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MATRIZ RELIGIOSA BRASILEIRA Religiosidade e mudanga social y EDITORA VOZES Petrépolis 2003 30 JOSE BITTENCOURT FILHO além de ensejar a dissolugao das religides tradicionais, contribui para 0 isolamento, fragmentagio ¢ mesmo o esvaziamento dos idedrios religiosos institucionalizados. Infere-se disso que as erengas religio- sas na atualidade, longe de se organizarem comp um Gonjunto unité- rio e coerente, configuram-se segundo articulagSes arbitrérias e mes- mo nebulos Todavia, enquanto o individuo elabora 0 sentido de sua vida na esfera privada, com vistas A sua auto-realizagao, pretensamente dis- tante de uma realidade complexa que escapa a sua compreensao, esta mesma realidade, por seu turno, determina os fatos mais impor- tantes de sua existéncia. Em decorréncia disso, a religiosidade (cada vez mais intensa) no contexto da secularizagiio, consiste basicamen- te na tentativa de resolugao do paradoxo/conflito entre o individuo subjetivamente auténomo e sua respectiva impoténcia diante dos de- terminantes objetivos de sua existéncia. Tal resolugdo depende da situacao de classe e da biografia de cada um, ou seja, retornamos novamente 4 esfera privada individualista, percorrendo assim um cfrculo vicioso. Por tudo isso, na religiosidade em curso se justapdem crengas religiosas tradicionais, ao lado de contetidos ideolégicos e, ainda, novos valores religiosos em gestagao. O nexo entre esses compo- nentes, embora difuso, é a tinica matéria-prima disponfvel para a geraco de sentido. Essa ordem eclética de crengas e valores 86 pode ser realimentada mediante uma conduta consumista, embasada em preferéncias contingentes, que aos poucos vai tragando o perfil de novas formas religiosas. Nesse sentido, 0 mercado de bens simb6li- cos se constitui no acervo permanente onde podem ser adquiridas as nog6es religiosas e/ou simbélicas. Resta acrescentar que a comuni- dade religiosa, como um espago de organizag&o da relagéo com a transcend€ncia e com suas exigéncias atévicas, € substitufda por um conjunto fldcido ¢ mével de juizos utilitarios. MATRIZ RELIGIOSA BRASILEIRA: GENESE De fato, as religides que se quer classificar néo se comportam como espécies diferentes de um mesmo género; em outras palavras, elas néio podem ser consideradas como uma unidade analitica, mas formam as partes de uma unidade siniética. (Rudolf Otto) O Brasil pés-redemocratizagiio passa por urna transig&o econd- mica, cultural ¢ politica, na qual o fator religioso nfo pode ser ‘descurado, No contexto da globalizaco, a situagao brasileira € em- ‘blematica: temos 0 “mago”? mais lido do planeta; exportamos a »Assembléia de Deus para Moscou, a Igreja Universal do Reino de Deus para Paris, e a Umbanda para 0 Cone Sul. Tudo isso sem con- ‘taro mosaico religioso altamente complexo, constitufdo pelas pro- ‘postas e pelas sfnteses religiosas mais inusitadas ¢ a par disso, um ‘petite cada vez mais voraz das religides institucionalizadas por fa- r 5 5 « tias do poder estatal no Pais (e no Continente).4 Estarfamos assistin- 3 Referimo-nos ao prest{gio editorial adquirido no plano mundial pelo es- critor e poeta Paulo Coelho, que produz uma literatura mfstica de auto- ajuda, * Por exemplo: “Entre os protestantes brasileiros dissemina-se cada vez mais 0 sonho de um novo comego social, de uma reconstrugao sociopoliti- ca, que se éxpressa numa quase palavra de ordem: *O Brasil seré um pats diferente quando & sua frente estiver um homem de Deus’. Com isso, vive- se no presente a expectativa de grandes eventos, de uma ‘intervengao divi- na’ milagrosa, que ird provocar a decomposicao da atual ordem histérica © 32 JOSE BITTENCOURT FILHO do & configurago de uma nova ‘cristandade terceiro-mundista’? O mais importante € que 0 indivfduo tem tomado para si a tarefa de moldar a propria sintese, isto 6, construir a sua religiosidade priva~ da, com elementos oriundos de diferentes experiéncias religiosas, mesmo contraditérios. : Vivemos um clima intelectual que mostra uma simpatia especial pela desnaturalizacio das categorias tradicionais, pela descentsalizagio e por uma certa mirada que prioriza as frontelras das instituig6es culturais © nfo mais o seu centro, como antes sempre se fazia. Tudo isso condwz, quase necessariamente, a uma intensificaggo da sensagao de pluralida- de. Esta nova leitura plural observa um sujeito que, ele proprio, também se observa e se vé agora como auto-reflexivo, complexo e, as vezes, problematico, pelo proprio desafio da pluralidade intema com que con- vive (CARVALHO: 1994, 70). No caso do Catolicismo romano oficial 0 que temos visto € 0 papado diversificar cstrategicamente suas diretrizes, atingindo dire- ta ou indiretamente o campo religioso brasileiro. Em verdade, nessa passagem de século e de milénio, o Catolicismo romano vem bus- cando recuperar a lideranga. Depois de ter sido protagonista — por intermédio do papa Joao Paulo II ¢ dos bispos do Leste europeu — nas injungSes que conduziram a derrocada do regime soviético, vem atacando frontalmente o Capitalismo ¢ algando as bandeiras da li- berdade ¢ da justica social. Essa postura talvez decorra do fracasso polonés. O papa pretendia transformar esse pafs num modelo de na- Gio pés-comunista sob a hegemonia catélica nos Ambitos cultural ¢ politico. No entanto, descobriu que as aliangas dos movimentos so- © comego de uma nova era, aqui ¢ agora. Desse sonho messianico partici- pam tanto os que negam a sociedade CTestemunhas de Jeové) como os que a afirmam por intermédio da teologia da prosperidade e de uma agao pol|ti- ca mais participativa” (CAMPOS: 2000, 21). MATRIZ RELIGIOSA BRASILEIRA 33 ciais poloneses com setores eclesidsticos serviu apenas para con- frontar o velho regime. Apés a redemocratizagiio, nem sequer as te- ses anti-aborto prevaleceram. Como na maioria dos paises do Leste europeu, 0 catolicismo no foi capaz de conter as ondas de secula- tismo, consumismo e criminalidade.5 O sonho do Capitalismo ‘contido’ nao se concretizou. A hege- monia dos Estados Unidos ¢ do capitalismo financeiro® contribuiu sobremaneira para a disseminagao de distorgdes econdmicas, do de- semprego e do crime organizado. Paralelamente, tornaram-se ainda mais agudos os conflitos étnicos e setoriais, curiosamente incre- mentados pelo processo de globalizagZo, Por tdo isso, cldssicas te- ses socialistas c libertérias retomam com nova roupagem, posto que 5A condigao da Ruissia apés a restauragao do capitalismo pode ser assim resumida: “A intervengo estrangeira em todos os dominios, da economia & cultura, levou, no interior, ai surgimento de uma méfia de especuladores cujas fortunas crescem do dia para a noite, como cogumelos venenosos Para as muitiddes, aumenta a miséria que chega Amendicdncia ¢ A fome que se manifestou na Unido Soviética na época da fome de 1920, gerada des intervenges militares e da politica ocidental da ‘cortina de ferro’, No pla- no da cultura, ou melhor, da anti-cultura, esse pafs tomou-se, seguindo o exemplo dos Estados Unidos, um império da droga e da corrupgio” (GARAUDY: 1995, 50), 5 “{_..] Na atual catdstrofe do capitalismo de Estado, que tem deixado um tergo da populagao do mundo praticamente sem meios de subsisténcia, é a grande explosio do capital financeiro nao submetido @ regulagao, desde que o sistema de Bretton Woods foi desmantelado ha mais de duas décadas, com talvez um trilhdo de délares fluindo diariamente. A sua constitui¢io também mudou radicalmente. Antes de o sistema ter sido desmantelado por Richard Nixon, cerca de 90% do capital em trocas internacionais eram para investimento e comércio, e apenas dez por cento para especulagiio. Por vol- ta de 1990, esses percentuais foram invertidos. Um relatério da Unctad es- tima que 95% desses capitais destinam-se atualmente & especulagao (CHOMSKY: 1999, 37). 34 JOSE BITTENCOURT FILHO as promessas do neoliberalismo? se mostram precocemente invid- veis e, para espanto de todos, mesmo os grandes organismos finan- ceiros internacionais (Fundo Monetério Internacional e Banco Mun- dial) declaram publicamente que 0 novo sistema é iitrinsecamente produtor de exclusio® 7 Uma conceituagao de neoliberalismo seria: “O neoliberalismo é uma uto- pia ou teoria que pretende dar uma explicagao total do ser humano e da sua hist6ria em torno da economia. Faz da economia o centro do ser humano a partir do qual todo o resto se explica. Foi elaborada principalmente em Chicago sob a inspiragio de Friedrich Hayek, austriaco radicado nos Esta- dos Unidos depois da guerra, e de Milton Friedman, Desde Chicago 0 neo- liberalismo expandiu-se pelo mundo inteiro e tornou-se, na década de 80, 2 base do “pensamento tnico” no mundo ocidental” (COMBLIN: 2000, 15). ® Um dos aspectos mais significativos do proceso de exclusio é: “Apre- senta-se nos dias de hoje, uma novidade crucial: com o desenvolvimento fantastico das novas tecnologias, 2 maneira de se produzir as coisas ¢ a maneira de se executar os servigos sofreram uma transformagao profunda. Surge o fen6meno da automagio, isto é, as novas tecnologias criam instru- mentos que substituem a mao-de-obra humana, Os robds, por um lado, e os processadores cletrGnicos por outro, executam a maioria dos servicos que eram antes feitos por mos humanas. Com isso, multidées de pessoas for ma dispensadas de seus empregos, e as novas geragdes nem chegam a con- seguir um local de trabalho. As relagdes centrais que definem nossa socie- dade no so mais apenas a dominagdo ¢ a exploragao, como no modo de produgio capitalista. Pois sf bem menos agora os que podem ser domina- dos ou explorados. As pessoas so simplesmente excluidas do trabalho, exclufdas da produgio. Evidentemente, n&o estamos dizendo que o traba- Iho acabou. O que acabou, ou diminuiu substancialmente, € 0 tipo de traba- Iho, e de emprego, giie era central até agora. Isso exatamente porque nesse novo mundo que est surgindo, grande parte das pessoas no chegam mais ‘ao mercado de trabalho. A sociedade, em geral, ¢ 0 mundo do trabalho, estdo se estruturando a partir de mecanismos que impossibilitam, por prin- efpio, 0 acesso de grande parte das pessoas ao mundo do trabalho. E essa a novidade hoje. A isso se chama de exclusao, ¢ € dentro desse contexto his- t6rico fundamental que ela deve ser entendida (GUARESCHI: 1999, 144). MATRIZ RELIGIOSA BRASILEIRA 35 Por um lado, 0 Vaticano promove ampla aproximagao ccumé- nica, no intuito de extrair o maximo das reservas morais ainda exis- tentes, como contraponto ao pragmatisme inerente ao modelo capi- talista p6s-industrial. Além disso, com esses gestos ecuménicos 0 Catolicismo oficial estaria cedendo parte do seu prestfgio para as grandes religi6es, ou seja, a oportunidade de elas se manterem rele- yantes num mundo cada vez mais secularista no plano das relagdes fazer as massas? engolfadas pelo sociais. Por outro lado, para sat sistema, o mesmo Vaticano aceita 0 carismatismo ¢, assim, concor- re, em igualdade de condigdes, com outras propostas religiosas do- tadas de grande apelo popular. Nao deixa de incentivar ¢ apoiar os movimentos leigos de orientag&o conservadora, que formam qua- dros alinhados com a instituigao ¢ Ihe conferem suporte econdmico. Ao mesmo tempo, nao desampara por completo as “pastorais popu- lares” — herdeiras da Teologia da Libertagdo — que representam a vanguarda eclesidstica em favor dos setores empobrecidos organiza- dos. Ao mesmo tempo em que reafirma as orientagGes doutrindrias conservadoras (numa trajetéria oposta ao Concflio Vaticano I), es- tabelece bases para a discussdo de temas atualissimos (¢. g. a Enciclica Fides et Ratio). Um dos aspectos que mais tém causado perplexidade entre os observadores e analistas do campo religioso brasileiro é a passagem do absentefsmo politico para uma conduta politica explicita por par- te dos pentecostalismos. Desde a elcig&o de Fernando Color, a par- 9 Bm suma: “Sem diivida, uma das caracterfstcas mais marcantes da socie- dade moderno-contemporanea € 0 scu caréter de massificagao. O process de urbanizagio, o desenvolvimento das grandes regiées metropolitanas ¢ das megalépoles, os meios de transporte e comunicagio, os avangos tecno- lgicos produziram uma transformagdo inéditans histéria da humanidade quanto a alteragdes de padres de sociabilidade ¢ interagaio, costumes ¢ rotinas” (VELHO: 1994, 67). 36 JOSE BITTENCOURT FILHO ticipagtio de pentecostais na polftica institucional nos municipios, nos estados e no plano federal tende a consolidar-se. Os pentecos- tais continuam votando nos ‘seus’ caididatos, consoante a uma pos- tura de defesa dos interesses corporativos. As lidérangas incentivam essa postura, pois sabem que isso bem pode redundar na aquisigao de concessdes de emissoras de radio ¢ de televisao, terrenos para a construgao de templos e prédios adjacentes e outras formas de acumu- lagao patrimonial. Assim, 0 cfrculo se fecha: quanto mais patrim6- nio, mais canais de comunicago com as massas, maiores possibili- dades de formar opiniao, mais prest{gio, mais poder e melhores con- digSes de barganha politica.!° Na perspectiva da expansdo do campo religioso, o que mais cha- ma aatengao € a corrida das organizag6es religiosas para possufrem um espaco significativo na m{dia. Como ja se sabe hé muito tempo, “o meio € a mensagem”. Assim sendo, as agremiagSes religiosas vio burilando suas mensagens de modo a adapté-las aos meios ele- trénicos. Dessa mancira, realimentam as tendéncias reducionistas, utilitaristas e magicas,!! enraizando ainda mais 0 confinamento da religifio em nivel subjetivo — fendmeno considerado tipico destes 10 As controvérsias recentes sobre os pentecostalismos na opiniao ptiblica, permite especular que: “f...] a discussio brasileira em tomo desse “novo tipo" de pentecostalismo nio estaria refletindo, no fundo, o mal-resolvido de um aspecto importante das relagdes Estado-igroja(s) no Brasil. B como se algo que até agora era dado como niio-problemético aparecesse de uma hora para outra, ao grande piiblico, como um grande equivoco: uma insu- portdvel capitulagao do poder piblico diante de uma parcela podsrosa da sociedade - diante do poder econdmico e social das igrejas” (PIERUCCI: 1996, 10). 11 ese comportamento é tipico dos “clientes” das religiGes, ou seja, pesso- ‘as que reconhecem uma outra dimensio na realidade das situagbes vividas, mas que, independentemente dos contetidos religiosos, buscam apenas os , Isto 6, os efeitos benéficos dos ritos, “resultados MATRIZ RELIGIOSA BRASILEIRA 37 tempos p6s-modernos.!? Mais do que nunca, faz-se presente de mado até agressivo, a apropriacao de simbolos alheios, assim como a cons- tante perversdo de sfmbolos. Rudolf Otto, em O Sagrado," foi mundialmente reconhecido justamente pela coragem intelectual que demonstrou ao discutir ¢ tentar situar 0 elemento constitutivo fundamental da intuigdo reli- giosa. Sabemos que a experiéncia religiosa’* e a religiosidade que 12 Cabe ponderar como Sodré: “O poder pés-moderno assume formas pre- dominantemente culturalistas. O encurtamento das distancias pelo aperfei- goamento dos sistemas de transportes faz-se acompanhar do redimen- sionamento do tempo ¢ da reterritorializagao do espago social pelos meios de informagiio. Dos computadores 3 televisdo, o sistema circulatério da vida contemporanen é feito de matéria informacional. O préprio real da socieda- de p6s-modera nio se dissocia da produgio dos mass-media, O que fre- qilentemente se chama “fato social” é na verdade um fato “simulado” (nao falsificado, mas construfdo com l6gica propria) pelos mass-media, assim como um computador analégico simula um problema, para resol vé-lo. [...] Na pés-modernidade, revaloriza-se @ visio, mas através do envolvimento sensorial, através de uma perspectiva planetaria e dramatizante do mundo, propiciada pela iconosfera (0 universo das imagens). Os limites do real e do imagindrio podem se esfumar diante das técnicas criativas da inddstria culutural, diante do poder hiper-realista da informagao audiovisual (SODRE: 1991, 638). '3 Nesta obra classica 0 Autor busca revelar 0 elemento nfio-racional, ou ainda melhor, o cardter aprioristico da experiéncia religiosa, que seria inde- pendente de postulados racionais pois emerge das regides abissais da subje- tividade humana, 4 No tocante & natureza dessa eaperiéncia corroboramos a seguinte afirma- go: “A experiéncia religiosa em si é impenetrvel, por ser Gnica, pessoal, um modo de 0 individuo se transcender alcangando 0 deus, 0 divino. Este sentir € inenarrdvel. Todavia a relagao estabelecida pode ser captada na dimensdo exierna, ou seja, aquela do social. do cédigé, da cultura, neste nivel que a situa o conhecimento, tornando-a passfvel de interpre tacfio e elassifieagiio, emprestando-lhe sentidos ¢ significados, ou ainda, 38 JOSE BITTENCOURT FILHO lhe € inerente nao podem passar desapercebidas na perspectiva socio- l6gica da religiao, muito embora devamos estar advertidos quanto as dificuldades metodol6gicas, visto que: Devemos confessar honestamente que nao se conhecem indicadores vs- lidos ¢ incontestaveis do facto psicol6gico ou sociolégico religioso. O paradoxo afigurar-se-4 menos surpreendente se admititmos que é intitil tentar estabelecer tais indicadores no absoluto, independentemente de toda a realidade sociocultural, e que esta é eminentemente varidvel. Po- demos apenas verificar que existem grupos (ou individuos) que conside- ram “religioso” um conjunto de comportamentos, por exemplo, ¢ que estes grupos estdo eles proprios inseridos em formagées sociais mais vastas. Em si, 0 teligioso ndio 6 uma realidade empirica, obseryével. Nos ndo apreendemos sendio as suas expressdes € os seus portadores: gesto, palayra, objecto, texto, edificio, instituicZo, cerimOnia, crenga, lugar, tem- po, pessoa, grupo, e até, se quisermos, atitude ou temperamento, tudo pode assinalar, indicar algo de religioso, com diferentes conotagdes sem que no entanto se possa fixé-lo ou reté-lo. [...] Renunciemos a idéia de um fendmeno estatistico ¢ isolvel: imaginemos antes 0 epicentro de uma zona sismica, esse foco que apenas os movimentos do solo e os fluxos de ondas permitem determinar, mas que nfo se deixa ver nem tocar como o interior de qualquer corpo s6lido (POULAT: 1982, 507s). Na oportunidade em que presenciamos uma efervescéncia!S sem precedentes no campo religioso brasileiro, faz-se necesséria a am- apreendendo os sentidos ¢ significados que Ihe atribui a prépria religiao, enquanto cultura, B ainda nesta dimensao que se nomeia o deus ¢ se situa o divino” (COSTA: 1984, 95). 15 Bm verdade trata-se de um fendmeno histérico ¢ abrangente: “Quando ao final do século XIX, infcio do século XX, de desenvolve a corrente de laicizagdo das instituigdcs, o argumento judicioso € ada separagiio dos po- deres e da nfo invasto da vida politica pela religido,.mas como laicismo se opondo ao clericalismo, a doutrina se infletiu numa atitude de oposigao MATRIZ RELIGIOSA BRASILEIRA 39 pliag&o do acervo tedrico disponivel caso se deseje a devida inter- pretag&o dos fendmenos. Mais do que nunca, o pluralismo religioso brasileiro est4 a exigir um esforgo concentrado para ser compreendi- do, Pretendemos situar e incorporar nao 0 a priori da experiéncia religiosa, mas consoante & natureza sociolégica do trabalho, apontar a dimenso apriorfstica da religiosidade'* da média dos brasileiros ¢ tomar tal dimens&o como uma ferramenta teérica a mais no empe- nho hermenéutico do panorama religioso em nosso Pafs, sobretudo virulenta a religido. Mesmo fazendo apelo ao racionalismo ou ao socialis- mo cientffico, é preciso constatar que a religifio respondeu & ingenuidade erradicadora de seus detratores com uma vontade determinada de resistén- cia perceptfvel no papel contestatério da Igreja polonesa, nas guerras de religifo na Irlanda, no retorno do Isl integrista no Ir e no Oriente Préxi- mo, & no erescimento dos misticismos em resposta & crise do Ocidente. A teligiao nesses casos cxerce um papel politico, ¢ algumas vezes torna-se uma importante dimensio do social. Em outros casos, a descristianizagao pode significar enfraquecimento, mas nunca 2 liquidacao do seligioso” (RIVIBRE: 1989, 15). ‘6 Antonio Mendonga, num trabalho recente, primeiramente adverte quanto as dificuldades metodoldgicas da disting&o entre religiosidade e religifio, assim como uma definigdio segura das mesmas ¢, alerta para o fato de que nio necessatiamente a religiosidade supée vinculos com uma religi&o orga- nizada/institufda, Mesmo assim, arrisca duas definig6es de religiosidade: “a sensagdo generalizada de que o mundo estd sujeito a poderes ameacado- res da ordem — poderes caéticos ~, sejam de amplitude universal ou sim- plesmente localizados no espago e no tempo, estes quando se referem a grupos humanos isolados social e geograficamente”. B: a existéncia na cons- ciGneia daqueles tragos culturais de crenga em poderes benéficos e maléfi- cos que, de alguma forma, regem a vida nos minimos detalhes ¢ que podem estar subjacentes na aceitacdo de qualquer religio organizada, introduzin- do nela modificagées”. E acrescenta: “[...] A religiées invasoras de uma cultura estabelecida nao tém possiblidade de sucesso quando opdem diques irremoviveis a religiosidade subjacente nos receptores do novo discurso religioso” (MENDONCA: 1998, 42s). 40 JOSE SITTENCOURT FILHO no passado recente. Para tanto, importa nado apenas correlacionar eventos numa evolugao cronolégica, onde tudo aparentemente se desenrola segundo 0 binémio causa/conseqiiéncia, mas sim, buscar uma visio, a mais panoriimica possfvel. que inclua 0s nexos, as con- tradigGes, e os paradoxos, segundo a tessitura complexa e original que compreende. Implica também partir dos fatores ideolégicos que se prestam tanto para legitimar quanto para definir as identidades e as agGes do atores sociais. Em outros termos, discutir os fatores que tornam a religiosidade da maioria dos brasilciros singular ¢ original, a despeito do fato de que a formagiio social brasileira esteve ¢ esta subordinada a determinantes econdémicos, politicos ¢ culturais co- muns a lantos outros povos e nagd Por outro lado, discutir as peculiaridades de nossa sociedade é estudar também essas zonas de enconiro € mediagao, essas pragas ¢ adros dados pelos camavais, pelas procissées ¢ pelas malandragens, zonas onde o tempo fica suspenso e uma nova rotina deve ser repetida ou inovada, onde os problemas sao esquecidos ou enfrentados; pois aqui —suspensos entre a rotina automitica ea festa que reconstréi o mundo - tocamos 0 reino da liberdade ¢ do essencialmente humano. B nessas regides que renasce 0 poder do sistema, mas 6 também aqui que se pode forjar a esperanga de ver o mundo de cabega para baixo (DAMATTA: 1997, 18). Tudo isso porque formas, condutas religiosas, estilos de espiri- tnalidade,'7 ¢ condutas religiosas uniformes, evidenciam a presenga influente de um substrato religioso-cultural que denominamos Ma- trig Religiosa Brasileira. Esta expressao deve ser apreendida em seu sentido lato, isto , como algo que busca traduzir uma complexa interago de idéias ¢ simbolos religiosos que se amalgamaram num 17 José Jorge de Carvalho (1994), identifica quatro estilos principais de espititualidade no campo religioso brasileiro atual, a saber: mistica letrada, possessio ritualizada, espiritismo, e meditative oriental, MATRIZ RELIGIOSA BRASILEIRA at decurso multissecular, portanto, nao se trata stricto sensu de uma categoria de definigao, mas, de um objeto de estudo. Esse processo multissecular teve, como desdobramento principal, a gestagaio de uma mentalidade religiosa média dos brasileiros, uma representagao co- letiva que ultrapassa mesmo a situagfo de classe em que se encon- trem. E oportuno sublinhar que essa mentalidade expandiu sua base social por meio de injungdes incontrolaveis, como soe acontecer com os contetides culturais, para, num determinado momento histérico, ser incorporada definitivamente ao inconsciente coletivo nacional, uma vez que jd se incorporara, através de séculos, & pratica religiosa Cumpre indagar a esta altura quais foram os principais elemen- tos que se ‘fundiram’ na composi¢ao da Matriz Religiosa Brasileira. Para tanto, em primeira instancia e em termos muito sucintos, basta recorrer & formacdo histérica da nacionalidade: com os colonizado- res chegam 0 catolicismo ibérico (reconhecidamente singular) ¢ a magia européia. Aqui se encontram com as religides indfgenas, cuja presenga iré impor-se por meio da mesticagem. Posteriormente, a escravidao trouxe consigo as religides africanas que, sob determina- das circunstancias, foram articuladas num vasto sincretismo. No sé- culo XIX, dois novos elementos foram acrescentados: 0 espiritismo curopeu e alguns poucos fragmentos do Catolicismo romanizado. A Igreja Catélica Romana, por meio da assimilagao, tem busca- do contabilizar a seu favor essa religiosidade difusa, convivendo com as formas religiosas sincréticas e tomando como “catdlicos” pessoas alcangadas, de alguma maneira, pelas praticas sacramentalistas. Por- tanto, para o Catolicismo romano, a presenga ¢ a influéncia da Ma- triz Religiosa Brasileira, nunca representou um problema a ser en- frentado; quando muito representou apenas uma dificuldade a ser contornada sutilmente. O influxo do Vaticano II e seu aggiornamento produziu algumas alteragdes significativas nesse quadro. Para ser fiel 4s diretrizes do Concflio, a Igreja Catdlica teria que requisitar dos seus adeptos uma fidelidade doutrinéria, litirgica e devocional 42 JOSE BITTENCOURT FILHO mais explicita, em face das grandes inovagées introduzidas e do desiderato de insergao na modernidade. Diga-se de passagem que as novas diretrizes do’Coneflio fizeram,.de certa maneira, emergir a problemética da Matriz Religiosa Brasileira, sobretudo em virtude de um contratempo nao previsto: o desagrado das massas de fiéis com esse mergulho na modernidade secularizada, na qual valores matriciais arraigados, de um momento para o outro, encontravam-se ameagados de obsolescéncia parcial ou total.'* Na América Latina, em geral, ¢ no Brasil, em particular, o Catolicismo sé péde encami- nhar uma solugao (parcial) para esse contratempo mediante uma revalorizagao da assim chamada religiosidade popular; ha mesmo quem considere a religiosidade popular como a mais rica e original produgao cultural da civilizagao brasileira.!9 Nao poderia ser dife- rente, uma vez que, desde sempre, nas comunidades arcaicas, fazia- se imprescindivel uma permanente ‘recapitulagdo’, ou seja, a cria- go da identidade efetuada por meio de mediagGes simbdlicas capa- zes de manter o vinculo com as entidades ancestrais que hes deram origem, ‘trazidas’ para o presente por intermédio dos ritos e das fes- tas de carter religioso. 18 V4rios contratempos & mesmo protestos expl{citos ocorreram quando al- ‘gumas paréquias alinhadas as diretrizes conciliares, decidiram diminuir ow climinar a profusio de imagens de santos nos templos catélicos. Houve mesmo quem percebesse como um sintoma da reagio popular que as ima- gens retiradas dos templos catélicos foram povoar os altares dos terreiros de Umbanda. 9 O debate sobre a religiosidade popular aparece em decorréncia tanto do leiro, quanto da separacio Processo de romanizagao do catolicismo br entre Igreja e Estado por ocasigo da proclamacao da Repiiblica; portanto, data de pouco mais de um século. Em seus primérdios, esse debate fazia parte da estratégia catGlica de disputar a hegemonia perante o novo Estado republican e laico, Somente a partir do Vaticano IT a temética adguiriu novos contornos. MATRIZ RELIGIOSA BRASILEIRA 43 No Brasil, as denominagées do Protestantismo Histérico, consa- graram a prética de identificar os valores religiosos nativos com 0 mal, o pecado ea heresia. Assim sendo, as missGes protestantes des- de logo rechacaram quaisquer expressdes religiosas oriundas da Matriz Religiosa Brasileira e, dessa maneira, contribufram para recalcé-la ainda mais no plano inconsciente. Tal rejeigo tornou-se mesmo um elemento constitutivo da identidade evangélica brasilei- ra, assim como Ihe entiqueceu o discurso apologético, visceralmen- te anticatélico. Neste particular, 0 Pentecostalismo Classico,” se- guiu os passos do denominacionalismo mais tradicional, apenas exa- cerbando algans poucos aspectos. A despeito disso, jé nos primérdi- os, as denominagées do Protestantismo missionério tiveram proble- mas com movimentos mfsticos, sintomas da influéncia da Matriz.?! A catequese do Protestantismo Missionério nao foi capaz de de- sarraigar entre seus adeptos os contetidos advindos dessa religiosi- dade. Como j4 adiantamos, esses contetidos permaneceram intocados no plano inconsciente. Apesar do idedrio marcial ¢ exclusivista des- se protestantismo, a Matriz Religiosa Brasileira, ao modo de uma cor- rente subterrfinea, por vezes travestida com roupagem doutrindria, ® X classificagao Pentecostalismo Classico seré elucidada no capitulo se- guinte. 21 Tomamos conhecimento desses problemas por intermédio da obra de Emile G, Léonard, que batizou de Huminismo as teivindicagSes e condutas carisméticas de liderangas evangélicas, causadoras de abalos ¢ cisdes no Protestantismo missiondrio recém-implantado. H4 uma nota dos tradutores desta obra, explicando que “O conceito de iluminismo, usado pelo autor neste livro, difere frontalmente do conceito de iwminismo como ilustragao, como século das luzes, que protendia combater a ignorancia ¢ a supersti- ¢40, € para 0 qual sé havia uma crenga possfvel: a crengana razio, Trata-se, para Léonard, de uma iluminagao interior, de uma abertura para a captagaio direta das revelagbes divinas. ifuminismo & usado como sindnimo de misti- cismo.” 44 JOSE BITTENCOURT FILHO foi lenta e gradualmente minando a ortodoxia rfgida e eclodiu nas diversas modalidades de carismatismo que, a partir dos anos de 1960, provocaram profundas cisdes internas nas denominagoes tradicio- nais, Referenciado no racionalismo, o Protestantismo de Missao ado- tou uma postura de pura c simples rejeic¢&o dos contetidos matriciais, empenhando-se em ‘engessé-los’ no terreno das meras supersti¢des, como se isso fosse suficiente e eficaz, Os pentecostalismos, por seu turno, reprocessaram a religiosida- de de origem matricial, apondo-lhes sinais valorativos. Em outras palayras: ao invés de rejeitar esse sistema de crengas do senso co- mum, discriminaram e classificaram aquilo que pertenceria ao do- mfnio de Deus, e aquilo que se situaria na jurisdigao do Diabo. A rigor, com esse procedimento, os pentecostalismos ensejam que a Matriz Religiosa Brasileira permanega intacta. Bsta seria apenas cui- dadosamente realocada num novo esquema religioso. A guisa de sfntese, a partir destas consideragées iniciais, pode- mos arriscar uma equagao: 0 sucesso de uma proposta no campo religioso brasileiro seria diretamente proporcional ao seu comprome- timento, explicito ou implicito, com a Matriz, Religiosa Brasileira.22 2 Como prope Antonio G. Mendonga: “Cremos que 0 estudo da religiao no Brasil, tanto do seu desenvolvimento ag longo destes quinhentos anos de histéria como da efervescéncia religiosa deste fim de século, tem que reco- nhecer sempre, como ponto de partida, a necessidade de descobrir no lastro cultural que se formow 20 longo do tempo, as origens das formas de crenga, tanto no estado de pureza, se € que isso é possivel ao menos metodo- logicamente, como no das suas mutagdes. Temos de construir, a partir desse elementos fundantes, um sistema que expresse, mais ou menos generica- mente, © imaginario subjacente que sustenta de maneira mais ou menos equilibrada as diversas formas religiosas que se vo mantendo ou surgindo. A maior ou menor relago de qualquer movimento religioso com esse ima- gindrio ajudara a explicar 0 sucesso ou 0 fracasso de cacia um deles” DONGA 1998, 49s). MATRIZ RELIGIOSA BRASILEIRA 45 Evidentemente, para ter eficdcia, esse comprometimento deve vir devidamente involucrado num discurso e numa pratica religiosa con- dijzentes com as demandas subjetivas das maiorias a cada momento histérico: Algumas seitas surgem mais por quest6es estruturais, conseqiiéncia do movimento modernizante da nossa sociedade, do que por razées religio- sas. Quest6es, por exemplo, de identidade, sao cruciais: aderir a um de- terminado grupo é aderir a um movimento de aggiormamento, de atuali- zago maior em relagdo ao Primeiro Mundo; é sentir-se pertencer & con- temporaneidade; ¢ poder fazer certas coisas revestidas de prestigio atual —entre elas, poder participar de uma determinada seita religiosa. O mes- mo fenémeno ocorre no campo da mtisica, no campo da roupa, no cam- po dos costumes em geral, Enfim, existem estilos religiosos que tam- bém participam do circuito transnacional do consumo (CARVALHO: 1994, 78). Ou ainda, como nos esclarece Antonio G. Mendonga: [...] Os especialistas da religito buscam os meios de correlacionar 0 dis- curso mitico aos interesses em jogo, tanto os seus préprios como os dos que recebem o discurso. Como nas sociedades diferenciadas a competi- 40 também se estabelece no campo religioso, os especialistas acabam construindo sistemas de crengas segundo as estratégias do monopélio dos bens de religitio destinados As diferentes classes sociais, interessa- das nos seus servigos. Em outras palavras os mitos so correlacionados aos interesses de classe (MENDONCA: 1984, 10). Em contrapartida, 0 distanciamento da Matriz, até onde isso é possivel, pode ter como resultado 0 esvaziamento de uma proposta religiosa até seu esgotamento. Com efeito, podemos afirmar que nesse distanciamento reside uma das principais causas das crises recorren- tes de identidade tanto nas igrejas protestantes hist6ricas quanto no catolicismo tradicionalista. Na exploragao analitica dessa questio, 46 JOSE BITTENCOURT FILHO um aspecto fundamental, na 6tica da Sociologia da Religiao, é bus- car discernir a ‘chave’ de interpretag&o por meio da qual as massas espoliadas vivenciaram historicamente a religiio dos dominadores. num contexto de conflitos econdmicos ¢ politicos 4gudos e antino- mias éticas e culturais profundas: (...] Santiago de Compostela excita os.matamoros nas lutas da recon- quista ibérica: a Cruz vencedora do Crescente serd chantada na terra do pau-brasil, ¢ subjugaré os tupis, mas, em nome da mesma cruz, haverd quem pega liberdade para os indios ¢ misericérdia para os negros. O culto celebrado nas missGes jesufticas dos Sete Povos sera igualmente rezado pelos bandeirantes, que, ungidos por seus capeles, irio massacré- las sem piedade. Atenderd o Deus dos missiondrios e dos profetas pelo mesmo nome que o deus dos guerreitos e dos fariseus? A questo nodal € saber como cada grupo em situagfo lé a Escritura, ¢ interpreta, do Angulo da sua prética, os discursos universalizantes da religiio. Os sim- bolos, os ritos, as narrativas da criago, quedae salvagiio, o que fazem se iio recompor, no sentido de urna totalidade ideal, 0 dia-a-dia cortado pela divisdo econdmica ¢ oprimido pelas hierarquizs do poder? (BOSI: 1992, 15s) juracao original A idéia de esptritos é 140 comum para nds que ndo hd possibilidade de estranhé-la. Pode-se néo acreditar em esptritos, mas todos sabem 0 que so. (Ivone Maggie) A despeito do fato de que as letras € as artes fossem cultivadas no Ambito de algumas cortes importantes, a maior parte da populagao européia no século XVI cra analfabeta. A religiio das massas era impregnada de uma visio magica do mundo e de ingredientes fol- cléticos, ¢ a cultura religiosa catélica parece que apenas conseguiu MATRIZ RELIGIOSA BRASILEIRA 47 encobrir as zangadas divindades pag&s com um verniz. superficial. Assim, para as massas, quando os santos cristios (tidos na conta de semideuses) estivessem insatisfeitos por algum motivo, podiam cas- tigar os humanos, enviando doengas ¢ pragas. Ao mesmo tempo, quando estivessem benévolos, podiam prover a cura e o livramento. Os prdprios sacramentos eram associados aos gestos, sfmbolos e objetos magicos, remetidos que eram, por intermédio de associa- ges conscientes ¢ inconscientes, a antigas crengas pré-cristés. De qualquer maneira, a descrenga era algo absolutamente estranho na cosmovisao da Gpoca, as maiorias estavam sempre propensas a ‘acre- ditar’. Desse modo, as fronteiras entre os dominios natural ¢ sobre- natural eram quase inexistentes, sobremodo quando se considera que as maiorias mergulhadas na pobreza estavam inteiramente expostas As catdstrofes naturais, As epidemias, & fome, e, pela falta de instru- io, nao dispunham de quaisquer explicagdes razoaveis para a con- digio em que se encontravam. A par do pensamento religioso propriamente dito, o imagindrio europeu era povoado tanto da existéncia de parafsos terrestres de paz e prosperidade, como de terras onde viveriam monstros perigosos c criaturas demonfacas. Parte significativa desse imaginério migrou 23 No tocamte A perspectiva sociolégica da magia, R. Bastide problematiza: “A religifio tende para a oragdo. A magia permanece um mecanismo opera- t6rio, Se ela se espiritualiza, 0 jejum, a virtude ca castidade nao age como qualidades morais. Elas operam como propriedades mfsticas. Impedem o desperdicio de forgas magicas e aumentam a concentragao do espfrito cria- dor de milagres. [...] Desse ponto de partida dues linhas divergem: a que conduz os povos nos quais a religiao repele a magia, fechando-a em estrei- tos limites; ¢ a que conduz a povos nos quais a magia sufoca a feligiao assume o dominio inteiro do sagrado, Af hé um dos fendmenos mais curio- sos dia Sociologia da religifio: a separagiio das duas categorias, uma crescen- do até 0 cuito divino, a outra mumificando-se nas palavras do ritual magi- 0” (BASTIDE: 1990, 26s). 48 JOSE BITTENCOURT FILHO. para 0 Novo Mundo por intermédio dos colonizadores. Assim, tao logo foi “descoberto”, o Brasil foi visto tanto como um parafso terreal, em virtude das belezas e das riquezas naturais, como um lugar de softimentos ¢ de expiagdo, em virtude dos perigos-e dificuldades. Os moradores nativos, por sua vez, foram tidos como criaturas semidemontfacas, portanto, absolutamente carentes de conversiio. Essa renga que demonizava os habitantes da terra oferecia a vantagem adicional de justificar a escravizagdo. Com efeito, e segundo essa perspectiva, cristianizagao ¢ escravido podiam (€ deviam) cami- nhar juntas, muito embora parega que a Companhia de Jesus tivesse seus prdprios planos:%4 Em oposig&0 aos interesses da sociedade colonial, queriam os padres funder no Brasil uma santa replica de “indios domesticados para Je- ius” como os do Paraguai; serdficos caboclos que s6 obedecessem aos ministros do Senhor ¢ s6 trabalhassem nas suas hortas ¢ rogados. Ne- nhuma individualidade nem autonomia pessoal ou de familia. Fora 0 cacique, todos vestidos de camisola de menino dormir como num orfa- ato ou num internato. O trajo dos homens igualzinho a0 das mulheres e das criangas (FREYRE: 1997, 23). ™ Devemos estar advertidos para o fato de que a postura institucional da Igreja Catélica em relago 20 poder nem sempre coincidiu com a dos seus clérigos, como observa Sérgio Buarque de Holanda: “O fato de os nossos clérigos seterem distinguido freqientemente como avessosa disciptina social e mesmo ao respeito pela autoridade legal, o célebre ‘liberalismo’ dos ecle- sidsticos brasileiros de outrora parece relacionar-se largamente com seme- Ihante situag&o, Como corporac&o, a Igreja podia ser aliada e até ctimplice ficl do poder civil, onde se tratasse de refrear certes paixGes populares; como individuos, porém, os religiosos the foram constantemente contré- ios. Nao s6 no periodo colonial, mas também durante o Império, que man- teve a tradigao do padroado, as constantes intromissGes das autoridades nas coisas da Igreja tendiam a provocer no clero uma atitude de latente revolta contra as administragdes” (HOLANDA: 1977, 84). MATRIZ RELIGIOSA BRASILEIRA 49 Nos trés primeiros séculos de existéncia como colénia, o Brasil foi engendrado paradoxalmente no imaginério dos europeus — aqui e 14 — como uma terra portadora de uma natureza paradisiaca, po- rém, habitada por entes demonfacos e, por isso mesmo, dependendo das circunst@ncias, uma espécie de ‘purgatorio’. Entre os moradores do Brasil, nesse mesmo perfodo, fundiram-se as tradigées curopCias multisseculares com as tradigdes no menos antigas dos amerindios e africanos, fazendo com que a concepgao magica do mundo atra- vessasse as camadas sociais, com excegdo de uma infima minoria Ietrada. Isto fez com que a cristandade imposta acabasse por adqui- rit contornos excéntricos em relagdo 8 ortodoxia da [greja romana, quer devido & mestigagem, quer devido a posigo contraditéria da instituig&o eclesidstica no tocante & escravidao; por sinal, “merece uma palavra a parte a devogdo aos antepassados, que € comum ao africano, ao indfgena e ao catélico popular sob a forma de culto aos santos” (BOSI: 1992, 19). Assim sendo, na pratica religiosa colonial mesclavam-se elementos catélicos, negros, indfgenas (¢ até judai- cos), tecendo uma religiosidade deveras original. Nao tendo outra alternativa a Igreja tolerava e mesmo incentivava os processos sincréticos, muito embora tentasse impor-Ihes limites A bem da verdade, deve-se considerar a Matriz Religiosa Brasi- Ieira como © resultado inerente ao encontro de culturas ¢ mundi- vidéncias. Pode-se dizer, em grandes linhas, que no Brasil colonial colidiram duas grandes concepgées religiosas: uma que sacralizava © ambiente natural e as forgas espirituais a ele subjacentes; outra que ressaltava sfmbolos religiosos abstratos ¢ transcendentais. Tais concepges nao se mantiveram estanques, porquanto, na prética re- ligiosa popular, foram desde logo combinadas. E facil identificar que a primeira e mais antiga vertente era a dos povos indfgenas, bem como das etnias africanas que aqui aportaram em decorréncia da escravidao. Entretanto, os brancos adeptos do Cristianismo romano- cat6lico eram de certo modo portadores de crengas similares, se 50 JOSE BITTENCOURT FILHO considerarmos as religides ¢ a magia européia ancestrais. Vale regis- trar nesta altura um comentério acerca do Catolicismo popular por- tugués no.século XV: [..] Nem era entre eles a religiao 0 mesmo dura € rfgido sistema que entre os povos do Norte reformado e da propria Castela dramaticamente Cat6lica, mas uma liturgia antes social que religiosa, um doce cristianis- mo Iftico, com muitas reminiscéncias falicas ¢ animistas das religides pags: os santos ¢ 0s anjos s6 faltando tomnar-se carne e descer dos alta- res nos dias de festa para se divertirem com 0 povo; os bois entrando pelas igrejas para ser benzidos pelos padres; as maes ninando os filhi- nhos com as mesmas cantigas de louvar 0 Menino-Deus; as mulheres estéreis indo esfregar-se de saia levantada, nas pernas de Sao Gongalo do Amarante; os maridos cismados de infidelidade conjugal indo inter- rogar 08 “rochedos dos cornudos” e as mogas casadouras os “‘rochedos do casamento”; Nossa Senhora do 6 adorada na imagem de uma mulher prenhe (FREYRE: 1997, 22). Ao serem incorporados sociedade colonial brasileira, indios e negros nfo encontraram dificuldades em inserir-se na cosmoyisao religiosa do catolicismo ibérico (com raiz medieval). Tanto para os indigenas quanto para os africanos, as forgas da natureza eram pre- sididas por espfritos superiores e/ou personagens mifticos, ¢ conce- biam o ser humano imerso num mundo sobrecarregado de misté- rio.*5 Essa crenga nas ligagdes diretas entre um mundo espiritual, 0 25 Segundo Volney Berkenbrock: “Os primeiros contatos entre fndios ¢ africanos foram feitos através de escravos fugitivos que encontraram re- fiigio com os indios. A mestigagem entre {ndios ¢ negros concorreu para 0 sincretismo religioso tanto nas religides afto-brasileiras, como nas reli- gides indigenas. As tradigdes religiosas do norte do Brasil sfo hoje um exemplo tipico da influéncia afticana sobre as religides indigenas (BER- KENBROCK: 1998, 115). MATRIZ RELIGIOSA BRASILEIRA 51 mundo natural e 0 cotidiano das pessoas é partilhada pela maioria dos brasileiros, independentemente da situago de classe.25 Ivone Maggic, pesquisando os processos judiciais contra praticantes das religides afras, nas primeiras décadas do século XX, constata: Os processos revelam que esse tipo de erenga em espiritos 6 comparti- Ihada por todos os envolvidos nos processos. Os nossos magistrados, como os juizes dos séculos XVI e XVII na Europa, perseguem fazedores de magia negra ¢ feiticeiros, e os distinguem dos falsos feiticeiros e magos. [...] Assim, em vez de suprimir a crenga na feitigaria, a lei aqui funda um sistema de crenges compartilhado por todos (MAGGIE: 1992, 186s) Ademais, na sociedade colonial, tipicamente agraria, as festas religiosas continham elementos ancestrais dos cultos ligados as for- gas da natureza. As celebragées religiosas restauravam a confianga na vida, a despeito das vicissitudes ¢ temores, ¢ funcionavam como instrumento de coesdo social. Junto as imagens dos santos padroci- ros, brancos, indios, negros e mestigos uniam-se por meio das dan- ¢as rituais ¢ festivas, num misto de gratidao e prece para vencer os 26 Em resumo: “No caso brasileiro, encontramos fenémenos que, por sua Fiqueza e densidade, pdm em xeque esquemas ¢ classificagées demasiada- mente tfgidos. Refiro-me, principalmente, as religi6es e cultos de posses- si que atravessam quase toda a estratura social, No plano cultural, nfio hé como exagerar a importancia da crenga generalizada cm espfritos e nas suas possibilidades de se comunicarem. manifestarem ¢ influenciarem a vida cotidiana. Candomblé, umbanda, espiritismo, kardecismo, catolicismo po- ular, diversas seitas de origem protestante, com todas as suas importantes diferengas ¢ até pelos seus conflitos e acusagées recfproces, tém como refe- réncia permanente um dominio do sobrenatural mais ou menos benigno ou ‘maligno, mas de algum modo manipulével, sempre presentes nas ages hu- manas” (VELHO: 1994, 66). 52 JOSE BITTENCOURT FILHO muitos obstéculos da existéncia num ambiente hostil.?” Ao longo dos séculos, no entanto, vale registrar que essa religiosidade harménica com os movimentos da natureza foi sendo reprimida pela concepg{o que separa radicalmente mundo natural ¢ mundo espiritual e que desvaloriza 0 corpo e suas expressdes, ou seja, acaba por prevalecer uma perspectiva da modernidade letrada e daquela interpretagao crista que advoga um certo tipo de dominio sobre a natureza a par de uma espiritualidade abstrata. Alids, uma vez cientes do cerne da religio- sidade tupi que consistia no culto ¢ na comunicago com os ances- trais, a estratégia dos catequistas quanto aos ritos indigenas foi sim- plesmente a da ‘demonizacao’: Afestava, portanto, o alvo real a ser destruido pela pregacdo jesuitica. O método mais eficaz nfo tardou a ser descoberto: generalizar 0 medo, 0 hortor, jf (Wo vivo no indio, aos espfritos malignos, e estend8-1o a todas as entidades que se manifestassem nos transes. Enfim, diabolizar toda ceri- ménia que abrisse caminho para a volta dos mortos (BOSI: 1992, 69). Sabe-se que é praticamente impossfve] um levantamento rigoro- so da visio da Igreja Catélica por parte dos indfgenas e dos africa- nos, posto que nao existem fontes documentais seguras a respeito; contudo, podemos inferir que se tratava de uma visdo que inclufa a identificagio da Igreja com 0 poder dominante. A religiao foi utili- zada pelos proprietérios como instrumento de controle sobre os tra- balhadores cativos: 7 Roberto DaMatta refere-se ao titual como representagao dramatica de anseios sociais: “B no ritual, pois, sobretudo no ritual coletivo, que a socie- dade pode ter (¢ efetivamente tem) uma visio alternativa de si mesma, Pois & ai que cla sai de si mesma ¢ ganha um terreno ambfguo, onde nao fica como é normalmente, nem como poderia ser, j4 que 0 cerimonial é, por definigo, um estado passageiro. Mas esse estado passageiro talvez possa permanecer” (DAMATTA: 1997, 39). MATRIZRELIGIOSA BRASILEIRA 8 Alguns senhores exigiam que os escravos confessassem uma vez. por ano. “A confissto é 0 antidoto de insurreigGes”, dizia o padre Ant6nio Caetano da Fonseca, nos seus conselhos aos fazendeiros, “porque o con- fessor faz ver ao escravo que © seu senhor est4 em lugar de seu pai e, portanto, Ihe deve amor, respeito ¢ obediéncia; que o trabalho é necessa- rio ao homem para sua subsisténcia; que esta vida é nada em compara- giao com a etemnidade; que 0 escravo que sofre com paciéncia o seu cativeiro tem a sua recompensa no reino do céu, onde todos sto iguais perante Deus” [...] Essa doutrina caracterizava, em suma, 0 pensamento da Igreja, Ajustada a realidade social vigente, pactuava com a classe senhorial procurando realizar seu papel de mediadora na tentativa de eliminar conflitos e atenvar tens6es. Aos proprietérios aconselhava mo- deragdio, Resignagao, passividade e esperanca na vida eterna, humildade eobediéncia, eis o catecismo do negro (COSTA: 1998, 299s). Segue-se que, as grandes sfnteses sincréticas gestadas ao longo dos primeiros séculos da existéncia do Brasil foram resultantes, em primeira instfncia, das relag6es de poder estabelecidas pelo regime colonial, bem como do encontro de culturas; pois se sabe que tal encontro, no caso, propiciado pelo colonialismo, induz as pessoas & 08 grupos envolvidos a refazerem suas respectivas identidades uma vez confrontados entre si sistemas simbdlico e religiosos. Acrescen- te-se a isso 0 fato de que, durante o perfodo colonial, a organizagio religiosa esteve sab o controle do proprietério ¢ chefe da familia, como bem nos relata Gilberto Freyre. Tal peculiaridade, ao lado da formagio de uma nova cristandade composta de negros, mulatos € indios, conferiu ao catolicismo brasileiro caracterfsticas genuinamen- te inéditas, e deu margem a exercfcios aut6nomos de criatividade religiosa. Levando-se em conta que no século XIX o Espiritismo kardecista é bem acolhido no Brasil por segmentos sociais interme- didrios, consideramos este século ~ esqueméatica e formalmente — como 0 da consolidagao da Matriz Religiosa Brasileira, posto que 54 JOSE BITTENCOUAT FILHO completa o caldo de cultura que iria tragar com mais clareza o perfil da religiosidade média dos brasileiros até os dias atuais. Ao longo do perfodo colonial, embora 0 Catolicismo.estivesse no centro da vida cotidiana, crengas ¢ devogGes das mais. diversas permeavam, contudo, 0 universo religioso e o sincretismo de elementos religio- sos indfgenas e afticanos jé prenunciava a configuragaio do panora- ma {mpar da religiosidade popular colonial. A bem da verdade, faz-se necessdrio estabelecer um vinculo en- tre a religiosidade do povo e todos os traumas decorrentes da espo- liagdo e da repressdo coloniais. A falta de alternativas ao poder do- minante e o desenlace, quase sempre trdgico, das tentativas frustra- das de enfrenté-lo, inibia as esperangas, muito embora nfo as elimi- nassc. Geralmente, os descjos coletivos de libertag&o costumam ser transplantados para o plano simbélico, em particular, para o plano religioso, Nesse sentido, ao mesmo tempo que a religifio atenua sublima a opressio real, também se constitui numa modalidade de protesto potencial € transcendente que, a qualquer momento, pode transformar-se no ‘combustfvel utépico’ de ages sociais transfor- madoras. A propésito recorremos &s ponderagGes de Alfredo Bosi, comentando Marx: Quando se Iéem as palavras de Marx sobre o papel da religiio nas soci- edades oprimidas, capta-se melhor o movimento de certos grupos soci- ais para a expresso imagindria dos seus desejos: “alma de um mundo sem alma, espirito das situacSes sem espirito”. Como o Eros plat6nico que € filho da Riqueza ¢ da Pentiria, ndo sendo uma nem outra, mas vontade de livrar-se do jugo presente e ascender a fruigiio de valores que nfo peregam, assim o labor simbélico de uma sociedade pode revelar 0 negativo do trabalho forgado ¢ a procura de formas novas ¢ mais livres de exist8ncia. Os ritos populares, a misica e a imaginéria sacra produzi- das nos tempos coloniais nos dao signos ou acenos dessa condigéio ano- lada, Em algumas de suas manifestagées € posstvel nfo s6 reconhecer 0 ‘MATRIZ RELIGIOSA BRASILEIRA 55 lastro do passado como entrever as esperaneas do futuro que agem por entre os anéis de uma cadeia cerrada. A condigao colonial, como 0 siste- ma, é reflexa e contradit6ria (BOST: 1992, 30). Tem-se noticia de que no contexto da cristandade colonial desen- ‘volveram-se movimentos messianicos entre os fndios, alguns cuja origem antecede o Descobrimento, e que chegaram mesmo a incor- porar elementos do cristianismo romano-catdlico. A tonica de quase todos inclufa a expulsao dos brancos, ou seja, 0 fim da opress&o dos colonizadores. A par disso, é preciso nfio descurar que entre os euro- peus fazia-se presente o Sebastianismo, modalidade messianica que marcou a vida de Portugal, sobremaneita no decorrer do século XVIL. ‘A despeito disso, restaram apenas fragmentos das religides e movi- mentos religiosos indfgenas, que sobreviveram gragas 4 miscigena- ‘Gao, ap6s 0 proceso que, num pequeno lapso de tempo, conseguit dizimar milhées de indigenas e arruinar progressivamente as cultu- ras origindrias.* Por enquanto basta assinalar que elementos das religides indfgenas sobreviveram tanto por meio das instfncias clan- destinas da religiosidade dos mestigos e negros, quanto pelas de- mais sinteses sincréticas que itiam desaguar na Matriz Religiosa Brasileira. * # preciso recordar ainda que a descoberta dos territérios ¢, prin- cipalmente, dos povos amerfndios, colocou os colonizadores euro- Beus diante do dilema de torem de reconhecer a altoridade dos novos povos, uma alteridade cultural e antropoldgica totalmente inusitada, 28 A propésito do genoc{dio dos habitantes originais da terra: “[...] A au- séncia de uma instituigi0 politica capaz de decisces, a indisciplina de chefaturas guerreiras, mas sobretudo a condigio de microetnias fechadas em si mesmas, conduziu os fndios a enfrentamentos cada vez mais destrutivos, dos quais s6 podiam escapar fugindo sertao adentro, onde aca- bavam sendo encontrados Assim € que cinco ou seis milhdes de indies se reduzem a trezentos mi!” (RIBEIRO: 1995, 95).

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