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Sobre a avaliação dos professores...

ou sobre um país em que


o S do poder do presente acaba por se assemelhar a um S de
poderes que julgávamos já passados!!!

5 de Junho de 2006

Ana Mendes da Silva


Professora na Escola Secundária da Amadora

Perguntem a qualquer professor digno desse nome se ele quer ser avaliado. E a resposta
é SIM! Claro que sim! Mas qual é o bom profissional que investe na carreira e que quer
ter o mesmo SUF automático num relatório para progressão na carreira que aquele que
vê o ensino como uma forma de ganhar dinheiro "para os alfinetes"? Qual é o bom
profissional que investe muito do seu tempo e da sua energia para querer depois ser
"metido no mesmo saco" daquele que pouco ou nada faz??? Qual é o professor digno
desse nome que gosta de ganhar o mesmo (ou ainda menos, se estiver num escalão
inferior) do que aquele que é bem pior profissional do que ele?

Será este país tão estúpido e tão cegamente arrogante para achar que pode existir sem
professores? Será este país tão estúpido para achar que a forma de limpar o ensino dos
maus profissionais (que existem, claro que sim! E não contem comigo para ser
corporativista...) é atacar todos os professores, atribuir-lhes as causas de todos os males
da sociedade, desde os meninos que se drogam porque os professores faltam (ouvi isto
da boca do senhor Albino, da Confederação de Pais) até aos de falta de produtividade do
país? Será este país tão estúpido e tão arrogante que entenda poder não reconhecer as
horas que os professores dedicam a preparar as aulas, a pensar em como “agarrar”
aquele aluno que anda meio perdido, a telefonar vezes sem conta para os pais do outro
miúdo que anda completamente desorientado, a gastar dinheiro do seu bolso em
materiais de apoio, a levá-los a ver museus, teatros, exposições, conhecer coisas que
muitos pais, confortáveis nos seus fins de semana de centro comercial, não estão para
fazer? Já agora, para os que dizem que os professores só querem passear, pensem que o
podemos fazer com os nossos filhos e amigos, sem ter que passar 12 horas fora de
casa de um dia que, passado, na escola, seria de muitas menos e sem a responsabilidade
de tomar conta dos filhos dos outros. Será este país tão estúpido e tão arrogante que
esqueça que são os professores, como é, obviamente, sua função e responsabilidade, a
dar a todos os alunos o melhor das ferramentas de que dispõem, sejam elas científicas,
intelectuais, sociais, de cidadania e de tudo o mais que possam imaginar e entender
necessárias?

Será este país tão estúpido e tão cegamente arrogante que não perceba que sem os
professores que tentam tirar os miúdos do miserabilismo intelectual em que muitos
vivem (independentemente da classe social) teremos cada vez mais uma escola de
pobrezinhos onde, para não haver insucesso, devo partir daquilo que "a criança" é e
sabe, descer ao encontro dos seus interesses, por causa do insucesso, etc, etc,etc...
(como isto dá jeito aos donos dos colégios...)? Assim, ajudamos os pobrezinhos a
cumprirem o seu (pré)desígnio na vida... Será este país tão estúpido que não perceba
que sem os professores que se estão a borrifar para estes determinismos sociais e que
tanto trabalham, se for essa a vontade do aluno, para ser médico o filho do cozinheiro
como o deputado, teremos cada vez mais o país da elite, a quem tudo é possível, e o dos
outros, fechados e condenados ao atraso e a perpetuarem o meio onde tiveram o azar de
nascer?

Será este país de "professores de bancada" (pois, tal como no futebol, todos parecem
saber mais do que é ser professor do que nós, pelos vistos os mais incompetentes do
todos os profissionais deste país!) capaz de parar da gastar o tempo (tempo este em que
muitos se poderiam dedicar, digamos, a educar os próprios filhos, a ir à escola saber
deles, a dedicar-lhes tempo, sei lá...!) a fazer analogias entre as empresas privadas e os
professores? Será este país tão estúpido e tão cego que não veja, nas empresas, as
políticas de incentivo, os prémios de produtividade, os seminários de motivação, os
telemóveis de serviço, os computadores da empresa para trabalhar em casa e, sem ir ao
mais óbvio, os ordenados? Será este país tão estúpido que não entenda que os
professores são profissionais qualificados, não têm o 9º ano nem tão só o 12º? Portanto,
sejam pelos menos honestos (se não conseguirem ser inteligentes!) nas comparações.

Será este país tão estúpido e tão cegamente arrogante? Quantos de vós não devem muito
do que são a professores que tiveram? Ou os vossos filhos?

Será o meu país tão cego e tão arrogante???

Assim, perguntem a qualquer professor digno desse nome se ele que ser avaliado... E ele
responde-vos que SIM! O que não queremos mais é ser constantemente humilhados,
culpabilizados, achincalhados, denegridos, tratados sem a consideração, o respeito e a
inteligência que a minha profissão e o meu profissionalismo me concedem o direito de
exigir!

E, citando Almada Negreiros:

UMA GERAÇÃO, QUE CONSENTE DEIXAR-SE REPRESENTAR POR UM DANTAS


É UMA GERAÇÃO QUE NUNCA O FOI! É UM COIO D'INDIGENTES, D'INDIGNOS
E DE CEGOS! É UMA RÊSMA DE CHARLATÃES E DE VENDIDOS, E SÓ PODE
PARIR ABAIXO DE ZERO!

... cada geração tem o Dantas que merece! Mas também tem nas suas mãos o poder de o
reduzir à sua insignificância... Até porque do Dantas, o verdadeiro, o Júlio, não fora o
testemunho/desabafo do Almada Negreiros, e já se teria dissolvido na poeira dos
tempos...

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