezendo deste auto “sacrficina sia verdade Numa sociedade nao reconcliada, ito & estrutureda pela oposigia do sujeto ao abjecto,« verdade $$ pode Ser ou antecipacto da reconcagho ou dentinca da ealidade.Eneasa medida que'a arte moderista, fazendo valer a ireconciitilidade entre mimesis e construgio, afta a sua liberdade 2m relacio o7ga- nizagio da sociedade, Pea sua simples exatencin ela € entio neces sariamente cra, apresenta realidad como fragmentads. Para Adomo, a frmaartisica €paradexalmente negagio da forma, sendo nessa negagic que ae origina o sertimento do sublime, o qual assim seinscreve nama economia ce oposigies que permitem consi deri-lo como o sacificio do belo. Tratese de um sacrificio tic, subordinado a uma flosoia da consciéncis que Adorno nfo abandona ¢ da qual depende todo o seu elogio do formalismo. & por partir da filosofin da conscincia,embora paca negar a sua :mposigao, repres- siva porque toalizadors, que a teota esgtica de Adorno aca por Teeusar¢ jogo, com ele» ncaso,subnretendo o devir a uma rgorosa teleologis som a qua’ nentvma interapcéo pode se dita critica, pois 36 a exiténcia de'um flor permite considerar a interupgio como sua negagio 0 critica 248 Da nsttucionalizacio da literatura ‘Como assinala Derrida, nam eneaio em que visa a critica ltrria ¢a saa enaturalytendéncia estruturalisa, toda a forma implice uma teleologia: «Que se tate de bislogia. de lingwistica om de literatura, como perceber uma toalidade organizada sem proceder a partir do Seu fim?» (1963 44) lei da forma imanente aos objectonartsticos nao thes confere qualquer finlidade exterioe mas dota-s de uma Oorganizacto que contre unidade aos elementos de que sao com-pos- tos. A lel dessa organzagto lel da forma, €intengto da obra. que se revela como tum elemento imprescindivel de modo qu, «ser eta svtruture imanente do principio identificador, to pouco cxstra forma fal como sem os elemertos miméticos» Adorno, op i 173) ‘A intengio da obra ® mesmo considerada o ponto de partda da critica que ee desenvolve prosseguirdo as linhas de ruptura entre a intengto eo que foi aleangado (fo. cit: 178). Na arte mocemista, ue vé na coeréncia ox totalidade ce sentido um conve metaisico através do qual a arte funciona como elemento de uma ideologia da reconcliagio, a dimensio de ruplura acenitare ao cresmo tempo em relagho A estrutura das obras ¢ através da sun autoreflexo exten, [Nessa medida, elas atsgem o absurco, como £0 caso paradignatico dias pec de Becket, no pela asia de sentico, mas eporaue pm 0 sentido em questo» (pct: 178). ‘A distingdo entre uma invengSc da obre © aquilo que seria a fntengio do seu autor faz com cue 0 srtista sje considerado como um sctersio éa passagem da potencialdade a actualdaden(p. cit: 190). Com efeto, ele serve para que determinados problemas formais encontrem por seu intermedia ts solupdes que 9 material les reserva, E por isso que o verdadeirosujita da arte nic é 0 edo produtor ou do receptor mas uma essncia colectiva, um nd que constitu o car ter linguistco das obras Oras esto loblnene soci no hesizonte de uma ce ineter- sinagic, «sem dita, to dtermirado como a forasproduivas eas ‘elas e pron de uma éoca(.) Mas» sujet eto nao cede rovavlnenterepradir porque sciaimente mediatondo,€o ponc Epic omo jo acon da flee pa 19.32) ‘A conespgio de um sueito nfo-empirco da experitnciaestitcn, tal como € exposta por Adorno, € obviamerte um dos elementos rarxisas da sua teors,sendo perfitamen‘ecolidaria da sua postu. lagio de uma intervensio poliea da arte, a qual nio depends em nada de qualquer tenativa de Ihe atibuis uma fialidade directa. rente politca, ou moral ou pecagogica”. Flo contro, todas as #en- “ativas de inetromentaizagio da arte tendem a valorizar a mensegem Adorno: estética moderna e «memento dojogo> 249 em detrimento da linguagem da forma, sendo desse modo intole- rantes em relagio a ambiguidade e enigmaticidade autoritaris, por- tanto. A dimensio sociale politica das chras de arte reside na sua capacidade dese oporem i discursive para dizerem a verdade que no pode ser dita discursivamente,a verdade impossivel, mas a que a dialéctisaenfre construsao e mimesis acele, mesmo se apenas como hogacio determinads, A aptit4o da arte para dizer 0 que n&o pode ser dito discursivamente é também aquilo que faz das obras de arte ‘a historiografia inconsciente desi mesma ca sua épeca> (op. cit: 207). 8 ota hiotorcidade intrinocen, critica da ideologia que constitu a visdo Histérica de uma determinads época, que hermeréutia historcita obliterainterpretande a obra nama referénda a um Forizonte de expec- tatva Na concep de um sujetoestética historicamente determinado, encontramos um elemento decisvo para a compreensio da necio de sublime em Adorno, Se o estremedmento em que consiste o senti= tmento do sublime é > efeto de uma disrupgio, de uma visto sibita do mundo como fragmertado ou ireconctliado, 60 sobretudo por- que nesseestremecimentoo ex experimenta a sua finitude. E dat que fesulla o sentiment de prazer e desprazer refeido por Kant na “naltica do Sublime»: «So suit tem a sua verdadeim flcidade na emagfo que the causam as obras de arte, é uma ‘elicidade dizigida contra osujeito» (op. cit: 320, Noro momento, reflectindo sobre a tecepgio da obra, Adorno defende que a imediatidade da emoc80 txperimentada perante um abjecto artisico «é mais do que uma tivencia subjectiva:é a irrapgto da objectvidade ra consciénca sub- jective. Ha é mediatizada por aquela precisamence onde a ieacgio subjectiva émals inensa>(op.cit: 274). A «irrupcio da objectividade» associa-se directamente a ui sujeito estético, social, que na raciona~ lizagdo da forma constitu inrinsecamente tima citea a imposigho de um ex como repressia da natureza interior e exterior. Nao € portanto,de uma apropriagio ou assimilagdo que se tata na emocio fsttica, mas, pelo corto, oabalo intense que a caracteriza é a recusa de assimllagto, o que permite conchiiz que a recepcio no es:4 nem na dependéncia do produtor nem na do receptor. E no afastamento de ambos que ela se 1é: «A experiénciasubjectiva oposta ao ex um momente da verdade objectiva da arte» (op. cits 275). Quanto inde- pendéncia das obras em rlacio a0 eu produtore receptor, deve ter se em ccnfa que tal nko significa a inwstebilidade das mesmes. Elas possuem uma dinémica manente, de acordo com a qual se trans- formam: «O que as obras dizem através da configuracio dos seus 250 Da insttacionaizacto da literatura clementos significa, em épocas diferentes, algo de objectivanente diferente, isso afecta, em tltima anilise, ose: conteido de verdade> (op. cit: 219) Tanto na exposigio da concepsio central da estética de Adorno, ‘ada obra de arte corre dialéctica entre racionalidade e mimesis, como no desenvolvimento das suas consequéncias a diversos niveis, € a afirmacio de um sujeito coleciivo, ceterminado historicamente, que serve de base & teoria. O sujeto estético & garante de que a arte seja intrinsecamente critica e politica. Ele é a presenca, a intencio da obra ppela qual ela se defense do sem-sentido, uriversalizando-se no -por 0 sentido em questo». Por outtas palavras, o sujeito estético object vvado na lei da forma # um dique contra o caso que afinal é exchudo na medida em que hi uma necessicade, « da negapdo, a da critica, demonstrada a partirde um fundamento estével -oreferido supito, ‘Ogrande problema que a Teoria Estetica nos coloca é este: como é ‘que a concepgao teleologica da obra de arte se pode compatitilizar ‘com uma filosofia que, como vimos, afirma como elemento correetivo dda dominancia do mét:do © momento do jogo? Como é que o morrento do jogo pode fazer parte de um pensamente da arte que a integra ‘numa filosofia da Histsria? Se admitirmos (o que parece nao centra- Fiar 0 pensamento de Adorno) que ndo hé sujeito fora de um sistema de diferencas linguisticas, no postemos falar de uma presenca a si deste sujeto que, embora ndo seja directamente determinavel ou ‘oculto, se manifesta nas obras de arte como sua intengio ou lei da forma; a menos que se coloque essa rede de diferencas na dependéncia de um exterior (as forcas produtivas, por exemplo). Na lingua, como cbserva Seussure, «ndo ha sendo diferencas, sem termos postivos». Derrida, retomando esta afirmagdo, retira dela uma ‘primeira consequénca»: «que o conceito significado nunca esté pre= sente em si mesmo numa presenga suficiene que no reenviaria sendo a si mesma (1968: 11). E entéo o jogo das diferencas ~ a \lifférance — que possiblita 0s conceitos e a coneeptualidade em geral, :ntroduzindo ao mesmo tempoa impossibilidede de serem proprios, produtos directos de uma teleologia, pois a sua «origem» 6 jé e-rin- fia, jogo. Nao sendo genéticas, uma vez que néo ha termos positivos, as diferengas também no sio estéticas, pois elas sio por sua vez feito do jogo das diferencas. ‘Tomar a forma e asua fractura como critérios de legitimagio das obras de arte, como faz Adorno, & excluir 0 jogo, a interferéncie de acaso e necessidade, zdmitindo como possivel a separacio entre 0 ‘mesmo e o outro, emzora para afirmar a sue complementaridade. Adomo: estética moderna e emomento de jogo» 251 Por outns palavras, pode dizer-se que é porque Adomo apresenta como garantida, furdamentada, a fungio critica da arte que ele nfo pode senfo retirar-he o momento do jogo, aquele que a deiaria {ntregue a incerteza eremeteria a sua regio com a veréade para ¢ ordem da crenga ov do simalacro, algo cuja verdade io pode ser airmade ou negada. No decurso da Tari Estetica, € fequente a Contestagao explicit do Zog0 como 0 contréio do sério * a sun ‘denicagio com sm domo da diversioe do ino. Assim, Adorno rejeta a ipstese, que diz ser colecada por Benjamin, de aeiar 0 jogo como srebelit contra a aparéncia» op cit: 120. Uma tl ipo {ese aparecelhe como inaceitivel, pois «arte que procuraslvar-se aaparéncia peo jogo tona-se desporto» hid) Em dois pardgrafos de Paralimencs, onde conflui toda a sua reflexio sobre o jogo, Adorno contaria quer a tese de Schiller que considers o instinto kidico como fardamento da sua proposta de teducacio esti, quer @ mais recente, de Huizirga, que em Homo dens considera o pgo como elemen-o central da esti. A crtca desenvolvida por Adamo visa dois ipcs de indamentos 1) ode que © jogo implica o retamno 1 um aquem da raconalidade instrumental; Diode que arepetcto, que faz necessariamente parte do jogo, cons- titui uma habituagio atmvés da qual se inculea uma determinada pritica,Trata-se afinl da critica quer = uma concepgio ontologica do Jogo, que o considera como resulante de um impulso anterior € Gistinto da racioralidade, quer a uma cencepsao do jogo que parte da andlsehistrien dos jogos insttsidos. Emm ambos os c8805 0 o0 se dentin com o dic, 0 ndo-econsmico E porque Adorno se prende 2 oponiio entre jogo e seriade que a sta teria estéticafalha 0 momento de jogo haart, subsiaindo-he a dimensio etic. e fact, como observa Derrida, o conceito de jogo nao € determinado pelo discursoflosefico-logio, ele «anvncia, na véspera e no depois da filosofia, a unidade do acasoe da nacessidade num ciclo sem fi» (Derrida, 19687), Oque »conceito de jogo pe em questio, dando a pensar aimpossibiidade ce lotalizago,¢ aideia de fnalidace, ape- has concebivel a parts dem centro ou origem. O movimento do jogo fparece assim come o movimente dx siplementaridade: «Nio se pode determinaro centre e exgotar a totalizacio porque osigno que Substituio centro, que osupr que az as vezes del ma sua auséncia, teste sgno acrescent-s, vera mais, em suplemeno» (Derrida, 1967; 423), Anterior a divieto entre presenca eassénci, 0 jogo € ago que poe em perda a fnaidade (mesme a fimalidade sem fim, evidente- Iente) Come «disrupgie sa presenga» (Derrida cp. cit: 426),0 ogo 282 Dainstitucionalizacio da literatura introduz a enigmaticiiade das obras de arte, 2 qual o pensemerto de ‘Adorno faz a devida jastica, nfo permite porézn ¢ que ela seja negada [Por um pressupostotebrico meafisic, o da experiancia estética somo ‘rrupeio da objectividade na conscitncia subjectiva> Talvez tenha sido devido a presupostos fundamentais do seu pensamento que Adocno néo questicnou a nasio metafisica de jogo, podendo a sua recuse do jogo na are, ou a relegacio dele pars un plano secundério, ser atsibuida a ura visio tradicional, Esse # wim problema que se prende directemente com o da verdade eo da ‘magi. Logo no inicio de Teoria Extics exslutee a posibilidade de defini a arte, em viruide de ela no ser susceptivel de uma anise genética, isto 6, de nio ser possfvel determinar o set desenvolvi- mento a partir da sua origem, sero 0 seu conceito dado historica- mente. A arte existe em devir,e por isso 0 que ela foi ndo basta para justficar a sua existenca, ela «apenasé legiimada per aquilo em que Se tornou, aberta a0 que pretende ser e aquilo em que poders talvex tomarse> (Adorno, 1970: 13). A reflexio de Teoria Esttica ni se orienta para uma definigio da arte, mas visa sobretudo comprecnder em que é que ela se tornou e o que padera vir'a ser, estando sempre presente, portanto, a questdo da sua legitmidade, que é a de sua relagio com a verdade. Culpadas pela autonomia que se constrsem, « pela qual participam da reconcliacio, as obras de arte expiam essa ialta ponde-se em causa a si proprias ¢ aficmando-se como rupiura que nega a reconcliagio em que se consttuem, isto & que nega @ fotalidade e como tala ideologia da reconciiagSo. fa ruptura que 35 legitima, ela 6a verdade da arte Contrariamente ac que sucedia nas «sociedades fechadas [onde] cada obra de arte tinks 0 seu lugar, a sua fancdo e legitimagSox (op. «it; 180), nas sociedades modemas néo h& qualquer fancao ou lugar « priori determinados para a arte. Mas quando se pretende a legitinecio pela rupture, quando se diz «A ascodalidade torna se a legtimagio social da arte» op. cit: 268), ser isso dissocdval da adverténcia para o facto de a associalidade poder ser convertdla num novo lugar para 2 arte, endo desse modo o seu gesto de ruptura recuperado e posto £0 servico da ideologia da reconiagio? O problema a integragio na \sgica da subjectividade de tude aquilo quea nega é fundaments: no ppensamento de Adorno faz deslocara sua tecra esttica entre ama nogio de arle como relagio (crtica) com a verdade ea constatagio de uma aporia que az vacilar essa nacho O facto de a arte ndo ter um hugar predie-erminado em termos sociais ndo implica necessariamente a sua associlidade, mas apenas Adorno: estética madera e «momento de jogo 253 4 indeterminacio do seu lugar e fungbes, aquilo que caracteriza a situagio da arte como aporética: «Se diminui a sua autonomie, entre ga-se a0 mecanismo da sociedade existente; se permanece cotrita- mente para si, nem por iso deixa de se intgrar como campo inocente entre outros» (op. cit: 266). A constetacio da aporia€ 0 que prevalece zo pensemento de Adoro sobre a arte, 0 qual assim se volta contra qualquer possibilidade de tracar o destino desta ou ce the advogar uma necessidade; «Avaliar a arte em fungio da necessidade ¢ prolongar implictamente o principio de troca, a preocupagio filistina pelo que inahreceber em telornor (oy. ci. 281). Se nay ha ua wecendade 8 partir de qual avaliar a arte, néo podem existir critrios de legiti- ‘magi. A ceritca» nlo pede ser mais do que o persar que toma uma ‘obra coro ponto de partda, nio para examinar ou decirar (8) seus) signifcado(S), mas pura atingi a sua promessa de verdade, aqulo que, no sendo conceito, apenas se dé no jogo conceptual ( aaaso, sendo a forga que desfaz a possbiliade de estabeleci- mento de uma links de demarcacio nitida entre autonomia e inte- graglo, ao retirar a obra de arte qualquer autoridade. que seria de um lugar garantido, abaadonaca A sua zora de rsco ~o limite ~em que a verdade nao € certa, mas apenes possivel. Podemos assim ‘compreender que sea na sua reflenso solre 0 discurso filos6ico que ‘Adorno ztribui uma importanca fundamental a0 jogo. A sua nogio de constelagio, como medo de conjugacio dos concetos na abordagem dde um determinado tema sendo a reccsa de subordinar a conceptua- lizagio a principios genétices ou estrutarais, é uma afirmagio do jogo semuthante aquela que triza a propbsito da des-hierarquizagSo Tevada a cabo pela paratace (cir. 1963: 307-50), Esta, tal como Adorno a concebe a partir de uma letura de Holderlin, corresponde a uma organizagio do discurso que funcione scbretudo por justaposicoes, constituirdo uma «sintese> que no € wma totalidade fechada. Grande parte das caracteristicas que Adomo apresenta como constitutivas de tum estilo paratitico encentrem-se no seu proprio discurso, 9 qual, pela justaposicio e fragmentacio em que se geram ligagies ¢ resso- ‘inci inesperadas, rompe com a idela de constituigio genética ou estrutural do conceilo.O persamento, que para além da Iigicaim- plica a mimesis, inscreve na seu proprio jogo a interrupsio, como diz ‘Adorno em Stichworte (1965): «Pensar flosoficamente € tembém pensar as intermiténcias, é debxar-se perturbar pelo que no € 0 pen- samento ele propriow (iin Jiménez, 198 68). "Em <0 ensaio como forma», Adomo dedica-sea mostrar aactua- lidade do ensaio e a sua obediéncia a uma lei formal. © que af 254 Dainstituciosalizagio da iteratura prevalece éa actualidade do aracronismo, a ei da recusa ce formas temas e imutaveis sem que, no entanto, aatencio &contingenca do dvi dispense o universal Numa época em que se ola entre, como ddominante, a racionalidade instrumental, cujo modelo € o do desen- volvimento da técnica, ¢ «ituigSo> ou apelo a uma comunisabi Tidade imediata, a teresra hipctese, da recusa do dominio abeolto da logica sem a negar por completo nem cir a intuico,tende a ser totalmente reprimida Talver ‘sso permita pevceber porgie € qe «2 Je formal mais profunda do ensaio é«heresia. E que oensai inverte ‘lstematinmente» a Blerarguia das oposigdes que wstruturaan = die ‘curso logic, como seam: sujsto/objecto, puro /mpuro,eotalpar- ‘ial, verdacle/histérin,sistemstico/ndo-sstematice, ceto/incerto, ‘onto /cescontinuo, deiniio/ provisi, sentido itera/ igus de retire, e/tranggresdo. Enquanto ¢ discurse metafsco prvilegia 0 primeira termo das eposigoes referdas, 0 ersaio da a primazia 20 Segundo, ou sejt, 20 objeto, 10 impuro, a0 parca, & Histéra, 20 nao-sisteratico, ao descontinuy, ao proviséro, a0 incerto, 3 fig3795, 40 novo como transgressio. Mas nage tata Ce um processo de pura simples inversio de oposigbesO fundamental de ensai consiste zo jogo entre os concao através do gual se organizam configureges fou campos de forca, nenltum conceto tendo. portanto, valor =m si proprio, mas apenas a rede de reciproddades que entre cls se {tabelece, O ensaio constitul como tal sempre uma aprendizagem fou «invengion, nunca o decifiar ou a descoberta: (cf, 1978, referindo-se a um modo de réacio entre literatura e ver dade, cle refere-a.a um saber outro que nao & conhecimento nem erudigio, mas também nio se pode equiparar a qualquer sabedoria ancestral onde o mondo, na impertnbabilidade da sua Ordem, se iia acolher lteratira surge com 9 romper da ordem classic a da natura nauraa endo fard senio eurpreender em pena fade genio como emissri ce uma mire ata, Faz parte da sun condiio © pertencera uma época em que a conscienia da firitude do hamano Substituin a ilusio de uma experiencia da totalidade. Os Tempos Moderns, diz: Heidegger. correspondem & decadéncia da grande arie, ou do grande esilo,ndo porque tenka ocorido um abaixamento das exigancas em relagio a ite mas sanplesmente porque a cneces- sidade de absoluto se perdu, e com ela va arte perdeua sua essén- Sia, a relagto imediata com a sua tarefs fundamental que é a de representaro absolut» (Heidegger, 1961: 82). E contra o grande estilo 256 Dainstitucionalizacio da Iteratura ‘que a literatura se afirma e persiste, sendothe nessa medida inerente o abandono da totalidade, seja qual fora forma que ela pode revestir. Tanto a de uma versio realists, cbjectivista, omo a de uma versio essencialista, ‘Na verdade, 60 priprio estatuto da inst tuiyio literria que confere ’& palavra da literatura um duplo valor, o de ser ela propria e outra. A partir do momento em que se recenhece A literatura o dircito de inventar tudo o que diz, retira-se-he a credibilidade a um nivel Imediato, mas essa parda nao pode deixar de ser compensade pela impossibilidade de sttuar qualquer Jeitum yum exterior absoluta- ‘mente separado das crencas que partihames. F a partir desse estatuto {que 0 equfvoco atravessa a palavra literdria, que assim se dé a pensar ‘como dupla: impostura e luga: de investimento da nossa erenga, a0 _mesmo tempo, Qualazer texto sobre o qual recaia a designagao -lite- ratura» fica assim sujeito a uma ambiguidade inultrapassével. Sendo insepardvel da metalinguagem que a constitui, a literatura é inerro- {gacdo de simesma: «Admitamos quea literatura comera no momento fem que a literatura se torna uma questo» (Blanchot, 1947: 11). (© facto de considerar a literatura acima de tudo como fendmneno de linguagem levou Aakhtine ao estudo co romance como tipo de discurso que explora o dialogisme, em virtude de qual nenhuma palavra ou frase é univoca mas encetra jé uma pluralidade de vozes. A nogiio de dialogism> permite Ihe caracterizar o romance sobreudo como confronto de ideologias (cfr. Bakhtine, 1963), como uma rrulti plicidade de sentido indecidivel que poe fim ao impulso totalizante do discurso monologico. Este era constitutivo do grande estilo épico, do qual Hegel dizia que consistia numa «narracio calma, impessoal, desenrolanco-se numa ordem perfeita» (VIt 175). O grande estilo era inerente a um mundo de uma harmonia inquestionével, em que cada coisa encontra o seu lugar, que € 0 sea sentido, no circulo perfeito do Sentido. Ora, a literavura, como atesta a histiria do romance, seré sobretudo oposigio ac grande estilo, nela o mundo apresenta-se como ‘mutiplicidade que nerhuma grande ordem pode conter. Nao apenas come diz Bakhtine, porque no zomance nenhuma voz 6 univoca, mas também porque a literatura €0 lugar onde alinguagem pode reconhe- cer a sua participagio na desordem izremedisvel do mundo, Porque, ro havendo mundo fora da linguagem, esta nao é todavia um puro poder de nomeacio, que nos permitira apconimar as coisas supri ‘mindo-as, negando-as, mas sim um devir multiple através do qual se gera uma superabundancia de perspectivas que invalida qualquer tentativa de conceber a mundo como uma imagem ou horizonte fixo, 0 jogo 01 0 conhecimentoem figuras 257 Se porventura, na irfinitalitendade que se autoriza, 0 romance dé voz a0 contador de historias, nfo o far sem todavia Ihe telirar a autoridade que era adele pelo facto de pertencer A grande ordem em aque a experiéncia do namrador era a da harmoniainalterdvel Nam rmundo sem centro ¢ portanto, sem origem ou totulizagio, como € 0 do romarce, a voz do contadcr de historias apenas nele aparece como tam ritmo pelo qual a absolta singularidade de ama entoacio (de uma eseria) se sobrepe &muiplicagio de hipteses, fazendo com que estas nde sejam apenas hipdteses de conhecimen:o mas sobretudo gue rela oe imprima a vetdade de sua ensmeingae (fr: Lopes 1992, 1123). ‘Ao airmar-se como tal, a dupliidade do discarso liter, que 9 romance, com eri esignacto ov desespero, nio pode nunca deixar deassumir (pois nunca a palsvea do ator se conn com a do narrador, embora todas as tenativas de evbmeter a literatura ¢ ma ordem moral oa joricica se fundamentassem nessa confusio), desencadzou de imediato uma série de questdes cue nao dizem de modo nethum apenes respeito literature, mas visaim 0 uso da line guagem ma sua globaldade & que, nio sendo puramrente ment, sem deixar de possuir uma dizereio de impostura,o discurso ltr, +6 pela posibilidade da sua existncia, faz vacilar a dicotomia entre vetdade e mentira, que a rarao modema chama #8, subtraindova a0 milo ea tadigio. Comproendese portanto que, na medica em que esta aptaalarcara suspeta sere a possiblidade de uma separagi tida como cere garante da construgao de ur eifciolgico dentro co qual 4 vida moderna se deixava pensar, a literatura aparesa como uma ‘spécie de pharmaton, rem dio on veneno consoane liberte do peso da logica que domins 0 quotdiano ou insinue que a relidade,tam- bem ela, ficgio. Por um lado, a iteratura apresentar-se-4 como 0 tipo de dscurso que, por ester fore da rgidez conceptual, mais se proxima ia mudanga, proorsonando wm conhecimento que supers 0 conto trigico entre vida e forma, omnipresentena cultura europea do final do século XD. Por outro lado, na medida em que a itera exibe 0 seu poder crador de mundos, els langa defiitivanente a dlesconfiance em relasto 20 poder nomeador da linguagem, 0 qual Jmplica a negacio da coisa nomeada: . Sob a ‘apa da anti-vulgaridade, o que sta Fase encerra 6 0 puritanismo do grande estilo, desmentido pelos livros de Proust em que as tenrias io deixamde estar praentes. Alis, Proust frequentes vezeslevado 2 entrar em contradigéo com o seu trabalho de romarcista, come por cexemplo quando, come observa Compagnon, em oposigio ao romance do século XK, cuja uridade considera apenas projectada retrospec- fivamente, defende a unidade a prior, e portanto premeditada, de uma obra literdria, 0 que o leva a escrever, numa carta, sobre Furs du Mal: «0 tinico elagio que eu solicito para este livro é que se reconheca que ele nfo é um puro album e queele tem um comego e tum finw (Gt. in Compagnon, 1985: 37). Ac defender deste mozo @ dimensio premeditada (portano Isgia, racional), Proust no éeixa de contradizer aquilo que noutras circunstincias the aparece como decisivo no que diz respeito& Iteratura, o facto de esta ser produto (© jogo ou o conhecimentovem figurae 261 da intuigto ou do instnto contrariamente ao métodofilossfico, como diz'em Contre Vabscurité: «ao é per em método flosfio, mas cin Por uma expécie de poténciaistintva que Macbeth €8 sua maneira Lima flosfian (iti Tage, 19712419) Quando 0 esforo de distincfo entre 0 poético e 0 filsético se bascia nama distingio clara entre dois modos de connecimento, € impossivel que ele nao cin de qualquer modo na oposio entse 9 mnediato eo imediata a analise ea inti, como propee Bergson: ‘Un abo lo poder ser dado sero numa inn, enguaato tudo o reso rier de eaine Chamaien ge into a pate pl ual ns transportamos par intr de un cbc pm corti como que de tendednioe,porconsurt, de inexprinive. Peocontério slice ¢ 2 operaio que condus 9 ecto a elements jt conbedon. quer dae, Commins # es abet cates N23 199) Segundo Bergson, a mulipicagi de perspectivas nunca permite ating 6 absoluto, mas a intu'gio permite E permite porque ba nela cama energia criadora que se manifesta na linguagem, sobrepondo-se the sem ser constrangida porta: «A verdade que acima da Falavra ¢ acima da frase hi algo mute maissimple (..) 0 sentido, que nao € ‘anto ume cosa pensada quanto um movimento de persamento, menos tam movimento que ma cirecgio» (op. cit: 1358) Estamos perante uma concepcfo naturalist em que a energa & considerada primeira tm relag a linguagem: em que a percepso se tradazimediteente tm imagens es6 depois em cenceits:«f em concetos que o sistema se desenvolve; € numa pura imagem que ele se comprime quando € empurraco para a intuigta dle onde proven (op. it: 1387) ‘A.semelhanga de Bergson, Prost, nomeadamente no precio Conire Snte-Beuce (19085, parece partthar de wma identicarepar- fgho entra inteligéncia Iconceptudt) « certos sigros que aperecem como uma emanagio fo semivel: Basta lermos a célebreprimeim frase Alesse prefacio ~ «Cada dia dow menos valor 4 intligencia» ~ para nos darmos conta da dessonfianga que move o se autor contra 0 raciociio ordenado, previstel, generaliznte, que debxa escapar ¢ Singularieade do que corteceu e apenas pode ser experimentado de novo ao 2caso dos encortros em se osensivel we forma signa & decitra. A experiéneia € asim dectragso,substituisto de uns signs Por outros, pois wo préprio des signos é fazerem apelo a inteigencia za medida em que ela vem sempre depois, na medida em que ela deve vie depois» (Deleuze, 1976: 123). Mas a hierarquin que Proust stabelece le préprio sabe que ela nso pode ser levada as utimas consequéncias¢€ para a importincia dese facto que chazma a alengio ro final do referido proféce 262 Da institucioraizagéo da Ieratura Festa inferioridade da infelighnda @ ainda assim 2 intoligéncia que ¢ precise pedir que a estabeleca. Porque se a intoligtncia no merece coro Suprems, apenas eae eapaz de aconceder, Ese na erargula das vitudes ‘lao tem senso o segundo lugar, apenas ea €capaz de proclamar que © {nstinto deve ocupar 9 primeite ind 53) (© que Proust aqui pe em causa é a poss:bilidade de uma sepa- ragio nitida entre conceito e imagem ou entre conceito e signo, entre a inteligéncia e o qu: vem antes dela. F neste sentido que ‘fusil propor que os escritores alemes se abstenham ce usar o termo fneutgdo, © qual, na sequencia de Spengler, € invocalo sempre que alguém «quer afirmar qualquer coisa que nao pode provar ou que indo pensou a fundo» (Musil, 1921: 1:0). O ideal de humanidad= nao ‘pode ser o de totalidede e harmonia que se tem em vista quan:o 9 apela 2 intuigdo e ao mito, pois a rez4o que introduz no homem a discordancia faz parte da sua condigio: (© homem, com feito, alo é pure intelerto: ele ¢vontade, sentirvento, Inconscente e fequentements também simples facto, como o combeio de ravens no és. Mas enfim, se nio se quer ver nele sendo 0 que mio depende da razko, ¢ preciso exolher como ideal o fermigueizo oua co fnela: porque a mito ogia, a hamonia ea segurancnintuitivs das fornigas ‘das atelhas reduzem provaveimente a zero tudo equi de que hoover pode, a.esce nivel, faces prevalever (id 115) Em Masi, a epecifcidade do pensamento do romance, ¢ da literatura em geral,€ pensada a pari de diversos pontos de vista sendo uum deles aquie em que se estabelece uma divisio entre 0 Glominio ntiide eo dominio nfo ratoige Enquanto 0 primero € regido por nogdes fnéamentaimente associades &necessidade de un ponio fixo, no segundo, a mudanga prevalece sobre a rigider, eas Excepgbes, sobre as regras. Tratase do adominio das reacgSes do individuo so mundo ea outrem, « dominio dos valores e das avalia- hes, das relagies éticase estes, o dominio da ideiay (1918: 83). £ 2 ligacio do esritor a3 que € elmer, ao contingents e imprevisivel, Gque permite distinguiro dominio das Heias do dos concetes enquanto stes devem ser vids em todas as circunsténcias, as ideias nao se Separam do contexto em que se formam e por iso elas sfo de uma diversidadeinfnita, © dominio nlp-atiaide 0 as ideias, no implica dde modo nenhum o abandono da razio, mes a capacdade de produ ‘ar uma tensfo que pela sia motilidade instabiliza a forma. Musi Considera 9 combate entre idsias e formas a semsthanga do que Simmel eniendiaexistir entre vida e formas. De um lado a mul plicidade em devir, do outro as insituiges, as formas de vida. AS 0 jogo os 0 conhecimestoem figuras 263 formas estao sempre em atraso em relacio as ideias que, quando realizadas, adquirem o estatuto de formase ficam sujeitas a jurisdiglo ‘moral e politica que organiza o campo das instituigSes. Mas as ideias cenquanto tais ndo se sujeitam a lim:tes de qualquer espéde. Eo escritor, que tem como shorzonte> da sua «bra» desconhecido, nao deixa de utilizar os recursos do hamem racional ¢ 0s seus modos de conhecimento. A disponibilidade do escritor diante do imponde- vel faz com que se Ihe eplique com toda a justica esta afirmacio de Emerson: «O nico pecado € a limitagéo» (Raychiran, 1991: 44). No se ala de admitir @ excepeionalidade ou sresponsabilidade exquanto atributos que menorizam uma actividade, mas de as pensar de outro modo, o que permite que se fale de uma tarefa do escritor, a qual, segundo Musil, «consiste em descobrir sem cesser novas sclugbes, rnovas constelacées, novas varidveis, em estabelecer prototipos do desenvolvimento de acontecimentes, imagens secutoras das possi- bilidades de ser homem, de inventaro homem interior» (op. cit: 83). A Stica do escritor no consiste, portanto, em se subordinar a uma Lei prévia, mas em construir ficgSes que suspendem a relagio imediata ‘com qualquer situacio moral ou poiitica determineda. A auséacia de esponsabilidade directa que dai deriva nio significa uma irresponsa- bilizacZo do escritor no sentido em que 2 sua escrita seria um puro produto do acaso ou da inspiracdo, significa apenas que a sua res- onsabilidace, nfo se podendo avaliar a partir de ura lei prévia, nunca pode corresponder # uma avaliacao rigorosa, serdo um constante relancar desta. O poder de experimentagio da literatura enquanto poder «criador» ou de invengio fica fora de qualquer exigéncia de responsabilidade, mas, pelo mesmo mctiva, isto é, pela sua im2onde- rabilidade, também nao & possivel, como observa Thomas Mann, considerar a faculdade criadora como «0 estado sugremo do homem» (1952: 298). Enfim, 0 escritor é um chomem do possivels, para ele a reslidade é potencia, e por isso ndo obsdece ao principio de nao-contradigio. Com efeito, 0 princfpio de nko-contradicao $6 tem valor do pento de vista de uma teoria da significagio em que o nome representa a ess@ncia das coisas, ou seja, da significaglo como definicio, pois apenas esia € fixa. Tudo oresto, o que € caduco,finito, contingente, € da orden do potencal. © paradoxo da contingéncia resulta justa- mente de ela ser o potercial, a ideia © no 0 conceito, 0 possivel inrealizads endo o facto definido. Nos Printciros Ancliticos, Arlstteles exple a seguinte no;io de possibilidade: «6 possivel 0 que no & necessdrio que seja, nem € necessdrio que nio sejas", © possivel nlo é 264 Da institucionaizagio da literatura apenas o que nio ¢ impossivel, le no pode ser necessério. A neces- sidade anila a contingéncia, ¢ isso 0 que estabelece a expresefo de “Arist6teles, dando assim lugar ao paradoxo da contingencia: algo {que s6 pode ser se pede também nko ser. Ou entio: um predica do 56 pode pertencer a ure sujeito se poce também nao Ihe pertencer. A Condigio do possivel é entao a simultaneidade de afirmagio e da negagio, 0 que & uma consequencia direca de a linguagem no ser apenas defniglo,fixegio de essénczs, pois nela se 68 a passagem do comum ao proprio sem que se possa assnalar uma delimitagio de terrenos. Embora se possa dizer que o corwam 6 do campo dos con ceitos, enquanto a sirgularidade ¢ do das ‘deias, isto é, do poteacial, nenhum desses campos existe sem aalirmagia e negagio do ottro. A literatura € ura questio de ideias, inseparavel portarto do cardcter acdental, potencal, do seasivel. Nessa medida, ela é um lugar de resistencia 2 denotagio ou poder definider da linguagem, ras nfo 2 negacio daquele poder. A sua logica é a do paradoxo: afirmagio e negagio an mesmo tempo. Eo que faz com que nio se pertinente falar de uma linguagem poetica e de uma linguagem nio- pottica, ox de um medo de coahecimento literrio ede tum modo de Conhecimento nio-litréio. Beas distingbss, que estho na base dos raiores equivocos que prvilegiar ¢literdrio em detrimento do filo- séfico (ou do cientifio), perdem 2 sua razdo de ser quando coniron- tadas coma inexisténcia de uma linguagem puramente denotativa © com a impossibilidads dle dizer o contingente fora da afirmacio e da negasio do denotative. © que nio quer dizer que » oposigao entre literatura 2 filosotia no prossiga. Podemos dar Tazo a Wallace Stevens quando diz «Talvez valha mais enfurecer os fil6sofos do que acompanh-los» (Adagio: 117). § que esta afirmacao ¢ feita a partic da exigéncia de atengio ap sensive que faz da poesia a fiegfo suiprema>, isto 6, um discurso ern nada vinculado ao principio de razao, mas | sim a capacidade da linguagem para dizer o singular através da invengio. De um ponto ce vista aparentemente dverente, taribém Ttalo Calvino vé na opasicao ertre filsofiae teratura uma comico necesséria da renovagio da linguagem. A iteratura, para além de er 0 saber do multiple, « possibildade da construcio de vis6es plurais } compensatsras da fragmentagio disciplinar das cignsias, possul uma ddimensio de jogo, fundamental do ponto de vista da invengio de novos voesbulérios Nada eige que a oposgho entre Mlraturae lost set resid: ‘elo convoy que sa ej uaa Fermanentee semore nova déo8 {S2ranta de que aescrose das palivns nao se sera sobre nds comno a lot de video 962 37. (© ogo oxo sonhecimente em figures 265 ‘A imensa importancia co pensamento de Musil em relacéo ac romance reside no facto de, sem o colocar em gposigdo A raciona- lidade, conceber a sua capacidade de construir figuras que, enquanto constelazbes de pensamentos, pertencem ao dominio das ideias, de modo que a dimensio de jogo e experimentagio que as caracteriza correspende 4 dupla afirmacio do conceptual e da singularidade. A figura corresponde A integragao méxima dos afectos, e nessa medida ela ¢ indissociavel do prazer da experiéncia estética, mas associado a esta hd sempre o entendimento. Manter os dois pélos da figura num certo eqailibrio é um ideal de Musi, para quem esentir fortemente significa sem divide primeiramente, ainda hoje, mastrar certas dispo- siges emocionais, mas também se: tacado e influenciado profunda- mente no conjunto do seu ser intelectual» (1923: 379) ‘A necessidade de afirmara divisio original, pela qual cada palavra édupla eo divergir $ uma condigac do discurso e de todas as mudan- ‘gas, faz com que para Musil se tome fundamental recusar 0 poder {otalizacor concedido a histcria no romance, o qual parte de pressu- jpostos contrérios, os da continuidade, identidade e totalidade ou pperfeicio. © inacabamento de O Homer: Ser: Qualidades prende-se assim directamente a uma atitude moral do seu autor, que o leva a recorrer a um tipo de arcuitectura em que a Histéria é desviada pela intervengio de um género intermédio ~ 0 ensaio ~ que se integra no ‘romance como dimensio expicitamente questionaéora. Ou se tipo de discurso que pe a daro aquilo que a estrutura do romance ‘possui de questionamenta implicito, na sequéncia directa do seu ser duplo, ea ideologia totalitiria do grande estilo faz ignorar em nome da existencia de uma palavra una, no cividida, 2m que as coisas e (08 seus nomes coincidam perfeitamente. Tal seriaa palavra co mito, A qual Musil se ope obstinadamente, combatendo, de um ponto de vista ético, todas as tenlativas de remitologizagao que na época se tentavam impor em nore de um nacionalismo feroz. A incluso do tensaio n9 romance pode assim ser atribuida sobretudo & necessidade de combater uma situagio- dominada Delis extremos incomunicdveis cde um Fositivismo em dénda e em filosofia e de uma escalada do ‘mito que se pretencia confundir com a arte e reduzir a Hteratura a luma palavra univoca e inquestionsvel. De um lado, a definigio de ‘uma objectividade compzovada po: processos empiricos, do outro, 0 retomo & processos carismatios de legitimagio. E perante este quadro tem que dois pélos extremos reivindicam ama autoridade sobre todos (0s aspectos da existincis que Musil, ao mesmo tempo que pensa a necessidade de um lugar ~ & critic, 0 ensaio ~ que estabelega uma 266 Da insttucionslizagio da ieratura relagio comas obras literirasindispensivel sum legitimagio enqeanto interrogacio e experimentago, transpoe para o interior do sea t0- mance O Homem Sem Qualiddes esse ipo de reflexto, ito se trata de sorepor a ceflexio nerretiva mas, pelo covtré ti, de evdenciaro ser uplo da palavra, aqui que Ihe permite dire © mesmo eo outro~ a exéncia,c comum ov conhecido ea singel dade, onic, desconherdo. Desse modo, 0 que sedi a pensar €0 cto de a narratia participar ja da interrogagtoe de esta nao prescndir inteiramente da narratva, como no-lo dao pensar os chamdos sflosofos da difeenca—Fouctult, Deleze, Lyotard e Derrida, 80 fazerem participar 0 discureo filosSGco de wma multiptiidads de tpos de dscuso, procidendo desse modo a descentramento dest © sua abertura a infiito até entéo considerada espectfica do discurso iterari. oportuno lembra: que o proprio Ricoeur, que desenvolve uma ‘asta obra (1983, 84,85 orientada no sentido de mostrar que a ara. iiva ¢ a eguardis'do tempo, acaba por conch que mesmo o seu discurso sobre o temps esté no tempo, pois a narratva de todis as narratives nio existe. A narrative nao domina o tempo porque ela no ode funcienar como metalinguagem sbsoluta. Dai que Ricoetr ec0- ahega os limites da refiguragao do tempo a que a narmtiva proce: (.) por Emits intern, entenderse-s a ulrapisagem at 20 eegotament> arte de contr na rcinhane de impescrste. Pr limite eter, © tranbordar do genes narrative por otros ginenn de dsc ue se trado sedediam tanbema dior terpo (5 38), Podemes dizer que os limites da narrativa decorrem de ela prépria ser passagem do mesmo a0 outry, ou seja, deo seu discurso ser duo. Daf a comparagio que Ricoeur estabelece entre a metifora e a nazra~ tiva: para a primeira sé0 necessfrias duas palavras, para a segurda, ois acontecimentos; en ambas a articulagio do mesmo e do outro cesencadeia novas significagies. Ricozur alasta-se assim da concep- ‘qo do mito como sentido perfeito e transmissivel e aproxima-se da e alegoria tal como é pensada por Benjamin desde A Origent do Drama Barco Alemo, em que, como discursc da imperfeigio ¢ da ‘aducidade, a alegoria constitu: s enigmaticads do discurso, Ricoeur ‘lo prope que se considere a narrativa como modo ingénuo, espon- taneo, de totalizacio, do mesmo modo que nic considera o discurso fgurado como o discurso através do qual se atinge uma verdade absoluta. Falar dos limites da narrativa é ja estabelecer a comunicasio dos discursos, abalar a divisdo entre mito e logos, entre tropos e concelos (O jpg combecimentoem figuras 267 A impossibilidade de estabelecer limites entre os diversos tipos de discurso, nomeadamente entre 0 podtico e 0 conceptual, que se cencontra exemplarmente no romance co século XX, de maneira impli- cita em Froust e explicita em Musil € jé um dos arpectos centrais do anticartesianismo de Vico. Para 0 autor da Scienat Nuova (1744) hi ‘uma confinuidade ongindria entre mito e lgos. A mitologia é dizer di diferenges, diversloguium., e como tal é veiloquium, dizer da verdade, sendo a -abula uma «narragio verdadeirw» pelas conexdes que esta. belece e nao pela adequagio « um exterior, nao diferindo portanto da sficgdo veisadeisa» (lr. Rella, 1986 47-50). Segundo Vico, que consi- derou as fabulas como histérias de costumes, o uso metafdrico das palavras precede o seu uso literal, tal como a construgio de fébulas precede os discursos cientificos. Porém, essa sequéncia esta sujeita A ressalva de néo existir nenhum discurso de onde a metéfora esteja ausente por completo. Atendendo a que Vico define a metéfora como ‘euma pequena fabula», o que ele prope 6 que se admita que todo discurso participa do mito enquanto narracao ou composigao do hete- rogéneo. O facto de mito ¢ igus nio se exciuirem nao significa, porém, qualquer conciliagse perfeita, mas sim uma tensio ou jogo a que Vico atribui uma «funglo realizadora das palavrase (Berlin, 1976: 57). ‘Na linha da nao-oposicio absoluta de mito e razio, de que Vico é jum dos defensores, quer coatra 0 radicalismo da Aufklarung, que tentende a relacéo entre mito ¢ raz30 como um processo de exclusio do primeiro do mito ao logos -, quer contra a tentativa roméntica de sintese do mito e da ciércia, Blumenberg desenvolve em Arbeit am ‘Mythos (-9796) uma explcagio antropolégica da fungao do mito. A sua tese 6 a de que o homem, devido a caracteristicas biolégicas especificas, que fazem dee um ser prematuro, desenvolveu determi- nadas formas de relacio com o extecior indispensaveis & sua sobrevi- vencia, ccmo sejam, omito ea ciéncia. Assim, 0 mito surge na sequéncia do «absolutismo da realidacte, conceite que designs uma situagso ini- cial apresentada peles tecrias sobre a erigem do homem, a qual cor responde a um estado de quase total auséncia d= controlo da sua existéncia, e conseqcentemente a um poder absoluto do exterior. A essa situagdo limite corresponceria um estado de angiistia (angs!) que 0 mito permite ultrapassar, dando lugar ao medo associado a diversos poderes exteriores. Procedendo por diferenciaglo e composigio de Aiferencas, 0 mito correspordea ume divisio de poderes, sendo jé uma forma de racionalizagio que fazer previsbes e projectos para 0 futuro, Na medida em que 0 «absolutismo da realidadex € um estado limite, tanto no que diz respe:to A espécie humana como a 268 Da‘nsttucionalizagio da literatura cada individu, 0 mit, como sa ulrapasagem,nio é espectco de tim estadio orginal ou primitive, sao podendo ser superado em ‘efnitvo, como pretender aqueze que suptem um percurso near So mit ae Igo. Mas o mito também nao pode ver tomado pos Um pavimémio original da humnidace a ser aprecado em Creu fanciaa diversas, Para lumenterg ¢fundamestal admit na 9: que 2 fungio do mito persist, masta que os mitos s80constitfos por uma longa Hsteia de aRerasbes dos seus motivos © dk sua rganizagio. Ndo exintem mos orga, pois cada mito que se conheoe &eeanpre ji anbulha do mts ioto correspond a proce de interpreagio,apropriagzo e sclecgio que to lugar a horzontes de sent partihados pelos membres de uma dada comumdase: A fungio eo valor do mito no se confunde, 308, com os da imag nag uma vez que aquces rest de um longo proceso pelo cua a Comunidade cra 0 etus proprion mvios de reguagio da cvsteacia gue nelafazem a ver do instnto™. Ao consaro da filosfia © da Giénca, wes mitos nio respondem a questoes; tornam as coisas inguestonaveis» Buinenberg op cis 126) garantindo desse rode ume parcea minima do inguesticnivel necesri # sobrevivenca Fazemno remetendo as coisas «os acontecments para una distin Sia que se perde na nce dos tempos. afasa qualquer posibliiade de investgzgo conolgicanecsara ao raoeno que se desea fm termas de cana e exo, En fermes mites exten fandamentos, $uus fo emits. Abolndo a itersogacio, 98 mitoseliminam igual mente o arbitra, sendo por iso mesina fontes de autordade Em reaclo a eta, Blumenberg acntua o face o processo da Sua Consoldacio sero resultado de um sdarvnisna das plaveao, fcremamente lento, portant, nic havend> cualguer possiblidade de eiagdo ce novor mits, al camo noha posibiidade de condir tum mito aoseu fim. Ns primeio caso pretexder-sevia,como suesie com 0 autortriamo nai, impor uina necesidade que RO pode ten renitar deur lng apersgouments raves de sucess ¢ por vezes quase imperceptives alleagoes no segundo, 0 fim do ilo, tal como fot prosseguido sa iertura do cule 0 coinlira comm ultapassar definitive do absclutisi da realidad, cumpein- dose desse modo o ideal kantana ce renlizeio universal da auto. mia do human, A reflendo de Blumenberg sore omito 20 postulera total impos stilidade do identifiazso de posi o iterstura emi, rejeta iu mente a hipstese de cosiderarnos a existanea de uma constelggo derealidades primera on arqutipos nog qe, devada do pao. — 0 jogo cao conhecmente em figures 269 rnismo, tem um valor fundamental, nomeadaments na psicologia das pprofundidades de jung e nos estudos das «estruturas antropolégicas do imagindrion, de Gilbert Durand (1969). Trata-se de admitir que 08 :mitos apenas existem em metamoxfose, 2 qual se processa em cone xSo com. 0 conjunte amplo de factores que caracterizam o estado individualmente considersdo, uma v2z que abre nele © jogo infinito da significacio, como em relagio ao conceito de literatura, uma vez que se conside- rarmos a singularidede como determinante de um texto literrio, s60 significa que daquilo que determina esse texto nada pode ser dito ¢ por isso nao € posivel classificé-lo a partir de caracterisicas intrinsecas. 20 Dainstitucionalizacto da literatura [De comum, fica apenaso que um certo riimero de constantes ~ de uma época, de grupos, pessnais, etc. - conseguiu construi sobre 08 enigmas fem que 0 absolutamente incomunicavel constitui a energia da ‘metamorfose, a capacdade de ogc que faz de um discurso um campo inesgotivel de tensbex A precaridade de todas as definicoes do lite- rério resulta assim, como veremos no préxime capitulo, do confronto entre a pulsio tedrica, caracteristica de toda a contemplagio ou percepcio, em que exste sempre ja uma distancia através da qual se [Processa a ordenacao em func3o do comum, e um uso da linguagem fem que aquela coexiste com o seu oposto. Notas do capinile I an " De acon com as investigates de Aguiar eSia (1981: 1-1) «de Robert Escapit (G97), até ento a producto artstien n0 campo das tas erm suunida tos Aesignaes de spoese,ecogutncn» ox wert Prosar a 1750, no age que tscrevepaa © Dictontepiuepiqe obo ul sLiteretre, Vitae proc onterr preciso Aquos term, gue considers vag, etabeleend para otto ua Aistinga> entre fle tinue e latre,serindo primi pata detifear © que ossulvalor etc, «a segunda, o gue pertence apenas 4 ima arte da expresso, [As obs que se ocijam d: ciéaiae ce ten nao sfo cnsiceradas pare de ‘erat Texas de sing (1788, Diderot 175), Marmoniel (787) Matame de Stal (00) atesam 2 proggessia fagso de am sentido do vootbulo erate ‘correspondents a ua pogo modema que se felere tant 4 produc itera “Snjuioprodugio arctic, coma ao courte de obra do pasado que pasntn 2 oti a terturasmaloralsa que c Yomi atibucso valor primordial dle mena que guacho esprit dos poooe * Christie Buck Giucksman (985: 34-59), proponco que ve dsings etre uma ra2to| ‘barroca uma raraoclssia, pratimentecenteniporaness, abu primes ua sobnevsorzagao da rettricn, © qual, podemes der, ess peretamente de acordo ‘com um springplo de smitso> © Com #codfiasto doe elementor ds mies lntgos que os torn dsponieis para a construgie de abu como smahcrs et ‘que ndo€ tradigio que se ecuper, mas expato de ogo que se afm ® De sconto com Agamben, 28 20 aparecinento da ciénds oder, experi © «sina erm dominion sparedos sno osuptoda pris o eeu cers ¢ 4a Segunda o anous 02 0 insleco agenen Sacto que a altra no sentido da Unidas dos dois dominios enquanto determi- nacio do literério a partir do juizo estético, opoe Kate Hamburger uma «l6giea lterdriay que conduz & identifizagio daquele com 0s sgéneros literarios. Integra-se cesse modo na tradigio das pocticas essencialistas que, com 0 romanismo,alteraram a relasio da obra com os géneros: esta, que aié afore dominada po: uma ideia de norm tividade, passa a ter uma fungio explicativa. Importa notar que foi precisamente com a poética oriunéa do romantismo, a partir da qual 2 esséncia genérica aparece como principio de fundamentagio, que se impés 2 dissociagio entre 9 explicativo ou te6rico e a wcrtica avaliadora eimanente a obra individual» (ctr. Schaelier, 1989: 3), Baa dissociagdo entre explicagio teria ejsizo, enquanto reiacko com 0 concreto que nio é determinada por um conceito, que a com- dluslo a que chega Genette, em -Fiscio ¢ dicgio», poe em causa Com efeito, admitir que aquilo que a poética essencialista determina como literdrio no & senfo «ama hipotese entre outras» € abvir a teoria a uma epostica condicionlista» antes caracterizada como sanais instintiva e ensaistica que teOricae, mas que na conclusso aprrece como algo de pleno direto, pois admite-se eue-a poéticaessencicista io d® serdo uma resposta entre outras. Sendo assim, a teoria essencialista dos géneros perde o seu priviégio explicativo quanto 20 literério, embora coatinue a deté-lo em relagio a nogio de obra Insustentsbiidade da concepgio asencialista da Mteratira 283 Mas esse privilégio fica suspenso da ideia de intengio, o que nos leva ' interrogé-la, O que é que define a «intencio esteticas? A vontade do autor? Uma intencio imanente que transcende a obra? Genette responde, ao apresentar um exemplo de literariedade condicional: ‘Una pigina de Michelet ou de Deméstenes nto se distingue de uma pépin de outro historinior ou orador da mesma chsse senfo por uma “qualidade etétic (estenclaimenteestilistca) que & questio de live juizo ‘dn parte do letor,e que saca indica eve tenba side querida, ou sequer pertebida, pelo seu autor, Ha ¢, fara cats litors, um incortestavel 380 termo abr de arte. cua definicio implica além disso ica, rao se Ihe splica iteralmente, mas apenas num metafirico (1991: 39). {A intengio do autor aparece aqui como decisiva, pois ndo basta a sama obra pertencer a ficcio ou A dicglo (critério essencialiste), mas essa pertenga deve ser da vontade, ou pelo menos do conhecimento, do autor. O que significa que 0 crtério essencialisia ou se confunde ‘com a normatividade (necessidade ce obediéncia a uma norma), ou é duplicado por esta: o auter obedecea lei dos géneros (ou pelo menos tem conbecimento da obedincia do texto a essa lei) e apenas isso garante cue ele produza uma obra de arte em sentido literal, nao ‘metafGrico, Donde podermos concluir que o reconhecimento da exis- ‘éncia de obras de arte em sentido metaférico (aquelas que nio cor- respondem a uma intengio estética) vem tornar imposstvel a concep- go de um critério puramente essercialisia. A qualidade de obra de arte literdria depende serxpre também da intengio com que aquela foi realizada, isto 6, depende de se ter protendido cumprir a lei dos ‘géneros ou nao. Norma ¢ esstncia revelam-se, portanto, indissocié~ vis. Corr efeit, se colocarmos a hipétese de um texto construido com intengio estética, isto é, com a intengic de cumprira lei dos géneros, mas que nao obedeca a essa lei (temos de admitir que nem todas as intengoes se cumprem), seré ele obra de arte ou nio? Uma resposta afirmativa apareceria imediatsmente como absurda, Mas se a resposta fosse: «Nio, nio é uma obra de arte, uma vex. que nao obedece aos ritérios de ficgo ou diogio constitutivos da literariedade», entio ‘stariames a dizer que estes 56 por si bastm para decidir sobre o que uma obra de arte, o que invalidaria tctalmente a exigéncia de inten- silo estética anteriormente formulada e corresponceria assim & anu- lagio da possibilidade de distingio entre obyecto estético e obra de arte ‘© que acontece portanto € que Genette, ao admitir a possibilic dade ou necessidade de alargar o ambito da resposta a questo da lterariedade, néo se limita a dizer que a postica essencialista dé apenas 284 (Crise de fundamentos na teoria da literatura ‘cuma resposta entre mutras» a essa questi. Ele mostra, embora no 0 admita, a insustentabilidade dessa poética essencialista, na medida fem que supde que «0 que é (ficcio e dicglo) coexiste com a sua apropriagéo pela vortade individual. Isto ¢, colocar a intengio como ‘exigéncia 56 faz sentido se intencto significar a possbilidade de uma apropriacio ou transformagao da le.. Genette acaba por deixar como resposta 2 questio éa literariedade o double bind, afirmagio da lei, alteragao da le. ‘Ao assinalar a enunciagéo tomando explicita a intenglo dle se inserever num género, um texto essinala-se como aconiteciatento © afirma desse modo a sua indissoltivel ligago ao cantingente e alea- t6rio. O que equivale abertura de uma distancia entre o texto como acontecimento e 0 texto come projecto, revelando assim a impossi- bilidade da nogdo de obra enquanto totalidade finita e delimitada. E que o acontecimento, a enunciagéo, no é um presente que se man- tém nessa qualidade de presenca a consciéncia, imobilizada e zeessi ‘vel como tal num tempo futuro. O acontecimento € 0 que no cessa de acontecer, o que esta em oposigac a qualquer totalidade e faz com ue ndo exista obra ce arte em sentido préprio, obra em si, serhora dos seus proprios limites. O que existe sdo obras de arte «em sentido metaférico», aquelas que classificamos como tais a partir do recanhe- ‘cimento de tragos que indicam a pertenca a um género, mesmo quando fesse género & tio vato como «ficglo», «dicrion, cu simplesmente sditerérion Num texto intitulado «A lei do género», Derrida, admitindo a ‘constatagio elementar segundo a qual classificar € sempre encontrar tragos distintivos de acordo com um determirado cédigo, consti, a partir da leitura de um texto de Blanchot, La folie du jour, a higstese de concebermos a duplicidade da relagio com a le (e do apenas com a lei do género), através da qual toco 0 texto literdrio se constitu. Em pprimeiro lugar, explica Derrida, classificamos um texio como liteario a partir de um «trago distintivo [que 6] sempre assinaldvel a prioiv: 1 sempre possival que ur conjunto, aque chauara texto, por rates ‘essencils, quer ele seja escrito ou onal, assinale em si proprio este trago (op. cit: 7). O projesto epistemol6gico assim deiendido ¢ claramente dominado por uma concepcio do saber como adequacio a um objecto , portanto, como processo cumulative © continuo, sempre sujeito a revisio ¢ aperfeicoamento, Nesses termos, ateoria literria «ndo deve justamente identificar-se com uma teoria[itélico dos autores), mas deve [itélico meu} continuar a criar € renovar um espaco em que-a reflexio te6rica se distancie, se objective ese universalize em relagéo com o seu objecto» (ibid.). Repare-se que a visio plural que consti c livro.e € arunciada no seu substulo ~ “«Problemas e perspestivas» —articula-se na Introduco com um pres- suposto-chave, o do dever de universalizagio da rellexdo «em relagdo com 0 seu objecto». Ora, 0 proprio livro se encarrega de desfazer a boa consciéncia do cumprimerto desse dever: se alguns dos seus textos {questionam a existénda estavel de um tal abjecto, como é que se pode conceber «um espaco em quea reflexdo tedrica se distancie, se objec- tive e se universalize em relagio com o seu objector? Nao seri antes tum dos cbjectivos da teoria o interregar a objectividade esse cbjecto? Posto isto, ndo estari o ideal de uma «educacio tedrica», proposto pelos autores da referida Introdusio, absolutamente dependente if 288 (Crise de fundamentosna teria da literatura ilo aque Lyotard chama uma grande nacrativa de legitimagto, a tuativa da emancipate come frcuno part a universe? Permanecem, no ewtanto, aqueles que se consideram como os principios da invesigacdo cientifce, cujp cumprimento se etigura Eomo 0 cbjectivo decisive da teora literkra: Continuar a crar © Tenovar um espaco em que areflexdo tesa se distance se objective ese universalize em relagio com 0 s2u objecto» (bi). Do que se trata é de propor 0 proseguimento de teorm Htrériaintegrads mim determinacio padrao de ciéncia neoditheyana,esquecend tudo o que fi posto ern quastio pela tflexdo sobre t histérin das citncins, rnomesdamente desde Kuhn, e que desloco a questao da diferente Constituici dos objects paraa de ciferentesjogos de linguagem. De acordo com Rory, em Texts end Lumps C980), essa deslocagao fez com que« distingko entre objctos duos ¢okjetos brandos dependa dias regras das institsig6es que oe constituern, como a quimics ou a critica literdia Isto nao significa que nao Faja causas, ou que no exista uma realidade ado-inguistica, mas apenas que aquilo aque se tem acestn sao facts, Come wentidades hibridas» Rory, iit: 81), (os factos poem em causa a possiilidade de objectvidade e uni- ‘ersalidade tanto em quimica somo em tecria da literatura, Encanto 4 primein destas exgencias pressupde que se possa ating uma Tinguagem puramente conceptual a partir da qual discursoterico sej tuma edequacto perfeita ao se abject, a segunda exigencs, a de luniversalidade, pessupSe que o object witeraturar ou Iteraricdade exista para além das crounstincias expecticas que o detimitam, isto 6 que fundam historicamente a insitucio Iaerria Sendo a ciscus- sio.e negacho destes pressupostos um dos aspects cenrais do ps- “estruturalismo, pretender retorlos coma se de evidéncis stra. tasse €recusar 0 aspecto posiiv da crise de fundamentos, tentando fazé-lo pela simples sasura ow obbteragao, ‘Um dos autores da referida Inrodugio a Teoria Literiric,Pro- bier e Perspectoas, Eva Kushner, presenta em «Assintotas ou pata- Jelas?Os estos iterisos entre acerca ealhermentatici» (190) sua versio exlicita da centificidade dos estudos terri. Ai as ncias fxactas nio aparecen imediatariente coma fonte de principios a Seguir, mas como medelos. Seria preciso reconhecer a wigualdade na diferonga e, a partir da, rir critérios e processos equivalents. £ isso que reside a wsuperiridade (92) dos processoncientificos» (op. cits WD. A proposta de Eva Kushner, apresentande a hermenéutica como altematva fac &«redusio do sujet edo nico», propria das cléncias evactas, repete a distngto, afirmaia por Dithey no final do Insistentablidade da concepioessercilista da Hteratura 289 século XIX, entre explicasio ecompreensio como processos préprios das ciéndas da natutezae das ciénias humanas, reopectivamente. A referéncia a Gadamer e Habermas que, somo vimos no capitulo tmostram que a referida dstino se tornow ihastria pela aplicacao dos métodos das primeirys as segundas, deveria ser suficiente para abalar a proposta‘neodiltheyana, No entanto, emmbora Eva Kashnet Site aque es autores, tal nfo acontece, o qe nao deixa de ser signif cativo dodesvio que aquela autora impoea certas nogdescentrais do pensamento de Gadamer $0 caso da nogdo de «aniversalidade da Kermeneuticar segundo uml, pure Gaur (965: 27-49), toda @ compreensio se da na lingingem ~ que Kushner provave:mente ‘dentificacoma pretensaoa wm ssaber universalmente vidos (1990. 10) Talver por isso a sua vaga proposta de uma altemativa herme- neutica acabe por se traduzir mum simples desejo de universlidade ow uniformizag: trates scbretudo te aplcara toda a construgio cognitiva, quer ela cpere em sincrmnin cu em diacronia, a meome Slosotia erica» op. © grande impacto que teve Against Theory, de Knapp e Michaels, pblicado nos EUA em 1982, deve-se em grande parte quer ao facto de, nas skims décadas, a teora da iteratara ter assumilo neste pale tum elevado valor no sonjunto dos estudoslteririos, quer ao facto de tse desenvolvimento ter aberto uma situagio, nio's6 de crise da instituigho, mas também de coflitos psscais entreosrepresertantes da tradigio humanista. Na polémica desencadenda a partir dese ensaio participazam diversos autores entre os quaisE.D. Hirsch J, Stanley Fish e Rickard Rorty, tendo sido organizaco por W.J. T. Mitchel uma recotha de ensaios ~ Against Taeory, iter Studies andthe New Prag” nati (1968) ~ que, para slém do ensaio incal de Knapp e Michaels (1982), englobaaserticas que he foram fetas e dust respostasa elas. Ascinst Theory comega por apresentar 0 alvo do seu ataque dizendo aquilo que os seus autores ertendom por fora: «ama fentatva de reger intepretagoes de texcos particulares recorrendo a uma teoria geral da interprtacio» (op. cit: 11) E nesta definigio extremamente limitada que pretendem englobar a teorn literéria contempordnea dividindo em duas modaidades:a rime, referida a Fisch €a dos ue pensam «fundamentar a leitura dos textos lteirios em métodos oncebides para garantr a objectividade e validade das interpreta- ‘peor a segunda, efrida a Paul de Man, €a dos cue propéem um thodo alteratvo de troria que nega a possibildade de interpretacSo correcta». Uma vez apresentada a nogio de teria, generalize © ataque propria idea de fazer teoria>, oque, como observa Adena 250 (Crise de fundamentosna teria da literatura ‘Rosmarin (1983: 80-88), identifica um «impulse teSrico> com a teoria, fe esta com a teoria enquanto representagio. Considerando apenas ‘como teoria o estabelecimento de principios gerais de interpretagio através dos quais se visa o significado de um texto, fundado pela intengio do autor, Knapp e Michaels deixam de fora oxtras concepgtes de teoria ¢, consequentemente, outros fundamentos. Entre fessas concepgées, podem referirse aquelas que apresentam como fandamento do sentido do texto aquilo que ele imita, ou aquelas que pretendem que o sentido se funda na estruturado texto, na actividade Ue leitura oa em sistas convencionsss. Aguinst Theory apresenta das teses: a primeira 6 a de que o sentido de um texto é sempre idéntico ‘a0 que © autor projectou ou tencionou (intended) significar, pelo que 1 projecto de fundar o sentido na intengio se torna incoerenter; a segunda, a de que, tal como a no-existéncia de qualquer diferenca entre intensio do autor e sentido do texto deve levar ao abandono daquela, também a impossibilidade de o intérprete ce situar fora do seu sistema de crencas deve fazer com que estes néo sejam tides em conta na interpretagio. ‘A defesa da primeira destas teses passa pela refutagio da herme- réutica de Hirsch e Jubl, bem como do seu contrrio, atribuidoa De Man. Ora, Knapp e Michaels consideram que as obras destes autores tem objectivos tedricos, pois visam quer «estabelecer um método de interpretacio objectivamente vilido», com> ro case dos primeiros, quer determinar que nao ha uma interpretagio correcta, como no aso do ultimo. Consideram também que Hirsch e Juhl admitem a possibilidade de um momento da interpretacio anterior & presenga a intengZo, sendo apenas esta que relira o texto da sua indeter- rminacio e Ihe confere um sentdo. Dai que o sentido seja referddo a intengio ¢ que o método de interpretagio consista em «adiconar actos de fala linguagemo (op. cit: 21). Trata-se de uma interpretagio de Hirsch que ndo tem em conta uma das propostas principas do seu trabalho, desenvoivida em Validity in Interpretation (1967): dis- linglo entre sentido e significacio. De acordo com esta, podem existir vérias interpretagies mas s6 uma delas tem sentido, pois sé ela corresponde a intengaa do autor. Dacui extrai Hirsch uma méxima a ser aplicada na interpretaglo: esta deve ser coerente e, para além disso, nko pode ir contra 0 conhecimento que se tem da época e do autor. Comentando a eritica que Ihe foi feita por Knepp ¢ Michaels, Hirsch (1983: 48-52) invoca a sua solidariedade com a atitude anti-teSrica aqueles, a qual diz estar presente em toda sua obra, a par de uma recusa dos métodos de interpretacio. Obviamente, nio admite que a Inaustentabilidade da concepsio esencialista da iteratura. 291 necessidade deter em conta a intenglo seja desprezivel, pois cons- dera que existe uma diferenca entre aintengso do autor ¢aquilo que © leitor juga ser a incengio do autor. A possiblidade de ter em conta essa diferenga € negada por P.D. Juhl em Inferpreations: An esay in the Philosphy of literary critics (1580). tese defendida neste Hv radicaliza concepsio intencionalisa, postlando que apenas sinter pretagio gue comresponde inlencio de autor € cera toda as outas So erradas, O que permite esta radu a intensio do autor ¢ 0 considerar-e que a Inguagers s6 faz sentido come acto de fla real ado poralguem, embornacjaadmsnivel a cxistemcn de comporiyoes de linguagem devidas ao acaso. Juhl retoma o exemplo, dado por Hirsch em Validity wv Intesptation, do poema de Wordsworth «A Sumber Did My Spt Seas No enfant, tio adinite como Hirsch que 0 poema rena vériasinterpretagbes, uma ver que 9 6 corectaagucla que corresponde a intengio co autor; admit no entanto uma autor nomia semantica do poema: imaginando que tim qualquer proceso dcasional inha deixado gravadas as marcas lingusticas do poem, 2slas exsiriam semanticemente embora nio tivestem sentide, dado que este ¢exclusvo dos acto de fal e estas marcas nfo restitavam de um acto, Knapp e Michalsconstroem uma fiegio sobre o encontro com a insrisio feta, por 92re do acaso ow a patirde uma infencto, naareia de uma pris closeesmo porma de Wordsworth Dai retram conchusoes diferentes as mares insritas na area pelo acas0 no so sequer palavras,embora se assemelhem a das; 6 so palavras quando So insertas intencionalmente. Retiram ainda uma outta conlusio, decisive, segundo a qual apenas a «teniagio tecrca» pode supor qualquer tipo de distinci ene intencao esentdo, elo que a melhor Contestasio da teria é a afimagio: «Nao 36 no discursd literal mas em trios as dscursos a intengo eo sentido so idéntcoss pci: ‘io sendo de modo nerlium a teria auilo que Knapp e Michaels poem em questo, mas aperassum determinado sentido de teora, eles scabam no entanto For prrtidpar desse mesmo sentido. Bo que & rgumentacio de Rorty em «Philosophy without Principles» (985 182-38) comea por assevera, salientando a incompatiblidade do ragmatiemo com a tese segundo a qual ¢ possivelcistinguir entre as marcas que so produto do aco, ¢ ue portanto embora se aseme- Them a frases nfo Sto frases, eas verdadeiras frases, Essa distinceo presupse a distinglo husseiana de Hinsch entre conteddo © con- fexto, entre propriedades asenciais © acdentaise(p. cit: 193), Os ragmatisas recusam essa separacio, pois para eles tudo deperde da tscotha de contextos * mio de propriedades intrinsecas, Nesse caso, 292 (Crise de fundamentos na teeria da literatura se. que os autores de Against Theory pretencem é que, uma ver que qualquer texto se coloca sempre akin determinado context, ni0 hi Itgar pare distinguiro seu sentido de qualquer intengio, para que 6 que recortem a este conceito? Desse modo, sles procuram tr fan- damento para. ua toria, quando deveriam apenas atender& crpac- dade persuasiva da soa afirmacho central ~ a da inutilidade da dis- tinglo entre intengSo e sentido sem pretender fundamenté-la numa concepsio totalizante de wo que € a inguagesm. Um aspecto impor tante do comentario de Rorty consste em chamar a atengio para 0 facto de todas a jostcasGoe loeSics earern crvularee: Hi um vast culo de const ~ por exemplo,conhecinento, verdade, objet, canon, refréncn sents, stencils, et = a {ue anne pegmatite de geabuer an ferecspranoas ‘part das qos deur andle prasad cad on donc Gp. abo, Sea fosofia se rduzise # argumentagio deutiva, ela nto sarin da circularidade endo passaria de um jogo de espehos, porém nem toda a filosofiaprocece exchisiramente deste modo, Rorty diz que ela pode ser também um modo de centarhistria,e apresenta 0 exem- plo de Derrida, para quem a flosofin nfo se reduz 3 argumentagio, Em vez de dizer que trata decontarhisteras, prefersiamos dizer que enquanto excita enguanto questac de drance que o pensamento de Derrida rompe com a economia especular de uma flosfia de [pus concrts. sso no significa no entanto que, subttuindo busca Se primeizos principe a necesidade de mostrar, fora da oposigao entre causas ¢ raz6es, a imporincia daquilo que se defende, rao se posam, para oefeito «conta hitrias,Sigrfic apenas que a ausénca de fundamento impede de reslver a eiago entre oargumentativo © fo narrativo em favor de sm dos polos. Rorty termina 0 seu comenr trio com uma defesa da teoria da literatun,referindo a importania due ela assumi nos etudosliteréros amrericanos a0 possibliar 0 entrelagamento da leitara de textos itrioeeSlowifico. Nao se tata, para ele de considerara teoria da literature ou da letura, mas sm de 2 tomar como tm tips de pric da leiturs, Enessa medida que da Sua defesa da teria, ebora sucint, podemosretirar aspects funda: rmenais: como uma sespécie de filoofia, a teria poe em casa a distingdorigida entre teoria da literatura e filosofia, enquanto leur, fla admite que o teorzar, no sentido lato de pensar, parte sempre de leituras,e que por sve ver nentura leitue é leitura de um texlo em si, ela é sempre tamisém o pensar que parte simeitaneamenss de diversas letras enac as pode separtr em absoluto. Insastentabilidade da concepoessencllista da iteratura 283 Paraalém dea definigio de teoria a parti da qual Knapp e Michaels argumentam contra a teoria no englobar sequer as varias concepgoes fundacionalistas da teoria da interpretacio dos textos literarics, ela € igualmerte estranha ao sentido de teora prosseguido por alguns autores do chamado desconstrucionismo americano. Trata-se, neste caso, de conceber a teoria, num sertido préximo do que é proposto por Rorty, como um medo de pensar a partir dos textos, da sua leitura, as potencialidades da linguagem que eserpam logica da representagio ou légica sujeito-objecto, Ao identuficarem teoria e representacio, Knapp ¢ Michaels parti- tham com aquilo que contestam um sistema rigido de oposigdes, «qual nfo thes permite por em questio as fronteras estabelecidas entre teoria e pritica ou entre linguagem e acgio, fronteiras cuja indeter- ‘minagio é no entanto uma consequéncia inelutivel da tensdo entre auto-reflexividade e ‘uncéo performativa do discurso quando enten- «didas como moos nfo toializantes de furcionamento da linguagem. Enquante a auto-reflexividade do texto literdrio tomada como sta caracteristica especifica constitufa o fundamento de todas as teorias essencialistas do literdrio — desde o formalismo russo a0 New Criti- ism americano ou ao estruturalismo francés, que defendiam a autonomia daquele -, as tearias pragmatistas, 20 considerarem a convencionalidade do literério, fazem radicar 0 velor dos textos na sua dimensao hist6rica e contextual, eferindo inevitavelmente o seu sentido ao acto de leiura. 2. A teoria e a crise do comentario ‘A unidade erginica do texto litersrio ¢ a questic da ambigaidade. — Da «rise do comentitio» (Dathes & descrigio cietifia dos textos Iteriros. = Andlise ‘Gentiica e atrbuigio de sentido. ~ A rrabiltagso do comentirio: Tedoroy ‘atco de Blinchot, ou 2 pretensio de zeduzir a Yelasio com 0 texto teririo a juma dimensio ergumensativa,~ Inedattilidade de dialogsmo (Bakhtire) 20 sidlogo. ‘Ao defenderem a autonomia textual, consierando a obra literéria como um objecto estitico independente do seu valor de docemen- tagio cultural ou histérica, as teorias essencialistas afastavam qualquer hipétese de, na relagio com o texto literria, ter em conta as citcuns- tncias da Sua produgio ou da sue recepcio. A proposta de close reading, central ao New Criticsm, aparecia assim como o modo de colocar tuma andlise ret6rica 20 servigo da organicidade do texto, ‘mostrande como cada figura ou imagem poética concorria para 0 sentido total, acentuaado desse modo a indiviualidade e identisade dos textos. No entanto, De Man tem razo quando considera que a pritica de leitura do New Criticism se volta contra os seus proprios pressupostos: A medida que val refinando as suas inerpretagSes,o American Crit- cism ndo descobre um sentido Gnico mas ua Fluraldade de signifiactes (que podem ser Tad:ealmente oposus entre si (.). Quase apesar de si propre ele leva o process interpretativo #39 Icage que a analogia entre 0 undo orginicoe & inguagem postca seabs por explir (1971 28) Quanto a poética estruturalista, ao preconizar a aplicagio da ‘metalinguagem claborada pela linguistica 20s textos literdrios, v:sava 1 descrigia das estrutucas posticas que os constituiam, colocando assim ‘acento na universalidade. Em ambes os cisos a teoria aparecia como ‘uma possibilidade desubtrair os estudos literérios a ideologia,isolan- ddo-os da funcio social da literatura, o que no estruturalismo carres- ppondeu directamente quer A aplicacio dos métodos linguisticos, quer ‘20 desenvolvimento de concepsBes tedricas em relagio coma filssofia da linguagem. a ‘Nos estudos anglo-americanos, a par do projecto de circuns:rigfo dos estudos literdrios ao estudo do texto em si, e portanto de uma ‘teoria orientada para o estudo da retsrica, desenvolvem-se propostas tebricas de uma critics centifia como a que, segundo Northrop Frye, “Teovia crise do comentério 295 teria por base uma gramitica de arquetipos Iiterdrios; como as que revalorizam a ligagla da critica & historia literdria (€ 0 caso de Teoria da Literatura de Wellek e Warren, 1948); ou as que pretender impor a intencionalidade como eritéric de validagao (Hirsch, 1961). Na Europa continen‘al, sobretuco em Franca, centro do estruturalismo, esie, para além de coexistir com o prestigio da critica fenomenolégica (de Poulet ‘ou Starobinski), permite que a par do desenvolvimento de competén- cias teéricas que tendem a identificar-se com técnicas de objectivacio pPuramente descritivas, se desenvolva uma concergio de critica que se fundamenta nas investigazbes sobre « Filosofia da linguagen as ‘quais o referido estruturalismo se associa. A distingio de trés corren- tes estrururalistas tal como a estabelece T. Pavel (1988) — estrutura- lismo moderado, estruturalismo ciantificista e estruturalismo espe- culativo contribui para dar conta da heterogencidade do pensimento francés dos anos 50 a0s 76, que s6 uma simplificacao extrema poderia reduzir ao cientificismo. Nio porque, como pretende Pavel, a tiltima daquelas designagoes reur:sse «as tencéncias ideolsgicase flesOficas do movimento» (op. cit: 12) ~ a designao «tendéncias ideoligicas» parece classificar de doutrinérios oc textos desta tendéncia enquanto ue aquilo que liga determirados autores & filosafia é 0 opasto do doutrinal, ou seja, preciserente a necessidade de questionar conce tos fundamentais da filosofia modema, como o de representazao, de sujeito e de histéria - mas porque ela contempla a passagem de sm pensamento estraturalista a um persamento do no-idéntico,jé pés- “estruturaista, portanto. ‘Apenas o «estruturalismo especulativo» corresponde no funda- ‘mental a viragem linguistica como passagem de uma filosofia da consciéncia para uma filosofia da linguagem. Isso traduz-se tanto no facto de a andlise linguistica ou a utlizagio de conceitos lingulsticos ra andlise das obras literdrias se revelar como senso absolutamente insuficiente, quanto no facto de se atribuir ao uso Lterério da iingua- gem uma capacidade criadore por exceléncia. Desde o inicio que esta punha em causa a possitilidade de cientificidade enquanto objecti- Vidade, embora se propusesse coexistir com ela. Quando, em Critique st vérité (1966), Roland Barthes conclui que «ciénda, critica leitura, tals sho as trés falas cue devemos percorrer para ertrancar a volta da bra a sua coroa de Inguagems (op. cit: 55), ele coloca a erica como mediadora entre as outras duas actividades, procurando justificar ssa fungio mediadera dizendo que ela eda uma lingua & pura fala que lé, e da uma fala (entre outras) lingua mitica de que é feita a obra e de que trata a ciéncia» (op. cit: €3).No entanto, se a ciéncia da 296 Crise de fundamentos na teoria da literatura literatura, que aproxima os textos literdrios da impestoalidade eano- rnimato dos mitos, consiste somente em descobrir a formacao de um plural de sentides, de acordo com uma logica ou aceitabilidade, ese «a angio do critica nfo &0 sentido da obra, é0 sentido do que ele diz ddela», entao nao ha naia que garanta que o sentido que o criticodé & bra seja derivado da forma que ela 6, ou que a ciéncia descreve. Aliss, interiormente no mesmo livro, » proprio Reland Barthes exchuira ja ‘deia de mediagdo, ao concebera critica como acto criativo: Se critica nova tem alguma realidade, ela esté nist: ndo na unidade os seus metodos, anda menor no snabismo que comosamente, dime, @ ‘Sustenta sas na soldAo do acto exit, afirnado a pactir dai long dos “lbis dacldncia ou dus inetitug3es, como um acte de plea estta. Ovsrora Separades pelo mito usado do seoberbo eriadoe e do humilde servidor, ambos recessiros, cla um no su haga, et, 0 escritoreoertco juan ‘ena mesma condigio dif fare ae mesmo ejecta linguager (196% 47) ‘A negagio explicit da exstencia de hagares diferentes para 0 secrtore para octce ¢justificada pelo facto de o objecto dest no ser um texto dado, mas sm (através dese text) alinguager. Barthes Zoncebe esta aproximagto do escrito: e do criti ctmo «crise geral do comentarion, a qual corresponce necesariamente a crise da rla- sao com um texto enquantointerpretacto,e por conseguinte, med Gio. Se no mesmo ivro em que Rolind Barthes dene as posiies felativas dos ts mods de relagfo.com of textos litrérios ~céncia, Sritiea, leita ~ ele coloca jé a impessibilidade de uma tal divs isco nfo pee debxar de no alestar pera a continuidade do estraura- lismo e porestruturalsmo na obra do auter, ou see para o que de heterogenco se insinua na sistematizagio daquele. Consideremos @ dquestio do comentiia Tanto Todarov (198% 12-13) como Pavel 0988: 35 stam a origem co comentfrio em sertido moderno no Tratado TevigicoPalfco de Fepinoza. 6 este que coloca a necessidace de separaro sent do texto da pesquisa da verdade, devendo o comen- tao ocuparse apenas daquele Como diz Todorov, “Depois de Espi- rosa ocomentirio nfo tem que interrogar. “Est escrito fala justo”, fas apenas: “© que que ele diz exactamente?”>.Inaugura-se desse ‘modo uma tdi filologica hermeneutics que vai fazer depend a Tatura do querer dizerdo texto, on se, da sua intenco, do seu centro corganizadcr, que 6 san casa cin sejaela um supeto Ou qualquer boutra autordade exterior a0 texto. O comentario implica a parts dai tna divisio entre o texto interpretado e o sea comentario, estabele fendo-ce entre ambos uma hirarquin varivel. Quando Kant, em O Confito das Faculdade, distingve dois modos da exegese bblica ier ee ‘Teoria e crise de comentirio 27 seneutica sacra) ~ 0 astentico e o doutrinal- colocardo o primeira na tsfera de competéncia da Faculdade de Teologia (faculdade supe- tion), eo segundo na de Filosofia aculdsde inferior), ele coloca do lado da fea interpretaglo que afirma a intengfo doautor e postula a necessidade de uma interpreto cue apenas tenha em vista 0 fim moral pritico, No entanto, esta distingZo no correszonde a diferenca entre uma interpretagto vinculada a uma autoridede anterior, a do autor do ‘exto, e uma interpretacio livre, indepencente de qualquer ‘entro organizador do texte imenpretado, A interpretacSo doutrinal € também cla referida c um centro, um autor, que é Deus. 5 este que ve aulo-interpreta através da razdo dos exegetas’ wo Deus que se exprime por meio da nossa propria azo (morai-prética) € um exegeta infa- livel, universalmente compreensivel, Cesta Palavra, a sua» (p. cit: 40), Ambos os tipos de exegesesio consideralos como mediagBes: na exegere aut@ntce, 0 sentido ¢ considecado na dependéncia de uma intengio whist6rca; aa exegese doutrinal ele esta ligado & Hist6ria. (O que separa uma da outrs, como o que éda ordemda fé eo que é da ordem da razio, €0 facto de a tia se legitimar por se, postanto, Ifo se apresentar como revelagio de um Sentidc, mas como atri- buco de sentido, capacidade de que o sujeito est investde e pela qual é mediador da Palavra de Deus ‘A idein de interpretegio como mediagio faz parte de ‘oda a tradigio filologico-hermentutca e encontiarseainca em Sere Tempo de Heidegger, senco inerente a nogso de culo hermenéutico tal como a reformula, temporalizando-, a0 conceber 0 todo como projeccio de um mundo (passado) que ce altera na interpretagio. E nos ecrtos posteriores 8 Keire que ao papel active do Dusein(projeeqio, modili- aco) se substitu uma experiéneia mais original de escuta da lingua fem. Esta, como lugar do evento do ser, ndo reclama qualquer media fo. A hermentutica adquite assim una sigificagto ontolégia: ela ‘isa a linguagem e no qualquer texto em si através do dito do texto, dirige-se para o ndo-dito, o outro que sedi na linguagem apelando a ‘uma resposta A crise geral do comentérios, a que Barthes se refere € por ele descrita na passagem antercormente citsda, corresponde fbviamerte A crise da noo de interpretagho entendida a partir do poder (mediador) do sujet A destituiclodestecoixcde coma desti- {uiglo de toda a palavra plena e & nesea medida que deiva de haver qualquer tipo de hierarquia entre 0 «texto criticado» e 0 «testo cr- thco» «0 seritor eo etic zetnem-e na mesma condigio dificil face 20 mesme objeto a linguager (Barthes, 196: 47). A linguagem assim. referida, nfo correspondendo de mode nenhum & linguagem como 298 Crise de fundamentosna teoria da litertura instrumento de representagio ode cielo, arb no correspond a tama linguagem original que se afasta do trodo instrumenta’ para aceder a uma plenite perdica, A este rexpeitosfofundamentas a ‘observacées de Foucault sobre o espaco neutro da ego ou ds lite- rotura, 0 qual nfo é nem o espaco onde 0 sujeito se confirma nem aquele onde cede o lugar a uma positividede da linguagem. O desa- parecimento do suelo que «o ser da linguagen exige para aparecer Fo revela nada, sendo a sua disperso a relagio com um vazic, un exterior: «A literatura nfo € « Hinguagem que se identifica censigo ‘eama até ao ponto da mia incardencente manifesta, €» ingen: gem afastando-se o mais possvel desi mesma» (Foucault, 1966 12). Se a dvisio mallarmeana entre linguagem do quotidiano como tinguagem de calcula ou de toca e inguagem poétca como lingua gem essencial fosse entendida como atribuigio a eta de umn de relagio com uma verdade original, isso implicaia ainda uma {nterpretagio mediadora, embora num seniido negative: a fungio do seit consstiria entio no apagamento de tudo 0 qe de nfovssen- cial rodeasse a obra, ¢ portanta no seu auto-apagamento, Para Todo- ov, este apagamento¢ comm a ertca histrie, como a de Lanson, por exemplo, e a0 tipo de ertca que Blanchot propse (ct. Todorow, 1964: 70-70, Porém, ele nao debxa de apresenartamnbéan os motives pelos quais os dois tipos de agagamento se nfo confundemy € cue a Sistingio mallarmean, tal como Blanchot a retoma, nto admite ua forigem exterior com = qual se relaciona, mas considera-e jf como bbusea da esa propria oigem, ou da sua propria possibilidade, nessa medida, ela inci 0 w:to-apagamento da critica como um dos seus rmomenios isto & no pode conceber a exterioridade da critic © da literatura. Estas constituem, para Blanchot sobretudo uma idéntica ‘busca da oxigem nao apenas da obrade are mas também ca propria linguageme da signifencao, a part dest especifcidade conietida a0 discursolterdrio que se pade compreender o design (tao vee- ‘mentementerepadiado por Todorov) de preserearo pensamento ‘ace a «qualquer nogto de valor. Uia tal especificia de sigifia a poor ii dade de uma experincia de finguagen exterioe (anterior) aos cigos ‘morais-prticos de uma dada comunidade. Embore possa ser pen- sada mma relagio com os valores, rca sta tal experiencia pode resullarimediatamente de uma vontade de cortestagio ou de rapture ~ qualquer ideia de segacio de vaores se situa sinda no compo definidor daqueles ~é isso que faz da acte ou da literatura una experincia impossvel enquanto tal. Eno enfanto, na medida em que ela no ésendo relacax com ese impossivl, ela significa a possbl- | ‘Teoria e crise do comentério 299 dade do impor (fr, Prado Cotho, 1982: 91-97) a interrupt das tangbes ut negra examin dee docroe ovietados ps deseo Ae inercimbiosovl ou fio amarosa, & deste deseo de intpoder, outde inerature, quendo pede debar de econhecerse como poder ¢ como nforteratrn, que tero lterro pode alo que ne sign fin que sho que nee se diz O dizer do texto 6 inprevisive o que Todorov rectos «adm, fora de queer encontrar un pensar thems de Banshoo, que aciba por resunir na expres edenogia Tedtvntsenlntan,© que oleva a classiar ov seus tector, nfo de fe er ee come chacrantstas Op cf. 70. A iterpraagao de Todorow,querendo ncontar unt seni do ert, epersamento de Blanchot, revela Sue é alla sinlepoildade per por cm orga as buns propeas gore de penanzentoo que o impede de pera a Poseblidade deen diet que nfo sdborine so mode Vogicoargumentaive do dlscuro mas exjuninternpeo date como expertnci de recomego Ge, como expe Teueat Tao uma negagho dulecton Negerdnlectoaent osteo fae ena ull qu seg snarls Ene tar artes Nope on oops ete ce an Biandos creole contruanene i sos CpartmaoeSepoeion ‘ble mane ng ado que ua de dv av mau oor de Sanatio asus Invocand a pamagen da exegese como relasto on a vrdade (queens para alge do evo) pare a determinagh do vent Gin wt Todorov v8 naa ons de un percuso que deve conduit {negacie de valores Emboraa exacerbago do poder conferdo am ujlo'come cause do seu disco pesen de algum modo cata relclonade como eailhayer da suaunidade,oquea vsho petisla de Tolory nfo adnite ¢ que a negaio do susto mediador da Interpret, ou ej megaco do rupto como cma ax cendicho de ponebidade de/ciaglo de valores. Fongue aqilo que Todorov pare eat promos acchar €acxteaca de uta verdadee valores Eanocendents dos guaisa laguagem ve proxime: tanto a obra ie tara como artic seria eno mediadores dese verdadeiros val few, que all nlo podesian senio comesponder & razablidade Gains intersubjedivanente, rk ero que permits distie guts des tases. Todorov cnecbe et a interpreta como dillog, STi cemeo exemplo aquela que designa por erftca dalle, qe nose etna oes de licen ved ue esa tim regreso a situa priepinosiana em que a verdade em uma verdade dada, mas 2 apresenta como ideiareguladora.E a ieia de °° °°» 300 CCrisede fundamentosna teria da Iiteratura {que «0 sentido nasce 0 enconiro de dois sujeitos» e que este excon- to recomega eternamente (op. it: 103) que permite a Todorov fazer confluir 0 projecto de Bakhtinee o-de Sartre. ( privilégio que assim € concedido & consciéncia afigura-se-nos ‘como uma simplificagio excessiva das concepebes bakhtinianas sobre a relagio entre consciéncia e ciscurso. Para Bakhtine, a consciéncia ilo é separivel dos discursos que a formam e dos quais ela nao pode necessariamente ser 2 causa: cles precedem-na, vindos do exterior, « Hraee c covktad, admiindose por iso a intervencio de ees he procniom eaosunae como € 180 26 graiéva Soa el peraos Estos ea vida humana (7 © 1 oe onarem por completo fado 0 que se relaiona com a ones ne eeerg da dra, por esas sre incompativel com © eo ar mee ee erte uonioaseperadas do campo male vat de formasio Sree bits dsgraco por cultura consi do ampo Seer ei am due eimentoa do clare fa amin enregue& aor arto cata] exer itituiclo ender, Os mean ar i ptinago que ne oo propos cerdom a enero om aan a coin lrga mediacom os mean ceria hcng.& pevfomativdade como creo legiinador ae eS diay (yyotarer 197) fend asim 0 tore Ettensiva ao campo literdrio. £ contra uma situagio deste tipo que se caer ne herent eprint da inept ie sina Funtandovse x subjecvidade, eas toras 40 em Mules se fnvcnt dan akedore,correpondende A mudaren de wet se sujetoobjete, qu nao pete execs odo eurasient que durante 9 peo ctetiitay ps ena lao ean, pnofandoso sob orotulo comodo de iceaogia nist, Or Sin dl valores como pretend tanber retaurar«noxto de Seto, dando ve como cea inquestonvel ‘Teoria © rise do comentério 303 ‘No entanto, uma teoria doliterdrio iio poderia resultar do equi brio entre os dois polos - cbjectivo e subjctivo -, 0 qual também & visado por diversas teorias da interpretacio, nomeadamente através 4a complementaridade de estruturaliamo e hermenéutica (Ricoeur), ‘ou da distingfo entre sentido e significagio (Hirsch). O que esta em ‘causa nessa busca de equilibrio é a compatibilizacio de duas concep- «6es opostas do funcionamento da linguagem, uma que abandona a historicidede, concebendo cada acto de fala como repeticao idéntica, ‘que permite falar de objectividade do sentido, colocando-a ou nao za dependéncia da intengio do autor; out, histor.cicta e empiriata, de acordo com a qual o sentido & inteiramente determinado pela spropriagio dos signos por um sujeiro num dado centexto. (© valor central da auto-reflexividade para as teorias estrutura- listas da Iteratura, ea dai decorrente autonomia rigorosa dos textos, separando-os de qualquer ligacio com o exterior, revelou-seafinal como tum dos germes de uma visio indiferenciadora do literdrio em relacio 208 outros tipos de discurso. De facto, a andlise estrutural, desenvol- vida por cisciplinas como a psicandlise ou a antropologia, com Lacan «Lévi-Strauss, contribuiu para acentuar a importancia das dimensSes inconscieates do discurso, bem como o caricter universal de certas formas primordia. Dai que o estruturalismo conduzisse rapidarrente a ‘uma interdisciplinaridade que analisava todo 0 tipo de textos da cultura a partir da metalirguagem criunda dos estudos linguisticos, comprovando a hipétese de uma gramatica geral engendradora das diversas produgées simbélicas. A in:erdisciplinaridade assim conce- bida faz parte de um pensamento totalizante necessariamente subor- . Essa solidao» € o que iré separando dlo estruturlismo, pis aqulo que Ine interessa, na literatura ma na Vida, o singulare Unico, nto pote er da crdem de uma cincin que prostegue a defnigio ariatotGicn eqgunde a qual s6 hé ciénda do Universal. A distingto entre prazer e fructo Warthes, 1973) cuimina assim o desvio face 4 sciéacia positvay oposta em absoluto a deia do caracter duplo do eran, que se consist nos textos de Barthes a literatura em relagdo com a cultura implicada na (© pea) formato do gosto; 0 texto liter) atpico,absolutamente imprevisivel Em relagio com a cultura o prazet da texto preci e, por iss0 mesmo, rio pode dar logar aciénia, mas apenas a um discurso ertico ante ‘mais rigorceo quanto mais consi tem da mia prordade santo 2imuigho, que o & sempre do aconteciments, la € pecoce, dé lugar & surpresa, ou a0 arrebatament, uma intensificacdo da experincia anterior ao sujeito dla e por iso sem destinador, sem destnatrio, fem mensagem, tim cirtowitesito das fungBes da comunicagia que briga 8 sun restaurasio, mas introciuz nesta. a diferenca impercep- tivel A frugto nfo € porém esiranhe ao prazer, nem o supSe apenas como fundo sobre o qual se recortara o abesluamente outro, iz uma Continuidade que permite desigrar como literirio aquilo que nos aparece como ainda nto 0 send>,e 6 por essa continidade-intrrup- o 0 prazer do texto € precio, pois caso corraro ale girariainces- Santementeo mesmo, Ea contnuidade que permite « Roland Barthes falar de um ponto de vista de nao-divisio aDsolute entre fruigio © pracer: «Nio noe fartamos de dizer a forga de euspensto do prarer: € tima verdadeira epck, uma paragem que cosgula ao Tonge toces os valores admits (admitidos por nos prézros)» (ap. cits 11d. Um aspecto a asinalar €0 de o reconhecimento, pés-strturalisia, da necessdade de passaralém da universalidade dos medelosintoduzit tama relagio entre o sentimento de prazer ea nfo-uridade de sjeito de um texto aristico,mpeitva de uma experincia que seja exchi- sivamente de identifcagho julia Krsteva, allando o estruturaismo 1no campo dos estudos lteraris ao da antropologia da psicanise, ‘Propse uma distingio enfre o semitico e 0 simbolco (1974: 179) Teoria e cise do.comentirio 305 que pretende dar conta da hetrogeneiade que integra as diversas praticas e experigncias discursivas: ¢ processo de significfncia no & apenas de orem linguistic, simbélia, mas tambézn psico-somdtica, semidtica. Sendo o semistico a condicio do sujeito e'a sua negacao (Gegatividade) a arte enquanto wsemiotizasso do simbdlico» implica tanto a sdilaceragio do sujeito», ou a sua suspensio como centro, unidade tetaizante, tanto irrapcao da fruigio na orem simbelica ‘A nogio de experiéneis estética - embora eexperiéncian apareca com um sentido muito particular porquanto correspondente a uma o-subpatividade, av ainda io-supily ~ importaite na teorizagao éo pés-estruturalisme francis, quase por completo, ou mesme com- pltamente,abandonada pelo desconstrecinismo americano, de onde Gesaparec: qualquer refextaca a0 «prazer do texto», embora 130 recessariamente em rome de uma Lnguagem universal e objectiva, 3, Teoria, epistemologia, ideologia (© péwestraturalismo americana, - Paul de Mn: a teoria da Wterature como Cicada ideologia -Pustanismo enismo de De Man, ~ Redugio dalit-atura Yestca das ideologis ou anulagio ela teratura. ~ O tom, ou gest, como perturbacie da causlidede (Derriés, Lyotard). -lredutibildade de literatura € Filosofia. ee are median ae mredaguo nd etcetera do eprinciplor fate eR ce dens eee et co Se Oe oe ae ee ec ee ee oe es oe ase atin dntre en Se iets SE decane i See eee dea ao a sn re a ge eae ourde um fundameato que pare 0 jogo das substituigSes. Através re eae an er oe are en ee Ce ee eaer a Sn a es ean ara Pe ae as Ss ee a ee ar es ae ee ee ele yee es ares ee a een ee ‘Teoria, epistemologia,iceologia 307 sequéncia da critica lteréria univessitarie e da necessidade de con- ceber uma teoria que rompa cem a critica ea teoria Lteréria anteriores Assim, pedemos falar de um grupo ce autores, que inclui nomes como 9s de Paul de Man, J. Hillis Miller, Barbara Johnson, Jonathan Culler, Cristopher Norris, Geoffrey Hartman, Harold Bloom, Samuel Weber, entre outros, cuja actividade tebrica diverge em muitos aspectes, mas que, para além da oposicio aos modos até af institucionalmente dominantes de pensar o literirio, de uma certa tradigfo comum de estudos do romantismo, e de cigumes leturas de Derrida, partlham a recusn de reintrodurir sob novas formes a ideia de um aentide plene dos textos, fundada sobre intencionalidade, quer através dos meca nismos da interpretacio que privilegiar a producio, quer conferindo 20 efeito dos textos, e po:tanto & sua recepcfo, um lugar principal. Embora os autores referidos ssjam, por diversos motives, associados 20 descorstrucionismo, algns deles demarcam-se explicitamente da sua versio «ortodoxas, a de De Man ¢ Miller. Assim, Cristopher Norris (1987) faz uma leitura de Derrida que pretende conciliavel com a leoria eritica da Escola de Frarkfurt; Geoffrey Hartman (1980) exprime sua discordancia face eo que considera 0 proptsito desconstru- cionista de separar ethos e pathos com vista a depurar deste tikimo o fexto eitico, ao qual atribul um estatuto literdrio; Harold Bloom (1973) faz. depender a poesia e a critica de relacées psicologicas que corres- pondem : leituras erradas de textos anteriores. “A questiio que se coloca ao modo desconstrucicnista de conceber a teoria 6a de ela poder de alguma forma tender a converter-se numa adaptagio do resultado da Isitura des textos da desconstruczo & constituigio de um método aplicével aos textos literérios. Essa seria tama das maneiras dese afastar do pensamento de Derrida, anulando 4 possibilidade da desconstragio tal conro este a concebe e que cecorre da afirmagdo de um ndo-feckamen:o dos textos, de acordo com 0 qual o peasamento nio se poderé encerrar em esquemas prévios ou inétodos que perderiam necestariamente o que vale a pena pensar e {que 6 da ordem do imprevisfvel. A aplicagéo dos resultados do debate filos6fico aos estudos literirios € aquile que Rodolghe Gasché coloca na origem do aparecimento da teoia nos EUA (1979: 177-215), a qual se sobzepde & critica literdria como disciplina auténoma, Embora reco- smhega a importincia da decnstrictive critic, Gasché considera com perti- néncia que em alguns aspectos ela é apenas a continuagio da critica tradicional tal como se conciui da comparagio em que atribui a ambas © abandon de qualquer questionacée dos conceitos que utilizam: «a splicagio despreocupada dos instrumentos que tema emprestados 308 (Crise de fundamentos na teora a lterstura da andlise de textos lteréros prova « afinidade da desconstrugi ¢ da critica tradicional». Em complement» desta afirmagéo pode acrescen- tarse que é a auséncia de preocupacdes quanto a clareza dos con- ceitos que permite em grande medida quea demarcagio face a critica tradicional consista sobretudo no desenvolv:mento de uma resrica da subversio constitada pelo recurso a nega ao sistema. ‘O fundamental da critica de Gasche nao corsiste apenas em presenta: diversos aspectos da xdesconstrugio» empreendide pela ‘rtca iterria nos EUA como sendo o resultado de uma deturpacio dos textos de Derrida, A twse printipal ve ~A desconstrugio como Criticar € seguinte: contrariamente & desconstrugio, que nie € nit lismo nem teologia regativa, a teora iteriria de De Man apresenta- se como 0 método para revelar nos textos a sua negatividade, mos- trando como eles constituem uma tolalidade formada por um sstema de oposigdes irresoliveis. Esta epistemologia negativa basela-se em. ‘duas nogies essenchis: a de «iniegridade da form lterdriay, como ddecorrénca de uma «consciénda totalizadora do autor ou do texto»; a de reflexividade e auto-reflexividade. Dado que, «longe de ser uma operasic nos limites do texto, a esconstrugio procece de e ertre os limites do texto» (op cit: 182-83), entre esta © 0 desconstrucionismo hé diferencas irredutivels. Elas permitem a Gasché estabelecer uma relagé entre o funcionamento Gas nogoes de auto-reflexividade e autonomia textual e a autocon- cepgio de conceito hegeliano para concluir que «a nolo de literatura de Paul de Man der:va s6 negativamente de dialéctica de Hegel e € toncebide sob o modelo da dialéctica negativa» (op. cit: 208). Poste- Hlormente, em «"Setzang” and "Uierstzurg”: Notes on Paul de Man» (@981), Gasché desenvolve uma argumertacio que visa defender a ‘existéncia na obra de De Man de do’ momentos, referindo um celes a Blindness and Insight eo outro 2 AliegeresofRecding: osegundo alata-se de uma visio estrita da auto-reflexividade textual eaproxima-se mais do trabalho de Derrifa. Trata-se de uma andlise de aspectos extenciais da teoria de De Man a partir da qual Gasché constaa tanto a referida aproximacio em relagio ao trabalho de Devrida como uma prosse- eugio da desconstracio num sentido diferente, :diossincritico. A ‘leitura ret6rica», proposta por De Man, aparece como possibiidade de abandonar as opesigbes tradicionais em teoria da literatura refe- rencialismo/formalismo, critica temdtica / critica estética ~ através de uma concepeao da retérica come mecanismo disruptivo de tropos f persuasio. A teoria de De Man aparece ento como uma denncia sistemética das mistificagBes, tanco da retirica classica como da Filosofia, enquanto retensdes de totalizacio de um texto na leitura: 309 Desconstrugio é ent» exsencla mente o desfaze de todas as lelturas temitcas que destogam a estrutun do texto e csem na armaditha das imagens totalizadoras do texto, Ela também odesfaze de todas as letras cesttias de textos (.) Esta desconstrusio tem lugat como tum proceso Infinlo ~ hs desconstrusdo do segundo, trcelro e cuarto gras ~ para. doxalmente devide & sua constante (desconstutiva) reeida no teatico (asc, 1981: 48. Una das cmctotict marcantes do ple-extnturalime odes consrucionimo ¢a afirmagiopersitent da necesdade de combate ‘"Gecloga, em fermen que evidencnm una lah ow tose ‘xc, com deen ristopher Nenu dos auores para cuena Saconatigho aot a rdialiade Gouna opeilo: ca decom trai & sans activa de fado ou oct deveria sere ‘einen on sus vores €cncttoetadiionais (962 VID. Tans San Caer concebe a desconsrugio de um dear come o prone ue const ean mostrar som qu ele rina a fasta que sscres doessee) ’ li de subvertocomece pelo proprio star da tesa em completa posiio no qu antetormante eraser entendlds come ta Inistndo sobretitio na anpossbaicade de conceber qualquer Airing ete itera else Tarbém a este propia Fad de ‘Man € md ators maligna, au eda got las Ge desenvlve come alegatis ou construe de mods tires ‘So sempre totazantes erating stg patem dana do texto co i oo, ra parm mnt snes de cnt, A conoxpgie do txt cao ua foaiiaendoorpina, a qual poe ter onaerada como nt Regt do tonantisealemdo 6, come ‘conta net, um pivigir da ear que devert consi} {nulagho de qualquer espeidade doer emelago ao Hox fice listo sboita das onirs ete anboo" Tats no Kinder de res iencest deer com a ec coma dimehado erica da excita prosegundo com ese obec" areftea doestético camo ideobogia, na Perl de Man afta o aparecimento da tora numa posi de ruptura com a picas alerts son anor gue enbors eset ‘ese una cea concepuaizagio do fxémene iri, © hiam 1 pate de prindpios cma cltura © ieclgicos do que eco (Baan 0: A ruplrncocorse om aintodudo da teresa Bae fitca na metdinguages aogea dae op cs eal so Sesfze equiva cite eerénch cinta, ponte ina doria™ cauto da stnca da lingaagem em selgio fascice 2 lige tas afmagdes de atl de Man do to ao cada to leds 310 (Crise de fundamentos na teora da literatura de aceitar, pois a «introducao da terminologia linguistica na metalin- fguagem da literatura» nem sempre correspendeu, como em Jakobsor, eevestudo de uma gramética da organizasac verbal sem qua'quer Conexso reverencial, Para Sklovskij, 0s aspectos formais e semanticos Go texto postico eramn insepariveis de uma fungio cognitiva (cfr ‘Aguiar e Silva, 1981: 51). Para além disso, como 0 proprio De Man ‘suinala, até por Jakobson a lterariedade € «mai entendida», recebendo conotagdes estéticas através da associacio 20 cratlismo. A oposicao dda literariedade a estética nao é ura pressuposto inquestionével (por- ‘gue proveniente de uma ciéncia da linguagems presume-se) da teoria Ga literatura, como pretende De Man. No entanto, este antagor-smo Ga pedra angular que sustenta a sua teoria, segundo a qual Iuckdez ¢ ‘cegueira se combinars na leitura. Daf decorre nio s6 a necessiiade Ge cavazia: a literature de categorias estéticas e de deivar de a pensar fem termos de oposicio entre fecio e realidade, mas também aiden- tificagio da literatura com a auto-reflexividade, que encontramos cexpliita num dos textos que correspondem & fase final da sua obra ‘A literatura 6 fo milo porque recuse de algum modo reconecer @ swalidaden, mas perque nfo € piov certo que a linguagem funcione de tordo com oe prinapios que sd of, ou que sio camo 0, do undo fenomenal N30 pois cero rion que a iteatura sea uma font fidsigna de informagio acerca sea do cue For, sendo da sua propria inguagem (De Man, 19822 1D, ‘Uma das primeires dificuldades da leitura de De Man resulta da sua utilizagdo de palavras que funcionam como quase-conceitos mas {que nunca slo objecso de interrogagao ou explicacio. £ o caso, na Passagem anteriormente transcrita, da nogio de «mundo fenomenal>. 6 que se pressupoe na afirmagic de De Man € a existéncia de duas ‘cealidades independentes ~a inguagem eo mundo fenomenal~, pois 6 tratando-se de duas entidades ineependentes se pode falar do aeordo ‘ou ndo-acordo dos seus principios. Se considerarmos que o rundo fenomenal é uma constragéo da linguagem, a qual por sua vez supde 2 ‘existéncia de um exterior, isso impede que se coloque a relaglo entre Iinguagem e fenomenalidade em termos de acordo ou nio-acordo, assim como nao permite que nenhum desses dominis seja ‘onsiderado por si priprio. Rory chama a atengio para 0 facto de uma fal dualidade constituir uma marca das divergéncias entre De Man Derrida, pois para este é impossivel estabelecer aquela diviséo (cfs. Rorty, 19895: 116). pertinéncia desta observacto € amplamente confirmada pela concepgao antichusserlianz do signo em Derrida, ‘Segundo o qual «ndo ha portanto fenomenalidade que reduza 0 signo Teoria, epistemologia,ideologia 3n ou o zepresentante para debar enfim a coisa significada brilhar no tsplencor da sa presencas (1967: 722. No entanto, se atendermos & leitura de Rodolphe Gasché, que pretende compreender a nocio de «leitura fenomenal» em analogia com 2 nego kantiana de fenémeno, testa questao complici-se, nio deixando no entantode aparecer como determinante para a compreensio dos aspectos essenciais do descons- trucionismo demaniano. «Fenomendlidade para De Man denota aces- sibilidade aos sentides>, diz Casché (1889: 268), considerando-s asim como 0 resultado da experiéncia ¢, enquanto tal, constituida quer pelas catogorias esiticas de espagoce tempo, quer pelo conceptual. E or opos cio ao fenomenal assim concebido que st pode entao dizer que «uma leitura nio fenomenal é também necessariamente uma leitura néo cognitiva ou nao especular» (no refleniva) (op. cit: 264) A rnegagéo destas duns dimers6es supse que «uma leitura néo feno- menal se centra no que De Man designa por “o potencial autSnomo da linguagem’, naqulo que esté em primero plano na linguagem, e & prioritiria ao figural e ao logico, em resumo, a “lilrariedade’» (op 264).A leitura de De Mar permite-nos dizer que o priorititio na linguagem é a referéncia 2 que o designie de a atingir se prope em relagio a qualquer texto pasifis-lo, ou sep, bert do reterente que se sobreye ao priontéric. Enesse sentido que se orienta a descons- trugdo de De Man, como se 08 «uscs» da linguagem, as frases ou 0s textos, exgissem que deles se retirasse o temtico © 6 cognitivo para acederem & referéncia pure. Rorém, como isso nao é possivel, isto 6, como 0 cognitivo surge a cada nova leitura desconstrutora, 0 des- construcianismo de De Man nao pode serao resigrar-se a uma espé- Gie de reedigéo conjunta da suplicio de Tantalo e clo mito de Ssifo. A proposta de leituraantifenomenal nao dha assim de poder ser situada tm continuidade com a eencepeio da liteério que De Man desen- volve em «The Rhetoric of Temporality> (1968), onde a prioridade da diego alegorica sobre o simblico éapzesentada como 0 resultado de uma «renuncia hicida» aos «walores associados 20 culto do instante» (op. cit: 205). Contra a leiturastradicionais, que véem no romantismo 4 afirmagio naturalista do simbolo, De Man apresenta Rousseau como exeanplo de «redescoberta de uma tradicéo alegérica para além doanalogismo sensualiste do século XVill (id). Ora, 0 mado como le caracteriza essa redescoberta ¢ jo da negacto: «Esta redescoberta, longe de ser expontinea ¢ facil, implica em vez disso a desconti- nuuidade de uma rentncia, mesmo de um sacrifciow (bid.). A imagem do sacrifio, ou mesmo do aulo-sacrifici, desde sempre associeda 20s ‘tua de puriicagao, nao é aqui seperével da ela de um sujeito como rr 32 Crise de fundamentos na teora da literarara vontade, implicado na construgio do texto, cu seja, ainda, de uma ‘oncepefo que ope fenomenal e nao-fenomenal. Uma vez abando- hada esta, tanto 0 supito como a dimensio- temética do discarso apareceriam como seus efeitos: na Ietara, pretender renunciar aquelas dimensdes é t8o indtil e absurdo quanto essa rentincia é impossivel. ‘A mise-en-abime proposta na leitura nio-fenomenal nio é uma recusa dda representagio mas de todo ¢ dizer, de que o querer-dizer € apenas lum dos efeitos, indissocidvel da referéncia, ndo-subjectiva, que se constitui como vor da relagio de queo singular participa. "A recusa de uma concepcd de linguagem como imitaglo ou ‘adequagio a um exteriar ¢ incompavivel comas conclusées que De Man pretende dat relirar. De facto, eatendendo a equivaléncia estabelecida (ver a citagao anterio-mente dastacada) entre funcionar «de acordo com prinefpios que 82.08, ou que sic como 2s, do mundo fenomenal» fe ser «ima fonte fidedigna de informagao», € posstvel inferir que tendo & pois certo a priori que a literatura seja wma fonte fidedigna de informagio». Mas nada permite acrescentar, como faz De Man, «senao dda sua propria linguagem, pois, a0 colocar esta ressalva, ele esté a lpresentar a literatura como 0 ligar onde a linguagem procede a uma Teitura feromenal de si mesma. Assim, ao anti-essencialismo inicial, {que nao permite falar de uma «fontefidedigna de informagio», sucede- ea recuperagdo do essencialisuso em relagio com: a auto-referen- Cialidade da linguagem: esta é uma fonte fidedigna de informagiosobre si propria, Apesar de desconstruco ser incessante e desenvolver abime a possibilidade de qualquer determinagio, ela depende de um a priori: a auto-reflexivizade da linguagem no texto lterdrio. & elz que garante a cesconstrugio, mas 60 facto de ser imperteita que faz desta ‘um proceso infinito. awd ‘A concepgio de uma linguagem ‘otal, ou de uma metalinguegem ‘inica, embora imperfsta ~aquela que permite afirmar «A resisténcia 2 teoria é uma resistencia & utllizagéo da inguagem sobre a lingua- igen» (De Man, 1982«: 12) ~ parte necessariamente da concepgio da Tinguagem como um mecanisimo independente das formas de vida, isto é, independente da equivaléncia entre as regras de um jozo de Tinguagem e o seu uso, a partirda qual nenhuma informagio pode ser considerada neutra, isto é epistemologicamente fundamentada Com tefeito, & aquela equivaléncia que permite a existéncia de regras, ou a possibilidade de repsticio, e ao mesmo tempo faz com que cada Inscrigio sejatinica de cada vez que ¢ lida. A negagio que Witlgens- tein empreende da possibilidade de uma metalinguagem como verdade dda linguagem néo é azenas a negagio de uma auto-eflexividade total, Teoria, epstemologi, ieologia BS sem resto, éa afirmacio de uma necessidade de ter em conta aquilo {que poe em causa a auto-reflexividade e que é da ordem do acante. cimento, através da expecimentacio, co ensaio. Idéntica proposta se retira da nogio de différr-ce, em Derrida, a qual confere a0 movie mento do diferir, coastitutive da escrita, 0 valor néo s6 de um jogo sincrOniao de diferencas, mas de uma inscrigio do outro, o tempo, alteridade enquanto alterayao do proprio jogo ou sistema da lingua- ‘gem, que por isso mesmo nunca pede ser intelramente presente a si ppréprio, tornando impensavel a hipévese de uma oposicio entre a linguagem ¢ um exterior que seria da ordem do fenomenl. B que a arquiescr'a, movimento da difénmce, arqu‘-slntese iredu- tive sbrindo ao mesmo tempo, através de una dnin mesma possbl- dade, a temporalisagio, a relagio 20 ouzo e a lirguagem, nio pode, ‘enquanto condicio de qualquer sistema linguistic, fazer parte do proprio Sefer ings suas com cect no se campo Der, 167 Partindo da afirmagio derrideana de que nio existe algo como uuma presenca plena assinalando uma origem da linguagem, pois apenas eviste um originar-se como arqui-cscrita, marca de uma outra ‘marca, infinitamente, os principais t26ricos desconstrucionistas acet- ‘uam essa vertente anti-logoctntrica dando-lhe a dimensio de uma revelacio ou de uma afirmagio absolutamente original, esquecendo |que o préorio Derrida refere Peirce dizendlo que wele vai muito lange na direcgio do que nés chammos (.) a desconstrugio do significado transcendental, 0 qual, mum momento ou outro, poria um termo tranquilizante ao reenvio de signo a signo» (19672: 71). O apresentar-se como nova a concepgio de que os conceitos no podem substituir-se 4s coisas exasperou certos cr-tcns da desconstrugio, como Gerald Graff, que se referiu a isso num comentario a Culler: «Se nunca supusemos «essa pretensio dos conceitos, deveriamos achar que so 08 descons- trucionistas que promovem a sonfusio, perpetuando superstighes de modo a justficar essa campanha contra elas» (1981:316). Embora esta explicagac das causas da insiséncia desconstrucionista possa riio ser aceitavel, ela nao deixa ce evidenciar que é difidl encontrar uma justificagao para tal. Sobretudo se se tiver em conta que em textos recentes oantilogocentrismo aparece como a condige a partir da qual a teoria literria se erige em czitica da ideologia. De facto, se a nozao de aitica é uma das nogies-chave de um sistema que parte do acesso & presenga como garante da possibilidade de decisio > exclusdo, torna- se dificilmente aceitavel o luger que assim Ihe é concebido. 314 Crise de fundamentos na teria da Uiteratura ‘Quando Paul de Man define idcologia como «a confusto da reabdade hnguistica som a Telicade natural, da referencia com 0 fenomenalsmior (19811), ele esis defini aideolegia como crenga num significado transcendental, crenca que € 9 fundamento da hipo- {tae lopoctntrica ou metafisica da existenia de um termo finel no jogo da sigafiensio. No entanto, a sia defirigso participa daguis que pcre tecusar, pois 66 existe soontusdon da realidade lingustica€ Ei fenomenal quando se supde a separacio de ambes. Que se consi- dere cara separagio para avtentr anular numa relagio de trarspa- Sehcin h qual se podchasnar contacto, al nay difere muito, nem no fundamertal, do considera para afirmar a auséncia de medida Comm a mibas as realkdades. O que se mantém éapossibilidade de tama presenga asi ds linguageme aquilo que, em iermos de econ- union, € considerado como intuigho enconfra un equivalente que se dlesigna, em termos ds autonomia, como autoconhecimento, ow sto ‘eed enborase ama a ea inert, asim, a defnici {Be deologin proposta por Paul de Man ma inersio do citcado que Derfeitamente solidinia dele. A grande questo esta em que De Man Emite a posiblidace de consceraralinguagem como um objeto de eatado a linguist, ou da Herarisdade,radicalmenteseparada dos Scus uses, ou, por outta palavas, De Man pressupce a possbiklade de distingur entre um ponto de vista de linguista eum porto de (fita do felante dstingae que Benveniste estabelece nestestermos Para ofan una completneqlvalénci ent inguager =a dude’ © sgn cobeecomanca a reibade; melts, ce € eo read SEES. posme te vie do lane e 0d guia so to diferentes Dictepstd qu s scrindolinguta da birriedade das design ‘Sao efitao sent contra do fates (1956: 3, Baseando a sua éefnici de idelogia na existencia de ume «rca Iidade lingulstica» ede uma srealidade natiral, bem como na possi bilidade de as distinuir, De Man aproxima-se das concepedes que Assimilama ideologa a iusio, ac ero, a fala representag Assim, 2 ideologia corresponde de certo modo ao lmaginsrio segundo @ {eipatigh lacaniana entre 0 Imagirario, 0 Simbélio e o Real. Essa tlstingho poe, no extanto, questoes 80 importantes como #8 que ‘esultm da inpossblidade de sair do Imagindrioe, portanto, de lhe ‘mur inites, de teocar ao sun frontirs. © Imagiaiio nto pede ser ‘bservado, em relagioa cle nto pode haver distancia razodvel. isso ue leva Roland Barthes num texto (1975: 38387) em que rflecte . A est, contrapoe Barthes tim out Spo de «distancay, roma «asta aznorosam,aguela em que 0 fas, cinio também fasco do excesso da rage Para De Man, aconfusio entre erealidade lingusticay¢ area dade narra €ineitavel, ow se, € ea propria natural, Sendo no entanto a teratrac ger ore se desi exe uso natura, pr ao) tesmo 0 gar da eric: da idcoepia, O naturals que preside 3 Terida ssingo eit arc presente na conclusi que De Man dela ‘etre Jesus exote sm vecagto natural da iteratura que ea de s¢ {por hs nara confusses do sens) comam (ose 8 ideoogi).O por em causa de ura idelogin naturals passa 2elo questionar da Propria nogio de Meologi e pela saa reformulaci fue, ebando- Rando o modelo cats, tional acini da ratureza, dee de a Considers coma efi nesirio dew deterninado mec, Una ideologa sera ent, comno ugere Gargon, algo que se apernta 2 um paraligma de velor gras a0 qual oshomeneshordam,julgame ‘vaiam a creunstincis da ua histria a sua vida» 198689), ‘Ao adicar a mportnci da tcia da iteratura na ten da io lo Pl de Man dence wasn ssl entans da rent numa retirica da germ das lingungens, que €aqucla queapenes pode admitir a exstenca de um hgar da verdad, devendo natural frente ceresponder’ forga ds verdad de uns o mado dos oxtrs: Seguese que, mais da que gualgeereutr mado de 'vestigu, inchuindo 1 economia, « linguistise da Iterariedade & uma jerramentaplerosa ¢ Indispensivel no dismasumar de aernes leone, em como tum factor ‘determinante na eeplicagdo da sua ocorréncia. Aqusles que cenfiram 2 Teoria litersria por nto prestaratengio a reiidade socal histrica Gato & ‘deoligia)estio apenas s armar o teu meo de verem as suas prOprias ‘mistileagoes expostas pela ferramenta que estio a tentar desscreitar (1982 1 itaices meus) A capacidade desmascaradora stribuldla 3 teoria apresenta-se, na passager,acima transcrita, em moldes que permitem a sua incluso na tradigao de uma «critica da cultura» que denurcia a men‘ira da cultura, cua cultura como ideologia, O problema deste tipo de atitude esmistificadora € que, como diz Adorno em «O bebé com a gua do banho», frag. 22 de Minima Moralia, ucla tem uma propensio suspeita para se tomar ela propria ideologia, tal como teda a vituperagio contra a mentira» ‘Um especto bastante curioso a observar no medo como De Man {az o elogio dos poderes desmascaradoresda slinguistica da literarie- eee si6 Crise de fundamentos na teori da literatura colors no liga de corando de todo 0 a unificagio de um dominio supremo do saber. i A literatura: aiterasra estécondenad l reference figurado (1979: 195), dader, €0 seu mimetiemo em relagioa um dissurso cu. um estilo que facilmente reconhecerws como o daqueles que sio visados no seu ataque. Esse mimetismo torna-se mais significativo quando se repara ueo que ele denuncia nos outros (os «que censurama teoria litergria or nao prestaratengio a realidade social ehistorica») € a denegacio: Gles afirmam uma coisa porque t#m medo de ver 0 seu contrério realizar-se. Se admitirmos entlo quea imagem que De Man constréi dos Visados € de alguém que pretende prestar uma atengio central & ideologia, verificaremas que o léxico que De Man utiliza é de idéntica provenionda (repare-se nas expressots, sublirhatlas por ele préprio, Rferramenta poderosa-, «desmascarar de abersagdes ideol6gicas»). O {que se torna Gbvio é aalterndnca de papéis no interior de um mesmo ‘Paradigma, que pode apresentar varios rostos mas se caracteriza, no Fandamental, por ser dominaco por uma vontade de subordinar a pluralidade dos modos de existéncia a uma instancia suprema, des- nascaradora. Pretende-se que a lingufstica da literariedade va omupar © lugar da economia Gsto é, da economia poittca) que © marxsmo ppensamento, ‘modo a sutura da filosofia& politia (cf. Badiow, 1989: 41-47). poe sequer por uma vez em questo a necessidade e possibilidade de i Colocar o piural dos mados de relagSes, que constituem a existénciz, ob ‘Nana dos meds oo saber sob o domino da anti lin | guistce nace carat eerida por De Man como condi para aa alee olen que asin obra fnlmente« un fundanen- se entife ou tic, aquca que decore do -contolo de um | ees ede um apersto conceptual, como diz em entrevista a i Stefano Rosso (19840; 121). Parece assim accmpanhar clarameate 0 \| mecfong Reco po ual Altiaser eno tare maps para | SHE da Alona citnciay Gadiou, 189: 4858 que | ot ian acnaéa inguin ent nda erat, e por is ele PortmndleAlinuaeer,sropendo cm defini uma suture a flsofia Lange de ser um recalamento do poli, como oretende Altwussr, ‘sero modo de iscurso polio por excdencia, } ‘A elagio deste dicurso com prazs poltica nto pode ser descita em {eemos psicoldgicor ou poicoingnisicos; devemos artes descrevéay no Interior do mestelo eric, a partir da selago ene os campos semanticos Nao deixa de ser estranho que uma tal pretensio a considerar um ‘tipo de anilise (0 linguisico) como condiglo do outro (o politico, bem Teoria, epistemelogia, deologia 317 a rr—eeF—e™e——CC. lapareca como o culminar de um percurvo em teoria teria’ como fois lr copie nen cvs abba se hr lingofstca para questbes que so, ma realidade, fe natureca polca t deolgian bul). Com propia de pase da andliaeinpton eee rr,rrr—“—“—i—CC neste ao tals copesicanente inguin ov log. Eom scant tutes a ponies deponar o aontemento, aves davoneey Sinlizaglo que respnde tosses do aontecmento mamn tua Se essrrrr—drd —LhLrhrhrrr—“——r—— ikegmd al come peso gus tm deserlidos Fes tm de serdos oer: peepee rare Se Mao) 56 uma mance aba ues Pula ses elds qe sta fmm progres centiamente r,s re _— ‘Pretender que a eis cto inguin (necesaramente no craig, como ogere Monty 909125) u eat alheanento de Tle onto “omeende sum evr eras Se ate Fomintio que atibu a itafura um lgar ersercl na Nerrg dn socledade Nest tina Mpdtese eaamos pernte onda eesti ¢ exemple da dorado divine’ | oti conertin em eden Sic anale linguist, € spore a matiedre a poli, Gon tien epee appre pee epee Aielemriapion Sina eran consi lo tn desman any een —r”—“(i—i—™——Cstt Flor, como em estabelecer a distinglo ene uma reticn cognitva © tery aa al gsc conga ea rc Deano Hocico Apenas um medids om qu fee analoe rica, ou angie erapbui, fal pao De Man a cbs aingungem oparecs es (Geaber yeaa se dings do tber pc, por exemple ean rl re i |. f. inevivaente coun! prmnpestoe 1 tm hornons se ta 318 Crise de fundamentos na teria da literatura 2) a distinglo entre ¢ verdadero e 0 falso ccmo se estes correspon- ‘dessem a certo e errazo, os quais se definem numa celacao de oposi- tio e aperas face a uma necessiciade prévia ou fundamento, mesmo {que este se identifique com a desconstrugio, como quando se diz. que ‘ea desconstrucio (..) € coextensiva 2 todo 0 uso da linguagem e esse tuso € compulsive» iDe Man, 1979x: 160); 3) a ideia de evolucéo ‘mecinica, em que a Histéria é o resultado da sublimagao do contin- gente no universal. Ao conjunto de pressupostos atrés enundados, {que anulam qualquer possibilidage de conceber a teoria como relag3o om o singular o com a invengzo, acrescen‘a De Mant wt silisio radical, importante ra medida em que entra em contradigio com @ sua vontade de desmistificagdo e mostra a impossibilidade desta. Ao concluir que nio existe leitura correcta de um texto devido & dis- jungio retsrica que o constitui, De Man esti 2 admitir a existéncia de luma forca contra a qual a leitura como anilise crtico-linguistica nto tem nenham poder critico ou terapéutico, 0 que é a negagio dos propésitos da andlise e da critica. A leitura entendida como estabili- zagio, na alegoria, da disjungio retrica zarece corresponder a um ‘completo afastamente das nogtes de verdade e de erso, pois €a sporia {que entfo aparece como necessiria. No entanto, do facto de a aporia parecer como necessiria apenas se pode deduzir que nio existem IKituras correctas porque néo existe uma leitura final, Neste caso, afirmar a nao-correccio da leiture 6 colocar a leitura no paradigma da adequacio. Isto ¢, quando se entende a leitura como um movi- ‘mento idéntico ao dé schlegeliana sironia da ironia» (De Man, 1969: 221), que de abismo em abismo s2 desloca pera a origem inatingivel, entdo a negatividade absoluta implica a colocagio de um horizante de verdade, embora um horizonte definitivamerte perdido e que «penas se apresenta como auséncia ra alusio, Esta, que Kierkegaard (1841) considerou constitutiva da izonia, aparece sobretudo através da refe- rencia ao fragmenta, o qual 36 faz sentido em relacao a totalidade, {que um sentimento ncstélgico tora presente na sua auséncia, Romano [Luperini chama a atengéo para nillismo de Ce Man, o qual niozeside zna sua pretensio de tornar explicita uma auséncia de fundamentos, ras sim no facto de esta ser inseparavel de denegacio que reintroduz © seu conixario, Assinala assim na cbra de De Man a importarcia da stotalidace que ele se empenha em desconstruir com um zelo que, vendo bem, a pressupde e que sendo assim é proporcional A inten- sidade da nostalgia que continua a experimentar» (Luperini, 1987). ‘Uma das questdes que a leitura de De Man nos coloca resulta da contradicio que a leva a pretender orientar-se nc sentido de uma Teoria, epstemo'og:a, leologin 319 andlise ede uma erica da idzologi. E que, se emmuitos aspectos as suas leiturase a sua teoriaagio da lelture vo conta o essencalismo a0 recusarem uma conceagao do funconsmento da linguagem como adequacio,o proprio uso 1a palavra dolpiarentrochz um paradigm tssencalsta que admite a posibiliade de narrativas tlaizanies (a ‘ideologi>)erréneas face & verdade da realidade lnguisticn. A orien- tagio da eitura para uma critca daideologa dest as possblidades abertas pela afirmagio nio-logocéntrica, nomeadamente aqua que consiste em pensar a cise das ideologins como crise dos modelos totalisantes da acionaidadeocidental Ou see, estamos perente um processo de estabilizagdo da crise como crise: 0 por em evidencia ‘ilusio»referencal sem se deslocar em relagio a esa slusto» a teoria iio a6 nio concorre para. a abertura de novos modoe do discuso, ou novos jogos de linguager, como no admite tal posibilidad, isto condenase a eterna zepebcio de uma condenagio a metafsice, Como se todo o pensameniofosse noldado em sistemas de opostos, ji nto Sulficientemente poderoses para ultapassaro particular n wniversal, ras o suficente para anlar inexoravelmentea singularidade plural @ imprevisivel do que € contingents: a mulipliidade iredurvel de tum texte, na sua uridade de composicio, convese-se na disjunsio entre gramaticaeretrica, Enquanto a multipicidede pressuposta na tnidade do texto permite gerar no indeciivel a decisto do sentido, a disjungioestabiliza oindeeiivel na apori,colocando assim a post bilidade de decisio somo consstindo na escolha entre dois campos co paradigmas opostos previamente hierarquizados. Tratase de a limitar ao que € da orden de sujeilo ou da conscitnca, rasuando a possibilidade de a pensar como aconteximento,indssocsvel Fortanto da construgio em que se d enquanto série de metamorfoses. a necessidede de sujeico a um sistema de oposigdes que esta implicita tm afirmacoes coma: «o ‘Topo mao é uma forma de linguagest deri- vada, marginal ow aberrant mas oparadiga Hingutico por exeléncia» {De Man, 1979s: 138). Os adjectivondertado,marginat © aberrante 6 fazem pleno sentido, come pretend ser 0 caso, integrados num ister metaisc) no qual selhes ape o terme hisrarquicamente superior da dicotomis: original, centr, normal. Também s6 assim se compreen- deria a defnigho de umn «paradigna lingutico por excelincia Anda deste ponto de vist, € sgniiativo que os voctbulos abcrente ou aberraiosejam mite frequentemente atiizados per De Man. O aber- rante apenas funciona como aquilo que deve ser desmisificato face ‘rum parndigma da normaidade, oqual ¢ineapazde reconhecer nos limites da regra a zona anormal, sberrante ou monstruosa que é a da 320 (Crise de fandarrentos a teoria€a literatura antecipagio do futuro, a da metamorfose qu rompe os limites do feconhecivel. O futuro absoluto, como diz Derrida, ndo & da ordem do garantido nem do calculével. Por isso: «O futuro absoluto nto se pode anunciar sendo sob a especie de monstruosidade, para além de todas as formas ou normas aatecipiveis, para além dos géneros» (19860: 102). 0 que nfo é normal, pela sua inaceitabilidade, escapa & dialéctica da revelagio /ocultagio. E a perturbacio dos enuncados pelas visblidades, e viewers, a confisto das vozes, ou Babel orginal fos sentidos edo sentido (fr. Foucault, 1969: 202) [Em Paul de Man, a vontade de desmistficacao prende-seinediae tamente a uma oposigio cerrada a tudo o que de algum modo possa aparecer associado & intuicio, Trata-se de repetir 0 gesto kantiano de condenacio da Verstinmmug, o qual vai contra qualquer pretensio de aceder a um conhedmento prético a pertir do sentimento (cfr. Derrida, 1982). Para Kant, pureza da voz da razio prética, ou lei moral, copdese em abvoluto & perturbasio das vozes que & uma consequéncia de pretender radicar 0 pensamento ra visio mistica ou em qualquer percepgio intuitiva. Fara os mistagogos, a intuiclo é a base de um Conhecimento em que a experiéacia se transcend no pressentimento e fem que o discurso é un modo de adivinhagac e aproximacio. E esse tipo de «conhecimentas, eo tom apocaliptico que Ihe € proprio, que Kant repudia considerando-o, como cz Derrida, westranho a eseéncia da voz». Como esclarece este autor, a palavra grega apokalupsis € a tradugio de palavras derivadss do verbo hebreu sila, com sianifi- cados sempre préximos dos de desocultago, revelacto, contemplagto. ‘A concenacso da mistagogia € entfo,acima de tudo, uma reces- sidade de depuragio da voz pela afirnagio de um pensamento abso- Iutamente separado da visio ou conteplagio. Perante a voz essencial, a da razio,o resto € lneratura, vozes patologices, delizantes. HA assim, no tom apocaliptico, ou mistagégico, uma perversic pottica de filo sofia, decorrente de wma Verstmmurg a. que seria necessério opor a tunicidade ou identidade da vor. F per repousar nesta oposigéo gue a esmistificacio ¢ a oposigio logocenttica por excelénca, fundando-se nna necessidade da «identidade a si de qualquer destinador ou des- tinatéro>. Perant esta, Derrida prope-se pensar a Vestimmung como ‘movimento de diferereiacSo das vozes que. tal como a difrance liga a possibilidade de sentido nao apenas a um jogo postivo de diferen- as, mas a um diferir que diferencia produzindo os diferentes: ‘A Yerstimmag, se doravante chimarmos sim 0 descrtilameato, a smudancs de tom como dirames 4 mudanga Je Wumor, a desorder ov 0 Aetro da destinagho (Bestnreng). ws também a poesbiidade de oda a ‘Teoria, epistemolegia ideologia oa cemissdo. A unidade de tom, sea houvesse, seria ceriamente a garania da destinagao mas também azmoste, um outro apocalipue Derrida, op ct: 68). Quanio ao tom, Derrida esclarce em seguida que adevemos oder dsingui-l de ode o conteido discrsivo articuladon 6 que Sanifca que cle € algo que obedece a uma login da suplemon: taidade: erescentase ao dscurso, mas €imprescndvel ao dicurs, revelandonele a falta do ques afr con suprimente-suplerent, Assim, se 0 tom e ¢ dlsursy nao concider mas exist ulna Trlacdo de iterferécia mau, ao seré 20 entanto poste! lols Ins ducars apenasse de no desvic den, oa devin de signcados enquanto por stm vero tom ninea se ideica A expresseo pura de tima presena, mas participa jada abertara de sentido. Ese fom, que S=imprime na afiemacio, encadeamentoe ressondia das palavias€ das reves curtoriraata tanto qualquer tse que postule wna dimen: So primordial da linguagean serio as figuras, quanto a inversa, cue pretende identfilo com uma dimenstelopca e topoliyca No fazer (edesfaze) das imagens hao outro que a invade. Adm tro passa por ndo se sujet s uma homozenezasio da linguagem, (© que implin que a mptuce sj instaurada pelo ateurso, come um dos ses estos que mipica ss vores e abla visiblidade, dtcando {que insisa «pelo menos stra exteriorcade gesiculatoriamente Wivel no coragio do dicursor (Lyotard, 1971; 1 Esa viibilidade tende a ser eliminada em nome da traneparénea, sendo explo Ssniicaiv disso a siwengeo» da leturaslenciosa Por Santo, Ago> iho, que a0 subrar aos texto a dinrensto figural ou poeticn da entoaroexpressiva elt em erst sifonia com tcneidn minima «Altra mata, epirio vivfem. Como resistnca deptragio ou ecetsme importa pens oacon- tecimento, sem se resignar purtanae nllsteaments sua tmposs blidade. Sem lugar asnalve 9 acontainento 0 impossivel ull gue nfo depende nem de uma extaegia nem de una neveshlade Absolut, masse da de mode nio previo, no ogo de dferenan: ‘A sg no eet sentido, mes signin ea esas conjgai tambem a: Aio podem Ray Pls aera dest do Sipacnenze ov uss dein 6 dscns, o dost 0 do sje tm out ear, zal Epreso supose ee nos eben s"pemuyiulors Ge mode itera igve no slo dos due © es teepein como o gue peru Cyto cs 139, (O jogode diferencas que constituio figural distingue-se em abso- Juto de um sistema de diferencas do qual, em termos saussurianos, dependeria a significagio ra linguagem. Em sentido saussuriano, a

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