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n 2 ° oll =) = a < 1S) Os trés estados do capital cultural PIERRE BOURDIEU “Tredugoo: MAGN DE CASTRO. evisda thence: MAR AUICE NOCRS ado oars in Aces deb owls Pain 30 bo A\ crocs cptal etal, rinsiaments, como uma bpd tese indispensivel para dar conta da desigualdade de desempeno escolar de criangas provenientes das diferentes classes sociais, relacionando o sucesso escolar", ou seja, os benelicos especificos que as criancas das dileronies lasses @ fragdes de classe podem obter no mercado escolar, & distibuic0 do cepital cultural entre as classes e fracbes de classe. Este porto de partca implica om uma ruptura com os pressupostos inerentes, fanto a visio comum que considera © sucesso ou fracasso escolar como efeito das “aptidées” naturais, quanto as teorias do “capital humano”” Os economistas tém. 0 mérito aparente de colocar expliciemiente a «questio da relagio entre as taxas de luero assogurada pelo investimento ecticetivo ¢ pelo investimento econdmico (e de sua evolucio). Entretanto, alem de sua medida do rendimento do investimento escolar s6 levar em conta os mnvestimentos ¢ 05 benelicios monetérios ou diretamente conversiveis em dinheiro, como as despeses decotrentes dos eludes €0 equivalente em dinkeiro do tempo dedicado ao estudo, els também no podem dar conta da patte relativa que os diferentes agentes ou asalferentes classes coneedem 20 investimento eccndmico @ ao investimento cultural pornaa constderarem, sistemeticamente, @ estruturacas chances iferen- faene, de amore ° dexalos de ume competinin ct Feta tip de corsaqurets nega 5 alem do minimo necessério reproducto da forca de trabalho menos valorizada em in dado momento histérico). Mas @, sem davida, na propria Kigica da transtissdo do capital cukural que reside 0 principio meis poderoso da oficacia ideolégica desta espécie ce capital, Sabe-se, por um lado, que a apropriacao do capital cakural dbjetivado = portanto, © tempo necessétio para redizi-le ~ depende, principalmente, do eaptal evltural incorporade pelo conjunto da familia ~ nor intermedi, entre cutras coisas, do efetto Amow generalizaco’ e de todas as formas de trarsmisséo implta, Sebe-se, por outro lado, que a acumulagio inieial do capital cultural ~ cordigéo da acumulagao répida @ facil de toda especie de capital cultural unl ~ 56 comeca desde a origem, sem atraso, sem perda de tempo, pelos membros das familias dotadas de um lorte cepital cultural: nesse caso, 0 tempo de acumiulacio engloba @ totalidade do tempo de sociaizacdo. Sequese que a trenstiss40 do capital cultural & sem dévida, forma mais dissimulada da transmissio herecitéria do capital por isso. no sistema das estratégias de reproducto, recebe um peso tanto malor quanto mals as formas diretas ¢ visiveis de transmissio tencem a sor mais fortemente censuradas @ controlades. Vise, imediatamente, que & por intermédio do tempo necesssrio & aquisicdo que se estabelece a ligacdo entre o capital economico e 0 capital cultural. Com efeito, as diferenges no capital cultural possuldo pela familia implcam em diferengas: primeiramento, na precocidade do inicio do empreendimento de transmissao ede acumulagdo, tendo por limite @ plena Uiiizacéo da totalkdade do tempo biologicamente disponival, fieande 0 tempo livre maximo a servigo do capital cultural méximo; € depots na capectlade assim definida para satisfazer as exigencias propriarnente cukurais de um empreendimento de aquisicdo prolongado, Alem disso, ¢ corrlativamente, 0 tempo durante 0 qual determinado ‘ndviduo pode prolongay seu empreendimento de aquisigéo depende do tempo livre ce sua familia pode Ihe assegurar, ou seja, do tempo liberado da necassidade econémica que @ a cordicéo da acumulagio inicial tempo que pode ser avallado como tempo en que se deixa de genhar 4. O gue dhatre esate “Anuar” genwalale. sep ofits dee @erjute de bere lai, “quicaon, parurents, ma, obj oles een patsy Todos agides quetacen Date de neo anberce nad, ov2cen tn eet aca por sua sph ext, em ic, un dos laoves estrada exposiaexcdarno tera am que o sesarverto ta IWanidads de exptd ual acamdade ro esa oetheds sumeria a ago west, ‘Ntomanente etree plo male ambien Sev sracata ao of daquao capa Ihlsincrporeds corce snrsaerse vse que. mean geragio, tesco geo sera sah ese costar como aso, 0 lalode use tama weal dues ru ‘esnensacraerte€ ur dos atres extras ce hlgen cpl oo do des tres jiekrasque esi Kara els de ecarvesia do captah 76 O ESTADO OBJETIVADO © capital cultural no estado objetivado detém um certo nimero de ppropriedades que se definem apenas em sua relago com o capital cultural itt sia forma incorporada, © capital cultural objetivado em suportes imateriais, tais como escritor, pinturas, monumentos ete., é transmissivel em sta materialidade, Uma colegéode quadios, por exemplo, transmite-se to bem (vendo melhor, porque num grau de eufemizacSo superior) quarto © capital econdmico, Mas o que é transmissivel @ a propriedade juridica e nao (ou nao necessariamente} 0 que consitul a condicdo da apropriacéo expecifica, ite &, a possessdo dos instrumentes que permitem desfrutar de uum quedo ou utilizar una maquina e que, limitando-se a ser capital incor- porado, séo submetidos as mesmas leis de transmisséo, Asin, os bens akureis podem ser objeto de ume apropriaggo matorial, qua pressupée 0 capital econémice, e de uma apropriagso simbelica, que pressupse o capital cultural. Por conseqliéncia, 0 proprie- {rio des instrumentos de prodlugio deve encontrar meios para se apropdar ‘u do capital incorporado que ¢ @ condicao da apropriagao especitica, cu dos services dos detentores dease capital. Para possulr miquinas, basta ter capital econdmico: pata se apropriar delas ¢ utiizé-las de acordo com sta estinacdo especiiica (definida pelo capital cientiica e tecnolégica que se encontra incomoredo neh), @ preciso dispor. pessoaimente ol por procuragio, de capital incorporado. Esse & sem devia, o furddamento da status ambigio dos “queclos’: se acentuames o fato de que ndo s40 08 possuicores (ro sentido estrtamente economico) dos instrumentos de produgio que utiizam ¢ que 6 tiram proveito de seu capital cultural vvernlendo os servicos e os produtos que ess2 capital toma possivels colceamo-los do lado dos dominados; se insistimes no fato de que tira seus beneficins da utilzacdo de uma forma particular de capital, colocarmo~ bbs do lado dos dominentes, Tudo parece indicar que, na medida em que eresce o capital cuitural incorporadonos instwimentos de provhigso (e, pela mesina re2’0, 0 tempo de incorporagao necessér'o para adauiir os meics que permitam sua apropriaggo, ou scja, para Obedecer & sua intentio objetiva, sua destinacto, sua funcao), a forca coletiva dos detentores do capital cultural tenderia a crescer, se os detentores da espécie dominante de captal nao estivessem em condigées de por em concarréncia os dleteniores de capial exkural ald, inclnados &concomencia pelas prOpiias condicdes de sua selecio e formacéo ~ e, em particular, pela logica da competigao escolar e do concurso) © capital cultural no estado cbjetivade apresenta-se com todas as aparéncias de um universo auténamo e ecerente que, apesar de ser 0 produto da acéo histérica, tem suas proprias leis, transcendentes vontades individusis, ¢ que ~ como bem mostra o exemplo da lingua ~ pertnanece itredutivel, par isso mesma, aquilo que cada agente ou mesmo 2 © canjinta dos agentes pode se apropriar (ou sea, a0 capital cultural incorporado). E preciso nao esquecer, todavia, que cle s6 existe e subsiste como capital aiivo e atuante, de forma materiale simbélica, na condiso de ser apropriado pelos agentes e uttizado como atria ¢ obseto das tas que setravarn nos campos da preclugao cultural (campo aristico,eientfco, eic) e, para além desses, no campo das classes socials, onde os agentes cbiem beneficios proporcionais ao dominio cue possuem desse capkal ebjetivado, portanto, na medida de seu capital incomporado’. O ESTADO INSTITUCIONALIZADO. [A cbjotivacao do capital cultural sob 2 forma do diploma & um dos mods de neutralizar certas propriedades devidas ao fato de que, estandle incorporado, cle tem os mesmos limites bioldgicos de seu suport. Com diploma, essa cartidéode competéncia cultural que confere 20 seu portacor tum valor corvencional, constante ¢ juvidicamente garantido no que diz respeito A cultura, a alquimia social produz uma forma de capital cultural que tem uma autoncrria relativa ern relagio ao seu portadore, até mesrio ‘em relagio ao capital cultural que ole porsui, efetivamente, em um dado ‘memento bistérico. Ela institut 0 capital cukural pela magia coletwva, da mesma forma que, segundo MerleauPonty, 09 vivos instituem seus arts através dos ritos do luto, Basta pensar no concurso que, a partir do continuum das diferenges infinkesimas entre as performances, produz dezcontinuidades duréveis e brutais, de tudo a0 nada, como aquela que separa o tltime aprovado do primetro reprovado, e institut uma chferenca de esséncin entrea competéncia estatutariamente reconhecida e garantida 0 simples capital cultural, constanternente intimado a demonstrar seu valor. Verse claramente, nesse caso, a magia performatica do poder de instituir, poder de fazar ver e de fazer crer, ot, numa s6 palavra, de fazer reconhecer, Néo existe fronieira que nao seja magica, isto €, imposta € mantida (is yezes, com risco de vida) pela erenca coletiva, “Verdade lem dos Pirenaus; era além’. & amesma diacrisis onginana que insu © grupo como realidad, a0 mesmo tempe, constante (ou seja, transcen dente acs indivicuaos), homogénea e diferente, pela instituicao arbitedria ¢ desconhecida como tal de uma frontetra jurdica, @ que institui 05 valores Ulkimos do grupo, aqueles que tém por principio a crenca do grupo ern seu propria valar e que se delinem na aposigao aas outros grupos. [Ao conferir a0 capital cultural possuido por determinado agente umn reconhecimento institucional, 0 certilicado escolar permite, alérn disso, a |5. Tomes; main cs snag vein avg allen eve «cai tur biti ‘Bont por clone #2 neste) cyt etl sorparda, suse dae cata e eco doespite plata ch sv porte ds ego po tina ch gage plo peed. 8 comparagin entre os diplomados e, até mesmo, sua “permuta’ (substiin- ddo-os uns pelos outros na sucessdo),permnlie também estabelecer taxes de convertibiidade entre o capital cutural e 0 capital econémica, garantindlo 6 valor em cinheiro de determinaco capital escolas. Produto da conversa de capital econémico em capital cultural, ele estabelece o valor, no plano do capil cultural, do detentor de determinado diploma em relagéo 20s outros detentores de diplomas e, inseparavehnente, 0 valor em dinheiro peloqual pade sertrocado no mercado detrabalho —oinvestimento eseclar $6 tem sentido se um minimo de reversibiidade da conversao que ele implica for objetivamente garantido, Pelo fato de que os beneficios mate- tials simbaleos que o certificada escolar garante, denendem também de sua rarddade, pode ocorter que os invastimentos (ern tempo e eslorgos) sejam menos rentave's do que £2 previa no momento em que eles foram rwalizaclos (com a modilicacao, de facto, da taka de convertibitdade entre captial escolar e capital exondmico). As estratégias de reconverséio do capital econémico em eapital cultural, que esto entre as fatores conju turais da explosao escolar ea inflago de diplomas, séo comandacas plas transformagées do estrutura das oportunidades de lucro asseguradas pelas diferentes espécies de capital 79

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