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Boris Kossoy FOTOGRAFIA | no HIsTORIA 2 sii jead etc aE Direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19.2.1998. E proibida a reprodugio total ou parcial sem autorizagio, por escrito, da editora. Copyright © 2001 Boris Kossoy 1 ed,, Atica, 1988 24 ed., Atelié Editorial, 2001 2+ ed., 14 reimpressio, 2003 Dados Internacionais de Catalogagio na Publicago (CIP) (Camara Brasileica do Livro, $P, Brasil) Kossoy, Boris, 1941- Fotografia & Hist6ria / Boris Kossoy. - Sao Paulo : Atelié Editorial, 2001, 2. ed. rev. Bibliografia ISBN 85-7480-060-0 1, Fotogeafia - Histria 2. Fotografia documentiria I. Titulo. 01-2029 CDD-770.9 indices para catalogo sistematico: 1. Fotografia : Historia 770.9 Direitos reservados a ATELIE EDITORIAL Rua Manuel Pereira Leite, 15 06709-280 - Granja Viana - Cotia - SP Telefax (11) 4612-9666 wwwaatelie.com.br — atelie_editorial@uol.com.br 2003 Impresso no Brasil Foi feito depésito legal SUMARIO Nota 4 2? edicdo .. O advento da fotografia: um novo meio de O documento fotografico: descaso e preconceito . A “revolugao documental” e a nova posicao da fotografia sissisissnveeeseniass 2. FUNDAMENTOS "TEORICOS iiss ie 39 O processo e seu vinculo com o momento histérico ...39 A fotografia: matéria ¢ expresso O fotégrafo: um filtro cultural O tempo interrompido e a segunda realidade A trajetéria da fotografia.... A fotografia, uma fonte histérica . xt epritetthoessc cist tess alate le alate ere 11 BORIS KOSSOY Testemunho/criagao: o binémio indivisivel ................49 3._As Fontes FoTOGRAFICAS FE OS EsTUDOS IMISTORICO 93st scents nue ee a eee As fontes fotograficas e 0 objeto da investigacao ....... 53 Histéria da fotografia e historia através da fotografia: diferenciagdo necessaria .. As fontes fotograficas e a pesquisa histérica ive SS. SE: 4. AS FONTES FOTOGRAFICAS E A RECUPERAGAO DAS INFORMAGOES: METODOLOGIA DA PESQUISA ..........61 A heuristic .....ccceeseeeeessseseeeeeeeeeseeeaneereneees wee 63, Tipologia de fontes ............0::0008 seeeee 6S Estudo técnico-iconografico ...secseseeeeeeeee wee 73 Procedéncia e trajetoria do documento fotografico .... Dupla linha de investigag6es ....... Anilise técnica e andlise iconografica ..... A sistematizacao das informagées. Sugestao de roteiros .. Iconografia e iconologia . 5. ICONOLOGIA: CAMINHOS DA INTERPRETAGAO .........97 A imagem fotografica: fonte de recordagao e emogio .... A evidéncia fotogra aparéncias..... : gaeear seen Informagao (fragmentiaria), interpretagao e MAN PBlACAG wweesiecseesveccrsaccecwereasevavaceses 12 FOTOGRAFIA E HISTORIA O significado das imagens: além da “verdade iconografica” ...cccscesseseseescserseseerseensesssstsasteseereees 116 6. HISTORIA DA FOTOGRAFIA: METODOLOGIAS DA ABORDAGEM uiessesseere 123 A necessidade de uma visdo abrangente ...........00 125 Abordagens estetizantes ai - 130 Recuperando a finalidade da produgao das imagens .... 132 A “civilizagao da imagem” -- 134 Investigacao e interpretagao histéricas: a luz do contexto sociocultural -- 138 7. FOTOGRAFIA E MEMORIA...... .149 Segunda realidade e memoria 151 Imagem € conheciment0 .....ceeeeseeseeetseetesetseeeeeenes 193 Bibliografia 159 13 Nota A 24 EpicAo Doze anos se passaram desde o langamento da primei- ra edigdo deste livro pela Editora Atica. Neste longo pe- riodo muitos dos temas aqui tratados foram expandidos e aprofundados em outras incurs6es teéricas que empreen- di, particularmente em Realidades e Ficgdes na Trama Fotogrdfica. No entanto, qualquer tentativa de interferir no original visando reformuld-lo em funcdo dos novos conhecimentos ¢ reflexdes acarretaria a descaracterizacgao deste trabalho. Uma revisao, porém, era necessdria. Bus- quei aqui melhor explicitar alguns pontos que nao me pareciam suficientemente claros na primeira edigao e efe- tuar breves corregdes no texto, apenas onde estas eram absolutamente necessdrias. Um acréscimo foi introduzi- do no capitulo 6, “Histéria da Fotografia: Metodologias da Abordagem”, relativamente ao desenvolvimento dos estudos histéricos na América Latina, além das notas que se viram atualizadas e das referéncias bibliograficas expan- didas. No mais, o livro mantém a mesma estrutura e os conceitos e proposicSes permanecem na sua integridade. 15 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. BORIS KOSSOY considerar, inclusive, formulagées teéricas anteriores que julgava resolvidas. Esta incursio tem como ponto de partida minha tese de doutoramento Elementos para o Estudo da Fotogra- fia no Brasil no Século XIX, apresentada em 1979 a Es- cola Pés-Graduada de Ciéncias Sociais da Fundagao Es- cola de Sociologia e Politica de Sao Paulo. As reflexdes constantes do mencionado trabalho académico deram margem a publicagdo do opisculo A Fotografia como Fonte Histérica que, apesar de ser o nticleo embrionario do presente livro, hoje me parece irreconhecivel em algu- mas de suas partes. A investigacao tedrica que dA corpo a este livro teve pois origem nos citados trabalhos e prosse- guiu se ramificando ininterruptamente até 1989, data de sua primeira edicdo. A medida que busquei, por um lado, a interdisciplinaridade desse modelo e, por outro, tido a oportunidade de testa-lo no préprio fazer histérico, no- vas reflexdes me ocorreram. Disso decorre, creio, uma explicitagao mais precisa ¢ abrangente dos critérios opera- cionais de investigac4o e andlise das fontes fotograficas, bem como maior aprofundamento das questies relativas a sua interpretacdo enquanto documentos histéricos por- tadores de miltiplas significagdes. Tais reflexdes, que tem sido apresentadas em seminarios, congressos e outros en- contros cientificos, foram aqui refundidas em seus melho- res momentos resultando neste Fotografia e Historia. No capitulo 1 (“Fotografia e Histéria”) toco em al- guns pontos que me parecem basicos: o impacto cultural que a fotografia, a partir de seu advento, provocou junto 18 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. BORIS KOSSOY expandida, posto que houve um esforgo em dimensiona- lana justa medida em que pudesse se constituir, unicamen- te, num referencial tedrico de encaminhamento As partes seguintes, por serem estas prioritdrias neste trabalho. Na realidade, os principios e as reflexes abordados estarao subjacentes ao longo deste estudo pois sao 0 arcabougo mesmo das proposigdes metodolégicas que se seguirao, as quais tratam das miiltiplas relagdes entre o documento fotografico e o complexo de informagdes do mundo visi- vel que nele se acham inscritas e circunscritas. No capitulo 3 (“As Fontes Fotograficas e os Estudos Histéricos”) procurei classificar e definir as vertentes de investigagao histérica que derivam das fontes fotografi- cas: a histéria da fotografia e o emprego da iconografia fotografica do passado; os problemas que afetam direta- mente ambas as dreas, bem como as devidas diferencia- ges metodoldgicas no que tange ao objeto de estudo es- pecifico a cada uma das vertentes. No capitulo 4 (“As Fontes Fotograficas e a Recupe- racgado das Informagées: Metodologia da Pesquisa”) foi proposto um modelo metodoldgico de investigagao e andlise critica das fontes fotograficas na sua individuali- dade, embora visando também seu ulterior aproveita- mento no trabalho histérico. O estudo das fontes fotograficas no conjunto de suas peculiaridades nao exclui a atitude reflexiva e 0 questio- namento que, desde o primeiro momento, deve existir por parte do sujeito do conhecimento em relagio ao objeto da investiga¢ao, seja a reconstituigao do processo que deu 20 FOTOGRAFIA E HISTORIA origem ao documento em si, seja a devida interpretacao do fragmento visual da realidade passada nele contido. Pretende-se, principalmente, que o esforgo de compreen- so seja um fator constante quando do estudo do docu- mento fotografico em suas diferentes fases; de outra for- ma jamais sera explorado suficientemente seu potencial informativo, jamais alcangados seu valor e limites. Uma verdadeira arqueologia do documento é empreendida: desde o momento de sua localizagao pela heuristica, pros- seguindo pelo resgate de sua trajetéria através do estudo de procedéncia, até a determinagdo de seus elementos constitutivos e a detecgao das miltiplas informagées nele contidas, por meio do exame técnico-iconografico. Sao essas as varias fases que seguiremos para 0 estu- do das fontes fotograficas. Tratam-se de etapas encadeadas em um conjunto de operagées légicas tendentes a fornecer ao pesquisador o maior nimero de informagées objeti- vas quanto aos préprios documentos, as quais serao tan- to mais seguras quanto mais denso for seu preparo indi- vidual, sua bagagem cultural, sua experiéncia com a informagao visual e especificamente com a expressio fo- tografica. Corresponderiam essas etapas, por outro lado, as primeiras fases do trabalho histérico, importantes ¢ uteis, é certo, porém na justa medida em que as entende- mos enquanto instrumental metodolégico para a inves- tigacgdo hist6rica, enquanto andaimes auxiliares para a obra de reconstituigao histérica. Como ja foi dito, tais etapas sao importantes mas nao se colocam como finali- dade da histéria. 21 BORIS KOSSOY Sera discutida no capitulo 5 (“Iconologia: Caminhos da Interpretagdo”) a questao sempre delicada e subjetiva da interpretacio do contetido. £ este o momento dos deslizes interpretativos decorrentes da aceitagao rapida da “evidéncia testemunhal” das imagens fotograficas; aqui tratar-se-4 também daquilo que 0 documento nao tem de explicito iconograficamente, dos seus significados mais profundos que, nao raro, se encontram além da verdade iconografica. O capitulo 6 (“Histéria da Fotografia: Metodologias da Abordagem”) foi dedicado 4 reflexdo sobre a histéria da fotografia, género que se ressente de discussdes mais aprofundadas ao nivel teérico. No capitulo 7 (“Fotografia e Memoria”) foram reto- madas questées teéricas anteriormente colocadas. Embo- ra fiquem esbocadas algumas conclusées, elas serao, ne- cessariamente, provisGrias. Este estudo tem se constituido num permanente de- safio, razdo pela qual o considero ainda introdutério aos assuntos abordados. Acredito, todavia, que possa ser util aos estudiosos de diferentes Areas que, em ntimero cres- cente, tém se interessado pela fotografia enquanto fonte histérica e que se ressentem da auséncia de textos te6ricos e€ proposigées metodolégicas sobre o tema. 22 FOTOGRAFIA E HIsTORIA O Advento da Fotografia: Um Novo Meio de Conhecimento do Mundo Com a Revolugao Industrial verifica-se um enorme desenvolvimento das ciéncias: surge naquele processo de transformagao econémica, social e cultural uma série de inveng6es que viriam influir decisivamente nos rumos da histéria moderna. A fotografia, uma das invengdes que ocorre naquele contexto, teria papel fundamental en- quanto possibilidade inovadora de informagao e conhe- cimento, instrumento de apoio 4 pesquisa nos diferentes campos da ciéncia e também como forma de expressdo artistica. A nova invengao veio para ficar. Seu consumo cres- cente e ininterrupto ensejou o gradativo aperfeigoamen- to da técnica fotografica. Essencialmente artesanal, a prin- cipio, esta se viu mais e mais sofisticada 4 medida que aquele consumo, que ocorria particularmente nos gran- des centros europeus ¢ nos Estados Unidos, justificou in- 25 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. BORIS KOSSOY e também para a histéria da fotografia. E a fotografia um intrigante documento visual cujo contetido é a um sé tem- po revelador de informagdes e detonador de emocées. Segunda vida perene e imével preservando a imagem-mi- niatura de seu referente: reflexos de existéncias/ocorrén- cias conservados congelados pelo registro fotografico. Contetidos que despertam sentimentos profundos de afe- to, ddio ou nostalgia para uns, ou exclusivamente meios de conhecimento e informacao para outros que os obser- vam livres de paixGes, estejam eles pr6ximos ou afasta- dos do lugar e da época em que aquelas imagens tiveram origem. Desaparecidos os cenarios, personagens e monu- mentos, sobrevivem, por vezes, os documentos. A iconografia fotogrdfica, organizada da variada gama de temas antes mencionados, poderia fornecer um amplo painel de informagGes visuais para a nossa melhor compreensio do passado em seus miltiplos aspectos. A fotografia, entretanto, ainda nao alcangou plena- mente 0 status de documento (que, no sentido tradicio- nal do termo, sempre significou o documento escrito, manuscrito, impresso na sua enorme variedade). Sua importancia enquanto artefatos de época, reple- tos de informagées de arte e técnica, ainda nao foi de- vidamente percebida: as multiplas informagées de seus contetidos enquanto meios de conhecimento tém sido ti- midamente empregadas no trabalho histérico. Por outro lado, investigag6es de cunho cientifico acerca da histéria da fotografia — inserida num contexto mais amplo da historia da cultura - sio ainda raras. 28 FOTOGRAFIA E HISTORIA As instituigdes que guardam este tipo de documenta- gao devem perceber que, 4 medida que esta se distancia da época em que foi produzida, mais dificeis as possibili- dades de suas informagGes visuais serem resgatadas, e por- tanto menos titeis serao ao conhecimento, justamente por nao terem sido estudadas convenientemente desde o mo- mento em que passaram a integrar as colegdes. Embora neste momento ja haja uma conscientizagao maior por parte das instituigdes em relagdo a importancia da ima- gem enquanto fonte de informagio histérica, antropolé- gica, etnografica, muito ainda ha para ser mudado em ter- mos de mentalidade. A questo nao afeta apenas aos paises |atino-americanos pois, mesmo nos grandes centros, tal atitude ainda se verificava na década de setenta. E 0 depoimento de Carney E. $. Gavin, entao diretor do Har- vard Semitic Museum, de Massachusetts (EUA), é escla- recedor neste sentido: Paradoxalmente, os documentos fotograficos, apesar de sua legenddria superioridade em relagao aos registros verbais, ainda hoje freqiientemente escapam da malha fina da erudigao. Os biblio- tecarios diligentemente preservam mintisculos fragmentos das no- tas de um escritor, curadores de arte guardam como tesouro até o mais inacabado esbogo de um artista; no entanto muitos repo- sitérios culturais contém preciosas fotografias que jamais foram registradas nos inventarios! 1. Carney E. $. Gavin, “Photo-archaclogy and Tomorrow’s Museums: Fragile Links of Silver to the Sunlight of Our Past", Muserem, Paris, Unesco, 37 (1), 1985, p. 9. As citagdes foram traduzidas livremente pelo autor, 29 BORIS KOSSOY Creio que nao haveria exagero em dizer que sempre existiu um certo preconceito quanto a utilizagdo da foto- grafia como fonte histérica ou instrumento de pesquisa. Algumas razées poderiam esclarecer 0 mencionado pre- conceito. Fixo-me em apenas duas que me parecem fun- damentais. A primeira é de ordem cultural: apesar de sermos personagens de uma “civilizagao da imagem” - ¢ neste sentido alvos voluntarios e involuntarios do bombardeio continuo de informagées visuais de diferentes categorias emitidas pelos meios de comunicagao -, existe um aprisio- namento multissecular a tradigao escrita como forma de transmissao do saber, como bem esclarecia Pierre Francas- tel décadas atras; nossa heranga livresca predomina como meio de conhecimento cientifico. A fotografia é, em fun- g4o dessa tradigdo institucionalizada, geralmente vista com restrig6es. A segunda razao decorre da anterior e diz respeito 4 expressao. A informagao registrada visualmente confi- gura-se num sério obstaculo tanto para o pesquisador que trabalha no museu ou arquivo como ao pesquisa- dor usuario que freqiienta essas instituigdes. O problema reside justamente na sua resisténcia em aceitar, analisar e interpretar a informacado quando esta nao é transmitida segundo um sistema codificado de signos em confor- midade com os canones tradicionais da comunicacio es- crita. 30 FOTOGRAFIA E HISTORIA A “Revolucao Documental” e a Nova Posicao da Fotografia Com a “revolugio documental” das tiltimas décadas e, com o alargamento do conceito que o termo “docu- mento” passou a ter, a fotografia comegou a ser tratada de forma diferenciada. “Nao ha historia sem documen- tos” assinalou Samaran. “Ha que tomar a palavra ‘docu- mento’ no sentido mais amplo, documento escrito, ilus- trado, transmitido pelo som, a imagem, ou de qualquer outra maneira”?. Um novo panorama se delineou no ambiente acadé- mico no Brasil, na ultima década, face ao interesse cres- cente que este tipo de documentacao tem despertado, o que vem suscitando o debate e a reflexdo acerca do alcan- ce, do valor e dos limites das fontes fotograficas. Recente levantamento sobre as dissertagGes e teses (cobrindo as mais diversas areas de aplicacdo da fotografia) demons- tram o nivel desse interesse: nos anos noventa (até feve- reiro de 1999) haviam sido defendidos 73 trabalhos, um numero significativo se comparado aos 12 dos anos de 1980 e, apenas quatro, da década de 19703. Para os estudiosos da histéria social, da histéria das mentalidades e dos mais diferentes géneros de histéria, 2, C. Samaran (org.), “Lhistoire et ses méthodes”, Encyclopéde de la Pléiade, Paris, Gallimard, 1961, vol. 11. Apud Jacques Le Goff, “Do- cumento/Monumento”, Enciclopedia Einaudi, Lisboa, Imprénsa Nacional/Casa da Moeda, 1985, vol. 1: Meméria - Hist6ria, p. 99. 3. Ricardo Mendes, Banco de teses. FOTOPLUS, pagina na Internet. 31 BORIS KOSSOY assim como para os pesquisadores de outros ramos do conhecimento, s4o as imagens documentos insubstituiveis cujo potencial deve ser explorado. Seus contetidos, entre- tanto, jamais deverdo ser entendidos como meras “ilus- tragdes ao texto”. As fontes fotogrificas so uma possi- bilidade de investigacgio e descoberta que promete frutos na medida em que se tentar sistematizar suas informagées, estabelecer metodologias adequadas de pesquisa e anili- se para a decifracao de seus contetidos e, por conseqiién- cia, da realidade que os originou. E dbvio que as pesqui- sas histéricas de um pais — nas quais fontes fotograficas sao empregadas como meios de informacao visual para a recupera¢ao dos fatos passados — nao podem prescindir dos conhecimentos advindos das historias da técnica fo- tografica e dos fotégrafos, aqui entendidos enquanto autores daquelas fontes que no pais atuaram em diferen- tes periodos. A observacao de Marc Bloch é decisiva: “O passado é, por definigao, um dado que coisa alguma pode mo- dificar. Mas 0 conhecimento do passado é coisa em pro- gresso, que ininterruptamente se transforma e se aperfei- goa”*, E nesta perspectiva que entendemos ser 0 estudo das imagens uma necessidade; um caminho a mais para a elucidagao do passado humano nos seus tiltimos cento e sessenta anos. 4. Marc Bloch, Introducao a Histéria, 2. ed., Lisboa, Publicagdes Euro- pa-América, 1974, p. 55. 32 FUNDAMENTOS TEORICOS Durante séculos o homem serviu-se da camera obscu- ra, instrumento que o favorecia para desenhar uma vista, uma paisagem que por alguma razao lhe interessou con- servar a imagem. A imagem dos objetos do mundo visi- vel, formando-se no interior da camera — em conformi- dade com os preceitos da perspectiva renascentista -, podia ser delineada e, de fato, viajantes, cientistas e artis- tas fizeram uso do aparelho, obtendo, sobre papel, esbo- gos e desenhos da natureza!. Com a invengao da fotografia, a imagem dos objetos na camera obscura ja podia ser gravada diretamente pela agao da luz sobre determinada superficie sensibilizada quimicamente. Apesar de o proprio tema “desenhar-se a si mesmo” (nesta superficie) mantendo elevado grau de semelhanca na sua “auto”-representa¢ao, o artista nao se 1. Sobre a historia da camera obscura, ver, entre outros autores, Helmut Gernsheim & Alison Gernsheim, The History of Photography from the Camera Obscura to the Beginning of the Modern Era, New York, McGraw-Hill, 1969, pp. 17 ¢ ss. 35 BORIS KOSSOY viu dispensado de reger 0 ato; de comandar o processo de criagéo com o objetivo que tinha em mira: obter uma representacio visual de um trecho, um fragmento do real. Toda fotografia tem sua origem a partir do desejo de um individuo que se viu motivado a congelar em imagem um aspecto dado do real, em determinado lugar e época. Em ambas as situagdes — antes e apds o advento da fotografia — o homem buscou destacar do mundo visivel um fragmento deste, cuja imagem, tal como se formava na camera obscura, se destinava a ser materializada sobre um dado suporte, seja na forma de um desenho, seja na forma de uma fotografia. O homem, o tema ea técnica especifica (esta, por mais avancada que seja) sio em esséncia os componentes fun- damentais de todos os processos destinados & produgao de imagens de qualquer espécie. Assinalei em outra oportunidade: o cenario natural que abrange desde o infinitamente grande até o infinita- mente pequeno, a natureza puraca natureza recriada pelo homem (modificada pela sua intromissdo), o homem em si mesmo e suas inimeras manifestagGes e atividades, constituem a esséncia do “visivel fotografico”. Sao os componentes tridimensionais, da paisagem e dos vestigios da acdo do homem, que serviram de quadro para que um certo fotégrafo efetuasse, através da cAmara, o devido registro sobre o plano bidimensional do material sensivel (daguerreétipo, chapa imida a colddio ete.). A imagem do real retida pela fotografia (quando preservada ou re- produzida) fornece o testemunho visual e material dos 36 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. BORIS KOSSOY — que seria a esséncia do fendmeno fotografico, pois sin- tetiza o processo (0 ciclo completo) em que uma fotogra- fia teve origem?. Assim, os elementos constitutivos: ASSUNTO tema escolhido, o referente fragmento do mundo exterior (natural, social etc.) FOTOGRAFO autor do registro, agente e personagem do processo, TECNOLOGIA materiais fotossensiveis, equipamentos e técnicas empregados para a obtengdo do registro, diretamente pela acao da luz. — as coordenadas de situacao: ESPACO geografico, local onde se deu o registro. » Este modelo, onde se busca a esséncia do fenémeno, coincide em muito com o de Joan Costa. Ver Joan Costa, El Lenguaje Fotogrdfico, Madrid, Ibero Europeu de Ediciones y Centro de Investigacion y Aplicaciones de la Comunicacién-CIAC, 1977, pp. 14 e ss. Costa em- preende sua anilise situando-se ao “nivel da imagem fotografica” (original ou reproduzida) ¢ desta “parte retrospectivamente para chegar a sua génese, composta pelas interagdes entre a realidade vi- sual, o fotégrafo ¢ a técnica”. Nossa anilise foi centrada no ato mesmo da tomada do registro no espago e tempo, isto é, a “realida- de” do processo (que gerou a fotografia) tal como ocorre sempre, em todos os processos: 0 préprio fendmeno. A fotografia complementa ¢ decorre do processo, dele se desvincula ¢ passa a ter sua realidade prépria, auténoma. Sobre este aspecto, voltarei adiante. 38 FOTOGRAFIA E HISTORIA TEMPO cronolégico, época, data, momento em que se deu o registro. -—¢0 produto final: FOTOGRAFIA a imagem, registro visual fixo de um fragmento do mundo exterior, conjun- to dos elementos icénicos que compdem 0 contetido e seu respectivo suporte; - sdo os componentes (interligados) a serem detectados nos estudos histéricos especificos, pois constantes em to- dos Os processos. O Processo e Seu Vinculo com 0 Momento Histérico S40 Os processos unos em sua ocorréncia: sua uni- cidade serd sua condigao. Tal singularidade decorre da interseccdo de coordenadas particulares de situacdo (es- pago e tempo), as quais se encontram, inclusive, mate- rializadas fotograficamente (pela agdo do fotégrafo). O ato do registro, ou 0 processo que deu origem a uma representacao fotografica, tem seu desenrolar em um mo- mento histérico especifico (caracterizado por um deter- minado contexto econémico, social, politico, religioso, estético etc.); essa fotografia traz em si indicagées acerca de sua elaboracao material (tecnologia empregada) e nos mostra um fragmento selecionado do real (o assunto re- 39 BORIS KOSSOY gistrado). Outras consideragdes quanto aos componen- tes assinalados se fazem, ainda, necessdrias e se seguem. Através do diagrama do Quadro 1 tém-se a génese da fotografia, isto é, o momento preciso de sua materiali- zagao documental. A Fotografia: Matéria e Expressao Uma fotografia original, assim como qualquer docu- mento original, nado se constitui apenas de um contetido no qual as informagées se acham registradas. As informa- gSes expressas nao existem desvinculadamente de um su- porte fisico (refiro-me, obviamente, as técnicas fotografi- cas tradicionais). No caso da fotografia, esse conjunto de informagGes nao existiria sem as condigGes técnicas espe- cificas que possibilitaram seu respectivo registro. A foto- grafia é uma representacado plastica (forma de expresso visual) indivisivel mente incorporada ao seu suporte e re- sultante dos procedimentos tecnolégicos que a materia- lizaram. Uma fotografia original é, assim, um objeto- imagem: um artefato no qual se pode detectar em sua estrutura as caracteristicas técnicas tipicas da época em que foi produzido. Um original fotografico é uma fonte primaria. Jd em uma reproducao (que, por definicao, pressup6e-se integral), seja ela fotogrdfica, impressa etc., realizada em periodos posteriores, serao detectadas, ob- viamente, outras caracteristicas que diferem, na sua estru- tura, do artefato original de época. Uma reprodugao fo- 40 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. BORIS KOSSOY tografica ~ qualquer que seja seu contetido — remete a um objeto-imagem de segunda geracgao, mesmo que sejam empregados em sua confecc4o procedimentos tecnolégi- cos analogos aos da época em que a foto foi tomada. Uma reprodugio é, pois, uma fonte secundaria. O objeto-imagem de primeira geracao — 0 original - é essencialmente um objeto museoldégico, e como tal tem sua importancia especifica para a histéria da técnica fo- tografica, além de seu valor histérico intrinseco, enquan- to o de segunda geragao — a reprodugao sob os mais dife- rentes meios — é, em fungao da multiplicagao do contetido (particularmente quando publicado), fundamentalmen- te um instrumento de disseminagao da informacao histé- rico-cultural. Dai a importancia da organizacao de arqui- vos sistematizados de imagens: iconotecas destinadas a preservar e difundir a memoria histérica. E em fungdo dessa multiplicagdo da informacao que a fotografia alcan- ga sua fungao social maior. O Fotégrafo: Um Filtro Cultural A eleigao de um aspecto determinado - isto é, selecio- nado do real, com seu respectivo tratamento estético -, a preocupaga4o na organizacao visual dos detalhes que com- poem o assunto, bem como a exploracao dos recursos oferecidos pela tecnologia: todos sao fatores que influi- rao decisivamente no resultado final e configuram a atua- cao do fotégrafo enquanto filtro cultural. O registro vi- 42 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. FOTOGRAFIA E HISTORIA A Trajetéria da Fotografia Toda fotografia tem atrds de si uma histéria. Olhar para uma fotografia do passado e refletir sobre a traje- téria por ela percorrida é situd-la em pelo menos trés estagios bem definidos que marcaram sua existéncia. Em primeiro lugar houve uma intengdo para que ela existisse; esta pode ter partido do préprio fotégrafo que se viu motivado a registrar determinado tema do real ou de um terceiro que o incumbiu para a tarefa. Em decor- réncia desta intencao teve lugar 0 segundo est4gio: 0 ato do registro que deu origem 4 materializagdo da fotogra- fia. Finalmente, o terceiro estagio: os caminhos percor- ridos por esta fotografia, as vicissitudes por que passou, as mAos que a dedicaram, os olhos que a viram, as emo- gGes que despertou, os porta-retratos que a emoldura- ram, os Albuns que a guardaram, os pordes e s6taos que a enterraram, as maos que a salvaram. Neste caso seu contetido se manteve, nele o tempo parou. As expres- sGes ainda sio as mesmas. Apenas o artefato, no seu todo, envelheceu. A Fotografia, uma Fonte Histérica Toda fotografia é um residuo do passado. Um artefa- to que contém em si um fragmento determinado da rea- lidade registrado fotograficamente. Se, por um lado, este artefato nos oferece indicios quanto aos elementos cons- 45 ed (oayfou8erof oamags op Buprsiy) coves a eats petted opo3 op opouorzayes owawiBoas svoidy 020294 soDySYa}20409 canjrBuys “ooqum on a auodns ! we ‘opratuos epSoan3fuoo (opsnpoudas no pruytu0) vuveooLod SeayEsBOIOy SauOY Sep Opnasa OF o!FoJoporsut eUFaNbso :eotroIsIY AUOy olUENbUD EYLaBOI0} Y “7 O“pENe FOTOGRAFIA E HISTORIA titutivos (assunto, fotégrafo, tecnologia) que lhe deram origem, por outro o registro visual nele contido retine um inventdrio de informacées acerca daquele preciso frag- mento de espacgo/tempo retratado, O artefato fotografi- co, através da matéria (que lhe da corpo) e de sua expres- sao (o registro visual nele contido), constitui uma fonte historica. Este artefato é caracterizado e percebido, pois, pelo conjunto de materiais e técnicas que lhe configuram externamente enquanto objeto fisico e, pela imagem que o individualiza, 0 objeto-imagem, partes de um todo indivisivel que integram o documento enquanto tal. Uma fonte histérica, na verdade, tanto para o historiador da fotografia, como para os demais historiadores, cientistas sociais e outros estudiosos. Assim, uma mesma fotogra- fia pode ser objeto de estudos em dreas especificas das ciéncias e das artes (Quadro 2). Esta concepcao esta sub- jacente ao longo deste estudo. A Imagem Fotografica: Caracteristicas Basicas do Contetdo Nessa altura caberiam algumas consideragées quanto ao contetido das imagens fotograficas em termos da én- fase que thes foi imposta pelos fotégrafos no passado. Toda fotografia foi produzida com uma certa finali- dade. Se um fotégrafo desejou ou foi incumbido de re- tratar determinado personagem, documentar o andamen- to das obras de implantagdo de uma estrada de ferro, ou 47 BORIS KOSSOY os diferentes aspectos de uma cidade, ou qualquer um dos infinitos assuntos que por uma razdo ou outra demanda- ram sua atuacdo, esses registros — que foram produzidos com uma finalidade documental - representarao sempre um meio de informagao, um meio de conhecimento, e conterao sempre seu valor documental, iconografico. Isso nao implica, no entanto, que essas imagens sejam despi- das de valores estéticos. O grande fotégrafo Brassai (1899-1984) esclarece com lucidez este aspecto: A fotografia tem um destino duplo... Ela é a filha do mundo do aparente, do instante vivido, e como tal guardard sempre algo do documento histérico ou cientifico sobre ele; mas ela é também filha do retangulo, um produto das belas-artes, 0 qual requer o preen- chimento agradavel ou harmonioso do espago com manchas em preto e branco ou em cores, Neste sentido, a fotografia tera sempre um pé no campo das artes graficas e nunca sera suscetivel de esca- par deste fato’. Neste sentido o tema é captado através de uma “at- mosfera” cuidadosamente arquitetada; imagens onde a informag&o se vé registrada dentro de uma preocupagao plastica - uma estética de representagdo que pode ser, por exemplo, apreciada nas fotos de Paris dos anos de 1930 do préprio Brassai, ou pela obra de André Kertész (1894- 1985), Henri Cartier-Bresson (1908), Werner Bischof (1916-1954), Eugéne Atget (1857-1927), Ansel Adams (1902-1984), Manuel Alvarez Bravo (1902), Edward Weston (1886-1958), entre outros mestres. 8. Brassai, New York, The Museum of Modern Art, 1968, p. 13. 48 FOTOGRAFIA E HISTORIA A fotografia nao estd enclausurada a condigao de re- gistro iconografico dos cendrios, personagens e¢ fatos das mais diversas naturezas que configuram os infinitos assun- tos a circundar os fotégrafos, onde quer que se movimen- tem. A fotografia, por ser um meio de expressdo indivi- dual, sempre se prestou a incursdes puramente estéticas; a imaginagao criadora é pois inerente a essa forma de ex- press&o; nao pode ser entendida apenas como registro da realidade dita factual. A deformagao intencional dos as- suntos através das possibilidades de efeitos 6pticos e qui- micos, assim como a abstracéo, montagem e alteracao visual da ordem natural das coisas, a criacgio enfim de novas realidades tém sido exploradas constantemente pelos fotégrafos. Neste sentido, o assunto teatralmente construfdo segundo uma proposta dramatica, psicolégi- ca, surrealista, rom4ntica, politica, caricaturesca etc., embora fruto do imaginario do autor, nao deixa de ser um visivel fotografico captado de uma realidade imagi- nada. Seu respectivo registro visual documenta a ativida- de criativa do autor, além de ser, em si mesmo, uma ma- nifestagao de arte. Testemunho/Criacao: O Binémio Indivisivel Isto posto, retomo a colocagao do inicio acerca da definitiva atuacdo do fotégrafo enquanto filtro cultural: seu talento e intelecto influiriio no produto final desde o momento da selecao do fragmento até sua materializagao 49 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. BORIS KOSSOY via, ndo se dissociam, posto que ambas tém como niicleo central os prdprios documentos fotogrdficos. A mesma matéria e expressdo que os constituem trazem informa- Ges decisivas de um passado que lhes é comum. Em ambas as propostas — delimitadas as fronteiras dos objetos especificos da investigagao —, sao as multiplas fa- ces do passado que se pretende desvendar e compreender, constituindo os documentos fotograficos as fontes basi- cas tanto para uma como para outra, razdo por que se interpenetram, se complementam numa definitiva relagao interdisciplinar. Em vista disto, uma retroalimentagao continua de informagées e conhecimento é o que de fato ocorre 4 medida que as investigagGes se aprofundam nas suas especificidades préprias, disto resultando uma acu- mulagao substancial de novos elementos para o estudo da hist6ria da fotografia, bem como para 0 estudo do pas- sado através das fontes fotograficas. Contudo, o emprego da iconografia fotografica no trabalho histérico se deparara com enormes dificuldades na medida em que a propria histéria da fotografia nao tenha sido objeto de investigagdes abrangentes e aprofun- dadas. Reciprocamente, a hist6ria da fotografia se vera reduzida a uma histéria da técnica fotografica se os te- mas representados se virem desvinculados de suas condi- gGes de produgao; descontextualizados do momento his- torico-social em que foram registrados. 54 FOTOGRAFIA E HISTORIA Histéria da Fotografia e Histéria através da Fotografia: Diferenciagao Necessaria A partir do conteido documental que encerram, as fotografias que retratam diferentes aspectos da vida pas- sada de um pais sao importantes para os estudos histéri- cos concernentes as mais diferentes areas do conhecimen- to. Essas fontes fotograficas, submetidas a um prévio exame técnico-iconografico e interpretativo, prestam-se definitivamente para a recuperagio das informac6es. Assim as imagens que contenham um reconhecido valor documentdrio s4o0 importantes para os estudos es- pecificos nas dreas da arquitetura, antropologia, etnolo- gia, arqueologia, histéria social e demais ramos do saber, pois representam um meio de conhecimento da cena pas- sada e, portanto, uma possibilidade de resgate da memé6- ria visual do homem e do seu entorno sociocultural. Tra- ta-se da fotografia enquanto instrumento de pesquisa, prestando-se a descoberta, andlise ¢ interpretagao da vida histérica. Ja para a histéria da fotografia, o critério obviamen- te nao é o mesmo. Neste género de histéria é a prdpria fotografia o objeto da pesquisa. Interessam fundamental- mente os artefatos representativos dos diferentes periodos para que possam servir de exemplificagdo das etapas su- cessivas da tecnologia fotografica, dos estilos e das ten- déncias de representacdo vigentes num certo momento histérico de um determinado pais. Interessam sobretudo as imagens que documentam a diversidade de assuntos 55 BORIS KOSSOY que foram objeto de registro no passado, na medida em que representam exemplos da utilizagdo da fotografia nas mais diferentes 4reas. Também so importantes para essa historia as proprias circunstancias ligadas ao processo que deu origem a estas imagens, bem como o uso que delas se fez enquanto testemunho visual de certa situagao ou fato. Nesse particular, as fotografias publicadas, por exemplo, pelas revistas alemas da década de 1930 ou aquelas estam- padas em Life s4o preciosas fontes para o estudo do uso dirigido da imagem enquanto mensagem politico-ideolé- gica. O estudo das diferentes aplicagdes que a fotografia conheceu ao longo de sua histéria nao podera, pois, ser levado a efeito apenas como fendmeno “ilustrativo” iso- lado do contexto sociopolitico e cultural particular em que tais aplicagSes tiveram lugar. Cabe aos historiadores desse meio, segundo seus cri- térios pessoais e seus repertérios culturais, a dificil tarefa de, a partir da multidao de imagens que tém a oportuni- dade de pesquisar, destacar as obras que considerem prioritarias para a histéria propria da fotografia. Embora toda imagem fotogrdfica do passado seja em principio importante para a histéria da fotografia, é db- vio que, na elaboragao de um trabalho cientifico nessa area, imagens de importancia especifica para a propria histéria deste meio de comunicagao e expressio terao, num critério de selegao, um maior interesse; e, assim, re- ciprocamente. E claro que certas imagens significativas para a hist6- ria do pais, realmente tinicas e decisivas no registro de um 56 FOTOGRAFIA E HISTORIA fato histérico, tornam-se, por tal razao, igualmente im- portantes para a histéria da fotografia; isto nao quer di- zer, porém, que todas as imagens do passado sejam signi- ficativas para a hist6ria da fotografia. Estariamos diante de um equivoco tedrico e metodolégico. Nao se pode confundir a hist6ria da fotografia de um pais com a his- toria de um pais através da fotografia. As Fontes Fotograficas e a Pesquisa Historica Todo projeto que visa abranger determinado periodo ou tematica da manifestacdo fotogrdfica de um pais, e que pretenda realmente contribuir como obra de referén- cia para a histéria da fotografia local, nacional e interna- cional, nao é tarefa simples. Excluem-se aqui os paises que s¢ preocuparam, no passado, com suas memérias foto- graficas nacionais e possuem uma vasta ou ao menos razoavel bibliografia histérica na drea, ou aqueles cujas instituigdes culturais mantém registros especificos cuida- dosamente armazenados em bancos de dados, onde as informac6es encontram-se organizadas e disponiveis aos pesquisadores. Trata-se aqui dos casos onde inexistem le- vantamentos anteriores criteriosamente conduzidos, onde nada ou quase nada tem sido pesquisado, onde pratica- mente nao existe bibliografia especifica sobre o tema, quando tudo esta por fazer. Essa é uma empreitada longa ecomplexa como bem sabem os pesquisadores dos paises Se BORIS KOSSOY latino-americanos que se dedicaram a este trabalho de investigagado pioneira’. Uma das tarefas mais importantes, provavelmente a fundamental para a futura elaboragao do trabalho hist6- rico, € o rastreamento dos fotégrafos que atuaram numa regido e em determinado periodo, assim como a localiza- ¢do do que sobreviveu de sua producao fotografica origi- nal, muitas vezes esparsa em intimeros acervos distantes, e até no exterior, além das imagens que foram reproduzi- das pela via impressa, cujo contetdo, por ter sido multi- plicado, pelo menos preservou a informagao de um assun- to especifico da vida passada. Este trabalho se viabilizara através da consulta as mais diversificadas fontes, de paciente organizagao e fichamen- to das informagGes obtidas do cruzamento dessas infor- mages entre si e com aquelas que serao descobertas ao longo de futuras pesquisas, de forma a aferir continua- mente e com maior precisao os miltiplos dados e fatos que deverao ser, posteriormente, objeto da necessaria in- terpretacdo. Essa etapa de investigacées é basica por va- Tias razGes: * para se estabelecer uma cronologia desses fotégra- fos e seus sucessores, e assim obter um rastreamen- to da atividade fotografica nas diferentes regides e periodos; 1, Sobre a fotografia na América Latina ver 0 capitulo 6. 58 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is 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FOTOGRAFICO E O COMPLEXO DE ES DO MUNDO VIS{VEL QUE NELE SE ACHAM INSCRITAS E CIRCUNSCRITAS. ISBN 85-7480-060-0 MMO NEA 85 74"800608'

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