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+: $BY Por: 2004 002. 23229 de Processanento de Acordaos ~ DIPAR) (007530/007537 Processo: Folhas div. Registrado en 23/02/2008 [ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIARIO ITRIBUNAL DE JUSTICA IDECIMA OITAVA CAMARA CIVEL IAGRAVO DE INSTRUMENTO N° 2004.002.13229 AGRAVANTE: IRANI DA SILVA BARBOSA AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO RELATOR: DES. CARLOS EDUARDO DA FONSECA PASSOS AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. Teste- munha de Jeova. Recusa a transfusio de sangue. Risco de vida. Prevaléncia da protegio a esta sobre a satide e a convicgao religiosa, mormente porque nao foi a agravante, senfio seus familiares, que manifestaram a recusa ao tratamento. Asseveragdo dos responsdveis pelo tratamento da agravante, de inexistir terapia alternativa e haver risco de vida em caso de sua no realizagio. Recurso desprovido. Vistos, relatados e discutidos nos autos de Agravo de Instrumento n° 2004,002.13229 em que é Agravante IRANY DA SILVA BARBOSA e Agravado MINISTERIO PUBLICO. ACORDAM os Desembargadores que compéem a Décima Oitava Camara Civel do Tribunal de Justiga do Estado do Rio de Janeiro, por AA ete AS vw At fe de votos, em rejeitar as preliminares.e negar provimento ao recurso, a : : , Des. Carlos Eduardo da Fonseca Passos [ESTADO 00 RIO DE JANEIRO PODER JUDICIARIO Trata-se de recurso interposto contra decisao interlocutéria, que determinou a expedig%o de alvaré judicial de autorizagao para realizagdo de transfusio sangiiinea € demais procedimentos médicos necessarios ao restabelecimento da saiide da agravante, eis que, in casu, ha de ser respeitada a razio de saiide publica referente a preservago da vide humana, em detrimento de eventual razdo de ordem religiosa. Sustenta a agravante, que a decisto recorrida viola diversos direitos fundamentais, garantidos em sedes constitucional € infraconstitucional. Acrescenta existirem tratamentos alternativos a terapia da transfusdo, cujos riscos sdo inferiores Aqueles decorrentes dela, sem qualquer prova do iminente risco de vida afirmado pelo agravado. Pede a reforma da decisdo agravada, a fim de que cessem as transfusées. ‘Ao recurso foi negado o efeito suspensivo postulado, consoante decisao de fls. 87/88. O Ministério Publico apresentou contra-razdes as fls. 199/202, com preliminares de nao conhecimento. Parecer da Procuradoria de Justiga, opinando pelo desprovimento do recurso. E orelatorio. Inicialmente, apreciam-se as preliminares de nao conhecimento do recurso por suposta irregularidade de representagao e estar prejudicado. Com efeito, o art. 17, par. unico, inciso II, do Estatuto do Idoso, permite que os familiares manifestem vontade em nome daquele, quando no tiver curador. De outro tuo, 0 recurso nao esté prejudicado, eis que objetiva impedir novas transfusbes. Assim, repelem-se as preliminares de inadmissibilidade. Quanto a0 métito, 0 recurso deve ser desprovido. 1J-18°CL. AG 1322972004 Des. Carlos Eduardo da Fonseca Passos w ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIARIO Com efeito, deferiu-se tutela antecipada, a requerimento do Ministério Piiblico, a fim de que a agravante fosse submetida a transfusao Ide sangue, eis que corria risco de vida e seus familiares recusavam tal terapia, sob o argumento de convicgao religiosa e ser referido tratamento também jarriscado. Havendo dois riscos, no exame da antecipagao da tutela, deve optar-se em evitar a concretizagao da situagdo mais danosa que, in casu, é a morte da agravante. Conforme se verifica de fls. 44, segundo os médicos lresponsaveis, “caracteriza a falta de transfusao risco de morte iminente”. Objetivando preservar a satide da agravante, oficiou-se ao Diretor do nosocémio, para que informasse se havia tratamento alternativo, lsendo respondido que “a paciente sobrevive em boas condigdes em resposta ao tratamento”, valendo salientar que, com tal informago, buscava preservar- se a convicgao religiosa da agravante, tendo sido declarado, categoricamente, que “nao ha terapia alternativa a hemotransfusfio com maior eficdcia e com menor risco ao paciente”. No exame da tutela antecipada, 0 norte do juiz é sempre a verossimilitude fundada em prova razoavel do afirmado na petigao inicial Até 0 momento, a prova conspira contra a agravante, eis lque, insista-se, entre o risco @ vida e A satide, se deve impedir aquela lpossibilidade de dano. Na lig&o de Nelson Nery Junior, “no choque entre direitos lrundamentais (vida x liberdade), a opgo do legistador é a de prestigiar a vida lque corre perigo. A predominancia do valor norteia a ago de quem se lencontra, v.g., por dever legal, na contingéncia de proceder manobras médicas lpara salvar 0 que carece de tratamento médico ou de intervengo cirdrgica limediata” (Codigo Civil Anotado, 2* ed., Rev. dos Trib., 2003, p. 160). Como referido, pela prova dos autos, prima facie, 0 isco lo tratamento efetivado é remoto e se houver nao sera da vida, mas da satde, mesmo assim, ndo € iminente. Ty-18CG. AG 1322972004 Des, Carlos Eduardo da Fonseca Passos x ESTADO 00 AlO DE JANEIRO PODER JUDICIARIO : E os autos atestam que a alternativa, no momento, sob o Gnus de risco de vida, é a transfusio. Nao ha elementos, que assegurem a adogio de outros meios. Por fim, nao obstante o respeito a convicedo religiosa de cada um, entre os dois bens juridicos tutelados, prevalece a vida sobre a liberdade, até porque nao foi a agravante que manifestou’a recusa ao tratamento, mas seus familiares. Ante o exposto, rejeitam-se as preliminares e nega-se provimento ao recurso. Rio de Janeiro, - ” DES. JORGE Lulz HABIB i oe “ Presidente coun — vols DES. CARLOS EDUARDO DA FONSECA PASSOS Relator Participaram também do julgamento os(as) Desembargadores(as): Des. Marco Antonio Ibrahim (Vogal}vercide Des.Célia Meliga Pessoa (Vega) JV. TJ-18°CO AG 1322972004 Des. Carlos Eduardo da Fonseca Passos Poder Judiciério Tribunal de Justica do Estado do Rio de Janeiro Décima Oitava Camara Civel AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 2004.002.13229 ‘AGRAVANTE: IRANI DA SILVA BARBOSA AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO VOGAL - DES. MARCO ANTONIO IBRAHIM Constitucional. Civil. Transfusio de sangue nao autorizada. Direito 4 privacidade e intimidade. Manifestagao expressa de recusa A terapia transfusional. Seja, ou nao, por motivo religioso a vontade do paciente deve ser respeitada porque nio ha conflito real entre 0 direito a autodeterminagéo a tratamento médico e o direito A vida. Todos os especialistas brasileiros e estrangeiros concordam com a afirmativa de que a transfusio sangiiinea nao é procedimento isento de risco de contaminasiio mortal do paciente, seja por virus, seja por infecgao bacteriana. Viola a dignidade da pessoa humana obrigar 0 paciente a receber transfusio sanguinea contra sua vontade, especialmente se existe tratamento alternative e nao ha prova cabal de risco 4 vida do mesmo. Exegese do art. 15 do novo Cédigo Civil que determina que ninguém pode ser constrangido a submeter-se com risco de vida, a tratamento médico ou G intervencéo cirtirgica. VOTO VENCIDO Ousei divergir da douta maioria, dés que 0 caso dos autos refoge 4quelas hipdteses encontradigas no dia-a-dia forense em que parentes se recusam a permitir que médicos promovam transfusdo sanguinea em paciente com risco de morte, Aqui, a propria paciente manifestou — lucida e conscientemente — recusa a0 tratamento proposto e 0 fez, no apenas por convicgées religiosas, mas também, dados 0s riscos envolvidos no procedimento. Poder Judiciério Tribunal de Justiga do Estado do Rio de Janeiro Décima Oitava Cimara Civel Segundo consta da prefacial, a agravante firmou um documento intitulado Diretrizes para a Equipe Médica em que se recusava, peremptoriamente, a receber transfusdo sangiiinea, autorizando, todavia, outros tratamentos com menores riscos de contaminagao. Diante disso e considerando que os familiares da agravante também desautorizaram a terapia transfusional foi acionado Ministério Publico que - 26 invés de defender os direito da agravante que, sendo idosa esta amparada pelo disposto no art, 17 do Estatuto do Idoso, - obteve do juiz a quo medida antecipatéria de tutela autorizando a transfusdo sem o menor contraditoric | A decisdo agravada, coonestada pelo entendimento da maioria, golpeou fundo, data maxima venia, a dignidade humana da gaciente que tem direito, legal € constitucionalmente garantido, a se recusar a receber tratamento desse jaez, Nao bastasse a recusa fincada em convicgbes religiosas, a agravante e seus familiares se insurgiram contra o referido tratamento que, sabidamente, traz riscos de alta contaminagao. Com efeito, poucos desconhecem que através de transfusdes sangiineas ~ mesmo aquelas cercadas de regulares testes preventivos ~ podem transmitir virus do tipo HIV e Hepatite, bem assim doengas infecciosas por contaminacao bacteriana. Pode, ainda, a transfusio ser responsavel pela instalacao, no paciente, de HTLV-1 e HTLV-2; Citomegalovirus; TT-Virus; Mal de Chagas, Maléria; Toxoplasmose; Sifilis; Doenga de Creutzfelt-Jacob - a chamada Doenga da Vaca-Louca, além de sobrecarga circulatoria, reagdes hemoliticas, reagdes alérgicas, etc. at Poder Judiciério Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro Décima Oitava Camara Civel ‘Quem quer que leia os jomais didrios com ordinaria atengao hd de perceber que mesmo em Hospitais de grande porte, no Brasil e no exterior, ha, frequentemente, casos de contaminago por transfusdo. Pois isso jé seria suficiente para se respeitar a expressa vontade da paciente cujo direito de escolna deriva de norma constitucional. Direito 4 Privacidade. A intimidade. Direito & auto: determinaco de tratamento médico. E se alguma divida inda existisse quanto a este evidentissimo direito, veja-se que 0 novo Cédigo Civil em seu art. 15 determina Ninguém pode ser constrangido a submeter-se com risco de vida, a tratamento medido 0 & intervencao cirirgica, E isto é nada mais, nada menos que a expresso legal de um dos Direitos da Personalidade !! mutilado e violado, as escdncaras, sem maiores fundamentos, pela decisao agravada. A tese esposada na petico recursal (alias, a mais perfeita, comovente e bem instruida que tenho visto em mais de vinte e cinco anos de experiéncia forense) conta com o apoio de abalizada doutrina como aquela capitaneada por CELSO RIBEIRO BASTOS que asseverava 0 respeito a liberdade do paciente em casos tais, reputando indevida a atuagao do Estado contra um direito de magnitude, digo eu, supra-constitucional. No mesmo sentido, irrespondivel parecer do doutissimo MANOEL GONCALVES FERREIRA FILHO. Mas nem sé por isso merecia reforma a decisao agravada. Ha mais: Lie reli 05 autos e neles no se vé qualquer prova convincente de que se esta diante de hipdtese de imediato risco de morte da paciente. E mesmo a resposta que, muito prudentemente, exigiv o eminente Relator, sobre a possibilidade de terapias alternativas, foi respondida de forma evasiva pela médica responsavel que afirmou (fis. 168) que nao hé outra alternativa mais eficaz que a transfusao, Ora ento hé alternativa. ” ane rf Poder Judiciario Tribunal de Justica do Estado do Rio de Janeiro Décima Oitava Camara Civel Cabe observar, por fim, que o préprio Conselho Federal de Medicina tem ‘exposto entendimento segundo 0 qual, nestes casos, se deve respeitar a vontade do paciente e seus familiares @ 0 tem feito, decerto, porque ¢ fato publico e notério que. as transfuses de sangue trazem grave risco de contaminacao, ainda que precedidas dos testes ordindrios de prevengao. Direito & vida nao se resume ao viver... O Direito a vida diz respeito 20 modo de viver, a dignidade do viver. S6 mesmo a prepoténcia dos médicos e a insensibilidade dos juristas pode desprezar a vontade de um ser humano dirigida a seu proprio corpo. Sem considerar os aspectos morais, religiosos, psicolégicos e, especialmente, filos6ficos que tao grave questao encerra. A liberdade de alguém admitir, ou nao, receber sangue, um tecido vivo, de outra (e desconhecida) pessoa. Diante do exposto votava no sentido de dar provimento ao recurso. Rio de Janeiro, 5 de outubro de 2004 fay DES. MARCO ANTONIO IBRAHIM Vogal aside

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