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PENSAMENTO POLITICO FEDERALISNO E CENTRALIZAGAO NO INPERIO BRASILEIRO: HISTORIA E ARGUNENTO A coldnia portuguesa na América caracterizou-se, no que se refere A organizacao politica ¢ administrativa, por fraca presenca do poder metropolitano e por frouxa ligagio entre as varias regides que a compunham. Apesar desta tradi¢lo, 0 Pais independente, que surgiu em 1822, optou por um regime monarquico e por forte centralizagdo politica ¢ administra- tiva, Mas as forcas centrifugas nao foram abafadas ¢ voltaram com pleno vigor apés a Proclamagao da Reptiblica em 1889. A tensao entre as duas correntes opostas gerou durante o Império um rico debate sobre a relagio entre federalismo € centralizacao, de um lado, ¢ liberdade e¢ despotismo, de outro. O LEGADO COLONIAL E conhecida a experiéncia colonial portuguesa na América no que concerne ao problema da centralizacao. Pais pequeno, de reduzida populagio, ameagado as vezes em sua propria sobrevivéncia, Portugal teve grande dificuldade em manter e explorar 0 vasto mundo conquistado pela audacia de seus navegadores. Mesmo excluindo as conquistas africanas e asidticas, 0 mundo americano ja era excessivamente vasto para os recursos da metrépole. A guerra com os indios ¢ a defesa da colénia contra a ameaga de outras poténcias, sobre- tudo a Espanha, a Holanda e a Franga, eram tarefas custosas que deixavam poucos recursos para investir na exploragao dos novos territ6rios, pelo menos até a descoberta do ouro (0 final do século XVII. Por um perfodo de 60 anos (1580-1640), a autonomia da metrépole desapareceu sob o dominio espanhol. Du periodo, os holandeses ocuparam a parte mais rica da col6nia. Libertar-se da Espanha e expulsar os holan- deses foram tarefas adicionais que exauriram ainda mais a metropole. A sobrevivencia de Portugal, dai por diante, ficou dependendo da protegao inglesa, paga a partir do final do século XVII com a abundancia do ouro das minas gerais. Clara indicagdo do desequilibrio entre colénia ¢ metrpole foi © conselho de D. Luis da Cunha a D. Joio V em 1738 para que transferisse a sede da monarquia para o Rio de Janeiro, pois 14 haveria maior seguranga. A idéia ja fora levantada em 1580 € em 1660. Diante das limitagdes, Portugal teve que recorrer 3 inicia- tiva particular para defender, expandir e desenvolver a colonia A criagao das capitanias hereditérias em 1534 american: ria nao tinha outro sentido. Face ao perigo real de perder sua conquista, D. Jodo IIT (1521-1557) a dividiu em capitan hereditirias que foram entregues a fidalgos suficientemente ricos para que as pudessem defender e colonizar. O territrio da colénia, ainda mal conhecido, foi dividido do Amazona Sao Vicente em lotes retangulares que partiam d: linha ainda imaginaria de Tordesilhas, no interior. Em retorno, pelos servigos, os donatirios das capitanias recebiam ampla jurisdicao local que ia ao ponto de isenta-los da inspecio da Coroa. A colénia foi m transformada em um sistema que alguns chamaram de feudal, cada capitania correspon- dendo a um feudo, cada donatirio a um bario ligado ao rei por um pacto de lealdade € cooperagio. Poderiamos também dizer que o sistema se aproximava de uma federagio, se da expressio guardarmos apenas o aspecto de autonomia poli- tica das unidades componentes do todo. A tarefa de colonizagio revelou-se aci cidade da iniciativa privada. Muito drios arruinaram sua riqueza ganha muit s no comércio Indias Orientais, tentando desenvolver suas capitanias. Alguns nem tomaram posse dos lotes as dois tiveram éxito, os de Pernambuco, ao norte, ¢ de de minerais precioso so pau-brasil, cuja extragio dependia da problemitica cooperagio dos indios, © a cana-de-agticar, que exigia grandes investimentos em também da capa- 156 capital e mio-de-obra. Foi o éxito na producio de agicar que salvou as duas capitanias. A politica descentralizante foi em parte revertida, em 1549, pelo mesmo D. Joao III que criou o governo geral da coldnia, sediado na Bahia. As capitanias hereditarias nio foram imedia- tamente extintas, mas os donatarios perderam parte de seu poder exclusive. Por compra ou confisco, as capitanias foram aos poucos sendo recuperadas pela Coroa ou simplesmente extintas. Na metade do século XVIII, Pombal, 0 ministro centra- lizador de D. José 1 (1750-1777), acabou com todas elas. O recurso aos particulares continuou, no entanto, por outras maneiras. A expansao do territério e a busca de metais preciosos foram conseguidas gracas as entradas, grandes expedigdes organizadas por particulares com o incentivo da Coroa. As entradas eram feitas pelas bandeiras, verdadeiros exércitos particulares sob o dominio autocritico de um chefe. Algumas bandeiras contavam até 3 mil homens entre brancos, indios e escravos negros. Havia ainda recurso a particulares para a execugao de tarefas ptiblicas. A arrecadagio de impostos era freqiientemente contratada com particulares. Até mesmo nas Minas Gerais, regiao do ouro € dos diamantes, onde a presenca da Coroa se fazia presente com mais forca, a arreca dagio de dizimos e impostos de entrada era feita por contratos com particulares. As grandes dividas dos contratantes foram uma das causas da Inconfidéncia Mineira.! As fungdes adminis- trativas e judicidrias eram em boa parte exercidas pelos capi- taes-mores das milicias. Esses capities-mores eram de investi- dura real, mas seu poder vinha do fato de serem grandes proprietarios de terras, sesmeiros, que simplesmente camu- flavam com a capa do poder ptiblico o exercicio de um dominio privado. O poder local, ou municipal, estava nas mios dos capities e das cimaras também controladas pelos “homens bons”, isto €, proprietérios rurais. Se a criagiio de um governo cent significou o fim do recurso aos particulares, também nao significou o abandono da idéia de divisio do territ6rio. Do século XVI ao XVII, a sofreu varias divisdes, em geral separando o norte as complexas relagdes entre © poder colonial € as elites econdmicas MAXWELL. A devassa da devassa, 1750-1808. 157 do sul. A divisio tipica foi a de Pombal, em 1751, separando 0 Estado do Brasil do Estado do Maranhio e Grio-Pari. Poste- riormente, o mesmo Pombal deu autonomia ao Maranhao, criando trés estados distintos. Dizia-se na época “ir do Maranhio ao Brasil”, O sistema de capitanias foi mantido, embora todas pa: m para a administragao real. Ao final do periodo colonial, em 1822, havia 18 capitanias, administradas por governadores nomeados por Lisboa. A hierarquia formal colocava o Rei no topo, em Lisboa, vindo a seguir o vice-rei, sediado no Rio de Janeiro, os governadores, ou capil “apitanias, os capities-mores, nas vila cram menos claras. O poder do vice-rei, é consenso na historio- grafia, limitava-se ao Rio e a algumas capitanias subalternas, como Rio Grande e Santa Catarina. As outras comunicavam-se diretamente com a Coroa. Muitos capities-mores também esca- pavam do controle dos governadores. Mesmo apés os esforgos racionalizadores de Pombal, a impressiio que dava a adminis- tragdo colonial era de confusio. A razio da confusio podia estar na mistura de cddigos legais e tradigdes juridicas (codigos Manuelino, portugués, e Filipino, espanhol; tradigdes romana e feudal). Mas também, com maior probabilidade, podia ser vitica politica. Se a fraqueza da metr6pole, nao the permitia manter uma burocracia proporcional ao tamanho da coldnia, também aconselhava evitar que autoridades coloniais se tornassem excessivamente poderosas. Dada a desigualdade de recursos, um vice-rei que tivesse nas miios 0 controle da coldnia se tornaria mais poderoso do que o préprio rei. Os conflitos de jurisdigio, o desentrosamento entre autoridades eram desejaveis politicamente, por mais que tivessem conse- qiiéncias negativas para a administragio. Sob o ponto de vista que aqui nos interessa, a heranga colonial pode ser resumida em trés pontos: a) um poder metropolitano fraco, incapaz de exercer admi- nistragao centralizada e que por isto recorria 4 cooperagao do poder privado e 4 descentralizagio politica e¢ administrativa; b) um poder privado forte mas oligarquico, centrado sobre- tudo na grande propriedade da terra ¢ na posse de escravos; c) uma coldnia que era um ajuntamento de capitanias frou- xamente unidas entre si para as quais o poder do vice-rei era pouco mais que nominal. 158 O botinico francés Saint-Hilaire, que viajou extensamente pela coldnia a época da independéncia, resumiu a situagio do seguinte modo: “Cada capitania tinha seu pequeno tesouro; elas mal se comunicavam entre si, muitas vezes ignoravam mesmo a existéncia umas das outras. Nido havia no Brasil centro comum — era um circulo imenso cujos raios convergi- am muito longe da circunferéncia.”? A SOLUCAO DA INDEPENDENCIA Quando as tropas francesas invadiram a peninsula ibérica, em 1807, Portugal e sua col6nia americana achavam-se em situagio peculiar, A metrépole nao tinha forgas para resistir 2 invasdo e para manter a col6nia; esta, por sua vez, ainda era escassamente povoada (em torno de 4 milhdes de habitantes), com a economia de exportagio estagnada, sem fortes lagos de unio entre as capitanias. O principe D. Joao e a corte portuguesa decidiram-se pelo mal menor: transferir-se para a coldnia, salvando-se assim, senio da ocupagio francesa, pelo menos do destino que coube a coroa espanhola. Cumpria-se, por forea das circunstincias, a velha idéia de estadistas portu- gueses, retomada agora por D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o conde de Linhares, ministro e conselheiro de D. Jodo. Com isto, preservou-se a dinastia e a integridade do reino. Como era de esperar, a solucao sé foi possivel gragas 4 acao protetora da Inglaterra que patrocinou toda a operagio de transferéncia. Enquanto isto, na colonia espanhola da América, a queda da dinastia provocava de inicio a incerteza e a desorientacio e logo depois o come¢o do processo de independéncia. Um pouco mais tarde, derrotado Napoleio e iniciado o movimento constitucionalista na metrépole pela revolta do Porto, em 1820, recolocou-se com urgéncia o problema do futuro do reino. Varias alternativas apresentavam-se como possiveis, desde a volta ao status quo ante colonial, até o desmembramento da colénia, para citar os dois extremos. O debate entre 1820 e 1822 foi intenso, inimeros panfletos foram publicados defendendo as alternativas em jogo. A 2 Citado em ALMEIDA PRADO. D. Jodo V1 e 0 inicio da classe dirigente do Brasil, p.134. 159 posigio predominante talvez tenha sido a de manutengio da uniao numa espécie de federagaio monarquica 4 maneira inglesa ou austriaca. A criagdo do Reino Unido de Portugal, Brasil ¢ Algarves, em 1815, ia nessa diregao. Os argumentos em favor da solugio unionista eram simples e diretos: nem Portugal nem Brasil, dizia-se, tinham condigio de sobreviver soberanamente sozinhos. Portugal, argumentava 0 autor anénimo de um dos panfletos, desde o final do século XVI era poténcia de segunda ordem, col6nia da Inglaterra, dependente da economia brasileira. O Brasil, por seu lado, prosseguia © mesmo autor, era pouco povoado, tinha populagio heterogénea, nao tinha unidade e patriotismo. Separados, Portugal poderia tornar-se provincia da Espanha, ¢ o Brasil correria 0 risco de reproduzir a experiéncia da colénia espa- nhola ou, o que seria desastroso, a experiéncia de Sio Domingos que ja custara mais de um milhio de mortos.5 Outro panfleto também defendia a uniado com argumentos semelhantes. Tanto Portugal como Brasil eram fracos demais para sobreviver sozinhos: “Um estado pequeno e fraco nto pode hoje existir nem moral nem fisicamente.” Separados, tornar-se-iam provincia ou colonia de grandes nagdes, pc Brasil nao é nada, ¢ Portugal coisa nenhuma”. Nao esquecia também de apontar os exemplos da colonia espanhola e de S40 Domingos como argumento dissuasério de um eventual desmembramento. O que se via naquela colénia eram massacres miituos de realistas e independentistas e desses dois grupos por negros, cabras ¢ mulatos; em S30 Domingos era o banho Do ponto de vista dos grupos que formavam a elite brasi- leira, havia trés alternativas aceitaveis. Por ordem de prefe- réncia, eram a uniao ou federacio monirquica, o desmem- bramento com monarquia e o desmembramento republicano, com ou sem federagao. A preferéncia pela uniao foi demons- trada de varias maneiras. Depois da chegada da Corte, em 3 Veja 0 texto andnimo REFLEXOES sobre a necessidade de promover a unido dos Estados de que consta o Reino Unido de Portugal, Brazil de Algarves nas quatro partes do mundo, em O debate politico no processo de Independéncta. * Veja MIRANDA. MemG6ria constitucional ¢ politica sobre 0 Estado presente de Portugal ¢ do Brasil 160 1808, apenas um movimento pregara a separacio, a revolta pernambucana de 1817. Mesmo depois do regresso de D. Jo20 VI a Portugal, em 1821, acreditava-se na possibilidade de uma solugao que nao implicasse o desmembramento. Todas as provincias elegeram seus deputados as Cortes de Lisboa, aceitando implicitamente a solugio unitdria. Foi a atitude das Cortes, buscando restabelecer a situagio colonial, que fez pender a balanga para a separagio. A maioria liberal das Cortes se contradizia: ao mesmo tempo em que combatia o absolutismo monarquico, insistia na politica colonial. Tal posi¢ao impedia uma alianga entre os liberais dos dois lados do Atlintico ¢ favorecia a solugio monarquica na colénia. Inviabilizada a solucao unitdria pelas Cortes, a segunda ternativa colocou-se como preferencial. O desmembramento com reptblica tinha adeptos, mas pouco convictos. Os exemplos da ex-coldnia espanhola e de S. Domingos exerciam poderos: influéncia, mesmo entre os republicanos. Havia um receio indisfargavel de que a reptblica levasse & fragmentagio do Pais, A guerra racial, ou a ambas. Em um Pais em que a escravidao era a base da economia e em que os escravos eram quase um tergo da populagio, tal receio era plenamente justificado. 0 “haitianismo", como se dizia A época, era um perigo cuja importancia nao pode ser esquecida. Um exemplo da percepgio de que a monarquia seria um fator central na manutengio da unidade e ordem esta no discurso de José Teixeira de Vasconcelos, pronuciado quando a delegacio da Cimara e da populagio do Rio de Janeiro solicitou ao principe D. Pedro que permanecesse no Brasil, desobedecendo as ordens das Cortes de Lisboa. Pedia-se ao principe que permanecesse como centro de unio das provincias € para evitar 0 “quadro de horrores da anarquia e dos desastrosos males que nos esperam, a exemplo da América Espanhola”$ itado em OLIVEIRA TORRES. A formagdo do federalismo no Brasil, p.92. Talvez o exemplo mais vivo da percepgio da monarquia como garantia da unidade do Pais seja 0 do General Abreu ¢ Lima. Filho de um padre Fuzilado em 1817 por participar da revolta contra a Coroa portuguesa, viveu anos no exilio € eventualmente integrou-se ao exército de Bolivar onde chegou ao posto de general. De regresso a0 Brasil, apds a abdicagio de D. Pedro 1, lutou pela manutengio da monarquia ¢ mesmo pela restauragio de D. Pedro 1, argumen- tando que 86 o prestigio da dinastia poderia livrar 0 Brasil da fragmentagio que atingira a parte espanhola da América e que ele conhecera de perto, 161 A solucio monfrquica nao foi usurpagio da soberania nacional, como argumentariam mais tarde os republicanos. Ela foi uma op¢ao consciente da elite brasileira da época, & qual nao faltou apoio popular. D. Pedro foi usado como instrumento do objetivo dessa elite, que era a unidade do Pais por intermédio da monarquia constitucional. A monarquia, acreditay: ia a Gnica mancira de evitar a fragmentaca do Pais e as guerras que assolavam os vizinhos, de evitar, portanto, também os riscos 4 ordem social escravocrata.’ Mas 0 ideal da unidade ia além da preocupagdo com a manutengio da escravidao. Tome-se, por exemplo, o caso da principal figura da luta da independéncia, José Bonifacio de Andrada e Silva. Not6rio inimigo da escravid’io mas, ao mesmo tempo, um tipico burocrata esclarecido, conhecedor das realidades da politica internacional da época, nao abria mao da idéia de criar na América um vasto ¢ poderoso império. Para conseguir este objetivo prioritario abria mao de suas convicgdes antiescravistas. Nao aceitou, por exemplo, a proposta inglesa de reconhecimento da Independéncia, em 1822, em troca da aboligio do trifico de escravos. Em sua percep¢io, provavelmente correta, o fim do trifico naquele momento poderia por em perigo a frigil unidade do novo Pa No entanto, nem tudo estava resolvido com a de proclamar a independéncia com monarquia. Restava 0 pro- blema do tipo de monarquia. Nao havia dvida na elite de que o regime devia ser constitucional, mas como organizar um governo nacional onde ele nunca existira? Como manter juntas as provincias que antes se vinculavam principalmente A Corte portuguesa? O ideal de unidade da elite esbarrava na realidade da auséncia de uma tradigao de governo central na e, Si © Uma das razoes que podem explicar a posigio da politica brasileira, ‘ou pelo menos de sua parcela mais influente, durante a primeira metade do século XIX, € a homogencidade de sua formagio ¢ de seu treinamento. Em contraste com as elites da parte espanhola da América, a elite brasileira era, em sua maioria, formada em Coimbra, pois nio havia universidades na colonia. Além disto, era formada na tradigao juridica do despotismo ilustrado € be parte dela possuia experiéncia administrativa em Portugal, no Brasil, ou nas partes africanas e asidticas do Império. Assim é que pessoas vindas das mais distantes partes do Pafs possufam uma visio politica semelhante, quando nao eram também amigos dos tempos de Coimbra. Paca um desenvolvimento deste argumento, veja CARVALHO. A construgdo da ordem. A elite pol imperial. 162 col6nia e na auséncia de fortes lagos de uniaio, econdmicos ou politicos, entre as antigas capitanias. © processo da independéncia revelara jé as dificuldades a serem enfrentadas. Ao regressar D. Joao, em 1821, muitas provincias elegeram juntas governativas que se mantiveram fiéis a Portugal e As Cortes. Todo o norte, o antigo Estado do Maranhio e do Grio-Para, a Bahia ¢ a Cisplatina recusavam obediéncia a D. Pedro. As Cortes incentivavam a fragmentag’io ordenando a comunica¢io direta das provincias ¢om Lisboa. O apoio a D, Pedro limitava-se inicialmente as provincias centrais do Rio de Janeiro, Sdo Paulo e Minas Gerais.? Mesmo apés a proclamagio da Independéncia, em 1822, tropas portu- guesas resistiram na Bahia e no Maranhio. Foi necessdria a contratagio de oficiais da marinha inglesa para promover a expulsio dessas tropas. O espirito de muitos dos deputados brasileiros enviados 4s Cortes, sobretudo daqueles que pertenciam elite treinada em Portugal, era localista. O Pe. Feij6, discursando nas Cortes, afirmou abertamente que as provincias estavam independentes entre si e que os deputados americanos nio representavam Id 0 Brasil, mas suas provincias de origem.® A dificuldade assumiu dimensées d iticas em 1824. O Impe- rador dissolvera a constituinte e submetera nova constituigio 4 apreciagdio das cimaras municipais. A provincia de Pemambuco, apoiada pelas do Ceara, Rio Grande do Norte, Paraiba e Alagoas, revoltou-se proclamando a Confederagiio do Equador, uma reptiblica separada do resto do Brasil. Os manifestos dos rebeldes diziam ter o imperador violado o pacto consti- tucional que fundava a uniao das provincias, estando ele, portanto, desfeito e desfeita a unido. Transparece dos docu- mentos da revolta uma reagao a medida absolutista da disso- lugao da constituinte € A nova constituigdo, mas também uma 7D. Pedro I homenageou as trés provincias dando a trés de suas filhas nomes que as lembravam: Janudria, para o Rio de Janeiro; Paula, para S10 Paulo; € Mariana, nome da cidade de Minas Gerais que era sede do bispado. *E sintomatico também que os conjurados de Minas Gerais, de 1789, quase todos possuidores de razoivel erudigio, quase nao se identificassem como brasileiros. Diziam-se mineiros ou americanos. Ao mencionarem a indepen- déncia de seu Pais tinham em vista a capitania de Minas Gerais. Vejam-se os depoimentos dos acusados nos Autos da Devassa da Inconfidéncta Mineira, 163 resisténcia ao governo centralizado no Ric de Janeiro que estaria conspirando contra a liberdade das provincias, sobre- tudo a de Pernambuco. Absolutismo e centralizagio aparecem como irmaos gémeos.? A Confederagio foi derrotada militarmente, ¢ alguns de seus lideres fuzilados. Mas 0 problema da organizacio do poder nacional permaneceu sem solugio. Tanto a constituigio outorgada como 0 projeto de constituigdo elaborado pelos constituintes eram centralistas, rejeitavam a federagao, mas a realidade continuava a gritar contra esta solucio que nao atendia as tradi¢des localistas da ex-colénia. UMA MONARQUIA FEDERAL? As reivindicagoes localistas retornaram com plena forga apés a abdicagio de Pedro I, em 1831. Agora a audacia dos reformistas era maior, pois o Pais conseguira manter a uni- dade e evitar a guerra civil generalizada. Por outro lado, D. Pedro II tinha apenas 5 anos de idade, e 0 governo estava a cargo de uma regéncia eleita com muito menor forca simbélica do que a figura real. As correntcs conflitantes manifestaram-se com maior nitidez: havia conservadores partidarios da volta de Pedro 1, monarquistas liberais e republicanos radicais. Mais do que em 1822, era agora 0 momento para escolher os caminhos da nagio. Em beneficio da brevidade, pode-se deixar de lado a corrente republicana. Ela estava presente, especialmente em algumas provincias, mas nao ocupava 0 centro do debate. O fato de ter sido uma crianga de 5 anos aclamada imperador, em praca publica, é um forte indicador da predominancia da tendéncia monarquica. O grande tema da €poca era a eliminagdo dos residuos absolutistas da Constituigdo e 0 reforgo dos aspectos federativos nela presentes. A luta tomou toda a década de 30. Os aspectos que mais interessam ao tema do federalismo sio os que a seguir se resumem. ° Na obra do principal tedrico do movimento, Frei Caneca, ao lado das influéncias te6ricas de Rousseau ¢ Locke, vibra o patriotismo pernambucano. Veja FREI CANECA. Ensaios politicos. 164 O ponto maximo do reformismo deu-se em 1831, quando a Cimara aprovou um projeto de reforma da Constituic sentido de criar-se uma monarquia federal e constitucional. Pelo lado federal, criavam-se assembléias provincia municipais, e estabelecia-se a divisto de rendas entre o governo central e as provincias. Pelo lado constitucional, extinguia-se 0 Conselho de Estado, 0 Poder Moderador, a vitaliciedade do Senado, os trés residuos absolutistas da Constituig’o e os principais baluartes da centralizagao poli- tica. O projeto criava uma auténtica federagio e uma quase ditadura da Camara, de vez que com a eliminagio do Poder Moderador ela nao poderia ser dissolvida O projeto nao foi aceito pelo Senado. Grandes debates ocuparam 0 Congresso e a imprensa. Se havia entre os refor- mistas entusiasmo pelo modelo norte-americano de federacio, havia também, sobretudo entre a elite educada em Coimbra, o grande receio de fragmentacao do Pais se as reformas fossem levadas longe demais. Chamou-se a atengao para o perigo de copiar instituigdes americanas, em particular o federalismo. Citou-se 0 México como exemplo de pais onde a copia das instituigdes dos Estados Unidos tinha dado maus resultados. O mal nao estava no federalismo em si, argiiiu um senador liberal, Bernardo Pereira de Vasconcelos, mas no “estado da civilizagao” no Brasil. Nos Estados Unidos, argiiiu ele, 0 povo lutava por seus direitos politicos, no Brasil havia multa para quem nao exercesse esses direitos. Diante de tal disparidade, como adotar as instituigdes daquele Pais? Como solugio de compromisso, chegou-se ao Ato Adicional de 1834 que adotou alguns elementos federais como as assembléias provinciais, a divisio de rendas e a eliminagdo do Conselho de Estado. Nao foram aceitos o fim da vitaliciedade do Senado, a extingio do Poder Moderador € a criagio de executivos municips O Ato Adicional, mesmo sendo versio moderada das reformas, deu origem ao que muitos chamaram de experiéncia republicana do Império. A afirmagao é pertinente, pois na menoridade do Imperador o regente seria eleito pelo voto popular. No que se refere a federacao, faltava apenas a eleigio dos presidentes de provincia para que o sistema se aproximasse do modelo americano. Conseqiiéncia ou nao da descentralizagao (o tema foi matéria de discussio entre liberais e conservadores), manifes- taram-se por todo o Pais as tendéncias centrifugas sob lide- rangas regionais que nao tinham compromisso forte com a 165 unidade nacional. Explodiram revoltas de norte a sul, algum delas verdadeiras guerras ci Em diferentes momentos, trés provincias proclamaram sua independéncia, uma no norte, 0 Para, outra no centro, a Bahia, outra no sul, 0 Rio Grande. Para, como Vi tinha sido durante a col6nia Estado separado do Brasil; Bahia tinha sido a primeira sede do governo geral; € Rio Grande, fronteiriga ao Uruguai ¢ Argentina, era muito influenciada pela tradi¢ao caudilhesca dos vizinhos. Esta Gltima provincia proclamou-se republica independente e por 10 anos (1835-1845) manteve-se em guerra contra o poder central. Houve cinco grandes revoltas apés a introdugao do Ato Adicional. Come¢aram todas como conflitos entre elites locais em disputa pelo poder provincial. Nas provincias em que era forte o dominio dos donos de terra, 0 conflito permaneceu sob o controle das elites. Tal foi o caso das revoltas de Paulo e Minas Gerais (1842) e Rio Grande. Onde tal dominio era precirio, e menor a presenga da escravidio, a luta escapou do controle da elite ¢ transformou-se em guerra popular. Foi 0 caso do Para, da cidade da Bahia e do Maranhio. No Para, a Cabanagem (1835-1840) assumiu proporcoes de guerrilha rural liderada por indios, camponeses e escravos negros. A violéncia foi extrema dos dois lados. Calcula-se que 30 mil pessoas tenham morrido, 20% da populagiio da provincia. A provincia foi declarada independente em 1836. Na Bahia, a Sabinada foi revolta das tropas e da populagio urbana. A capital foi tomada ¢ a independéncia da provincia proclamada em 1837. Ao todo morreram umas 1.700 pessoas. A Balaiada, no Maranhio (1838-1841), tornou-se também guerrilha popular de pequenos proprietarios, camponeses ¢ escravos. Os rebeldes chegaram a mobilizar 11 mil homens armados, mas em 18402 revolta tinha sido derrotada. No Rio Grande, a revolta teve conotagdes econdmicas. Os criadores de gado ¢ charqueadores buscavam melhores condi¢des de mercado para competir com seus pares da Argentina ¢ do Uruguai. A repiblica foi proclamada em 1836. Mas os rebeldes estavam divididos, pois havia também vantagens em manter a unido com o Império. Depois de luta prolongada, a paz foi assinada em 1845. Em 1842, j4 depois de reformado 0 Ato Adicional, revoltaram-se os ricos proprie- tarios de Sido Paulo, Minas Gerais e parte do Rio de Janeiro. Foram rapidamente derrotados pelo governo conservador que modificara as leis descentralizantes, ao custo de 180 mortos. 166 A experiéncia da Regéncia teve profundo impacto na elite politica. Os prdprios liberais que a tinham defendido assus- taram-se com os resultados. O mais tipico deles, Evaristo da Veiga, j4 via, em 1835, anarquia em todo o Império. O Brasil, segundo ele, corria o risco de mergulhar na instabilidade dos paises da antiga colénia espanhola e podia desmembrar-se. O regente Feij6, outro convicto liberal, achava, em 1836, que as instituigdes do Pais perigavam, que a provincia do Rio Grande ja se separara e que talvez Pernambuco também se separasse. A impressio de desintegracgio também ocorreu a um visitante francés, o conde de Suzannet, que esteve no Brasil entre 1842 e 1843. Segundo esse observador, a unidade do Brasil era apenas aparente, todas as provincias queriam a separacio, o sonho de todas era a reptiblica ao estilo norte-americano."” A reacgio nao demorou. Liderada por um antigo liberal, redator do projeto do Ato Adicional, Bernardo Pereira de Vasconcelos, ela comegou na Camara onde se formou o niicleo do futuro Partido Conservador. O regente liberal, Feijé, renunciou em 1837 e foi substituido por um conservador eleito pelo voto popular. A nova Cimara reformou as leis descentralizantes, reduziu o poder das assembléias e dos juizes de paz, criou uma justica e uma policia controladas pelo governo central. Em tentativa de parar as reformas, os liberais proclamaram a maioridade prematura do Imperador, em 1840. Mas os conser- vadores estavam de volta em 1841 e completaram 0 que se chamou de “regresso” com o restabelecimento do Conselho de Estado. Estava terminada a experiéncia republicana semifederal. O CENTRALISMO MONARQUICO E importante salientar a tentativa dos liberais de parar 0 Regresso promovendo a maioridade precoce do Imperador. Era recorrer 4 monarquia para interromper a centralizagao, uma contradi¢2o para o pensamento da época. O apoio a monarquia era quase geral. O regime mondrquico e, sobretudo, a pessoa do Imperador, embora uma crianga, comegaram a © Veja SUZANNET. O Brasil em 1845; semelhangas e diferencas apés um século, p.87. 167 ser vistos como tnica garantia da unidade e da ordem. A declarara sua independéncia em 1837 prometendo regres unidio apés a coroagiio de D. Pedro II; os rebeldes da Cabanagem e da Balaiada davam vivas ao Imperador; uma revolta anterior de camponeses em Pernambuco e Alagoas fora ainda mais radical: pedira a restauragdo de D. Pedro I. Ao sentimento popular aliara-se a conviccio politica da elite sobre o papel da monarquia. A revolta liberal de 1842 em Sio Paulo e Minas Gerais contra 0 Regresso em nenhum momento colocou em questio © regime politico. Quando os rebeldes foram anistiados € voltaram ao governo em 1844, a monarquia demonstrou a capacidade de cumprir outro papel central: servir de arbitro nos conflitos entre faccdes da elite. Manter a ordem social, inclusive a escravidao, manter a unidade do Pais, arbitrar os conflitos da elite, eis um conjunto de vantagens ao qual valia a pena sacrificar as demandas federalistas. Um fator econémico favoreceu @ opgio centralista. Na década de 1830, 0 café se tornou o principal produto de exportacio, ultrapassando 0 acticar e 0 algodio somados. O Pais tornou-se © maior produtor de café do mundo. Nesta primeira expansio do café, que inaugurou um novo ciclo econémico, a produgio concentrava-se na provincia do Rio de Janeiro. Quase todo 0 café era exportado pelo porto do Rio de Janeiro que arrecadava em torno de 55% da renda nacional das alfindegas. Esta renda, por sua vez, correspondia a 80% das receitas do governo central. Acentral politica na cidade do Rio de Janeiro coincidiu assim com grande concentragao da riqueza na provincia do Rio de Janeiro. Nao admira que os principais defensores do centralismo estivessem na burocracia central e entre os grandes cafeicultores e comerciantes da cidade e da provincia. Os setores vinculados ao comércio externo nas outras provincias 10. No lado oposto, com posi¢io mais favorivel & desconcentragio do poder, estavam pessoas ligadas As profissdes liberais urbanas € A agricultura de produgio para o mercado interno. Esses dois grupos constituiram a base dos partidos conservador e liberal, formados & época do Regresso, e que sobreviveram até © final do Império em 1889. Por volta de 1850, o Império atingira seu ponto de equilibrio sob © governo conservador. Em 1848, houvera uma dltima também eram fortes sustentadores da centrali; 168 revolta pedindo a federagio. Viera de Pernambuco, tradicional foco de reivindicagdes regionalistas. Fora derrotada no mesmo ano, ao custo de 815 mortos. Chegara-se a um acordo entre as elites sobre 0 governo mondrquico centralizado. Cumprira-se © objetivo dos politicos que tinham feito a independénc unidade ¢ ordem garantidas pela monarquia centralizad A centralizagao era politica e administrativa. Pelo lado poli- tico, manifestava-se no Poder Moderador, que podia nomear e demitir livremente seus ministros; no senado vitalicio; na nomeagio dos presidentes de provincia pelo governo central. Pelo lado administrativo, toda a justiga fora centralizada nas mios do ministro da Justiga. Este ministro nomeava e demitia, diretamente ou por meios indiretos, desde o ministro do Supremo Tribunal de Justiga até o guarda de prisio, em todo o territério nacional. O juiz de paz eleito, poderoso durante a Regéncia, perdera boa parte de suas fungdes em favor dos delegados de policia nomeados pelo ministro do Império. Cabia ainda ao ministro da Justiga nomear todos os coman- dantes ¢ oficiais da Guarda Nacional, principal érgio de manutengio da ordem piblica. Além de nomear os presi- dentes de provincia, o ministro do Império nomeava ainda os bispos € pirocos ¢ os delegados de policia que, por sua vez, indicavam os inspetores de quarteirio. A concentragio de poder no governo central pode ser avaliada pela distribuigio de funcionarios publicos entre os virios niveis de governo. Em 1877, 0 governo central empre- gava 69% dos funciondrios, restando 25% para os governos provinciais e 6% para os governos municipais. Boa parte da burocracia do governo central acumulava-se na capital do Pais e nas capitais provinciais, fazendo com que o visconde de Uruguai observasse que 0 governo tinha uma cabeca enorme mas nao tinha bragos e pernas, ou que se tratava de um corpo cuja circulagio nio chegava As extremidades." Outra expressio da centralizagio pode ser encontrada na distribuigio das receitas ptiblicas entre os trés niveis de governo. O Ato Adicional de 1834 fizera a discriminagio de rendas, mas a parte do ledo ficara com o governo central, " Sobre a centralizagio politica e administrativa do Império, veja CARVALHO. A construgdo da ordem. & elite politica imperial, especialmente 0 capitulo 6, 169 gracgas aos impostos de importagdo e exportagao. Numa economia voltada para fora e num estado de bragos curtos, era normal que a principal fonte de renda do governo vi do comércio externo. De fato, estes impostos correspond aproximadamente a 70% das rendas do governo central. O peso das receitas do comércio externo refletia-se na desigualdade de recursos entre o governo central € os governos provinciais municipais. Em 1885, ji quase ao final do Império, 0 governo central arrecadava 77% das rendas ptiblicas, ficando as provincias com 18% e os municipios com 5%. Em contraste, nos Estados Unidos, em 1902, as porcentagens eram, respectivamente, 37%, 11% e 52%."* ‘A reagio ao Ato Adicional fora excessiva, 0 Regresso conser- vador fora longe demais na tentativa de eliminar a turbulénci: dos potentados locais ¢ a instabilidade dos governos regenciais. Uma vez garantidos os objetivos centrais de unidade ¢ ordem, as antigas reivindicagdes de descentralizagio nao se fizeram esperar. A VOLTA DO FEDERALISMO © primeiro ataque foi desfechado contra 0 centralismo como despotismo. A partir da década de 60, liberais ¢ conser- vadores envolveram-se em grandes discussdes sobre 0 governo representativo. O ataque liberal dirigia-se sobretudo ao Poder Moderador que, segundo eles, falseava 0 governo parlamentar. O Imperador, pela Constituigio, podia indicar livremente os ministros, 0 que o dispensava de obedecer 2 maioria da Camara, instaurando 0 que os liberais chamavam de poder pessoal. Respondiam os conservadores que esta era a lei e que devido as fraudes eleitorais haveria ditadura de um partido se o Impe- rador no fosse livre em sua escolha. O poder pessoal era, nesta visio, essencial para manter o rodizio dos partidos no governo. No debate, 0 arsenal te6rico liberal vinha de autores ¢ da pritica inglesa. O conservador vinha de autores € da pratica franc: 10 administrativa. io das decisdes de Logo a seguir veio o ataque 3 centraliza O que se combatia aqui era a centrali: " Os dados estdo em CARVALHO. Teatro de sombras. A polit capitulo 1. imperial, 170 juntos provinciais e locais nas mios do poder central, era a indicagio dos presidentes de provincia pelo governo central, era a falta de autonomia desses presidentes, era o cerceamento das assembléias provinciais, era a falta de execu- tivos e de orgamentos municipais. O principal teérico da descentralizagao, Tavares Bastos, identificava federalismo com liberdade, centralismo com despotismo. A autonomia das provincias devia ser, segundo ele, a base do governo representativo. A equagao que estava por tris de seu argumento, era que “absolutismo, centralizacio, império sto expressdes s".8 O inverso era 6bvio, embora o autor nio se ¢ republicano: liberdade, federalismo, reptiblica sao expresses sinénimas. A fonte de inspiragio aqui era, confes- sadamente, O Federalista e a experiéncia norte-americana. A equagio apareceu abertamente no manifesto republicano de 1870. O manifesto ata o Poder Moderador e a centra- lizagio como fontes de despotismo e atribufa a centralizagao, A monarquia. A origem e a forga da centralizagao estaria no interesse mondrquico. A autonomia das provincias era colocada como ponto central, inclusive para garantir a unidade do Pafs “Centralizagio — desmembramento. Descentralizagio — unida- de.” Invertia-se a equagio anterior que colocava a centraliza go como condigio para a unidade do Pais. A posigiio republi- cana manteve-se coerente até o fim, com pequenas variagdes. A principal divergéncia entre os republicanos vinha dos po- sitivistas que punham énfase menor na federacao, ainda rece- ando que ela ameagasse a unidade do Pais. Os republicanos pau- listas, ao contrario, nao hesitavam em pregar abertamente a sepa- ragio, niio considerando como valor em si a manutengio da unidade do Pais." A posigio federalista tinha agora a ajuda de dois fatores. Um deles era o proprio éxito da Monarquia em manter a uni dade e a estabilidade politica do Pats, reduzindo assim o receio de uma nova experiéncia regencial. O outro era a mudan na geografia econdmica. O café continuava sendo o carro- chefe da economia nacional, mas boa parte de sua produgio TAVARES BASTOS. A provincia, p.21. “© manifesto republicano pode ser encontrado em BRASILIENSE. Os pro- gramas dos partidos ¢ 0 Segundo Império. & posicio «los paulistas foi expos jor clareza em SALES. A pdtria paulista. deslocara-se do Vale do Paraiba, no Rio de Janeiro, para o oeste paulista, onde ja comegava a ser utilizada mao-de-obra ivre proveniente da imigracao européia. So Paulo tornara-se a provincia mais rica ¢ mais dindmica, ¢ seus politicos apon- tavam a centralizagio como mecanismo de transferéncia de renda para outras provincias mais atrasadas. O poder politico nao coincidia mais com o poder econdmico. Ao final do Império, a percepgio da mudanga politica ¢ econémica levou alguns monarquistas a adotarem o federalismo sem renunciar ao principio monarquico. Dois deles se desta- caram, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa. Nabuco, o grande lider do movimento abolicionista, apresentou projeto em 1885, idéntico ao de 1831, pedindo uma federagio monarquica. Argumentou que federagio era parte da evolugio natural do Pais, interrompida pelo Regresso do final da década de 30. O tamanho do Pais, a diversidade de interesses exigiam administragio descentralizada. Presidentes escolhidos pelo governo central nado tinham conhecimento adequado das realidades locais, nem interesse em fazer boa administragio. Sem federagio também nao havia democracia real, pois nado havia autogoverno. A centralizagAo equivalia a uma situagao colonial. Em 1888, ja feita pela monarquia a aboligao, Nabuco voltou ao assunto, insistindo em sua urgéncia, pois j4 se formavam duas ou trés nagoes distintas, especialmente no sul. $6 a federagio, como. dizia o manifesto de 1870, podia preservar a unidade. Mas insistia agora, mais do que em 1885, em conservar a monarqui Federacao com reptiblica, argumentava, levaria ou a0 despotismo do governo central, ou ao desmembramento, como mostrava 0. exemplo da América hispinica. $6 os Estados Unidos tinham federacdo republicana s6lida, mas com guerra civil e crises sucess6rias como em 1876. No Brasil, cada eleigio presi- dencial seria ocasiao de graves perturbagdes. Uma federacio de reptiblicas sob a monarquia seria a melhor garantia de liberdade sem ameagar a unidade.!* Feita a aboligio em 1888, 0 grande tema politico que ocupava as elites era a federac4o. Outro politico liberal, Rui Barbosa, percebeu que a monarquia s6 poderia sobreviver ao descon- tentamento dos antigos donos de escravos e As pressdes de '5 Joaquim Nabuco expés suas idéias principalmente na tribuna da Camara, Veja seus Discursos parlamentares, p.395-430, 489-504, 172 Sao Paulo se adotasse a federagio. Durante o ano de 1889, desenvolveu intensa campanha na imprensa e dentro do Partido Liberal em favor da bandeira federal. Argumentava que o sepa- ratismo, especialmente em Sio Paulo, mas também em Pernam- buco, no Para, no Rio Grande, adquiria dindmica irresistivel. Nao era mais possivel conté-lo pela forca. A Gnica maneira de salvar a monarquia era fazer a federagio. Nao havia incompa- tibilidade entre governo local e monarquia, como provara a Inglaterra, nem entre federalismo e centralizagio politica, como mostrou Tocqueville a propésito dos Estados Unidos. Um més antes da Proclamagio da Reptblica, advertia: “Ou a monarquia faz a federagio, ou o federalismo faz a reptiblica.”"” O gabinete liberal propés medidas timidas de descentrali- zacao, hesitando diante da idéia de combinar monarquia e federacao ¢ vendo ainda, na tltima, um perigo a unidade do Pais. Tal timidez contribuiu para que fosse quase nula a reaglo das elites nacionais ao golpe militar que derrubou a monarquia a 15 de novembro de 1889. O principal politico a participar do novo governo foi Rui Barbosa. Foi ele também o redator do projeto de governo para a nova Constituigao. Sua posicio agora era de defesa da unido diante dos exageros estadualistas dos constituintes. Agora sim, O Federalista podia ser usado, ¢ o foi, em seu sentido préprio, isto é, nio como defesa da descentralizagio, mas como argumento a favor do governo da Unido, em defesa da centralizagio politica. Rui conservara da tradigao imperial a preocupagio com a unidade nacional. Seria a mais dolorosa das decepgdes, argumentou, se a repti- blica confirmasse a acusagio mondrquica de que seria causa de separatismo. A QUERELA DO FEDERALISMO Esta €, em resumo, a historia do federalismo, ou da auséncia de federalismo, até a Proclamagiio da Repiiblica em 1889. Nio tendo havido federalismo auténtico, nem mesmo durante da “A campanha federalista de Rui Barbosa foi feita na impre esto dispersos em suas Obras completas. Vejam-se, espe: tomos III, VI, VII, ¢ v.XVI, tomos I ¢ II. |. Os artigos ov.XVl, mente, 173, Regéncia, houve, no entanto, como conseqiiéncia da reagio a centralizagio, um rico debate sobre o tema, cujas ressoniincias ainda se fazem ouvir nos dias de hoje. Cabe, pois, nesta segio final, precisar melhor os termos do debate. Ao longo da exposigao, j4 foram dadas indicagdes de que o federalismo, embora tivesse base em uma realidade socio- légica que vinha desde a época colonial, foi formulado de maneiras distintas em momentos distintos por grupos distintos. Havia divergéncia, nem sempre explicitada, quanto ao contetido do conceito, isto é, quanto a sua relagao com outros conceitos como liberdade, self-government, democracia. Havia também divergéncia quanto & pedagogia politica, isto é, quanto papel das leis e dos costumes na evolugio dos povos. questées cuja relevaincia permanece atual. Um modo de ini 0 & tentar mapear as diver- géncias em torno das relagdes entre descentralizagio € liber- dade. O debate poderia ser ilustrado pela tabela que segue: Liberdade Centralizagio 174 A tabela indica as possiveis relagdes entre liberdade e centralizagio administrativa, no sentido tocquevilliano da palavra.”” A posigao tradicional dos liberais, desde a década de 1830, foi a de que liberdade exige descentralizacio, despo- tismo requer centralizagdo, portanto, somente sido coerentes as posigdes 1 ¢ 4 da tabela. Nesta postura, o poder central é visto sempre de maneira negativa, ele é inimigo das liber- dades civis, mata a iniciativa das localidades ¢ dos individuos, impede o desenvolvimento da pritica da cidadania. A receita para o Brasil imperial, portanto, seria representada pela traje- téria 1 + 4, O melhor representante deste ponto de vista foi Tavares Bastos, politico do Partido Liberal que nao chegou a viver o drama da década de 30 e péde assim defender uma postura liberal mais ortodoxa. Para os conservadores, a relagao era mais complicada. Falo, naturalmente, de conservadores preocupados com 0 problema da liberdade, daqueles que Victor Hugo chamava de liberais conservadores, a geragio que veio apés a Revolugio e a criticava sem a negar, como Tocqueville, Benjamin Constant, Guizot, Thiers. No Brasil, este grupo foi representado princi- palmente pelo visconde de Uruguai, politico € teérico do Par- tido Conservador, um dos principais engenheiros do Regresso ¢ depois seu critico. Para os conservadores puros, a questa0 nio se colocava, pois a liberdade nao era um valor que supe- rasse o valor da ordem e da unidade nacional. Para eles, a centralizagdo era a Unica op¢io aceitavel. Mesmo um refor- mista social como José Bonifacio no tinha dividas quanto a escala de valores: a liberdade era perigosa, a grandeza do Pais era um imperativo. Para conservadores liberais como Uruguai, a liberdade era ameagada niio sé pelo Estado como também pelos particulares. A experiéncia da Regéncia, segundo ele, tinha ensinado essa ligdo. O aumento do poder das assembléias provinciais tinha entre cent ‘A primeira diz internacionais, moeda, correios. A segunda tem a ver com os s ou locais. A centralizagio governamental, segundo ele, 1 indispensivel; a administrativa prejudicial ao desenvolvimento do espi- de cidade. Os Estados Unidos eram exemplo de grande centralizagio governamental e grande descentealizagio administrativa. Ver TOCQUEVILLE. De la démocratie en Amérique. Les grands themes, p.74. za¢lo governmental centralizagio espeito aos interesses gerais do Pais, como permitido o fortalecimento das facgdes locais, germe d: revoltas. Isto ameagava, é certo, a unidade do Pais, que ele prezava. Mas ameagava também a liberdade do cidadio. A itéria de uma facc’o local significava o fim da liberdade dos partidarios da outra, significava o reino do arbitrio, o fim do governo civilizado. A situagao era agravada pelo uso de outras inovagdes “americanas” da Regéncia, como o juiz de paz € o julgamento pelo jtiri. Mesmo na auséncia de conflitos abertos, a justiga eletiva € o julgamento por jurados no interior do Pais significavam a implantagio da impunidade. Como o juiz de paz era eleito, dependia dos potentados locais. Os jurados estavam na mesma condigao de dependéncia. © resul- tado era que nenhum poderoso era levado a julgamento. Quanto aos pobres, em geral tinham a protecgio de algum fazendeiro e também acabavam livres. Apenas para os pobres livres nao relacionados com os poderosos, « justica podia funcionar com alguma propriedade. Nestas circunstancias, e Uruguai documentou exten: mente o fato com base em sua experiéncia como presidente da provincia do Rio de Janeiro, o Estado também podia ser fator de garantia da liberdade contra 0 arbitrio particular. O poder distante era menos despotico do que o poder proximo. Nao s6 menos despético: podia ser um elemento de civilizagio, de garantia de direitos gragas a uma justiga independente dos potentados locais € gracas ao arbitramento pacifico das locais. Nas circunstine em todas as que a ela se assemelhavam, o Estado podia ser um pedagogo da liberdade ¢ no um assassino da liberdade como queriam os liberai Uruguai viajara pela Europa, sobretudo pela Franca e pela Inglaterra, ¢ estudara em livros sistema norte-americano. Tirara disto duas conclusdes. Do sistema centralizado francés deduzira que o Estado central no é impedimento as liberdades civis. O cidadao francés tinha seus direitos garantidos e tinh © beneficio dos servicos ptblicos. Do sistema norte-americano aprendera que as liberdades politicas s6 sao garantidas pelo self-government. Era a mesma observacao de Tocqueville que ele cita: “Um pais pode ter instituigdes livres, mas tiver 0 governo local no tera o espirito da liberdade."™ ™ Veja TOCQUEVILLE. De la démocratie en Amérique. Les grand themes, p.59; € VISCONDE DE URUGUAI. Ensaio sobre o direito administrativo, p.405. 176 Mas como desenvolver o self-government nas circunstancias brasileiras, onde a experiéncia mostrara que o poder local é arbitrério, onde nao havia espirito civico, onde a civilizacio a 4 Pergunta semelhante se introduzira o habito da liberdad fizera Tocqueville com relagao A Europa. Quando as comuna sio inertes, é possivel que o poder central as possa administrar melhor do que elas mesmas o fariam, mas neste caso teriamos stiditos e nao cidadios. Era o caso da Europa, onde o Estado era um estranho, mesmo quando eficiente, onde as pessoas se subme- tiam a lei mas a viam como inimiga. Como acordar tais comunas, como introduzir nelas 0 espirito da cidade? Tocqueville nao tinha resposta para a pergunta, embora preferisse o self-government, apesar de ser As vezes algo cadtico e pouco racional. O envol- vimento das pessoas no governo tinha vantagens politicas indiscutiveis, tornava-as cidadios, fortalecia o patriotismo. O self-government era também particularmente importante em sociedades democriticas (isto é, igualitarias), pois tais socie dades tendiam ao despotismo do poder central. Instituigdes provinciais locais tornavam-se uma barreira ao despotismo. Uruguai achava que o Estado podia exercer o papel de pedagogo da liberdade, de educador do povo para o autogo- verno, de instrumento de civilizagio. Voltando & tabela, a reccita que apresentava para a situagio brasileira podia ser apresentada do seguinte modo: 1 > 2 = 4, isto é, de uma posigio em que havia centralizagio sem liberdade a outra com centralizagio ¢ liberdade civil para finalmente chegar-se 20 ideal de descentralizagao e liberdade politica. Para o Brasil, significava isto corrigir os exageros do Regresso conservador que ele proprio ajudara a promover. Significava fazer ampla descentralizagio administrativa, entendida nao 4 maneira de Tocqueville, mas como ampliagio dos servicos do Estado para todo 0 Pais e outorga de autonomia de agao as agéncias lo de governo. Mantendo sua analogia, significava diminuir a cabega do governo ¢ espichar seus bracos € pernas. Com isto, acreditava, haveria garantia dos direitos civis e preparacio para o exercicio dos direitos politicos. A descentralizagio prema tura s6 poderia levar a oligarquizagio, ou seja, na tabela que vimos usando, ao percurso 1 3. O grande debate, dentro do campo monarquico, se deu entre Uruguai e Tavares Bastos. Havia entre eles uma diver- géncia quanto ao papel do Estado e quanto is estratégias de 177 wa Jo. Tavares Bastos, como ji ficou dito, desconfiav s6 do poder central como ameaga a liberdade. Todo 0 segredo estava em reduzir sua forga ¢ seu aleance. A chave da libe dade estava na autonomia local. Mais ainda: a liberdade deveria ser conseguida por intermédio da autonomia local. © estado central nao podia ser instrumento de liberdade, os poderes locais nao podiam ser inimigos da liberdade. Trat: va-se, entdo, de implantar imediatamente a descentralizagao, de seguir o exemplo dos Estados Unidos, ou, pelo menos, de voltar ao espirito da Regéncia e do Ato Adicional. Nada de Franga, os anglo- xdnicos é que deviam ser o modelo Como se vé, havia concordancia entre os dois pensadores quanto ao objetivo final, « liberdade politica alimentada pelo autogoverno local. Mas discordavam dos métodos e esta dis cordincia tinha a ver com o papel do Estado. Na tradigao da escola inglesa, sobretudo de Stuart Mill, os liberais acredit vam que 0 pedagogo da liberdade s6 podia ser a propria liberdade, s6 podia ser seu exercicio continuado. Ninguém poderia aprender a ser livre sendo governado por outro. Rui Barbosa retomou o mesmo raciocinio a0 final do Império respondendo ao argumento conservador que condicion: reformas 4 existéncia prévia de costumes. Este argumento, disse, foi sempre a arma dos retrégrados contra o progresso. Costumes siio importantes mas podem e devem ser mudados pela propaganda ¢ pelas leis. As reformas podem tornar- colas de costumes. Como se vé, tanto Uruguai como Tavares. Bastos € Rui Barbosa pediam a interferéncia do Estado, 0 primeiro para regular, os dois outros para desregular. Estes eram os termos do debate sobre as relagdes entre federalismo ¢ liberdade como expostos por seus melhores representantes, Cabe agora ir um pouco além dos aspectos Obvios da discussio. Defender a liberdade era uma atitude bem vista por todos, raros se atreveriam a combaté-la, Mas © perguntar se tudo se devia ao amor A liberdade. E vel admitir que o amor & liberdade fosse sincero entre os idedlogos das duas posigdes, mas € duvidoso que fosse assim também entre os seguidores dessas idéias, entre os que formavam a base social do centralismo e do federalismo. E preciso, em suma, fazer um pouco de sociologia do federalismo. so hist6rica mostrou que havia no Pais, desde forte base localista, importantes fatores centrifugo: A breve re a coloni 178 O elemento localista nao cessou de se manifestar durante © processo de independéncia e durante toda a Regéncia. A centralizacao imperial foi um tour-de-force para o qual colabo- raram varios fatores: a formagio da elite politica, o cansago com as revoltas, 0 receio de perturbagao da ordem social escra- vista, o temor da fragmentagio do Pais, o apelo simbélico da monarquia entre as populagoes rurais e seu apelo instrumental entre as elites. Assim que passou o efeito da agio ordenadora da centralizagio, e assim que terminou a coincidéncia entre o centro politico ¢ © centro econdmico, voltaram as demandas de descentralizagio, sobretudo nas provincias mais dinamicas. Mas eram demandas de liberdade, como argumentavam seus te6ricos? Dificilmente. As analises do mundo rural do Império, que respondia por 80% da populagio e por quase toda a riqueza, concordam em que se tratava de um mundo oligirquico dominado por grandes proprietirios com seus escravos e seus dependentes. Era um mundo sem direitos civis e em que os direitos politicos eram tutelados pelos senhores de terra. A resisténcia contra a interferéncia do poder central tinha nesses casos um ingrediente oligdrquico, era a defesa do poder privado, de seus privilégios, de sua prepo- téncia. Assemelhava-se 2 velha luta dos senhores feudais contra o rei © as cidades. As revoltas de natureza descentrali- zadora mais nitida, como as de Minas, S40 Paulo, Rio Grande, eram lideradas por potentados locais, com pouca inspiragio popular. Rui Barbosa, que tanto defendeu a federagio, reco- nhecia que nao se tratava de demanda popular como o aboli- cionismo, era demanda das elites politicas. A grande forca por tris do movimento republicano, sobre- tudo em Sao Paulo e no Rio Grande, era o federalismo e nao a liberdade, embora os dois fossem apresentados como sindnimos. Os republicanos, como 0s liberais, estavam divididos em dois grupos que conviviam, mas cujos interesses divergiam. No Rio de Janeiro, maior centro urbano do Pais, o liberalismo predominava, mas em Sao Paulo, onde estava o setor mais forte do partido, interessava mais 0 federalismo. O partido republicano de Sao Paulo s6 apoiou a aboligio um ano antes de sua decretagio pelo governo central. A énfase no federa lismo e, mais ainda, em seu aspecto econémico, chegava a perturbar Alberto Sales, 0 tedrico do partido em Sao Paulo, levando-o a tentar justificar filosoficamente a descentralizagio 179 ou mesmo a separag’o. Era uma confissio do que realmente interessava: o lado econdmico, o interesse dos donos da eco- nomia da provincia. A liberdade do povo nao entrava nas cogitagdes desses federalistas. Como era de esperar, o lado conservador também nao estava livre de ambigitidades. Uruguai podia ser totalmente sincero ao acreditar no papel educador do Estado e estava certo ao apontar os efeitos perversos da descentralizagio no contexto brasileiro. Mas 0 apoio politico ao centralismo era menos inocentes. O centralismo ligava-se diretamente 2 tradi , mesmo que fosse o absolutismo ilus- trado A maneira de Pombal, e ligava-se inda aos setores econdmicos que no podiam mais dispensar 0 apoio lo Estado eram formados pelo grande comércio urbano, quase todo. controlado por portugueses, alvo imediato das revoltas urbanas da Regéncia, ¢ também pela grande agricultura de exportagao, sobretudo do Rio de Janeiro, da Bahia e de Pernambuco. Nio estava na preocupagio desses grupos educar 0 povo para a liberdade, interessava-lhes conter a mobilizagio popular, impedir qualquer progresso dos direitos civis ¢ politico: As ambigilidades de liberais e conservadores refletiam-se no comportamento dos dois partidos. O Partido Liberal compunha-se de um setor urbano, formado sobretudo de profissionais liberais, e de um setor rural centrado na agri cultura de mercado interno. O setor urbano entendia libera- lismo como defesa das liberdades publicas, o setor rural o via como defesa dos interesses oligirquicos. A divisio para- lisava o partido: as reformas propostas pelo setor urbano eram sabotadas pelo setor rural. Algo semelhante se dava no Partido Conservador, cuja composigio social inclufa, grosso modo, um setor burocratico ¢ um setor rural ligado 2 agricultura de exportacao. As tentativas de reforma que levassem 2 reduc’io do poder dos grandes proprietirios, como referentes a aboligio da escravidio, eram vetadas pelo setor rural do partido. Por ser mais disciplinado, 0 Partido Conservador foi mais eficaz em implementar reformas, sobretudo as referentes aboligio da escravidao. Mas, ao fazé-lo, dividia-se interna- mente ¢ se enfraquecia. Liberais importantes ¢ conservadores 180 divididos acabavam contribuindo para a erosio da legitimidade do sistema como um todo."” Se tomarmos as duas tradigdes federalistas americana: hamiltoniana, exposta no clissico O Federalista, preocupada com 0 fortalecimento do governo central, ¢ a jeffersoniana, depois desenvolvida por Tocqueville, que enfatizava o self- government, concluiremos que a cépia feita pelo Brasil e por varios outros paises da América Latina tinha em vista a segunda tradigao. Federalismo entre nés significava e significa descentralizagio, self-government, condi para a liberdade, senio a propria liberdade.”” Além da inversio do sentido da palavra, houve ainda, o que é mais importante, uma inversio historica. O self-government das townships e Estados era expressiio da liberdade individual e do igualitarismo que marcavam a sociedade dos pioneiros. A liberdade e 0 iguali- tarismo é que eram a fonte do self-government e do espirito civico tio admirado por Tocqueville e outros observadores. No Brasil, julgou-se que a quebra da centralizagio e a introdugio do federalismo trariam, automaticamente, a liberdade e a igualdade; acreditou-se que o efeito geraria a causa. Uma vez que a sociedade brasileira nao tinha o espirito da liberdade individual nem do igualitarismo, era formada de stiditos e nao de cidadaos; e de stiditos hierarqui escravidio, pela cor, pelo sexo, pela ocupacao, pela educagio, a simples introdugio do federalismo por uma medida legal nao poderia fazer a magica de democratiza-la. Federalizar era necessariamente reforgar as estruturas soci: tentes, era reforcar a desigualdade, a hierarqui: Nao surpreende que o federalismo fosse bem-vindo aos poderes locais. A experiencia do federalismo na Primeira Reptiblica (1889-1930) foi exemplar. Existe quase consenso na literatura quanto ao fato de ter sido este periodo o ponto alto do poder das. "© Uma discussio dos partidos politicos no Império pode ser encont CARVALHO. A construgdo da ordem. A elite politica imperial, capitulo 8. ® A wadicio libertaria ¢ igualitdria de Jefferson acabou sendo apropriada totalmente desfigurada pelos sulistas em defesa da escravidio, sob a capa dos direitos dos Estados. Neste sentido nio seria fora de propésito uma comparagio do federalismo sulista com o federalismo oligirquico brasileiro. Para. caso americano, veja NICHOLS. Federalism versus democracy. The significance of the civil war in the history of the United States federalism, p.49-7 181 oligarquias rurais na histéria independente do Pais. Fala-se na “republica oligérquica", na “reptiblica dos coronéis". A federagio permitiu a mobilizagio das oligarquias locais e algumas delas tiveram éxito em organizar-se dentro dos Estados € montar partidos tnicos s6lidos, instrumentos dgeis na manutengao da ordem € na negociagio com 0 governo federal. O sistema de negociagao entre elites, que comegava no municipio, passava pelo Estado e chegava ao governo federal, foi descrito em texto clissico de Victor Nunes Leal. Cumpriu-se a profecia de Uruguai quanto ao perigo do dominio do despotismo do poder privado. De alguma maneira, os liberais descentralizadores admitiam as dificuldades envolvidas em sua proposta, quando pregavam o papel das leis ¢ da propaganda reformista na modificagio dos costumes ¢ da cultura. Mas entao 0 problema central se deslocava para a estratégia de construgao da cidadania: na versio do conservadorismo liberal, ela poderia ser construida a partir da agio do poder puiblico, principalmente pela garanti dos direitos civis, acrescidos do direito 4 educagio. Criada uma cidadania civil sdélida, seria um passo para a cidadani: politica e para o auténtico self-government. Na versio do libe- ralismo mondrquico, os males porventura decorrentes da descen- tralizagio seriam corrigidos com a pritica da propria descen- tralizagdo. A experiéncia da Regéncia teria sido frustrada pelo Regresso e nao pelas liberdades provinciais. O liberalismo republicano, no entanto, desorientou-se ao verificar o fracasso da federacao em produzir a liberdade. O tinico remédio que passou a receitar foi a educagao. O campo ficou aberto para © novo conservadorismo, para a retomada da visio do Estado como demiurgo da nagio, visio formulada principalmente por Alberto Torres. Do novo conservadorismo veio a sustentagio. ideologica do regime autoritério de 1937. Extrapolando da experiéncia imperial, verifica-se que na pritica politica brasileira nem o centralismo levou 2 educagio civica, nem o federalismo levou 4 garantia da liberdade. O primeiro sempre tendeu para o despotismo do governo, 0 segundo para o despotismo do poder privado. O debate sobre federalismo e centralismo nos leva, assim, inevitavelmente 2 182 busca de uma sociologia ¢ de uma antropologia da socie- dade nacional. (Publicado com o titulo Federalismo y centralizacién en el Imperio brasileno: historia y argumento. In: CARMAGNANI, Marcello (Coord.). Federalismos latinoamericanos: México, Brasil, Argentina. México: Fondo de Cultura Econémica, 1993. p.51-80.) BIBLIOGRAFIA COMENTADA. 1. O LEGADO COLONIAL Sobre a experiéncia colonial brasileira, ha excelentes tra- balhos de pesquisa e de interpretagio. Entre os primeiros, podem ser citados: BOXER, C.R. The golden age of Brazil, 1695-1750. Berkeley: University of California Press, 1962. RUSSELL-WOOD, J.R. From colony to nation. Essays on the Independence of Brazil. Baltimore: {s.n.], 1975. ALDEN, Dauril (Comp.). Colonial roots of modem Brazil. Berkeley/ Los Angeles/London: University of California Press, 1972. ios, enfat Entre ndo a forga do poder privado, salientam-s OLIVEIRA VIANA. Populagoes meridionais do Brasil. Paul fluminenses, mineiros. Sio Paulo: Monteiro Lobato e Cia., 1920. DUARTE, Nestor. A ordem privada e a organizacdo politica nacio- nal. Sio Paulo: Cia. Editora Nacional, 1939. Com énfase oposta, ha o texto cl: FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Formagao do patronato politico brasileiro. Porto Alegre: Globo, 1958. ico de Um excelente estudo da burocracia judicidria € 0 de SCHWARTZ, Stuart B. Sovereignty and society in colonial Brazil. ‘The high court of Bahia and its judges, 1609-1751. Berkeley: University of California Press, 1973. 183 Uma visio geral do periodo é dada em BETHELL, Leslie (Comp.). Colonial Brazil. Cambridge: Camb University Press, 1989. Ige 2. A CENTRALIZACAO IMPERIAL Os textos de Faoro e Duarte, mencionados acima, sio pertinentes também para o periodo imperial. Representam os p6los opostos de um amplo debate sobre o Estado ¢ socie- dade na histéria do Brasil, O livro de Viana também cobre © periodo © enfatiza a vitéria do poder central no Império sobre os caudilhos locais. A racionalizagao do Estado, sua lenta libertagdo do poder privado, é discutida em URICOECHEA, Fernando. O minotauro imperial. Burocrat Estado patrimonial brasileiro no século XIX. Sio Paulo: Difel, 1978. A agao centralizante da elite politica é mostrada em CARVALHO, José Murilo de. A construgdo da ordem. 4 elite politica imperial. Rio de Janciro: Campus, 1980. Este mesmo autor discute 0 conflito ¢ ajustes entre o Estado © os grandes proprietirios em Teatro de sombras: a politica imperial. Sio Paulo: Vértice/IUPERJ, 1988. Estes dois livros tiveram 2? edigio em um volume pela Ed. da UFRJ/Relume Dumara, em 1996. O clientelismo politico como fator unificador da politica local e nacional é o tema de GRAHAM, Richard. Clientelismo e politica no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 1997. Dados preciosos sobre as finangas impe encontrados em CASTRO CARREIRA, Liberato de. Historia financeira e orgamen- taria do império do Brasil desde a sua fundagdo, precedida de alguns apontamentos acerca de sua independéncia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. podem ser eem CAVALCANTI, Amaro. Resenba financeira do ex-império do Brasit em 1889. Rio de Janeiro: Imprens:. Nacional, 1890. 184 Os conflitos locais entre autoridades, gerados pela descentralizagao regencial, t¢m uma boa discussiio em FLORY, Thomas H. Judge and jury in imperial Brazil, 1808-1881. Austin: University of Texas Press, 1981. A melhor descrigao dos problemas da administragio pro- vincial é a do VISCONDE DE URUGUAL. Estudos praticos sobre a administragao das provincias no Brasil. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1865. 2. A natureza da oposi¢io paulista ao centralismo € 0 tema de SCHWARTZMAN, Simon. Sdo Paulo eo Estado nacional. Sic Paulo: Difel, 1975. Um rico e raro estudo da vida provincial, incluindo as rela- des com © governo central, pode ser encontrado em QUEIROS MATTOSO, Katia M. de. Babia, séctlo XIX. Uma provincia no império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. Novamente, uma visio geral do perfodo pode ser encon- trada em 3. O DEBATE SOBRE CENTRALIZACAO E LIBERDADE O primeiro texto sobre federalismo no Brasil de que temos. noticia é de autor anénimo: EXPLICAGOES Breves ¢ Singelas sobre o que he Federagiio. Opisculo dividido em 7 capitulos ¢ oferecido aos Brasileiros em geral por hum seu Amigo. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1831, Sua inspiragio parece ser O Federalista, embora nao 0 cite. E uma defesa equilibrada do centralismo, que considera ser a tendéncia geral dos Estados, inclusive dos Estados Unidos. Reconhece a importincia da descentralizagdo para conter 0 despotismo, e da centralizacio para defender a liberdade dos cidadaos contra o arbitrio privado. O debate posterior nio se refere a este texto. As obras centrais ai sao as do VISCONDE DE URUGUAI. Ensaio sobre 0 direito administra- tivo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1960. (1 edigao em 1862). 185 ede ‘TAVARES BASTOS. A provincia. Sao Paulo: Cia. Editora Nacional, 1937. (1# edigaio em 1870). Veja-se também ‘TAVARES BASTOS. Cartas do solitdrio. Sio Paulo: Cia. Editora Na- cional, 1938. (1 edigao em 1862). Os argumentos centrais contra e a favor da descentralizagio encontram-se nesses textos. A defesa do poder moderador é feita por Uruguai no texto citado acima; a critica esté em GOES E VASCONCELOS, Je. Da natureza e limites do poder moderador. Rio de Janeiro: Laemmert, 1862. A defesa do federalismo dentro da monarquia encontra-se em NABUCO, Joaquim. Discursos parlamentares. Rio de Janeiro: Camara dos Deputados, 1950. p.395-430, 489-504. eem BARBOSA, Rui. Obras completas. Rio de Janeiro: Ministério da Educagio e Satide, 1946/1947. v. XVI, tomos III, VI, VII; v. XVI, tomos I ¢ IL. As posigdes dos partidos em relagio ao problema, inclusive do Partido Kepublicano, fortemente federalista, € BRASILIENSE, Américo. Os programas dos partidos e 0 Segundo Império. Sio Paulo: Tip. Jorge Sekler, 1878. A defesa mais explicita do federalismo, propondo mesmo por uma separacio inicial, é a de SALES, Alberto. A patria paulista. Bras Brasilia, 1983. (1? edigio em 1887). Ed. da Universidade de A critica repubiicana ao federalismo comegou com um texto apaixonado de ROMERO, Silvio. A bancarrota do regime federativo no Brasil. Porto: Tip. de Arthur José de Souza & Irmio, 1912. Sua formulagao mais sistematica esté em TORRES, Alberto. A organizacdo nacional. Sao Paulo: Cia. Editora Nacional, 1938. (14 edigio em 1914); e O problema nacional brasileiro, Si0 Paulo, Cia. Editora Nacional, 1978. (1 edigio em 1914). 186 4, OBRAS GERAIS SOBRE O FEDERALISMO Apesar da implantago do federalismo em 1889 ¢ dos constantes debates que tem suscitado, sio poucos os estudos aprofundados sobre o tema. A maioria dos autores limita-se a artigos na imprensa ou em revistas especializadas. Para um amplo levantamento bibliografico, que inclui também outros paises, veja “Federalismo”, em BOLETIM DA BIBLIOTECA DA CAMARA DOS DEPUTADOS, n.14, p.401-445, 1965. Talvez a tinica histé: OLIVEIRA TORRES, Jo’io Camilo de. A formagdo do federalismo no Brasil. Sdo Paulo: Cia. Editora Nacional, 1961. do federalismo no Brasil seja a de Veja também SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Republicanismo e federalismo. Um estudo da implantacio da Reptblica brasileira (1889-1902). Brasilia: Senado Federal, 1978. A anilise clissica do funcionamento do federalismo na Primeira Republica é a de LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. Sio Paulo: Alfa-Omega, 1975. (1? edigio em 1949). Para a época mais recente, ha uma util coletanea de arti- gos em HORTA, Raul Machado et al. Perspectivas do federalismo brasileiro. Belo Horizonte: Ed, da Revista Brasileira de Estudos Politicos, 1958. Entre os textos cla afetaram a dil do federalismo no Brasil, esto O Federalista, cuja primeira tradugio foi publicada no Rio de Janeiro, em 1840, e A Democracia na América, de Alexis de Tocqueville. OUTRAS OBRAS CITADAS AUTOS DA DEVASSA DA INCONFIDENCIA MINEIRA. Brasilia/Belo Horizonte: Cimara dos Deputados/Governo do Estado de Minas Gerais, 1976. 9V. 187 ALMEIDA PRADO, J.F. D. Jodo IV e o inicio da classe dirigente do Brasil. Sio Paulo: Editora Nacional, 1968. BRASILIENSE, Américo. Os programas dos partidos e o Segundo Império. Sio Paulo: Tip. Jorge Sekler, 1878. FREI CANECA. Ensaios politicos. Rio de Janeiro: Puc/CFC/Editora Documentirio, 1976. MAXWELL, Kenneth. R. A devassa da devassa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. MIRANDA, José Antnio de. Meméria constitucional e politica sobre o Estado presente de Portugal e do Brasil. In: O debate poli- tico no processo de Independencia. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1973. NABUCO, Joaquim. Dircursos parlamentares. Rio de Janeiro: Camara dos Deputados, 1950. NICHOLS, Roy F. Federalism versus democracy. The significance of the civil war in the history of the United States federalism. In: POUND, Roscoe et al. Federalism as a democratic process. New Brubswick: Rutgers University Press, 1942. p.49-75. REFLEXOES sobre a necessidade de promover a unitio dos Estados de que consta o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves nas quatro partes do mundo. In: O debate politico no processo de Independéncia. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1973. SUZANNET, Comte de. O Brasil em 1845; semelhangas e diferen- gas apés um século. Trad. Marcia de Moura Castro. Rio de Janeiro: Ed. da Casa do Estudante do Brasil, 1957. TOCQUEVILLE, Alexis de. De la démocratie en Amérique. Les grands themes. Paris: Gallimard, 1969. (Edité par J.-P. Mayer). Copyright © 1998 by José Murilo de Carvalho 1999 - 1 reimpressio 2005 - 2* reimpressio Exte livro ou parte dele no pode ser reproduziddo por qualquer meio sem autorizagio escrita do Editor. Carvalho, José Murilo de €331p Pontos € bordados: escritos de historia e politica/ José Murilo de Carvalho. - Belo Horizonte: Ed. UEMG, 1998. 459p. 1. Brasil -Histéria 2. Cronicas brasileiras - Coletinea 1. Titulo DD: 981 CDU: 981 Catalogacio na publicago: Divisio de Planejamento Divulgiglo da Biblioteca Universitiria - UFMG ISBN: 85-7041-154-5 EDITORAGAO DE TEXTO: Ana Maria de Moracs REVISAO DE PROVAS: Flavia Silva Bianchi, Maria Aparecida Ribeiro, Maria Stela Souza Reis e Rubia Flivia dos Santos PROJETO GRAFICO: Gloria Campos - Manga FORMATAGAO: Alexandre Gregole Colucci, Marcelo Belico CAPA: Marcelo Belico: detalhe de bordado de Joio Cindido, cedido pelo Museu Tomé Portes del Rei/Prefeitura Municipal de $ del Rei (MG) PRODUCAO GRAFICA: Warren M. Santos EDITORA UFMG Av. 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