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horrores
da Cargill Leonardo Wexell Severo
Agência de Notícias CUT
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Fotos: Eduardo Guedes de Oliveira
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Agência Brasil
Trabalhadores em audiência
pública no Congresso Nacional
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As vítimas
caberá à empresa comprovar que no
caso de determinadas lesões não foi a
responsável. No setor da alimentação,
é grande o número de trabalhadores que
tem adoecido barbaramente”, acrescen-
tou. Conforme Eliane, casos como o das Valdirene João Gonçalves da Silva, funcioná-
doenças osteomusculares de membros ria da Seara Cargill em Forquilhinha-SC, foi recom-
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Um
cenário Velhos problemas não
resolvidos e novos
sombrio
desafios da
transformação
tecnológica são
obstáculos para a
construção de uma
política eficaz de
saúde e segurança
no trabalho
As reuniões de profissionais da
área de saúde e segurança no Brasil,
em geral, começam com as mesmas
reflexões: não temos uma cultura de
segurança, não temos políticas públi-
cas organizadas para o tema, não te-
mos dados confiáveis para baseá-las,
mas sabemos que o número de aci-
dentes de trabalho, de agravos à saú-
de relacionados ao trabalho, de tra-
gédias individuais e sociais causados
pelo e no trabalho são inaceitáveis.
Tudo isso é verdade e as ra-
zões deste panorama não são difíceis
de perceber. Em primeiro lugar a
passagem do modo de produção pre-
dominantemente agrícola e familiar
para o modelo industrial, baseado na
divisão e controle do trabalho, se deu
muito rapidamente. Hoje, esse modo
de produção é amplamente predomi-
Consuelo Generoso
Coelho de Lima
- Médica do trabalho e
auditora fiscal do trabalho.
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Subnotificação e
informalidade
Nesse contexto, torna-se difí-
cil delimitar o que são os principais
problemas de segurança e saúde do
trabalhador brasileiro. Quase sempre,
só são registrados os acidentes gra-
ves que levam a afastamento do tra-
balho por mais de 15 dias. No caso
das doenças profissionais e do traba-
lho a subnotificação é a regra, já que
na maioria das vezes, sequer são di-
agnosticadas. Os dados dão conta
apenas de uma parte dos trabalhado-
res, aqueles que se encontram no
mercado formal de trabalho, consti-
tuindo o universo de segurados do Ins-
tituto Nacional da Seguridade Social.
nante, inclusive no campo. As con- cam diminuição de sua performance “As organizações e
seqüências dessa mudança rápida, no trabalho. instituições do
em termos históricos, se refletem tan- Em segundo lugar, em países Estado envolvidas
no tema debatem-se
to nos ambientes de trabalho quanto de capitalismo periférico, como é o
entre um discurso e
nos próprios trabalhadores. nosso caso, a valorização do trabalho uma prática
Ambientes de trabalho escu- só é comparável ao desvalor atribuí- desvinculados e
ros, com máquinas e equipamentos do ao trabalhador, principalmente du- uma eterna disputa
perigosos, sem um mínimo de organi- rante os sucessivos períodos de cri- de competências”.
zação ou sistema de proteção mes- ses econômicas que aumentam o já
mo que visando a preservação do pró- enorme exército de reserva, consti-
prio maquinário, ainda são comuns e tuído por milhares de desempregados
não chocam ninguém. Por sua vez, e subempregados, dispostos a acei-
trabalhadores que não têm uma tra- tar quaisquer condições para manter Contudo, parte expressiva dos
dição de reivindicação e de auto-or- um trabalho remunerado regular. trabalhadores está no mundo do tra-
ganização para defesa de seus inte- Mais recentemente, o grau de degra- balho informal. À margem dos be-
resses coletivos e, por outro lado, com dação e violência nas periferias das nefícios previdenciários e, portanto,
ampla experiência de relações soci- cidades (não só as grandes) contribui sem análise de seu perfil de morbi-
ais e de trabalho extremamente au- de maneira significativa para a cons- mortalidade a partir do trabalho. Nes-
toritárias, acabam por criar estraté- trução de uma percepção de banali- se mundo, muitas vezes, trabalho in-
gias defensivas baseadas na negação dade da vida, cujo reflexo no mundo formal é também trabalho ilegal e vai
do risco, aumentando a resistência do trabalho é a consideração de que empregar uma mão-de-obra não acei-
em aceitar proteções individuais ou sistemas de proteção são caros e um ta na formalidade, como jovens e cri-
coletivas, ainda mais se essas impli- exagero de zelo. anças que acabam por ter o pior tipo
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de iniciação, consolidando uma visão proteção individual (EPI), elaboração
distorcida do trabalho, na qual ganhar e manutenção de programas obriga- “São raras as
a vida implica aceitar o risco de per- tórios pela legislação, como PCMSO exceções de
dê-la. - Programa de Controle Médico de construção de uma
Na minha opinião, portanto, o Saúde Ocupacional e PPRA - Pro- política de segurança
principal problema de segurança e grama de Prevenção aos Riscos Am- capaz de envolver o
saúde no trabalho (SST) no Brasil é trabalhador ao invés
bientais.
de simplesmente
a absoluta falta de consciência quan- Mas são raras as exceções de obrigá-lo a seguir
to ao que venha ser trabalho seguro construção de uma política de segu- regras sem reflexão”.
e saudável e o conseqüente descaso rança própria, pró-ativa e capaz de
com a questão. De qualquer ângulo envolver o trabalhador ao invés de
que se aborde o tema, seja do ponto simplesmente obrigá-lo a seguir regras
de vista do trabalhador, do emprega- sem muita reflexão sobre o assunto. Em
dor ou do próprio Estado, o investi- geral, trata-se de cumprir a lei.
mento em SST é considerado secun- Nas pequenas e médias em-
dário. presas o conflito é bem maior. Nes-
Com o fenômeno da globaliza- sas, segurança e saúde do trabalha- Já as organizações e institui-
ção econômica, instituindo concorrên- dor costuma se resumir à compra de ções do Estado envolvidas no tema
cia entre trabalhadores dos diversos equipamentos de proteção individual debatem-se entre um discurso e uma
cantos do mundo e enfraquecimento de péssima qualidade e, muitas vezes, prática desvinculados e uma eterna
do movimento sindical (que anda inadequados e realização de exames disputa de competências. No Minis-
meio perdido diante da ameaça de médicos malfeitos e descontextuali- tério do Trabalho e Emprego, respon-
transferência de empresas para regi- zados. Longe de aumentar o controle sável pela regulamentação e fiscali-
ões onde o trabalho é ainda mais ba- sobre a saúde dos empregados e dos zação dos ambientes e condições de
rato), as reivindicações referentes às riscos nos ambientes em que traba- trabalho, o principal problema ainda
questões de SST, se não desapare- lham, esses exames costumam servir é um conflito de identidade. Há mui-
ceram dos Acordos Coletivos, perma- apenas para efeitos burocráticos, to já superamos o entendimento de
necem como figuração. Negociam- atender às exigências da fiscalização, que nosso papel se resume à resolu-
se questões já resolvidas na legisla- comprovação de cumprimento legal ção de problemas pontuais em fisca-
ção ou pequenas variações em torno perante a justiça etc. lizações pontuais. Há muito é hege-
do mesmo tema, nada que possa im-
plicar tomadas de posição no sentido
da construção de políticas de segu-
rança, com a participação de traba-
lhadores.
Falta política
de segurança
Para os empregadores, é uma
questão de custo operacional. Em-
presas maiores, geralmente, incluem
em seus orçamentos gastos com pro-
teções de máquinas, equipamentos de
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mônica, entre os auditores fiscais do
trabalho especializados em saúde e
“Qual é o resultado da
segurança no trabalho, uma visão de terceirização?
que nosso papel pode ser muito mais Que repercussões trazem os
transformador se praticarmos a fis- novos produtos e processos
calização do trabalho de maneira pla- no ambiente trabalho? Essas
nejada, com objetivos definidos pre- e outras questões
viamente e com a participação dos di- permanecem sem resposta”.
versos atores sociais envolvidos.
Essa passagem do fiscal soli-
tário para um agente de transforma-
ção social que usa suas ferramentas
de trabalho, inclusive os recursos le-
gais da multa, da notificação, da me-
diação e outras típicas da função, em
ações envolvendo organizações de
trabalhadores e empregadores ou gru-
pos de empregadores e empregados negação de benefícios ao segurado in- engajamento de seus profissionais,
de um mesmo ramo ou atividade ou dividual, não analisando a relação en- mas ainda isolados do restante da rede,
ainda com o mesmo tipo de proble- tre o problema de saúde apresentado pouco equipados e sem grande ex-
ma; reflete-se na organização de gru- (seja doença ou acidente) e os ambi- pressão no mundo do trabalho.
pos e programas especiais de traba- entes de trabalho. Sem menosprezar É neste cenário sombrio que
lho e nas comissões tripartites para a necessidade do atendimento indivi- enfrentamos não só o quadro de aci-
introduzir mudanças na legislação, dual, é preciso ter em mente que a dentes de trabalho e doenças profis-
entre outras ações. No entanto, o de- particularização do problema pode sionais já conhecido como outro, ape-
senvolvimento dessas práticas é to- gerar e gera enganos tanto na con- nas suspeitado, advindo da rápida
lhido pelo modelo de controle e avali- cessão quanto na negação desses be- transformação de tecnologias de pro-
ação do trabalho do auditor fiscal, ain- nefícios e, principalmente, na carac- dução e organização do trabalho.
da baseado na produtividade indivi- terização da relação de causalidade Qual é o resultado do processo de ter-
dual e quantidade de fiscalizações re- entre os problemas apresentados pelo ceirização do trabalho na preserva-
alizadas. trabalhador/segurado e o trabalho. ção da saúde e vida do trabalhador?
E temos também o Sistema A agroindústria canavieira está le-
Diálogo insuficiente Único de Saúde (SUS), a quem cabe,
conforme a legislação, a atenção à
vando os colhedores de cana-de-
açúcar à morte por exaustão? E to-
Outro grave problema que apa- saúde do trabalhador desde a prote- dos esses novos produtos e proces-
rece como entrave à construção de ção e recuperação da saúde, com a sos químicos e físicos introduzidos
políticas públicas de saúde e seguran- realização integrada das ações assis- nos ambientes de trabalho, que re-
ça no trabalho é falta de diálogo e tenciais e das atividades preventivas. percussão têm trazido? Essas e ou-
mesmo o conflito de interesses entre Com tantas questões mais imediatas tras questões semelhantes perma-
as diversas instituições e níveis go- e prementes a resolver, o SUS ainda necem sem resposta. E se não te-
vernamentais ligados à questão. A fis- não tem organizado sua ação em SST. mos conseguido sequer responder
calização não tem nenhum mecanis- Alguns municípios até chegaram a de maneira coerente e integrada aos
mo formal de diálogo com a Previ- criar Centros de Referência em Saú- velhos problemas, dificilmente con-
dência Social que, por sua vez, foca de do Trabalhador que resistem bra- seguiremos compreender e atuar
sua ação na questão da concessão ou vamente graças, principalmente, ao sobre os novos.
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O elefante e a
Responsabilidade
Social Empresarial
“Desenvolvimento humano é o processo
de alargamento das escolhas dos
indivíduos, proporcionando a cada um a
oportunidade de tirar o melhor partido
das suas capacidades: viver uma vida
longa e saudável, adquirir conhecimentos
e aceder aos recursos necessários para
um nível de vida decente.”
V
Sergio Vieira de Melo
amos tomar a velha brincadei- Tiradas as vendas logo fica óbvio para no que diz respeito à atitude de algu-
ra “Descubra o que é” para ilustrar o os três participantes que aquilo só mas empresas quanto no envolvimen-
estado da arte do movimento de Res- poderia ser mesmo um elefante! to dos stakeholders (partes interes-
ponsabilidade Social Empresarial. A Assim é, mais ou menos, o sadas) que, mesmo de maneira tími-
brincadeira é vendar os olhos de al- que tem acontecido nos inúmeros se- da, começam a compreender a sua
guns participantes e desafiá-los a minários, conferências, debates e di- dinâmica. Parte destes avanços está
adivinhar, pelo tato, qual objeto estão vulgação sobre Responsabilidade So- por conta de entender – as empresas
tocando. O “objeto” não revelado é um cial Empresarial. Por se tratar de um e uma parcela da sociedade que se
elefante. Posiciona-se a pessoa jun- movimento das empresas de adesão interessa pelo assunto – que filantro-
to a uma pequena área do corpo do voluntária cujas políticas são definidas pia não é RSE em seu conceito mai-
enorme animal, o participante a toca unilateralmente de acordo com as pos- or, e que fazer publicidade de ações
e diz uma sorte de possibilidades; o sibilidades, interesses e nível de com- inócuas e mentirosas resulta em efei-
segundo, da mesma forma, é coloca- prometimento das empresas, encon- to contrário sobre sua imagem com
do pegando o rabo, e provavelmente tramos um sem número de aborda- muita rapidez.
dirá que é um burro ou outro animal gens e programas colocados dentro
de rabo semelhante; o terceiro terá
nas mãos parte da tromba e logo tam-
da “cesta” RSE. Desta forma, fica di-
fícil para o observador que não acom- Sustentabilidade e
bém dará as mais variadas sugestões. panha o tema discernir entre os avan-
ços, as oportunidades e os oportunis- Transparência
mos criados por este movimento. Sustentabilidade e Transparên-
Entretanto, como toda idéia e cia são dois elementos especialmen-
ação que amadurece ao longo de sua te importantes ao tratarmos de RSE.
prática e enfrenta suas contradições, Ambos também constituem o aspec-
a RSE no Brasil tem proporcionado to mais utópico e, por que não dizer,
evidentes exemplos de avanço tanto contraditório deste movimento empre-
Regina Queiroz
- Coordenadora da área de Responsabilidade Social do Observatório Social
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sarial que emerge justamente quando começam a apare- cas de RSE, como é o caso da ONU e da OCDE – Orga-
cer para a sociedade os rápidos resultados negativos do nização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
processo de globalização. A pergunta feita em meados Várias iniciativas internacionais e nacionais estão empe-
dos anos 90 era simples: onde vai dar tudo isso em ter- nhadas em organizar normas e diretrizes dando as condi-
mos econômicos, sociais e ambientais? O esgotamento ções para que as empresas iniciem o processo de forma
dos recursos naturais, a deterioração social e, portanto, o alcançar resultados para si próprias e suas partes inte-
caos, estavam e estão em processo acelerado. Obvia- ressadas, como por exemplo o GRI – Global Reporting
mente estamos sentados sobre uma bomba. Há estudio- Initiative, a SAI – Social Accountability International (AS
sos que dizem termos entre 30 e 70 anos para “consertar 8000), ISO 26000, Instituto Ethos, Balanço Social do Iba-
o estrago”, principalmente ambiental. Isso significa que o se, entre outros. Em todas essas orientações a base co-
mundo deve tomar uma atitude urgente pautada pela bus- mum inicial é o estabelecimento de relações com as par-
ca da sustentabilidade. Preservar a possibilidade econô- tes interessadas e, como conteúdo, o respeito e cumpri-
mica no sentido de viabilizar a produção e o consumo, mento dos artigos que compõem a Declaração dos Direi-
garantir a sustentação social baseada no trabalho e nas tos Humanos e as convenções da OIT – Organização In-
relações entre os povos e grupos sociais, assegurar que ternacional do Trabalho.
as gerações futuras tenham os recursos naturais disponi- O processo é um grande desafio. Muito tempo
bilizados são tarefas impostas para toda a sociedade neste levará, se acontecer, para que um razoável número de em-
século. E, portanto e principalmente, para as empresas presas empenhe o tão esperado adjetivo “socialmente res-
que realizam, em altíssima escala, o seu poder de deter- ponsável” e, muito mais importante do que isso, poder-
minar a economia, as relações sociais e o uso dos recur- mos constatar verdadeiras mudanças no curso das rela-
sos naturais. ções de produção e consu-
A Transparência é a mo, nas relações sociais e
primeira regra do comprome- trabalhistas e no uso dos
Arte: Frank Maia
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Observatório Social avalia
saúde e segurança no trabalho
O Observatório Social se propõe a avaliar as condi-
ções de saúde e segurança nas empresas em que
aplica suas pesquisas. Para tanto, conta com um
termo de referência desenvolvido para interpretar e
contextualizar as normas internacionais à luz da
realidade brasileira, bem como complementá-las
com as normas e padrões nacionais de conduta
empresarial.
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“
O uso indiscriminado de agrotóxicos é um dos principais
problemas de saúde do trabalhador brasileiro. Proteja-se!
”
Rosane Lima
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