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Os principais marcos histéricos em Ciéncia e Tecnologia no Brasil* Shozo Motoyama Universidade de Sd0 Paulo Certamente nao seré exagero afirmar que esta- mos vivendo nos dias atuais momentos criticos da nossa Historia, nos quais se esboca uma reorganiza- sHo politica, social e econdmica do Pais. Depois de uma experiéncia de quase um quarto de século de um modelo econdmico que somou no seu passivo a faca- nha nada invejavel de ter acumulado a maior divida externa do mundo com o agravamento das tensbes sociais a ponto de quase ruptura, ja & tempo de re- pensar seriamente a realidade brasileira na procura de novas alternativas. Nao se trata aqui de colocar em questo os esforcos ou/e as boas intengdes de pessoas que promoveram o modelo econdmico vi- gente. Isso vem muito a propésito, se lembrarmos principalmente de que as forcas sociais hegeménicas nesse periodo nfo foram homogeneas, notando-se até tendéncias contrérias entre algumas delas. Nesse sentido, embora o modelo adotado fosse o mesmo na sua esséncia, adquiriu nas suas diversas fases formas concretas bastante diferentes nas suas énfases, tradu- zindo o embate as vezes cruento entre essas forcas. O importante, no nosso caso, € 0 reconhecimento de que na pratica esse modelo no foi bem-sucedido, tornando-se necessdrio pensar em novas medidas se isermos superar a situac&o desconfortével da nos- idade. No nosso entender, 0 primeiro passo isso so andlises em profundidade, de cunho istorico, para deslindar as diversas variéveis emara- nhadas no curso nem sempre linear da marcha dos acontecimentos s6cio-econdmicos. O objetivo da nossa exposicdo é proceder uma andlise, ainda que sumaria, da trajetoria historica da ciéncia ¢ tecnologia (C&T) no Pais, sob a perspectiva acima apontada. E nesta seara da C&T que se encon- tra o terreno fértil de equivocos e de malentendidos, * Depoimento feito no dia 21 de Novembro de 1984, em Brasilia, no Semindrio “‘Citncia, Tecnologia e Desenvol- vimento”, promovido pela Comissto de Citncia e Tenco- logia da Cémara dos Deputados, para tracar as linhas- mestras em Citncia e Tecnologia do futuro Governo a ser empossado em 15/03/1985. 41 caracteristico dos paises subdesenvolvidos. E onde campeia uma imagem mirifica da tecnologia como um ente todo poderoso capaz de despedacar os entra- ves do subdesenvolvimento tdo-somente pela sua presenca. Dai a énfase as vezes exagerada que esses paises dao para a transferéncia de tecnologia minimi- zando a sua criacdo nativa. Dentro dessa visdo, evi- dentemente a ciéncia tem pouco que fazer. Ela pode no maximo ajudar a compreender a tecnologia im- portada e adapta-la quando necessaria as contdicées Peculiares da regiéo considerada, além de servir de ornamento para minorar as suas misérias culturais. Mas esse é um ponto de vista superficial e apressado demais sobre o papel da C&T na dindmica do desen- volvimento. Este ¢ em verdade, um processo muito complexo ¢ intrincado envolvendo relagdes interna- cionais de poder com reflexos acentuados tanto na 4rea econémica, quanto na politica e militar. No contexto da economia, a partir do fim do século pas- sado, a C&T associadas aos grandes cartéis transformaram-se em eixos centrais da vitalidade econémica na competi¢ao capitalista. Do angulo mi- litar, desde a Primeira Guerra Mundial, ambas tornaram-se em fatores imprescindiveis de soberania nacional, porquanto as proprias guerras foram tornando-se cada vez mais cientificas. Em outras pa- lavras, a C&T desempenham papéis importantes no Proceso do desenvolvimento. Esta constatacdo seria até banal se nao fossem as armadilhas do subdesen- volvimento, traduzidas numa visdo tecnocratica so- bre o assunto. Os paises do Terceiro Mundo, quase todos de passado colonial, nao tiveram oportunidades de aca- Ientarem no seu seio 0 crescimento de uma ciéncia ou de uma tecnologia. Dessa forma, a C&T nao estao integradas harmoniosamente nas suas estruturas sécio-econdmicas, provocando toda sorte de incom- preensdes quando se tenta implanta-las nas mesmas. Ainda nao se compreendeu nessas paragens estigma- tizadas pela dependéncia econdmica que a C&T, clas proprias, so processos dindmicos envolvendo mui-. tas varidveis interdependentes impossiveis de serem separadas arbitrariamente. Isso significa que para desenvolvé-las plenamente é necessario estabelecer uma infra-estrutura adequada para isso, constituida de variaveis realmente relevantes ao processo. Nao basta privilegiar artificialmente uma delas para aten- der as prioridades momentaneas de uma dada con- juntura politica. Esta € a razao porque a maioria dos planos relacionados com a C&T terminaram em fra- cassos dbvios. No caso brasileiro, nos ultimos 15 anos, instaurou-se de modo auspicioso a pratica de planejamento em C&T. Foi feito todo um esforco louvavel para a implementacdo dos diversos Planos icos de Desenvolvimento Cientifico e Tecnologi- co (PBDCT), porém tudo indica que os resultados até agora ficam muito aquém do esperado. Que di- gam as universidades e os institutos de pesquisa, qua- se dizimados no transcorrer da atual crise, sem ver- bas para a consecucao de pesquisas de fdlego, pas- sando muitas vezes 0 vexame de sequer poderem re- novar as assinaturas de revistas cientificas e/ou atua- lizar a bibliografia necessaria. Nesse caso, mais do que a falta crdnica de verbas, também observada, parece ter sido decisiva a incompreensao de certos se~ tores tecnocraticos quanto as caracteristicas do pro- cesso de desenvolvimento cientifico e tecnolégico ao tentarem impor as suas prioridades artificiais e a di- tadura dos seus cronogramas. As prioridades s6 po- dero ser alcancadas se as acdes forem colimadas no sentido de obedecerem os ditames objetivos da reali- dade embutidos no proceso de desenvolvimento cientifico e tecnolégico. Nesse ponto, nunca € demais insistir na impor- tancia de analisar objetivamente a questo para po- der atuar com sucesso sobre a realidade. De certo modo, por estar na moda a ndo-neutralidade da C&T, muitas pessoas confundem a neutralidade com objetividade, minimizando 0 conhecimento objetivo da realidade na doce ilusdo de que esta estaria sub- metida téo-somente aos propésitos do projeto cientifico ou tecnolégico. E claro que estes nao so neutros porque encarnam as intengdes humanas re- fletidas de algma forma até nas suas proprias estru- turas tedricas, mas 0 seu sucesso esté na dependéncia da sua adequacdo a tealidade objetiva. Nao foi por ‘outra raz&o que Francis Bacon afirmou no limiar da Idade Moderna que saber ¢ poder. Outrossim, a rea- lidade nao é estética, mas movel, estendendo-se além da conjuntura de um certo momento histérico. Nesse aspecto, & imprescindivel um rastreamento hist6rico cuidadoso, para aprender a dinamica nada simples dessa mobilidade, com 0 objetivo de poder intervir com sucesso nas varidveis essenciais do processo de desenvolvimento. Justifica-se assim a nossa incursao a historia. da C&T no Brasil com a finalidade de en- contrar os seus principais marcos. u Aparentemente, os 3 séculos que se seguiram ao descobrimento do Brasil, quase nada apresentam de interessante em termos de evoluco de C&T no Pais. Enquanto nos paises do centro, estas avancavam de modo marcante, encontrando 0s seus espacos na vigo- rosa ascenséo do capitalismo na época, elas marca- ‘vam passo no territério brasileiro sob 0 implacavel jugo da metrépole portuguesa. Alias, a eficiéncia dessa politica colonial, traduzida em medidas como a proibic&o de instalacdo de oficinas tipograficas ou a apreensao do livro de Antonil sobre as técnicas in- 42 dustriais ¢ de engenho, esté a merecer um estudo mais aprofundado. Ao que tudo indica, ela foi muito eficiente porquanto quase nao se sente aqui o eco da chamada Revolugdo Cientifica efetuada nos séculos XVIe XVII que disseminou entre os paises do centro © espirito cientifico, uma das caracteristicas mais marcantes da modernidade. Outrossim, o Brasil com a sua economia baseada no sistema escravista ficou quase inteiramente fora do movimento que desembo- caria na Revolucdo Industrial da segunda metade do stculo XVIII. No entanto, é preciso que se diga que mesmo nesse clima desfavordvel de repressdo ¢ pre- poténcia, nao deixaram de repontar aqui e acolé ma- nifestagdes de habilidade técnica do génio brasileiro. Um exemplo notavel ¢ a organizacdo de trabalho muito semethante ao fordismo nos engenhos de aci- car, eixos centrais da economia colonial. De toda forma, essa politica ndo deixaria de se refletir forte- mente na tradig&o e na cultura brasileira. Assim, de um lado, bem de acordo com a caracteristica de ser uma coldnia da exploracdo, exacerbada pela escrava- tura, formou-se uma tradicao pratico-imediatista en- quanto de outro lado a separacdo do saber do fazer moldava uma cultura retorico-literaria. Se atentar- mos que, mesmo nos dias de hoje, esses tipos de cul- tura e tradicdo continuam persistindo na nossa socie- dade, constituindo-se em obstaculos renitentes para a incorpora¢éo da C&T, compreendemos quao im- portante é volvermos os nossos olhos ao nosso pass do colonial. Destarte, ao contrario da aparéncia, 0 estudo de Brasil Coldnia, tem um papel de destaque para entendermos os dilemas da C&T no presente. Um marco decisivo foi sem divida a transmigra- ¢fo da familia real portuguesa para o Brasil, em 1808, em decorréncia das guerras napolednicas. Para entender essa asserco, € preciso que se diga que Por- tugal, j4 vinha intentando a sua modernizagao desde os meados do século XVIII, cansado de amargar & sua impoténcia econdmica decorrente do seu mer- cantilismo e da sua politica reaciondria. Destarte, a Reforma Pombalina tentou recuperar de certo modo a tradiglo da Escola de Sagres, que havia levado aquele pais a conquistas ultramarinas nunca dantes ousadas. Contudo, essa retomada da C&T na terra de Camdes se fazia de um Angulo demasiadamente utilitario, incapaz de abarcar todas as complexidades inerentes a0 proceso do desenvolvimento cientifico e tecnolégico. Nesse aspecto, ela foi de fdlego curto, parando no meio do caminho. Todavia, ela con guiu modernizar até certo ponto as instituicdes por- tuguesas, dotando-as inclusive de uma infra estrutura cientifica e tecnolégica, ainda que precéri Esse estado de coisas refletiu-se de algum modo ma sua maior colénia, propiciando ainda na segunda metade do século XVIII, o surgimento, por exemplo, da Sociedade Cientifica do Rio de Janeiro e do Semi- nario de Olinda. ‘Tao logo aportou ao Brasil, D. Jodo V1 iniciou os tramites para transferéncia das instituicdes técnico-cientificas. Assim, s6 no ano de 1808, foram criados 0 Colégio Médico-Cirdrgico da Bahia, a Aca demia de Guardas-marinhas, a Escola Médico- Cirdrgica do Rio de Janeiro, a Biblioteca Nacional, 0 Real Horto ¢ o Museu Nacional. Data ainda desse mesmo ano a criag&o de uma fabrica de polvora e da Real Fabrica de Ferro do Morro de Gaspar Soares. Embora todas essas medidas ¢ outras que se segui- ram tivessem a finalidade evidente de dotar a nova metrépole de um sistema de C&T para atender as suas necessidades mais primarias de defesa, comércio e saide, elas representaram um avanco significativo, principalmente no caso de escolas, porque represen- tavam pela primeira vez na nossa Historia a possibili- dade institucional de ministrar o ensino de cigncias ¢ da técnica, além da oportunidade, apesar de remota, de receber apoio institucional para a pesquisa. De fa- to, 0 Museu Nacional, concebido com fins utilité- rigs, transformou-se no decorrer do século numa ins- tituigdo respeitavel de pesquisa. Porém, do ponto de vista internacional, isso era muito pouco. O século XIX caracterizou-se pela ins- titucionalizagao da ciéncia e pela profissionalizagao do cientista. Isso se fazia no contexto econdmico do surgimento das indastrias quimicas e elétricas que desde o seu inicio tinham um cunho marcadamente cientifico. E sobejamente conhecido o papel de Lord Kelvin, um dos maiores fYsicos do periodo, na orien- tacao dos trabalhos de instalacdo de cabos submari- nos para estabelecer um sistema de comunicacdes en- tre Europa e Estados Unidos. Nesse contexto, os pajses Iideres do capitalismo comecaram a investir decisavamente em C&T. Entrementes, a monarquia brasileira estava satisfeita com a sua condi¢8o de pais primario-exportador. Sem ambiente para a pesquisa experimental, 0 proprio aprendizado de ciéncias liga- do as profissdes liberais tinha caracteristicas eminen- temente livrescas. N&o é de se estranhar que num tal terreno medrasse 0 positivismo de Comte cujo ides rio defendia a idéia de estarem todas as ciéncias ja terminadas, faltando apenas a disseminacao das mesmas através dos manuais, além da sua aplicacio a problemas praticos. Mas, nessa dltima, esfacelava- se 0 idedrio positivista pois os problemas técnicos por exemplo ligados ao surto surgido na segunda me- tade do século XIX, de construgdo de ferrovias ne- cessdrias a exportagio de produtos agricolas, nao se conformavam ao conhecimento cientifico do inicio do stculo contido nas doutrinas de Comte. \De qualquer modo, mesmo a_atividade prim4rio-exportadora, requeria uma infra-estrutura minima em C&T para atender ao crescimento ¢ a complexidade da economia contemporanea. Portan- to, nao foi por acaso que do fim do século passado para inicio deste, surgiram mormente nas areas de agricultura, engenharia ¢ sadde, um nimero razoavel de escolas superiores ¢ institutos de pesquisa, ao lado de ativas comissdes geoldgicas ou geograficas. Ape- sar de todos eles terem desempenhado papéis pionei- ros, ora praticando pesquisa e desenvolvimento, ora a tecnologia implicita, ou ainda a propria investiga- 40 cientifica, muitos deles no conseguiram escapar 49s longos tentéculos do imediatismo ou da cultura retérico-literéria configurada muitas vezes no positi- vismo. Haja vista 0 caso da Comissao Geolégica do Império (1875-1877). Apesar desta, sob a direcéo do gedlogo norte-americano C. F. Hartt, ter alcancado sucesso em esclarecer em tragos gerais a estruturas geoldgica brasileira e recolher cerca de 500 mil amos- tras de minerais, ela foi desativada no Ministério Shi- nimbu, em nome de uma economia mais do que dis- cutivel. Ao lado dessa deploravel demonstracao de imediatismo, podemos alinhar uma outra da cultura retorico-literéria na sua versdo positivista no conhe- 43 cido caso do programa de saneamento sob a direcio de Oswaldo Cruz no Governo Rodrigues Alves. Em boa parte, a oposic&o generalizada ao programa do diretor de Manguinhos vinha do posicionamento cientifico deste admitindo a ent&o recente teoria mi crobiana de Pasteur que ia contra o ideario positivis- ta. O importante a ressaltar no episodio ¢ a determi- nagdo politica do Presidente Rodrigues Alves, que mesmo enfrentando a hostilidade geral e até uma re- volta militar, persistiu no seu apoio até o programa alcancar as finalidades propostas. Infelizmente, esse € um caso isolado. Como tendéncia geral, 0 apoio politico a C&T nfio ultrapassava a retorica do Parl: mento, ao sabor da clarividéncia ou do obscurantis- mo dos eventuais donos do poder. A partir da década de 20, o Brasil adentra num curso novo da sua Historia, prenunciada pela inquie- tude transparente, tanto na esfera cultural quanto na s6cio-politica, simbolizada por eventos culturais co- mo a Semana da Arte Moderna, movimentos educa- cionais como os da Associacao Brasileira de Educé cdo (ABE) ou mesmo levantes militares como 0 dos tenentes. Embora pequena, a propria comunidade cientifica comecava a organizar-se em torno da Aca- demia Brasileira de Ciéncias, fazendo reivindicacdes como a da criagZo de um conselho nacional de pes- quisas. Sob a égide da chamada politica de substitui- glo de importacdes, acelera-se a industrializacio com surgimento de uma sociedade urbana indus- trializada, A construgao da Usina de Volta Redonda, a partir de 1941, € um marco dentro dessa corrente. Todavia, seria erro imaginar que, dentro desse qua- dro, a investigacdo cientifica e tecnologica tivesse ad- quirido uma posic&o de destaque. Essa industrializa- Gio, sem necessidade de muita sofisticaco e de con- trole de qualidade, baseada na importaco de tecno- logia e de técnicos estrangeiros, movida por propési- tos imediatistas, prestou escassa atenco a realizaco de pesquisas e/ou a formaco de recursos humanos. Haja vista que, em relacdo a esta diltima, era estimu- lada grandemente a emigracAo de técnicos estrangei- ros sem uma preocupagdo maior com a capacitacao técnica nacional, através da educacdo técnica. Se eram essas as condicSes cercando o ensino ea pesquisa técnica, nfo se poderia imaginar melhor sorte com relag&o a Area cientifica. As poucas insti- tuigdes que cultivam alguma ciéncia eram aquelas que poderiam ser chamadas de pesquisa ¢ desenvolvi- mento mormente pertencentes a esfera biomédica ou agricola. Quando bem-sucedidas no seu mister de atendimento das necessidades imediatas, como no caso famoso de Manguinhos, elas podiam dar-se a0 luxo de fazer ciéncia basica. Mesmo nesses casos, 0 sobressalto era constante, ao sabor da prepoténcia ¢ da ignordncia dos detentores eventuais do poder. Um exemplo tipico é 0 do Instituto Ezequiel Dias, em Mi- nas Gerais, na época importante centro de pesquisa e de producdo de soros antiescorpidnicos ¢ antiofidi- cos e também de diagnéstico de doencas trans- missiveis. Entretanto, ao ser estatizado no governo de Benedito Valadares, nos fins dos anos 30, foi transformado numa institui¢ao inteiramente indus- trial com a proibig&o de investigac&o cientifica, perdendo-se assim uma tradicao de pesquisa, peno- samente cultivada. Um dos casos mais bem-sucedidos, nessa linha de pesquisa ¢ desenvolvimento, dentro da filosofia da associagdo da ciéncia basica e da aplicada, foi sem divida 0 Instituto Bioldgico de Sao Paulo. Instituido em 1927, gracas ao empenho e habilidade politica de Artur Neiva, que soube capitalizar o sucesso de uma comissao por ele chefiada contra a broca do café, 0 Instituto Biol6gico constituiu-se durante muito tem- po num paradigma de pesquisa cientifica em moldes modernos. Quem muito influenciou nesse sentido foi © seu diretor a partir de 1932, Henrique da Rocha Li. ma, experiente pesquisador que labutara cerca de 20 anos no ambiente cientifico alemao. Destarte, o Ins- tituto adquiriu rapidamente uma posic&o de lideran- ¢a.em pesquisas fitopatoldgicas e bacterioldgicas. Por sua vez, a industrializagdo, apesar de se ter dado em moldes retardatérios, impunha uma série de exigencias, de necessidades e de novas atitudes ¢ for- mas de pensamento adequadas a sociedade urbana industrializada. Por exemplo, 0 problema das nor- mas técnicas adquiriu um aspecto crucial para a ex- pans&o industrial. As duas instituigdes que mais con- tribuiram para o estabelecimento das mesmas foram 0 INT Unstituto Nacional de Tecnologia) ¢ 0 IPT Unstituto de Pesquisas Tecnologicas) de S4o Paulo, propiciando o surgimento da ABNT (Associacio Brasileira de Notmas Técnicas) em 1940, reunindo 130 laboratérios ¢ entidades diversas. Criados ofi- cialmente na primeira metade dos anos 30, tanto 0 INT quanto o IPT vao desempenhar papéis funda- mentais no processo industrial brasileiro. Outrossim, 0 surto industrial moderno revelava de maneira inequivoca a importancia dos recursos minerais e energéticos. Dentro dessa perspectiva, foi Promulgado, em 1934, 0 novo Cédigo de Minas, na- cionalizando as riquezas do subsolo. No mesmo ano, era criado 0 DNPM (Departamento Nacional de Produc&o Mineral), com a funcao de executar a politica governamental de minérios, inclusive a de realizar pesquisas na area de sua competéncia. No entanto, o DNPM sofreu desde o seu inicio todas as agruras de um érgao politico ¢ técnico de um ps subdesenvolvido. Além de contar quase sempre com dotacdo orcamentaria insuficiente, sofria também de falta crnica de pesquisadores e tecnicos capacita- dos. Por isso, teve que recorrer muitas vezes & contri- buigto de tecnicos estrangeiros nem sempre bem- intencionados, como na célebre polémica da época em torno da existéncia ou nao do petréleo em terras brasileiras. Na nossa opinio, as dificuldades do DNPM, simbolizam, de certo modo, as dificuldades que o pais passava para concretizar a industrializa- sho. De qualquer modo, a chegada de novos tempos era também sentida pelo Governo Federal, que atra- vés da Reforma Francisco Campos (1931) explicitou a sua posicdo em relacdo a educacdo. O Governo Central, alegando a imaturidade ¢ 0 atraso do meio, impunha uma tutela forte do Esta- do, ao mesmo tempo que postergava a pesquisa para © futuro considerando-a como um ornamento dis- pensdvel naquele momento histérico. Em consequén- cia, na reorganizacao da Universidade do Rio de Ja- neiro, instituida pelo Decreto 19.852, de 11 de abril de 1931, a Faculdade de Educacdo, Ciencias ¢ Letras s6 ficou no papel ¢ a pesquisa continuou ausente no circuito universitério federal. Todavia, ao nivel municipal ¢ estadual, foram tomadas duas iniciativas discordantes da orientacdo 44 central. Uma delas, de duracdo efémera, foi a cria- g40 da Universidade do Distrito Federal (1935), so- bretudo pelo esforgo de Anisio Teixeira. Em torno da sua Escola de Ciéncias, reuniram-se muitos dos grandes nomes em atividade no Rio de Janeiro. Pela primeira vez, parecia que se formaria um centro uni- versitario de alto nivel em producdo cientifica. Ape- sar de confirmar nos anos iniciais esses augirios, re- velando inclusive jovens talentos como Joaquim da Costa Ribeiro, descobridor do efeito termodielétrico que leva o seu nome, a Universidade do Distrito Fe- deral sucumbiu ante os acontecimentos politicos ¢ as, vicissitudes administrativas como a Lei da Desacu- mulagdo (1937), cerrando as suas portas em 1939. A outra iniciativa, aliés bem-sucedida, foi a ctiacio da Universidade de S40 Paulo (USP), em 1934, por Armando de Salles Oliveira, concretizando 0 ideal de um grupo de intelectuais paulistas que gi- rava em torno de Jillio de Mesquita Filho, Fernando de Azevedo ¢ Paulo Duarte. De certo modo, a USP nascia sob o signo da contradicao. Enquanto o pais marchava celeremente sob uma ideologia centraliza- dora ¢ autoritéria, com enfoque imediatista, essa Universidade surgia sob a égide da ideologia liberal da Comunhdo Paulista, vendo na pesquisa desinte- fessada ¢ no ensino superior de qualidade, instru- mentos titeis para a formagao da sua futura elite diri- gente. Ela significava uma opcdo politica de Sao Paulo, depois da sua derrota na Revolucdo Constitu- cionalista de 1932, apostando na ciéncia e na cultura como meios de sua redengdo, inclusive, politica. E diga-se com todas as letras que a estratégia deu certo. ‘Ao contrariar a visdo corrente do imediatismo, fa- zendo um investimento pesado na formacdo de re- cursos humanos, acreditando na potencialidade deles, para resolver os problemas existentes, quebrava-se em parte o circulo vicioso inerente ao subdesenvolvi- mento. O governo paulista daquele tempo j4 tinha compreensio de que para resolver os problemas, mais do que receitas ou formulas magicas, era fund: mental ter homens qualificados ¢ competentes cap: zes de enfrent4-los com sucesso. Pena que ainda hoje muitos tecnocratas de gabinete e eventuais donos do poder ndo tenham compreendido essa verdade t4o elementar. © sucesso da USP nesse periodo poderia dar a ‘enganosa impressdo de que a ciéncia alcancara a sua maioridade no pais. Contudo, como jé foi assinala- do, ela havia nascido contra a tendéncia imediatista vigente, fruto de politica de ciéncia avancada das eli- tes paulistas. Mesmo num pais de industrializacto tardia, como o Brasil, essa politica de formacao de recursos humanos altamente qualificados associada A pesquisa, rendera dividendos suficientes para pagar com juros’os investimentos feitos. Porém, esse fato era muito mal compreendido, mesmo em Sao Paulo. Volta e meia, a tradic&o pratico-imediatista fazia-se sentir, tentando eliminar a pesquisa cientifica em no- me de uma economia e de uma praticidade mais do que discutiveis. Foi o que aconteceu nos fins da décs da de 40 com o Instituto Butanta, quase transforma- do num mero centro produtor de soros e vacinas em fungao da politica pragmatista do governo paulista de entdo. Havia no ar uma visivel incompreensdo pe- la pesquisa em alguns meios politicos paulistas, num Tetrocesso lamentavel. Em face a esse clima, a peque- na comunidade cientifica mobilizou-se, dando inicio, em 1948, 4 SBPC (Sociedade Brasileira para o Pro- gresso da Ciencia). A organizagdo dessa Sociedade, de atuagfo modelar pela defesa dos interesses cientificos, foi animada e fortalecida pela conviccao € a confianga que os pesquisadores brasileiros hi viam adquirido durante a Segunda Guerra Mundi sracas a sua atuacdo eficiente em resolver problemas técnico-militares. Na direa de fisica, desiludidos com a possibilid de de introduzirem com sucesso a pesquisa no circui- to universitario carioca, fisicos de talento como Ce- sar Lattes, José Leite Lopes, Jaime Tiommo e Ro- berto Salmeron, conseguiram constituir 0 CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Fisicas), uma insti- tuig&o de carater privado. Num certo sentido, a cria- so do CBPF s6 se tornou possivel gracas ao clima de euforia instaurado naquela época em torno da cigncia, nomeadamente em torno da fisica nuclear, devido aos seus sucessos na Segunda Grande Guerr: A bomba atémica ¢ a energia nuclear simbolizavam de modo dramatico a forga da citncia, estendendo a sua influéncia a segmentos importantes da socieda- de, principalmente militares. E também dessa ¢poca « criaglig.do ITA (Instituto Tecnologico da Aeronau- tica —* Sfo José dos Campos, como um dos érgtios do CTA (Centro Técnico da Aeronautica). Dentro desse fluxo de pos-guerra, de valoriza- s80 da pesquisa cientifica, devem ser colocados dois acontecimentos de suma importancia para a institu- cionalizagao da ciéncia no pais. O primeiro deles, de ajvel estadual, refere-se a inserc&o em 1947 na Cons- tituigfo do Estado de Sao Paulo do preceito do Go- verno Estadual reservar pelo menos 0,5% da receita orgamentaria para o amparo da ciéncia. Isso resultou da aco dos tecndlogos e cientistas paulistas, entu- siasmados com os seus sucessos no esforco de guerra, por exemplo, na construc&o de aparelhos como sona- tes € gasogénio, financiados pelos Fundos Universi- tarios de Pesquisa para a Defesa Nacional, instituido por Jorge Americano, ent&o Reitor da Universidade de Sdo Paulo, que pressionou os deputados da As- sembléia Constituinte a votarem a lei acima mencio- nada, Entrementes, como que atestando a instabili- dade precdria dessa compreensdo da importancia da cigncia, a Fundac&o de Amparo a Pesquisa do Esta- do de Sao Paulo (FAPESP), prevista nessa lei, 56 se concretizaria efetivamente na década de 60. © outro acontecimento foi a fundacto do Con- selho Nacional de Pesquisas (CNPq) em 1951. Velha aspirago da pequena comunidade cientifica brasilei- a, a idéia do CNPq vinha sendo acalentada desde 1919. Tendo a ABC como quartel-general, as diver- sas investidas anteriores tinham sido frustradas face i incompreensio governamental ou da propria socie- dade, Para se entender até onde ia essa incompreen- so, basta citar o destino inglorio da mensagem pre- sidencial, enviada por Getilio Vargas em 1936, pro- pondo a cria¢do do Conselho Nacional de Pesquisas Experimentais, com o objetivo maior de apoiar as atividades cientificas relacionadas com a agricultura. Mesmo com essa conotac&o utilitarista, a mensagem ndo vingou. Entretanto, as condicées excepcionais de pos-guerra, j4 apontadas, ¢ 0 ensejo de participar nas articulacdes politicas relativas a energia nuclear na ONU, como um dos paises possuidores de maté- tias fisseis, estabeleceram a oportunidade historica da criagdo do CNPq. Nesse evento, foi fundamental 45 @ atuagfo € 0 prestigio do contra-almirante Alvaro Alberto da Motta ¢ Silva, nomeado posteriormente primeito presidente do CNPa, simultaneamente ¢ em conjunto com a ago da ABC. As vicissitudes enfrentadas pelo CNPq, na ques- t8o de Alvaro Alberto (1951-1955), mostram com clareza as dificuldades politicas, econdmicas e cultu- rais de se tentar implantar C&T num pais subdesen- volvido. Mesmo tendo um status ministerial em fun- so do prestigio de Alvaro Alberto na esfera politico- militar, o Conselho nao conseguiu impor a sua politi- ca autonomista sobre a energia nuclear, nem imple- mentar, na medida devida, a sua politica de ciéncia formulada_em consonancia com a comunidade cientifica. Esse insucesso, bom que se diga, adveio muito mais de fatores estruturais inerentes ao subde- senvolvimento do que da ma vontade das pessoas en- volvidas. Ele representa também o fracassso e a limi- tago da politica do Segundo Governo Vargas na tentativa de promover uma industrializagéo em bases nacionais, frustrada diante da intrincada rede inter- nacional de interesses politico-econdmicos em jogo. De toda forma, mesmo nesse periodo, a contribuigdo do CNP4, vista a médio ¢ longo prazo, pode ser con- siderada como positiva, porque pdde iniciar uma politica relativamente bem-sucedida de formacao de Fecursos humanos, uma das poucas armas capaz de quebrar 0 circulo vicioso das diversas variéveis con- cernentes ao subdesenvolvimento. Ainda nessa linha de formacto de pessoal técnico-cientifico capacita- do, deve-se registrar a criagao da Campanha de Aperfeigoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), também em 1951, por iniciativa de Anisio Teixeira. © periodo atual nao se iniciou sob uma boa es- trela relativamente a C&T. O Governo de Juscelino Kubitschek, que se caracterizou por um desenvolvi- mento apressado, optou pela abertura a capitais es- trangeiros e transferéncia de tecnologias como caixas pretas. Uma prova est no fato dos mecanismos do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econd- mico), um dos instrumentos herdados do Governo Vargas, terem sido acionados rarissimas vezes quan- do referentes a pesquisa tecnologica. Outro indica- dor esta no debilitamento visivel do CNPq. A dota- go dese drgdo cai de 0,28% do orcamento da Unido em 1956 para 0,11% em 1961. E bem verdade que esse decréscimo se deve em parte a transferéncia das suas atividades em energia nuclear para a Comi sao Nacional de Energia Nuclear (CNEN), provo- cando 0 seu esvaziamento politico. De qualquer m: neira, as agruras financeitas do CNPq quase acabi ram comprometendo o seu trabalho meritorio de for- mac&o de recursos humanos. Por exemplo, os seus institutos préprios de pesquisa como o INPA (Insti- tuto Nacional de Pesquisa da AmazOnia) ou o Museu Goeldi, mal podiam manter-se, lutando para evitar 0 &xodo ‘dos seus pesquisadores insatisfeitos com a queda acentuada dos seus salarios. Preocupados com essa perda de prestigio do CNPa, alguns cientistas, tendo a frente José Leite Lopes, cogitaram num mo- vimento para a criagdo de um Ministerio de Cigncia e Tecnologia como uma forma de recuperar o status na esfera governamental, no fim da década de 50 pa- rao inicio da de 60. Era pois bem visivel o des- prestigio da ciéncia no pais, em contraste com os paises do centro, onde se instalara uma cortida pela pesquisa ¢ pelo ensino e educagdo cientifica em virtu- de do impacto do sputnik russo em 1957. Na década de 60, a indefinic&o continua, alter- nando iniciativas positivas e negativas. No entanto, como tendéncia geral, o aparelho estatal comeca a mostrar mais interesse pela ciéncia e tecnologia. As- sim, no Plano Trienal (1963-1965) elaborado no Go- verno Goulart, nos capitulos relativos a educacdo, energia nuclear ¢ agricultura, enfatizava-se a impor- tAncia do desenvolvimento cientifico € tecnoldgico para se alcancar as metas propostas para aquelas areag, ‘Ainda em 1963,no cadinho quente da discussao da Reforma Administrativa,o CNPq ficou sob 0 fo- g0 cerrado da critica de varias facgdes ministeriais., Ante o perigo de perder a sua identidade pela sua ab- sorgdo por algum ministerio, o proprio CNPq ace- deu ao propésito de criar um Ministerio de Ciéncia e Tecnologia.jEmbora a idéia nao tivesse o apoio una- nime da comunidade cientifica, recebeu o aval da ABC, transformando-se num anteprojeto de lei, 0 qual tramitava pelo Congresso Nacional, quando se deram os acontecimentos politicos de 1964, ficando © dito por nao dito. Entrementes, naqueles dias conturbados da dé- cada de 60 ocorteram alguns eventos de fundamental importancia para a evolucdo cientifica e tecnologica no pais, tais como a fundag&o da Universidade de Brasilia (UnB-1961), a concretizagéo da FAPESP (Fundac&o de Amparo a Pesquisa do Estado de Sao Paulo, 1962), inicio do primeiro curso da COPPE (Coordenacao de Programas de Pés-Graduacdo em Engenharia - 1963) e a criaclo da FUNTEC (Fundo de Desenvolvimento Técnico-Cientifico - 1964) no seio do BNDE. No tocante a FUNTEC, ¢ preciso assimilar que nasceu dentro das preocupac6es econdmicas dos téc- nicos do BNDE. Analisando os resultados do Pro- grama de Metas do Governo JK, no qual eles tiveram atuacdo de destaque, esses tecnicos percebem a im- Portancia da capacidade de absorver as inovacdes tecnolégicas para o futuro crescimento da economia nacional. Mais ainda, para fazer isso em situacdo de menor dependéncia, seria necessdrio uma participa- go mais ativa da empresa nacional no processo de geracdo ¢ de absorcao de tecnologias foraneas. Mes- mo nesse contexto minimo de potencialidade tecno- logica nativa, emergia de modo cristalino o papel fundamental de uma infra-estrutura cientifico- tecnoldgica capaz de fornecer elementos humanos preparados para viabilizarem o sistema de pesquisa desenvolvimento, além da prestagdo de servicos tec- noldgicos. Dentro da linha desse raciocinio, os técni. cos do BNDE lancaram-se 4 montagem dessa infra- estrutura, tendo o bom senso de interagirem com a comunidade cientifica. Destarte, inspirada na idéia de centros nacionais de treinamento e pesquisa, trazi- da a tona por José Leite Lopes, surge a FUNTEC, ‘concretizada pelo trabalho perseverante liderado por José Pelacio Ferreira; desde entao, durante os 12 anos seguintes, transforma-se num poderoso meca- nismo de financiamento em pesquisa e ensino de pos- gradua¢do, principalmente em engenharia ¢ ciéncias exatas, dispendendo verbas da ordem de 100 milhdes de délares. Um dos resultados mais brilhantes desse esforco foi o sucesso obtido pela COPPE. No segundo lustro da década de 60, continuam as medidas contraditorias, refletindo as lutas entre as 46 forgas realmente interessadas no desenvolvimento cientifico e tecnolégico e as suas oponentes. Assim, de um lado, em 1967, criava-se um cargo de Ministro Extraordinario para a Ciéncia e Tecnologia, sem pas- ta, mas que poderia utilizar-se da estrutura adminis- trativa do CNPq. Por outro lado, em 1969, esse dis- positivo € esvaziado, porque o cargo perde a dade, sendo incluido no pacote de quatro Ministros Extraordinarios que poderiam ser nomeados, mas deixando em aberto as suas fung6es. E de fato, no concernente a frea em questo, essa fung&o nunca foi preenchida. Entrementes,!no Governo Costa t Silva, de modo auspicioso, C&T ganhavam uma s- ¢fo propria no Programa Estratégico de Desenvol mento (PED) dentro do seu Plano Trienal, inaugu- rando um comportamento sistematico mantido nos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND) que se seguiram nos anos 704 Outrossim fa partir de 1967, tendo como centro 0 istério de RelagSes Exterio- res foi colocada em pratica a Operagao Retorno vi- sando trazer de volta os cientistas brasileiros que e+ tavam trabalhando no estrangeiro. Para isso foram tomadas varias medidas para melhorar as condigdes de trabalho ¢ de remuneracao dos cientistasi Em 1969, foi instituido o Fundo Nacional de Desenvolvi mento Cientifico e Tecnolgico (FNDCT) com 0 propésito de financiar os programas e projetos prio- itarios do setor, Todavia, 'todas essas boas intengoes governamentais eram quase anuladas na pratica com as cassagdes e aposentadorias compulsérias, intensi- ficada no periodo 1969-1970, com base no AI-5, dos cientistas e intelectuais mais representativos da Na- ¢4o§ Instalou-se entdo um clima de desconfianga mi- tua entre a comunidade cientifica e as Areas governs. mentais, que de imediato teve reflexos negativos na implantagdo da Reforma Universitaria em curso na- quela ocasi#o, com objetivo de modernizar as ul versidades nacionais De toda a forma, a idéia da ciéncia como forca produtiva e da educagalo como meio de formar recur- sos humanos qualificados continuava seduzindo in- fluentes segmentos governamentais, como se pode ver nas medidas tomadas ao longo da década de 70. Houve todo um esforco explicito do Governo Federal em relac&éo 4 C&T nos anos 70. Se ele nfo al- cangou os resultados esperados foi porque a correla- do das forgas envolvidas sempre foi instavel, provo- cando medidas contraditérias no fluxo nem sempre definido da historia] Mas, também ndo ha que escon- der a persisténcia de um clima de desconfianga mi- tua influenciando o processo, agravada muitas vezes pela compreensao falha do papel social da ciénci © que se depreende dos acontecimentos que cercam 0 Acordo Nuclear celebrado em 1975 entre o Brasilea Alemanha com a marginalizagio da comunidade cientifica nacional, ou ent&o 0 quase confronto em 1977] entre os setores governamentais ¢ a SBPC, ‘quando esta, por um triz, esteve para nfo realizar sua costumeira Reuni&o Anual. De qualquer modo, {nessa década que viu a ascencdo da Universidade Es- tadual de Campinas (UNICAMP), sob a directo de Zeferino Vaz, consubstanciada na filosofia da inte- gracdo inddstria-pesquisa-universidade, a politica Cientifica ¢ tecnoldgica esteve sempre presente nat ages governamentaisy Todavia, mesmo essa idéia fecunda de integr so de pesquisa — setor produtivo, nfo poderia dei- Xar de sofrer distorcdes e mal-entendidos ante os lon- g05 tentaculos do subdesenvolvimento. A idéia da in- tegrag&o pressupde uma interago intima entre esses dois setores de atividade humana, mas cada um man- tendo a sua autonomia ¢ as suas peculiaridades ine- rentes. Mesmo porque, do ponto de vista mais am- plo, a perda de identidade de um prejudicaria a evo- lugfo do outro. Aqui, contudo, com frequéncia, pre- valeceu a falsa interpretacdo, bem a gosto da tradi- 80 colonial vigente de que a pesquisa deveria gerar lucros imediatos e, portanto, submeter-se ao setor produtivo. Nao é outra a alegac&o do Projeto de Lei 1n.° 205/74 enviado a Assembléia Legislativa do Es- tado de S40 Paulo em julho de 1974 pelo Governo Estadual Paulista, propondo a extingdo dos institu- tos de pesquisa de administragao direta em troca da criagdo de trés empresas tecnoldgicas de tipo comer- cial. Mesmo deixando de lado os interesses menos confessaveis, pode-se notar dois despropésitos funda- mentais nessa proposta. O primeiro ja foi apontado. A alegacdo de que os institutos de pesquisa do setor piblico devem ser empresariados nao tem respaldo nem mesmo nos paises desenvolvidos que em tese serviram de paradigmas para essa idéia espiiria. Mais do que isso. Nesses paises, as proprias empresas pri- vadas mantenedoras de institutos ou laborat6rios de pesquisa nfo aplicam os critérios estritamente co- merciais aos mesmos. A constatacdo desse fato serve para avaliar a magnitude da distorg&o feita. O segun- do foi o desrespeito a essas instituig6es que historica- mente desempenharam papéis significativos para a propria saide econémica do Estado de Sdo Paulo mesmo deixando de lado as suas fungdes de carater piblico visando o beneficio da sociedade como um todo. Porém, 0 desfecho do caso edificante. Tendo a frente a SBPC, a comunidade cientifica foi a luta ‘conseguindo o apoio de muitos segmentos da socie- dade, sensibilizando os deputados da Assembléia Le- gislativa. O Projeto s6 foi aprovado pelo expediente de decurso de prazo, impedido que foi de ser subme- tido a plendrio e votado, pela manobra de uma mino- ria ligada ao Executivo. Isso prova mais uma vez que a sociedade brasileira, quando conscientizada, sabe muito bem responder positivamente aos desafios da C&T. Apesar dos desajustamentos estruturais decor- rentes do subdesenvolvimento, carregando com tin- tas exdticas a C&T, ndo escapa a maioria das pes- soas, quando devidamente cientificadas, o significa- do social de ambas. No ano seguinte, juntamente com a mudanga do Governo Estadual, a lei aprovada tornou-se na pratica, letra morta, recebendo nesse mister o respaldo do Governo Federal. Entrementes, com a crise atual abatendo-se so- bre a sociedade brasileira, a situacdo parece nova- mente reverter-se em detrimento da C&T. Os cortes ‘orcamentarios tém aquinhoado fortemente os setores de pesquisa, porquanto aparentemente eles nfo con- tribuem com saidas imediatas para a crise. Nesse sen- tido, volta a tona a velha concepedo da ciéncia como ornamento, to caracteristica dos paises subdesen- volvidos. Mesmo se circunscrevendo ao Estado de Sao Paulo, o mais pujante centro econdmico do Pals, as universidades estdo esvaziadas, os institutos de pesquisa praticamente falidos ¢ a propria FA- PESP vive uma situacdo constrangedora de pentria, ndo conseguindo receber nem o minimo de 0,5% da receita orcamentaria a que tem direito por lei, vitima de expedientes fiscais de administradores ardilosos. 47 IPreocupads.corit esse estado de coisas, a comu- nidade universitaria e a cientifica realizaram no ano de 1983, dois simpésios versando sobre a crise e fi- nanciamento de pesquisa. Tanto no primeiro simpo- sio, organizado pela ADUSP (Associacaio de Docen- tes da Universidade de Sdo Paulo) e NHCT (Nucleo de Histéria da Ciéncia e da Tecnologia — USP), quanto no segundo, sob a responsabilidade da SBPC ¢ da Comissio de Educac&o da Assembléia Legislati- va de Sao Paulo, foi enfatizada a importancia da pesquisa para vencer os diversos estrangulamentos da crise, inclusive os de carater econdmico ¢ a neces- sidade de preservar 0 valioso potencial cientifico ¢ tecnolégico constituido a custa de muitos sacrificios durante longos anos, ameacado de se perder do dia para a noite se continuasse 0 descaso e 0 marasmo governamental sobre o assunto. Convém ainda assi- nalar nesses dois eventos a sintonia entre os cientistas € 0s deputados estaduais, num trabalho conjunto em defesa de significado social da C&T. Dentro desse clima, tornou-se possivel aprovar, no final do ano parlamentar de 1983, a Emenda Leca que permitiré a atualizaco do orgamento da FAPESP. Dessa for- ma, ao que tudo indica, a resposta ao proceso de- sencadeado pelos simpésios citados, seja na area go- vernamental, seja nos outros segmentos da socieda- de, parece ter'sido positiva, fazendo renascer a espe- ranga de melhores dias para a pesquisa cientifica tecnologica. Do exposto, podem-se fazer algumas constat: des significativas. Uma delas, talvez a mais impor- tante, @ de que C&T nunca foram prioridades reais das politicas adotadas no pafs ao longo da sua histo- ria. O imediatismo e a cultura retorico-literdria, aj ndgios do colonialismo, tiveram o condao de desviar na maioria das vezes o nosso olhar do verdadeiro sig- nificado de ambas. Assim, a ciéncia foi quase sempre encarada como um ornamento para minorar as misé- rias culturais brasileiras, enquanto a tecnologia era endeusada como um ente mirifico, poderosa nos seus efeitos, porém impossivel de ser obtida por expedien- tes nacionais. Esses posicionamentos trouxeram pelo menos duas conseqiéncias extremamente danosas. Como, sob essa dptica, a maioria da pesquisa cientifica é feita visando 0 reconhecimento foraneo, busca-se mais as inspiraces € motivacdes na vitrine estrangeira, valorizando pouco a originalidade de cu- nho nacional. Felizmente, uma parcela nao des- prezivel da comunidade cientifica nacional comeca a questionar tal visto de coisas ¢ a hierarquia de valo- res dai decorrentes. A segunda conseqdencia € a des- confianca em relacdo a pesquisa tecnologica nacional com desperdicio de resultados interessantes esqueci- dos nas prateleiras das universidades e de institutos de pesquisa. Dentro desse quadro, mesmo quando houve segmentos da sociedade realmente interess: dos em C&T, as suas tentativas nao foram bem suce- didas devido a oposicao de outros segmentos ¢/ou incompreensdo do proceso caracteristico do desen- volvimento cientifico e tecnologico. A outra constatagao é de que nem a ciéncia nem 2 tecnologia estfio harmonicamente integradas nas instituices sociais, econdmicas ¢ culturais brasilei- ras. Dessas desarmonias, resultantes dos mecanismos inerentes ao subdesenvolvimento, vingam distorcdes € desvios correntemente observados. Idéias oportu- nistas ¢ deformadas como o empresariamento e ren- tabilidade imediata das pesquisas so exemplos cla- ros disso. A desconfianca quanto a objetividade dos resultados cientificos, que nem sempre séo favora. veis aos eventuais donos do poder, € outra manifes- taco. Ainda nao se compreendeu que o conhecimen- to objetivo da realidade nasce dos embates cientifi cos as vezes carregados de forte conotacdo ideologi ca. Uma outra deformacao, alias muito freqiente, € a ingeréncia de setores burocraticos e tecnocraticos no andamento das coisas da C&T. Alguns tecnocra- tas que se julgam senhores do saber impingem a dita- dura dos cronogramas ¢ de prioridades momenta- eas, alheios aos procesios caracteristicos do desen- volvimento cientifico e tecnologico. Nao é por acaso que muitos projetos de pesquisa fracassaram por Ihes faltar apoio nos momentos decisivos, justamente quando estavam prestes a cumprir as suas fungdes sociais. Todavia, nao se deve atribuir as idiossincra- sias pessoais esses tipos de desmandos. Eles se reme- tem muito mais, como se esta salientando, as desar- ‘monias estruturais do subdesenvolvimento. Porém, nao se pode deixar de constatar outro fator expressivo. Quando foi possivel haver uma si tonia de propésitos entre os objetivos da comunida- de cientifica € os da Nacdo, através de um didlogo franco e direto entre os segmentos interessados, sem- Pre se contou com a compreensdo de uma parcela significativa da sociedade brasileira sobre os proble- mas da C&T, mormente nos anos mais recentes. Os liltimos acontecimentos ligados a defesa da FA- PESP, dos institutos de pesquisa e de universidades paulistas sao suficientemente elogiientes para nao deixarem davidas. Convém nao esquecer também a eficdcia dos pesquisadores ante os desafios econémi Cos ¢ tecnoldgicos quando tiveram pelo menos um minimo de condicdes para enfrenta-los, como fica patente nos exemplos historicos ja mencionados no decorrer desta exposicdo. Se a sintonia nao foi me- Ihor, € porque as condicdes de dependéncia, tao ca- racteristicas do atraso econémico, permitiram a politicos, administradores © tecnocratas astuciosos imporem as suas prioridades imediatistas ¢/ou seus interesses particulares. Da anilise feita, parece licito concluir que nos anos vindouros C&T poderao ter um florescimento marcante no pais se houver determinacao politica su- ficientemente forte para isso. A determinacao politi ca & necessaria para vencer as barreiras estruturais decorrentes da tradicao colonial. O momento parece oportuno, porquanto é nas épocas de crise que se de- ve repensar a realidade e estdar novas alternativas. Traduzindo em outras palavras, esta-se vivendo um momento histérico importante, de definicao de ru- mos, momento de opcdo ou nao pela C&T, dentro do modelo de desenvolvimento adotado ou a ser ado- tado. Um estudo cuidadoso do potencial cientifico ¢ tecnologico poderia esclarecer o grau da contribui so que a area poderia dar ja e quais sao as perspecti- vas futuras. A guisa de concluséo gostariamos de sugerir duas medidas concretas. A primeira seria a criacdo do Ministério de C&T (MCT). O que ficou patente em toda nossa exposicao foi a falta de determinacdo politica para levar avante 0s projetos cientificos ou tecnoldgicos. Por outro lado, quando houve sufi- ciente determinacao politica, o sucesso foi alcancado como nos casos famosos do programa de saneamen- 48 to de Oswaldo Cruz ou da USP. Todavia, para per- sistir numa decisdo politica, € necessario ter presti politico. E claro que a criacao pura e simples de um ministério nao poder por si s6 resolver muita coisa, E preciso que seja um ministério forte, com recursos suficientes, capaz de atravessar tormentas politicas. Nesse sentido, 0 dispéndio em C&T deve ser fixado por lei para alcancar pelo menos 7,2% do orcamento da Unido, dobrando o valor atual. Isso porque a in- suficiéncia de recursos atualmente disponiveis em C&T & de reconhecimento piblico, traduzido nas constantes reclamacées da comunidade cientifica, Note-se que isso é 0 minimo admissivel, porquanio mesmo duplicado, 0 orcamento no chega a atingit 20% do PNB, estando muito aquém dos investimen- tos no setor dos paises do centro. Outrossim, para evitar as acusagdes correntes de que apenas uma par- te de verbas para a C&T Ihes é efetivamente alocada, torna-se imprescindivel qualificar devidamente esse orcamento. Essa qualificacdo deve ndo s6 atender a critérios politicos, mas também a peculiaridade do desenvolvimento cientifico ¢ tecnologico. Assim, sugere-se que dos 7,2%, pelo menos 1,5% seja desti- nada a ciéncia basica, ndo so para servir de infra- estrutura tecnol6gica, porém igualmente como uma poupanga para o futuro e deve ser gerida pela pré- pria comunidade cientifica. Essa ultima precaucao necessria, porquanto existem leis caracteristicas do desenvolvimento cientifico e ninguém melhor do que cientistas para conhecé-las. Por outro lado, para que 0 investimento tenha significado social a curto e mé- dio prazo, um minimo de 2,5% devera ser gasto em Pesquisa ¢ desenvolvimento, com a participacao ati va de segmentos produtivos e outras camadas so- ciais. Esse tipo de atividades responsavel pela trans- formacao do conhecimento cientifico em fator pro- dutivo t4o difundido em paises industriais ndo é mui to valorizado no Pais, sendo pifia a sua magnitude. Se lembrarmos que os Estados Unidos investiram cerca de US$ 44 bilhdes de délares em pesquisa e de- senvolvimento s6 no ano de 1983, podemos constatar quao modestas s4o as nossas pretensdes. Entretanto, seria um passo para frente, perfeitamente realizavel dentro das nossa limitagdes. Outrossim, para nao hi potrofiar os seus quadros burocraticos, visando um cabide de empregos como na maioria dos orgaos pi- blicos, os seus gastos administrativos nao devem ul- trapassar os 10% do orcamento do MCT, preceito este a ser fixado também por lei. Por outro lado, pa ra refrear 0 vezo centralizador, deve-se instituir um mecanismo democratico para geri-lo, ao mesmo tem- Bo que deve ser também mantido a diversificacao de fontes de financiamento atualmente existente. Acre- ditamos que com essa estrutura 0 MCT desempenha- ria um papel fundamental para a ago da C&T no de- senvolvimento, A segunda sugestao apesar de obvia, é de dificil concretizacao. Ela propde a valorizacao da educacdo em todos os niveis, tornando a profissio do educa- dor mais atraente ¢ responsavel. Principalmente, 2 educacao cientifica deve ser introduzida e valorizada desde o ensino de 1.° grau. Em complementacio, pa- ra mostrar a dimensdo social da C&T, disciplinas co- mo a de Historia da C&T, Filosofia e Sociologia po- deriam ser ministradas no ensino de 2.° grau, simul- taneamente ao fortalecimento das mesmas no ensino universitario. Muito se fala no papel social da C&T. ‘Mas isso sO sera possivel quando clas estiverem inte- Enraizadas assim no seio do povo brasileiro, te- gradas harmonicamente nas estruturas s6cio- _ mos a convicc&o e a esperanca de que a C&T desem- econdmicas da Nac&o. Ora, isso so se consegue pela __penharAo o seu papel para vencer as amarras do sub- disseminac&o de ambas pela educacdo técnica e desenvolvimento que nos oprime. cientifica. 49

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