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Copyright © dos autores Todos 0 drcitos desta edigho reservados Enyrota Cowexo (Editora Pinsky Ltda.) Preparagdo: Rose Zuaneti Diagramagao: Nivlze Aparecda Ross Revisie: Sandra Brasil Projto grin de capa: Jahme Pinsky Dado nemo de Cog a abi (cr) {GhnoaHessea do Li, Bes) © ses histrico ma deal / Ce Btencour (org) 8 eb — Sto Pos Cone, 205 ~ (Reps © Ea). Bisopae | Misti Et cei ,Biteneou,Cce Se 7.2603 20007 Indie prs catlogo sistem: Boyton, Conver Diretor editorial Jaime Pinsky Ra Acopiat, 199 Alto da Lapa (5083-110 Sto Paulo~ sr am: (11) 3832 5838 contexto@editoracontextocom br ‘worwaditoracontesta.combe 2003 Proibida a reproducio total ou parcial Os infratores serio processadas na forma da lei. SUMARIO Apresentagao I- Propostas currieulares Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de Hist6ria ~ Circe Bittencourt... Curriculos de Hist6ria e politicas piblicas: os programas de Hist6ria do Brasil na escola secundaria — Katia Abud .... Hist6ria, politica e ensino ~Maria de Lourdes Monaco Janonti A formagiio do professor de Hist6ria ¢ 0 cotidiano da sala de aula ~ Maria Auxiliadora Schmidt... II - Linguagem e ensino Livros didaticos entre textos e imagens ~ Circe Bittencourt Histéria e dialogismo ~ Antonia Terra Por que visitar museus ~ Adriana Mortara Almeida e Camilo de Mello Vasconcellos Experiéncias e representagGes sociais: reflexdes sobre 0 uso € © consumo das imagens — Elias Thomé Saliba .... Meméria e ensino de Hist6ria ~ Ricardo Oria . A televisio como documento ~ Marcos Napolitano... Hist6ria e ensino: o tema do sistema de fabrica visto através de filmes ~ Carlos Alberto Vesentini 7 ul 28 42 54 0 ” 104 7 128 149 163 LIVROS DIDATICOS ENTRE TEXTOS E IMAGENS Circe Bittencourt” Os livros didéticos néo so apenas instrumentos pedagégicos: sdo tam- bém produtos de grupos sociais que procuram, por intermédio deles, perpetuar suas identidades, seus valores, suas tradigées, suas culturas. Alain Chopin Gravuras, fotos, filmes, mapas ¢ ilustragdes diversas tém sido uti- lizados, hé algum tempo, como recurso pedagégico no ensino de Hist6- ria, Os livros didéticos de Histéria, j4 em meados do século XTX, pos- sufam litogravuras de cenas hist6ricas intercaladas aos textos escritos, além de mapas hist6ricos. Nas primeiras décadas do século XX, os fil- ‘mes foram apontados pelo professor Jonathas Serrano, do Colégio Pedro TI do Rio de Janeiro, como instrumento didético importante, conside- rando-o material fundamental do “método intuitivo” em substituicao ao “método mneménico”. “Gracas ao cinematégrafo, as ressurreigdes his- tricas nfo sio mais uma utopia”, escreveu Serrano que acreditava tam- bbém que os alunos poderiam aprender Hist6ria “pelos olhos e no mais enfadonhamente s6 pelos ouvidos, em massudas, monétonas e indiges- tas prelegies” (SERRANO, p. 11, grifo nosso), Atualmente as obras didéticas esto repletas de ilustragdes que pa- recem concorrer, em busca de espago, com os textos escritos. Ao lado “Professora doutora do Departamento de Metodologia do Ensino e Edu- cagdo Comparada da Faculdade de Educagdo da USP, dos acervos iconogrificos reproduzidos nos livros, tém sido ampliadas a produgiio e a utilizagdo de “imagens tecnoldgicas” em videos e, mais recentemente, as informaticas dos softwares e dos CD-ROMs. As mais famosas editoras de livros escolares fazem produgées de multimidia educativas, € novos titulos de CD-ROM de Hist6ria tém sido langados no Brasil nos tiltimos anos. Embora a introducdo de gravuras ¢ mapas no ensino de Hist6- ria, hé cerca de um século, e a multiplicagao de imagens apresenta- das atualmente como material didatico demonstrem a importancia desse recurso na cultura histérica escolar, a reflexdo sobre o papel que efetivamente desempenham no processo de ensino e aprendiza- gem € escassa. As imagens so meros recursos para motivar e ilus- trar o curso de Hist6ria? Na afirmagao de Serrano, sao utilizadas para “concretizar” nogdes abstratas, tais como a de tempo hist6rico, proporcionando aos alunos formas de presenciar outras experiéncias nao vivenciadas por eles. E como os alunos provenientes de uma geragio formada pela saturaco de imagens se relacionam com a iconografia escolar ou a apresentada pela escola como estudo? As imagens “tecnolégicas” dos computadores trazem mudangas subs- tantivas para a aprendizagem de Historia e substituirdo livros didati- cos? Questées como essas precisam ser levantadas considerando que pouco se conhece sobre as formas de leitura de imagens utilizadas em sala de aula, independentemente do suporte didético em que elas so apresentadas. No sentido de refletir sobre parte dessas questées, este texto apre- senta algumas consideragées sobre o conjunto de imagens mais comuns no cotidiano escolar e as de mais fécil acesso por alunos e professores: as ilustragdes dos livros didaticos. ‘A reflexio sobre as diversas ilustragdes dos livros didaticos im- pde-se como uma questio importante no ensino das disciplinas escola- res pelo papel que elas t&m desempenhado no processo pedagégico, sur~ ‘gindo indagacées constantes quando se aprofundam as anélises educa- cionais. Como so realizadas as leituras de imagens nos livros didat cos? As imagens complementam 0 textos dos livros ou serve apenas como ilustragées que visam tornar as paginas mais atrativas para 0s jo- vens leitores? 10 4 Mas buscar respostas para tais indagagGes exige inicialmente uma abordagem sobre a natureza do livro didético e o papel que este objeto cultural desempenha no cotidiano escolar. CONCEPCOES E CARACTERIZACAO DO LIVRO DIDATICO O livro didético tem sido objeto de avaliagdes contradit6rias nos liltimos tempos. Existem professores que abominam os livros escola~ res, culpando-os pelo estado precirio da educagio escolar. Outros do- centes calam-se ou se posicionam de forma positiva pelo auxilio que 09s livros prestam ao seu dia-a-dia complicado, O livro didatico, no entanto, continua sendo 0 material didético refencial de professores, pais e alunos que, apesar do prego, consideram-no referencial bisico para o estudo; € em todo o infcio do ano letivo as editoras continuam colocando no mercado uma infinidade de obras, diferenciadas em t ‘manho e qualidade. ‘As avaliagGes de pesquisadores sobre a produciio didatica também chegam a conclusdes diversas, sendo ainda um objeto cujo enfoque € abordagem variam conforme o campo de investigagio, seja ele da hist6- ria, das ciéncias politicas e econdmicas, da drea pedagégica, sociol6gi- ca ou lingiifstica, entre outras. O iinteresse que o livro didatico tem despertado e as celeumas que provoca em encontros e debates demonstra que ele € um objeto de “mitil- tiplas facetas” e possui uma natureza complexa O livro didatico , antes de tudo, uma mercadoria, um produto do mundo da edigio que obedece & evolugao das técnicas de fabrica- ao e comercializagio pertencentes & 16gica do mercado. Como mer- cadoria ele sofre interferéncias variadas em seu processo de fabrica- ao e comercializagéo, Em sua construgio interferem varios perso- nagens, iniciando pela figura do editor, passando pelo autor e pelos técnicos especializados dos processos grificos, como programado- res visuais, ilustradores. E importante destacar que 0 livro didatico como objeto da inddstria cultural impde uma forma de leitura orga~ nizada por profissionais e ndo exatamente pelo autor: “Fagam 0 que fizerem, os autores nao escrevem livros, os livros niio so de modo 1 algum escritos. Sao manufaturados por escribas ¢ outros artesdos, por mecdnicos, outros engenheiros e por impressores © outras mé- quinas” (CHARTIER, p.126). ‘Mas 0 livro didético € também um depositdério dos contetidos es- colares, suporte bésico ¢ sistematizador privilegiado dos contetidos elencados pelas propostas curriculares; € por seu intermédio que sio passados os conhecimentos e técnicas considerados fundamentais de uma sociedade em determinada época. O livro didatico realiza uma trans- posigdo do saber académico para o saber escolar no processo de explicitagao curricular. Nesse processo, ele cria padrées lingtifsticos & formas de comunicagao especificas ao elaborar textos com vocabulirio proprio, ordenando capftulos e conceitos, selecionando ilustragées, fa- zendo resumos etc. Além disso, o livro didético é um instrumento pedagdgico “inscri- to em uma longa tradicZo, insepardvel tanto na sua elaborago como na sua utilizago das estruturas dos métodos e das condigdes do ensino de seu tempo.” (CHOPPIN, p.19). O livro didatico, nesse aspecto, elabora as estruturas e as condigdes do ensino para o professor, sendo inclusive comum existirem os “livros do professor” ou do “mestre”. Ao lado dos textos, 0 livro didético produz uma série de técnicas de aprendizagem: exercicios, questiondrios, sugestdes de trabalho, enfim as tarefas que os alunos devem desempenhar para a apreenso ou, na maior parte das vezes, para a retenco dos contetidos. Assim, os manuais escolares apte~ sentam nao apenas os contetidos das disciplinas, mas como esse conteti- do deve ser ensinado. E, finalmente, o livro didético é um importante vefculo portador de um sistema de valores, de uma ideologia, de uma cultura. Vérias pesquisas demonstraram como textos e ilustragGes de obras didéticas transmitem esteredtipos ¢ valores dos grupos dominantes, generalizan- do temas, como familia, crianga, etnia, de acordo com os preceitos da sociedade branca burguesa A complexidade da natureza desse produto cultural explica com maior preciso 0 predominio que exerce como material didatico no pro- cesso de ensino e na aprendizagem da disciplina, qualquer que seja ela. O livro didético tem sido, desde o século XIX, o principal instrumento de trabalho de professores e alunos, sendo utilizado nas mais variadas salas de aulas e condigdes pedagégicas, servindo como mediador entre n 1 proposta oficial do poder expressa nos programas curriculares e 0 co- nhecimento escolar ensinado pelo professor: Mas, para entender o papel que o livro didético desempenha na vida escolar, nao basta analisar a ideologia e as defasagens dos conteti- dos em relagao & produgao académica ou descobrir se o material é fiel ow nao as propostas curriculares. Para entender um livro didatico é pre- ciso analisé-lo em todos os seus aspectos e contradigdes. Ble € portador de textos que auxiliam, ou podem auxiliar, 0 domi- nio da leitura escrita em todos os niveis de escolarizacio, serve para ampliar informagées, veiculando e divulgando, com uma linguagem mais acessivel, o saber cientifico. Possibilita, igualmente, a articulago em stlas paginas de outras linguagens além da escrita, que podem fornecer ao estudante uma maior autonomia frente ao conhecimento. Por seu intermédio, o contetido programatico da disciplina torna-se explicito e, dessa forma, tem condigées de auxiliar a aquisigao de conceitos basicos do saber acumulado pelos métodos e pelo rigor cientifico. Entretanto, o livro didético é limitado e condicionado por razdes econémicas, ideol6gicas e técnicas. A linguagem que produz deve ser acessivel ao ptiblico infantil ou juvenil e isso tem conduzido a simplifi- cages que limitam sua ago na formacao intelectual mais aut6noma dos alunos. Autores e editores ao simplificarem questées complexas impedem que os textos dos livros provoquem reflexdes ou possiveis discordéncias por parte dos leitores. Sua tendéncia é de ser um objeto padronizado, com pouco espaco para textos originais, condicionando formatos ¢ linguagens, com interferéncias miiltiplas em seu processo de elaboragio associadas a l6gica da mercantilizacao e das formas de con- sumo. Assim, 0 papel do livro didatico na vida escolar pode ser o de ins- trumento de reprodugao de ideologias e do saber oficial imposto por determinados setores do poder e pelo Estado. E necessério enfatizar que o livro didético possui varios sujeitos em seu processo de elaboracao € passa pela intervengiio de professores e alunos que realizam praticas diferentes de leitura e de trabalho escolar. Os usos que professores € alunos fazem do livro didatico sfio variados e podem transformar esse veiculo ideolégico e fonte de lucro das editoras em instrumento de tra- balho mais eficiente e adequado as necessidades de um ensino auténo- mo. As priiticas de leitura do livro didético nao sao idénticas no obe- B decem necessariamente as regras impostas por autores e editores ou por instituigdes governamentais. Assim, mesmo considerando que o livro escolar se caracteriza pelo texto impositivo e diretivo acompanhado de exercicios prescritivos, existem e existiram formas diversas de uso nas quais a atuago do professor é fundamental. Ao se considerar a dimensao das formas de consumo do livro didé- tico, nao se pode omitir © poder do professor. Cabe a este, na maioria das vezes, a escolha do livro, e sta leitura na sala de aula é determinada também pelo professor: Os capitulos selecionados, os métodos de leitu- raem grupo ou individual, assim como as tarefas decorrentes da leitura, so opgdes exclusivas do professor, mesmo quando inseridas e limita- das por projeto pedagégico estipulado pela escola. Dentro dessa concepeao de livro didatico — que envolve considerar os diferentes agentes de seu processo de fabricaciio e de consumo ~ & que analisamos seu acervo iconogréfico e apresentamos algumas pro- postas para uma leitura critica dessa produc. ILUSTRAGOES DOS LIVROS DIDATICOS Dentre os pesquisadores que mais tém se preocupado com as ilustra- ses em livros didéticos de Historia destacam-se os franceses. Algumas de suas pesquisas abordam dois aspectos que nos parecem relevantes. Existem trabalhos que recuperam, a partir dos manuais escolares do sécu- lo XIX e inicio do século XX, 0 acervo iconogréfico que se constituiu no perfodo e o papel que desempenhou na configurago de uma meméria histérica incorporada por amplos setores escolares, na medida em que a escolarizagio atingia a maior parte da populagao. Sao pesquisas que enfatizam os aspectos ideol6gicos das ilustragdes, como 0 caso deAmalvi que estuda a galeria de herdis representada nas obras didaticas de hist6ria. ‘Um outro aspecto que tem sido abordado refere-se & evolugio das técni- cas gréficas e ao acompanhamento das transformagées e da caracteriza- [io dos tipos de imagens na composigao dos livros de Hist6ria, analisan- do seus aspectos quantitativos que parecem concorrer, cada vez mais, com 08 textos escritos (GAULUPEAU). No Brasil, embora no se possa encontrar pesquisa especialmente dedicada a produgao iconografica na drea de Histéria, existem trabalhos 4 que buscam analisar como determinados segmentos sociais tém sido representados, especialmente os indfgenas e a populagio negra, nos di- versos livros escolares (SILVA, GRUPIONI), ‘A importincia das imagens como recurso pedagégico tem sido destacada ha mais de um século por editores ¢ autores de livros escola- res de Hist6ria. Emest Lavisse, historiador francés e autor de vatias obras didaticas que marcaram a produgao francesa ¢ a nossa, tendo em vista que a Franga tem sido o referencial para a elaboragdo desse produto cultural, assim prefaciou uma de suas obras: As criangas tém necessidade de ver as cenas histsricas para compre- ender a histéria, E por esta razio que 0s livros de histéria que vos apresento estio repletos de imagens. Desejamos forgar os alunos a fixarem as imagens. Sem diminuir o mimero de gravuras que existiam no texto, compusemos novas séries delas correspondendo a uma série para cada livro. Cada série 6 acompanhada de questées que os alunos responder por escrito, apés terem olhado 0 desenho e feito uma pequena reflexfo sobre ele. E 0 que denominamos de revisio pelas imagens e acreditamos que este trabalho possa desenvolver a intel -géncia das criangas a0 mesmo tempo que sua memdria. (LAVISSE, srifo nosso) “Ver as cenas histéricas” era 0 objetivo fundamental que justifica- vva, ou ainda justifica, a inclustio de imagens nos livros didéticos em maior niimero possivel, significando que as ilustragées concretizam a nogdo altamente abstrata de tempo hist6rico. Para Lavisse, as gravuras dos livros serviriam ainda para facilitar a memorizacao dos contetidos, sendo que o autor tinha cuidados especiais em apresentar, no corpo da gina, o texto escrito mesclado a cenas que reforcavam as explicagses escritas do autor. Nesse sentido, as vinhetas ou legendas explicativas, colocadas abaixo de cada ilustragdo, indicavam 0 que 0 aluno deveria observar e reforgava a idéia contida no texto. Considerando a opinio de Lavisse, cabe indagar se os objetivos pedagégicos das gravuras perma- necem e explicam sua proliferago nos livros de Hist6ria. Em estudos sobre a histéria do livro didético brasileiro, acompa- hei a trajet6ria de livros de Hist6ria da escola elementar e secundéria a partir do século XIX; foi interessante observar o percurso das ilustra- ‘ges em tais obras a partir da fase inicial da escolarizagao piblica até a atualidade (BITTENCOURT, 1993). Considerando esse conjunto de ima- 8 gens utilizadas no cotidiano escolar, & possivel destacar algumas ca- racteristicas peculiares do material pedagégico. A primeira delas 6 a marca francesa nas ilustragées dos livros escolares de Hist6ria, Para 0 caso dos livros de Histéria Geral ou Uni- versal, as reprodugées sio tiradas de obras francesas em sua maioria. A presenga francesa na produco dos livros brasileiros ocorreu por termos nos baseado, durante muitos anos, nas propostas curriculares da Franga, mas também pela relagdo das casas editoriais brasileiras com este pafs, sendo que a maior parte dos livros nacionais eram im- ressos em Paris até os anos 30 deste século. O carter mercadolégico e as questées técnicas de fabricagao da obra didatica interferem no processo de selegdo ¢ organizagao das imagens e delimitam os critérios de escolha, na maioria das vezes, das ilustragdes. Hé condicionamentos e limitagdes impostas pela téc- nica ¢ pelos custos que devem se associar as necessidades pedagégi- cas. Os livros didaticos nao podem ser caros, mas necessitam de gra- vuras como pressuposto pedagégico da aprendizagem, principalmente ara os alunos do ensino elementar. Atualmente é facil constatar que 05 livros até as 8* séries possuem mais ilustragées, e coloridas, do que os destinados ao 2° grau em que predominam imagens em preto- e-branco. Os estudos do acervo iconogréfico de pesquisadores sobre a lite- ratura infantil demonstram a importéncia dos lucros das ilustragdes para algumas casas editoriais francesas, que passaram a vender os di- reitos de reproducdo de desenhos de ilustradores especialmente pro- duzidos para determinadas obras como as de Julio Verne, do editor Pierre-Jules Hetzel (LE MEN; GLENISSON). Os editores de livros brasi- Ieiros tém sido compradores de fotolitos de ilustragdes das editoras francesas, principalmente para as obras didaticas de Hist6ria. Para di- minuir gastos e proporcionar pregos mais acessiveis aos alunos, as editoras brasileiras usam desenhistas para reproduzir quadros ou gra- varas de livros estrangeiros ou mesmo de edigdes anteriores com re- produgées mais cuidadosas. ‘Sem ampliar as questées de dependéncia da indiistria editorial brasileira em relagdo a Franga, cabe apontar para o significado da per- manéncia de gravuras ¢ reprodugSes diversas nas obras nacionais, como as das civilizagées antigas ~ Egito e Mesopotamia -, geralmente re- 16 produgées do acervo do Louvre, e as do perfodo feudal cujo referente tem sido 0 espaco francés. ‘A questo da ilustragao dos livros esté relacionada, assim, aos aspectos mercadol6gicos e técnicos que demonstram os limites do autor do texto quando observamos 0s livros também como objeto fabricado. A diagramagao e a paginagao do livro sao estabelecidas por um profis- sional especializado e, dessa forma, os caracteres, a dimensiio, as co- res das ilustragdes enfim so decisdes de técnicos, de programadores visuais, sendo que o autor, pouco ou nada interfere, na maior parte das vezes, na composicdo final do livro. A hist6ria do livro didatico possi: bilita verificar como os autores foram perdendo o poder sobre as ih tragdes de suas obras. Hoje existem especialistas em pesquisa iconogréfica contratados pelas editoras para desenvolverem essa parte specifica da produgao do livro. Se para 0 caso do livro de Hist6ria Geral era e é mais facil recor- rer as ilustragdes estrangeiras, 0 mesmo nao ocorreu com a produgéo de Hist6ria do Brasil. Para 0 caso dessa producao foi preciso, desde 0 inicio, que autores e editores organizassem um acervo préprio de ilus- tragdes e gravuras pela impossibilidade de recorrer aos manuais es- trangeiros. As ilustragdes mais comuns sobre o pasado da nagio fo- ram reproduzidas, por desenhistas ou por fot6grafos, de quadros hi t6ricos produzidos no final do século XIX. Dessa galeria de arte que 608 livros didaticos foram os principais divulgadores, dois quadros tém sido os mais reproduzidos desde o inicio do século: 0 7 de setembro de 1822, de Pedro Amético, ¢ a A Primeira Missa no Brasil, de Vitor Meirelles de Lima. A Guerra do Paraguai apresentada nos livros esco- lares dificilmente nao mostra algumas das batalhas criadas por esses dois pintores, em especial o Combate Naval do Riachuelo. Tais pintu- ras tém se prestado a constituicao de uma meméria histérica hé varias geracdes. ‘A Historia Politica que predominou no ensino de Hist6ria até re- centemente foi responsdvel pela configuraco de uma galeria de per- sonagens da vida administrativa do pats. Houve 0 cuidado de se pesquisar os possiveis retratos de personagens que ficaram famosos posteriormente, para serem apresentados aos jovens estudantes. E 0 caso, por exemplo, de Tomé de Souza e de Pedro Alvares Cabral. O “descobridor” e o primeiro “chefe politico” ou governador-geral do 1 Brasil precisaram constar da galeria dos principais personagens histé- ricos, demandando a criacdo de representacdes do momento da desco- berta da nova terra. A chegada de Tomé de Souza a Bahia péde ser “vista” e gravada na meméria dos jovens estudantes desde 1844, em um dos primeiros manuais diditicos de Historia do Brasil, do general Abreu e Lima, adaptado pelos editores da casa Lemmert. O “desco- bridor” Pedro Alvares Cabral, colocando o pé nas terras brasileiras, j4 aparecia em capas de livros nos anos de 1880, e muitas dessas mesmas reprodugSes ainda podem ser observadas pelos alunos em obras re- centes dos anos 90 (figs. / e 2). Figura 1: Chegada de Thomé de Souza & Bahia mR Figura 2: Fac-simile da capa do livro de Mattoso Maia Como a Hist6ria Politica ensinada optou, até os anos 60, por bio- grafar os feitos dos chefes politicos, reis ¢ presidentes republicanos, seus retratos constitufram-se em uma espécie de galeria de pessoas ilustres com caracterisiticas aristocréticas. Essa seqtiéncia de perso- nagens era exposta em uma cadeia cronolégica que, longe de explicar © perfodo inicial da Repiiblica brasileira, acabava servindo para os alunos exercitarem a arte da caricatura, acrescentando bigodes, cava- nhaques ou outros aderegos aos sisudos figurantes colocados no meio 0 de textos que exaltavam suas realizagdes administrativas. Até recente- mente, a Primeira Repiiblica ou Reptiblica Velha dos livros limitava- se a essa exposigio de fatos e fotos. Das figuras politicas é interessante destacar como tém sido repre- sentados os dois imperadores do Brasil: D. Pedro I, sempre jovem, por- que afinal morreu com 34 anos; seu filho D. Pedro Il, sempre velho, apesar dos textos escolares darem destaque ao episédio da “Maiotida- de” que toro D. Pedro II chefe de Estado com apenas 15 anos. A ilustrago do pai jovem e do filho velho tem causado uma certa perple- xidade aos jovens leitores e falta a explicago do aparente paradoxo. A imagem de um D. Pedro II velho foi construfda no perfodo pés- monérquico e demonstra a intengo dos republicanos em explicar a que- da de uma monarquia envelhecida que nao teria continuidade. E interes- sante destacar a permanéncia dessas ilustragdes na produgao atual dos manuais, reforgando uma interpretagdo utilizada pelos republicans no inicio do século XX, mesmo depois de variadas pesquisas e publicagdes historiogréficas sobre os conflitos e tensbes do perfodo, Dos presidentes, a figura retratada invariavelmente em todos os manuais é a de Getilio Vargas, especialmente nos capftulos referentes &Revolugao de 1930. Em levantamento realizado em 1995, com cerca de 300 alunos de cinco diferentes escolas de Sao Paulo, constatou-se que a maioria (87%) reconhecia e nomeava Gettilio Vargas ¢ desco- nhecia os presidentes posteriores, inclusive Juscelino Kubitschek. ‘Quanto a apresentaco de chefes politicos, as inovaces esto nas fo- tografias: os Ifderes politicos aparecem em atos piblicos substituindo 05 retratos em preto-e-branco e, em alguns manuais mais recentes, surgem as charges extrafdas de jornais ou revistas de época ou até criadas por cartunistas Embora a populacio brasileira tenha demorado para aparecer nas ilustragGes didéticas, ainda considerando que a hist6ria social s6 re- centemente se constituiu em objeto de estudos hist6ricos na escola, os “ancestrais” dos brasileiros sempre foram destacados nos livros. Ilus- tragdes de indios tém sido uma caracterfstica marcante dos livros de Hist6ria do Brasil a partir de 1860. Assim como no caso dos chefes politicos, muitas das reprodugdes do século passado continuam a po- voar as paginas das atuais obras. A taba (fig. 3), por exemplo, apare- eu pela primeira vez no livro de Hist6ria destinado ao ensino elemen- 80 tar em 1882 e até hoje representa a forma de moradia de todos os indios do Brasil (LACERDA). LEITURAS CR{TICAS SOBRE, POPULAGOES INDIGENAS A recorténcia de representagdes das populagdes indigenas nos li- vros de Histéria fomentou uma série de questionamentos nfo apenas sobre as possiveis interpretagdes das populagSes indigenas ao longo da hist6ria ensinada, mas também sobre os métodos para a proposigao de estudos que articulem texto e imagem e possibilitem a utilizagao de uma leitura critica do acervo de ilustragdes selecionado e produzido para fins didéticos. ‘Observando a representagdo das populagdes indigenas em diver- s0s livros de Histéria pode-se perceber uma variag&o significativa entre autores e as mudangas e permanéncias, ao longo da hist6ria escolar, da aco hist6rica desses grupos. Os dois mais conhecidos livros didaticos de Hist6ria destinados ao ensino primério, com primeiras edigdes nos anos 70 ¢ 80 do século XIX, 81 foram escritos por autores religiosos, o Cénego Fernandes ¢ o, jd citado, Joaquim Maria de Lacerda. Este tiltimo viveu a maior parte de sua vida na Franga e organizou o primeiro grande acervo de populagées indige- nas baseado em obras de viajantes franceses. Em seu livro Pequena his- ria do Brasil, cuja primeira edigao & provavelmente do final de 1870, existem reprodugdes copiadas da obra de Jean de Léry, Viagem a terra do Brasil, provavelmente da edigao de 1878 de Gaffarel e de Jean Baptiste Debret, Viagem pitoresca e histérica ao Brasil, da edigio francesa publicada entre 1834 a 1839. A partir de gravuras das obras assinaladas foram feitos desenhos, alguns deles assinados por Navelliére, para os livros de Joaquim Maria de Lacerda, desenhos que se constitufram em veiculos de divulgagao da documentago iconogrifica para jovens bra- sileiros desde o final do século XIX, cujos originais s6 foram publica- dos no Brasil entre 1930 e 1940. Os grupos indigenas dessas primeiras obras didaticas eram repre- sentados como “selvagens”, e as cenas escolhidas eram predominante- mente de guerra e rituais antropofégicos (figs. 4, 5 6). E perceptivel o destaque dado aos religiosos no sentido de ressal- tar a importincia histérica da obra missionéria e civilizatéria do traba- Iho de catequese. Os religiosos cat6licos eram apresentados como “he- r6is”, muitas vezes martires. No processo de constituicao histérica es- colar sao exemplares as varias representagdes da morte do primeiro bis- po do Brasil, em cenas de martitio antes de ser devorado por indios antropéfagos em rituais de antropofagia. Em versio diferente e produzida em 1900, mas contempordnea dos consumidores escolares ¢ concorrente em vendagem das obras citadas, ollivro Hisiéria do Brasil das escolas primarias, de Joao Ribeiro, ofere- ce outras imagens dos fndios. Este autor, estudioso de antropologia e ligado ao grupo da Escola de Recife com influéncias de intelectuais alemaes, néo omitiu os conflitos originados pela populagao branca. Des- tacou a importincia de se entender as culturas indfgenas em suas singu- laridades e evitar consideragdes genéricas, tais como “povos selvagens”. Dentro dessa perspectiva, as ilustragdes apresentadas em seu livro didé- tico divulgam uma versao diferente das anteriores, destacando as carac- teristicas culturais espectficas dos indios, como a figura do Indio Uapé do Amazonas (fig. 7). Para exprimir as formas de dominago e morte impostas as populagdes indigenas, Joao Ribeiro, também se valendo de 82 Figura 5: A morte do 1# Bispo do Brasil 83 quadros hist6ricos, optou por reproduzir a tela de Rodolfo Amoedo, de 1883, O tiltimo tamoio (RIBEIRO). Posteriormente, em plena fase de difusio do ideal racista, uma obra de Afranio Peixoto, seguidor das idéias de Nina Rodrigues, exp6s no livro Minha terra e minha gente, em 1916, a importincia de enbranquecer a populagao brasileira para que ela pudesse chegar a0 desenvolvimento €.a0 estagio civilizatério das demais nagdes européias. O indio prosse- ‘guia como “selvagem' e ainda responsével pela mesticagem, preguiga e versio ao trabalho produtivo da maior parte da populacdo brasileira Interessante observar que, além desses contetidos veiculados, nessa fase havia ainda uma maior intervenedo do autor na articulagdo entre texto escrito e imagem, criando uma sintonia e complementago na composi- 40 da pagina. Independentemente do cardter ideol6gico, é possfvel per- ceber a relagdo entre texto e imagem cuidadosamente introduzida e diagramada na pagina, integrando as duas linguagens, como o caso das obras de Rocha Pombo (fig. 8). Acompanhando a literatura didética pode-se perceber e analisar varias versGes sobre as populacdes indfgenas e, considerando as pub cages mais recentes, destacar as mudangas e permanéncias das ilustra- ‘Bes € seu context. As ilustragdes ampliam as informagGes dos textos? que informam as legendas? Blas auxiliam a leitura do texto? A per- ‘manéncia nas obras atuais de ilustragBes escolhidas ainda no século XIX indicam igualmente a continuidade das interpretagGes? Mais recentemente, existem livros nos quais so fornecidas as in- dicagdes do perfodo da produgdo da gravura ~ quadro ou fotografia -, além do nome dos autores e onde se encontra preservada. Nao parece que essas informagdes importantes tiveram origem por necessidades pedagégicas, mas simplesmente para garantir direitos de reprodugao. Ora, elas nao poderiam possibilitar ou subsidiar leituras diferentes das imagens — que podem liberté-tas do texto ~ ou ainda complementar € concretizar conceitos expostos pela linguagem escrita. Esta apresentagao das imagens nos livros didaticos de bora sucinta, pretendeu simplesmente provocar algumas questées. Pri- meiramente procurou sitar 0 professor como um leitor erftico da obra didética, apontando para a necessidade de uma reflexo mais atenta sobre ‘oacervo iconogréfico dos livros que ele seleciona para os alunos. Os cui- dads das editoras em relagao & qualidade da impressdo nem sempre so ist6ria, em- 84 ra 7: Indio Uapé do Amazonas 85 satisfat6rios e se escudam na alegago dos pregos. Dessa forma, existem ilustragdes em tamanho mintisculo, ou ilegiveis pela mé-qualidade de im- ppressao e de papel ou ainda pela profusdo delas em uma tinica pagina, que pouco auxiliam como material de apoio ao proprio texto escrito. Outra questao diz respeito as alternativas de uso dessas imagens, considerando que existe sempre falta de material iconogréfico na maior patte das precérias escolas piblicas, onde projetores de slides ou apare- Ihos de videos, sem falar nos modemos computadores que hoje com- pdem os laboratérios de varias escolas da rede particular, nem sempre existem ou estio a disposigdio dos professores. Nesse sentido, a utiliza do mais cuidadosa do livro didatico pode facilitar a introdugZo de leitu- ras de linguagens iconogréficas junto aos alunos. Quando se propde aos alunos uma observagao das ilustragdes dos livros, essa atividade pode se constituir em um dos meios de se desper- tar a curiosidade sobre aspectos pouco destacados no ensino e na forma de Ieitura do livro. Os préprios exercicios e questionérios dos livros, propostos para a execucao de tarefas pedagégicas, dificilmente incluem atividades sobre as imagens neles contidas. ‘No caso de uma anilise das populagdes e culturas indigenas, por exemplo, um estudo das ilustragdes das diferentes épocas proporciona- das por livros didéticos produzidos em diferentes perfodos pode se cons- tituir em rico material didético de apoio, transformando o livro em do- cumento de época e possibilitando, por intermédio do método do histo- riador, uma leitura critica de imagens. Ao se considerar o livro como um documento, ele passa a ser ana- lisado dentro de pressupostos da investigacdo histérica e, portanto, ob- Jeto produzido em um determinado momento € sujeito de uma hist6ria da vida escolar ou da editora. Nesse sentido, cabe ao professor a tarefa de utilizar uma metodologia que possibilite leitura e interpretacao que despertem o sentido hist6rico nas relagdes triviais da sala de aula. Como sugestdo, propomos alguns caminhos baseados nas anélises de historiadores que se dedicam a pesquisas sobre estas linguagens, es- pecialmente Miriam Moreira Leite, Maria Luiza Tucci Carneiro e Boris, Kossoy, entre outros, e da pesquisa na érea de ensino de Histéria reali- zada por Dominique Margairaz, do INRP de Paris. Dessa forma, para introduzir o aluno na leitura de imagens dos livros didéticos, € importante inicialmente buscar separar a ilustragio 86 x Os indios Dissemos que ‘Martim Affonso come- ‘cou a povoar o Brasil; anas 6 preciso explicar gquocomecoua povoal-o de portuguezes, pois | estes jf encontraram gui populagdes de ou- tra vaga, Exam os in- dios. Estes ainda esta- vam muito atrasados quanto 4 civilisagao. ‘Viviamem grupos do familias (tribus), mudando sempre de um Ingar para outro, farendo paradas, mais oumenoslongas,imar- m dos grandes rio, Sx pert dat babe. ‘As suas habita- goes chamavam-se (a- bas. Cada taba era for- mada de uma grande coven redonda, tendo dentro as suas eabanas. Figura &: Fac-simile de pagina do livro Nossa Patria, de Rocha Pombo do texto, isolando-a para iniciar uma observacdo “impressionista”, sem interferéncias iniciais da interpretagao do professor ou das legendas es- critas. Trata-se de um momento em que o observador faré uma leitura geral da ilustragao, deixando fluir as relagBes que estabelece entre © que estd vendo e as outras imagens. Essa etapa introdutéria é importante 87 porque, como nos informa Miriam M. Leite, a imagem fixzt gera, na seqiiéncia da observacao, descrigdes e narragdes, criando “textos inter- medidrios orais e verbais pelos observadores” eo aluno, ao descrever 0 que esté vendo, estabelece articulagdes com outras experiéncias porque “a imagem, finita, simulténea, € percebida pelo olho mas transmitida pela palavra” (LEITE) Partindo dessa leitura inicial e interna da prOpriailustracao, toma-se possivel especificar sew contetido: tema, personagens representados, es- Pago, posturas, vestimentas, que indicam o retrato de uma determinada época. Assim, € necessétio estar identificando no didlogo com os alunos qual conhecimento esta sendo obtido por intermédio das imagens. Na seqiiéncia, passa-se para uma leitura externa, buscando voltar a observagio do aluno para outros referenciais, para o “significado do documento como objeto”, como afirma Adalberto Marson. Nesse pro- cesso de leitura da ilustrago como objeto, os alunos deverio responder a perguntas: Como e por quem foi produzido? Para que e para quem se ‘fez esta produgdo? Quando foi realizada? Caso nfo haja indicages su- ficientes no préprio livro, as respostas dos alunos deverao ser obtidas ‘com 0 professor ou ainda através da consulta em outras obras. Na continuidade da leitura externa pode-se, entio, realizar uma leitura do documento como sujeito, quando se articula a leitura da ilus- tragdo com a do livro didatico como um todo. Como a ilustrago esta contida no livro didético? Possui legendas? Como esté diagramada na pagina? Qual a relagdo entre o texto e a ilustra¢do? Em seguida, torna-se importante referenciar o livro em seu contexto hist6rico: quem é o autor do livro? E 0 editor? As ilustragdes foram selecionadas pelo autor ou pelo editor? Quando foi publicado?... e daf as leituras externas ao livro tornam-se importantes, com dados sobre o perfodo de produgdo do li- vro, especialmente se recorre a livros antigos, condigao ideal quando se quer fazer comparacdes, como o caso das populacées indigenas. ‘As comparagSes de ilustragées reproduzidas em momentos dife- rentes so necessérias para que os alunos possam estabelecer relagées hist6ricas entre as permanéncias e mudangas e para relativizar o papel que determinados personagens tendem a desempenhar na Historia, As- sim, por exemplo, € significativo 0 aluno identificar em que momentos da Histéria brasileira 0 indio € representado ou se constitui objeto de estudo nos diversos capftulos do livro. Os grupos indigenas so men- cionados apenas no inicio da colonizagao, na fase da conquista, e como justificativa para explicar a introdugo de escravos afticanos; depois, na atualidade, nas questées de demarcagao de reservas? Por que néo hi referencias sobre as populagdes indigenas no perfodo da Independén- cia, quando se estabelecem os principios de cidadania oriundos do pen- samento liberal europeu? Nao existiram conflitos e disputas com inds- ¢genas nas ocupagées de terra para a plantagio de café no interior paulista ¢ paranaense no decorrer dos séculos XIX ¢ XX? - Siio posstveis ainda estudos comparativos com as ilustragdes de outras obras didaticas produzidas e consumidas na mesma época, isso para fazer o aluno perceber diferentes interpretagées sobre a mesma temitica, como no caso das reprodugGes dos {ndios selecionadas por Jodo Ribeiro e as de Joaquim Maria de Lacerda. A transformagao das ilustragdes dos livros didéticos em materiais didéticos especiticos e do livro didatico em documento passivel de set utilizado dentro das propostas de leitura critica da pesquisa historiografica = transposta para uma situagdo de aprendizagem ~ pode facilitar a diff- cil tarefa do professor na constituigdo de um leitor de textos hist6ricos auténomo ¢ critico. O livro pode ser transfor mado nas maos do profes- sor e passar por mutagdes considerdveis. Os textos dos livros, muitas vezes considerados ridos e pouco motivadores para alunos que cada ‘vez mais se informam por imagens da mfdia, podem referenciar uma outra relagio entre texto e imagem. Fazer os alunos refletirem sobre as imagens que lhes sao postas diante dos olhos € uma das tarefas urgentes da escola e cabe ao professor criar as oportunidades, em todas as circunstincias, sem esperar a socializacdo de suportes tecnol6gicos mais sofisticados para as diferentes escolas e condigées de trabalho que en- frenta, considerando a manutengio das enormes diferengas sociais, cul- turais e econémicas pela politica vigente. BIBLIOGRAFIA AMALVI, Christian, De l'art et de la maniére d’accommoder les héros de Vhistoire de France: De Vercingentorix a la Révolution. Paris: Albert Michel, 1988. iyoditico econ von BITTENCOURT, Circe M. Fernandes. Livro didético e conhecimento hist6ri- co: uma histéria do saber escolar. Tese de doutorado, Sio Paulo: FFLCH/ USP, 1993. 20 —— Prticas de leitura em livros didaticos. Revista da Faculdade de Educa- edo. Sao Paulo, v.22, n. 1, jan.Jjun-1996, pp. 89-110, CARNEIRO, M, LuizaTucci, KOSSOY, Boris. 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Mikhail Bakhtin Em meados da década de 50, Pablo Picasso inicia uma série de estu- dos tendo como tematica obras de consagrados artistas, como Manet, Monet, Velazquez, Delacroix, Renoir e outros. O quadro Las Meninas, de Velézquez (1656), por exemplo, foi um dos quadros recriados por Picasso (1957) em que expressa diretamente um didlogo travado pelo artista com a hist6ria da arte, impregnando, na sua versio, variagées com seu proprio estilo, técnicas de pintura e valores culturais do seu tempo. =Doutoranda em Histéria pela FFLCH da USP.

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