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25 DE ABRIL DE 1974 A Revolucado dos Cravos Lincoln Secco US - Acervo - FFLC 21200050675 Lazvri ~} RUPTURAS 25 DE ABRIL DE 1974 A Revolugado dos Cravos Lincoln Secco iii 262590 Coordenadora da série Maria Luiza Tucci Carneiro © Companhia Editora Nacional, 2005 © Lazuli Editora, 2005 B S72 ina presidente Jorge A. M. Yunes diretor superintendente Jorge Yunes diretora editorial Beatriz Yunes Guarita Seren Gina Annis Nodal user editora Sandra Almeida assistente editorial Giovana Umbuzeiro Valent revisores Edgar Costa Silva Fernando Mauro S. Pires Econ Gannaes editora de arte Sabrina Lotfi Hollo assistentes de arte Claudia Albuquerque Praia Zeran produtora grafica Liscte Rotenberg Levinbook Lazer diretor editorial Miguel de Almeida editora Ana Paula Cardoso diretor de arte Werner Schulz iagramacio Antonio Barbosa Dados thternacionais de Catalogacto na Publicacéo (CIF) (camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Secco, Lincoin 25 de abril de 1974: a Revolug&o dos Cravos / Lincoln Secco. — $40 Paulo : Companhia Editora Nacional, 2005. — (Série Lazuli rupturas / coordenadora Maria Luiza Tucci Carneiro) Ribliografia. ISBN 85-04-00895-9 1. Colonizagéo 2. Imperialismo 3. Portugal - Histéria - 1974 - 4. Portugal - Politica e governo - 1974 - I. Carneiro, Maria Luiza Tucci. II. Titulo. III. Titulo: A Revolugdéo dos Cravos. IV. série. 05-3878 cpp-946.9044 fndices para catélogo sistematico: 1, Portugal : Histéria : 1974 ~ 946.9044 2. Revolugéo dos Cravos : Portugal : Histéria : 1974 — 946.9048 ‘Todos os direitos reservados Fedigio Paulo — 2005 nxire Mackenzie, 619 + Jaguaré + Sao Paulo + SP + 0532-000, 99 wewwibep-nacional.com.br —_editoras@ibep-nacional.com.br A SERIE LAZULL RUPTURAS vern incentivar o debate sobre fatos histéricos que alteraram os rumos da Humanidade ou de um povo, em particular. Fatos que se tornaram referéncia, uma espécie de baliza de um novo tempo. Fatos que, constante- mente, sio lembrados e (re)memorados por terem causado uma reviravolta no cotidiano desta ou daquela sociedade, alterando a ordem universal. Esta questao, necessariamente, nos instiga a repensar a memoria histérica e a indagar: qual é a ver- sao do fato que chega até nés? Por experiéncia do passado, sabemos que as tradigdes podem ser “inventadas’, como ja ressaltou Eric Hobsbawm. Muitas vezes — pelo distanciamento do fato — recebemos vers6es distorcidas que, repetidas ao longo dos tempos, tornam-se “ver- dades absolutas”. E quando o dito pelo nao-dito se impée, rele- gando a um segundo plano os testemunhos oculares. Enfim, nossa histéria é uma histéria de muitos siléncios, imagens cons- truidas e verses consolidadas. E, nem sempre, a versao ou a imagem-simbolo que “ficaram” sao aquelas que expressam a verdadeira dimensao do fato acontecido, Sao questGes como essas que nos interessam discutir nesta coletanea de titulos direcionados para tempos distintos: 0 de curta duragao, em que tudo oscila a partir de um fato, e o de longa duragao, modelado pela persisténcia das representacdes coletivas. Optamos por temas que causaram alguma perplexi- dade por expressarem um cisma para o qual nao faltam expli- cagdes, muitas vezes contraditorias. Dai o nosso foco sobre as revolugdes, invengdes, golpes politicos, genocidios e guerras. Este leque se abre para multiplos campos do conhecimento: histéria, literatura, artes, arquitetura, fotografia, politica, econo- mia, musica, esporte, legislagao, ciéncia, culindria, entre tantos outros. Alguns mais provocativos, outros mais sedutores. Enfim, estaremos atentos 4 dinamica da Historia, priorizando os sintomas de inércia das sensibilidades, os desvios € as con- tinuidades, og,encantos € desencantos, os momentos de luzes e os tempos sombrios. Esse désafio deve ser compreendido como um despertar para o mundo do conhecimento, voltado para a percepgao das conex6es e implicagdes estabelecidas por essas rupturas ao longo da Historia. Sao Paulo, abril de 2005 Maria Luiza Tucci Carneiro Coordenadora da Série v SUMARIO APRESENTACAO A DATA RELATOS IMAGEM-SIMBOLO CONCLUSAO; DEPOIS DE ABRIL, A EUROPA SIGLAS CRONOLOGIA BIBLIOGRAFIA 53 41 69 19 85 89 vi APRESENTACAQ Charles Péguy costumava dizer que tudo comeca com a mistica e termina na politica. Ha 30 anos os capitaes de abril acordaram uma Lisboa desacostumada a liberdade. De repente, ld estavam as massas prontas a apoiar um golpe militar que derrubaria 48 anos de fascismo em Portugal. Desobedecendo aos comunicados do Movimento das Forgas Armadas (MFA) para que ficasse em casa, 0 povo de Lisboa foi as ruas e modificou, com sua pre- senga, 0 carater do levante militar. Ele se tornava uma revo- lugao. A Revolugao foi sui generis por trés motivos. Feita pelo exército, dirigiu 0 pais a esquerda. Sendo gene- rosa, ela respeitou o vencido (para usar a expressao de Sophia de Mello Breyner Andresen), Sem governos eleitos, ainda as- sim ela fez livre um pais inteiro. O MBA, porém, nao levou nenhum daqueles elementos até o fim e até o fundo. A igualdade murchou junto com os cravos. A Liberdade se conteve na democracia representativa. fa fraternidade nado foi a mesma com os vencidos do 25 de 25 deabril de 1974 1 eel novembro de 1975 (quando os oficiais de extrema esquerda foram excluidos do processo revoluciondrio e varios conhe- ceram a prisio). Os capities precisavam afrontar problemas de diferentes idades histéricas. Imediatamente tiveram que criar uma nova ordem social. Diante de um impetuoso soerguimento da sociedade civil (ocu- pagées de fabricas, moradias, escolas, creches), 0 novo governo tinha que, a um s6 tempo, neutralizar os agentes do Antigo Re- gime e conter os do novo. O problema conjuntural era a Guerra Colonial na Afri- ca. Os militares queriam a descolonizagao e o fim do con- flito, O General Spinola, que era o novo presidente da Re- | publica, mas nao pertencia ao Movimento, tentava travar as agées do Governo Provisério, chefiado pelo Coronel Vasco Goncalves. Preferia, o velho General colonialista, uma espé- cie de commonwealth luséfona. O problema estrutural, todavia, é 0 que mais angustia o historiador. Ele nao se encontra na memoria dos agentes daquela grande historia, sendo de forma acidental. Nos tl- timos dois séculos, quando Portugal perdeu o Brasil e ten- tou recrid-lo no continente negro, as clites portuguesas he- sitaram entre a “volta” 4 Europa e a “missao imperial”. Os capitaes de abril nao podiam ter a plena conscién- cia desse dilema. Nem podiam escolher uma outra saida. Ela teria que ser atlantica, sim! Mas sem império ou im- perialismo. Socialista, também! Mas com pluralismo e li- berdade. 2. Rupturas Eles tentaram. Poderiam mais? Pluralismo socialista e soli- dariedade atlantica foram sua mistica. Ela terminou, porém, na politica européia. Este pequeno livro nao teria sido escrito se eu nao tivesse elaborado antes uma tese de doutoramento sobre a crise do im- pério colonial portugués, apresentada a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciéncias Humanas da Universidade de Sao Paulo. Nao se confunde, entretanto, com ela. A maior parte do material da- quela tese foi publicada na forma de livro (vide bibliografia ao final). Este pequeno livro visa expor as grandes linhas da hist6- ria contemporanea portuguesa indispensdveis para a com- preensado da Revolugao de 25 de Abril de 1974. Algumas repeti- Ges sao inevitaveis, Para facilitar a leitura, omiti muitas notas e referéncias exaustivas a fontes documentais, que, todavia, pode- r4o ser consultadas na minha tese de doutoramento ou no livro supracitado. Agradeco sempre a minha mie, por tudo. A Mari- sa Midori Deaecto, pela amizade e apoio intelectual. Aos com- panheiros do Nuicleo de Estudos de O Capital. Aos meus alunos dos cursos de Geografia e Historia na USP. A Fapesp, que finan- ciou minha formagao académica. A CaAtedra Jaime Cortesio, pelo continuo auxilio material para estudar Portugal. Uma vez mais ao Centro de Documentacao 25 de Abril, anexo a Univer- sidade de Coimbra. E a Professora Maria Luiza Tucci Carneiro, pelo convite para escrever este optisculo. 2B deebril de 1974 3 A DATA De Portugal ja se afirmou que foi 0 “ultimo teatro leninista da hist6ria”. E sobre sua Revolucao, Mario Soares, o mais desta- cado politico do Partido Socialista, disse: é aquela em que os mencheviques venceram. « Essas expressdes andam meio esquecidas no Portugal de hoje. Nao pelo contetido, mas pela desusada linguagem esquer- dista. Pais que se sente (ou quer sentir-se) tipicamente europeu, integrado nos ritmos fortes das economias setentrionais do Ve- tho Mundo, Portugal erigiu a memoria oficial ¢ institucional de uma revolugao “pacifica’, “européia’, “democratica”, “antifacis- ta’. E 86 nao se diz “liberal” porque seria dificil apagar da sua historia os arroubos ideolégicos ¢ as esperangas utépicas que 0 dia 25 de Abril de 1974 desencadeou. Naquela data, os oficiais do Movimento das Forgas Arma- das (MFA) despontaram de uma longa e friorenta madrugada para encarar © sol das multiddes numa tarde de Lisboa. A can- cdo que servira de senha para a revolucao, “Grandola, Vila Mo- rena” (José Afonso), seria depois entoada como hino oficioso do pais liberto. O Capitao Salgueiro Maia, aquele que rendeu o 25 de abril de 1974 Primeiro Ministro Marcello Caetano, conheceria a fama, mas nao 0 poder que ele nao quis. O Major-Otelo Saraiva de Carva- lho, lider operacional do golpe, s6 meses depois se tornaria co- nhecido como um lider de ultra-esquerda, defensor do poder popular armado. E 0s demais soldados se surpreenderiam, na- quele 25 de abril, ao receber a ovagao do ptiblico ¢ as flores das s costumavam vender nas ruas de Lisboa. Era a mulheres que z Revolugao dos Cravos. Talvez ninguém mais do que os proprios oficiais do MFA espelhem a forga ¢ a fragilidade desta revolugdo impar. Eles quiseram mais do que a historia parecia disposta a permitir- Ihes. De fato, a Revolugao Portuguesa pareceu ser a ultima do género no continente europeu no século XX. E se alimentou, como todas as outras, das idéias emanadas das duas grandes revolugGes: a francesa ea russa. Para nao falar de uma terceira, que encantou pequenos setores estudantis e militares, a chine- sa. Mas quando sairam as ruas, os militares queriam somente trés coisas: pér fim a ditadura, resgatar o prestigio das Forgas Armadas e terminar a Guerra Colonial em Africa, que ja esta- va virtualmente ganha pelos inimigos (os movimentos guerri- Theiros de esquerda). Mas ao formular tais objetivos, tomaram consciéncia de problemas de longa duracao na historia portuguesa. Afinal, o pats vivera nos tiltimos séculos a condi¢ao de um império ultra- marino acostumado a ver-se com lentes dilatadas e nao tal qual _ um pequeno retingulo na ponta extremada do Velho Mundo. O rosto da Europa. As elites lusitanas, desde sempre, recitavam a poesia da decadéncia e da necessidade de retomar os ritmos 6 Rupturas europeus. De voltar, como queria Antero de Quental, ao convi- vio das “nagées civilizadas”. Portugal fazia a ultima revolugao também para findar o ultimo império. Ao longo do século XIX, suas elites politicas e intelectuais procuraram adotar formas de consciéncia, adaptadas a “idéia européia”: o cartismo (movimento pela Carta Constitucional), o setembrismo (derivado da Revolugao liberal de setembro de 1836), a Regeneragao (1851), o liberalismo, o republicanismo, 0 socialism, o anarquismo, o comunismo. Os trés primeiros des- ses termos 86 séo conhecidos fora de Portugal pelos raros espe- cialistas em Histéria Ibérica ou por quem se deu ao trabalho de ler alguma Historia do Portugal contemporaneo ~ tema, alias, de escasso estudo no Brasil, onde s6 aprendemos algo sobre Portugal até a nossa independéncia politica em 1822. Todos es- ses rétulos ideolégicos, por mais sinceramente adotados, nao lograram, na pratica concreta, ultrapassar os limites do idedrio de uma democracia formal integrada numa ordem transnacio- nal (todavia “européia”). Portugal atravessou um periodo monarquico relativamente estdvel depois do perfodo de convulsées e guerras que vai de 1820 a metade do século XIX. Ao menos até o ultimato inglés de 1891, que humilhou os sentimentos nacionais. Esse perfodo ficou conhecido por “regeneragao” Para fins praticos, ele acaba no ultimatum inglés e na tentativa de Revolugao no Porto. O ul- timatum denotava a exigéncia inglesa de evacuagao de territé- rios africanos que os portugueses consideravam seus. O pais, imerso na corrida neocolonial, ainda assim logrou manter am- plas areas de dominagao, pois Alemanha e Inglaterra nao ide 1974 7 chegaram a um acordo sobre como dividi-las entre si. Portugal manteve territorios sobre os quais proslamava ter direitos his- téricos. Na verdade, seu controle sobre eles era limitado a estrei- tas zonas costeiras. $6 no inicio do século XX pode-se dizer que o pais constituiu um novo império (que os historiadores cha- mam de Terceiro Império Colonial Portugués). Este terceiro império existiria nominalmente entre 1825 (quando Portugal reconhece a independéncia do Brasil) e 1975, quando Angola e Mocambique se tornam independentes. Foi o Império africano, onde se buscariam “novos brasis’, como pensava 0 politico Sa da Bandeira, que tanto estimulou uma politica colonial. Uma vez superadas as resisténcias dos africanos, mediante a forca militar, Portugal constituiu de fato seu novo império as vésperas da proclamagao da Republica. Note-se que, embora as elites lusas oposicionistas vissem seu pais como algo separado da Europa e que a ela devesse se reintegrar, ele estava estreita- mente vinculado as ondas politicas e econémicas européias. Mergulhava na corrida neocolonial e adotava a forma republi- cana quando muitos monarcas passavam a ser questionados em varias partes do mundo, incluindo 0 Brasil (1889), que exerceu incidéncia sobre a politica portuguesa. Dois outros fatores pareciam integrar Portugal em correntes européias: 0 crescimento populacional e a emigragao no perio- do que abrange 0 que alguns chamaram de Segunda Revolugao Industrial. Todavia, erguiam-se outros regimes que pareciam portar 0 futuro muito mais do que as democracias liberais: Manne- rheim na Finlandia, Horthy na Hungria, Mussolini na Italia. A @ Rapturas Emigragdo em Portugal Crescimento Demografico (Populagaéo em nuimeros absolutos) | ee Wiss 15.434 | isso 12.596 | | HE exon! 1890 Ears P1895 EOL 1878 4,160,315 41890 ERerseneers) ae) Ae eae) 5.016.267 | EES aa ea | BERG Ee EEO) aa crae onte das duas tabelas’ Serrao, 1983: 130 e 134. f Republica findaria em 1926, cedendo lugar ao regime de Oli- veira Salazar. A populacio européia no mesmo periodo quase duplicou em alguns casos. E imigrantes europeus acorreram a América. Como no restante dos paises, portugueses do campo nao en- contravam acolhida na parca industria instalada nas cidades (Porto ¢ Lisboa, principalmente). E se dirigiam ao Brasil. Em 1910 nasceu a Republica portuguesa. Foi a tentativa de regenerar de fato 0 pais e adapta-lo as correntes da época, que destruiam impérios ja periféricos (como o espanhol, 0 austro- hiingaro, o czarista, o turco). Portugueses da época muito me- ditaram e se compararam ao caso turco. Vasto e poderoso 25 de abril de 1974 9 império no passado, agora em estagio de declinio. A Reptiblica nao resolveu, entretanto, os problemas que obstavam 0 desen- volvimento portugués, Ela tentou reformar o ensino, as relagdes trabalhistas, a cultura, a universidade e criar, de fato, uma de- mocracia politica. Mas fracassou. Nao eliminou o colonialismo, nao deu peso nem voz na sociedade civil para o movimento operdrio (entéo majoritariamente anarquista ou socialista). E intimeros golpes se sucederam. O salazarismo integrava correntes européias de fundamen- tacao fascista. Ergueu-se uma camara corporativa. Criousse um partido tinico. Fez-se a Legiao Portuguesa. Fez-se a Mocidade Portuguesa. Correias de transmissao da ideologia do regime. A violéncia (do Estado e de organizacdes associadas) existiu na forma de tortura e assassinato de oposicionistas. A cultura se viu ameagada. Intelectuais, como Antonio Sergio e Jaime Cor- tesio, exilados. Um campo de concentragao foi erguido e nele sucumbiu Bento Gongalves, secretario-geral do Partido Comu- nista Portugués (PCP). ‘ Este partido protagonizou intimeras lutas contra a ditadura. Mas, apesar do seu cardter fascista e da sua alianga estreita com a Espanha de Franco, o salazarismo tinha peculiaridades nacio- nais. Era profundamente catélico (ao contrario do Nazismo) e, no inicio, nao estava ligado umbilicalmente aos monopdlios (exceto ao do tabaco). E sua base de massas era mais passiva do que ativa. A ditadura salazarista nunca foi estavel como dela se disse. Uma parte do povo portugués nunca a aceitou. Os oficiais nunca deixaram de conspirar para derrubar o ditador. Figuras 1 Rupturas embleméaticas, como Humberto Delgado, dedicaram-se a lutar, por meios legais e ilegais, contra 0 salazarismo. A fragilidade da- quele regime se tornou evidente nos anos sessenta. O neocolo- nialismo europeu agonizava em toda a parte. E enquanto a Re- volucao Argelina parecia derrubar o mito da invencibilidade do opressor europeu, 0 livro “Os Condenados da Terra’, de Franz Fanon, se encarregava de dar dignidade tedrica e poética a vio- léncia revolucionéria. Em 1961, iniciou-se a Revolugao na “Africa Portuguesa’. Ela também encontraria seus limites em problemas herdados e de longa duragao. A Africa Negra, cercada por dois mares e dois desertos (0 Atlantico e o Indico; 0 Saara e o Kalahari), exibia re- cursos naturais, exibia suas rotas ancestrais, cedo desabadas. Faltavam as forcas produtivas para lograr a realizacao do idea- rio socialista que foi adotado por muitos de seus lideres, Por di- reta responsabilidade dos colonizadores europeus, esta Africa teve que mergulhar na revolucao, na guerra de libertagao nacio- nal e na guerra civil. Nas suas solidées extensas, no seu clima va- riegado, na sua beleza saqueada, herdavam, os africanos, as ro- tas de comércio voltadas para os interesses das antigas metré- poles, as divis6es administrativas européi cios e preconceitos na administragao do Estado. Tudo isso cons- trangia o africano revoltado, o homem ea mulher que tentavam construir suas identidades nacionais. Essas sobrevivéncias de longa duragdo também limitariam a acdo revoluciondria na metrépole portuguesa. Tratava-se ja de um Império periférico, cada vez mais cedendo a explora- ao de suas coldnias a empresas estrangeiras. Cada vez mais as técnicas, os vi- 25 de abril de 1974 11 se vinculando economicamente ao mercado europeu. O impé- rio era uma forma politica ultrapassada pelo proprio desenvol- vimento das forcas produtivas, que reclamava os lagos euro- peus, relagdes de produgao e trabalho modernas e técnicas de explorac¢ao neocolonial ou imperialista que Portugal nao tinha condigées de desenvolver na Africa. A Guerra Colonial foi 0 inicio de tudo. Sem ela nao teria ha- vido nenhuma revolucao portuguesa. Ao menos nao na forma em que ela ocorreu. O epicentro do abalo nao era a metrépole, mas a Africa. A revolta dos povos colonizados por Portugal obrigou o pais a desviar recursos pesados do orcamento para manter 0 esforco de guerra. Aumentavam a emigracao (traco secular), a desercao, 0 descontentamento entre civis e milita- res... Com a morte de Salazar, em 1970, a ditadura continuou. Apesar das esperangas despertadas pela “primavera marcelista” (refere-se a Marcello Caetano, um renomado professor e espe- cialista em Direito Administrativo), a Guerra Colonial perma- neceu, a imprensa continuou amordacada, jornalistas persegui- dos e opositores politicos presos e torturados pela temida Pide (Policia Internacional e de Defesa do Estado). Os povos africanos “escolheram” buscar sua autonomia ba- seando-se naquilo que aparentemente os uniam (ao menos essa foi a escolha de suas elites politicas): as proprias estruturas da administragao colonialista, Nas palavras de um tedrico, tra- tou-se do “isomorfismo entre o ambito territorial de cada na- cionalismo e o da unidade administrativa anterior” (Ander- son:125), 0 que faz o nacionalismo colonial recente asseme- Ihar-se aos nacionalismos coloniais mais antigos, como os da 12, Ruptaras { _ América. Considere-se ainda que os anos 50 assistiram a uma nova divisao de territérios coloniais que conduziria, fatalmen- te, aquilo que Senghor chamou de “balcanizacao” da Africa, ou seja, a pulverizacao de pequenos estados sem poder. A tradicio de uma submissao (forcada) a um colonizador comum se su- perpés as identidades parciais (étnicas, lingtifsticas e culturais). Parciais porque, como é sabido, diferentes lealdades de nature- za pré-moderna (aos olhos de um europeu) conviviam sob as mesmas unidades administrativas coloniais. Nas colénias por- tuguesas, como também no Congo Belga, acrescia-se a dificul- dade de Portugal nao ter procurado partilhar sua cultura com os colonizados. Comprove-se com 0 numero de “assimilados” nas colonias de Mogambique e Angola. Os nativos das colonias eram obrigados a realizar trabalhos forcados (depois do ato colonial salazarista de 1933); muitos eram vendidos para trabalhar em minas de ouro da Africa do Sul. Quanto a tarefa civilizatéria do subimperialismo lusitano, um levantamento de 1959 mostrava como era pequena a capa- cidade de assimilagao dos nativos na vida civil, pois também ali, como no ultramar francés, 0 racismo era uma ideologia e, aci- ma de tudo, uma pratica social consciente que impedia a exten- sio de cidadania a negros e mesticos (seria diferente, hoje, a sor- te desses novos negros que trabalham em Lisboa?). E como fazé-lo, se os préprios portugueses eram destituidos de tantos direitos? Essa situagao talvez dissimulasse a pratica de exclusao racial muito mais do que no caso francés, onde um estado na- cional podia ser democritico e livre, na metrépole, e exercer a tortura e a pena capital na Argélia. 25 de abritde 1974 13 ' Entre todos os 5.738.911 mogambicanos, apenas 91.954 eram considerados “aptos para a vida civil”; entre os 4.145.266 angola- nos, apenas 135.355 eram “civilizados”; entre os 510.777 gui- neenses, eram apenas 8.320 os “civilizados”; entre os 442.378 ti- morenses, eram somente 7.471. Portugal via-se incapaz de pro- mover uma absorgao molecular dos seus dominados, conceden- do-lhes a cidadania portuguesa. Por outro lado, a populasao por- tuguesa nas colénias era insignificante em relacao aos nativos e quase nao se misturava a estes: ndo havia um numero grande de brancos, as colénias nao atrafam muitos colonos ¢ a burguesia colonial, instalada em Africa, tinha sélidas raizes metropolitanas, sendo, por isso, incapaz de gerar um movimento proprio de rup- tura colonial baseada em interesses econdmicos de uma camada dominante nacional. Os indices de brancos em Angola e Mo- sambigque nunca ultrapassaram 4% e s6 comegaram a crescer, entamente, nos anos 40 (depois de séculos de colonizacao!). Evolugao da Populagao Branca (%/Decénio) Z ——= Angola Mogambique o- NW BS 30 40 50 60 Fonte: Tomé, 1984: 298 14 Rupturas Apesar disso, as populacoes locais nao tentariam reconstruir (ou construir!) nagdes senao segundo os modelos das popula- Ges de origem européia. O sistema colonial portugués (visto da metrépole como um império) estava subordinado 4 légica sistémica das correntes mais poderosas do capital oligopolista internacional. Portanto, ideologias e interesses de europeus, sovicticos, norte-america- nos também inscreviam-se no espaco geografico luso-africano. Vivia-se a €poca do maximo avango da descolonizacao. Os so- viéticos fundaram uma Sociedade de Amizade Soviético-Afri- cana em 1959 e, no mesmo ano, Kruschey avistou-se com Se- kou Touré em Moscou. Os Estados Unidos nao se envolviam menos, apoiando regimes de sua confianga, como 0 que se su- cedeu ao assassinato de Patrice Lumumba. 7 Na Africa portuguesa, a “evolucao” ideolégica dos grupos armados na direcdo de algum tipo de “comunismo nacional” era uma tendéncia forte. Mesmo os programas que fundamen- taram os partidos guerrilheiros preferiam mais a velha idéia de nacao ao socialismo, que se reduzia a uma mera referéncia no imbréglio ideolégico desses tempos. Expliquemos melhor: as fontes ideolégicas exdgenas precisavam se adaptar ao solo espe- cifico da Africa porque, se é verdade que suas elites politicas buscavam no hemisfério norte sua inspiragao, tais verticalida- des precisavam ser superpostas, no que tange 4 mobilizagio so- cial mais ampla, pelas horizontalidades. Pois é nos lugares que as pessoas se mobilizam e nao num, até entao, abstrato espago mundial, sobredeterminado por inter igualmente mun- diais. 25 de abrit de 1974 15 Além do nacionalismo, também um tipo de republicanis- mo era uma formula vaga o suficiente para os objetivos pro- gramaticos e politicos de partidos africanos. Vejamos a Constituicao da Republica da Guiné-Bissau, aprovada em 24 de setembro de 1973, antes, portanto, da propria descoloni- zagao formal do territério de Guiné (e Cabo Verde). O arti- go primeiro dizia: “A Guiné-Bissau é uma replica soberana, democratica, anticolonialista e antiimperialista que luta pela li- bertagao total, pela unidade da Guiné-Bissau e do Arquipélago de Cabo Verde, assim como pelo progresso social do seu povo”. Progresso social, soberania. Aliados ao antiimperialismo, certo. Poder-se-4 objetar que tal é a linguagem de uma cons- tituic¢ao. Ou de um acordo. Ou do Direito como ele deve ser escrito. Na Africa, nem mesmo se propunha ir além do quadro li- beral democratico temperado pelo nacionalismo e pela luta contra 0 “imperialismo”. O programa do Movimento Popu- lar pela Libertagdo de Angola (MPLA) referia-se a “nagao an- golana”. Os estatutos do PAIGC referiam-se a “independén- cia nacional” e o programa da Frente de Libertagao de Mo- gambique (Frelimo) concedia prioridade a “libertagao na- cional” e ao “progresso da nagao” E 0 que desejavam além de ser nagdes? O programa do MPLA nao pedia mais do que um “regime republicano, democratico e laico”. Os estatutos do PAIGC repetiam a mesma formulagao. O “Programa maior” da Frelimo referia-se a substituigao da “cultura colo- nialista implantada pelos portugueses” por uma “cultura po- pular ¢ revolucionaria”. O programa de histéria da Frelimo 16 Rupturas (1968) lia no passado longinquo e pré-histérico de Mogam- bique um territério, um povo e uma nagio. Essa busca da identidade nacional, forjada ou nao, assumia contornos cu- riosos as vezes. Mas 0 programa da Frelimo lia também o futuro: ele se- ria o de duas vagas idéias, a justi¢a social e a igualdade. Bem, ja naquela data se falava também no fim da exploracao do homem pelo homem. De toda maneira, um nacionalismo que nao ultrapassou (e poderia?) os marcos simbdlicos e ideoldgicos do século XIX europeu, para nao falar que os congressos republicanos portugueses nao diriam muito mais do que os estatutos dos partidos africanos. Como, se pode observar, as elites politicas africanas compartilhavam da mesma cultura do colonizador (ou de suas fragdes oposicio- nistas). Na metrépole, entretanto, a aco africana “reagia” sobre o substrato ideoldgico das oposigdes. Quase todas elas assumi- ram posturas favoraveis 4 descolonizagao. O General Hum- berto Delgado, figura de proa nesse momento, defendeu-a abertamente. No espaco ideolégico metropolitano, colonial e mundial, as idéias circulavam e se interpenetravam, mas a forga com que os partidos contaram foram de duas diregdes: 0 apoio de superpoténcias economicamente interessadas e a mobiliza- ao popular. No primeiro caso, a adogao do socialismo pare- ceu ser mais do que uma oportunidade. Acreditou-se mesmo que ele podia ser uma técnica de desenvolvimento, ainda que em realidades “dificeis” de baixo nivel de avango das forcas 25 de abril de 1974 17 lh A A — 18 materiais da producao. E 0 apoio da Unido Soviética aos mo- vimentos nacionais complementaria os argumentos a favor do “progresso social”. No segundo caso, 0 nacionalismo ten- tou preencher o vazio deixado por séculos de espoliagao co- lonial, que destrufra antigas lealdades pré-modernas (tribais, étnicas) ou mesmo de estados anteriores & ocupac¢ao euro- péia. A nova lealdade a um novo estado, com fronteiras defi- nidas pelos colonizadores, também fracassaria. Aqui € possivel abrir um paréntese para reiterar o papel dessas sobrevivéncias incémodas, essas_permanences que moldam tanto a aco politica dos homens. Uma vez mais re- tomemos aquelas rugosidades de que fala Milton Santos. Elas também podem ser vistas na confluéncia da ocupacaio do territdério com fatores étnicos e ideoldgicos (ou de mobi- lizagao para fins polfticos). Isso passa pelo filtro individual. Nao ¢ possivel, nos marcos de todo este trabalho, desnudar os dilemas psicolégicos e sociais, os dramas humanos e as es- perangas e medos que envolveram os intelectuais africanos que se revoltaram contra a coloniz cdo. De fato, compunham uma geragio bastante espectfica. As liderangas dos movimentos africanos eram, em geral, de for- mados na Europa. Compunham uma geragéo que nascera nos anos 20 ou 30. De homens e mulheres que assistiram, ja adultos, a independéncia da India e a evolugao do Congres- so Nacional Africano, no sul do Continente Negro. Para nao fugir ao caso luséfono, pensemos em Amilcar Cabral (1924- 1973), este que foi o mais eminente tedrico da libertacio da Africa Negra. Um engenheiro formado em Portugal. Ou Rupturas Agostinho Neto (1922-1979), que recebeu uma bolsa da Igreja Metodista para tornar-se médico na Metrépole. Ou Samora Machel (1933-1986), um enfermeiro. Eduardo Mon- dlane, este doutor em sociologia pela Northwestern Univer- sity (Illinois), assassinado em 1969. A partir de fins dos anos 40 eles estavam na Faculdade de Letras de Lisboa ou nos demais cursos universitarios. Fram filhos da pequena burguesia de funciondrios assimilados pelo governo colonial. O exemplo de Mario de Andrade é flagrante. Revela o salto da condicao do assimilado ao revol- tado. E, depois, ao revolucionario. A revolta expressa poesia. Na pesquisa das culturas africanas. Na reflexao sobre 0 papel do homem negro no mundo. Nas reuyides em Lis- boa para saborear os pratos que nao se preparavam em Por- tugal. E nas leituras. Especialmente de livros do Brasil. De Jorge Amado. Das edigdes Cruzeiro. Da literatura negra nor- te-americana traduzida no Brasil. De Politzer. De Nicolas Guillén. Mario de Andrade e outros africanos freqiientavam as livrarias. Entre elas a alema Bucholz: importadora. E da importagao de livros franceses sobreveio a Antologia da poe- sia negra e malgaxe, de Leopold Senghor. Publicado em 1948, em Paris, este livro circulou pelas maos de todos os africanos que estudavam na universidade. Os partidos clandestinos eram reduzidos e insignifican- tes, excetuado 0 antigo PCP. A oposicao democratica e libe- -se na ral se reorganizara em 1957, no Primeiro Congresso Repu- blicano de Aveiro, mas somente noutro congresso, realiza- do mais tarde, no ano eleitoral de 1969, houve uma maior 25 de abril de 1974 19 convergéncia dos diversos interesses oposicionistas. Os munistas tentaram unir toda a oposigéo no MOD — Movi- mento de Oposigao Democratica. Fracassado 0 MOD, criou- se com o PCP e parte da oposicaéo moderada 0 CDE — Co- missio Democratica Eleitoral, para concorrer as legislativas de 1969. Havia nessa época até mesmo uma mitigada espe- ranga de alteracdo interna do regime, pois no verao de 1968 Salazar havia sofrido um derrame cerebral que o obrigou a uma vida vegetativa, falecendo dois anos depois, aos 81 anos de idade, sem perceber 0 que se passava A sua volta; Marcel- lo Caetano se tornou entao o primeiro-ministro de fato ja em 1968. Como bem sustentou o historiador Fernando Rosas, o governo Caetano nao despontou no horizonte politico como uma mera continuagao do salazarismo. Jé pela sua trajetoria pessoal podia-se esperar o acender de alguma luz de espe- ranga na escuridao do regime. Caetano fora afastado do go- verno em 1958. Demitido da posigio de reitor da Universi- dade de Lisboa em 1962. Era visto como um potencialmente liberal e contava com amplo leque de apoio politico inicial. Até setores a esquerda, como socialistas e comunistas, nao negavam na pratica uma possfvel primavera marcelista, na expressao do historiador Fernando Rosas, A esperanga foi logo frustrada. No caso dos comunistas, apesar da ac4o publica e legal do PCP, eles nunca aceitaram totalmente as diretivas do XX congresso do PCUS ~ Partido Comunista da Unido Soviéti- ca — senao por um pequeno periodo posterior ao seu V con- Ruptaras 4 gresso, que declarara a possibilidade de uma via pacifica ao socialismo (algo que diversos PCs europeus passaram a pro- pugnar). No VI congresso do PCP, em 1965 (realizado no exilio, em Kiev), afirmou-se a via insurrecional como ele- mento necessdrio a derrubada de Salazar. No inicio dos anos 70, com a cisao castrista denominada Brigadas Revoluciona- _ rias (BR) e o surgimento de grupos maoistas no meio estu- dantil, o PCP resolveu criar a ARA — Acao Revoluciondria Armada, chefiada por Augusto Ferreira Lindolfo, logo preso com a mulher ¢ a filha de dois anos pela policia politica. Ainda assim, 0 PCP era visto como partido reformista por grupos de extrema esquerda. Em meados dos anos 60, havia surgido a FAP — Frente de Agao Popular,-, como bra- ¢o armado de dissidentes do PCP, depois a sua diregao poli- tica, CML — Comité Marxista Leninista. Desmantelada pela Pide em 1966, a FAP-CML se reorganizou lentamente até fundar o PCP m-l. Outros grupos foram: a Luar — Liga de Unidade e Acido Revolucionaria (1966), liderada pelo caris- miatico Palma Inacio; o MRPP — movimento revolucionario do proletariado (1969); OCMLP — Organizagao Comunista Marxista Leninista Portuguesa (1973); CCR — ML - Comi- tés Comunistas Revoluciondrios — Marxistas-Leninistas (1969); URML — Unidade Revolucionaria Marxista Leninis- ta (1972); Carp - ml — Comité de Apoio para a Reconstru- gao do Partido Marxista Leninista (1973). A URML, o Carp — ml e o CCR — ML se fundiram em 1974 na UDP — Uniaio Democratica Popular, “fachada eleitoral” do PC r (re- construido). 25 de abril de 1974 21 a Todas es: as organiza¢6es tinham penetracao praticamen- te exclusiva nos meios estudantis. Os meios operérios eram hegemonizados pelo PCP, embora contassem também com a presenca de outras organizagGes em Lisboa, principalmente. As aces armadas dos grupos de esquerda tiveram impacto nulo no abalo do regime, reduzindo-se a assaltos a bancos (ex: Banco de Portugal, na Figueira da Foz, em maio de 1967, pela Luar), algumas a¢Ges mais ousadas das BR e duas acoes mais importantes do PCP: a destruicao da base aérea de Tan- cos, que contava com dezesseis helicépteros e onze avides, e ataque ao quartel general da Otan — Organizagao do Trata- do do Atlantico Norte, em Oeiras, Em 1973, a Acao Socialis- ta Portuguesa, num congresso realizado na Alemanha Oci- dental, dé origem ao PSP ~ Partido Socialista Portugués, li- derado por Mario Soares e Salgado Zenha. No campo da oposi¢ao liberal-conservadora, permitida pelo regime, Sa Carneiro se destacava como critico de Caetano, mas até que suas ilusdes numa evolucdo para a democracia liberal aca- bassem. Basicamente, essas eram as forgas oposicionistas ao regime salazarista-marcelista. Em Portugal foram os préprios militares “colonialistas” que se tornaram um problema para o regime salazarista no inicio dos anos sessenta. Imbricada com a questao colonial, a problemiatica da situac&o militar assumia duas dimensées: a econdmica ¢ a politica. Um ter¢o da renda nacional portu- guesa, nos anos sessenta, provinha das coldnias. O déficit da balanga comercial era estrutural e permanente. O agrava- mento da situagdo econdmica era produzido claramente 22 Rupturas pelo aumento dos gastos militares. Durante a guerra colo- nial, a percentagem do PIB gasta com as forgas armadas ¢ a defesa nacional se manteve em patamares muito altos, pré- prios de paises em esforco total de guerra (o problema é que essa situacdo durou quase quinze anos). A crise do Império Colonial Portugués comecou efetiva- mente nesses anos sessenta. Diante do agravamento da guer- ra no ultramar e dos problemas sociais e econémicos, Portu- gal comegou a ser sacudido, internamente, por uma série de agitacoes golpistas. Uma das agdes mais ousadas aconteceu em fevereiro de 1961, quando o capitao Henrique Galvao se- qitiestrou em alto-mar o transatlantico Santa Maria e, depois de uma alucinada fuga, terminou sua viagem no Recife. Su- cediam-se fortes criticas ao governo provenientes até mesmo do alto comando das forgas armadas. Tentativas de subleva- ges militares localizadas, protestos de rua que redundavam em verdadeiras batalhas campais e greves ocorreram duran- te os anos de 1961-62. Nesse momento foi fundada a Frente Patriética de Libertacao Nacional, propositora de uma agao insurrecional, chefiada pelo general Humberto Delgado (mais tarde assassinado pelo regime). Toda a acdo armada esquerdista, como vimos anterior- mente, era ex6gena ao grupo profissional que detinha o mo- nopélio legal das armas. Entretanto, o aparelho repressivo ado pelas lutas na sociedade civil e nao também é atrav. esta imune a relagado social entre as diversas cl que é 0 Estado ~ a Revolucio dos Cravos mostrou como um exército, que foi o sustentaculo de quase 50 anos de fascismo s sociais abril de 1974 23 \ I / f \ i em Portugal, acabou tendo suas demandas especificas de so- lugao do problema colonial cruzadas.com as demandas de- mocrati Uma insurreicao armada, que fosse obra de pequenos grupos exégenos ao Estado, em pleno solo europeu, dificil- mente teria resultado positivo. A solugao adveio da verdadei- ra catarse (Gramsci) que se operou nas forgas armadas, ou seja, a forma como reivindicagdes corporativas (do esprit de corps) se tornaram um projeto nacional, democritico e, as ve- zes, socialista. Para se entender tudo isso é preciso ver a situa- ¢40 objetiva em que as forgas armadas portuguesas se encon- travam, as voltas com uma encarnigada guerra colonial sem perspectivas de vitoria e composta por uma oficialidade jo- vem que acumulava rancores de ordem socioprofissional. Nas col6nias, a situag4o militar portuguesa piorava conti- nuamente desde 1960, com o surgimento dos movimentos de libertacao nacional e da luta armada (guerra de guerrilhas), que efetivamente teve inicio em Angola (1961), Guiné-Bissau (1963) e Mogambique (1964). Isso era uma resposta ao blo- queio de qualquer solucdo negociada para uma independén- cia. Demonstravam-no os fatos, J4 0 dissera Gandhi: “Visitei Mogambique, Delagoa e Inhambana. Nao encontrei l4 ne- nhum governo com propésitos filantrépicos”. Ali estavam os “nao-civilizados’, os destituidos de tudo, constantemente a beira da mi: ria e da fome, enquanto os monopdlios do co- mércio metropolitano, assentados numa secular expropria- cao colonial, engordavam seus Lucros, A capacidade de revol- ta dos colonizados era grande. Em agosto de 1959, os coloni- 2% Rupturas ? | “zadores portugueses massacraram 50 estudantes em Bissau; no mesmo ano, a revolta do povo maubere, do Timor Leste, foi reprimida. Em 1960, os macondes, do norte de Mogambi- que, também foram rechagados. Em Angola, ainda nesse ano, Agostinho Neto foi preso e, na seqiiéncia (setembro), a popu- lacao do Catete foi atacada. Um més depois, os primeiros le- yantamentos populares, na baixa de Cassange, foram repri- midos, com um prejuizo de centenas de vidas perdidas. Esta- va criada a base social e politica para o inicio das acGes guer- rilheiras contra Salazar e sua politica colonizadora. O teatro de operagées era muito vasto e exigia das forgas armadas lusitanas um esforgo de guerra caro e ‘pouco efi- ciente. Angola era agitada por dois poderosos.movimentos, o MPLA — Movimento Popular de Libertagao de Angola e a Unita — Unido para a Independéncia Total de Angola; em Mocambique, a Frelimo — Frente de Libertagao de Mogam- bique -, era ja um inimigo estruturado nos anos 60; 0 mais notavel de todos era 0 PAIGC — Partido Africano para a In- dependéncia da Guiné e Cabo Verde -, liderado pelo mais formidavel dos lideres africanos: Amilcar Cabral. Esses movimentos custaram 8.290 portugueses mortos, num corpo expediciondrio que nunca ultrapassou 200 mil homens por ano. Ao total, foram um milhao e trezentos mil portugueses que serviram as forgas armadas nas coldnias, 0 que representava 14,7% da populagao! Em Mogambique, em { que pese o sacrificio que sofriam os guerrilheiros, sua vanta- gem estratégica s6 crescia. A Frelimo teve uma média men- sal de cento e sessenta baixas em 1967. Um ano depois, essa de abril de 1974 25 a i i i média caiu para cento e vinte e atingiu setenta mortos em 1969. O numero total de baixas foi, respectivamente em cada um daqueles anos, de 1.045, 920 e 381. A desmoralizacao das forgas armadas j4 tinha se iniciado quando, depois de insis- tentes avisos por varios anos, a India resolveu invadir 0 en- clave portugués de Goa e expulsar os portugueses — Salazar foi intransigente e ao final responsabilizou os militares pela perda do territorio. O mapa das zonas de conflagracdo militar na Guiné, em 1970, também demonstrava que a guerrilha ja controlava a maior parte daquela Colénia (as areas rurais). Em Mocam- bique, a implantagao da Frelimo era menos extensiva, res- tringindo-se ao norte e noroeste, proximos & Tanzania e a Zambia. Portugal mantinha o controle das principais cida- des, das ferrovias e da area de construgao da grande barra- gem de Cabora Bassa, 4s margens do rio Zambeze. Este rio, cuja montante esté nos limites do Zaire, Angola e Zambia, tem sua jusante no territ6rio de Mogambique, dotado de no- tavel potencial hidrelétrico. Potencial que deveria (e foi) aproveitado pela industria sul-africana, pois Mogambique nao precisou de tanta energia elétrica (e sua paupérrima in- dustria nao o exigiria). O Zambeze deségua no Oceano Indi- co por um grande delta. Também Portugal deixou suas “ru- gosidades” no espa¢o africano, embora sua lenta conquista tenha sido a mais precdria e insuficiente. Apesar do desgaste econdmico, psicolégico e moral que a guerra no ultramar significava, 0 primeiro-ministro Marcel- lo Caetano continuava insensivel a situacado das forgas arma- das, pressionadas pelo reptidio internacional, pela impos: bilidade de vencer militarmente os rebeldes e com a perspec- tiva aterradora de ter de assumir sozinha a culpa de uma possivel derrota humilhante. Como o préprio Caetano reco- nhecia, a guerra de guerrilhas feita por um pequeno nucleo, num territério grande e pouco povoado, com agées de sur- presa, baseadas em zonas de apoio logistico situadas nas areas libertadas ou em territorio estrangeiro, exigia a presen- ga maior de um exército colonial de milhares de homens. Para enquadrar tropas tao numerosas na Africa, Caetano teve que promover 0 aumento do quadro de oficiais médios, aumentando 0 efetivo de oficiais permanentes de 3.305, em 1965, para 4.164, em 1973. Essa necessidade advinha da cada vez maior falta de in- teresse, por parte da juventude, pela Academia militar. Em 1961, o numero de inscritos na academia passava dos 500 e o de aprovados atingia aproximadamente a metade. Em 1973, o niimero de inscritos era 5 vezes menor e 0 de apro- veitados nao chegava a 100 aspirantes. Sobretudo a partir de 1967 comegou-se a formar mais oficiais a partir do qua> dro de sargentos. Mas a falta de tenentes, alferes e capitaes do quadro permanente diminufa a qualidade dessa forma- ¢a0. Até 1970, os centros de instrugao de quadros milicia- nos (escolas praticas, por exemplo) eram de responsabili- dade de oficiais do quadro permanente. Depois, os pré- prios oficiais milicianos passaram a formar nesses centros, especialmente no primeiro ciclo geral de instrugéo (Marte- lo: 32-36). 25 de abrit de.1974 27 Ainda assim, o governo fez aumentar cada vez mais o nt- mero de oficiais milicianos, que nao pertenciam ao quadro permanente das Forcgas Armadas. Por outro lado, também era grande o nimero de africanos recrutados para servigo militar nos teatros de guerra. Em 1973, 0 ntimero de milita- res africanos em servico em Mocgambique era maior do que o de metropolitanos (27.572 recrutados no local contra 23,891 portugueses metropolitanos). Maior ainda na Guiné (25.610 africanos nativos e apenas 6.425 metropolitanos). Em Angola eram 37.773 nativos e 27.819 metropolitanos. Tratava-se de uma “africanizaggo” da propria guerra colo- nial, © que trazia conseqiiéncias graves para 0 exército colo- nialista. Tanto a “africanizagao” quanto a “milicianizacao” violavam a natureza das forcas armadas, exteriormente iden- tificadas com a ideologia de um Estado Nacional e interior- mente com o principio da carreira militar e da hierarquia. Além do dbvio descontentamento com o servigo militar m regides indspitas, cm condices tao diversas da geogra- fia da metrépole, alguns militares, por motivos profissio- nais, foram obrigados a travar contato com livros sobre as guerrilhas (Mao Tsé-tung, Guevara, Giap, Marighela, Samo- ta Machel etc.), como foi 0 caso do major Otelo Saraiva de Carvalho, futuro comandante operacional da Revolucgao Portuguesa (ou pelo menos assim se refereria Aqueles tem- pos nas suas memorias). Crescia entre os oficiais a certeza de que uma guerra colonial nao poderia ser vencida no pla- no militar e que se deveria buscar uma solugao politica ne- gociada. 28 Rupturas Enquanto os portugueses tinham o dominio absoluto dos céus e dispunham de unidades especiais helitransportadas, com grande mobilidade e capacidade operacional, a ordem governamental de “resistir até o fim’, ainda tinha algum res- paldo militar, embora logo no inicio da guerra colonial o PAIGC ocupasse o sul da Guiné-Bissau e o exército portu- gués ficasse confinado 4 faixa leste do territorio, gragas ao apoio de parte da etnia fula. As tentativas mais sérias de re- vide militar, feitas entre 1964 e 1967, fracassaram. O arma- mento dos revoltosos era superior ao dos portugueses: os seus lanca-granadas-foguetes eram armas terriveis e de facil transporte e pontaria, enquanto os lusitanos sé tinham a pe- sada bazuca; a Kalashinikov (inventada por um soldado so- viético na Segunda Guerra), de menor dimensdo e peso, e com municdes leves, era também usada pelos guerrilheiros; por fim, a entrada de misseis antiaéreos em 1973 na luta guerrilheira acabou com a superioridade militar portuguesa. Mas nao eram as armas o essencial. Eram superiores porque o Império estava em inferioridade. Os moveis de sua existén- cia dasagregavam-se. Os misseis tiveram importancia crucial na perda da supe- rioridade militar portuguesa porque conipensavam outras vulnerabilidades estratégicas. A miniaturizagao dos misseis tornou-os mais leves, mais baratos e sem perda de mobilidade da guerrilha (e toda guerrilha depende muito mais da guerra de movimento do que da guerra de posicgdes). Tudo isso au- mentou a poténcia e a precisdo dos ataques rebeldes, sem lhes retirar a capacidade de movimento e alcance espacial nas 25 de abril de 1974 29 areas beligerantes. No inicio do ano de 1974, 0 numero de agdes guerrilheiras da Frelimo — Frente de Libertagao de Mo- sambique, por exemplo, ja era espantoso. Numero de Agoes Guerrilheiras da Frelimo (1974) 600 400 200 0 Fev Mar Abr Mai Fonte: Tomé, 1984: 298 A agao rebelde cresceu muito entre fevereiro e margo € se estabilizou dai até o final de maio, o que mostra que 0 25 de abril nao fez recrudescer a agio guerrilheira, que apenas se manteve sempre em patamares “normais”, ou seja, altos. Além disso, em gerah,as tropas portuguesas estavam se fragmentan- do, com apoios logisticos escassos, politicamente isoladas, tanto internamente quanto internacionalmente. O isolamen- to da politica colonial portuguesa no cendrio internacional fi- cou nitido no dia 24 de setembro de 1973, quando a indepen- déncia da Guiné foi proclamada e obteve o reconhecimento diplomatico de 86 paises (mais do que o numero de nag6es que mantinham relagées diplomaticas com Portugal!) 30 Ruptaras A situagao politica portuguesa agravava-se cada vez mais, tanto interna quanto externamente. Em julho de 1973, a im- prensa mundial divulgou o massacre de cerca de quatrocen- tas pessoas numa colénia luso-africana, 0 que ajudou a des- prestigiar ainda mais as tropas portuguesas situadas em Afri- ca. Um més antes tinha se realizado, na cidade do Porto, o congresso dos combatentes do ultramar, que reuniu os mili- cianos (combatentes que nao pertenciam ao quadro perma- nehte das forgas armadas). Eles queriam obter facilidades para se profissionalizarem nas forgas armadas. Ao mesmo tempo circulou um abaixo-assinado contra o congresso, expressando a oposicao dos oficiais regulares. Para satisfazer os milicianos, Caetano editou o decreto- lei ne 353, de 13 de julho de 1973, abrandado pelo decreto ne 409, de 20 de agosto do mesmo ano. Esses decretos visa- vam preencher 0 escasso quadro de oficiais das forgas arma- das, posto que era grande o ntimero de baixas e até deser- ges, em virtude da guerra, dos salarios baixos e do despres- o das forgas armadas. Permitia-se assim que os comba- tentes do ultramar, milicianos, que nao eram soldados de carreira, pudessem depois de quatro anos de combate voltar 4 metr6pole e se tornar oficiais da escala ativa, fazendo um curso acelerado de dois semestres na Academia Militar (em vez de cursarem os quatro anos regulamentares dos oficiais de carreira). Isso ofendia a hierarquia das forgas armadas, na medida em que os novos oficiais, ex-milicianos, podiam até ultrapassar o grau hierarquico dos seus ex-comandantes no ultramar. 28 de abril de 1974 31 No dia 18 de agosto, cerca de vinte oficiais se reuniram no clube militar de Bissau e divulgarany uma carta-protesto contra © primeiro decreto. No inicio, o governo péde ter pensado em punir administrativamente os lideres dessa ma- nifestacao de indisciplina perante o alto comando das forcas armadas, mas deve ter desistido depois de saber do compro- metimento de tantos oficiais. Em 9 de setembro de 1973 ocorreu, sob 0 pretexto de um simples churrasco, na casa de campo de um primo do capitao Dinis de Almeida, nos arre- dores de Evora, a primeira reuniao de oficiais de baixo e mé- dio escalao, com destaque para os capitaes. Essa foi conside- rada a reuniao de fundagao do movimento dos capitaes. Em 6 de outubro, outra reuniao numa residéncia particular de Lisboa resultou numa circular lancada em 23 de outubro, que colocou Vasco Lourengo, Dinis de Almeida, Otelo Sarai- va de Carvalho e Vitor Alves, dentre outros, a frente da coor- denagio do movimento. Ora, mesmo depois que 0 governo suspendera os dois de- cretos em outubro, voltou a ocorrer nova reuniao de oficiais no Estoril, durante a qual j4 apareceram os primeiros pedidos de derrubada do governo pela forca. Em primeiro de dezembro, em Obidos, declarou-se a necessidade de substituir o governo de Marcello Caetano por meio de um golpe que restituisse as forcas armadas o seu prestigio. Foi entao “institucionalizada” a CCP (Comissio Coordenadora do Programa), responsdvel pela diregao do MFA (Movimento das Forgas Armadas). Em dezembro, a Comisséo Coordenadora reuniu-se numa casa de praia, na rua Barros de Castro, na Costa da Caparica, 32 Rupturas ii onde apareceu pela primeira vez 0 coronel Vasco Goncalves (presenga significativa porque integrava 0 quadro ativo da ofi- cialidade de primeiro escalao). Mandatou-se uma executiva para elaborar um plano de ago, composta por Otelo Saraiva de Car- valho, Vitor Alves e Vasco Lourenco. A 12 de janeiro, a CCP man- dou elaborar um mapa politico-militar do pais, mostrando a predisposigao de cada unidade militar para um golpe do MFA.O caminho para a insurreigao comegava a ficar mais explicito. Mas ‘como preservar as forcas armadas desafiando sua hieratquia? Esse dilema que acompanharia 0 movimento dos capities do inicio ao fim. E é por isso que, nesse interim, houve contatos com altos oficiais que pudessem ser simpaticos ao movimento. Havia ainda dividas, por parte da comissio coordenadora do MFA, sobre a continuidade da elaboracdo do seu proprio programa politico, Em 5 de margo de 1974, ocorreu a reuniao de Cascais, na qual se aprovou 0 documento “As forgas armadas e a nacao’, ja de indole nitidamente politica. Nessa reuniao, aconteceu finalmente a convergéncia de interesses entre alguns representantes dos milicianos e 0 movimento dos ex-cadetes. Entretanto, o que, genericamente, se entende por movimento dos capitdes é 0 dos oficiais do quadro permanente, posto que foram seus membros. Mas o documento de maior significado no periodo nao veio dos capitaes. O general Spinola, desejando antecipar-se a inicia- tiva deles e reaglutind-los sob uma critica moderada ao regime, fez antecipar a publicacao do seu livro-bomba “Portugal e 0 Fu- turo’, verdadeiro recorde de vendas. Admitindo que a domina- ga0 colonial estava num beco sem saida e que a solugao nao 25 de abril de 1974 33 poderia ser de natureza militar, somente politica, 0 general Spinola advogava “o reconhecimento dgs povos a autodeter- mjnagao” e 0 “recurso a consulta popular’, uma “solugiao fe- derativa” que contemplasse a independéncia progressiva das coldnias, por meio da sua integra¢éo numa “comunidadé lu- siada’, com eleigao democratica dos seus representantes. Os objetivos de Spinola eram moderados e constituiam uma al- ternativa conservadora, pois se apresentavam como antido- to a “desagregacdo de Portugal pela via revolucionaria’. O li- yro abalou pessoalmente 0 primeiro-ministro Marcello Cae- tano porque, ainda que moderado para as exigéncias revolu- cionarias dos capitaes, implicava o fim da estrutura de poder fascista ¢ era escrito por um alto oficial insuspeito, leal ao sa- lazarismo e herdi de guerra no ultramar. As divergéncias entre Spinola e o MFA eram muitas e cresceram na medida em que 0 novo poder instaurado em 25 de abril de 1974 teve que tomar medidas concretas para ter- minar a guerra na Africa. Inicialmente, todas as diretivas do MEA apontaram para a necessidade de construir um Estado democratico de Direito e nao uma ditadura militar, no que concordavam com as proposig6es aparentes de Spinola. Ain- da que muitos oficiais tivessem uma simpatia pelo socialis- mo, tratava-se de uma idéia vaga. Em conseqiiéncia, também a idéia de revolugao, mantida por tanto tempo nos subterra- neos da histéria, aparecia de forma igualmente vaga, subsu- mida a idéia de democracia. Era o instrumento para chegar- se a esta, portanto igualava-se mais a uma técnica militar (0 golpe de estado) com o fito de derrubar a ditadura. 34 Ruptaras Era a democratizacao do pais que unia as diferentes posi- Ges ideolégicas do MFA. Contudo, esses objetivos genéricos nao implicavam que nao houvesse posicées divergentes no seio do MFA, pois foi exatamente essa diversidade que imps 0 comedimento do programa politico. Toda a histéria poste- rior mostrou que foi a intervengao das massas populares e dos partidos politicos que imp6és uma nova dinamica ao MFA. E fez com que muitos assumissem posicées politicas Inais definidas (é verdade que o programa do MFA permitia leituras 4 esquerda, pois se resumia em democratizar, desco- lonizar e desenvolver o pais numa via antimonopolista e até socialista). Foram os grupos politicos civis que levaram as diferentes facgées militares a aprofundar suas conviccGes ideoldégicas. Isso explica que, na dinamica revolucionaria e contra-revolu- ciondria posterior ao golpe de 25 de abril, os grupos civis ti- veram uma importancia inversamente proporcional aquela que tiveram antes do golpe, quando sequer souberam com antecedéncia dos preparativos técnicos. Quando o MFA escolheu os generais Costa Gomes e Spi- nola como lideres de um futuro governo revolucionario, en- tregou a Spinola o “Programa de Agao politica do Movimen- to das Forgas Armadas’, e este o devolveu com modificagdes assinaladas 4 mao, constituindo um documento notével para se observar as divergéncias programaticas entre o general e os capitaes. Dentre as principais modificagdes propostas estao: retirar as expresses “abolicdo da censura’, “projeto politico’, “Suventude fascista”, “controle imediato da emissora nacional 25 de abritde 1974 35 Tle e da radio e televisao portuguesa’, “ordem democratica”. O general era contrario ainda a exclusao dos grupos e persona- lidades fascistas do futuro governo e a montagem do governo subordinada ao acordo entre o chefe de governo e a CCP — Comissao Coordenadora do Programa do MFA. Ele assinala- va, no topico sobre a permissdo para a formagio de associa- oes politicas, a expressao: “a discutir”. A adesio de Spinola, o general mais conceituado do exército portugues, e de Costa Gomes conferiu ao MFA a imagem de que ele seria capaz de assegurar a continuidade hierarquica da instituigao militar durante a ruptura com o regime, facilitando 0 consentimen- to passivo da maioria dos militares ao golpe. A adesao de Spinola, entretanto, foi fundamental para conquistar 0 apoio dos militares indecisos e neutralizar aque- les que porventura quisessem manter 0 regime. O programa do MFA também era vago 0 suficiente para agrupar todas as oposicdes ao governo do professor Marcello Caetano e, com algumas modificagoes feitas por Spinola, acabou sendo ado- tado. Faltava apenas operacionalizar o golpe de Estado. Toda a preparacao técnica e militar do golpe ficou restrita a um ntimero pequeno de oficiais. Com varias manobras de contra-informacao, associadas 4 preocupagao da Pide (agora DGS — Diregao Geral de Seguranga) com o amtincio das opo- sigdes clandestinas de um 12 de maio “vermelho’, os revolu- cionarios lograram apanhar 0 governo de surpresa no dia 25 de abril. Antes disso, outro fator, aparentemente uma derro- ta, auxiliou o efeito surpresa: o golpe falhado de 16 de mar¢o. Nesse dia, uma coluna de soldados e oficiais sublevados saiu 36 Rupturas Se i sn i e do regimento de infantaria 5, das Caldas da Rainha, e se diri- giua Lisboa. Vendo-se isolados e sem apoio de outras unida- des do exército, os revoltosos foram obrigados a retornar para. sérem presos. Liderada por oficiz anos e, supostamen- te, mais proxima do general Spinola, essa revolta apenas pre- parou o 25 de abril. 0 MFA havia feito uma sondagem informal, junto as for- as armadas, sobre 0 apoio a um golpe militar: 50% eram fa- voriveis ao MFA} 15% participariam da acao golpista e 10% eram hostis. A aco militar que fez desabar 48 anos de regime fascista comegou as 23h do dia 24. Os emissores associados emitiram a senha combinada e 0 locutor Joao Diniz anun- ciou a musica “E depois do adeus’, cantada por Paulo Carva- lho. O pessoal do 102 grupo de comandos, reunido junto ao parque Eduardo VI, em Lisboa, ja estava preparado para to- mar de assalto a RCP. As 00h30, a Radio Renascenga tocou a miisica de Zeca Afonso “Grandola, Vila Morena”. ism Grandola, vila morena Terra da fraternidade O povo é quem mais ordena Dentro de ti, 6 cidade Dentro de ti, 6 cidade O povo é quem mais ordena Terra da fraternidade Grandola, vila morena 25 de abril de 1974 37 Em cada esquina um amigo Em cada rosto igualdade Grandola, vila morena Terra da fraternidade Terra da fraternidade Grandola, vila morena Em cada rosto igualdade O povo é quem mais ordena A sombra duma azinheira Que jd nao sabia a idade Jurei ter por companheira Grandola a tua voniade A misica foi escolhida pelo seu tom politico. Grandola é uma pequena cidade alentejana. Ora, este Alentejo, de terras adustas € escassas gentes, é a mais vasta regiao portuguesa. Dominado por propriedades maiores e pelo trabalho assala- riado rural, se distancia de um norte conservador, as vezes montanhoso e de pequenas propriedades. O PCP, apesar de seu cerne ser a organizacao do operariado urbano, tinha mais forga na organizacao dos trabalhadores rurais alentejanos. Muitas lutas foram travadas no Alentejo e sofreram a repres- sio da Guarda Nacional Republicana (GNR). Um dos casos mais impressionantes se deu exatamente nas imediag6es de Grandola. Era uma greve de mulheres. De camponesas. Cata- rina Eufémia, jovem militante do PCP, gravida e com um filho 38 Rupturas ao colo, foi ali fuzilada por um guarda da GNR. Ela se tornou miartir da causa comunista. Seu nome ainda hoje estampa ca- misetas e chapéus da juventude comunista. La se situa um monpmento em sua homenagem. Nao por outro motivo, a musica que celebra a cidade onde 0 povo é quem mais orde- na tinha sido proibida. Para depois se tornar 0 hino oficial da Revolucio dos Cravos! A 1h00 da madrugada, foi ocupada a central telefonica do batalhao de cagadores, para o controle dos telefonemas dire- tos nos gabinetes do contando. A 1h30, 0 capitdo Salgueiro Maia acordou seus subordinados, explicou as razdes do mo- vimento, obteve 0 apoio de todos e organizou a saida da EPC ~— Escola Pratica de Cavalaria, rumo aos ministérios, localiza- dos no centro da capital; as 3h, a Epam — Escola Pratica de Administragéo Militar — tomou a RTP — Radio e Televisao Portuguesa; logo depois foi a vez da RCP, na rua Sampaio Pina, e da Emissora Nacional, na rua de S. Margal, cafrem nas maos dos revoluciondrios. Os militares da EPC sairam de madrugada, em diregdo ao terreiro do pago, lugar dos ministérios. Os blindados iam a uma velocidade de 60 km/h; ao serem avistados por uma pa- trulha da GNR, essa se limitou a informar o servigo central de Lisboa, que retrucou: “Nao se inquietem, séo exercicios”. Quando o sol nasceu, ainda timido numa manha nevoenta, as ruas desertas comecgaram a despertar, enquanto meticulosa- mente tudo passava para o controle das tropas de Maia, in- cluindo o Banco de Portugal. Depois, seguindo informasgées fornecidas pelo Posto de Comando das operagées revolucio- 25 de abril de 1974 39 narias, situado na Pontinha, onde os majores Otelo Saraiva de Carvalho, José Eduardo Sanches Os6riose outros oficiais esta- vam a interceptar as conversas telefonicas do governo e a orientar os revoltosos de todas as regides, 0 capitao Maia se- guiu para 0 Quartel do Carmo, onde se escondia Marcello Caetano. Seguindo o cronograma das ages daquele que é 0 relato mais detalhado sobre a preparacao do levantamento militar, Alvorada em Abril, de Otelo Saraiva de Carvalho, pode-se ob- servar que os capitaes tinham extrema preocupagao com a in- formagdo e com o apoio da opiniao publica: o controle dos meios de comunicacao social (radio e TV) foi crucial e ante- cedeu a tomada de outros objetivos estratégicos. Depois do fracasso do precipitado golpe das Caldas da Rainha, a Comis- sao Coordenadora do Programa do MEA estabeleceu toda a codificagéo das agées e objetivos de natureza politica, tatica, psicologica, técnica e militar. Dentre os principais alvos do MFA estavam: aeroportos, a casa da moeda, 0 Banco de Portugal, a sede da CTT - Cor- reios, Telégrafos e Telefones (na praca D. Luis), 0 ataque a sede da Pide-DGS, a GNR, a Emissora Nacional, os fortes de Caxias, Peniche e da Trafaria (cadeias onde estavam os presos politicos), o QG da RML — Regiao Militar de Lisboa, a RCP — Radio Clube Portugués, garantia de seguranga nas residéncias dos generais Costa Gomes e Spinola e a tomada do QG da Le- gido Portuguesa (na rua Penha de Franga). A anilise do conjunto desses objetivos mostra que os ca- pitaes davam extrema relevancia ao controle da informag¢ao e 40 Rupturas - Se wei LT tinham objetivos de natureza politica que visavam criar um ambiente institucional realmente novo em Portugal, com a soltura dos presos politicos e a extin¢ao da policia politica da ditadura. As medidas econdmicas, para evitar uma eventual fuga de capitais, se representavam no controle da casa da moeda ¢ do Banco de Portugal. Antes do amanhecer, o MFA ja detinha as principais fon- tes de informagao audiovisual e fez o primeiro comunicado publico, Seguiram-se varios outros por toda a manha, pe- dindo que a populacado permanecesse em casa, que as forcas paramilitares nao resistissem,e que sé os funciondrios dos hospitais fossem trabalhar, para socorrer os feridos de uma eventual luta militar. Uma vez controlada a informacao, fal- tava o aspecto simbélico da rentncia formal de Marcello Caetano. E coube ao capitéo Salgueiro Maia protagonizar este evento, para o qual se preparava desde que recebera ins- trugdes de Otelo Saraiva de Carvalho, no dia 23 de abril. Quem era Salgueiro Maia? Importante um paréntese so- bre ele, pois sua figura simbolizou a generosidade da Revo- lugao e ele foi o personagem principal do filme de Maria de Medeiros (“Capitaes de Abril”). Salgueiro Maia nascera em Castelo de Vide. Fez os estudos secundarios no Colégio Nun'Alvares, em Tomar e no Liceu Nacional de Leiria. En- trou para a Academia em 1964 e em 1966 ingressou na Esco- la Pratica de Cavalaria de Santarém. Combateu na Guiné e em Mogambique, j4 com a patente de capitao. Era estudante de sociologia entre as duas comissoes de Guerra cumpridas no ultramar. 25 de abrit de 1974 41 © que deve impressionar o historiador nao sao apenas 0 fatos ruidosos e excitantes do dia 25 de-abril. Mas a faci- lidade com que 0 governo caiu. A impossibilidade do con- tra-ataque. A recusa, mesmo dos indecisos e recalcitrantes, em disparar contra os revoltosos. Um exemplo: no “caminho da revolugao” surgiu a pri- meira coluna de soldados fiéis ao governo e fortemente ar- mados, mas eles se recusaram a obedecer ao comando e se confraternizaram com os revoltosos. Outro exemplo: Na Praga do Comércio, 0 perigo residia na fragata F473, Gago Coutinho, que cruzava o rio Tejo a todo momento. O Pos- to de Comando posicionou a artilharia contra a fragata, mas nao foi preciso atirar. Houve um motim a bordo. Mas retornemos as idéias. Porque eram idéias novas que os capities poderiam divulgar, uma vez conhecedores da yitéria. Somente no fim da tarde houve um comunicado oficial do MFA, detalhando os objetivos politicos do levan- te militar. A cautela dos comunicados matinais talvez tenha correspondido o receio de que 0 movimento fracassasse € seus articuladores ficassem ainda mais comprometidos; s6 com a situagao militar definida é que se divulgou o progra- ma, que, embora nitidamente democratico e antifascista, era vago 0 suficiente para suscitar todas as expectativas possiveis. A intervencio popular também suscitava dividas. Nao haveria mais um exército disposto a atirar em civis. Os ulti- mos a fazé-lo foram os policiais da DGS, na rua Anténio Ma- ria Cardoso. 42 Rupturas Portugal conseguiu, inicialmente, livrar-se de todos os males de uma revolucao, sem perder a “energia revolucion: ria’, Assistiu-se a.um golpe de estado sem grandes violéncias, mas que alterou radicalmente as estruturas politicas e econé- micas, embora nao contasse com liderangas carismaticas ou mesmo simplesmente conhecidas pela populagao. Por isso, logo apés 0 25 de abril criou-se um vacuo de carisma: a revo- lugdo militar estava 4 procura dos seus lideres civis. Apesar disso, foram militares os chefes dos governos provisérios que se seguiram. O primeiro lider politico civil a se avistar com a Junta de Salvagéo Nacional (JSN) foi o socialista Mario Soares, convidado para representar 0 novo governo junto a comu- nidade internacional. Em seguida foi a vez do secretério- geral do Partido Comunista Portugués, Alvaro Cunhal, ser recebido no aeroporto pelos militares do MFA e transpor- tado num blindado! Na historia dos homens imperioso é, para além dos acontecimentos, ouvirmos os discursos. O que revelavam de “novo”? Na sua alocucao de chegada ao aeroporto, Cunhal expés as cinco demandas do PCP: con- solidar as “conquistas democraticas” de 25 de abril; legali- zar os partidos politicos; pdr fim a guerra colonial; satisfa- zer as reivindicagdes imediatas dos trabalhadores; e asse- gurar a realizacao de eleigGes livres para uma Assembléia Constituinte, A Revolucao dos Cravos veio a terminar este tiltimo suspiro do Império Colonial Portugués que foi a ditadura de Marcello Caetano. Preso no Quartel do Carmo pelo Capitao Salgueiro 25 de abril de'1974 49 ee Pe ee Maia, ele foi levado a um aeroporto. Partiria em seguida para o Rio de Janeiro. ° Inicialmente, a Revolugao nao encontrou lideres politicos civis. Assumiu a presidéncia da Reptiblica o General Antonio Spinola. Ele nao pertencia ao MFA, mas havia sido destituido da chefia do Estado Maior das Forcas Armadas, juntamente com o General Costa Gomes. Isso porque havia escrito um li- vro que defendia uma solucio federalista para o Império Co- lonial no livro “Portugal e o Futuro”. Somente no Primeiro de Maio apareceram publicamente os lideres civis que a Revolugao precisava. Foram eles Alvaro Cu- nhal e Mario Soares, lideres do Partido Comunista Portugués (PCP) e do Partido Socialista (PS). O PCP eo PS estiveram juntos por escassos momentos. A uniao do Primeiro de Maio logo seria substituida pela desconfianga miitua até chegar ao rompimento. Eram parti- dos de idades hist6ricas distintas. Filhos de conjunturas di- ferentes e de eventos igualmente diversos. Um, comunista, filho da Revolucao de Outubro de 1917 e adepto do mode- lo leninista de organizagao. Outro, social-democrata, de li- nha reformista. A conjuntura também os separava. Em fins dos anos 50, dois acontecimentos selaram o inicio de uma nova conjuntura politica no interior das esquerdas. O Con- gresso de Bad Godesberg, na Alemanha Ocidental, climinou qualquer referencial marxista da Social Democracia alema. E 0 XX Congresso do Partido Comunista da Uniao Soviéti- ca permitiu que os PCs ocidentais ingressassem numa fase de defesa da democracia parlamentar como caminho possi- 46 Rupturas vel para o socialismo, até que 0S mais afojtos aderissem ao eurocomunismo, como o fizeram PCs tao diferentes, como 0 japonés, o brasileiro, o espanhol, © sueco e, particular- mente, 0 italiano. Enquanto a Social Democtacia manteve variadas formas de aproximagao com o espirito de Bad Godesberg, os comu- nistas também oscilaram em relacéo ao XX Congresso sovié- tico. Alguns racharam em dois ou mais pedacos. O PCP se- guiu uma linha sui generis, Aderiu inicialmente as diretivas soviéticas. Depois, em meados dos anos 60, afirmou a via in- surrecional para a superagao do salazarismo, E chegou a montar € apoiar um braco atmado responsavel por atenta- dos a alvos militares do regime. Ao mesmo tempo, nao dei- xou de manter contatos com setores interjtos as Forcas Ar- madas e também nao rompeu com a Uniao Soviética. O PS, por seu turno, manteve-se na ala direita da social democra- cia européia. Mério Soares estava mais préximo de Brandt da Alemanha Ocidental. Era uma divisao anunciada. De uma lado, 9 mais ortodo- xo dos PCs da Europa Ocidental. De outro, um PS mais afei- to a um socialismo de tipo liberal. Recém-adaptado para uma linguagem esquerdista, ¢ verdade. Mas isto fazia parte das exigéncias da época. A Revolugao dos Cravos obrigou to- dos os partidos a falar um linguajar socialista, Todavia, as divergéncias que ocorreriam nos partidos po- liticos teriam origem nas contradi¢Ges internas do préprio MEA, Ou o MFA, ao ecoar essas divergéncias, dar-lhes-ia um peso desmedido. A agao do MFA seria, por sua vez, agugada 25 de abril de 1974 45 pelas sucessivas tentativas de golpes contra-revolucionarios. O MEA nao demorou a se chocar com © proprio presidente Spinola, afinal ele fora um homem de confianga do Antigo Regime e travava o processo de descoloniza¢ao. Pressionado, apelou para uma tentativa de golpe com apoio popular (a “maioria silenciosa”) em 28 de setembro de 1974. Derrotado, foi substituido pelo General Costa Gomes. Mas 0 poder exe- cutivo estava de fato nas maos de um militar de confianga do MEA, 0 Coronel Vasco Goncalves, que se tornou Primeiro Ministro do Segundo Governo Provisorio, em substituigéo ao jurista Palma Carlos, j4 em julho e, agora (30 de setembro de 1974), iniciava o Terceiro Governo Provisério. Palma Carlos era da confianca de Spinola. Simultaneamente, foi criado o Copcon (Comando Operacional do Continente), que dava amplos poderes de comando sobre todas as forcas militares do pais ao Major Otelo Saraiva de Carvalho. " . Assim, o poder executivo, embora partilhado por todas as forcas politicas, tinha na sua chefia um coronel que cedo re- velou seu pendor terceiro-mundista, sua aproximagao com os comunistas e sua defesa de um novo império. Alto la, nao na forma imperial, mas de uma comunidade de homens livres e iguais, fossem eles portugueses, africanos ou brasileiros. Ideal tao elevado significava, do ponto de vista geopolitico, dar as costas 4 Europa e soldar-se aos oprimidos do mundo inteiro. Evidentemente, ele foi visto pelos ingleses, alemaes ocidentais e norte-americanos como um protocomunista. Dai 0 apoio que dedicaram Callaghan, Brandt e o embaixador Frank Car- lucci ao PS de Mario Soares. 46 Rupturas A Revolugao Portuguesa, na sua tarefa historica de realizar o programa liberal oitocentista, precisava, naquela conjuntu- ra historica, falar uma linguagem socialista. Toda a politica portuguesa deslocou-se a esquerda. Monarquistas falavam em socialismo. Conservadores defendiam a “ordem revolu- cionaria” (desde que fosse uma “ordem”). Porque, do dia para a noite, explodiu o chamado poder popular. Comissées de mulheres aguerridas tomaram as creches, trabalhadores con- trolaram fabricas, bancos, fazendas. Soldados se organizaram, oficiais defenderam grevistas. No dia 11 de margo de 1975, oficiais spinolistas tentaram golpear a Revolugao. Derrotados, sé ajudaram aradicalizar 0 governo. Surgia o Quarto Governo Provisério. Vieram as na- cionalizagées de bancos, empresas de seguros, industrias, meios de comunicacao. Mas surgia uma tensao no processo : de radicalizacado. A Assembléia Constituinte, recém-eleita, se arvorava como defensora da democratizacao. No governo, 0 PS ¢ o PCP se distanciavam. Por ocasiao da ocupagao do jor- nal “Reptiblica’, cujo diretor era um socialista, os militares e © governo resolveram apoiar os trabalhadores. O PS saiu do governo. O Quinto Governo Provisorio nasceria fragil ¢ se- ria efémero. Essa divisao se refletiu no MFA. O Movimento rachou em trés pedacos. Um setor permaneceu fiel ao governo. Outro 0 desejava mais a esquerda e defendia um modelo de poder po- pular e outro, mais moderado, parecia inclinar-se a um socia- lismo metido entre uma proposta social-democrata e a co- munista. Trés lideres militares encarnaram: essas op¢6es: 0 25 de abril de 1974 47 Coronel Vasco Goncalves, o Major Otelo Saraiva de Carvalho eo Major Melo Antunes. % Aqui reside uma peculiaridade impressionante da Revolu- io dos Cravos. Apesar de seus limites, do peso da longa du- racao sobre os ombros dos homens e mulheres de abril, ela esbogou a hipotese de um pluralismo socialista, Seria a pri- meira tentativa de um modelo publico e nao estatizante em economia e democratico, mas nao liberal em politica. Ou seja, uma democracia socialista, formal e substantiva, politi- ca e econdémica. Evidentemente, tal hipdtese nao se realizou. Em agosto caiu 0 governo de Vasco Gongalves, substituido pelo Sexto Governo™ Provis6rio, chefiado pelo almirante Pinheiro Azevedo. Os mili- tares “goncalvistas” foram passados a reserva. Restava o setor li- gado ao Copcon ¢ a Otelo, cada vez mais esquerdista. Em 25 de novembro, a pretexto de conter uma sublevacio dos paraque- distas da base drea de Tancos, 0 governo expurgou os militares radicais de esquerda das Forgas Armadas. Otelo foi preso. E mesmo os militares moderados do MFA, os quais conseguiram conter a fiiria dos profissionais do Tenente Coronel Ramalho Eanes (mais tarde presidente cleito de Portugal), foram lenta- mente jogados em posigdes subalternas ou de escassa impor- tancia no conjunto das Forgas Armadas. Predominaram os que queriam a volta dos militares aos quartéis contra aqueles que defendiam um exército revolucionario. Trinta anos depois, sabemos quais foram os destinos pes- soais ¢ as escolhas dos oficiais e civis que participaram da Revo- lugio dos Cravos. Mas pouco conhecemos das estruturas poli- 48 Ruptura: ticas, ideolgicas e mentais que limitaram suas escolhas. Eles podiam ter ido além? Seu tinico legado foi a sua generosidade. ‘Tanto a Revolucao Francesa (1789) quanto a Russa (1917) des- pertaram energias e sonhos em grande parte jamais realizados. Portadoras de sentimentos espléndidos, a sua pratica nem sem- pre foi consentanea com seus propésitos. Mao ‘Tsé-tung, um herdeiro da velha tradigao, resumiu a pratica revoluciondria ao mostrar que fazer uma Revolugao nao é como ir a um jantar, trata-se de um ato de violéncia inaudita. Talvez por isso Robes- pierre, 0 incorruptivel, expressasse a virtude, a honestidade, mas jamais a cleméncia. Talvez por isso todos souberam definir, nos tiltimos duzentos anos, a liberdade e a igualdade, mas nao a fraternidade. O 25 de abril de 1974 derrubou um governo fas- cista quase pacificamente, gragas ao apoio popular a acdo arma- da. Nenhuma das divergéncias graves que surgiram no Proces- so Revolucionario desbordou para uma guerra civil aberta. Houve expulsées e prisées. Houve mais exilados do que perse- guidos. E nao houve paredao, Do ponto de vista estrito da téc- nica do golpe de Estado, essa pode ter sido a fraqueza da Revo- lugao. Mas dai também ela retirou a sua legitimidade. A Revolucio dos Cravos, ocorrida no ultimo dos impé- rios coloniais, teria reservado a este pequeno grande pais da Europa um lugar novamente destacado na histéria? De fato, nao sabemos se cla foi a tiltima revolucao do velho modelo ou a primeira tentativa de uma nova revolugao que garanti- r4 o pluralismo socialista. Os capitaes de abril tinham como seus objetivos a liberdade e a igualdade, mas sua pratica foi a fraternidade. : 25 de abrikde 1974 49 — Por fim, cabe uma tiltima palavra sobre o impacto desses acontecimentos no Brasil. Brasil e Portugal trilharam caminhos que se distanciaram cada vez mais desde 0 reconhecimento da independéncia brasileira (1825). Neste momento, para todos os efeitos, finda o Segundo Império Colonial Portugués ¢ se inicia o Terceiro, Em verdade, Portugal sé ocupa e explora definitiva- mente suas coldnias africanas depois da partilha da Africa Ne- gra em fins do século XIX. A Africa, paradoxalmente, ser4 um elemento-chave nas aproximacoes e distanciamentos entre Brasil e Portugal. Du- rante 0 século XIX, o fluxo de capitais de portugueses radi- cados no Brasil para Portugal persiste alto e de grande im- portancia para a balanga de pagamentos portuguesa. O in- verso nao é verdadeiro. Franca, Gra-Bretanha e, mais tarde, os Estados Unidos tornam-se muito mais significativos tan- to para a nossa balanga comercial quanto para a de paga- mentos. Os maiores investidores em Sao Paulo, por exemplo, eram ingleses. No século XX, Brasil permanece como a terra de atracao para imigrantes lusos. Essa situagao se atenuaré a partir da me- tade do século. Nos anos 60, Franga, Australia, Canada e Esta- dos Unidos ja se tornam sorvedouros maiores de imigrantes portugueses do que o Brasil. Nesse decénio, iniciava-se a Guerra Colonial na Africa. Portugal mobilizava milhares de soldados e oficiais e desviava vultosos recursos para sustentar a guerra. Todavia, no inicio dos anos 70 trés fatores tornaram invidvel a Portugal a manu- tencao do esforgo de guerra. Em primeiro lugar, a perda da 50 Rupturas supremacia aérea. Os guerrilheiros, com misseis portateis de procedéncia soviética, derrubaram muitos avides e helicépte- ros portugueses. Desse modo, os oficiais nao queriam mais se comprometer numa guerra destinada a derrota e que lhes roubava o prestigio ea honra. Afinal, eram partes de um exér- cito colonialista. Em segundo lugar, houve uma ampla conde- nago internacional ao sistema colonial. Em terceiro lugar, 0 regime comegou a perder apoio da populagao civil na medi- da em que representava uma ameaga permanente de recruta- mento de jovens para a guerra. A volta de corpos baleados ou mutilados impressionava as familias do interior do pais. As- sim, a critica ao salazarismo ultrapassava a capital e atingia as aldeias tradicionalmente conservadoras. Neste momento, a ditadura de Salazar encontra uma pro- ximidade ideologica com a ditadura militar brasileira. Ambos eram governos de contengao do comunismo e apoiados pelos norte-americanos. Todavia, com o avan¢o da politica de nao alinhamento e a tentativa brasileira de afirmar sua soberania como poténcia regional, a nossa politica externa inclinou-se mais as causas de paises do chamado Terceiro Mundo, apesar da politica interna repressiva. Evidentemente, isso nao significava reconhecimento diplo- miatico de Cuba, mas implicava arroubos independentes, como os tratados com a Alemanha Ocidental para o programa nuclear nacional. Assim, o Brasil distanciou-se sutilmente de Portugal na questo colonial. O reconhecimento da ONU a independéncia de Guiné Bissau, por exemplo, levava a comunidade internacio- nal a ver com reservas a politica colonialista lusitana. 25 de abril de 1974 51 ele em nee Quando eclode 0 25 de abril, a ditadura militar brasileira re- conhece rapidamente 0 novo governo, chefiado pelo General Spinola, mas acompanhara com apreensao as vicissitudes do processo revoluciondrio. 52 Rupturas ELATOS “Alvorada em Abril” ainda é o relato-sintese da Revolugio dos Cravos. O autor é Otelo Saraiva de Carvalho. Esse ator frus- trado foi capitao em Angola de 1961 a 1963 e também na Gui- né entre 1970 e 1973, sendo um dos principais contestadores do Decreto-Lei ne 353/73, que deu origem ao Movimento dos Ca- pitaes e ao MEA. Era o responsavel pelo setor operacional da Comissao Coordenadora do MFA e foi ele quem dirigiu as ope- ragdes do 25 de Abril, a partir do posto de comando clandesti- no instalado no Quartel da Pontinha. Graduado em brigadeiro, foi nomeado comandante do COPCON e comandante da re- giao militar de Lisboa a 13 de julho de 1975. Fez parte do Con- selho da Revolusdo quando este foi criado em 14 de margo de 1975. Em maio do mesmo ano, integra, com Costa Gomes e Vasco Gongalves, o Diretdrio, estrutura politica de ctipula du- rante o IV e V governos provisérios, Sabemos como mais tarde foi preso em fungao dos acontecimentos de 25 de novembro de 1975. Candidato a Presidéncia, viria a ser derrotado, mas com expressiva votagao. Sempre ligado as alas de extrema esquerda da Revolucao, Otelo em sua obra tem o mérito de nao exprimir 25 de absilde 1974 53 tais tendéncias explicitamente. Seu relato termina na data de 25 de abril de 1974. E uma preciosa fonte de informagdes acerca da vida em Africa durante a Guerra Colonial (1961-1974), da for- magao do Movimento dos Capitaes e, principalmente, dos pre- parativos da agao militar do 25 de abril. A historiografia sobre a crise do Terceiro Império ainda é in- cipiente, em face dos enigmas que ainda cercam muitos dos fa- tos da Guerra Colonial e da Revolugao dos Cravos. Talvez por isso ainda sejam poucas as reflexdes que buscam superar a his- téria “acontecimental” e tentar explicar os fatores estruturais das mudangas r4pidas que Portugal viveu a partir de 1961. As obras de maior repercussao nao foram feitas por historiadores profissionais, mas por pessoas “interessadas’, ex-participantes da Guerra Colonial e do processo revolucionario. S40 mais me- miérias que histérias. Embora 0 queiram, nao buscam o ideal epistemoldgico da verdade objetiva, esse escopo inatingivel que deveria guiar o historiador. Assemelham-se a outro conjunto de relatos produzidos no calor da hora, as obras de reportagens. Foram varias. As reportagens da imprensa brasileira, de O Esta- do de Sito Paulo, das revistas Visto, Isto E, Veja, Manchete, dos al- ternativos Pasquim, Opinido, Movimento, buscavam falar do Brasil por intermédio de Portugal e tentavam resolver o para- doxo de comentar o fato de militares exercerem um governo de esquerda. Ainda estao a espera de um trabalho de pesquisa acer- ca da recepcao da Revolucao dos Cravos no Brasil. Trabalho para outrem, porque foge aos limites desta investigacao. Ha que se destacar ao menos trés obras contrastantes nas suas perspectivas teérico-metodolégicas: os livros de Cervelld, 54 Rupturas Medeiros Ferreira e Boaventura Santos, que sao tentativas de entender 0 processg politico a quénos referimos de uma pers- pectiva exclusivamente académica, pois a maior parte da his- toriografia acerca do periodo ainda ¢ composta de relatos jor- nalisticos, mem6rias e anilises politicas de pessoas envolvidas no processo. O historiador Josep Cervelld, ainda que preocupado com 0 impacto da Revolugao dos Cravos na transi¢ao espanhola a de- mocracia, buscou as origens da crise portuguesa no ano de 1961, inicio efetivo da Guerra Colonial, com algumas incursdes (nem sempre nitidas, em razao da confusa forma de exposicio) ao inicio do salazarismo. Ainda assim, interessa-lhe a historia politica dos acontecimentos. Medeiros Ferreira tentou demons- trar a predominancia de fatores politicos e institucionais na di- namica do processo revoluciondrio. Porém, sua pesquisa so abarca a curta duracdo dos acontecimentos do periodo pré- constitucional. Medeiros Ferreira nao abarca, como se preten- deu fazer nesta pesquisa, as tomadas de consciéncia e os proje- tos politicos alternativos, pois declara que “nossa tendéncia epistemoldgica é nao considerar como acontecimento histérico algo que nao passou de intengado sem qualquer execugao prati- ca” (Ferreira, 1983: 180). Concepgao restrita e delimitada do processo histérico em questao. Boayentura Santos fez uma interpretacao da crise do Tercei- ro Império, analisando, ao contrério de Medeiros Ferreira, as al- ternativas politicas que se colocaram para superd-la (inclusive as derrotadas) e o impacto social e econdmico que a solugao da crise trouxe para 0 Estado e a sociedade civil portugueses. Mas 25 de abril de 1974 55 no se trata de uma investigagao historica stricto sensu, arrima- da em fontes e vasta bibliografia, mas sim-de um trabalho de sintese da vida politica lusitana a partir de 1974. Mais impressionante, nessa perspectiva, é 0 caso de Rainer Eisfeldt. Ao discutir a possibilidade de um pluralismo socia- lista no vero quente da Revolugdo Portuguesa, ele avanga teoricamente na definicdo daquilo que muitos, desde 0 aus- tromarxista Max Adler, quiseram que fosse uma democracia socialista: convivéncia harménica de uma economia mista € socializada na base, com diversos tipos de propriedade publi- cae estatal, de uma democracia politica com sufragio univer- sal e preservacio de um espaco crescente para a democracia direta. Isso necessitaria do acordo daqueles ideais fluidos do Copcon com a defesa da legalidade socialista do grupo dos nove e do terceiro-mundismo de cor vermelha do governo Vasco Gongalves. Mas a historiografia também se dividiu por motivos de in- terpretacdo de acontecimentos localizados. Sem grande valia. Mas, por tras dessas divergéncias, nado estavam posiciona- mentos politico-ideolégicos? Vejamos o exemplo da revolta das Caldas da Rainha. As origens desse movimento precisas. O embaixador belga, Max Wery, afirmou que o le- yantamento das Caldas da Rainha obedecia as ordens do MPA, anuladas no derradeiro momento sem que a unidade pudesse ser avisada. Para Cervelld, o fato demonstrou que “o general Spinola alimentava 0 seu proprio projeto conspirati- vo ea sua propria organizagao, porque desconfiava profun- damente das intengdes dos capitdes” (Cervello: 172). o im- 56 Rupturas Involuntariamente, Pacheco Amorim confirma a segunda hipotese (de Max,Wery). No seu relato extremadamente antico- munista da revolugdo portuguesa, ele revelou o carater diferen- ciado que um golpe bem-sucedido em 16 de margo, de inspira- cdo spinolista, teria em relagdo aquele que se efetivou em 25 de abril. Para ele, os oficiais do MFA, supostamente comprometi- dos com a esquerda, ao nao agirem, sob o pretexto de que a acao era precipitada, eliminaram a parte spinolista do movimento. A tese toda nao se sustenta perante os relatos de varios participan- tes e da maioria dos historiadores, mas revelaria a hegemonia spinolista do movimento de 16 de margo e seu fracasso quase inevitdvel, posto que nao contava com as condi¢des politicas e militares para 0 sucesso. Alvaro Cunhal preferiu dizer que ao levantamento militar se sucedeu um levantamento popular. As fotografias da Revolugao constituem um documento iconografico de enorme valia para a confirmagao dessa mistura e simbiose entre os civis e os mili- tares na pressdo que levou a rentincia do governo. Mario Soares concordaria nesse aspecto com Alvaro Cunhal. Soares declara- ria que “o primeiro de maio transformou a revolta de militares por razGes conjunturais que tiveram a ver com a guerra colonial numa revolugao nacional e democratica”. Ora, sabe-se, pela do- cumentagéo amplamente difundida, que os objetivos “demo- craticos e nacionais” ja faziam parte do idedrio dos capitaes de abril. E essa também foi a memoria construfda por alguns de- les, como Salgueiro Maia. Corroboram essa tese diferentes historiadores e partici- pantes do movimento. O capitao Salgueiro Maia declarou que jamais o MFA se propés a se tornar um novo niicleo dirigente e definitivo do Estado, defendendo sempre objetivos democrati- © mesmo disse 0 capitao Vasco Lourengo, defendendo “a democracia acima de tudo”; as reivindicacdes democraticas do MEA apareceram nos primeiros textos de discussao e se reduzi- ram a “criar um novo poder politico sempre assente na legali- dade” (Ferreira: 51). Quando a Revolugao dos Cravos comemorou seus 20 anos, © momento foi propicio para reavaliagdes. O mesmo quando fez 25 anos. Boaventura Santos, alheio um pouco as datas re- dondas, escreveu que “as sociedades nunca comemoram 0 pas- sado, Comemoram o presente enquanto futuro do que de im- portante aconteceu no passado” (Santos, 1997). Assim é que en- contramos, no perfodo que transcorreu sob a presidéncia de Mario Soares em diante, a idéia de que Portugal retornaya a casa comum européia. Expressao que coincidia com outro pre- gador da época, o lider russo Mikhail Gorbatchey. Todos apon- tavam uma convergéncia implicita: Europa era sindnimo de de- mocracia formal e economia de mercado (ainda que social- mente regulada para alguns). Claro, um ou outro politico ain- da usou formulas gastas pelo tempo, remontando o 25 de Abril ao século XV! Entrementes, a retomada da vocagao européia era algo novo. Se lembrarmos das paginas iniciais deste estudo, se voltarmos os olhos para 0 inicio do século XIX (quiga antes), veremos idéias recorrentes. Infinitamente repetidas. Certo, com a roupagem do século! E 0 que fazer quando o préprio presente parece 0 passado revivido? O que as sociedades comemoram enquanto futuro de 5B Rupturas um passado que nao acabou? Que sobreviveu? Para isso basta- nos ouvir os historiadores? Os politicos? Os militares? Num an- dar mais baixo, é preciso ouvir, um pouco que seja, os cronistas de provincia. Os porta-vozes de aldeia. Os pequenos jornais. Suas apreciagGes sao por vezes involuntariamente comicas. Ca- recem de fundamento histérico. Mas revelam sentimentos que nao afloram nos dois grandes centros de Portugal (Lisboa, Por- to) ow nas universidades. Alguns preferiram ver 0 25 de Abril de outra forma. Houve quem achasse que o movimento dos capi- tdes nasceu da “inveja” que estes sentiram dos Oficiais milicia- nos. Ou que foi oriundo de reivindicag6es salariais. Ou que nao passou de um 28 de maio (referéncia ao golpe de 1926). Houve ainda quem preferisse comemorar 0 25 de novembro: a derro- ta da extrema esquerda. . Na extrema esquerda, também encontramos 0s estudos en- gajados. Entre os trotskistas encontramos: Pierre Naville e Ernst Mandel, além de artigos de Nahuel Moreno. Em torno do gru- po norte-americano da Monthly Review: Paul Sweezy, John Hammond, Charles Downs e Nancy Bermeo. Outros, em por- tugués, foram feitos por Vitor Matias Ferreira, Francisco Louga e Maria de Lourdes Lima dos Santos. A maioria deles ressaltou os aspectos internacionais do evento, inscrevendo-o numa con- juntura revoluciondria que se abriu em maio de 1968. Afinal, a Revolugao Portuguesa faz parte de uma conjuntura marcada pelo maio de 1968, a ofensiva Tet vietnamita, © outono quente italiano, as greves na Gra-Bretanha do inicio dos anos setenta, a Guerra do Kippur, a queda dos coronéis na Grécia, a transigdo a democracia na Espanha e na América Latinae, mais tarde, 1h 59 25 de abril de 1 rc 60 a Revolugao Sandinista e a Iraniana. Os autores esquerdistas dos Estados Unidos preferiram acentuar também (e com sélida pesquisa empirica) a revolugao dentro da revolugao, ou seja: os movimentos populares e de base no interior do processo revo- luciondrio instituido. Assim, Downs escreveu sobre comissdes de base (comunitdrias) e John Hammond dissertou sobre os movimentos populares na perspectiva da construgao de um po- der popular. Por fim, a ciéncia politica tratou da Revolugao dos Cravos sob 0 conceito de transicao e inseriu a ditadura salazarista no conceito de autoritarismo, ocultando as perspectivas e poten- cialidades revolucionarias do processo portugués e, por outro lado, mitigando a natureza fascista ou ditatorial do salazarismo. Essas abordagens, na linha dos importantes escritos de Guilher- mo O'Donnel, podem ser vistas em textos de Keneth Maxwell, por exemplo. Rupturas ' SS i IMAGEM-S/MBOLO A Revolugao dos Cravos foi acompanhada pela televisao e por fotégrafos do mundo inteiro. Cineastas também filmaram ‘08 acontecimentos a partir do 25 de Abril. Entre os brasileiros, 14 estava Ruy Castro. E para 14 foram José Celso Martinez Cor- réa e Glauber Rocha, por exemplo. O fotdgrafo Sebastiao Salga- do registrou tanto o processo revoluciona: a descolonizacao na Afri io em curso quanto Mais tarde, quando se deram os eventos de 25 de novembro de 1975, ficaram registradas as cenas de um capitaéo Duran Cle- mente, radical 4 esquerda, sem saber 0 que fazer com um esttt- dio a sua frente. O Major Melo Antunes, na televisao, defenden- do a existéncia legal do PCP. Os profissionais, novos donos do poder, controlando e reformando os meios de comunicagao. Isso porque a luta pelos meios de comunicagao foi uma das mais importantes da Revolugao Portuguesa. Ja no 25 de Abril, conforme o vimos. E depois. Em 1975, 0 caso “Republica” cor- reu o mundo. Este jornal, chefiado por um diretor socialista, foi ocupado pelos trabalhadores. O Comando Operacional do Continente (Copcon), chefiado por Otelo Saraiva de Carvalho, 25 de abrit de 1974 61 i 2 Rupturas deu razao aos trabalhadores. A imprensa mundial se mobilizou contra e a favor do jornal. © 25 de Abril trouxe uma vaga de imagens ¢ idéias impres- sionantes. De vegetarianos de bom humor a macistas, de ho- mossexuais a ecologistas, de feministas a trotskistas, todos pu- deram praticar suas esperancas. O MRPP, agrupamento maois- ta, imitava os dazibaos chineses com grandes jornais murais. Os proprios muros de Lisboa e alhures se encheram de grandes pinturas como se os militantes estivessem em plena Revolugao Cultural chinesa. E as fotografias desses murais revelam que eram feitos por varios grupos politicos, incluindo o PCP. O caso dos dazibaos é 0 mais impressionante. Portugal foi coberto de norte a sul por pichagoes, grafitti, cartazes e palavras de ordem. Os dazibaos sao cartazes gigantes que surgiram na Revolucao Cultural chinesa (1966-1976). O primeiro foi inven- tado por uma professora da Universidade Pequim. A Revolugao Cultural tinha na sua lideranga guardas vermelhos que se orien- tavam pelo pensamento de Mao ‘Isé-tung. Sua forma de expres- sao era a arte engajada, como a opera de Pequim, a critica lite- raria e de livros de histéria considerados “reacionarios” e, espe- cialmente, a vestimenta que buscava expressar a simplicidade camponesa e a igualdade e as artes graficas. Os dazibaos eram especiais porque eram feitos com a caligrafia chinesa, sempre escrita com requintes artisticos elevados. Em geral, as pichagdes e 0s grafitti eram obras do movimento estudantil e dos grupos de extrema esquerda. Em certos casos, havia uma disputa pela memiOria ¢ pelos icones. Catarina Eufémia era objeto da arte do PCP e da extrema esquerda. Alguns murais imitavam os dazi- QSde abrikde 1974 63 baos chineses, apresentando operdrios e camponeses lusos com ligeires tra¢os orientais. Todavia, a imagem-simbolo da Revolucao € 0 cartaz de uma crianga colocando uma flor num fuzil. Essa imagem capta to- dos os elementos simbélicos do imaginario da época, Uma re- volugao feita pelos capitaes, Portanto, teria de ter no centro sempre os militares por meio da arma representada no cartaz. Uma revolucao pacifica e generosa, além de voltada para 0 fu- turo, como atesta a presenca da crianga colocando uma flor na boca do fuzil. A imagem redimensiona a frase conhecida de Mao Tsé-tung (“Todo poder brota da boca do fuzil”). Ela tam- bém nos remete ao livro tao difundido de Maurice Druon, no qual Tistu, 0 menino do dedo verde, faz a cidade de “Mirapdl- vora” se tornar “Miraflores”, fazendo brotar o verde nas armas. A imagem ainda nos questiona sobre o realismo dela pré- pria. Afinal, a revolucdo foi dos cravos vermelhos € brancos. Ali, o cravo é vermelho. A inten¢do é a propaganda de uma re- volugao que, j4 no inicio, caminharia ao socialismo. Esse cartaz foi feito por Sergio Guimaraes no ano I da revolucao. E foi fo- tografada em demasia. Fotografias de soldados com flores na lapela ou nas maos foram amplamente divulgadas. Mais de uma versao se divulgou sobre 0 acaso das flores naquela revo- lugao. Mulheres que vendiam flores em Lisboa resolveram da- las aos soldados. Outra que voltava do restaurante onde traba- Ihava (naquele dia nao haveria expediente!) estava cheia de cravos que 0 patrao lhe dera, pois nao teria mais uso naquele dia. Entao, no Rossio, um soldado lhe pede um cigarro, Ela nao tinha, mas ofereceu-lhe um cravo. Logo, outros, achando en- 64 Rupturas gracado, também pedem cada um o seu. Por fim, a histéria de um casamento que nao houve.Ou de um carregamento de flo- res que voltou do aeroporto, fechado naquele dia pelos revolu- cionarios... , As fotografias de Carlos Granja, por exemplo, publicadas sob o titulo “25 de abril: fotografias’ so reveladoras desse olhar vol- tado para a violéncia virtual que nao se realiza e para a confra- ternizacdo do povo com os militares. Diferentemente, Sebastio Salgado procurou o Portugal profundo. Ele registrou os “retor- nados” da Africa no aeroporto de Lisboa. Um homem em seus trajes tradicionais e ao seu ladoa catélica mulher genuflexa. De- pois, voltou-se aos guerrilheiros da Africa. Aos politicos na pos- se do poder revolucionrio. Nas poucas fotografias selecionadas numa publicagio do PCP, pode-se ver a passagem da guerrilha ao poder, da revolugao a dominagao, da mistica a politica. Igualmente vemos essas diferengas na filmografia. Houve fil- me documentario que revelou 0 Portugal profundo em con- traste com o Portugal revoluciondrio. Usando as técnicas sovic- ticas do Kino'Trem com ressonincias de Dziga Vertov, o cineas- ta buscou os diversos tempos do seu pais. Ao lado da agitagao revoluciondria da urbe, o tempo das canges folcloricas de um pais que nao muda senao lentamente. Lideres politicos, como ta depois de sabemos, passaram a falar uma linguagem soci abril. Eram reacionarios travestidos de esquerdistas. Como fil- jo? O cineasta entao mia-los e apresenta-los num document resolve dar-lhes um tom de opereta, ridicularizando-os. Este € 0 filme “Bom Povo Portugués” Esse filme foi premiado na quar- ta mostra internacional de cinema de Sao Paulo (1980) e foi 25 de abril de 1974 65 realizado por Rui SimGes com texto de Teresa de $a a partir de imagens de arquivo. Diferente é “Capitaes de Abril”. Antes de mais nada, tenha o leitor em conta que “Capitaes de Abril” narra uma historia de amor. Nada mais estranho, dirao alguns, pois nao ha revolugao que se levante sem uma grande declaracao de amor ao seu pais, ao seu povo e, sobretudo, a liberdade. E, nao fosse tudo isso, fa- lamos certamente do dia mais importante da trajetéria do Por- tugal moderno. Entretanto, o filme de Maria de Medeiros pode ser melhor compreendido se cotejado com aquele “Bom Povo Portugués”. Ambos propdem uma memoria da Revolucao dos Cravos. O primeiro, preso ao dia 25 de abril, revela a generosidade dos ofi- ciais que derrubaram uma ditadura de quase meio século. Nao € por outro motivo que seu herdi é 0 capitao Salgueiro Maia (aquele que nao quis 0 poder). O outro, a moda dos documen- tarios russos dos anos 20 e 30, subyerte o seu préprio género, dando um tom cémico aos personagens, distorcendo a realida- de aparente para revelar a subjacente. Afinal, como dizia 0 ve- Tho Marx, se esséncia e aparéncia fossem idénticas toda a cién- cia seria supérflua. “Bom Povo Portugués” nao se fixa num dia, mas num pro- cesso. No fim, vemos outro heréi do 25 de Abril, o major Ote- lo Saraiva de Carvalho, assistindo ao poder que sonhara distri- buir ao povo voltar as maos dos profissionais. Nao por acaso, esse filme foi praticamente banido de Portugal. Seu herdi é 0 povo portugués, indiferente quase aos acontecimentos da su- perficie politica na sua eterna e recorrente vida cotidiana. E no 66 Rupturas minimo incémodo mostrar 0 rosto de Otelo, esse anti-herdi que arriscou tudo pela revolucao e, anos depois, foi condenado a 15 anos de prisao... Talvez nado menos incémodo seria o filme de Maria de Medeiros se os expectadores soubessem das perse- guicdes sofridas pelo Capitao Maia depois de abril... A historio- grafia (e talvez eles mesmos) preferiria vé-los como pélos anta- gonicos. O filme de Maria de Medeiros, embora nao fale diretamen- te de Otelo (que estava, com outros oficiais, no posto de co- mando da Pontinha, controlando todas as ag6es do 25 de Abril com o codinome Oscar), mostra 0 que os une. Fala do que li- gou todos os capitaes: nao a politica, mas o sentimento. Sua hist6ria procura ser fiel aos acontecimentos. Desde 0 momen- to em que os chaimites param no sinal vermelho (pois a revo- lugao respeitou as leis!) até o momento em que dois capitaes sao confundidos com pides (agentes da antiga policia salazaris- ta), embora essa histéria realmente tenha acontecido com Ote- lo e nao com Maia... Mas nao deixa de ter o olhar particular da autora, como ela mesma 0 confessa, no filme, por intermédio da menina que de- clara seu eterno amor ao herdi Salgueiro Maia. E da mulher que, na condigao de diretora, apostou nas palavras de ordem das mulheres portuguesas, estas ja tio mitigadas apds décadas de repressao. Nao estamos, por certo, muito distantes do maio de 1968, de modo que a Paris da possibilidade, a utopia dos re- primidos, j4 era anunciada logo no primeiro didlogo do filme, na noite anterior a revolugao. Momento emblematico desse dia viria a ser o flagrante desse mesmo casal, ao ser surpreendido 25 de abrilde 1974 67 fazendo amor dentro de um chaimite. Talvez a imagem mais proxima para a explosao revoluciondria registrada por Maria de Medeiros tenha sido a resposta de Goethe a revolugao de julho de 1830, na Franga: “O vulcdo explodiu, tudo esta ardendo, nao haver4 mais negociagoes”. E esse 6 um grande evento de outra histéria “ficcional” que encontramos no filme. A da guerra que uniu e desuniu um ho- mem e uma mulher. Encanta e deixa um sentimento de perda. Mas ela serve para falar de outro sentimento: a revolucao, por si s0, foi um ato de amor numa sociedade que reproduz a solidao. Foia busca de valores auténticos onde eles nao existem. Mas, de fato, eles existiram por alguns meses em Portugal. Talvez, como diz o heréi do filme, apenas para que os inimigos se tornassem menos visiveis. De todas essas imagens, todavia, pela singeleza permane- ceu na memoria do dia da liberdade, daquele 25 de abril de 1974, uma crianca e um soldado fazendo juntos uma revolu- Gao generosa. 68 Rupturas CONCLUSAO: DEPOIS DE ABRIL, A EUROPA Portugal integrou-se 4 Comunidade Econémica Européia em 1986, juntamente com a Espanha. Pouco antes (1981) a Grécia havia retornado aquela comunidade. Incluindo a Ita- lia (membro fundador), todo o sul da Europa Ocidental esta- va integrado, portanto. Nos anos 90, como parte da Unido Européia, ampliou-se o debate intelectual, politico e acadé- mico acerca do significado dessa adesdo portuguesa a politi- ca continental e o que ela representa, a saber: a suposta con- cretizagao dos ideais liberais do progresso material, democra- cia politica e economia de mercado. Se, por um lado, essa adesao aparece como dotada de uma funcionalidade inerente a entrada dos fundos comunitarios e a reproducao do capital, nomeadamente nos servigos € no tu- rismo, por outro, questiona-se a perda de soberania, 0 papel especifico portugués no mundo contemporaneo e as contra- digdes entre o projeto europeu e uma Constitui¢éo oriunda de um processo revoluciondrio que ratificou fortes direitos sociais. 25 de abritde 1974 69 No ambito da producao intelectual, tem surgido uma mi- riade de publicagées sobre o tema “Europa”. Elas abrangem ana- lises de conjuntura, interpretacao de dados estatisticos de varia ordem, debates politicos e juridicos etc. O que implica dizer que se trata de mostrar como evoluiu a idéia que em Portugal se for- jou acerca do continente europeu. E também como Portugal foi visto pela Europa. O encontro dessas visdes ao longo da hist6- ria reflete-se, ainda hoje, num pafs que quer se sentir europeu e ser visto como tal apesar das inegaveis defasagens materiais e culturais em relagao aos paises de além Pirineus. A Europa apareceu como antipoda da Africa. Como si- nénimo de democracia, revolugao, progresso. Enquanto a Africa pareceu significar “novos brasis” (Valentim Alexan- dre): colénias sobrantes de um velho sonho imperial. Essas mistificacdes ideolégicas escondiam realidades subjacentes muito evidentes para o historiador de hoje. O Portugal im- perial de Salazar era tao europeu quanto o Portugal da Rege- neragao. Inseriu-se na Europa na forma pela qual esta espe- rava. Os fascismos e as ditaduras dos anos 20 forneceram 0 ambiente polftico para Franco e Salazar. Assim como, a épo- ca das democracias parlamentares depois da Segunda Guer- ra Mundial, eles pareceram fora de contexto. Mas, na verda- de, foram funcionais para os interesses estratégicos da Otan (Organizagao do Tratado do Atlantico Norte) e para interes- ses econdmicos europeus e norte-americanos ligados a ex- ploragao colonial em Africa. Por tras daquelas formulac6es, escondiam-se pesadas ilusdes. 70 Rupturas Os circulos oposicionistas (liberais, republicanos, socia- listas) identificaram a crise sistémica e récorrente do Tercei- ro Império (1825-1975) com o “afastamento” da Europa. Os donos do poder preferiram asseverar a missao imperial e a busca de novos brasis no Continente Negro. Algo semelhan- te, mutatis mutandis, ocorria na Espanha depois do desastre de 1898 (derrota na Guerra Hispano-Americana). Parte da “geracio de 1898” difunde o conceito de hispanidad como sucedaneo ou compensacio pela derrota. O Império desfeito para fins praticos leva a critica da cultura politica espanhola. Em Portugal, o Império nao foi destruido. Ao contrario, ele se refez! Mas, com sinal trocado, a questao é a mesma: qual 0 lu- gar dos portugueses no mundo? Sao europeus ou tém uma missao propria? Perderam seu papel de passada grandeza para ser a cauda politica do Velho Mundo ou é ponta de lan- ca de uma tarefa civilizatéria de importancia mundial? Em Espanha, o debate envolvia casticistas e europeistas. Em Por- tugal, uns sao a favor da ditadura, outros da reptiblica (ou so- cialismo ou liberalismo ou qualquer nome que essa oposi¢ao viesse a ter). Tanto uns quanto outros padeciam de uma mesma ilu- sdo: a de um pais desarticulado dos espagos e das economias centrais ou dos ritmos europeus. Teoricamente, ja se sabia no 4mbito da Internacional Comunista que Portugal e Espa- nha ocupavam uma posigao interna num circuito global de acumulagao capitalista. Essa formulagao foi adotada pelo Partido Comunista Portugués (PCP). O processo de descolo- nizagao (anos 1950 e 1960) e as teorias do intercambio desigual 25 de abrikde 1974 71 (Arghiri Emanuel) revelaram e atacaram as relagdes centro-pe- riferia. Braudel e Wallerstein desenvolveram tais conceitos em pesquisas empiricas. Mas Portugal nao podia ser encaixa- do na periferia, na medida em que era metrépole de um Im- pério Colonial e combinava elementos da periferia e do cen- tro, Além de geograficamente estar na area européia. Ele é europeu, mas nao tao desenvolvido. E subalterno perante os Estados Unidos e a Europa Ocidental, mas foi também uma metropole, Portugal foi, assim, definido por Boaventura San- tos como semiperiferia. Conceito que era s6 descritivo e ne- gativo, nada normativo. Afinal, periferia era espacialmente apenas uma zona de transicao, na acepcao braudeliana. Zona-tampao. Sua identidade advinha do fato de ndo sere nao do fato de ser. Ou seja, era apenas 0 que nao podia ser, nem periferia nem centro. Para Boaventura Santos, o Portu- gal que foi Império Colonial no século XVIII era claramen- te semiperiferia: correia de transmissao situada entre Gri Bretanha, por exemplo, e as areas de exploragao colonial. Mas a perda daquele Império (e também do ultimo, desapa- recido em 1975) nao retirou Portugal da semiperiferia. Ele nado galgou a condigao central, mas também nao desceu a condicao periférica. Por isso, seria preciso definir positiva- mente 0 conceito. Boayentura Santos assevera com perspicdcia a natureza especifica e diferencial dessas sociedades semiperiféricas no contexto europeu. Acentuar o contexto é imprescindi- vel, pois isso diz respeito a uma espacialidade definida. Ainda assim, © conceito ainda nao da conta de por que 72 Ruplaras Portugal nao transitou para periferia, uma vez tendo per- dido sua funcionalidade como correia de transmissao. Dois fatores de ordem politica e geografica sao elucidati- vos. O primeiro fator foi que Portugal, sem ser um pais com potencialidade industrial consideravel, criou um Es- tado redistribuidor da mais-valia social (0 excedente eco- némico ou poupanga, em linguagem marxista), para além de suas capacidades produtivas. Essa criag4o sé foi possivel porque a transigao do Império a democracia parlamentar se deu mediante uma revolugao socialista ou que gerou ex- pectativas socialistas. Dir-se-ia (como um velho professor falava do México) que a burguesia portuguesa ‘foi tempe- rada pelo medo da revolugao. O menos determinante, mas nao negligencidvel, foi o fato de 0 pais pertencer a um continente europeu em expansio. Ora, continentes no sao apenas geograficos. Eles so histéri- cos. E Portugal é uma das fronteiras indeclinaveis do Velho Mundo, tanto em termos de transporte marftimo quanto em termos militares. “As sociedades semiperiféricas no contexto europeu ca- racterizam-se por uma descoincidéncia articulada entre as relacdes de produgao capitalista ¢ as relagdes de repro- dugao social. Esta descoincidéncia consiste no atraso das relagoes de produgao capitalista, ou seja, das relagdes en- tre capital e trabalho na esfera da producao, em con- fronto com as relagées de reprodugao social, ou seja, as relagées sociais que presidem aos modelos ¢ praticas 25 de abril de 1974 73 ta descoincidéncia é articula- dominantes do consumo. da em fungao de dois fatores: primeiro, uma estrutura de classes em que se salientam diferentes classes. de suporte que amortecem 0s conflitos entre 0 capital e o trabalho € eguram o avango relativo das praticas de reprodugao ; segundo, a centralidade do Estado na regulagao da economia. As sociedades semiperiféricas garantem a sa~ tisfagao relativamente adequada dos interesses imediatos de amplos setores da populagio (¢ nomeadamente o operariado, numericamente importante na estrutura so-~ cial da populagao) a luz dos modelos de consumo domi- nantes. Tal, porém, nado se deve a altos niveis de produti- vidade do trabalho nem a grande institucionalizagao for- mal da relagdo capital-trabalho semelhante 4 que existe nos paises centrais. Resulta, em geral, de um complexo te- cido social em que esta ultima relagdo se desenrola, o qual, por seu lado, cria mecanismos informais compensa- torios do atraso das relagdes de produgao e, por outro lado, pulveriza os conflitos sociais entre 0 capital ¢ 0 tra~ batho” (Santos, 1992: 109). As caracteristicas das sociedades semiperiféricas (em con- texto europeu) para Boaventura Santos sao: descoincidéncia entre relagdes de producao e a reprodugao social; situacao de semi-industrializagao; malha industrial adensada em se- tores tradicionais e competitividade baseada no achatamen- to dos salarios, As bases desse processo residem na forma de reprodugio da forga de trabalho. Ela se baseia no salario di- Th Rupturas reto, na agricultura familiar, na condig&o semi-proletaria de muitas familias e no salério indireto (agao estatal). Fatores conjunturais, como o peso dos juros de poupanga e rendi- mentos de retornados da Africa e de emigrados, também se fizeram valer. No campo do Direito, Portugal apresenta ou- tra especificidade (que nao convém aqui desenvolver), a sa- ber: sua constituic¢ao foi produto de uma revolucao socialis- ta, de modo que limitou a acao politica liberal e paralisou muitas reformas que exigiam ou a forma sub-repticia e ca- muflada em nfvel infraconstitucional ou a reforma consti- tucional (esta feita duas vezes). Portanto, Portugal apresenta simultaneamente dados es- tatisticos de paises pobres e padrdes de consumo sofistica- dos, além de alta escolarizagao numa relativa situagao de bem-estar material da populacio. O ntimero de alunos no ensino superior, por exemplo, se multiplicou por trés ou quatro vezes entre 0 periodo da revolucdo e o inicio dos anos 1990. O indice de pesquisadores em tempo integral, mantidos por bolsas (em milhares), subiu de 3 (1982) para 13,6 (1997). Mas esse bem-estar esté ligado nao s6 ao sala- rio direto e indireto, mas também a reproducao nao capita- lista de relagGes capitalistas, ou seja, combinagao de formas pré-capitalistas com capitalistas, como ficou dito acima. Essa situagdo hibrida foi também constatada pelo estudo empirico de quatro aldeias em torno de Coimbra feito antes e depois da Revolugao dos Cravos. Estudo impar e de notavel valor sociolégico realizado por F, Piselli: 25 de abritde 1974 75 “Dez anos mais tarde, todos os indicadores estatisticos demonstram que néo houve crescimento,a nivel macroe- conémico. O sistema produtivo é ineficiente ¢ desarticu- lado; mostra uma instabilidade estrutural e uma debili- dade intrinseca. Dois importantes indicadores do desen- yolvimento, salérios reais ¢ investimentos produtivos, cresceram com ritmo lento. A dinamica das exportag6es foi superada pelo crescimento das importagoes. Em par- ticular, o pais mostra maior dependéncia do exterior em trés areas decisivas: alimentagao, energia, maquinas e tec- nologia. O déficit com o exterior atinge 2/3 do PIB” (Pi- selli, 1996:7). O pais apresenta debilidades herdadas do passado, como 0 déficit comercial alto, compensado pelo equilibrio da ba- langa de pagamentos, sustentado na base da remessa de di- visas do exterior. Mas os indicadores sociais mudaram sen- sivelmente depois da Revolucao dos Cravos: “A andlise do aspecto social proporciona-nos uma leitura diferente: estamos perante um quadro de vitalidade, mo- vimento, mobilidade social ¢ bem-estar generalizado (embora relativo) que contraria com o pessimismo in- fundido pelos indicadores macroeconémicos” (Piselli, 1996:9). Em 1975 (ano-chave da Revolucao dos Cravos), 72,1% das exportagdes portuguesas dirigiam-se aos paises europeus € 78 Rupturas somente 11,2% a Africa. Outros 11,1% iam para o Continen- te Americano (com destaque para os Estados Unidos) e 3,4% e 2,2% para Asia e Oceania, respectivamente. As importacdes também eram européias (56,2%) e, nota bene, com boa par- ticipacdo americana (18,8%). Somente 7,4% das importagdes provinham da Africa, 1,5%, da Asia, e 2,2% da Oceania (Gas- par, 1981:136). Os dados também revelavam um déficit po- tencial bastante significativo em relagao aos Estados Unidos, que apareciam individualizados como grandes exportadores a Portugal, mas nao como compradores. Portugal importava 12,4% do total de seus produtos dos norte-americanos e di- rigia a eles somente 7,2% de suas exporta¢ées. Todavia, era, ja pelos numeros, um pais integrado a Europa no aspecto co- mercial e, com o esfriamento da Revolucdo dos Cravos no sentido liberal e capitalista, também no aspecto politico. 25 de abil de 1974 77 SIGLAS : AMEA — Assembléia do Movimento das Forcas Armadas ANC — Assembléia Nacional Constituinte AOC — Alianga Operério-Camponesa ARA — Acido Revoluciondria Armada BR — Brigadas Revoluciondrias Carp — ml — Comité de Apoio para a Reconstrucao do Partido Marxista-Leninista CBS — Comissées de Base Socialistas CCP — Comissao Coordenadora do Programa do MFA CCR - ML — Comités Comunistas Revoluciondrios — Marxistas-Leninistas 25 de abril de 1974 79 CDE — Comissio Democratica Eleitoral CDS — Centro Democratico Social CEMGFA - Chefia do Estado Maior General das Forgas Armadas CIOE — Centro de Instrugao e OperagGes Especiais CIP — Confederaco da Indtistria Portuguesa CML — Comité Marxista-Leninista COPCON — Comando Operacional do Continente CR - Conselho da Revolugao CTT — Correios, Telégrafos e Telefones DGS - Direcao Geral de Seguranga EMGEA - Estado Maior General das Forcas Armadas EPAM - Escola Pratica de Administragao Militar EPC — Escola Pratica de Cavalaria BUA ~ Estados Unidos da América 80 Rupturas FAP — Frente de Agao Popular FPLN — Frente Popular de Libertagao Nacional Frelimo — Frente de Libertagao de Mogambique FSP — Frente Socialista Portuguesa FUR — Frente Unida Revolucionaria GIS — Grupo de Intervengao Socialista GNR — Guarda Nacional Republicana JSN — Junta de Salvagdo Nacional LCI — Liga Comunista Internacionalista LUAR - Liga de Unidade e Aco Revolucionaria MES — Movimento de Esquerda Socialista MFA — Movimento das Forgas Armadas MOD — Movimento de Oposic¢ao Democratica MPLA — Movimento Popular de Libertacao de Angola 25 de abril de 1974 81 MRPP — Movimento Revolucionario do Proletariado MRPP - Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado MUD - Movimento de Unidade Democratica MUNAE - Movimento de Unidade Nacional Antifascista OCMLP — Organizacéo Comunista Marxista-Leninista Portuguesa OTAN - Organizagao do ‘Iratado do Atlantico Norte PAIGC — Partido Africano para a Independéncia da Guiné e Cabo Verde PC r— Partido Comunista (reconstruido) PCUS — Partido Comunista da Uniao Soviética PIB — Produto Interno Bruto Pide — Policia Internacional e de Defesa do Estado PM - Policia Militar PPD — Partido Popular Democratico 82 Rupturas PPM -— Partido Popular Monarquico PRP — Partido Revolucionério do Proletariado PS — Partido Socialista PSD — Partido Social-Democrata RAL — Regimento de Artilharia Ligeira RALIS I — Regimento de Artilharia de Lisboa RCP — Radio Clube Portugués RML ~ Regiao Militar de Lisboa RPM — Regimento de Policia Militar RIP — Radio e Televisdo Portuguesa SDCI - Servico de Detecgao e Coordenagao de Informagées SUV — Soldados Unidos Vencerao UDP — Uniao Democratica Popular UNITA — Uniao para a Independéncia Total de Angola 25 de abril de 1974 83 URML - Unidade Revolucionaria Marxista-Leninista URSS — Unido das Reptiblicas Socialistas Soviéticas 84 Rupturas CRONOLOGIA 1910 5 de outubro — Proclamacao da Republica. 1921 — Fundacao do PCP. 1926 28 de maio — Golpe militar. 1932 . 28 de junho — Salazar assume a presidéncia do conselho de mi- nistros. 1960 — Comega a Guerra Colonial. 1968 Agosto — Salazar sofre uma queda que 0 incapacita mentalmen- te; assume © poder o jurista Marcello Caetano. 1970 — Morre Salazar. 1973 13 de julho — O governo edita 0 Decreto-Lei ne 353 que irritou a Oficialidade média das forgas armadas. 9 de setembro — Primeira reuniado dos capitaes em Evora. 1974 5 de margo — Reuniao em Cascais em que 0 MEA aprova 0 do- cumento “As forgas armadas e a na¢ao”. 25 de abritde 1974 85 16 de marco — Tentativa frustrada de golpe militar feita pelo re- gimento de Caldas da Rainha. 25 de abril — Golpe vitorioso que derrubou Marcello Caetano; assume a Junta de Salvacio Nacional, chefiada pelo general Spinola, novo presidente da Reptiblica. 19 de maio — Grande manifestacao em Lisboa, onde se destacam Alvaro Cunhal e Mario Soares. 15 de maio — Assume o primeiro governo provis6rio, chefiado pelo jurista Palma Carlos. 8 de julho — Otelo Saraiva de Carvalho assume a chefia da Re- gido Militar de Lisboa, 17 de julho — Segundo governo provisério, chefiado pelo coro- nel Vasco Goncalves. 19 de julho — Spinola se retine com Nixon e recebe apoio dos EUA. 26 de agosto — A Guiné Bissau se torna independente de Portugal. 28 de setembro — A marcha da maioria silenciosa em apoio a Spinola é impedida por militares e civis de esquerda. 30 de setembro — 0 presidente Spinola se demite; assume a pre- sidéncia o general Costa Gomes e, como chefe do TIT gover- no provisdrio, o coronel Vasco Goncalves. 1975 1] de marco — Tentativa frustrada de golpe contra-revoluciona- rio feito por oficiais spinolistas. 26 de margo — Assume o IV governo provisério, chefiado mais uma vez por Vasco Gongalves. 25 de abril — Os socialistas ganham as elei¢Ses para a Assembléia Constituinte. 86 Rupturas 19 de maio — O jornal Repiiblica, dirigido pelos socialistas, é in- vadido e fechado pelo governo. 25 de junho ~ Independéncia de Mogambique. 5 de julho — Independéncia de Cabo Verde. 12 de julho — Independéncia de Sao Tomé e Principe. 11 de novembro — Independencia de Angola. 18 € 19 de julho— grandes manifesta¢6es socialistas contra 0 go- verno; aumenta 0 conflito PCP x PS, 8 de agosto — Assume o V governo provisério, chefiado por Vas- co Gongalves. 19 de setembro — assume 0 VI governo provisério, chefiado pelo almirante Pinheiro de Azevedo, sob a hegemonia do PS. 25 de novembro — Confronto militar entre a esquerda militar e os demais setores das forcas armadas. 1976 25 de abril — eleiges para a assembléia da reptiblica vencidas pelos socialistas. 27 de junho — O tenente-coronel Ramalho Eanes ¢ eleito presi- dente da Reptiblica. 22 de julho de 1976 — Assume 0 primeiro governo constitucio- nal, chefiado pelo socialista Mario Soares. 1977 — Lei de bases da reforma agrdria, beneficiando o latifiin- dio do Alentejo. 1978 — Mario Soares renuncia ao cargo de primeiro-ministro, diante de grave crise econémica. 1979/80 — sucedem-se cinco chefes de governo. Muitas leis re- volucionarias sao revertidas. 1981 — Ramalho Eanes ¢ reeleito presidente da Reptiblica. 25 de abril de 1974 07 1982 — O Conselho da Revolugao é abolido. 1985 — A centro-direita vence as eleicdes e Anibal Cavaco e Sil- va (PSD) torna-se primeiro-ministro. 1986 — Portugal é admitido na Comunidade Economica Euro- péia. Mario Soares é eleito presidente da Republica. 1991 — Mario Soares é reeleito presidente da Republica. 1996 — Jorge Sampaio é eleito presidente da Reptiblica e Anto- nio Guterres torna-se primeiro-ministro. Ambos sao socia- listas. 2004 — O primeiro-ministro conservador de Portugal, Durao Barroso (PSD), é indicado a lideranga da Unido Européia. 88 Rupturas BIBLIOGRAFIA Carvalho, Otelo Saraiva de — Alvorada em Abril. Lisboa: Ber- trand Editora, 1977. Cervelld, Josep Sanchez - A Revolugéio Portuguesa e a Sua In- fluéncia na Transigao Espanhola (1961-1976). Lisboa: Assirio e Alvim, 1993, Clarence-Smith, Gervase — O Terceiro Império Portugués (1825- 1975). 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SECCO/ N.F.N® DATA : 24/08/05 PREGO: 30 25 de abr de 1974 91 DADOS SOBRE 0 AUTOR Lincoln Secco nasceu na cidade de S4o Paulo em 1969, Estudou Letras e Histéria na Universidade de Sao Paulo (USP), onde também fez seu mestrado ¢ doutorado. E autor dos livros “A Revolugao dos Cra- vos” (Alameda Casa Editorial), “Gramsci e o Brasil” (Cortez Editora), co-autor de “A Revolucdo Chinesa” (Editora Scipione). E professor do Departamento de Histéria da USP. No dia 25 de abril de 1974, caiu a ditadura fascista que dominou Portugal ao longo de 48 anos. Deflagrado pelas Forcas Armadas, 0 movimento recebeu 0 apoio do povo, e 0 que era para ser um levante militar tornou-se de fato uma revolucao. Os soldados se surpreenderam ao receber flores e uma ovacao popular. O evento ficou conhecido como Revolucao dos Cravos. O dia entrou para a histéria por marcar a Co LiLctc melon bore On coe tential tre COR akeo sanyo con Segundo 0 autor da narrativa, Lincoln Secco, nessa data alguns sonhos se transformaram em realidade — como a chegada da liberdade — e outros foram adiados em busca de uma vitéria vec A Teco Te

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