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LUIZ COSTA LIMA E A CRITICA Os dois livros [Sociedade e discurso fic fingidor ¢ 0 censor] estendem e consolidam o argu- ‘mento formulado inicialmente por LCL em O con- .] 6 extrema- De fato, 1a convida-nos a reler o percurso da ratura a luz de uma perspectiva nova, que contt quase todo o saber acumulado sobre o assunto, Mas cm suas reinterpretagdes que encontramos a plena medida dos seus poderes, pois elas contestam o lu- gar prescrito na histéria para varios ticos e nos forgam a ler outra vez iniimeras obras. — Wiad Godzich, Université de Géntve ‘Costa Lima procura os excepci eventos do imagindrio nas dimens6es concretas de sua ocorré! cia histérica. Num momento em que a se couipletado, o texto de Costa Lima combi dircursos de maneira inesperada — e mesmo tinica. — Hans Ulrich Gumbrecht, prefacio a The Dark Side of Reason (trad. ingl. da fusdo dos volumes de Sociedade € discurso ficcional ¢ O fingidor e o censor) livro de Costa Lima se insere na tradig&io daque- les grandes estudos que fazem ver como a vida, por ser visivel, tem necessidade da ficcdio.” — K. Ludwig Peiffer, postacio a Die Kontrolle des Imagi (er _- ISBN 85-325-0 Copyright © 1991 by La Costa Lina ep ‘ANA MARIA DUARTE revitio PASSARO/ WENDELL SETUBAL WALTER VERISSIMO V8 G60 1 5 sna te Lima, Luiz Costa, 1937- Lima. — Rio de Janeiro: Roceo, 1991. ibtiografa (Citic iterisia. I Titolo, M Titulo: Dispersa demand I Dp - 801.95 91-0267 cDUu- 82.09 Les Pensando nos trépias:(ispersa demande I) Luiz Costa 1. Literatura - Hist © flea. 2. Andliselteréra, 3. A Dirce Cortes Riedel, mestra em mocidade ‘Antropofagia e Controle do Imaginirio 27 ‘em uma entidade primi sivel e indomavel que teimosamente teria sobrevividea séculos de it arqueologia 2 formada pela heranga dobranco, ANTROPOFAGIA E CONTROLE DO IMAGINARIO .identifieada apenas pelo modo como opera; ico, Em poueas palavras, a doutrinagio cristi e .do.o poder de resisténcia da soviedade colonial, {que se manifestaria na manutengio de nossa capacidade de devorare set alimentado pelos corpos e valores consumidos. ‘Considere-se por um instante a metifora da antropof: primeiro lugar, util ressaltar que, na antropofagia, 0 Em 1928, Oswald de Andrade, na condigéo de porta-voz. da van, "u Manifesto antropéfago. Reagindo contra. fraseado co eu caso poderia ser interpretado como imitagio da 1100 que poderiamos igo, sua condenago ao completo esquecimento representa avesso do que postula o Manifesto. Em segundo lugar, convém destacar que a antropofagia, tanto no sentido literal comono metaférico, nao recusaa existéncia do conflito, eno que puro ato de vinganga. A jgnificaria a crenga em um presente de um povo 10 se origina da busca de nna incorporagiio da alteridade. De acordo com as metas do ‘Manifesto, essa incorporagao agiria 20 mesmo tempo nes planos pessoal e social. Conforme enuncia seu iltimo fragmento: base uma quest ‘com a tradigao que herdamos. O problema era como alcan velmente,a questo ncontra sua melhor formulagéo na glosa tropical da frase shakespeariana ‘Tupi, oF not tupi that isthe question Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud — a realidade sem complexos, sem loucura, sem pprostituigdes e sem penitencidrias do matriarcado de Pindorama, Posso contudo me perguntar com« ‘sua resposta envolveria 0 reconheci De fato, 0 manifesto de 1928 & uma declaragio li sentido, assemelha-se a varios outros aparecidos nos anos 20 ¢ 30. contudo o Manifesto oswaldiano ao den« lo. A antropofagia é uma metéfora q sugerindo esse caminho at 1, se podria pensar que nossa coloni- ‘completa farsa, Contra os cate- 1.0 Manifesto declara que “ja tinhamos Y" e que mesmo antes da jcidade”. supor que o Manifesto regressiva. Mas quo que acreditasse ige parti indo mal-estar com a situagao politico- ia uma espécie de Jo. Oswald nao era a tal ponto dizia respeito a0 Brasil, esse mal- nia do que Oswald engenhosamente aqui desenvolver uma anslise detalhada do Brasil dos anos 20, a alguns tragos marcantes. Convem antes de tudo lembrar que a intensidade do mal-estar brasi- leiro e latino-americano de entéo nio poderia ser comparada com a do ceuropeu contemporineo. Conquantoissoseja evidente, a0 mesmo tempo agonico e paroxistico e se revela na passagem em que, em “L” Appren sorcier”, Bataille denuncia o carster da opinio publica nas democracias européias: Esta multidio exige com efeito que uma vida segura no dependa mais que do edleulo e da decisio apropriadas (Bataille, G.: 1938, 53) Eantepde 20 conformismo dominante um vitalismolimentado pelo isco iminente da morte e da paixao: “Mas esta vida “que se mede somente pela motte” escaps iqueles aque perdem o gosto de incendiar-e, como fazem os amantes © 6s jogadores, através de “as chamas da esperanga edo pavor”. O destino human quer © que © acasocaprichoso propée;o que a Antropofagia e Controle do Imaginstio 29 dificuldades da existéncia (i Tal énfase na morte, dentro do quadro de um vitalismo paroxistico, sociedade européia, mais precisamente a democracia burguesia! (© mito) seria fiegdo se 0 acordo que um povo manifesta na domou uma energia primitiva. Em suma, posso dizer que, enquanto a énfase de Bata i coneretizam o cubismo construtivo do Serafim e do Jodo Miramar. Chegado a este ponto da exposigao, parego escutar uma voz que inda- ga pelo significado das iiltimas frases. Seria ainda necessério, sus- surra ela, que alguém tomasse a palavra para nos declarar que texto da vanguarda européia era dessemelhante aos contexios ameticano ¢ brasil Sea comparagao que apresento restringir-se a estes dois pontos, por certo que perdemos nosso tempo. Presumo contudo que outro resultado 30 Pensando nos Tripicos 6 possivel. Para que o formule, é suficiente que continuemos a reflexio {que fora interrompida pela que, se enfatizasse apenas presentada” pela posigao de Bataille. Permite entender melhor por que aquele tipo de te ou evitado ou julgado desnecessario. E Sbvia descobrir que, sob o clic! que sucede se acei travava a evitada exp! Assim, para evitar seja a pressuposiao evolucionist seqiléncia paradoxal de sua adopao, parece necessiri renga manifesta entre o Manifesto com a percepgao da proxi ‘me indagando que tém em © vitalismo agénico de Bataille. 1um 0 canibalismo otimista de Oswald e Antropofagia e Controle do Imaginério 31 ‘Suspeito que esse fundo comum se origina da mesm: americana com os valores ocidentais, ‘que a descontinuidade era concebida. 32 Pensando nes Trépicos iruigo do mundo nio-branco primitivo senio que a transf lores do branco em um corpo nativo. Noutros termos, a entre 0 Manifesto antropéfago © nosso pr ‘sécio-histéricos exerceram um impacto de Refiro-me (a) a ex- perincia do Holocausto ¢(b) i onda de rei toriais que varreram 2 América Latina entre os anos 60.e 80. Umas poucas palavras sobre cada um. Parece um ato de estipida arrogincia ainda lembrar a unicidade da cexpetiéneia do Holocausto?. Chamo apenas a atengo para 0 fato de que Antropofagia e Controle do Imaginério 33 ‘essa unicidade nfo se-justifica em termos de estatistica. f ridfeulo, para no dizer repugnante, comparar nimero de mortos azo com perfeita assepsia. Candidatos & cémara de gas eram todos aqueles que a “ciéncia” determinara como pertencentes a ragas esptl- rias. O Holocausto era executado tio puramente efi- ciiente que os engajadas em seu aparat cupada frieza. (Lembremo-nos do questo é un womo.) Com 0 Holocausto, 0 Oci mado logos, de sua louvada razio. independente do de Lyotard em Le Différend, 6 aqui evidente a sua concordancia,) ‘Nao estou sugerindo que a razio deva ser repudiada ou posta de lado ou que deva ser confundida com um instrumento necessariamente ‘imperialista. Quero simplesmente dizer que se torna forg 34 Pensando nos Tripicos Nio insinuo que essa pressio tenha atuado de forma consciente; exatamente, ela foi mais poderosa porque nio o sabia. Usando uma argumentagao semelhante a exposta hd pouco, anoto que seria um contra-senso confiar a uma andlise estatistica a determinagao do lugar ocupado pela recente onda ditatorial latino-americana. Ousaria acrescentat que, de um estrito ponto de vista sdcio- diferenciar o fendmeno recente da praga usual, na entos. Entretanto, quem quer que tenha Vi ra — aqui singularizada porque foi a verdadeira iniciadora iéncia, logoexportada para os paises vizinhos — seri capaz de testemunhar sua macabra originalidade. O golpe de estado de 1964 fora concebido e exeeutado de acordo com o figurino habitual: a defesa da ordem, de nossas caras tradigdes ¢ a preservacdo de nossa firme alianga contra o perigo vermelho. Mas ja no inicio dos anos 70 essa 4s falas oficiais. Na vida cotidiana efetiva, a litiea empregava ¢ desenvolvia uma ago era acompanhada por uma, tecnologia “de ponta”, sua digamos, extrema limpeza. A despeito dos casos hoje publicamente conhecidos desadismo, ques passavam mesmo em centros “avangados” de investigaga ‘se tomara uma profissao, Sera ios ou outro qualquer profissional liberal, o torturador lavava as mics, tomava seu carro ¢ retornava a scu papel de pacifico pai de familia. Em suma, em ambos os casos, tanto no Holocausto como nas

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