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José dos Reis 0 ApdstoLo oA Amazonia EURICO ALFREDO NELSON Rio de Janeiro - 1945 ‘Vi-se néste mapa do Brasil, cereada a vermelho, a regio imenia onde Nelson trabalhou como pionciro, désde 0 Acre até o Ceara. INDICE ‘Uma explicagio .. Uma palayra de apreciagio . CAPITULO I Nasce um menino na Suecia ‘CAPITULO: IT Nas terras da livre América CAPITULO IL A chamada do Mestre .. . CAPITULO IV 0 Arduo comego de um trabalho glorioso .. .. .. CAPITULO V 0 trabalho se consolida .. .. . CAPITULO VI © apélo do grande rio .. CAPITULO VIE No coragio da Amazonia .. .. CAPITULO VIIT © Apéstolo da Amazonia .. .. CAPITULO IX Do Maranhao ao Ceard oo 0... ee ee ce eee CAPITULO X A companheira ¢ ajudadora CAPITULO XI Oifinndo Hdsilor’ sy im ae ia d9 ta. 00 ass ms pote CAPITULO. XI (COREL UERO a ss ie: 2 i ms me Ma oa A Pag. 6 13 18 an 7 5a 59 64 72 Euplicagéoa Tive a idéia de eserever éete livro depois de ter ouvide dr, L. M. Bratcher falar sébre Eurico Alfredo Nelson, no “Dia Missionario” do Semimirio Teolégico Batista do Sul, rea Jizado em junho de 1943. Senti entdo o quanto seria inspiradora a vida admiravet do “Apéstelo da Amazénia” contada aos nossos mogos © © quanto poderia ela concorrer para o despertamento de voex gées para o ministério e de vocagées missionari: Nao é esta uma obra literéria. Nao busquei sugestées ma téenica das modernas biografias romanceadas. Antes procurei fazer obra honesta, sincera, simples e desataviada e espero que constitua de fato um apélo que impressione nossoe mogos ba- tistas. Quere expressar aqui minha gratidéo se de. I. M. Prat cher que me pés & disposigée todo o material de que dispu- nha. Agradeco também ae preciosas informacées que me deram os irmaos Djalma Cunha, W. C. Taylor, Tomax L. Costa e Joao Daniel do Nascimento. Composto com espirito de oracio espero que Deus aber- ge éste livro, permitindo que dle seja realmente uma fonte de inspiracdo constante para a mocidade batista brasileira. Rio, junho de 1945. José dos Reis Pereira. UMA PALAVRA DE APRECIACAO Quando em 1935 visitei pela primeira vez o gramde Ama- zonas, ao saltar no cais de Manaus, 0 irmio Nelson me rece- beu com estas palavras: “Pois hem, finalmonte 0 senhor esta ‘visitando o Brasil verdadeiro”. Estas palavras exprimiam © pensamento © 0 amor do “Apéstolo da Amazénia” em re- Jago & terra onde, durante quase meio século, Eurico Alive do Nelson dedicou sua vida ao trabalho de difundir as Boas Novas de Salvacio. Para éle Brasil era wonia e « sal- vagio da Amazénia foi a paixio de sua alma. Naquela tarefa @le empregou todos os seus talentos, toda a sua energia, todo seu amor. Durante trés meses daquele ano, viajei com o irmio Nel- son, subindo ¢ descendo os caminhos fluviaix da regio inte- Yessante‘e atraente. Senti, 0 amor verdadciro que 0 povo de~ dicava ao mensageiro da paz, 0 tinico durante muitos anos, a visitar aquelas paragens. Foi ontéo quo me navcen 0 doseje de preparar o material para uma biografia daquele grande ‘batalhador! Porisso combinei com o itmio Nelson uma visita mais demorada em 1939. Fiz a viagem, conforme disse 0 autor, e, logo depois de eneontrar-me com 0 irmio Nelson procurei mostrar-the a necessidade de tal obra. Era tio mo- desto que relutou muito contra a sugestéo por mim apresen- tada. Sé depois de argumentar com éle durante um més foi que se convenceu do valor de um plano para tornar comeci- das as necessidades do seu amado campo. Logi depois co- ‘mecou a preparar o material com grande entusiasmo. Deus nio permitin que éle o fizesse porque o chamou trés dias depois de iniciar definitivamente o trabalho. Continuei a obra, mas com a intengio de publicar a bio- grafia primeiramente na lingua inglesa c, mais tarde, em © APOSTOLO DA AMAZONIA 7 portugués. Outra vez Deus mudou os nossos plano: porque a enfermidade nfo permitiu que en completasse o trabalho em inglés. Entéo fiz tudo para descobrir alguém que_pu- desse preparar a obra na lingua portugnésa. Outra vez Dens providenciou. Como © autor conta na sua apresentacio, falei sébre a vida de Nelson numa reunigo missionéria no Semindrio do Sul. Estava presente Prof. José dos Reis Pereira ficou impressionado com a idéia da publicagio da hiografia com 0 objetivo de influenciar a Mocidade Batista para a tarefa mis- siondria na Patria Brasileira. Poucos dias depois revelou-me ‘9 seu plano e pediu o material para o trabalho, Foi para mim um grande prazer colocar & sua disposigao todo 0 material co- Thido aqui ¢ na outra América. © prof. Reis consagrou muito tempo & obra ¢ eis os re- sultados daquele esférgo: “Eurico Alfredo Nelson, O Apésto- lo da Amazénia”. Quando o original me chegou as mios, quase mao pude esperar até que dispusesse de um tempo me- nos ocapado para examinar 0 livro, tal era o interésse que eu tinha em saber ae o livro era aqiele quo Neloon merecia Perguntei a mim mesmo se seria possivel um mogo Pastor Professor sondar profundamente 0 amor e o espirito missio- nirio do Apéstolo para depois apreeenté-lo aos batistas bra- sileiros! Porisso reservei uma noite exclusivamente para exa- minar 08 originais. Sem fazer favor algum ao autor, posso afirmar, com téda sinceridade do meu coragio, que o livro 6 um retrato fiel do obreiro, da sua ajudadora e do trabalho que éle fez. Naquela agite vivi de novo com Eurico Nelson ¢ viajei de novo pela Amazénia em companhia daquela grande alma. Ao termi- nar a leitura procurava seher como é que o Pastor José dos Reis Pereira pode apresentar to fielmente o Apéstolo da Amazénia. Creio que a resposta se encontra nestas razées. Primeivo, o irmio Reis se dedicou & tarefa, com todo 0 8 0 APOSTOLO DA AMAZONIA amor do seu coragio, um ambr que visa a salvagéo da Pétria. Sendo assim, 0 Espirito Santo o ajudou a interpretar a vida do Apéstolo. Em segundo lugar, « autor se aprofundou no assunto de tal maneira que chegou a compreender ¢ apresen- tar 0 verdadeiro espirito missionarie do irmio Nelon. Em tereeiro lugar, 0 seu perféito conhesimento do assunto ¢ da Hingua tornon possivel um retrato perfeito do Apéstolo. Por todas estas razdes reafirmo que a obra é um retrato fiel da personalidade apresentada. Com alegria ¢ com grande gratid apresento esta biografia aos hatistas brasileiros e aos outros que conosco amam a causa do Evangelho. De modo todo especial desejo apresenticla i Mocidade Ba- tista Brasileira esperando que a imspiracio déste livro posta chamé-la para uma grande tarefa, qual seja a de com- pletar a obra que 0 irmao Nelson nio pode terminar ¢ a que le deu a sua vida. Dou os meus sinceros parabens ao Prof. José dos Reis Pereira pelo preparo do Livro porque é uma contribuicio de grande valor para a obra missionaria no Brasil. Que éle ou aiaix alguém, seja inspicado a preparar outras biografias até que os vultos batistas brasileiros sojam conhecidos aqui ¢ no estrangeiro. Que sejam preparadas hiografias do Dr. Joaquim Nogueira Paranagué, Joaquim Fernandes Lessa, Franciseo Fulgéncio Soren e de ou'ra que tém contribuide tanto para a obra missionéria no Brasil. Que Deus use éte livro para sua honra ¢ gléria e para a salvacio da Amazénia 4 qual Nelson dedicou todo scu amor e toda a sua vida. a Deus © a0 autor, L. M. Bratcher, Sec. Cor. Tes. da Junta de Mixedes Nacionais. Rio de Janeiro, 5 de julho de 1945. CAPITULO 1 NASCE UM MENINO NA SUECIA Nas proximidades de Orebro, linda e pitoresca cidade, & heira do lago Hielmar, na Suécia, a6 amanhecer do dia 17 de Dezembro de 1862, uma certa casa estava em festa, Era inverno, um désses bravos invernos escandinavos que sio qualquer coisa de impressionante ¢ incompreensivel para nés brasileiros, habitantes dos trépicos que,.a menor descida da temperatura jé hatemos valentemente os queixos e retiramos das gavetas todos os agazalhos disponiveis. Nés nunca sou- hemos 0 que é marcar um termémetzo alguns graus abaixo de zero. Por sua vez para a gente nérdica & coisa absoluta- mente inédita uma temperatura de 40 graus. Imaginemos agora, por um momento, um homem nascido na terra da nev edo gélo vir trabalhar ‘na fornalha equatorial do Amazor © ai gastar a maior parte de sua vida. Os planos de Deus sio de fato insondavois e tronscendem oe limites de nosoa com. preensio © os raciocinios de nossa Wgiea. Nossa idéia 6 que #6 mm sertanejo tostado pelo sol, afeito ao clima ¢ ao am- hiente, acostumado as soalheizas © aos calores, de corpo fe~ chado para as febres, poderia enfrentar a espessura e as sur- présas da “selva selvaggia” do inferno verde. Entretanto foi de um branco e delieado filho do Norte nevoso que Deus féx © ebreire por exceléncia do equador brasileiro Naguele dia gelado de dezembro de 1862 nascon éle. Era © terceiro fitho de André ¢ Ana Maria Nelson. Ana Maria era luterana convieta, mas André ainda nio se tinha decidi do por ése tempo, em matéria de religiio. Assim, quando Ana Maria quis hatizar 0 pimpotho, segundo 0 tito luterano, André mio se opés, explicando, com bom humor, que wm 0 © APOSTOLO DA AMAZONIA ‘ de agua na cabega néo iria fazer mal ao garoto. Désse do, em 9 de janeiro de 1863, havia mais um luteranozinho cidade de Orebro. Chamava-se Erik, Eurieo. Seis anos vive 0 pequeno Eurico na sua cidade. As wargens do lago azul e trangiiilo talvez tivesse sentido, pela primeira vez, 0 futuro missiondrio, 0 amor pelas grandes iynas sossegadas. Seu pai tinha recebido por doagio a pro- priedade em que vivia. Diga-se, de pascagem que a terre nao era grande coisa: rochosa, aspera, nio ce prestava para nenhuma cultura. Mas André Nelson cra industrioso ¢ traba- Ihador como poucos. Nao se deixou abater pela esterilidade dla terra. Dotou-a de melhoramentos tais que o Inspetor do Govérno premiou-o pela industriosidade revelada. Ble pr prio constrain uma: maquina debulhadora que era movida Trea de cavalos. Com a idade de 6 anos Burico foi encarre- gado de guiar os eavalos porque em sua casa todos tinham qque trabalhar Foi também com essa idade que Eurico comecou os p: meiros estudos. Havia escolas espalhadas por téda a Suécia © 0 govérno, no Touvivel intuito de levar a instrucéo a todos 08 recantos do pais, enviava professores eepeciais que ensi- uavam alunos isolados, nos lugares em que néo houvesse es- cola. Assim foi que Eurico teve a oportunidade de estudar durante dois trimestres. O professor e sua espésa eram ba- Listas. Foi nessa ocasiio que André Nelson teve oportunidade de conhecer os hatistas ¢ suas doutrinas. Era éle um investi- gador sincero, do tipo dos sempre relembrados bereanos, que io se tinha’ decidido ainda quanto a religido, justamente porque o luteranismo nio o satisfazia. Conhecendo, entretan- to, 03 ensinamentos batistas e conferindo-os na sua Biblia, Jc se convencen € se convertew. Quando um colportor pas- sou por sta casa, André foi batizado. A ceriménia 36 pade ser realizada & noite, porque no era prudente naquele tem po fazer demonstragées publicas duma seita perzeguida como O APOSTOLO DA AMAZONIA 1 era a dos batistas. O povo era intolerante, como soem ser, via de rogra, todos os adeptos de religides oficializadas. Base era 0 caso do Interanismo na Suécia, Um das vitimas dessa intolerancia foi justamente o colporter que batizou André Nekon. A sanha popular voltou-se contra éle, prenderamano € 0 agoitaram, quebraram-The uma perna e, fixalmente, lan. garam-no no lago para que pereceste afogado, Mas o “here- je” tinha © auxilio de Deus e, como Paulo em Listra, eseapou do crime: a0 tocar a agua fria, recobrou os sentidos que ha- via perdido ante a violéncia dos agoites © apesar das dorea sofrides por causa da perma qnebrada, nadou para a mar- gem. Muito: anos mais tarde, quando jd era missionSrio, Eu- rico Nelson encontrou ésse veterano colportor no Estado nor- teamericano de Kansas. ‘Tornando-se batista, um dos primeiros cuidados.de An- dé Nelson foi organizar uma Escola Dominical em sua casa. A escola se desenvolveu de tal maneira que André se sentiu impelido a imiciar também pregacdes evangelisticas. Dentro em ponco, com perseguicdo e tudo, gragas a essa tenacidade caracteristica dos batistas, mma igreja era fundada e uma casa construida de troncos de madeira era a ela destinada. Até hoje existe 0 cdificio e néle ainda funciona uma igreja batista. Os batismos, pelas razdes que ji foram apontadas, tinham que ser efetuados & noite, sem muita publicidad. A ceriménia parece que tinha o dom de atigar a irritabilidade dos perseguidores. Passado algum tempo, André Nelson que jé era diécono da igreja, tornou-se também pregador, afim de melhor con- correr para 0 desenvolvimento da obra. Mas as questées pro- yenientes da contribuigéo obrigatéria para o sustento da igre- ja oficial tornaram-se tio constantes e prementes que muitos Datistas suecos comecaram a abandonar a patria em demanda dos Estados Unidos, terra tradicional da liberdade religiosa € que sempre acolheu generosamente todos aquiéles que, de- 12 © APOSTOLO DA AMAZONIA sejando adorar a Deus segundo os ditames de’ sua consciéncia, exam perseguidos pelo oficialismo intolerante. André Nek son um dia também compreendeu que era chegado o tempo de abandonar a patria e buscar aquela terra distante e hos- pitaleira que do outro Jado do Atlintico the acenava com a liberdade. Assim foi que em Abril de 1869 éle partiu de Gotemburgo com sua familia, liderando um grupo de 300 compatriotas, entre 08 quais estava grande ntimero de batis- tas. O navio os deixou no porto de Hull, na Inglaterra; de 14 seguiram por terra para Liverpool onde embaréaram noutro navio que féz escalas na Irlanda e no Canadé, antes de azor- tar em Nova York. Foi nessa viagem que Eurico Nelson teve © primeiro contacto com os catdlicos. E que, ao parar na Trlanda, embarcaram no mavio em que iam os Nelson, algu- mas centenas de catélicos irlandeses, também em busca duma terra mais fértil © mais livre. Bles gastavam o tempo da via- _gem em algazarras ¢ dansas, como, bi que, para grande escindalo dos rigidos batistas succos que acom- panhavam André Nelson. Mas se porventura se levantava uma tempestade, dessas que fregiientemente punham em pe~ rigo a vida dos que mayegavam pelo Atlantico Norte, 08 ca télicos cessavam amedrontados o seu baile e os batistas se punham de joclhos em oragio. Muitos anos mais tarde Bu- rico Nelson, numa terra tradicionalmente eatélica, iria ter um contacto mais intimo © profundo com a volubilidade ea- télica e sua temerosa ineficiéncia em face das tormentas da vida. ‘companheira, Dona Ida Nelson. tirada em 1935, aninaNang DA EGREEA «& BEUS meet iin: anh tna Sonde ypsial ilar gow fodoe, cnayrie ast 9 raat Diving ede ebvnso sotey treges ne yrs que ted! fe etener prose oe Sejadeun terde Sump fo Duns eiprase siivineron=o gate cera Sipiar ovrmunon aon pans gonan Brash a Sanns panto pot watcral To inte t,t 3814 {Bengt J in er prin ome fas ay gain w ease ies fo er . tte title ar mio Sr enim sn pl pease cm rpc prgue rao guees yop Dre wo ra fate TS erat sde mondo. Enotes delineate {sce cine solar ay twas delonvem tr an ‘reeado tsi irae nia ten sae pore fos Tumentaria sare lhe , con fo nn leap do Nos ‘osa, Aput Te enna cv vera tonto vada do Tho fmevsnnsio. vit an diac ye Nos tv atom rat ae in 0 dius’ e-aaoson a toton= asim sora tambeen winds Jo illo do hotmem, tao, dis caaran em camps ser ora, w dado otra. in eaarda gents ‘qua horn tn de virw'voeso Soar: Mas considera ito; su 0p da Camila eouhewss « fue vay da wete avn ir ota tous ce ae toon apara ds voles a5 ov on lla sda “o's pdr en latateda dtr, {ioe que nip teorm se anagetho cn muna Seakor deans Christa ov nates tiga, pudesergo tere pouigv, assis Dias falls que respuniira Ph sp felsus polars le Bows. 0G para —oserawe miarael Hd papa ay his J ton vat porir eazado tacas alan, ela oistew por da "eo? simile do 1°. némero da “CIRCULAR DA IGREJA DE DEUS" jormalzinho composto por Nelson na Primeiza Tgreja de Manaas, CAPITULO IL NAS TERRAS DA LIVRE AMERICA Quando a familia Nelson chegou aos Estados Unidos, 0 pais ainda estava se refazendo das profundas feridas causa- das pela guerra civil. Era presidente Ulisses Grant, 0 general chefe das tropas federais. André Nelson partiu de Nova York para o Estado de Kansas, justamente no centro da zova terra. Grande parte da viagem foi feita por estrada de ferro. Nesse tempo os trilhos s6 iam até a cidade de Ottawa, ja no Estado de Kansas. Dai por diante os Nelson prosseguicam a viagem num carro coberto, puxado por juntas de bois, exa~ tamente como os pioneiros que devassaram e povoaram o “far-west". Chegados que foram ao destino, comecou a faina de eultive do solo dadivoso. Ao pequeno Enrico coube a guarda dos rebanhos. ‘A cidade mais préxima do lugar onde éles ficaram era Humboldt, a eérea de 15 quilémetros, mas a estrada de ferro ainda nao paseava por ela. Todavia, ésse signo do progresso nao tardou a chegar a Humboldt e André Nelson féz um contra- to com a ferrovia, comprometendo-se a prestar-Ihe alguns ser cos. Uma outra estrada dentro em pouco foi também cons- truida e os imigrantes aproveitaram-se das novas possibilida- des que Thes abriam os transportes para plantar milho, aveia ¢ trigo em grande quantidade. Enrico continuava tomando conta do gado. Foi ésse 0 seu servigo até a idade de 14 anos. 'Tinha como ‘obrigacao levar os bois a pastar e passaya com éles nos campos todo o dia. Freqiientemente ordenhava alguma vaca para matar a fome ou saciar a séde. E quando chegava a hora de levar as ré- zes a beber, éle ia a frente afim de dar uns gostosos mergu- “4 © APOSTOLO DA AMAZONIA ca ¢ clara do rio. Essa eapécie de aprendiza~ contacto com a natureza, valewlhe aquela ad- complcicio fisiea que tanto o ajudou na resisténcia a provagies constantes do seu futuro apostolado. rabalho tinha que ser intenso ¢ no podia dispensar io de ninguém, nem mesmo de um menino como Eu- . Por isso teve que descurar os estudos que iniciara na \‘cia. 86 podia dispor de tempo para estudar no inverno, imo 6, durante trés meses. E assim mesmo sempre havis uito servigo em easa e Enrico tisha que “matar” as aulas, Por trés invernos sucessivos éle procurou eursar a escola. Ia is aulas um dia ¢ era obrigado a faltar dois ou trés. Atra~ zava-se com isso ¢ quando voltava tinha que empreger dobra- do esférco para alcangar os companheiros. Era uma luta ti- ténica aquela em que se empenkava 0 pequeno sueco. Mas devem ser dadas gracas a Deus por essa escola de esférco & trabalho em que se apurou a témpera do grande missionario de nosso sertio. Enrico comecou pelo segundo livro de leitmra mas 96 pode chegar até v quartu. Al, a vista dus irregularidades de freqiiéncia, nfo quis saber mais de escola. Nao consta que tivesse tido mais tarde qualquer outra oportunidade para estudar, Foi és:e, portanto, todo o preparo escolar de Eu- rico Nelson. Deus, de quando em quando, mostra 0 seu poder chamando homens como éle, sem cogitar absoluta- mente de sua falta de preparo inteletual. Note-se, todavia, que Deus, quando assim faz, da provas inequivocas de cha- mada, contra as*quais sio inteiramente desassisadas quais- quer previsées on imposigées humanas. E nio se deve confundir tais chamadas, raras e especiais, com a ignorancia pretensiosa de alguns, que teimam em desobedecer aos con- selhos divinos e de irmos mais experimentados, dio de mio A muitas oportunidades que thes sao apresentadas para esta- dar um, pouco mais e depois vao fracassar no ministério, por- © APOSTOLO DA AMAZONIA. 15 que nio se prepararam devidamente. Deus chama pescado- zea simples.como Pedro, mas também chama homens cultos como Paulo. fle envia homens sem preparo intelectual como Nelson, mas também envia homens formados como Bagby. E cada um féz 0 seu trabalho. Deus chama e os homens nem sempre distinguem a chamada, mas também aqui 6 verdadei- ro 0 prognéstico: “pelos fratos os conhecercis”. Pelos fru tos de um ministério pode-se perceber muito cedo se 0 ho- mem no s¢ antecipou ao cumprimente da vontade divina © se nio comecou 2 sua obra completamente desapercebido do que Ihe era indispensivel para levé-la a termo. Convém ainda observar, baseados no testemunho de seu irmo Carlos, que Eurico Nekon era um menino dotado de singular inteligéncia ¢ grande vivacidade de espirito. Jornais ¢ livros que chegavam a sua casa eram por éle devorados com sofreguidao; lia-os de fio a pavio, retendo tudo quanto ha- via Hido. Assim sua inteligéncia © sua eapacidade retentiva, supriam as falhas de sua instrugdo. Eurico Nelson aos quatorze anos era um rapaz desem- penada e forte, que vivia pelos campos em companhia dos seus bois, correndo, nadando ¢ cantando. file se sentia & vontade naquela terra que antes havia pertencido aos indios € que éstes haviam enchido com suas correrias e guerras. Como eram diferentes aquelas planicies verdes ¢ infin- @aveis, sob um céu azul e escampo, como eram diferentes das penedias esearpadas e do céu enfarruscado da Suécia, enja Jembranca ia se esvanecendo pouco a pouco na meméria do menitio vaqueiro. Via éle passar despreocupidamente 03 dias sem nenhuma inquietagdo de carter espiritual. Logo que seu pai ¢ 0s compatriotas batistas haviam chegado & nova terra, haviam fundado uma igreja que se iniciou, pequena ‘mas forte, com vinte ¢ cinco membros. Eurico freqiientava a igrejay mas freqiiemtava por freqiientar, nao tendo sentido nenhum impulso de conversio. Seus ideais estavam muito 16 © APOSTOLO DA AMAZONIA Jonge de uma vida inteiramente consagrada ao trabalho do Semhor. ‘Mas, por ésse tempo, em prinefpios de 1877, a igreja re- solveu realizar. um: grande esforgo de avivamento. Sérios problemas haviam antes sacuilide « novel congregacéo. Um pregador adventista havia entrado feito lobo 110 meio do re~ hanho e o proprio pastor da igrejn se deixou levar no érro. Reagindo contra a heresia, a igtcja excluiu 0 pastor © esco- Theu André Nelson para ocupar o lugar vago. André desejou com 0 avivamento fazer esqueeer a4 provagées passadas © preparou um saléo bem grande, especialmente para as reunides que ze deveriam efetuar. Os membrox da igreja empregaram, toda a diligéneia para que 0 tra fouse hem sucedido. O meamo entusiasmo c a mesma dedicagio com que se entrega- vam aos trabalhos do campo, éles a npregavam no tra- balho da igreja. Trabalharam ativamente, fervorosamente, por semanas a fio, ¢ quando chogou a hora da colheita, 0 Senhor ‘0s abengoou concedendo-lhes muitos frutos. Na casa de André Nelson duas foram as converades: a de set filho mais velho ¢ a do pequeno Eurico. Assim aos quatorze anos, no dia 10 de abril de 1877, Eu- rico Nelson, batizado por set proprio pai, confessou piblica- mente a Jesus Cristo, manifestando 0 propésito de viver por Ble uma vida nova, que deveria ser muito mais gloricsa do que aquela que. éle havia sonhado nos seus devaneios infan- tis, enquanto conduzia o gado paterno através das verdes pla- aicies de. Kansas. ‘Tendo seus irmios mais velhos deixado o lar pars cor- rer mundo, ficou decidide entéo que Eurico ficaria em casa, cwidando dos trabalhos da fazenda, até completar vinte ¢ dois anos. fle trabalhou, pois, até essa idade com sea pai, cumprindo religiosamente as suas obrigagdes na manutengio ¢ desenvolvimento da fazenda. fece trabalho arduo, mas saudivel, realizado 0 arlivre, © APOSTOLO DA AMAZONIA 17 sob a béneSo do sok ardente e do céu azul, constituiu para Enrico Nelson uma preparacéo fisica ideal para a magnifica ¢ também Ardua tarefa que teria de realizar mais tarde na Amazénia, A maior parte das responsabilidades no trabalho da fazenda recaia sdbre seus ombros © éle teve oportunida- de entéo de desenvolver o espirito de iniciativa, a capacida- de de esforco e a resisténeia fisica, dotes que depois tio bem © caracterizaram. Quando completou vinte ¢ dois anos seu pai resolven di- vidir a terra entre os seus filhos. Cada mm déles recebeu uma boa parte para cultivar a seu modo ¢ sob sua imteira responsabilidade. Era, sem duvida, uma bela oportunidade para Eurico ee firmar definitivamente na regido, desenvol- ver o que recebera, constittir familia e se tornar um préspe- ro fazendeiro. Para isso nfo the faltavam qualidades. Mas © mesmo espirito aventureiro que j4 havia levado para longe 08 irmaos mais velhos, apossou-se também de Eurico, Sentia- se atraido para os Jargos campos do Texas. E tinha a im- pressdo de estar amarrado e oprimide dentro dos limites da fazonda paterna. Queria respirar a largos haustos o ar das terras distantes. Embora dono de sua parte de terra éle se sentia peado nos seus desejos ¢ aspirava sex livre, absoluta- mente livre, senhor integral dos seus destinos. Cansava-lhe aquela monotonia da vida doméstica. Assim numa resolugio stibita, mas que vinha apés maduras reflexdes, rompen to- dos os lagos que 0 prendiam A casa paterna e rumou para o cul. Entre os Jagos rompidos figuravam os da religio. O mogo queria ser integralmente livre... CAPITULO HI A CHAMADA DO MESTRE Saindo de casa Nelson foi trabalhar nos Estados de Te- xas ¢ Oklahoma. Era agora um completo vaqueiro, habil em condazir gad, Ganhou mesmo certa fama como eavalei E’ désse tempo um episddio que da idéia da férea energia que muito havia de servir ao futuro missionério. Havia na fazenda em que Nelson trabalhava um cavalo considerado in- domivel. Ninguém ainda tinha conseguido dominar o animal. Nelson foi desafiado a fazé-lo. Caso conseguisse o cavalo seria seu. Era um lindo cavalo nogro, de pelo luzidio, ardego ¢ forte. Nelson, a principio relutou. fle néo era nenhum do- mador para cavalgar semelhante fera. Mas a tentagdo era muito forte ¢ 0 moco decidiu-se. No dia seguinte, apés alga- mas horas de luta, em que 0 cavaleiro dispendew larga soma do energia © de astticia, 0 belo “Black” regressou A fazenda trazendo montado 0 seu primeiro vencedor e agora legitimo dono. Um outro episédio, ocorrido nesse mesmo tempo, também revela que Nelson quando tomava uma decisio néo voliava atrés. Ele havia combinado com um companheiro de traba- Tho comemorar o feriado nacional do 4 de Julho, dia da in- dependéncia, subindo ao Monte Oray, um dos mais altos dos Estados Unidos, com cérca de 4 mil metros. Na hora de sair para a ascengéo o companheixo desistiu. Achou, naturalmen- te, que mao era negécio gozar um feriado grimpando pela: ex carpas perigosas do monte, arriscaurdo-se e esfalfando-se. Mas Nelson ja havia decidido que naquele dia subiria a0 monte ¢ foi sdzinho. A ascengfo era dificil ¢ por-muitos considerada impossivel, mas Nelson venceu mais essa prova. © APOSTOLO DA AMAZONIA 19 Levado pelo seu desejo de aventura e de conhecer novas terras, Nelson percorreu varios Estados: Oklahoma, Texas, Co- Jorado, Novo México. Trabalhou algam tempo na construgio da famosa estrada de Santa Fé. Nao se deu muito bem, en- tretanto, com éece trabalho ¢ voltow a lida doa ranchos. Fi- xou-se entéo em Central Park, trabalhando como domador de avalos. Foi nessa ocasiéo que éle encgntrou um amigo, um texano de nome, Georges' House, com quem esteve a pique de vir para o Brasil. Corria por essa época 0 boato de que 08 ranchos iriam ter espaco Timitado para a eriaeio de seus ¢a- valos. Nelson nio podia se conformar com essa idéia. Ble queria espaco & vontade para Jongas ¢ interminaveis galopa- das. Por isso comecou a procurar nos mapas um lugar em que fésse absolutamente livre para correr légnas e léguas 6 fim. Foi quando seus olios cairam séhre as planicies do Rio Branco, so norte do Amazonas ¢ que Ihe pareciam ideais para acringao do gado. Foi presstroso procarar sen amigo Georges Encontrando-o comecaram logo a falar sébre 0 assunto obri- gatério nas rodas de vaqueiros: a limitaczo do espaco para a eriagdo. Georges estava certo de que a noticia nao era sim- ples boato. — Que 6 que vamos fazer agora? disse Nelson. — Nao sei. Que é que vocd esté pensando, respondew Georges percebendo que 0 amigo timha algum plano. — Vamos para o Brasil. — Brasil? Onde fica isso? replicou 0 outro meio espan- tado. — FE’ li na América do Sul. Ha um grande rio, chamado Rio Branco, que hanha as mais belas pastagens do mundo. Garanto que }é arranjaremos lugar & vontade. — Talvez, respondeu inerédulamente o amigo. Mas voeé nio acha que fica um hocado longe ésse Iugar? — Que importirreia tem isso? respondeu Nelson, sentin- do 0 coragio hater mais fortemente 4 idéia de mais outra 20 O AP6STOLO DA AMAZONIA aventura. E para éle néo tinha importancia mesmo. As dis tncias néo Ihe faziam. diferenca. Empolgado pela sua idéia le imaginava e deserevia os campos do Rio Branco como se Ja ja estivesse estado. E pensava na viagem para terra tao Jonginqua com o mesmo otimismo com que decidira e realiza- ra a ascencio 20 Monte Oray. Georges foi conquistado pelo entusiasmo verdadeiramen- te eontagiante do amigo, Comecaram ambos a tragar afoita- mente os planos de partida para o Brasil distante e desconhe- cido, que Thes prometia fortuna facil. Ji se viam dirigindo vastos rebanhos, de milhares de ¢ colinas do Rio Braneo. Max aly House deixou 0 rancho © helo pl Assim, pela pri » nome do Brasil © particular. mente o do Amazonas, surgiu no pensamento de Nelson. Mais tarde le iria realizar weu ideal de vir para a terra do Cruzeiro, com a diferenca que scu trabalho seria muito mais glorioso que o de eriador de cavalos ¢ bois. Quando se aproximava o Natal de 1889 a sandade do lar comegou a torturar 0 coracio do jovem “cow-boy” errante. Para completar a obra da saudade chegou uma carta paterna convidando-o a comemorar com a familia a festa tradicional. Nelson retomou, pois, o caminho de Kansas. Passado o Natal seu pai insistiu com éle para que 0 ajudasse no trabalho de wma nova fazenda que adquirira. As grandes planicies © as correrias a cavalo foram esquecidas por algum tempo. Depois de um verio particularmente trabalhoso houve um esfrco de avivamento na igreja. Eurico de hé muito que se havia afastado do evangelho, mas 0 movimento da igreja o im- pressionou ¢ éle se pos de novo a ler a Biblia desejando en- contrar mela a vontade do Senhor a seu respeito, Através dessa leitura 0 Senhor Ihe falou ¢ éle voltou resolutamente para a igreja. Reconciliou-se © desde Jogo, com seu eatu- © APOSTOLO DA AMAZONIA 21 siasmo caracteristico, foi tratando de fazer alguma coisa para Gristo, como que tentando ressarcir o tempo perdide. Certa mana, ao acordar, pareceu-lhe que ouvia um ho- mem a the falar, dizendo as mesmas palavras de Deus a ‘Abraio: “Sai de tua terra para a terra que eu te mostrarei”. ‘As palavras pareciamslhe claras como se de fato um homem as tivesse pronunciado. Todavia Nelson nao Thes deu muita atengio. Levantou-se ¢ foi para a refeigio matinal. A fa- mnilia téda estava reunida em t6rno 2 mesa. Terminada a re- Seigio, de acdrdo com 0 costume, André Nelson abriu 2 Bi lia para ler, Todos prestavam atengio reverente. E André principiou a ler, justamente em Génesis 12, as mesmias pala vras que Eurico ouvira ao levantar. A impressio produzida no espirito do rapaz foi grande. Néo disse palavra a nin- guém mas esereveu a um seu irmdo que morava no Colorado dizendo-lhe que se sentia chamado para o servigo de Deus, mas nao podia deixar seu pai areando sizinho com as rex ponsabilidades e 0 trabalho da nova fazenda. Convidava seu irmio a orar sébre o asstinto ¢, eato concordasse, a vir para a fazenda enquanto dle, Eurico, se dediearia & pregasio. Joso Nelson recebeu a carta de sou imo de manha. Lendo- a, pensou consigo mesmo: “Nao vou. Estou muito bem aqui @ nao mo interessa sair.” Entretanto, antes das quatro horas da tarde, as coisas no rancho haviam mudado de tal maneira que éle nfo podia permanecer mais ali, ainda mesmo que quiesse. Jofo vin que estava ainda em tempo de tomar 0 trem e asim embarcou e foi levar em pessoa sua resposta a Enrico. Ao terminarem os trabalhos do veréo no campo, em setembro de 1890, Enrico Nelson pregou em lingua sueca sen primeiro serméo. Foi na igreja que seu pai dirigia em Chanute, Kansas. Comecou entéo a pregar em diversos In- gares, sempre que tinha oportunidade. Nunca dependeu de nenhuma igreja para sustentar-se. Também nio solicitava ofertas, limitando-se a aceitar, agradecido, aquilo que The 22 © APOSTOLO DA AMAZONIA. davam. Confiava que o Senhor néo iria desamparar sea servo que Ele tao claramente havia chamado para a obra da pregacio. Foi por essa confianga absoluta no Senhor que éle ve animou a vir para o Brasil mais tarde, sem nenhuma pers- peetiva de auxilio. Numa dessas viagens Nelson foi encontrar uma colénia de emigrados suecos que eram também batistas, ‘Tinham uma igreja, mas nfo timham pregador. Foi nessa igreja que ale encontrou pela primeira vez certa moca chamada Ida Lundberg. Ela viria a ser a companheira dedicada e pronta que partilharia com éle as alegrias ¢ as lutas do trabalho na Amazénia. Por ésse tempo Jeu Nelson, num jornal batista sueco pu- blicado em Chicago, uma carta do dr. W. B. Baghy, 0 gran~ de pioneiro do trabalho batista no Brasil. Bagby estava no Brasil ha oito anos ¢ na sua carta dava noticias do pais ¢ do trabalho que néle efeimava. Dizia que o Brasil tinha-se tor nado uma reptbliea e era agora um campo aberto para a pregacio do evangelho. A velha idéia de vir para o Brasil se aposou de novo do espirito de Nelson. Arranjou um mapa e sobre le debrucado comecou a estudar, com um fervor apaixonado, os rivs ¢ vales do Amazonas. Para o Amazonas havia pensado em ir, nos dias em que esteve longe de Cristo, afim de ganhar dinheiro; para o Amazonas pensava agore de novo em ir, mas atendendo a vontade de Cristo, para ganhar almas. Continuow a trabalhar ativamente na pregagio mas nada The tirava da mente a idéia de vir para o Brasil. O Brasil 0 chamava ¢ tédas as suas fibras The diziam. que atendesse a0 apélo. Falon com eeus pais manifestando-lhes seus propési- 1a ine, temendo uma mova separagio que, talvez, fsse iva, procurou demové- — Por que ir para tio Tonge, meu filho? Entiio vos nio pode pregar por aqui mesmo onde hd tanta gente? © APOSTOLO DA AMAZONIA. 23 ‘Mas seu pai comenton com simplicidade: — Gsse assunto deve ser resolvido entre voc ¢ Deus. Nokon assim resolveu. Sentia-se eatretanto, fracamente preparado para aquela obra que sentia ser gigamtesea. Pre~ cisava estudar, pensava éle. Era forcoso preparar-se devi- damente, Que podia éle realizar tendo feito apenas um mo- desto eurso primario e dispondo sdmente de alguns conheci- mentos praticos que a vida nos ranchos ¢ na estrada de ferro lhe dera, para nao falar das experiéncias ainda muito recentes nas lides da pregacio? Preocupado com essas idéias Nelson foi 4 Universidade Batista de Ottawa, mo Estado de Kansas e aprezentouse ao profescor Ward. Expds-lhe com calor e conviegio seus ideais e a necessidade que sentia de aprender mais alguma coisa. O professor Ward examinou detidamente 03 conhecimentos do jovem pregador e, finalmente, The disse: — Voc’ precisa estudar, pelo menos uns ito anos, afim de se preparar bem para ésce trabalho. — Mas tenho que gastar de fato oito anos aqui? pergun- tou 0 moco, desconsoladamente. — Sim senbar, Falhe que é a minimo. — Mas tenho que ficar todo ése tempo af dentro. dessa casa? —~ Exatamente. E’ 0 que vooé precisa para completar sua educacio. Nelson olhou mais uma vez os edificios da Universida- de, mergulhon a vista nos Iongos corrédores escuros, cami- nhou com o olhar para as grandes salas ¢ as altas paredes brancas, imaginou aquéles Ionguissimos oito anos que ali te- ria de pasear, le que ja tinha vinte e sete, e por fim deci- diu-se — Othe aqui professor: para The falar com franqueza, essa vida me mataria. Eu nio posso fiear préso todo ésse tempo entre essas paredes. Agradego-lhe o interésse mas nio posso ficar nfo. Até logo. 24 O APOSTOLO DA AMAZONIA Mas dle contimaava com a idéia de que se devia prepa- rar melhor. Vendo que a Universidade néo lhe servia bus- con outro recurso. Escreveu para o dr. A. J. Gordon, de Boston, o autor désse livro tao conhecido denominado “Como Cristo veio & Igreja”. O dr. Gordon mantinha uma_e:cola de treinamento cujo curso durava apenas trée meses. Nelson pensou em fazer ése curso. Antes mesmo de receber respos- ta do dr. Gordon, com a decisio de sempre, Nelson arramow sua resumida bagagem, esereveu outra carta dizendo quo es- taria em Boston em 1°. de outubro de 1891 ¢ partin, pregan- do através dos estados de Kansas, Missouri, Hlinois ¢ Indi na. Na maior parte das vézes pregava aos suecos e emi lingua succa. Passando por Indiana arranjou trabalho numa fazen- dae pregava aos hatistas suecos do lugar. Foi ai que the che- gou as mos uma carta do dr. Gordon explicando que-o cur- s0 era agora de dois anos. Sugeria-Ihe o ilustre pregador que se Nelson achasse muito longo 0 tempo fésse estadar no Instituto de Moody, em Chicago. Nekon nio aceitou essa sugestio. Nas suas novas autobiogréficas Jemos a razio: “Eu era e sou batista por convieco ¢ no aprovava as idéias de Moody, cmbora soubesse que a escola de Gerdon era também interdenominacional .” YVoltou entéo para Kansas. Ai, quando assistia ao casa~ mento de um pastor amigo, encontrou pela segunda vez Ida Lundkerg. Ela estava trabalhando num Instituto para in- dios. Nelson falousthe de sew plano de embarcar para o Bra- sil. Falou por alto. Nao queria que a moca se prendesse com promessas. Disse-Ihe que preterdia embarcar para o Brasil e a passaria dois anos aprendendo a Iingua, Arranjaria al- gum trabalho durante ésse tempo, porque nio pretendia 6o- Ticitar auxilio de ninguém. Depois voltou para casa e revelou a familia que ia par- tir para o Brasil. Encontrou naturalmente, alguma oposigio. Os seus nfo podiam: compreender que Ihe tivesse, vindo essa © APOSTOLO DA AMAZONIA 25 jdéia de abandonar mdo ¢ ir para téo longe, para um pais completamente estranho, onde néo tinha nenhum conheci- mento e de que's6 possuia vagas informagées. Mas Nelson ja tinha resolyido. Estava convicto de que o Senhor 0 cha- java para o Brasil. Nada Ihe podia tirar da cabeca essa eonviecéo. Nem os rogos maternos, nem os argumentos dos amigos. Nem mesmo a possibilidade de perder aquela que ja conquistara seu coragio. Primeiro éle cumpriria a vontade de Cristo, Nada podia demové-lo. ‘Assim, em outubro de 1891, em lugar de ir para Boston estndar com o dr. Gordon, Nelson despediu-se de casa a ca- minho das terras do Brasil . . ‘0 fato de vir Nelson para o Brasil e aqui efetuar téo ex: traordinario trabalho, dispondo de tio pequeno preparo e:- colar levaré talver alguém a super que nao precisa estudar muito para se dedicar a pregacéo. Que tal ndo aconteca. Deus as vézes chama homens como Nelson. Mas ésses ho- moms sfo excecGes. A inteligéncia de Nelson era. singular- anente vivia e éle apreendia com admirivel facilidade as coisas; sua inteligéncia de eleicio supria as falhas prove~ nientes da auséncla de estudus em escolas. Ere de fato um tipo excepcional. Mas ao se julgar alguém wma excegio ‘com ale, tome caidado: ndo esteja o orgalho humano a obs- curecer-Ihe © entendimento. CAPITULO IV © ARDUO COMECO DE UM TRABALHO GLORIOSO FE? oportuno repetir que, no seu desojo insopitivel de pregar 0 evangelho sa Brasil, Eurieo Nelson nao coutava ‘com nenhum auxitio humano. Nao tinha sido ainda consa- grado ao ministério e por isso também néo esperava remm neracéo de alguma igreja. Mas decidira partir e nada neste mundo seria capaz de demové-lo. Um dos tracos distintives de seu caréter, desde a infineia, ‘segundo 0 testemumho de seu irmio Carlos, era a firmeza de seus propésitos ¢ a per- indicia com que os; levava a térmo. Era um. “homem de uma #6 peca”, désses que s6 dizem “sim, Ji tivemos oportunidade de falar sobre ése caracteristien de Nelson, no capitulo anterior. Assim, deixando sua casa, foi primeira para Galveston, no Estado de Texas ¢ dai para Nova York, com o fim de em- harcar para o Brasil. Em Galveston houye um incidente in- teressante ¢ bem sugestivo. Nelson foi aos eseritérios da Com- panhia de Navegacio solicitar uma passagem para Nova York com o abatimento que a Companhia costumava dar aos ministros. Declarou honestamente ao funcionario que 0 aten- deu que nao era ainda ordenado, mas que ia para o Brasil como missionério. © homem perguntou: — Mas que prova o snr. fornees do que esti dizendo? E Nelson incisivamente: — Olhe para o meu rosto. Foi o bastante: a Companhia fornecewthe a pascagem com o abatimento solicitado. © APOSTOLO DA AMAZONIA 27 Em Nova York, enquanto esperava a chegada do vapor; encontrou um inglés que tinha morado algum tempo no Me- ranhio, Este sugeria a Nelson quo fésse para o Maranhio visto que no Para grassava a febre amarela. Mas os planos de Nelson ja estavam tracados e éle munca recuou por causa de informacdes dessa natureza. Enquanto esperava em, Nova York seus recursos se es- gotaram. Jé nao tinha com que pagar a passagem para 0 Para. Mas um dia, passando pelo correio, encontrou li uma carta de seu pai com vinte délares. Seu pai Ihe dizia que em Nova York 0 frio era muito forte ¢ por isso The enviava aqué- Je dinheiro para que le comprasse um sobretudo. Nelson foi logo comprar uma passagem de 3°. classe para Belém, di- zendo com seus botées: — Vou para o Brasil onde no preciso de sobretudo. Assim quando chegou 20 Par tinha ainda 16 délares no bokeo. © navio em que viajou chamava-se “Esperanca”. Na sexta-feira, 19 de novembro de 1891, 0 “Esperanca” fundeou em Belém, Nelson desceu ¢ foi-se hospedar num hotel. Che- gava ao Brasil em plena festa de Nossa Senhora de Nazaré. Era esta, como é ainda, a festa catélica por exeeléncia da cida- de, comparavel 4 da Penha no Rio de Janeiro. Desenfreava, de quando em quando, em vasta pagodeira carnavalesea. Numa grande sala estavam expostos bragos, pernas e pés de cera, vendidos a bom prego pelos solertes exploradores da exendice popular. Esses pedagos de cera eram as provas dos “milagres” operados pela “santa” festejada e constituiam 0 pagamento de promessas feitas a ela. Foi assim um pouco rude primeiro contacto de Nelson com a idolatria roma- nista. Nesse mesmo dia, 19 de novembro 1891, comemorava- se © 2°. aniversério da criagdo da nova bandeira brasileira onde figurava a divisa “Ordem © Progresso”... No sibado de manhi, dia 20, Nelson foi procurar em- prégo na Companhia de Vapores do Rio Amazonas. Ele ti- 28 0 APOSTOLO DA AMAZONIA nha habilitagdes para qualquer espécie de servigo ¢ prome- teram-Lhe arranjar algo, logo que houvesse vaga. Nesse mes- mo sibado éle conversou com diversos capities de navios surtos no porto e éles o convidaram para pregar a bordo no domingo. que o inglés de Nova York havia dito era verdad febre amarela grassava no Paré com extraordinétia virel cia, vitimando 0 povo e os marinheiros que chegavam a cida- de. Indo pregar a bordo Nelson veio a saber que muitos ma- rinheiros estavam hospitelizados na cidade. Tratow logo de visité-los. Durante a semana prestava assisténcia espiritual 208 matinheiros ataeados de febre amarela ¢ aos domingos pregava nos navios. Dessa maneira comecou Nelson a sua misedo apostolar, arriscando diariamente a vida em contacto com os doentes. Deus 0 manteve imune de contigio pois que © reservava para grandes e magnifieas farefas. Embora completamente desprovide de recursos, no seu afé de servir 05 marinheiros enfermos, Nelson alugou uma casa e nela abrigava aquéles que convalesciam da febre © aguardavam oportunidade para embarcar de novo. {sso era se guir realmente o exemplo do Bom Samaritano. Nelson mo- Tava ma mesma casa e cuidava, com paternal carinho, de seus héspedes doentes. Havia em Belém, por essa época, um missiondrio meto- dista, o dr, Justus H. Nelson. Bste, que era médico, tinha vindo em companhia de outros missiondrios em 1885, com o bispo metodista William Taylor, afim de estabelecer tra- balho na Amazénia. Julgavam éles que se poderiam manter dando aulas de inglés. Comecaram com animagéo a emprésa em Belém. ¢ em Manaus, mas dentro em pouco alguns marre- ram de febre amarela, outros abandonaram 0 campo e Jus tus H. Nelson ficou s6 com sua espésa. Lutou quarenta anos em Belém sem conseguir estabelecer trabalho sélido. Isso om como’ pre 2 z 5 E & Kate 1a Muirhead. Na mesma ordem, E. A, Nelson, Mrs, Jonbeon, Mee. . Graca Taylor e Mrs. Al ita para a esquerda, sentados: Lula Terey, M a 2 5 sidemte. e 8 é . é 3 e zg a a i z 4 a roa contar da direita da Convengio do Vale do Ama- 1, por ocasiaie ‘Nendo-se Nelson sentado, 0 pr ys da Ame ‘onas efetuada em 1928, Grupo formado pelos obreiro: © APOSTOLO DA AMAZONIA 29 prova © quanto era dificil campo que Eurico Nekon es colhen. Dentro em pouco Nelson pereebeu que nfo era conve- niente continuar o trabalho sbzinho. Dadas as circunstaucias ocais era licito aplicar-the 0 “Ai do que esta e6” do Eclesias- tes. Esereveu, pois, para a jovem que deixara la num Insti- tato de Indios, no Estado de Kansas. Expée-lhe a sitnacio em. que estava, as dificuldades mas também ae perspeetivas pro~ missoras do trabalho ¢ perguntou-The se estava disposta a unir-se a éle naguela grande obra. E ela, com uma determi- nagio igual 4 do companheiro que escolhera, largou tudo e em- barcou para o Brasil. Chegou ao Para em 7 de janeiro de 1893. Viajara sdzinha, confiante em Deus e animada pelo seu grande amor e pela esperanga de realizar ao lado do eseolhi- do de seu covagio um grande trabatho sob as béncdos divinas. Nao foi possivel arranjar um hotel para a moga e decidiram on- Yio realizar a ceriménia matrimonial no mesmo dia em que Ida chegow. Deveria celebrar a ceriménia o pastor metodista mas és te estava na cadeia por causa de um panfleto provocador contra a igreja catélica que éle havia escrito e que, repetinds o gesto Tamoso de Lutero em Wittenberg, havia afixado na porta da catedral, desafiando o hispo. Aesim quem eclebrou © casamento foi o consul americano e seis consules de dife- tes nagées serviram de testemunhas. Um “lord” ixlandés de zome Ivo Robinson, que se hospedara em casa de Nelson foi © padrinho da neiva. Terminado 0 ato, 0 eénsul_americano tou go noivo se precisava de alguma coisa. Nelson res- en que estava a nenhum ¢ necessitava de cincoenta mil réis... Depois os noivos, Robinson, 0 ednsul e sua espisa se~ guiram para um restaurante afim de ccar. Quando sairam Aesabou um aguacciro tio forte que rros na rua tiveram de parar © 03 componentes do grupo chegaram ao restaurante iteralmente enchareados. Como os trés héspedes comegas~ sem a pedir bebidas que fésem um pouco mais fortes qué 30 0 APOSTOLO DA AMAZONIA café, Nelson tratou logo de pagar a conta ec, como a chava tivesse parado, deixou oa companheiros na mesa, chamou wm carro e Tumou com a jovem espésa para casa. A festa custow 27 mil réis... No dia seguinte estavam ambos a bordo para fo culto. Ida viera mesmo disposta a ajudar 0 marido em tudo ea arrostar com dle tidas as provagées. Corto capitéo canadense havin dado ao missiondrio um harquinko de presente. Nesse arco, com Nelson nos remos, ia o casal todos os domingos a bordo. Por causa da baixamax 08 navios ancoravam a duas ou tréa milhares da costa. Mas durante scis anos Nelson +6 ou com sua espéea no perdeu um domingo de trabalho a bordo. Logo depois do casamento Ida caiu de cama com febre. © dr. Ayers, cénsul americano, 0 mesmo que os casara, © que era também médico, tratou dela sem nada cobrar. Logo que ficou boa ela teve com seu marido uma experiéncia interes: sante © impressionante. Foi o caso que uma jovem gorue- guesa, que estava se preparando para ser enfermeira © de- pois médica, chegou a Belém, em companhia de seu pai. Es- tava descansando dos estudos ¢ teve oportunidade de onvi num domingo, a bordo, a pregagio de Nelson. Na segunda. feira 0 pai da joven foi pedir encarecidamente a Ida que {bese fazer companhia & sua filha que havia sido atacada pela febre ¢ estava internada no Hospital Sao Francisco, onde s6 havia enfermeiros homens. A mie da jovem enférma havia morrido anos atrés e pai resolvera cuidar pessoalmente da educagio da filha, libertando-a de téda “supersti¢io” religio- sa. Para éle céu, inferno, vida futura, religiéo, cram boba- gene, meras palavras completamente destituidas de signifi- eado. A vida presente devia ser hem gozada porque nie ha- via outra, Assim ensinara a filha e, justamente com o intuito de gozar bem a vida, levara-a naquela viagem. Agora ela es- tava naquele hospital de pareos recursos, em terra estrangei- 0 APOSTOLO DA AMAZONIA or ra, prostrada pela febre amarela, Nelson indo, em compa- nhia de sa espdsa, visitar a moca, vin logo que ela estave perdida. Disse isso francamente ao pai. Este, entéo, deses- perado, pediu a filha, que lembrasse do que sua mae Ihe ha- via ensinado sobre religiao. = Lembre-se, minha filha. Ouca o que The dizem éstes bons missionérios. Voce esta muito mal. — Mas, papai, disse ela, angustiada. O senhor sempre me ensinou que néo ha eéa, nem inferno ¢ agora que estou para morrer 0 senhor me pede quo lembre do que minha mie me dizia? -— Esqueca-se de mim, minha filha, responden o pobre homem, Esqueca-se de mim ¢ ouga os missionarios. Mas a jovem se voltou para 0 canto solugando ~~ Assim isto 6 0 fim, dizia ela. Planejei tantas coisas, queria uma vida de riqueza e utilidade como médica ¢ agora estou no fim. ‘A cena era Jancinante. Nelon ¢ Ida procuravam falar da salvagao de Jesus Cristo. Mas a moca xeplicou: — Para que? Eston morrendo © mesmo que fésse para a cét, minha vida © sua utlidade estio para sempre perdi- Os dois missionirios mostraram entio aquela alma em pi- nico o que era o céu. Néle cla descansaria das provagées dés- te mundo, mas exerceria eterna atividade. Reinaria com Cristo e reinar significava atividade, ocupagio, utilidade © niio ociosidade Finalmente a jovem ereu e agradeceu comovidamente a05 missionarios os euidados que tinham tido © as suas pala- Yeas contoladoras, Seu pai, entio, aproximou-se ¢ ela The — Papai, que irei dizer a mamie quando a encontrar? — Diga-Ihe, minha filha, que daqui a pouco irei também a0 encontro dela. 32 O APOSTOLO DA AMAZONIA Passou-se mais um instante ¢ em palavras debilmente sus- sarradas a moga se despedin do mundo: — Irmio e irma Nelson, adeus e muito obrigado. Adeus, papai, quero ver o senhor 1a. E cerrou os olhos. Pascado algum tempo, depois dessa experiéncia, Nelson comecou a vender Biblias nas raas. Estas Ihe eram enviadas pela Sociedade Biblica Americana. Vendendo Bibliaa dle se foi adextrando cada ver mais no uso da lingua, além de ser protagonista de episddios intcrcseantissimos. Vendia cada exemplar a 10 tostées. Havia livrarias que compravam déle aa rua por ésse prego e depois revendiam nos seus baledes 2 5 mil réis, Os padres nas igrejas preveniam os fi — As Biblias vendidas na rua s3o falsas, so Biblias pro- testantes! Baseado nessa informacio um cavatheire ge recusou a comprar uma Biblia que Nelson Ihe oferecia. Mas depois entrou numa livraria e voltou triunfante: — As suas Biblias, por ésse preco, no podiam deixar de ser falsas. Esta sim que 6 verdadeira. Tanto que custon 5 mil Uma vez, enquanto um bonde parara, Nelson ofereceu uma Biblia a um passageiro. A resposta foi rispida. — Ora, ninguém I8 mais éase Livro hoje, men caro senhor. — Pode ser verdade, replicou Nelson prontamente, mas © fato 6 que vendo bom miimero déles diariamente — Quanto custa? pergantou outro pascageiro. — Dez tosties. — Entio dé-me um. Outros fizeram o mesmo e dai a pouco as dex Biblias que Nelson trazia consigo tinham sido todas vendidas. Finalmen- to o homem que falara primeiro, tomado de stibita interéxe 30, recolveu-se: — Acho que também vou comprar uma. O APOSTOLO DA AMAZONIA 33 Mas jé era tarde. O estoqne acabara. Logo depois o carro aeguin e Nelson nunca mais viu aquéle homem. © ponto predileto de Nelson para a venda de Biblias era em frente do Hotel América, & sombra das mangueiras fron- dosas. Adquiriv um carrinho ¢ levava consigo sew prim nito, Ivo Amazonas. Ivo era um garoto viva, de pele muito alvo e que herdara os Jindos olhos negros de sua mae. Ficava no earrinho, cercado de meia duzia de Biblia ¢ também No- vos Testamentos e evangelhos. Os transeuntes viam 0 garoto que thes corria amistosamente ¢ paravam para brincar com dle. Depois, vendo os livros, compravam-nos. Ivo Amazonas Nelson, que hoje 6 médico competente no Estado norte-ame- Heano de Oklahoma, eomegon 2 trabalhsr edo, para o evan gelho. Logo Nelson se tornon figura conhecida © popular na ci dade-e ninguém se dispunha a alugar-Ihe casa em que hou vesse sala bastante grande para a progago. Que féz éle en- to? alugou uma loja para montar uma livearia, e “fins Te terazios”, pagou duzentos mil réis de licenca amzal para ini cio do negécio e arranjou nm baledo provide de rodas. A casa tinha apenas a loja, um quarto sem janclas,e cozinha. 0 haleio estava atulhado de Biblias e outros livros. Enquanto Neon vendia Biblias na rua, sua espdsa vendi-as na loja. A noite © baledo era redado para o quarto e apareciam bancos toscas, Seitos dos caixotes de Biblics. O saldo estava preparado € Nelon podia comegar a pregar. Os “fins literérios” eram a pregagéo do evangetho, comenta com bom humor D. Ida Nelson nas suas notas autobiograficas. O primeiro ealto em portagués foi ali celebrado em 9 de junho de 1895. A casa Ficava perto da Faculdade de Medicina e os estudantes enten- deram de atrapslhar as progagées. E’ tio forte 0 espirito de intolerdneia do catolicisemo que mesmo na alma generosa da mocidade éle vai encontrar abrigo. Comecaram, pois, ov académicos a fazer algazarra diante da casa mas a vox de cc © APOSTOLO DA AMAZONIA Nelon quanto maior era o barulho, mais se alteava, Desanima- dos nesse primeiro esférco foram os rapazes buscar latas va~ zias de querozene ¢ voltaram fazendo um ruido ensurdece- dor. Mas Nelson aceitou o novo desafio e foi aumentando a sua voz a tal ponto que os estudantes, apesar do batuque. podiam ouvir « mensagem du evangellw. O estranko com hate durou varias noites até que, por fim, os estudantes de- sistiram. Explica o veterano Tomaz Costa que foi assim que Neliow adquiria aquela “voz de trovio” tio admirada por scus contemporaneos. Quando pregava sna mensagem era ‘ovvida a grandes distincias e dai a frase famosa de um gran de batista nozte-amerieano que, ouvindo Nelson pregar disse: “Se puséssemos Nelson no pincaro mais alto dos Andes tia a América Latina seria evangelizada!” Depois de arranjada a casa Nelson, som descontinuar o trabalho aos domingos de manha a hordo, comegou a pregat nna loja em: tédas as noites da semana. Todavia 0 seu portn- gués, ainda excessivamente atrapalhado, nao atraia muita gen- te. Podia vencer com o poder de sua voz a baralhada into- Jerante dos estudantes mas no animava com eva linguagem muita gente 4 entrar. Tratou entio de arranjar um violino que éle arranhava quase que tanto como arranhava a lingua ‘Nunca tinha tocado violin na vida... Ida Nelson, por sua vex, dedilhava wm violfo. Era qaase uma orquestra... Mes ao som das melodias estranhas tocadas por aquéle estranlo “duo” 0 povo se ia reurindo, entre espantado e curioss Quando via a casa cheia Nelson abria a Biblia e prineipiava # ler solenemente mm cepitulo; 0 siléneio profundo «ue rci- mava na sala Ibe dava idéia de uma excelente atengic dos ov- vyintes; quando levantava 0s olhos ja nfo havia viva elma sala fora sua espésa e 0 primogénito... Ida punha om garoto no soalko ¢ pegava de novo o violio. Nelson reselvex, pois, interealar a pregagio com a miisica: tocava um hino, falava um poucos tweava outra ver, falava de novo © asin por dionte. Dessa maneira foi-the poss(vel realizar os culto:. O APOSTOLO DA AMAZONIA 35 Fazia o que fazem as mes ou amas de certas criangas capri- chosas que recusam as comidas, Mas se entre uma colherada ¢ outra for intercalada uma brincadeira qualquer sfo capa- zes de comer um prato cheio de papa ou de mingan... O povo ignorante, obscurecido pelo catolicismo, procede de faty com eriauyas caprichusas ty quais & preciso oferever 0 alimento que da vida e satide mediante euidados ¢ artificios especiais. Nés nos sentimos divertidos ao ler essas peripécias por que teve de passar Nelson no inicio de seu trabalho. Nao deixa de ser de fato divertido imaginar aquéle rapagio lou- x0, de grandes bigodes, passando desajeitadamente © arco pe- Jas cordas desafinadas do violino ¢ logo a seguir, mais desajeita- damente ainda, procurando fazer-se compreendido na lingua dos raros ouvintes. Mas 0 nosso sentimento ce transmuda em profunda admiragio e respeitoso carinho quando pensamos ae foi o amor as almas perdidas da terra brasilefra que levou Nel- son a se abalangar dos Estados Unidos, onde podia gozar de sic taco vantajosa, para vix ao Pard arrostar provagdes © zom- Inavias, perseyuigoes ¢ critieas, sem um instante de destnimo. Um heréi auténtico, um verdadeiro missionario que pode ser colocade na glorio:a galeria dos Paton, dos Carey, dos Judson. E que heroina também aqucla jovem ali so sez lado, dclicada e frigil, com um violio pousado ao colo e cheia de Ansias no coragio. Com que intensa emogio e com que suave ternara acompanha ela os esforcos do marido para expor na- quela lingua esquisita ¢ dificil a palavra da verdade. que vazio sente na alma quando vé que 0 povo se levanta c aio quer saber da mensagem. Um né amargo The aperta a garganta, ligrimas ardentes Ihe brotam nos cantos dos olhos Mae nfo faz mal: amanha irfo recomecar ¢ 0 Senhor ha de ajudi-los. Aquéle grande e bom Erik nao ira desanimar Ela 0 ajudard com o sen estimatlo, o seu amor, a sua coragem, as amas oragies. CAPITHLO V © TRABALHO SE CONSOLIDA Apesur de tédas as dificnldades Nelson prossegtia ne faina. Certo dia estalou um conilito bem em frente ao caléo de caltos. Nelion foi a rua para apartar os contendores e, com dificuldade, levando algumas sobras dos sopapos troca: dos, conseguiu acalmar os animos. Dai a pouco dois policiais a eayalo apareeeram na casa e vieram perguntar 20 missio- nirio se éle tinha licenca do bispo para pregar. Nelson ain- da quis argumentar dizendo que estava em pais livre, ete. Mas os policiais interromperan-no rudemente: — Voeé esté preso. Vamos para a cadeia. — Entio déem-me licenca para ir buscar © chapén, disse Nelson. — Cachorro no usa chapéu, retrncaram os dois suante- nedores da Iei. E ameacando violéncias foram levando Nelson. __ Ida nfo se intimidou. Correu ao quarto, apanhou © cha- péu, depois sain para a rua e 0 pos na cabeca de seu marido, indo a seguir providenciar sua libertagio. Nelson foi jogado ma cadeia em companhia de algaus decordeiros. Seus amigos, postos em acéo por Ida, procura- ram falar ao Chefe de Policia que nada sabia do caso, Ida foi ao cénsul americano levando o pequeno Ivo consigo. Do consulado foi & prisio onde ja havia chegado a ordem para por o pregador em liberdade. Quando te abriram as portas ta cola, Ivo abragou-se com seu pai e siio 0 largou enquanto nao chegaram em cata, Dai por diante, tédas as vi 0 APOSTOLO DA AMAZONIA 37 ouvia o barulho dae patas dos eavalos da policia, 0 pequeno se abracava ao pai gritando: Papai! Papai! Assim como cedo comecera 0 trabalho, Ivo Amazonas tmbém cedo comecon a sulcer pele evangelho. Enquanto Nelson ¢ sua espésa Iutavam na improvisada sala de pregagées, chegon de Maceié uma familia de erentes batistas, cujo chefe cra o irmso Pedro Rocha. Eram seis pessoas dispostas que vinham unix cuas forcas as do jovem asa. Outras difieuldades, entretanto, ameagavam o trabalho naseente. Agora eram aperturas financeiras. Nao havia com que pagar o aluguel da casa. Nelson entdo teve uma idéia: esereveu 2 seu pai propondo-lhe a cessio de sua parte na fozenda, em troca de certa soma em dinheiro. Logo depois veio a importineia pedida e tédas as dividas foram pagas. Dai por diante Nelson nunca mais ficou devendo coisa algu- saa no cen trabalho, Tomou mesmo a resolugio verdadeira- anente exemplar de nada dever a ninguém senéo 0 amor. Essas dificuldades econdmicas perturbaram grandemen- te o espirito de Nelson. Trouxeram-lhe momentos de angts- tia e inquietacéo. Foi ai que a influéncia de Ida se féz sen- ir. EP situagio grave aquela em que 0 obreiro do Senhor fi- ca em diivida sobre se esté fazendo ou mio, servigo da von- tade divina, Foi nese estado de expectagio que as oracé 0 estimulo ¢ o exemplo de ida Nelson concorreram para mar ainda mais o marido no pésto de luta em que se viera colocar. Mas logo depois surgiu outra crise. HA anos que estavam trabalhando ali, ponsavam éles, ¢ nao havia converses. Se @ Senhor abencoava e aprovava o trabalho, como é entéo que nimguém se entregava a Cristo, apesar de tio constantes ¢ fervorosas pregacées, precedidas ¢ acompanhadas de sipli- cas ainda mais constantes € fervorosas? 38 © APOSTOLO DA AMAZONIA Os dois jovens, todavia, redobravam suas, oragées. EK por meio da oxacéo veio a luz divina dissolver-Ihes as perplexi- dades. Que inquietacdo era essa que os dominava? Nao ti~ ham sido chamados pelo Senhor para aquela obra? Nao estavam realizando o trabalho? Que mais desejavam? Nao sabia ao pregador yer os resultados, mius ununciar o evangelho e viver um vida digna. O resto competia a Cristo. Eram crises naturais nesse trabalho dificil. Mas para veneélas era necestario uma témpera especial que, felizmen~ te, ndo faltava a Nelson sua companhoira. Adoniram Jud- son também no esperou seis anos para ver scu primeiro con- vertido na Birmania? Por ésse ‘tempo, 1896, apéa cinco anos de provacies ¢ privacées, os missionarios Bagby e J. J. Taylor escreveram 20 casal Nelson convidando-os a trabalhar no Estado de Mi- nas Gerais. Segundo o convite deveriam tomar conta do tra- balho recentemente erganizado ¢ grandemente futuroso, bem omo vender Biblias. A passagem e um bom salario era garantidos. Q convite de Bagby nem chegou a constituix uma tentagdo para os Nelson. Ida leu @ carta que lhe mostrava o marido © féz éste comentario simples: “Creio que ése as sunto de campo de trabalho jé esta resolvido hi muito tem- po”. Nelson estava pienamente de acérdo eo convite foi recusado. Em lugar de uma carta de assentimento ao missionacio Bagby o que éle féz foi enviar outra a Salomao Ginsburg con- Yidaado-o 2 ir de Reeife a Belém afim de ajuder ma organi- uacio da igreja. Salomio chegou a Belém em janeiro de 1897. Jé havie elementos para a organizacdo da igreja pois, além dos dois missionarios e da familia Rocha, tinha vindo tn grupo que abandenara Justus H. Nelson depois de ter estudado a ques © APOSTOLO DA AMAZONIA 39 ‘io do batismo. Salomao Ginsburg teve assim a oportunida- de de batizar os primeiros convertidos. Exam. cinco pessoas que foram batizadas no pérto de Séo Jodo, arrabalde de Be- Iam, no mesmo dia em que se organizou a igreja, 2 de feve- reiro de 1897, cinco anos ¢ trés meses apés 0 desembarque de Enrico Nelson. Os candidatos batizados foram D. Maria Bastos, suas duas filhas, Donas Margarida ¢ Vitalina, Dna Dulcina de Alencar eo snr. Manoel Evangelista da Silva. Beto era maranhonse ¢ convertera-se no meio dos preshiteri unos, mas Jendo sta Biblia convenceu-se de que os batistas estavam certos em sua posigéo acérea do batismo. A historia de Dna. Maria Bastos também 6 interessamte: ela conhecia a Biblia porque tinka ouvido muitas vézes sua leitura feita por seu pai. ste, estando no Rio de Janeiro, assistin certs yex a uma queima de Biblias, promovida pelos padres, com grande aparato, em praca péblica, tle se aproximou da fogueira e conseguic salvar um exemplar que levou consigo Comecando a Ter o livro vin que dizia a verdade e tomet como sex gttie espiritual na vida, embora munca tivesse ot vido uma pregagio, Sua filha ouvia-o ler algumas passagen? ¢, mais tarde, assistinde & pregagéo de Nelson, lembrou-se do livro de seu pai e converteu-se. A igreja foi assim organizada com os cinco reoém-bati- zados, o casal Neon e a familia Rocha. Na primeira ses- so efetuada Nelson foi eleito pastor ¢ 0 irmio Manoel Evan- gelista foi escolhido para o diaconato. Nelion eutio segnia para o Recife afim de ser cousegra- do a0 miniatério. O Concilio exeminador era composto doe pastores Salomio Ginsburg, W. E. Entzminger ¢ Melo Lins. ‘A consagragéo foi realizeds em 2 de margo de 1897 tendo © 40 © APOSTOLO DA AMAZONIA missionario Ginsburg pregado o sermio oficial. Nossa oca- sido Salomao se comprometeu a conseguir da Missio um au- xilio de cincoenta mil xéis mensais para o trabalho wo Pa- Ta... Até Gee tempo o catal se tinha sustentado veadendo Biblias, cuidando dos doentes ¢ pregando a bordo. Além dix 20 Ida Nelon ganhava alguma cviva evsturautdo. Jando havia mais motivo para temores ¢ inquietacdes quanto ao trabalho. © Senhor o abenoava claramente. A vida nio era fieil, tanto mais que dois filhos jé haviam nas- cido, mas as alegrias eram tantas ¢ a satisfacio de estar cum- prindo a vontade de Deus era tio grande que compensava ‘quaisquer provas. Na iereja 1d estavam os filhos na fi, deci- didos e animosos, prontos para concorrerem com seu esfér- 0 para a vitéria da causa; em casa, aquelas duas eriangas, oiras e vivas, brasileirinhos legitimos de Belém do Para. O Senhor era bom. Que alegria Iutar mo seu trabalho. CAPITULO VI © APELO DO GRANDE RIO A situagio em Belém nfo era de muitas largiwzas ust ji se podia dizer que a obra estava consolidada. Firmara fortemente os seus fundamentos e agora iria se desenvolver Além do mais havia um auxilio prometido pela Junta de Missdes dos Batietas do Sul dos Estados Unidos. Embora mal podendo se manter em Belém Nelson ja pensava em ir mais para diante. O grande rio, 0 Amazonas, © atraia. Era a grande artéria que Ihe trazia uma ansiosa mensagem do coracio da selva. Era preciso chegar até li. oi justamente nessa ocasido que surgiu no Pard o Key Emilio Olson, representando uma sociedade missiondria de Nova York, a “Christian Alliance”. Ble vin o trabalho, per echeu as suas possibilidades e, testemunhando'o arréjo e 5 capacidade de Nelson, {2zhe wma proposta. Nelson no ti- nha nenhum compromisso com qualquer Junta; podia, por- tanto, trabalhar para a “Christian Alliance”. Esta The da- ria um selario excelente e, além do mais, the forneceria nada mais nem menos que uma lancha para pregar pelo Amazo- nas a dentro, estabelecendo igrejas nas cidades marginais. Ida Nelson ouvin a proposta cujas vantagens Olson demons- trava com grande veeméncia. , Quando o representante s¢ retirou ela disse ao maride que mio achava aquilo muity bom. Nao sabia explicar, mas algo The dizia que aquela pro- posta nfo era boa para ser aceita. Ela, certamente, estava achando que 0 oferccimento era muito vantajoso. Se tivesse mais coxthecimento da lingua ¢ do povo poderia dizer: “quan- do a comola & niuito grande o annto desconfia..” Eram de fato ‘miutiias as vantagens ofertadas a éles que vinham twabalhan- 42 © APOSTOLO DA AMAZONIA do com dificuldade todos aquéles anos. Com dificuldade mas com alegria. Nao tinbam ligagéo com nenhuma Junta mas Salomao Ginsburg havia prometido auxilio de uma Junta ba- tista c aquela “Christian Missionary Alliance” n&o era ba- vista. Mas Nolson néo se convenceu com os argumentos da et pos. Ble estava entusiaemado com a perspectiva de ver coneretizado seu grande sonho: ter uma lancha a sua disposi- cio para preger evangelho no Amazonas, entrar pelos sous wondes afluentes, chegar a Manaus, atingir, quem sabe, aquéle Rio Branco longinquo, para onde pretendera ir not seus tempos de vaqueiro. Que oportanidade magnifica de desexvolver a obra iniciada. Finalmente, eedendo ao entusiasmo contagiante do ma- rido, deixandose embalar também pelo sonho de um traba~ tho de enonnes proporgées, Ida concordou. A proposta de Olson foi aceita. Deixaram a livraria para ficar inteiramen- te & disposigéo da AHanca e foram morar em companhia de duas viavas. Estas eram t&o pobres como o casal que hospedavam. Nao tinham sequer uma cama. Assim Ida, 0 marido e os filhos, tinham que dormir no assoalho empoci- rado. Foram tempos daros mas dos labios da brava mulhez ‘no sain nenhuma recriminagio, nenhuma = . Enquanto aguardavam a chegada do lar flutuant: que ivian ened procuraram Visitas Manaus, Néo tinham di- nheiro para a passagem, mas estayam ansiosos para conhecer 8 cidade que deveria sero guartel general dos préximos traba- Thos. Oraram para que Deus os ajndase nessa nova dificul- dade ¢ um dia, indo a0 Consulado Americano, Nelson eco twou uma carta de um comandante em eujo navio havia pre~ gado ¢ junto a carta vinham aguas délares, poucos mas #%- Heientes para adquivix duas pascagens de texecina clase até Manaus. jar mesmo de primeira classe naqueles navi de bringuedo jf nao era coisa comoda. Imagine-se 0 que 1 O APOSTOLO DA AMAZONIA 48 seria a terccira clatse. Mas aquéle casal nao peseva sacrifi- cios mo desempenho da misefo que voluntiriamente tomara. Assim Nelson comprou as passagens © embarcou. Mas a bor do © capitio os reconheceu e féz questo fechada de levi los para a primeira classe. Conheceram entéo um cavalhei xo de Manaus e é8e conhecimonta failhes muito vitil. Em Manaus nao havia cais, endo precito pagar a um barqucire para levar os passageiros do navio & terra. Nelson estava a nenhum pois, com a eua fé costumeira na providéncia divie na, empregara todo o seu dinheiro na passagem. O amigo de Manaus fé questio de pagarlhes a passagem no barco e, quando em terra, Jhes indicon uma pessoa que teria prazer em hospedé-los: © Coronel Manoel Cavalcante de Araujo, homem de grande projecio e respeito ma cidade © que tinha especial alegria em conceder aos forasteiros a velha ¢ tradi- cional hospitalidade brasileira, Nelson, sua espésa e son fi- tho mais velho passaram quinze dias em casa do Coronel Araujo. Nesse tempo teve oportunidade de pregar dezenove véees, falando ora na casa do Coronel, ora em outros lugs res da cidade. A colheita foi espléndida: convertew-se a dona da casa, Dona Luizinha de Araujo e mais quatro ou tras cenhoras. Os xeeém convertides foram batizados no Rio Negro © com éles se inicio o trabalho batista em Manaus. Algum tempo muis tarde o Coronel também ec decidin ¢ foi a Belém afim de ser batizado. Vale a pena dizer aqui alg ma coisa sdbre ésse grande cooperador de Nelson que fo! o Coronel Araujo. Era éle paraibano de nascimento ¢, apes do nome portugués, tinha nas veias uma mistura de sangue holandés e indio. Sendo de animo aventuroso ¢ empreende- dor cedo foi para o Amazonas entregar-se i faina do cultive e da venda da borracha. Em Manaus trabalhou por nlgum tempo na construcio da catedral catdlica, enquamto aguarda- va oportunidade de embrenhar-se no interior. Quem ihe die sia que mais tarde éle haveria de ser um dos principais lide~ ros da construgio do templo batista... Em Manaus éle se ag © APOSTOLO DA AMAZONIA easou com Dna. Luiza da Cunha. Depois, varando 0 mato, foi estabelecer seu lar ¢ seu negécio, em plena floresta. Ini- ciou uma espécie de armazém em que ce abasteciam os sc- ringueiros e, de quando em quando, ia a Manaus afim de ad- quirir euprimentos. Nessas viages procurava comprar livros anteressantes © os lia em vor alta para sua espdsa que nfo sa- bia er. Ela era de boa familia mas a insteucio, por ése tempo, andava muito menos difundida do que agera. Um dig éle deparou, num dos livros que lia, com uma frase que the ficou gravada na mente: “A Biblia 6 um livro que todo o mundo deveria ler”. Decidin, entio, que em sua préxima viagem, haveria de adquirir éese livro. Assim pensou ¢ assim féz, Mas nio se limitou a comprar um exemplar: comprou uma caixa téda de Biblias, deixando boquiaberto o colpor- tor. Comprou a eaixa porque, sabendo ser bom 0 livro, re- solven empresti-lo aos amigos ¢ vizinhos. Emprestava-os em lugar de presented-los, afim. de evitar que os padres viessem a destruf-los... Pela leitura da Biblia éle se converteu, 0 mesmo acon- tecendo a sua espdsa que tratou logo de aprender a Jer, afin de poder, por ei mesma, vntregar-se & Ieitura do precioso livro. Mais tarde 0 Coronel Araujo deixou sew negécio no in- terior do Estado e seguim para a capital afim de acompanhar melhor a educagio dos fithos. Em Manaus teye contacto com os obreiros metodistas que pretendiom estabelecer tra- balho ali, mas néo foram hem sucedidos. Logo 0 Coronel co- mecou a desempenhar altas fung6es administrativas chegan- do a ser vice-presidente do Estado, secretario da fazenda € prefeito da cidade. Enquanto estavam em Manaus receberam os Nelson rou~ pas © dinkeiro para a viagcm de volta. O dinbeizo exa para comprar passagem de primeira classe mas Nelson pedia per- miccdo para usar parte da quantia no trabalho de Belém e Prete em come de gous braves Solr Nelson em companhia da primeira pessoa rita Emidio B. Alves e a esquerda Manoel que se converte no seu trabalho de Gomes dos Santos. Manaus. Foro de 1935. ‘Templo da Tgreja Batista de Samtarém, “Soldados” da borracha no Amazonas, © APOSTOLO DA AMAZONIA 45 adquirin, novamente, passagens de terceira. Mas, novamen- te também, foram reconhecidos pelo comandante do navio que os levou para a primeira classe. Chegados que foram a Belém confirmaramse as previ- sées de Ida acérea das propostas de Olon. Aguardava-oz li um documento remetido pela “Christian Missionary Allian- ce” pelo qual éles se deviam comprometer a néo iniciar tra- balho batiste onde ja houvesse trabalho de qualquer outra denominagéo. Bra isso uma exigéncia absurda, bem caracte- ristica aliés das empresas interdenominacionais de cardter unionista. Assinar o documento era ver tolhida a liberdade de pregar o evangelho em qualquer lugar. Era impor limi- tes @ Tumos 3 vocacio do Espirito Santo. Nem era preciso pensar: 0 contrato foi rasgado imediatamente. Que ficasse li o Rev. Olson com a sua sociedade, a sua lancha, 0 seu di- uheiro ¢ as suas facilidades. Para um hatista aquéle arranjo nio servie. Diga-se, a propésite, que Olson também era ba- tista e acabow abandonando a Missio. Muitos anos mais tar- de, a0 escrever suas notas antobiograficas, lembrando-se do caso, Nelson anotou: “Os Batistas 26 podem trabalhar quan- do obedecem a Deus em tudo”. Grande verdade essa, que explicn © desenvolvivento excepeional de nossa obra no’ Bra- sil. Rasgado 0 contrato estavam éles outra vez sem nenhuma ajuda externa. Mas que importancia tinha isso? Nao os aju- dava 0 Senhor? Desvanecera-e 0 sonho da lancha, mas no se desvaneceu 0 ideal do trabalho. Belém continuava ali e Manaus li em baixo, no Rio Negro. E éles também comti- nuavam., Entrementes, chegava o prometido suxilio da Junta de Richmond, os cincoenta mil réis que Salomao Ginsburg ficara de obter. 0 trabalho continuon prosperando ¢ um novo obreizo que pregava com entusiasmo invulgar chegou a Belém para 46 0 APOSTOLO DA AMAZONIA ajudi-los. Chamava-se Almeida Sobrinho ¢ era sapateiro de profissto. ‘Agora jé era possivel deixar 0 trabalho em Belém e vol- tar go riommar. Era irresistivel o apélo de suas grandes 4guas trangiiilas. Exerciam uma fascinagio contra que era imitil Iutar. Nelson segniu entéo para Santarém na emboeadura do xio Tapajés. Ali abriram um novo trabalho. Para auxiliar nas despesas Ida fazia e vendia roupas. Nelson vendia Bi- blias ¢ tantas vendeu que péde comprar alguns bancos, pris cipiando também a guardar dimheiro, afim de adquirir mais tarde um Jar ffutuante. A idéia com que Olson o seduzira no The saia da cabeca. Mas esperava vé-la realizada por outros meios, um tanto diferentes dos que propunha a “Christian Missionary Alliance”... Viajou segunda vez para Manaus ¢ foi-lhe grata satisfa- go a alegria co calor com que os crentes 0 receberam. Dentre ésses 0 mais entusiasmado era o Coronel Araujo que presenteou 08 missiondrios com roupas novas e, quando soube que éles pretendiam ir aos Estados Unidos retemperar as forcas no convivio dos parentes, féz questdo fechada de auxilié-los no pagamento das passagens. Assim foi que, na primavera de 1899, apés cérea de oito anos de trabalho na Amazénia, Nelson voltou, pela primeira vez, aos Estados Unidos. Deixava uma igreja em Belém, a primeira organizada por éle, uma congregacio em Manaus, ‘ende se fazia notar a acéo ea influéncia do Coronel Araujo e também um trabalho principiado em Santarém. As trés principais cidades da Amazdnia ja tinham sido atingidas. (Os convertidos ja se contavam por dezenas. O apéstolo ¢ sua denodada companheira ji podiam descansar um pouco no aconchégo do lar paterno, renovando as energias gastas na Juta ingente © ardua. Estava atendido o apélo e iniciada a conquista do grande rio. Dentro em pouco voltariam para movas e mais arkojadae arremetidas. CAPiTULO VIE NO CORACAO DA AMAZONIA Nelson voltow dos Estados Unidos em 1900 ¢ foi-se es- tabelecer em Manaus. Como tivemos oportunidade de ver no capitulo anterior, sua obra na capital amazonense come- cou com muito mais facilidade do que em Belém. Apés quinze dias de trabalho, eineo conversées representavam. re- sultado magnitico. Nelson voltou, portanto, para la afim de dar maior incremento & emprésa tio promissoramente ini- ciada. Chegou a Manaus em junho e em 5 de outubro de 1900 foi organizada a Primeira Igreja, sendo Nelon cleito pastor ¢ 0 Coronel Araujo diécono. Eram vinte os membros fundedores. O trabalho podia-se considerar vitorioso.. Nao havia recanto da cidade que nao tivesse ouvido a potente vou de Nelson anuneiando as boas novas da salvacao. © auxilio que a Junta de Richmond remetia mal dava para pagar o aluguel da casa de cultos. Nekon arranjava 0 restante para manter-se vendendo Biblias na rua. Ida, por sua ver, fazia pies que eram saborosissimos ¢ atraiam mui- tos fregueses. Um dia certo senhor encomendou ao missiondrio meia diizin de Biblias que deveriam ser entregues ein determina- do Tugar. Nelson foi levar a encomenda ao local indicado. Introduziram-no numa sala onde, logo depois, entraram cin- ¢0 ou seis homens que principiaram a Ihe fazer perguntas. Nelon ia respondendo, sem desconfiar de nada, até que, de chofre, um dos homens disse: — 0 cenhor esta numa sessin. Esta no meio doe espiri- tas. — Posso estar no meio do inferno, mas nao deixarei de dizer a verdade, replicon o intrépido pregador. 48 0 APOSTOLO DA AMAZONIA Dai em diante nao teve mais dificuldades com os espi- ritas. A posi¢do excepeional que’a familia do Coronel Aranjo desfrutava na cidade, ajudava bastante a igreja na sua mis sio. Alids, segundo 0 testemunho do proprio Nelson, nas suas j4 cltadas notas auto-biogréficas, “o povo amazonense, em geral, 6 tolerante, inteligente © ordeiro” . ‘Acrescente-se a isio o fato de que o bispo da cidade al- guns anos antes havia sido piblicamente chicoteado por cau sa de sua imoralidade. Dizia 0 bispo que o povo da cidade era muito inerédulo... Essa “ineredulidade”, entretanto, far vorecia o trabalho evangélico. Quando os homens se desilu- dem de Roma é tempo propicio para anunciar 0 evangelho puro de Jesus Cristo. Conversées admiriveis eram testemunhadas pela igreja. Um dos que se converteram nes primeiros anos de. trabalho, Hastimphilo Serejo, e que se tornou um dos mais dedicados companheiros de Nelson, esereveu que os sermées do grande missionatio “eram eheios de fé e poder espiritnal, alimenta- vam o crente despertavam o pecador”. Era comum ouvir na igreja exclamagées como estas: — A pregacio déste homem toca-me o coragio! — As palavras que éle diz mostram 0 meu pecado! ‘Uma das conversées mais interessantes foi a de um “san teiro”, 0 tinieo da cidade, que vendia, sem distingao, “santos” ¢ bebidas... Convertense e dizendo a Neon qual era seu comércio perguntou-lhe se era licito continuar néle. Nelson respondew-lhe que consultasse 2 Deus e agisse de acérdo com ‘a vontade divina, conforme esta The falasse & consciéucia. O homem foi para casa ¢ orou. Levantando-se de manhi cedo juntou os seus “santos”, derramou sobre éles o dleool que vendia © pos fogo em tudo... Colaborando com o obreiro infatigavel, os erentes ofe- reciam suas casas para a pregagio. Assim as tercas-feiras & 0 APOSTOLO DA AMAZONIA 49 noite clas cram efetuadas na bela residéncia do Coronel Arau- je, Na tarde de domingo em casa de um jovem reeémy bati- zado. Quando nio tinha convite de nenhuma casa, as Tuas € Pragas serviam dtimamente para a pregacéo e Nelson nio descansava. Com isso ia abalando os fundamentos catdlicos da cidade. Os convertidos se esforgavam também para ganhar seus parentes. Uma jovem, easada de pouco, insistin tanto com 98 de sua casa, que éles proibiram-lIhe, terminantemente téda conversa s6bre religiéo; no podendo ela falar-lhes, comegou a escrever-Thes... Outra, porque manifeston o desejo de assistir aos cultos foi espancada com tanta brutalidade pelo marido que adoe- ceu © passou trés dias de cama. Assim mesmo continuon a pregar a todos quantos vinham visité-la. Nelson cuidava também de preparar outros para a pre~ gagio. No set primeiro ano de vida a igroja ja comtava com dezoito mogos. Nelson organizon com éles uma sociedade que se reunia nas segundas feiras noite phra estudar a Bic blia ¢ trocar idéias. Aos domingos & tarde éles pregavam © uma vez por més tinham sessio de negécios. Eram ativos no trabalho © muitos pregavam regularmente bem, conquanto novos no evangelho, ¢ ajudavam Nelson no afi de ganhar almas ‘Também com o propésito de ausiliar no trabalho em Ma- naus, Nelson comecou a publicar, em abril de 1901, uma “Circular” impressa, que figura entre a3 nossas primeiras pu- Blicagées batistas. Nesse jornalzinho Nelson nao usava de meias medidas no combate & idolatria de-Roma. No prin- cipio éle explica a razdo de ser da publicagio: “Sendo im- possivel falar com todos e cumprir assim o mandamento di- vino “Ide ¢ ensinai todos”, torna-se necessario utilizar os meios que Deus nos tem dado para que todos possam conhe- 50 © APOSTOLO DA AMAZONIA cer que estamos préximos do regresso ‘de Jesus para éste mundo”. A matéria segue compacta pelas quatro paginas; na iiltima, ao lado do hordrio de cultos da igreja, 6 reprodu- zido 0 hino de Alfredo Silva que, com algumas alteracses apa- zece em nosso “Cantor” com o niimero 444. Na “Cireular” de Nelson éle terminava assim: “Mas ’inda muitos, muitos Stio longe de cristios Adoram deuses feitos Por suas préprias mios. De tio fatal pecado, Da idolatria vil, Unidos no Evangelho Salvemos 0 Brasil.” O ntimero 2 da “Cireular” aparecen no domingo dia 6 de outubro de 1901, redigido em inglés. Era comenrorativo do 1° aniversavio da igreja e constava de um relatério do que havia sido feito no primeizo ano de trabalho. A igreja ha~ via comegado com 20 membros, receben 23 por hatismo e 1 por carta. Era, pois, de quarenta ¢ quatro o total de mem- bros no primeiro ano de atividades. As ofertas todas haviam somado dez contos, cento ¢ oitenta e sete mil ¢ quatrocentos réis, importéncia que, no tempo, segundo informava o jor- malzinho correspondia a 2.000 délares, mais ou menos. A Escola Dominical contava com 50 alunos divididos em 6 lasses. Durante 0 ano Nelson teve que viajar trés vézes para o Para onde a primeira igreja por éle fundada necessitava dos sens cuidados. Durante snas anséneias Ida Nelson redobrava seus esforcos afim de substituir o marido. Era ela a verda- deira vida da igreja, como diz Nelson nas suas cartas. Exsi~ nava na Escola Dominical, aconsclhava os didconos, cxortava 08 crentes. ‘A Sociedade de Senhoras realizava trabalho magnifico. © APOSTOLO DA AMAZONIA BL Tinha sido fundada logo apés a organizacéo da igreja, com 12 membros. Reunia-se uma vez por més para oragio, pa- gava a luz do saléo de cultos € auxiliava os doentes, 08 po- bres e os perseguidos. Mais do que isto, entretanto, eram as visitas que faziam as irmas, de casa em casa, lendo as Es- crituras, cantando hinos e conversamdo sébre o Evangelho com as senhoras visitadas, convidando-as para os cultos hem como as criangas para a Escola Dominieal. Eserevendo na “Circular” n°. 2 ie senhoras estadunidenses que auxiliavam © eeu trabalho, Nelson conta o que faziam as irmas de Ma- aus ¢ conclui assim: “Irmas.de minha terra: vossas dadivas e oragéea nao tém sido em vio e um, dia encontrareis éases re- midos na presenca do Rei. Quem néo se alegrara por ter tido parte na conquista destas joias?” Mas nio se limitava A'cidade de Manaus a obra de Nel- son. O rio era uma estrada liquida que 0 convidava ¢ desa- fiava. Assim, desde 0 principio, subia e descia por éle, pre- gando nas cidades marginais. Essas viagens mio eram pouco perigosas, A corrente do Amazonas parece trangilila, mas quando se enfureee, nos temporaia freqiientes, torna-se ter- rivel. Arranca das margens pedacos de harranco que depois vogam ao sabor das aguas, como se féssem ilhas flutuantes. Viajar pelo rio era, portanto, arriscar a vida continuamente. Nelson, no entanto, nnnea se preocupou com. isso. Ele esta- va no servico do Rei ¢ isso bastava, Sem pensar em: perize 14 ja éle, rio acima ou rio abaixo, chieoteado pela chuva ow crestado pelo sol, sincronizando alegremente com a voz da passarada a sua bela voz, no cintico de hinos ao Senhor que © guardava. Seu hino predileto era aquéle que assim co- mega: “Se eu tiver Jesus ao lado E por fle auxiliado Se por file fér mandado A qualquer lugar irei”. 52 0 APOSTOLO DA AMAZONIA A respeito dessas viagens dizia Nelson em artigo publi- cado n’O Jornal Batista de 12 de julho de 1928: “Os membros das igrejas do Amazonas vivem da explora: gio da borracha ¢ da castanha, e por isso permanecem mui- tos meses dentro das matas, mas sempre levam consigo « Bi- blia © o Cantor. Levam cantando nas matas ¢ Iendo a Biblia nos domingos. O resultado é que, quando voltam, trazem con- vite dos interessados para 0 missiondrio ou o pastor visitar ésses lugares. Fis 0 segrédo das viagens longinquas para téda a parte, e da necessidade de lanchas-motores para o trabalho nestas regides.” Em 1903 Nelson foi até Iquitos, no Perti, cidade sitaada na margem esquerda do rio Amazonas, que naquelas alturas tem o nome de Maranhio. O dr. H.C, Tneker, da Socieda- de Bibliea Americana, havia estado em Belém, em 1895 ¢ la pregara na pequena congregacio batista. Travou entic co- nhecimento com Nelson ¢ ficou maravilhade a0 ver 0 modo por que © missionério vendia Biblias. Mais tarde fés-lhe uma proposta: a Sociedade pagaria todas as despesas de viagem para que Nelson fdsse até o Per vender Biblias la. Nelson aceitou e levow consigo oito caixotes com sessenta Bi- lias cada um, sem contar os Novos Testamentos, © vende todos os exemplares em 27 dias de trabalho. Foi esse ano também, de 1903, que féz as primeiras vie- gens pelos rios Madeira e Negro. Subia 0 Madeira até Santo Anténio ¢ o Negro até Santa Isabel. Sempre pregando, s pre buscando almas ¢ procurando abrir trabalhos. Mas, felizmente, sdzinho na grande obra, se excetuarmos alguns colaboradores raros. Dentro os filhos na fé, trazidos a Cristo por Nelson nes- ses primeitos anos, alguns se tonaram preciosos auxiliares no seu trabally como Tlustimphilo Serejo, que j4 foi citado, Ma- noel Gomes dos Santos, que foi batizado em 22 de abril de 1902 ¢ Emilio Bento Alves. O APOSTOLO DA AMAZONIA 53 Bate ultimo, Emilio B. Alves, foi trabalhar em Santarém onde Nelson havia langado a semente do evangelho. Ali, com a cooperacio do missionério J. E. Hamilton foi organizada em: 1904 uma igreja, a segunda do Para em ordem cronolégi- ca. O missionario Hamilton tencionava trabalhar no Ama- zonas, estabelecendo o seu centro de idadex em Santarém. Mas, logo depois de organizada a igreja adoeceu e, em fins daquele ano, faleceu. Um outro missionério, o Rev. Parrack veio de Texa: para ocupar o lugar deixado vago. Mas tam- bém nao resistiu ao clima e s doenyas ¢, passados trés me- ses, retirouse. Isso nos di uma idéia da dificuldade do tra- balho ¢ da resisténcia invenefvel de Nelson. ‘Assim foi que em 1906, depois de deixar a igreja de Ma- naus soh os cuidados pastorais de Almeida Sobrinho, Nelson voltou a Santarém para atender ao trabalho sli. Nao havia mais pastor ¢ a easa edificada pela igreja estava caindo aos pedacas. O fato de estar a igreja batista em ruinas tinha motivado grande alegria nos arraiais catélicos, E’ que a co- bertura do templo havia desabado precisamente no més de Maria, quando caia chuva a cantaros. A chuva caindo cons tantemente sébre a fragil estrutura da casa de cultos termi- nou por derrubé-la e, no dizer dos catélicos, Maria operou mais um “milagre”... Mas aconteceu que um contra-mila- gre entio se produzin. Joio Nelson, la dos Estados Unidos, tendo vendido uma propriedade foi inspirado a mandar 0 d= timo do dinheiro que auferira para o trabalho do Amazon E assim Nelson, quando escogitava plans para a reconstru- gio da.igreja vin-se com mil délares nas mios para fazer 0 que bem lhe parecesse. A nova casa foi rapidamente ergui- da, Construiram-na, segundo as palavras do proprio Nelson, “de taboas de cedro capaz de servir para lugar de reunides até a volta de Jesus, porque 0 cedro de Amazonas, enma n do Libano foi dado por Deus para durar”. CAPITULO VEIL © APOSTOLO DA AMAZONIA Nelson trabalhon noutros Estados, além do Amazonas e do Para, a éles levando a inspiragio de sua vida e o estimulo do seu dinamismo. Esteve no Maranhao, no Piaui, no Cearé, na Paraiba e em Mato Grosso. Esse trabalho merece um ¢a- pitalo & parte. Mas foi especialmente a Amaz6nia que o atraiu e & Amazénia éle dedicou tédas as suas foreas. A ela ce con~ sagrou, por cla sofreu, nela veio a morrer e nela esta sepul- tado. Nenhum preito the seria mais justo que éste de cha- mii-lo “O Apéstolo da Amazénia”. Ele amava extraordin’ riamente 0 seu dificilimo Campo e se confrangia porque nha que trabalhar s6. Em 1905, escrevendo ao Secretirio- Correspondente da Junta dé Richmond, éle dizia que os mis- sionarios no deveriam estar fazendo planos acérca do clima do campo para onde deviam ir. “Cristo no disse”, escrevia ale, “Ide a todos os bons climas, mas sim ide a tédas as eria~ turas”. Numa outra carta sta, também datada de seus pri- meiros anos em Manans, éle declara: “Oh! que nossos irmaos que tém diividas sébre a inspiragio da Biblia, juntamente com os adeptos do chamado “alto criticism”, que éles tiras- sem umas férias de uns 10 anos de seus negécios, piilpitos e catedras e experimentassem pregar aos catélicos @ a0 pa- gios. Nao teriam mais dificuldades intelectuais, mas suas mentes ficariam to esclarecidas por fatos da vida real, que se tornariam mais aptos para o servigo do Mestre nos semi- nérios, puilpitos ¢ escolas. Deus tenha mizeriedrdia de todos aquéles que com Biblia na mio, nutrem drividas sAbre ana autoridade © apesar disso “vivem’ do evangelho”. Deus aju- de também a todos’ que nao contribuem para Misses.” O O APOSTOLO DA AMAZONIA 5 estilo de Nelson era assim enérgico ¢ expressive. Da prazer Jer suas cartas. Sente-se melas a sua sinceridade ¢; eobretudo, © grande amor que tinha A causa de Cristo na Amazdnia, amor que era, freqiientemente enevoado pela tristeza de ver que nfo chegavam, nunca 03 obreiros necessirios para im- pulsionar a obra. ‘Mas 6 dificil contar por miudo o trabalho que éle cfe- tuou subindo e descendo o grande e amado rio, percorrendo 68 seus afluentes, penetrando os seus “furos”, varando os seus lages ¢ lagoas. Muitas vézes mergulhou éle nas suas aguas para desombaragar 0 seu barco preso pela ramaria submer- sa. Isso éle tinha que fazer regularmente, nas suas vidgens ¢ 0 faz até a velhice. “Os rios eam suas estradas, suplementados pelos lagos e por intimeros canais”, diz o dr. W. C. Taylor em carta es- cxita a propésito da morte de Nelson. E’ ainda do dr. Taylor © seguinte testemunho a respeito da obra de Nelson em Ma- aus: “Em nenhuma outra cidade, exceptuando Vitéria, 0 evangelho atingiu tao profunda e largamente as altas cama- das sociais.” Os barcos em que realizava as suas viagens quase que me- reciam um capitulo especial também, A principio viajava 26 em vapor. Depois arrenjou uma ¢anon para poder vi tar 08 exentes que trabalhavam nos seringais. Nela penetra~ va nos lagos, Iagoas © “furos”. Ajudava-o 0 pastor Manoel Gomes dos Santos que, posteriormente, foi dirigir a igreja de Ttacoatiara, donde pade scompanhar Nelson nas excursées pelo Madeira. A canoa foi depois adaptado um pequeno motor. Aju- dava bastante, mas a embarcaeéo era muito frigil, de modo que as viagens se tornavam trabalhosas. Mesmo assim foi possivel ir até Parto Velho, no Madeira Finalmente, em 1921, Nelson adquiriu a lancha que ha- via de ser sua companheira inseparivel por dezoito anos, a 56 O APOSTOLO DA AMAZONIA “Biifalo”. “Buifalo” era a marea do motor que a movia, Foi ela construida em Belém ¢ o dinheiro foi ofertado pela igro- ja de Murray, Estado de Kentucky, Estados Unidos, de que era pastor o Rev. H. Boyce Taylor, irméo do dr. W. C. Taylor. A “Biifalo” facilitow grandemente aa viagons de Nekon. Nela foi-the possivel ix, sem novidade, de Belém até Parto Velho. Mas & bom que se note que, mesmo antes de recché- Ia, com tédas as dificuldades imaginaveis, éle conseguin subir o Madeira, penetrar no Mamoré até Guajaré-Mirim, em Mato Grosso e Pérto Sucre na Bolivia. A canoa a que Nelson adaptou o motor ¢ qne usom en- qianto nao recebeu a “Brifalo”, também tem sna histéria. Nelson chamava-a de “Area de Noé”. Foi construida por um jovem leproso que morava com sma familia numa casa as margens do rio Madeira. Era éle um excelente construtor de bareos ¢ tinha bastante servigo, mas no dia em que desco- brin estar leproso ficou tf desanimado que jé se avizinha- va do desespéro. Seu pai Ihe deu uma Biblia que havia com: prado ha tempos. Comprara-a s6 por ser livro barato ¢ ter muito material para leitura... O rapaz comecon entio a ler a Biblia ¢ nela aprenden que os leprosos devem viver sepa- rados das outras pessoas. Assim construiu éle uma cabana préxima a casa de seus pais ¢ nela vivia. Nesse interim pas- sou Nelson por ali e pregou o evangelho a téda a familia. O leproso, Mareos de nome, converteu-se e sabendo que Nel- son precisava de um barco, voltou go trabalho e construin a “Arca de Noé”, presenteando-a ao missionario. Mesmo antes de receber a “Arca de Noé” Nelson ji esti- vera em Vila Bela, também no territério holiviano, & beira do Mamoré, abaixo de Guajaré-Mirim. Pelo rio Abund, ou- tra afluente da Madeira, fod até o Acre Nas suas visitas & Bolivia éle foi um precursor do atual movimento da Junta de Missées Estrangeiras que protende O APOSTOLO DA AMAZONIA 57 evar 0 evangelho também aos bolivianos. Fésse Nelson ain- da vivo © 2 Junta encontraria néle 0 mais precioso colabo- rador nese grande empreendimento. Foi na sua viagem ao Acre que Nelson contraiu as famo- sas febres que séo 0 terrar da regiio. Ficou muito mal ¢ vol- tou a Manaus para ve Uatar. Logo que teve auelluras vole tou ao trabalho, agora no rio Amazonas, pregando em todos os Iugares. Estava tdo fraco que néo se podia ter em pé Falava sentado & frente de uma casa, 4 beira do rio ou de algum Jago. E assim volton de novo a subir o Madeira até Pérto Velho. Dai foi novamente a Guajaré-Mirim. Nessa viagem féz imimeros batismos. O que, naturalmente, The dava tristeza era o fato de que 0 povo se convertia, muitos eram batizados, mas éle era obrigado a deixé-los para aten- der ao trabalho noutros lugares. Fora o pastor Manocl Gomes dos Santos que também trabalhava na zona do Madeira, néo havia mais ninguém para promover a obra. Foi por isso que um dos mais recentes obreiros da nossa Junta de Misses Nacionais, ao chegar a Guajaré-Mirim para tomar conta do trabalho, encontrou a igreja desmantelada ¢ 0s pentecostais grassando como “herva de passarinho”, a querer destruir o rijo trabalho, obra de Nelson. Na “Biifalo” em 1921, éle subiu até Porto Velho ¢ ali organizou a igreja da cidade em 16 de outubro, de 1921. Em janeiro de 1922 realizou o ceu velho sonho: subia o Rio Bran- co. La onde imaginara na mocidade criar imensas manadas de gado, agora, aos 60 anos, batizou 8 pessoas ganhas para Cristo ¢ infinitamente mais preciosas que todos os rebanhos do mundo. Organizou a igreja de Boa Vista, deixando-a aos euidados do irmao Epifanio da Silva. Logo a seguir desceu ‘© Branco, 0 Negro e 0 Amazonas, entrando pelo Tapajés a demo. Voltou a Samtarém ¢ atrayessunlo aie Garapé Ase 1 fundon uma igreja com 22 membros, dos quais ecis haviam sido por éle batizados em maio de 1922. files cram o fruto 58 O APOSTOLO DA AMAZONIA. do trabatho de uma professora, Dona Acelina Dias. Em ja- neiro de 1923 voltou outra vez 20 Madeira e, pasando Porto Velho, foi organizar uma igreja em» Aguas Frias, que come- gou com 21 membros. Voltou depois a0 Amazonas e perto de Obidos organizon em 8 de abril a igreja de Corumacuri. Fm 1995 organizou a igreja de Maués. Foi nesse ano que, ataeado de “beri-beri” teve que ir aos Estados Unidos afim de se tratar. Restabelecido regressou ao campo imenso e continuow na faina sem tréguas nem deseansos. Em certa viagem que fazia por um dos lagos do rio Ma- deira, na “Biifalo” em companhia do ixmio Serejo, houve um acidente. Quando Nelson foi por 0 motor em movimen- to éste disparou repentinamente, sem Ihe dar tempo de re- tirar a alayanea de engrenagem. fle reeeben um tremendo golpe que Ihe decepou um pedaco do dedo indicador direi- to. Serejo e outro irmao que trabalhava na lancha ficaram apavorados porque nao s6 desconheciam 0 caminho, como também nio sabiam manejar 0 motor. Mas Nelson, embora ferido, quis continuar a viagem até Parto Velho. Os dois nao © conseguiram dissuadir e voltaram entéio 20 Madeira, onde éle entrou em tratamento. Ble vivia sonhando com o trabalho e com suas nocessi- dades enormes, acima de qualquer previsio. Fazia o plano de visitar tdas as igrejas © congregagées em cada anc, mas nio era possivel arranjar tempo. Confoime diz 0 irmio Se- rejo, éle via portas abertas em todo Ingar, mas nio podia ir. Choviam os pedidos de todos os pontos ¢ éle se afligia em seu coracio porque nio era possivel dar atencio a todos na- quele imenso mundo que 6 a Amazénia. Mesmo quando estava doemte e ia buscar um outro lugar em que o elima Ihe favore- cose @ repouse, alii encontrava 0 apélo do trabalho e nao se eximia. A sua alma e 0 seu corpo estavam devotados ao cam- po que escolhera, CAPITULO IX DO MARANHAO AO CEARA Embora sendo, por exceléncia 0 “Apéstolo da Amaxd- nia”, Nelson néo limitou sua aco evangelizadora aos Esta- dos do Amazonas ¢ Para. Sabedor das necessidades da terra e da pungente falta de obreiros, de quando em qnando éle deixava 0 seu campo de agéo habitual, para ir pregar, entre mauitas lutas, canseiras ¢ persegnicdes, a verdade de Cristo noutros Ingares. Ja vimos como esteve éle em Mato Grosso, na Bolivia e no Pert. Ligeira referéncia ja foi também fei- ta A sua répida estada na Paraiba. Recordaremos agora swa passageny pelos Estados do Maranhio, Piaui e Ceara. Em _dezembro de 1907 rumou Nelson para o Maranhido. Havia deixado Almeida Sobrinho pastoreando a igreja de Manaus e passon algum tempo em Santarém. Foi nessa ova sido que edificou o templo de madeira de que falamos no capitulo anterior. Chegou 2 Sido Luiz na véspera do Natal de 1907. Foi afivelmente hospedado pelo pastor presbiteriano, Rev. Belk miro Gesar. Ouvindo falar de um certo senhor de nome Mil- ners, missionério inglés que se dizia batista, Nelson quis co- operar com éle para levar avante a obra. Mas depois verifi- cou que Milners podia ser inglés mas de batista nada tinha. Resolveu, entio, comecar sdzinho, como tantas vézes j@ havia feito. Arranjou uma casa e principiou a pregar e trabalhar incansivelmente. Dois irmios, vindes do Para, tornaram-se preciosos colaboradores na obra ineipiente: 0 pastor Manoel Gomes dos Santos e o irmio Paula Barros. Apos cinco me- sea de trabalho incessante, em 23 de maio de 1908, foi orga- nizada a Primeira Igroja Batista de Sio Luiz. Os membros 60 © APOSTOLO DA AMAZONIA fundadores eram nove ¢ Manoel Gomes dos Santos foi cleito pastor. Em junho désse ano, valendo-se do que sobrara dos 1.000 délares enviados por seu irmiio, Nelson veio até o Rio de Janeiro assistir & 2°. Conveneo Batista Brasileira. Ter- minada a Convengio foi até Sio Paulo. Aproveitow a opor- tunidade para visitar também Santos e Campo Grande, no Estado de Mato Grosso. Em Sao Paulo esteve com o dr. Bag- by, eujo artigo publicado em 1690, tanto o influenciare para vir ao Brasil. Em setembro de 1908 Nelson ja estava outra vez no Ma- ranhio visitando o trabalho que comecara. De li ramon para o Piaui, a convite da irmé Dona Orminda Teixeira. Dna. Orminda era natural de Jeramenha, no Estado do Piaui. Seu pai, que era excelente miisico e um apaixonado pela educaeio, procurou dar aos filhos 0 maximo de instru- cio possivel. Posstia um exemplar do Velho Testamento, mas nao 0 lia aos filhos, de modo que éstes, religiosamente, foram educados pela mae que era catélica praticante. Indo 20 Para, em companhia de amigos da familia, dona Orminda ouvin a pregaco de Nelson na rua. Quis ir a igreja mas 0s amigos nio conentiram. Mais tarde ela se casou com um maometano ¢ foi morar em Manaus. Sabendo que havia ba- tistas na cidade foi a igreja, ouviu a pregagio € se converteu. Seu marido, entretanto, mio consentiu que cla se hatizasse. Ela esperow pacientemente durante um ano que éle cejlesse. A igreja ajudowa com suas oragées ¢ finalmente le concor- dou. Logo que se converteu Dna. Orminda teve a idéia de ‘uma missio a cumprir: levar 0 evangelho ao seu estado m: tal." Assim pensou e assim féz. Seu irmio que era diécono da igreja de Manaus acompanhou-a ¢ ela foi bem sucedida no meio de seu povo. Seu outro irmio, Ildefonso ¢ uma irma se converteram, provocando grande reboligo nos meios caté- licos porque os dois haviam sido até entao fiéis eatdlicos e de Templo da Tpreja de Tacoatiara, vendo-se Nelson, ” dda esguerda, Nelson os Piro Velho, no Rio Madeira, ofetuand os seus dithnos Tatismos. © APOSTOLO DA AMAZONIA 61 iam as béstias para o vigirio. Regressando a Manaus depois de tio bem sucedido trabalho, Dna. Ormin- rou Nelson em Sio Luiz do Maranhio e convidou-o ara it ao Piaui pregar ¢ batizar os convertidos. Nelson accitou. Saindo de Sio Luiz éle subiu em vapor o rio Ita- jas c de 14 tomou o trem para Teresina. Dai Parnaiba até Colonia. Comprou dois livros para ler durante © trajeto, Mas a viagem durou treze dias ¢ éle u ox dois livros maa também a Biblia inteira. “Se falta de paciéneia faga uma viagem nes- uma viagem 86 basta!” Assim eserevia ale, bem humorado, recordande 0 episédio, n’O Jornal Ba- tista, em 1928. Pregou em Colénia © Jerumenha. Ai, em outubro de 1908, batizou no rio Curguéia 4 pessoas. Em Colénia bati- zou mais quatro, sendo entio organizada a primeira igreja batista do norte do Piaui. E’ que o trabalho batista no Piauf comecon no sul, gracas aos esforcos da familia Paranagud. No norte do Estado Nelson foi pioneiro. Nessa visita sua, em 1908, outras cidades foram também atingidas pela pregacio © entre clas Teresina ¢ Amarante. Sobre o trabalho de Nelon no Piaui ha muita coisa in- teressante a contar. Destacamos dois episédios. Em Jerumenha foi grandemente auxiliado pelo irmio de Dna. Orminda, 0 diécono Joio Teixeira de Moxais. Logo depois de batizados os dois irmaos déste, Nelson penson em realizar a ceia com os novos conversos ao ar-livre porque a casa no era suficientemente espacosa. Acorren grande mul- tidao, curiosa de saber que ceriménia estranha seria aquela. Era mais uma oportunidade de pregar o evangelho oportu- nidade que Nelson soube aproveitar devidamente. Foi ai que entrou em cena o chefe politico local, Coronal Balhino Rocha que, acompanhado do vigério, padre Moisés de um hando de soldados ¢ jagungos, intimou © pregador a retirar-ce de Jerume- nha, dentro de vinte e quatro horas. Nelson nao xeagiu. Nao que 62, © AP6STOLO DA AMAZONIA The faltasse coragem. Mas a experiéneia de 18 anos de tra- batho Ihe indicava claramente quando devia prosseguir ¢ quando convinha parar, Compreenden, pois, que cra mais prodente atender 4 intimagdo do trueulento’ chefe politico eretirar-se. Antes porém, eegundo relata o pastor Coriolano Duclere, em interessante artigo publicado no “Correio Dou- trinal”, Nelson “algou a voz como trombeta e tal como Elias © tesbita na presenea do feroz Acabe profetizou solenemente: “Sim, senhor eoronel — eu me retiro em paz; mas fique sa- bendo que tio certo como o men Dens esti nos ouvindo, da~ quia dois anes voltarei e o senhor estar’ deposto désse Ingar € nunca mais seré chefe neste municipio”. Dito ¢ feito. Passados dois anos Nelson voltou a Jerumenha ¢ 0 coroncl Balbino ja havia perdido o mando. Em 1917 0 pastor Duclere visitando a cidade foi convidado para fazer uma visita a0 ex- perseguidor. Na cidade de Amarante residia 0 Capito Jerénimo Cunha que recebia constantemente, sem saber quem os en- fava, jomais e outros periédicos evangélicos. O misterioso remetente era o mesmo didcono Joio Teixeira de Morais. A palavea escrita ia assim preparando o terreno para a fu- tura pregaco. Sucedeu, pois, que em 1909 quando Nelson chegou @ Amarante encontrou & sua disposigio para pregar a casa do Capitéo Cunha. Converteu-se com sua pregacio um jovem ourives que seria depois 0 pastor Tedfilo Dantas Na sua volta ao Piaui, em 1911, Nelson batizou Dantas que, mesmo sem ser batizado, ja vinha trabalhando dedicada- mente no evangelho, tendo iniciado © trabalho em Valenca, além de estar evangelizando © Cap. Canba a quem deu fo- Ihetos diversos. Finalmente eapitéo ce converteu, scndo ba- tizado pelo dr. A. J. Terry, em 1913. Quando o dr. Terry chegou ao Piaui, em 16 de julho de 1913, Nelson entregou- the prazeirosamente 0 trabalho, sabendo que o deixava em boas maos. O APOSTOLO DA AMAZONIA 63 Em 1908, depois de suas primeiras pregagdes no Piaui, Nekon deu um pulo ao Ceard. ‘Ali pregou em Camocim a mais de 500 pessoas, revolucionando a cidade de tal mancira, que os padres arranjaram um meio de interditar-lhe a pala- vra. As autoridades o obrigaram a cmbarear para evitar “dervamamento de sangue”, segundo explicaram. Nelson. sain da cidade a tempo porque, logo depois, sens inimigns eo- megaram a procurélo com sanha feroz, indo verificar até dehaixo das camas. Estivamos em pleno Brasil republicano ce liberal, mas Roma continaava a considerar nossa terra como um feudo. Seguin, pois, 0 bravo pioneiro para Forta- Jeza onde pregou, batizon e organizou uma igreja. Era re~ sultado do trabalho do diécono Firmino Alves, de Belém do Pari, que Nelon havia enviado a Fortaleza, em maio daque- Je ano. A igreja foi organizada em 14 de novembro de 1908. Firmino Alves foi eleito pastor. Foi depois disso que, vol- tando ao Piaui, que Nelson passou pela experiéneia contada linhas atrés, na cidade de Jerumenha. Com a palavra inter- ditada em Jerumenha Nelson foi para outras eidades, pregan- do tédas as noites. Em mato de 1909 a igreja de So Luiz es- colheu para pastor © irmio Joio Torres Filho. Nelson entio voltou 20 Amazonas e dai seguiu para a América do Norte, em agasto de 1910. Em 1911, como vimos esteve de novo no Piaui. Em 1913 visitow outra vez 0 Maranhfo ¢ teve entdo oportunidade de batizar oto pessoas na cidade de Cod6. O trabalho no Ma- ranhao Tutava, como Iuta até hoje, com grandes dificuldades por causa da falta de obreiros. Nelson, entretanto, nio ficou 1a porque sentia que o eeu campo de atividade era a Amazd- nia imensa ¢ misteriosa. CAPITULO X A COMPANHEIRA E AJUDADORA Nao poderia deixar de ser dedicado neste livro um ca- pitulo & corajosa espdsa de Nelson. Foi ela a espésa ideal do “apéstolo”, dada por Deus ao seu servo, para auxilié-lo na ‘obra gigantesea que decidiu cmpreender, para conforti-lo nas horas fadigosas, para reanimé-lo nos aparentes fracassos. As vézes ouvimos de figis obreiros que, em seu trabalho tém sido prejudicados, quando nao séo inutilizados por cau- sa da influéncia de uma espésa que nao esta a altura da imis- sio do marido. Ha espésas de pastor que sio vaidosas em excesso, ou amigas de imposigées, ou indiferentes pela causa, ou maledicentes e novidadeiras, que scabam por indispor o pastor com o rebanho, ou 0 obreiro com o trabalho. Por isso, para o ministro do Senhor é questio de importincia vital a escolha de uma companheira, Ai daquele que nio a sabe escolher por meio da oragio constante e fervorosa. Ai daquele que se deixa sedusir apenas por um par de be- Jos olhos, ou por uma aparéncia vistosa, ou por trajes e ma- neiras elegantes, ou por outros quaisquer caracteristicos se- cundarios. Nelson foi feliz na sua escolha. Tda Nelton foi de fato uma companheira, uma ajudadora completa do grande ho- mem de Deus. Nao poderiamos, pois, deixar de dedicar-lhe nesta obra pelo menos um capitulo. Ao fazé-lo volvemos os olhos da imaginacéo para a velhinha que esté 1 nos Es- tados Unidos, com 76 anoe de idade, acarinhada pelo afeto dos filhos do seu amor, mas recordando sempre com a mente © © coracdo os anos herdicos vivides com o espéso ma luta ingente pela causa gloriosa © APOSTOLO DA AMAZONIA 65 Infelizmente Ida Nelson nio péde ficar sempre junto do espse0. De satide delicada ¢ nio podendo se dedicar de- vidamente aos filhos, ela, em 1910, nao voltou com o marido ao Brasil. Ficou 1a nos Estados Unidos com os filhos. Eram éstes cinco, trés rapazes e duas meninas. La ma outra América, com as sas oragées 6 as suas car- tas ela continuow a ajudar 0 companheiro, mas a sna ausén- cia era irreparavel. Por dezoito anos, de 1910 a 1928. Nelson trabalhou sem a sua ajuda, Mais tarde, escrevendo um ar- tigo para O Jornal Batista, depois de ter dedicado algamas palayras carinhosas 4 coragem da mulher, Nelson confessa, revendo © trabalho feito naqucles dezoito anos: “se ela pu- dosee ter estado com éle (o autor esereveu na 3". pessoa) éste tempo, auxiliando-o, muito mais podezia ter conseguido”. E nfo ha dtivida que ino era verdade. A s6 presenca da espéoa ao sen lado hastaria para estimular Nelson. Quando @le sofria e se exauria no trabalho, quando ficava prostrado pelas doencas terriveix da terra, ela, 20 seu lado, muda mas clogiiente, com um breve sorriso nos labios, parecia dizer- The: “Olha que eu sofro também. Tamhém eu me eaneo. E sou mulher... Mas. resiste porque a obra é de Deus e ha milhares de almas perdidas que preeisam de nés”. E Nel son se levantava © prosseguia com mais animacio. Ida Guilhermina Landberg era filha de pais batistas. Biles exam suecos emigrados © ela nasceu nos Estados Unidos om 13 de agdsto de 1869, em Randolph, Estado de Kansas. Era, portanto, cote anos mais moca que © marido. Nelson encontrowa pela primeira vez numa de suas ox- cursdes evangelisticas, logo depois que se sentiu chamado para a obra da pregacio. Depois que éle resolven vir para © Brasil encontrou-a de novo. Ida sentia que se nao casasse com aquéle moco ardente ¢ idealista mio se casaria com mais ninguém. Ble Ihe falon da terra onde pretendia trabalhar ¢ 66 © APOSTOLO DA AMAZONIA ela o onviu, enlevada © j& pensando no dia em que para li também haveria de partir. Entretanto, Nelson, despedin-se sem exigir dela qualquer compromisso. Mas quando, um ano apés, chegou ao Insti- tuto de Indios onde ela trabalhava, uma carta do jovem obreiro, convidanda-n a vir para o Brasil partilhar com éle da obra dificil que imiciara, ela nfo teve um instante de he- i Deixou o seu trabalho, féz as malas, comprou com seu dinheiro a passagem e partin ao encontro daquele que amava. Vimos em eapitulo anterior as peripécias do casa- mento, efetuado no mesmo dia em que ela chegou a Belém. Vimos também as arduas dificuldades do trabalho recém ini- ciado. Mas nada sera mais significativo, a respeito da vinda de Ida Nelson, do que 2s palavras do. préprio marido, em 1928, nO Jornal Batista: “Ida Guilhermina Lindberg veio de Kansas, sdzinha (quase como outro Lindberg, embora mais corajosa) sabendo que o futuro marido néo tinha salirio on auxilio da missio, nem garantia de sustento; mas julgando uma grande oportunidade de servir a Deus e também de a trabalham, pois ne tinha oferecido 03 seus servi- 0s 4 Missio do Norte, ¢ julgou agora que esta era a respos- ta de Deus; e 08 que conhecem o trabalho dela no grande Vale, no tém diivida quanto a isto.” Depois de casados vieram os filhos. Em 1895, com dois filho, eheia de cuidados por éles, pelo marido e pelo traba- tho, foi ainda, por duas vézes, atacada pela febre amerela Mas nao desfaleceu. E continuava a encorajar 0 marido © a ajudélo também nas despesas, trabalhando sem descanso na maquina de costura. Doente embora, permaneceu firme no pésto e 86 quatro anos depois, em 1899, foi aos Estados Unidos para recobrar a saude. Quando em 1900 Nelson se fixou em Manaus, Ida se re~ velou doutro modo uma auxiliar imprescindivel. Ele tinha que viajar pelo rio, ora parando em Belém, para resolver al- 0 APOSTOLO DA AMAZONIA 67 gumas dificuldades aparecidas, ora em Santarém, ora em qualquer um dos muitos pontos que The chamavam a aten- silo ¢ que dle desejava evangeliza . Mas a novel congregacio © depois igreja de Manaus nao ficava desamparada. Os eren- tes acorriam & casa do missionario ¢ se aconselhavam com a Jovem esposa do puslur e cla para todos, féssom as eenho- ras, féssem os alunos da Escola Dominical ou os futuros pre- gadores, tinha uma palavra de conférto e de £, exortando-o» a permanecer firmes no evangelho. Quando em 1928 jd com perto de 60 anos ela resolven acompanhar de novo 0 marido ao Brasil éle se centiu tao forte e encorajado que declarou perante a Convengao Amazo- nense que esperava trabalhar ainda 15 anos no Grande Vale, E por pouco deixou de re: seu desejo. Fda Nelion foi a companheira ideal para o grande ho- mem de Deus. Frigil, delgada, de satide delicada mas de alma forte, dessa fortaleza que domina as debilidades do extraordindrias vitérias, ela nao ido com Iamirias © queixas. Nao is dificeis, Nao tentou dissuadir o maginava emprésas arrojadas. Nao a deixava por dias © meses a fio, sdzi- nha em Manaus, com os filhos. Soube corajosamente comer com éle 0 pio das lagrimas ¢ arrostar com éle 0 agoite da perseguicéo, Brava ¢ nobre mulher! Quanto Ihe deve 0 trabalho de Cristo no Brasil .A lembranea do que féz, nos anos em que aqui esteve, Iado a lado com um dos maiores servos de Deus que ja mourejaram em nossa terra, deve-the tornar menos tristes as suas horas de saudade agora, li na outra América, longe de sua segunda patria ¢ longe de seu companhciro que 2¢ foi, antes dela, para ae colestes moradae, como antes dela veio para a nossa patria. companheiro q desfalecia quando CAPITULO XE © FIM DO LIDADOR Em _ 1935 Eurico Nelson realizou, em companhia do dr. L. M. Bratcher, Secretério-Correspondente da Junta de Mis sées Nacionais da Convencio Batista Brasileira, uma longa viagem, através do vale amazénico, afim de cstudar as neces- sidades do campo, as deficiéneiss do trabalho, as oportunida- des a aproveitar. ‘Mas © campo era vastissimo © ambos reeonheceram que era niecessirio fazer uma onira viagem, dispendo de mais tempo ¢ calma, numa outra ocasiio. Combinaram essa ou~ tra Viagem para 1939 depois que Nelson voltasse de euss £6 xias. O dr. Brateher deveria encontrar © velho missionério em Guajaré-Mirim, no atual ierritério de Guaporé, na mar- gem do tio Mamoré, em principios de 1939. Nelson foi aos Estados Unidos e 14 a Junta de Richmond deuThe aposentadoria do servigo ative. Estava com 76 anos ¢ ja fora atacado por tédas as moléstias da selva amazdnica: a febre amarela, o impaludismo, 0 “bericberi” ¢ outras mais. ‘Téda aquela longa vida gasta no trabalho estava necessitan do de wm descanso. Podia agora viver, seus iltimos anos emi companhia da espésa, dos filhos, dos netos. Durante todos aquéles quase cincoenta anos de trabalho intenso, desde que se casara em 1891, quanto tempo havia dedicado a famili Muito poueo. Pois nfo passava meses e meses em intermi- naveis viagens pelos rios da Aimazénia? E nao ficara ¢ sua boa companheira dezoite anos nos Estados Unidos? Se éses pensamentos ocuparam a mente de Nelson, « «que no é provivel, néo foi por muito tempo. Sen coracdo estava no Brasil. A Junta aposentou-o mas éle nao se santia © APOSTOLO DA AMAZONIA 69 satisfeito nos Estados Unidos. Como que se partia seu cora- edo, quando pensava nas necessidades do Amazonas. Por uma dessas coincidéncias que sio ordenadas por Deus aconteceu que Nelson nio tinha seus papéis de natura- lizago e o govérno norte-americano nao Ihe permitin perma- néncla por mals tempo. Assim éle alegremente, dando “vie vas” is leis de Tio Sam, voltou ao Brasil e em 10 de maio de 1939, ais trés horas da tarde, jis margens do rio Mamoré, Nel son eo dr. Bratcher se apertaram as maos, Naquele mesmo dia iniciou-te um grande avivamento na igreja de Cuajaré- Mirim. A casa de cultos so enchou. Nelson parecia estar em pleno vigor. Respirava alegrin © forea. De Guajaré-Mirim para Porto Velho. Comple- tado ai o trabalho, os misyionarios ficaram mais cinco dias, 4 vista da imsisténcia do povo. No domingo de tarde Nelson datizon cinco novos convertidos. Foram os iiltimos batiemos que éle efetuou. Segunda-feira embarearam na “Biifalo” e partiram rio abaixo. Os dois mivsionivios iam falando de Cristo as po- pulagdes marginais. Kira magnifico o entusiasmo com que ‘Nelson. falava Mas, ao passarem em Maués, Nelson adoccen, Um peixe gue no estava freseo provocou uma espécie de intoxicaeso Ji nao podia dirigir a lancha ¢ entregou-a ao dr. Bratcher. Rumaram para Nacoatiara. No havia médico na cidade mas ‘Nelson insistiu em permanecer ali e realizar o trabalho pro- jetado. Os eultos foram étimos recebendo a igreja um gran- de avivamento. Mas Nelson nio péde sair da lancha onde 0s irméos iam visiti-lo. Tinham feito 0 plano de subir 0 rio Urubi mas, na segunda-feira, 0 doente foi acometido de nova crise. O dr. Bratcher revolvou entéo seguir para Ma- naus onde haveria mais recursos. Nelson bem que argumex- tou para que continuascem a viagem, de acdrdo com. o plano 70 © APOSTOLO DA AMAZONIA Sua vontade era de ferro e, caso pudesse se erguer, éle mesmo empunharia o leme, para subirem 0 rio Urubi- Quando chegaram a Manaus e o dr. Bratcher foi buscar © companheiro para levé-lo & terra, vin-o destnaiar em seus bragos, téo fraco estava. Teria mozrido, pensou aflito, 0 dr. Bratcher. Aida nao. Recobrou logo os sentidos © dai a pouco era levado de automével para casa. Comecou a ser tratado © apresentava melhoras. O trabalho na Primeira Igreja de Manaus foi iniciado ¢ os irmios oravam pelo seu grande amigo. Passadas duas semanas, éle parecia pronto para outra. Tracou planos juntamente com o de. Bratcher para a prosseeugio da viagem. Quoria fazer alguma coisa, dizia. O de. Bratcher estava trabalhando sdxinho e ae des. cansando. Nao podia continuar assim. Na sexta-feira, 16 de junho, éle teve um rapido deemaio que pareceu sem grande importineia. Quando o dr. Bratcher voltou da conferéncia da noite na Primeira Tyroja, pensou em medicé-lo, mas éle nio quis, “Vou deixar para depois Amunhi estarei bom”, disse éle. ‘As seis horas da manha de sibado, ao se levantar, 0 dr. Bratcher olhou para Nelson que doxmia: estava tranqiilo, respirando sossegadamente. Meia-hora depois voltou © no- tando no rosto do velho obreiro uma palidez anormal, alar- mou-se e, apalpando-lhe 0 coraeo via que ate ja mie batia mais. “O Grande Coracio sdbre que pesara a salvagdo do Vale Amazénico, durante quase cincoenta anos, deixara de pulsar para sempre.” Na comovida noticia que enviou ao Jornal Batista o de Bratcher conta: “A triste nova espalhou-se com grande rapidez através da cidade ¢ maltidées comecaram a surgi para exprimir 0 seu sentimento ¢ oua apreciagio do obrciro de grande cora io. Com os olhos em lagrimas contavam como éle 08 guiara a0 Mestre. A Primeira Tgreja de Manaus tomou conta de © AVOSTOLO DA AMAZONIA. nm todos ox prepurutivon para o funeral, o que foi feito de um modo digo slo morte, Nada mais poderia ser dito. seguinte, constituiram o transbordar oe amor d eum povo eordial aque- ado. Todos os jornais didrios pu- que o honraram. O interventor federal do Kintuslo enyiow o seu xepresentante. A companhia de bon u ax tts antoridades © um carro especial évio. Tédas as classes, diversas na- denominagées mostraran amor e apre- ro que fora descansar. O belo esquife ws eres das flores tropicais, ao passo » eauife estava pleno de pétalas das mais 0 corpo Tora depositado no templo da Pri- tarde, onde foi levado a iiltima mo- » que domina a cidade. De modo tio ciagio do yr foi eepultuilo sob an b rada no belo vem belo a mor ‘que uma erianga disse: “Ora, 0 irmio Nelon esti up do. O¢ foi tal qual o homem; simples, mas eheio d forte impressio sdbre a cidade, impression 4 nis seri esquecida. Naquela manha de domingo. 1 A. Nelson, pregou a sua ultima e inais gtandiosa menvagem ao Vale do Amazonas. Quando o esquite deseou & itima morada, a tampa de~ sapareceu soh ax mis lindas flores do trépico. Assim 0 gran- de Apéstolo reali o seu desejo de descansar no coracio do grande vale q séeulo de servign. unava © ao qual dera quase meio CAPITULO XII CONCLUSAO Apés quarenta e oite anos de trabalho, de 1891 a 1939, Gurico Alfredo Nelson, passou para a eternidade. Foi mas suas obras ficaram. O enorme campo em que agiu af esté a dcsafiar a coragem de mais obreiros. Nao é possivel avaliar com 03 nossos pobres recursos hu- mamos a béngio qne a vida do grande obreiro representou para a causa do evangelho. S6 na gléria eterna poderemos saber © quanto o “Apéstolo da Amazénia” fez no seu quase meio-século de atividades na terra brasileira, pregando infa~ tigavelmente em varios estados, fumdando igrejes, reaniman- do trabalho antigos ¢ criando novos, bem como inspirando ou- tros para o auxiliarem na promogio e prosseencio da obra. Ble inicion o trabalho batista no Para, no Amazonas, no Maranhao, no Norte do Piauf ¢ no Ceara. Glévia inegualavel foi a sua de ser 0 pioneiro em cinco Estados diferentes. Fun- dou dezeras de igrejas, a Primeira de Belém do Par, a Pri- meira de Manans, a de Seniarém, 2 de Sio Liz, de Fortale- za, de Guajard-Mirim, de Porto Velho e uma série de outras. Seria interessante tragar a hist6ria dessas igrejas com as suas Intas © provacées, as stias vitérias ¢ quedas e Nelsen pro- curando sempre auxilid-las, embora nao the fosse possivel visitar tédas ao mesmo tempo, espalhadas que estavam num campo téo grande. “Além das coisas exteriores me oprime cada dia o cuidado de tédas as igrejas”. A palavra de Paulo em If Corintios 11:28, Nelson poderia repetir em muitas oca- sides. Ble precisava cuidar das igrejas porque num campo tio vastoeram escassos os obreiros, como ainda hoje o sao. © APOSTOLO DA AMAZONIA 73 L. Howard Jenkins, presidente da Junta de Richmond, quan- do soube da morte de Nelson disse: “Nenhum missionario de nossa Junta foi tio abnegado no servico sacrificial.” “O maior missionario que o Norte do Brasil jamais conleceu paso para a cternidade”, escreveu Miss Mildred Cox, em carta enviada a Dna, Ida’Nehon, relatando 0 eulto memo- rial, efetuado em Recife, pela Mivsio do Norte. Sio ésses, além de muitos outros, que seria longo citar, dois tributos hem merecidos prestados a m do verdadeiro heréi de Cristo que foi Eurico Nelson Seria interessante falar da conversio, da vida e da obra daqueles que podiam chamar Nelson de “pai espiritual” e que tio ativos se mostraram aa cooperacdo que Ihe deram: © Coronel Antonio Lopes Barroso, o Gapitée Hastimphilo Se- rejo, o Professor ¢ depois Pastor ‘Tomaz de Aguiar, 0 Pastor Teophilo Dantas, 0 Capitéo Jeronimo Cunha, o Pastor Be- nicio Leao, o Pastor Raymundo Nobre, o Pastor Manoei Go- mes dos Santos ¢ dex ros. Mas nao convém alon- sar mais esta pequena obi Agora aqui, prestes a pingar o ponto final na sua bio- grafia, como que 0 vejo perio de mim e¢ como que sinto a presenca de seu trabalho, ao lancar o othar alternadamente para o mapa da Amaz to amiou © para o seu retrato em que se vé aquel ca de cabelos embran- quecidos na Inta ¢ em que se adivinha um othar vivo, pene- trante e cheio de bondade ¢ amor. Meus olhos se erguem do mapa e se fecham como num sonho. I. vejo nesse sonho 0 Grande Rio, que continua a rolar suas éguas lentas, sombrias ¢ silenciosas. Para onde rolam clas? Nao importa. Mas 20 eofrerem como que cantam. suave e lamentoso canto. Ou serd antes um apélo que elas fazem? Um apélo para que se le ma 0 APOSTOLO DA AMAZONIA vantem mocos como Nekon era quando, pela primeira vez, se contemplou no espélho mébil das siguas do rio-mar. Que mocos irfo se levantar, avigorados pela fra invencivel das nas abnegagées, para varar aquelas aguas, devassar florestas © penetrar naqueles lagos, fundando con- avegagies, igrejas, asilos, colégios, coutinuando a obra do grande homem de Deus ¢ procurande ganhar para Cristo « terra em que éle viveu e morreu? Rio, 17-6-1944., @ Bat mang %, sprugzemy ep ojorsode wn sod vpuye uresadsa seme sesimo ap soanypyur o seasy ‘ooursg ony op saquasa ap wsmry

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