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Centro de Ciências Sociais

Departamento de Geografia e Meio Ambiente


Monografia Final de Conclusão de Curso

Rogério Pereira dos Santos

Complexo da Maré:
Múltiplas Territorialidades Locais em Movimento

Profª Drª Haidine da Silva Barros Duarte


(Orientador)

Rio de Janeiro
Dezembro/2005

1
Agradecimentos:

Aos meus pais, apesar de estarem um tanto distante da minha realidade


acadêmica...
À minha orientadora, professora Haidine Duarte, pela paciência,
disponibilidade de tempo e, principalmente, pelo suporte acadêmico durante este
trabalho final de curso e, também, nas disciplinas por ela ministradas.
Aos professores do Departamento de Geografia e Meio Ambiente pelos
ensinamentos que adquiri ao longo de minha jornada como graduando e à Edna,
funcionária, que tantos galhos quebrou a este aluno. Agradecimentos esses
extensivos ao Cláudio e a Anair do Departamento de História que, também muito me
ajudaram.
Aos professores da banca avaliadora, professores João Rua e Regina Célia
que, carinhosamente aceitaram o desafio de julgar minha monografia.
Aos funcionários do campus da PUC-RJ: André do Laboratório de
Informática – RDC; Sebastião da Biblioteca – 3º andar do prédio Frings; ao pessoal
da Pastoral (para o qual presto uma homenagem em especial pois, sem o benefício
do FESP, minha caminhada estudantil aqui na universidade não seria completa) e
aos ascensoristas que diariamente contribuíam para a minha chegada/saída às
aulas.
Aos colegas que conheci durante o curso, em especial, ao amigo Filósofo-
Geógrafo Professor Paulo José (PJDADS) que, sem dúvida alguma, foi um dos
alicerces de meu progresso como aluno.
Ao meu irmão Rildo, que muito me ajudou, principalmente, com xerox de
textos e outros materiais durante esses anos.
Ao técnico de informática Fernando Santos (Bimbão) pelo suporte
operacional dedicados a mim nesses quatro anos e meio de minha vida acadêmica.
Por último, dedico esta monografia em nome de José Rinaldo Pereira dos
Santos, meu irmão já falecido e a Ellen Ferreira Pereira dos Santos, minha primeira
filha.

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Sumário

I – Apresentação..................................................................................... 05

Capítulo 01: A Cidade do Rio de Janeiro e as Territorialidades em


Movimento .............................................................................................. 11
1.1 – Territorialidades e a Problemática Conceitual ........................... 11
1.2 – Territorialidades e Segregação Sócio-Espacial Urbana ............. 19

Capítulo 02: A Formação do Complexo da Maré.................................. 29


2.1 – Primórdios da Ocupação na Maré (1940/1960) ............................ 29
2.2 – Políticas Públicas e Seus Reflexos na Segregação do Espaço
(1960/1980)..................................................................................... 40
2.3 – Reconhecimento de Um Bairro Popular e as intervenções
Públicas (1980/2005) .............................................................................. 46

Capítulo 03: Os Territórios da Maré e Suas Particularidades ............. 51


3.1 – Os Atores Sociais e Suas Atuações na Maré: As
Territorialidades em Movimento............................................................ 51

4 – Conclusão ......................................................................................... 68

5 – Referências Bibliográficas............................................................... 69

6 – Anexos .............................................................................................. 72

3
"A favela é um espaço em constante movimento
porque os moradores são os verdadeiros responsáveis
por sua construção, ao contrário do morador da cidade
formal, que muito raramente se sente envolvido na
construção do seu espaço urbano e, em particular, dos
espaços públicos de sua cidade. A participação
comunitária ocorre de forma muito mais representativa
nas favelas e áreas favelizadas em geral do que na
cidade formal. Os técnicos, arquitetos e urbanistas
responsáveis por projetos e intervenções em favelas, na
maioria dos casos, em vez de tentar seguir os
movimentos já iniciados pêlos moradores, impõem sua
própria lógica construtiva, diretamente ligada à cultura e
à estética da cidade formal. Esses profissionais lutam
exatamente contra tal movimento do espaço das favelas,
com a finalidade de estabelecer uma pretensa” ordem".
O resultado (...) é uma rejeição por parte dos moradores
dessa imposição formal, o que resulta em uma
favelização ainda mais radical, como no exemplo das
alterações realizadas pelos próprios moradores nos
conjuntos habitacionais”. (Jacques 2002, p. 48).

In memória de José Rinaldo Pereira dos Santos


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Complexo da Maré:
Múltiplas Territorialidades Locais em Movimento

1 – Apresentação:

Este trabalho final de curso tem como objetivo central identificar os territórios
que envolvem o complexo da Maré e suas particularidades, tendo como foco
principal o tema “Complexo da Maré: Múltiplas Territorialidades Locais em
Movimento”, então observadas na área de estudo. Para tal será utilizado, com
freqüência, “A História da Maré em Capítulos”, encontrado na internet em
http://www.ceasm.org.br e que discutirá com muita eficácia a trajetória da formação
do bairro “Maré”.
De acordo com o site da Prefeitura (2003) a área territorial da Maré
corresponde a 426,88 ha (a densidade demográfica de cada comunidade está no
Anexo I). O recorte definido pelo IBGE ignorou a condição formal de bairro da Maré,
estabelecida desde o final da década de 80, reconhecendo as comunidades locais
como “Unidades Territoriais Específicas” – é a maior concentração de população de
baixa renda do município do Rio de Janeiro. O conjunto de 16 comunidades [Morro
do Timbáu (1930/1940), Baixa do Sapateiro (1947), Conjunto Marcílio Dias (1948),
Parque Maré (1953), Parque Roquete Pinto (1955), Parque Rubens Vaz (1961),
Parque União (1961), Nova Holanda (1962), Praia de Ramos (1962), Conjunto
Esperança (1982), Vila do João (1982), Vila do Pinheiro (1989), Conjunto Pinheiro
(1989), Conjunto Bento Ribeiro Dantas ou Fogo Cruzado (1992), Nova Maré (1996)
e Salsa e Merengue (2000)] totaliza, segundo o “Censo Maré – 2.000”1, uma
população de 132.176 representando esse contingente, 2,26% da população do
município do Rio de Janeiro e apenas 0.97 % dos habitantes do Estado do Rio de

1
O Censo Maré, a fim de melhor descrição da heterogeneidade local, considerou a comunidade de
Mandacaru, localizada no território de Marcílio Dias, como uma comunidade específica, devido às
suas condições peculiares.

5
Janeiro abrigado em 38.273 domicílios (Censo Maré 2000 2). A densidade
habitacional da Maré está representada no Anexo II.
Para Jacques (2002, p. 19) a Maré se diferencia de uma outra favela pois;

“A Maré não é simplesmente uma favela, mas o que se denomina um complexo de


favelas, várias comunidades diferentes juntas, como se fossem vários bairros
distintos, uma quase cidade formal. Assim a Maré se torna um dos maiores
laboratórios urbanos de habitação popular do país, onde inúmeras experiências
habitacionais foram feitas nas últimas décadas. O próprio sítio sofreu tantas
alterações que a própria maré que deu nome ao complexo já não existe mais; foram
tantos os aterros, que o mar já ficou bem distante”.

Ainda Jacques (Ibidem, p. 21):

“A pseudo-semelhança entre as mais diversas favelas cariocas pode ser desmentida


em um rápido passeio pela Maré. A diversidade de formas está patente nas
diferentes comunidades do complexo. Quase todas as morfologias urbanas e
tipologias arquitetônicas referentes a habitações populares têm ou tiveram um
exemplar na Maré: da favela labiríntica de morro ao mais cartesiano conjunto
habitacional modernista, passando por palafitas em áreas alagadas e conjunto
habitacionais favelizados. Vai-se do padrão mais informal ao mais formal, que acaba
se informalizando também”.

Tomadas no interior de uma mesma unidade territorial, as comunidades que


compõem o bairro da Maré possuem, na sua dimensão populacional absoluta, uma
expressão significativa em relação ao conjunto da população da Região
Metropolitana e do próprio Estado do Rio de Janeiro (Fonte: Censo Maré 2000).
A expressividade do tamanho do Complexo da Maré pode ser constatada
quando se toma como referência os 22 municípios mais populosos da malha
municipal do Estado do Rio de Janeiro, hoje composta por 91 unidades
administrativas. Um olhar superficial verifica que o bairro da Maré possui um número
de habitantes superior aos identificados para Macaé (131.550 hab), Cabo Frio
(126.894 hab), Queimados (121.688 hab), Angra dos Reis (119.180 hab), Resende
(104.482 hab) e Barra do Piraí (88.475 hab). E, numa classificação por ordem de
grandeza, se o bairro da Maré recebesse o status de município, ocuparia a 17ª
posição em termos populacionais nesse estado (Ibidem).

2
O “Censo Maré 2000” foi um empreendimento com iniciativa do CEASM, com financiamento do
BNDES e com vínculos a um conjunto de iniciativas de Políticas Sociais da Prefeitura do Rio de
Janeiro e que ficou conhecido como “Projeto Multissetorial da Maré”.

6
O destaque da Maré torna-se mais evidente e visível quando comparamos o
tamanho absoluto de sua população com os números identificados para os
municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, conforme apresenta o Tabela
I.
Tabela I – População Residente nos Municípios da Região Metropolitana
do Rio de Janeiro:

Município População Município População

1 – Rio de Janeiro 5.851.944 11 – Queimados 121.688

2 – Nova Iguaçu 915.366 12 – Japeri 83.160

3 – São Gonçalo 889.828 13 – Itaguaí 81.952

4 – Duque de Caxias 770.865 14 – Maricá 78.556

5 – Niterói 458.465 15 – Seropédica 65.020

6 – São João de Meriti 449.229 16 – Paracambi 40.412

7 – Belford Roxo 433.120 17 – Guapimirim 37.940

8 – Magé 205.669 18 – Tanguá 26.001

9 – Itaboraí 187.127 19 – Mangaratiba 24.854

10 – Nilópolis 153.572 XXXXXXXXXXXXX XXXXXXXXXX

Fonte: (Censo Maré 2000) http://www.ceasm.org.br

A simples observação dos dados nos indica que a população da Maré


apresenta um tamanho absoluto superior aos números apresentados por nove
municípios da Região Metropolitana (Queimados, Japeri, Itaguaí, Maricá,
Seropédica, Paracambi, Guapimirim, Tanguá e Mangaratiba). Tomando a Maré
como um município hipotético, ele ocuparia a 11ª posição em termos de população
desta região do Estado. Seu contingente demográfico corresponde à população de
um município com a possibilidade de representação política, segundo o que
determina a Constituição Federal.
No que concerne aos outros complexos de comunidades populares do Rio de
Janeiro, Rocinha, Alemão e Jacarezinho, observa-se que o bairro em estudo
aparece como o de maior concentração populacional.

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Tabela II – População nas Principais Favelas do Rio de Janeiro:
Localidade 1991 1996 2000
Rocinha 42.892 45.585 56.313
Alemão 51.591 54.795 65.637
Jacarezinho 37.393 34.919 36.428
Maré 62.458 68.817 113.817 /
132.176*
Fonte: (Censo IBGE – 2000; *Censo CEASM-2000).

Embora a Tabela II confirme a concentração da população na Maré, cabe


destacar que o crescimento revelado pelos números do IBGE, não expressa um
incremento real, por que o Instituto levou em consideração na sua contagem da
população da Maré, nos anos de 1991 e 1996, apenas nove comunidades: Baixa do
Sapateiro, Parque Maré, Nova Holanda, Roquete Pinto, Rubens Vaz, Parque União,
Praia Ramos e Timbáu. As demais não foram incorporadas por serem definidas
como conjuntos habitacionais.
Na composição social do Bairro Maré é bastante relevante a questão de
gênero. A presença feminina destaca-se ali como sendo a maioria dos seus
habitantes (vide Tabela III), acompanhando a tendência da distribuição da população
por gênero no estado e no município do Rio de Janeiro (vide Tabela IV), onde as
mulheres também se apresentam com expressiva maioria.

Tabela III – Distribuição da População Residente no Bairro Maré por


Gênero:

Comunidades Homens Mulheres Sub-total


Parque União 8.911 8.885 17.796
Vila Pinheiros 7.641 7.844 15.485
Parque Maré 7.557 7.842 15.399
Baixa do Sapateiro 5.512 5.955 11.467
Nova Holanda 5.547 5.748 11.295
Vila do João 5.280 5.371 10.651
Rubens Vaz 4.060 3.936 7.996
Marcílio Dias 3.610 3.569 7.179

8
Timbáu 2.962 3.069 6.031
Conjunto Esperança 2.827 2.901 5.728
Salsa e Merengue 2.644 2.665 5.309
Praia de Ramos 2.287 2.507 4.794
Conjunto Pinheiros 2.319 2.448 4.767
Nova Maré 1.517 1.625 3.142
Roquete Pinto 1.238 1.276 2.514
Bento Ribeiro 1.082 1.117 2.199
Dantas
Mandacarú 206 218 424
Maré 65.200 66.976 Total 132 176
Fonte: Censo Maré – 2000

Tabela IV – População por Gênero no Estado e no Município do Rio de


Janeiro – 2000

Unidade Mulheres Homens


Estado do Rio 7.490.947 6.900.335
Município 3.109.761 2.748.143
Maré 66.976 65.200
Fonte: Censo IBGE – 2000

Ao longo dos últimos 10 anos, a Maré apresentou um rápido incremento de


domicílios e, evidentemente, de população. Com isso, ela aparece, pela primeira
vez, como o mais populoso complexo de favelas do Rio de Janeiro. O fato decorre
da incorporação ao bairro, pelo IBGE, das comunidades locais até então
identificadas como conjuntos habitacionais. Outro fator significativo foi a construção,
entre 1993 e 1997, de três novos conjuntos, realizada pelo programa municipal de
remoção de populações em áreas de risco: Nova Maré; Bento Ribeiro Dantas e
Salsa e Merengue (oficialmente identificado como Novo Pinheiros).
A grande fronteira interna existente atualmente no Complexo da Maré não
está entre as comunidades mas, infelizmente, entre as três diferentes facções do
tráfico de drogas e do crime organizado que, literalmente, cortam a Maré ao meio
com suas disputas de territórios de dominação. Verdadeiras batalhas são travadas
quase sempre entre as facções rivais ou entre essas e a polícia, o que acaba, de

9
fato, formando áreas de confronto perigosas, verdadeiras ‘linhas-de-tiro’ dentro do
complexo, afetando de forma direta a vida cotidiana de seus moradores.
O objetivo em estudar esse complexo encravado no espaço urbano carioca
(ver a disposição espacial da Maré no Anexo III) advém não só de uma vivência
cotidiana como morador que nasceu e cresceu acompanhando seus movimentos
sociais mas, sobretudo, de procurar entender suas possíveis territorialidades,
decorrentes do conflito de interesses entre os atores sociais que interagem no
processo de estruturação do local.
O primeiro capítulo procura de forma, sucinta, mostrar o Complexo da Maré
como produto da chamada “fragmentação do tecido sócio-político espacial”, como
define Souza (2003, p. 500), no processo de expansão da cidade do Rio de Janeiro
e a constituição de territorialidades em seu tecido urbano, partindo de considerações
de natureza conceitual formulada por autores que têm se dedicado ao tema
territorialidades.
O segundo capítulo, de caráter empírico, trata de forma factual a formação do
Complexo da Maré e suas vinculações com as políticas públicas voltadas para a
população de baixa renda, tema este que extrapolando o objeto da presente
dissertação mantém-se na pauta de discussões, como as que ainda hoje, em pleno
século XXI, envolvem as lideranças políticas do Município do Rio de Janeiro.
No terceiro capítulo são apresentados os principais atores sociais que fazem
do Complexo da Maré um espaço partido, fragmentado e marcado pelo interesse de
facções antagônicas, suas práticas sociais e, de que algum modo, caracterizam as
territorialidades e as desterritorialidades evidenciadas no local.
Finalmente, na tentativa de arriscar algumas conclusões, são feitas as
considerações finais sobre esta monografia.

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1 – A Cidade do Rio de Janeiro e as Territorialidades em
Movimento:

1.1 – Territorialidades e a Problemática Conceitual:

Antes de esclarecer de que forma entendo o termo território – para logo em


seguida tratar das possíveis territorialidades que possam ser identificadas nas áreas
da Maré – acho de suma importância definir o conceito de espaço pois, é nele que
se insere o território e como diz Raffestin (1993, p. 178): “o espaço é anterior ao
território”.
De acordo com Andrade (1994, p. 213) o conceito de território:

“não deve ser confundido com o de espaço ou de lugar, estando muito ligado à idéia
de domínio ou de gestão de uma determinada área, sendo assim, deve-se ligar
sempre a idéia de território à idéia de poder, quer se faça referência ao poder
público, estatal, quer ao poder das grandes empresas que estendem os seus
tentáculos por grandes áreas territoriais, ignorando as fronteiras políticas”.

Este mesmo autor cita que “o território, unidade de gestão, se expande pelo
espaço não conquistado e cria novas formas de territorialidades que dialeticamente
provocam novas formas de desterritorialidades e dá origem a novas territorialidades”
(Ibidem, p. 220).
Milton Santos (1997, p. 51) foi um dos autores que mais trabalhou com este
tema geográfico e segundo ele o espaço seria formado: “por um conjunto
indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de
ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história
se dá”.

Define ainda que (Ibidem, p. 83):

“O espaço, uno e múltiplo, por suas diversas parcelas, e através do seu uso, é um
conjunto de mercadorias, cujo valor individual é função do valor que a sociedade, em
um dado momento, atribui a cada pedaço de matéria, isto é, cada fração da
paisagem”.

Para o mesmo autor, “o espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais
artificiais, povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e

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cada vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e a seus habitantes.”(Ibidem p.
51).
Santos, afirma, entretanto, que espaço e paisagem não são sinônimos. “A
paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças
que representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e a natureza. O
espaço são essas formas mais a vida que as anima” (Ibidem, p. 83).
Para Lefebvre, citado por Ferreira (2005):

“a utilização da noção de forma, função e estrutura (utilizadas com o mesmo peso de


importância) que contribuiriam para a revelação do espaço produzido, já que
permitiria a apreensão de suas estabilidades provisórias e de seus equilíbrios
momentâneos, até porque a própria noção de estrutura tem, também, um caráter
provisório. Ademais, a conjunção das três noções permite desvelar um conteúdo
sócio-espacial que se encontra oculto, posto que dissimulado nas formas, funções e
estruturas analisadas”.

Ainda Ferreira (2005) citando Santos, apoiado por Lefebvre, propõe a


utilização dessas categorias como um auxílio na interpretação do espaço em sua
totalidade – acrescentando aqui outra variável, o processo. Para Ferreira o espaço
deve ser analisado a partir de algumas categorias a qual ele classifica como: Forma
(o aspecto visível de um objeto), Função (atividade a ser desempenhada pelo objeto
criado, a forma), Estrutura (trata-se da natureza social e econômica de uma
sociedade em um dado momento do tempo: matriz social onde as formas e funções
são criadas e justificadas) e Processo (é uma estrutura em seu movimento de
transformação). A esse respeito Correia (1995, p. 29-30) escreve que:

“Forma, função, estrutura e processo são quatro termos disjuntivos associados, a empregar
segundo um contexto do mundo de todo dia. Tomados individualmente, representam apenas
realidades parciais, limitadas, do mundo. Considerados em conjunto, porém, e relacionados
entre si, eles constroem uma base teórica e metodológica a partir da qual podemos discutir os
fenômenos espaciais em totalidade”.

Referindo à sua natureza multifacetada como aspecto teórico mais importante


do espaço, Lefebvre citado por Gottdiener (1993, p. 127), menciona que:

“O espaço é ao mesmo tempo o local geográfico da ação e a possibilidade social de


engajar-se na ação. Isto é, num plano individual, por exemplo, ele não só representa
o local onde ocorrem os eventos (a função de receptáculo), mas também significa a
formação social de engajar-se nesses eventos (a função da ordem social)”.

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Lefebvre conceitua “design espacial” como sendo ele próprio, um aspecto das
forças produtivas da sociedade – que, juntamente com a tecnologia, o conhecimento
humano e a força de trabalho, contribuem para o nosso “potencial de produção –
assinala ele que:

“A cidade, o espaço urbano e a realidade urbana não podem ser concebidos apenas
como a soma dos locais de produção e de consumo... O arranjo espacial de uma
cidade, uma região, um país ou um continente aumenta as forças produtivas, do
mesmo modo que o equipamento a as máquinas de uma fábrica ou de um negócio,
mas em outro nível. Usa-se espaço exatamente como se usa uma máquina.”
(Ibidem, p. 128).

“O design espacial é um instrumento político de controle social que o Estado usa para
promover seus interesses administrativos. O espaço de autoridades e
administrações políticas dá, assim, ao Estado um instrumento independente para
promover seus interesses”. (Ibidem, p. 130).

Já Geiger, (1994, p. 238) analisa a cidade de forma que ela “aparece


implicitamente como o elo entre o território e o amplo espaço, o material, e o
abstrato, do pensamento. O território corresponde a um nível de produção social do
espaço”. Este autor também defende a tese de que “espaço e território não
significam exatamente a mesma coisa e o esclarecimento deste fato tem a ver com a
argumentação sobre os conceitos de des-territorialização e espacialização ora em
uso” (Ibidem, p. 235).
A respeito de território, Raffestin (1993, p. 59-60) entende ser “um trunfo
particular, recurso e entrave, continente e conteúdo, tudo ao mesmo tempo. O
território é o espaço político por excelência, o campo de ação dos trunfos”.
Neves (1994, p. 271) define os territórios como “espaços de ação e de
poderes e esse poder – como capacidade de decidir – é adaptado às circunstâncias
contraditórias e particulares no tempo e no espaço [cada vez mais diversificado e
heterogêneo]”.
Ainda para esse mesmo autor, “os novos territórios estão sendo formados e
transformados em todas as partes sobre os escombros das territorialidades, da luta
de classes ou das novas fontes espacializadas de produção de mercadorias”
(Ibidem, p. 273).
Já Corrêa (1989, p. 09) analisa o espaço urbano como sendo um local
“fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos e
campo de lutas”. É assim a própria sociedade em uma de suas dimensões, aquela

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mais aparente, materializada nas formas espaciais. Cita ainda que “este espaço seja
um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo e engendradas
por agentes que produzem e consomem espaços, são agentes sociais concretos”. A
esses agentes que fazem e refazem a cidade ele nomeou-os em: proprietários dos
meios de produção (os grandes industriais); os proprietários fundiários (interessados
no valor de troca da terra e não no seu valor de uso); os promotores imobiliários
(que realizam operações de incorporação, financiamento...); o Estado (que atua
diretamente como grande produtor e consumidor de espaço) e os grupos sociais
excluídos (que tinham como possibilidades de moradia os densamente ocupados
cortiços localizados próximos ao centro da cidade). E assim o espaço transforma-se,
através da política, em território.
Para Andrade (1994, p. 251) o “território não é sinônimo de espaço... do
mesmo modo territorialidade e espacialidade não devem ser empregadas de modo
indiferenciado”. Para ele “território constitui-se, em realidade, em um conceito
subordinado a um outro mais abrangente, o espaço, isto é, à organização espacial;
ele é o espaço revestido da dimensão política, afetiva ou ambas”.
Trindade Júnior (1996, p. 139) analisa da seguinte forma: “O espaço urbano
não é sujeito, mas produto, condição e meio de (re)produção das relações sociais.
Nesse sentido, a reprodução da vida da e na cidade hoje faz-se num contexto de
instauração de uma, como diz Lefebvre, sociedade urbana que é, ao mesmo tempo,
real e virtual”.
Ramagem (1996, p. 49) diz que “um território pressupõe um povo, um
grupamento com unidade cultural, o qual reclama uma dada porção do espaço como
exclusivamente sua; um espaço vivido, campo de representações simbólicas, lócus
de solidariedades territoriais, percebido através do sentimento”.
Outro autor que trabalha com este tema é Souza (1995, p. 78) que define o
território fundamentalmente como: “um espaço definido e delimitado por e a partir de
relações de poder”.
Souza (Ibidem, p. 99) prefere empregar o termo “Territorialismo” – que longe
de ser uma simples questão de instinto, é também uma estratégia – para designar o
conteúdo de territorialidade. Diz ainda que no singular (territorialidade) “remeteria a
algo extremamente abstrato: aquilo que faz de qualquer território um território, isto é,
relações de poder espacialmente delimitadas e operando sobre um substrato
referencial” e no plural (territorialidades) significariam “os tipos gerais em que podem

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ser classificados os territórios conforme suas propriedades, dinâmicas, etc”. O autor
exemplifica: territórios contínuos e territórios descontínuos singulares são
representantes de duas territorialidades distintas, contínuas e descontínuas. A
territorialidade remete a um certo tipo de interação entre o homem e o espaço, a
qual é sempre uma interação entre seres humanos “mediatizada pelo espaço”
(Raffestin, 1993 p. 160). Já Robin, citado por Haesbaert (1995, p. 202) indaga que:

“Quanto ao espaço e ao território, eles tendem a ser escamoteados: a mundialização


operada pela multimídia e a infovias apagam nossas referências espaciais. O espaço
público vivido, aquele da rua, da cidade (...), desaparece. Ora, o território é o lugar
privilegiado da construção social, o laço maior de articulação entre o social e o
econômico; é aí também que se constata a alteridade e se opera o confronto com os
outros. De fato, não existe político que não se inscreva sobre um território.”.

O geógrafo Haesbaert é o autor que tem se dedicado a discutir o conceito de


território, alimentando com suas formulações o conhecimento das relações sociais
inerentes ao processo da produção do espaço. Compreende o autor (2001, p. 1770)
que as concepções de território podem ser agrupadas em três pontos – tendo como
influências as leituras de Augé (1992), Deleuze, Guattari (1997), Storper (1994),
Raffestin (1993) e Sack (1986):
* Jurídico-político = “... é a mais difundida, onde o território é visto como um
espaço delimitado e controlado, através do qual se exerce um determinado
poder, na maioria das vezes visto como o poder político do Estado”.
* Cultural(ista) = “... prioriza a dimensão simbólico-cultural, mais subjetiva,
em que o território é visto sobretudo como o produto da
apropriação/valorização simbólica de um grupo sobre seu espaço”.
* Econômico = “... bem menos difundida, enfatiza a dimensão espacial das
relações econômicas, no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho”.
O território define-se, segundo Ferreira (2005), essencialmente, a partir de
relações de poder:

“... o território seria relacional não somente no sentido da incorporação de um


conjunto de relações sociais, mas também no de desenvolver uma complexa
relação entre processos sociais e espaço material, onde se conclui que o território
inclui o movimento, a fluidez e as redes – sendo relacional".

Ainda Haesbaert (2001, p. 1770):

15
“... o território envolve sempre, ao mesmo tempo, uma dimensão simbólica, cultural,
através de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de
‘controle simbólico’ sobre o espaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma
de apropriação), e uma dimensão mais correta, de caráter político-disciplinar: a
apropriação e ordenação do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos
indivíduos.”.

Corrêa (1994, p. 251) aproxima-se de Haesbaert (2001, p. 1770) quando


afirma que a “territorialidade, por sua vez, refere-se ao conjunto de práticas e suas
expressões materiais e simbólicas capazes de garantirem a apropriação e
permanência de um dado território por um determinado agente social, o Estado, os
diferentes grupos sociais e as empresas”.3
A expansão do território, segundo Andrade (1994, p. 214), ao mesmo tempo
em que promovia a ampliação da territorialidade: “provocava a desterritorialidade
nos grupos que se sentiam prejudicados com a forma e a violência com que era
feita”.
E assim “o território – que ficou ausente das preocupações geográficas até
recentemente – retorna com insistência na última década do século XX como
elemento que condiciona as relações de produção”, como salienta Sposito (2004, p.
119).
E dessa convergência espacial dos contrários, surgiu a reação à gestão
central, à desterritorialização e à integração com a formação de novas
territorialidades, novas formas de concepção do uso e do processo de domínio do
território.
Com esta base conceitual seguirá uma apresentação sobre as
denominações: territorialização, desterritorialização e re-territorialização (des-re-
territorialização).
Com uma grande ligação com o lugar, a territorialização é iniciada sem a
preocupação de estar fincada somente no viés da ocupação do espaço de forma
materialmente construída, mas também, através de um processo de criação de
símbolos e códigos que caracterizam um lugar para um indivíduo ou grupo social,
estando esse próprio lugar, interligado às relações travadas entre as pessoas ao
longo do tempo – o lugar embebido de objetos comuns. Conforme afirmam Deleuze
e Guattari, citados por Ferreira (2005): “não há território sem um vetor de saída do

3
Esta definição de territorialidade está embasada em Sack (apud, Corrêa/1994) onde ele aceita que
“para os seres humanos (territorialidade) é uma poderosa estratégia geográfica para controlar
pessoas e coisas através do controle de uma área”.

16
território, e não há saída do território, ou seja, desterritorialização, sem, ao mesmo
tempo, um esforço para se reterritorializar em outra parte”.
Haesbaert (1995, p. 168) define desterritorialização como “a superação
constante das distâncias, a tentativa de superar os entraves espaciais pela
velocidade, de tornar-se ‘liberto’ em relação aos constrangimentos geográficos – ou
rugosidades”, quando se refere Milton Santos. Quando se remete a
desterritorialização percebe-se a perda dos vínculos com o lugar e as relações nele
realizadas. Santos, citado por Ferreira (2005), enfatiza essa tese quando argumenta
que:
“hoje, a mobilidade se tornou praticamente uma regra. O movimento se sobrepõe ao
repouso. Os homens mudam de lugar(...) mas também os produtos, as mercadorias,
as imagens, as idéias. Tudo voa. Daí a idéia de desterritorialização.
Desterritorialização é, freqüentemente, uma outra palavra para significar
estranhamento, que é, também, desculturização”.

Ainda Ferreira (Ibidem):


“A desterritorialização rompe com toda uma formação de sistemas simbólicos de
significados, de valores, que foram instituídos através de práticas sócio-culturais que,
por sua vez, foram responsáveis pela construção social do lugar. A noção de
desterritorialização deve ser percebida como uma concepção mais integradora do
território, ao mesmo tempo espaço de apropriação/reprodução concreta e simbólica”.

Um processo de desterritorialização pode ser tanto simbólico – com a


destruição de símbolos, marcos históricos, identidades – quanto concreto, material
[político e/ou econômico], pela destruição de antigos laços/fronteiras econômico-
políticas de integração.
É bom lembrar que a produção do espaço envolve sempre e,
concomitantemente, a desterritorialização e a reterritorialização como definiu Barel,
citado por Haesbaert (1995, p. 170):

“(...) seria interessante se representar a mudança social [e seu contrário, o bloqueio]


sob a forma de uma dinâmica territorial, pois a mudança social é em parte esta: a
vida e a morte dos territórios. Estes territórios têm uma história. A mudança social é
vista aqui como um movimento de territorialização-desterritorialização-
reterritorialização bem entendido, a história territorial da transformação social resta
inteira por escrever (...) De uma certa maneira, pode-se representar a modernidade
como o lento aparecimento de códigos desterritorializantes que engendram seu
contrário, isto é, a necessidade de novos territórios”

17
As práticas sócio-culturais, que foram responsáveis pela construção social do
lugar, fazem com que haja uma ruptura de toda uma formação de sistemas
simbólicos de significados e de valores através da desterritorialização.
A reterritorialização representa uma nova rede de relações e processos que
geralmente desencadeiam uma nova codificação; ela rompe com toda uma
formação de sistemas simbólicos e significados e de valores instituídos que foram
responsáveis pela elaboração do lugar. Quando é realizada guarda novos traços e
trajetórias. O processo de reterritorialização se manifesta em associação a um
movimento dentro da própria organização espacial do lugar.
Um exemplo disso é um indivíduo que passa a trabalhar como autônomo e
permanece com seu vínculo empregatício; ele monta em sua própria residência um
mini-escritório de vendas de pequenos produtos para beleza feminina, por exemplo,
– com esse movimento de migração de tarefas de um determinado lugar para outro
ele exercita uma desterritorialização e uma reterritorialização para logo após,
desterritorializar-se e reterritorializar-se novamente.
Concluindo, Corrêa (1994, p. 252) menciona que a desterritorialização:
“É entendida como a perda do território apropriado e vivido em razão de diferentes
processos derivados de contradições capazes de desfazerem o território. Novas
territorialidades ou re-territorialidades, por sua vez, dizem respeito à criação de
novos territórios, seja através da reconstrução parcial, in situ, de velhos territórios,
seja por meio da recriação parcial, em outros lugares, de um território novo que
contém, entretanto, parcela das características do velho território: neste caso os
deslocamentos espaciais como as migrações, constituem a trajetória que possibilita
o abandono dos velhos territórios para os novos”.

O que pode ser observado é que quando o território, unidade de gestão, se


expande pelo espaço não conquistado cria novas formas de territorialidades que
dialeticamente provocam novas formas de desterritorialização e dá origem a novas
territorialidades – é um ciclo contínuo. E é sobre essas (possíveis) territorialidades
que o estudo de três comunidades do “Complexo da Maré” (foco desse trabalho)
objetiva identificar as relações sociais do processo de construção do espaço.
A compreensão de uma realidade local insere-se na compreensão do
processo de formação do espaço à qual pertence. Neste sentido, faz-se necessária
uma abordagem, ainda que sumária, da constituição do espaço urbano da cidade do
Rio de Janeiro e as suas territorialidades resultantes da segregação sócio-espacial
ou ainda, da fragmentação do tecido sóciopolítico-espacial, conforme apontado por
Souza (2003a, p. 90).

18
1.2 – Territorialidades e Segregação Sócio-Espacial Urbana:

O entendimento das possíveis territorialidades existentes na cidade do Rio de


Janeiro, exige ema volta no tempo para que se possa compreender como ocorreu e
para qual direção se deu o espraiamento da população carioca.
Um marco decisivo para o processo de urbanização da cidade do Rio de
Janeiro foi sem dúvida a chamada “revolução” ocorrida nos meios de transporte
coletivo da cidade carioca no último quartel do século XIX, onde “as empresas de
‘carris’ comandaram – em larga medida – o espraiamento da malha urbana para
muito além do antigo perímetro da Cidade Velha e da Ulterior Cidade Nova,
contribuindo, ao mesmo tempo, para tornar cada vez mais nítida uma nova
estruturação social do espaço carioca”, Benchimol (1990, p. 96).
Neste momento a tendência da cidade era a de bifurcar-se em dois viézes
distintos: de um lado os bairros com predomínio do uso residencial localizados nas
áreas norte e sul e de outro uma área central com características “febril, multiforme,
superpopulosa e insalubre”. Para fazer a conexão entre a zona norte surge o tronco
ferroviário da Estação Ferroviária D. Pedro II, aonde os bairros do subúrbio iriam
progressivamente se estruturar até final do século, dando início a implementação
das principais estações ferroviárias e conseqüentemente, o espraiamento da
população carioca. (ibidem).
Os conflitos e as contradições espaciais tornaram-se presentes no espaço
urbano durante a transição de cidade colonial – tendo em sua base a mão-de-obra
escravista – para a cidade capitalista. Neste instante, século XIX, surgiram os
primeiros elementos segregadores do espaço com a introdução do bonde e do trem
que torna a expansão física do espaço expressiva.
Entre 1850-1870, a crise habitacional – dita como “escassez e carestia das
habitações para gente pobre” – emergiu como um dos traços mais característicos e
recorrentes da vida urbana do Rio de Janeiro, somando-se a isso, ter-se-ia ainda a
incidência de epidemias, onde o epicentro desta crise seria a área central onde
coabitava-se em grande número e de forma desordenada, grande parte da
população carioca. Apoiando-se em Engels, Benchimol (1990, p. 124) cita que: “a
crise da habitação é produto da forma social burguesa; sua história está, portanto,
indissoluvelmente subordinada ao desenvolvimento das relações capitalistas de

19
produção no espaço urbano carioca (e à conseqüente apropriação capitalista desse
espaço).
No início do século XX, o prefeito Pereira Passos (1902-1906), aliado ao
governo republicano, realizou a primeira grande intervenção urbana no Rio de
Janeiro, Ao procurar embelezar e modernizar a cidade, o denominado “Haussmann
Tropical” iniciou a reestruturação da cidade, redefinindo o centro e as áreas
residenciais, oficializando a segregação espacial entre ricos e pobres, e tornando-se,
paradoxalmente, um grande responsável pela consolidação inicial das favelas4.
Corrêa (1989, p. 65), citando Harvey, diz que a segregação significa:

“diferencial de renda real. Proximidade às facilidades de vida urbana, como água,


esgoto, áreas verdes, melhores serviços educacionais, etc; e ausência de
proximidade aos custos da cidade, como crime, serviços educacionais inferiores,
ausência de infra-estrutura, etc. se já há diferença de renda monetária, a localização
residencial pode implicar diferença ainda maior no que diz respeito à renda real”.

De acordo com a definição da Escola de Chicago, “Segregação Residencial”


seria “uma concentração de tipos de população dentro de um território”, onde a área
natural – ”uma área geográfica caracterizada pela individualidade física e cultural
resultante do processo de competição impessoal que geraria espaços de dominação
dos diferentes grupos sociais, replicando ao nível da cidade processos que ocorrem
no mundo vegetal” – seria a expressão espacial da segregação (Zorbaugh, apud
Corrêa/1989, p. 59).
Castells (apud Corrêa, 1989 p. 60) define a Segregação Residencial como
“um processo que origina a tendência a uma organização espacial em áreas de forte
homogeneidade social interna e de forte disparidade entre elas, sendo um produto
da existência de classes sociais e tendo sua espacialização no urbano” . Ainda
Corrêa escreve que: “A segregação residencial pode ser vista como um meio de
reprodução social, e neste sentido o espaço social age como um elemento
condicionador sobre a sociedade”.
Assim, enquanto o lugar de trabalho, fábricas e escritórios, constitui-se no local
de produção, as residências e os bairros, definidos como unidades territoriais e
sociais, constituem-se no local de reprodução e deste modo a segregação
residencial significa não apenas um meio de privilégios para a classe dominante,
4
Caracteriza-se pela precariedade das condições de habitabilidade, tanto no que se refere à moradia
(construções feitas com materiais perecíveis), como à oferta de infra-estruturas básicas (saneamento
e drenagem), à ocupação (morfologia e tipologia) e à propriedade da terra. (IPEA 2001).

20
mas também um meio de controle e de reprodução social para o futuro (Corrêa,
1989 p. 60).
A questão de como morar é concomitantemente associado à problemática da
produção da habitação – que se trata de uma mercadoria cujo valor de uso é
superado pelo valor de troca, fazendo dela uma mercadoria sujeita aos mecanismos
de mercado – e tem um caráter especial surgido na medida em que depende de
outra mercadoria especial, a terra urbana, cuja produção é cara, o que exclui boa
parte da população.
No problema de moradia o Estado intervêm de forma direta através da
construção de habitações e indiretamente na forma de financiamento aos
consumidores e às firmas construtoras, ampliando a demanda solvável e
viabilizando o processo de acumulação capitalista. Isso define a questão de “como e
onde morar” apontada por Corrêa (1989, p. 63), onde “ambos se fundem dando
origem a áreas que tendem a ser uniformes internamente em termos de renda,
padrões culturais, valores e, sobretudo, em termos dos papéis a serem cumpridos
na sociedade pelos seus habitantes”, onde esta tendência que se mostra mais
marcante nos extremos da sociedade: nos grupos mais elevados e mais baixos da
sociedade.
Se por um lado o Estado exerce o papel na ação estatal, a classe dominante
(ou algumas de suas frações) exerce, subjacente, este poder na segregação
residencial na medida em que controla o mercado de terras, a incorporação
imobiliária e a construção, direcionando seletivamente a localização dos demais
grupos sociais no espaço urbano, atuando indiretamente através do Estado.
O primeiro registro referente a uma favela no Rio deu-se no recenseamento
de 1920, que documentou uma aglomeração de 839 casas no Morro da Providência
organizada por veteranos da guerra dos Canudos. A primeira leva importante de
migrantes rurais no Brasil, nos primeiros anos da década de 1930, provocou o rápido
crescimento da população favelada. Aos novos migrantes à procura de casa vinham
somar-se os moradores da cidade que não mais podiam pagar os aluguéis nem
mesmo de cortiços, avenidas ou cabeças de porco. As favelas, nas colinas ao redor
do centro da cidade, ofereciam a dupla vantagem de não cobrarem aluguel e de
serem bem localizadas, e para muitos constituíram a melhor solução.
Com isso foi inevitável o acentuado número de favelas concentradas na
cidade do Rio de Janeiro, já a partir da década de 60, quando sua população teve

21
um crescimento bastante significativo, conforme se observa na Tabela V e nos
Gráficos I, II, III e IV.
As favelas, definidas e contabilizadas, começaram a ser estudadas, tornando-
se cada vez mais visíveis e tema de vários debates. Portanto apenas em meados do
século XX é que se problematiza novamente a questão da habitação popular, tendo
então como eixo principal a favela. Este padrão de habitação auto-produzido
caracterizava-se pela sua ilegalidade em termos jurídicos e sua irregularidade em
termos urbanísticos, além da precariedade e da insalubridade. Assim, quando não
pôde mais ser negada, sua existência foi considerada uma “chaga” que deveria ser
extirpada e seus moradores removidos.

Tabela V – Evolução do Crescimento da População de Favelas, da


População Total e do Crescimento de Favelas no Estado do Rio de
Janeiro Entre as Décadas de 1950/1991.

% do crescimento % de crescimento
População de População total do
Ano A/B (%) de Favela por da População do
Favelas (A) Rio (B)
Década Rio por Década

1950 169.305 2.337.451 7.24 _____ _____

1960 337.412 3.307.163 10.20 99.29 41.49

1970 563.970 4.251.918 13.26 67.15 28.57

1980 628.170 5.093.232 12.33 11.38 19.79

1991 1.001.336 5.480.768 18.27 59.41 7.60

Fonte: http:www.ibge.gov.Br

22
Gráfico I – Percentual de Moradores de Favelas

Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br

Gráfico II – Evolução da População de Favelas no Município do Rio de


Janeiro

Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br

23
Gráfico III – Evolução do Nº de Favelas no Município do Rio de
Janeiro

Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br

Gráfico IV – Crescimento Populacional de 04 Favelas:

Fonte: http://www.favelatemmemoria

24
De 14 favelas em 1920 para mais de 500 no ano 2000. Nesse período, muita
coisa mudou na realidade dos morros cariocas. Hoje, o número de favelados
representa quase 20% da população total do município do Rio de Janeiro.
Algumas comunidades viraram complexos, Alemão, Jacarezinho e Maré, que
conforme o gráfico acima, ultrapassaram os 50 mil habitantes, enquanto áreas
como a Zona Oeste – antes um vazio no mapa – viraram opção de moradia barata e
hoje lideram o ranking de novas construções.
Embora não haja uma explicação unânime para a segregação social, é
evidente que a cidade formal sempre manteve um posicionamento contrário à favela,
sugerindo a formação de uma cidade à parte pela presença desses assentamentos.
A partir da década de 40, as favelas começam a ser vistas pelos moradores da
cidade formal como “aglomerados invasores” e “ocupações ilegais de terra” embora
a crítica à chamada “teoria da marginalidade” tenha buscado mostrar o equívoco dos
discursos dualistas sobre as favelas a partir da década de 70.
De qualquer forma, a visão dualista por parte da cidade formal ganhou novo
fôlego com a inclusão do narcotráfico e da violência urbana e foi dotada de
legitimidade social pela utilização freqüente pela mídia de metáforas como “cidade
partida” e “desordem urbana”. De fato, a partir da primeira metade do século 20, o
próprio Estado mudou sua forma de encarar as favelas, baseando-se em políticas de
controle e repressão sendo os aglomerados usualmente comparados a “doenças
sociais”. Por outro lado, ao mesmo tempo em que políticas de remoção das favelas
são postas em práticas, emergem demandas por parte de governo e instituições não
governamentais de novos discursos que subsidiem a política de “integração da
favela ao bairro”.
Na realidade, o distanciamento social entre a cidade formal e as favelas
continua em curva ascendente. A barreira invisível entre estas e a cidade,
materializa-se através da auto-segregação da classe média em condomínios
exclusivos e somam-se aos muros invisíveis da estigmatização e do preconceito
geradas pela associação simplista entre favelas e tráfico de drogas. Segundo Souza
(2002 p. 500), o ingrediente principal para esta “fragmentação do tecido sócio-
político-espacial” encontra-se na multiplicação de enclaves territoriais controlados
por traficantes de drogas de quem se necessita a anuência para que sejam
viabilizados quaisquer tipos de intervenção estatais.

25
Embora não seja prerrogativa das favelas a existência do tráfico de droga e
sua conseqüente violência, a falta de governança nessas áreas empobrecidas
encorajou o surgimento de um novo poder paralelo que desafia constantemente o
poder público oficial e espalha o terror por todo o território urbano. De fato, o
comprometimento do poder público com a cidade formal em detrimento das
populações mais carentes, resultou em assentamentos irregulares de tipologia
urbano-arquitetônica característica. A alta densidade desses assentamentos
juntamente às precárias condições de vida traduziu de forma contundente o descaso
de toda a sociedade com a população mais empobrecida. Se por um lado a cidade
formal cresceu dentro de parâmetros urbanos definidos, por outro, as favelas se
multiplicaram em um estado de completa desordem impossibilitando a integração
com o resto da urbe e perpetuando o ciclo de pobreza e exclusão.
Através de indicadores sociais pode-se considerar que algumas das
principais questões que diferenciam um bairro formal de uma favela, além da
questão da ilegalidade seja ela fundiária ou edilícia, são: a falta de infra-estrutura
urbana e serviços essenciais, o baixo valor da renda da população, a alta taxa de
desemprego, o alto índice de analfabetismo e o baixo grau de escolaridade. No
entanto, para que se possa entender melhor as características das favelas e suas
diferenças em relação à cidade formal, além dos índices socioeconômicos, deve-se
levar em consideração as relações sociais existentes dentro dessas comunidades,
seus símbolos e seu dinamismo, bem como a sua relação com a cidade formal.
É amplamente reconhecido – pelo menos na mídia especializada – que o
agravamento dos problemas urbanos associados à pobreza, relacionados
espacialmente aqueles associados à favelização e ao ímpeto da incorporação de
novas áreas nas periferias, tem-se constituído em importante desafio para o poder
público.
A política governamental do Estado em relação às favelas mudou
radicalmente na última década do século XX – anteriormente o que se pretendia era
o desfavelamento (erradicação), hoje a “urbanização e regularização de favelas”5
são consideradas importantes instrumentos para possibilitar o acesso da população
5
Ação mais complexa que a regularização de loteamentos – integração de assentamentos urbanos
ilegais ao conjunto da cidade legal, mediante investimentos públicos e medidas administrativas e
jurídicas para promover a compatibilização da realidade física (do local), registraria (do direito de
propriedade) e a administrativa (da gestão urbanística) –, pois geralmente exige investimentos
públicos para urbanização e mesmo para substituição de habitações removidas para dar lugar às
obras de urbanização.

26
de mais baixa renda à terra urbana. Sobre o programa de erradicação das mesmas
será melhor abordado no item 04 deste trabalho.
Sabe-se que as favelas são, atualmente, territórios em constante conflito
entre traficantes de facções rivais e destes com a polícia, e que a população, sem
ter como se defender, fica vulnerável às vontades e ações desses vários exércitos,
que dominam e impõem a sua própria lei aos moradores, os quais não tem outra
saída a não ser aprender a conviver e respeitar as regras a eles impostas, uma vez
que diferentemente de qualquer morador da cidade formal, não tem nenhum acesso
à segurança e à polícia. Essa última vê em todos os moradores da favela um
bandido em potencial, dando o mesmo tratamento a todos: a intimidação e a
repressão violenta.
Como fato social, a favela deve ser enquadrada em um processo histórico
mais generoso tendo em vista a dinâmica de seus atores: os favelados. Neste
sentido, entende-se que a única estrutura espacial urbana que atende é o quilombo.
Assim, a favela vem representando para a república o mesmo que o quilombo
representou para a ordem imperial, onde a ação do Estado se fez presente somente
através do aparelho repressivo policial. Desta maneira, o espaço favelado vem
passando por um processo contraditório de construção (busca de habitação pelos
mais pobres) e desconstrução (“necessidade” do ordenamento espacial da cidade).
Um mix de fatores como ausência do Estado na dotação infra-estrutural, sobretudo
para saúde e educação; falta de absorção desta mão-de-obra pelo mercado de
trabalho, dentre outros fatores; juntamente com pré-disposição do aparelho
repressivo fizeram da favela ‘locus’ da violência urbana nos dias de hoje.
Em se tratando de Rio de Janeiro, fica evidente que, desde sua origem, se
pensarmos em um processo, os lugares ocupados pelos mais pobres vêm
recebendo pouca atenção do poder público no que se refere ao tamanho dos
problemas sociais. Entretanto, como no passado, em sua versão anterior à
República, o quilombo, a favela recebe uma atenção especial do aparelho policial,
tendo em vista que favelas e favelados são considerados como um caso de polícia,
mas não como um problema da sociedade. “Atualmente, a favelização e a
periferização, expressões espaciais mais marcantes da reprodução da pobreza
urbana, impressionam não somente por sua magnitude, mas igualmente por sua
complexidade (Souza, 2000 p. 193).”

27
De acordo com Souza (2000, p. 193), “o traço mais impressionante da
favelização, da década passada para cá, fica por conta, porém, da ‘territorialização
de favelas por parte do tráfico de drogas”, onde os espaços socialmente segregados
que oferecem suporte logístico para as quadrilhas que operam no varejo nas
metrópoles não se restringem às favelas... Elas são, dentre todos os espaços
segregados, os palcos preferenciais da territorialização protagonizada por traficantes
de varejo, inexistente em bairros de classe média.
Essa territorialização ficou evidenciada na virada dos anos 70 para os anos
80 sendo um marco histórico pois conduziu a uma fragmentação que envolveu não
apenas dos ‘territórios ilegais’ – as favelas e outros espaços controlados por alguma
quadrilha de traficantes vinculada a algum ‘comando’ – mas igualmente, aqueles
espaços que não estão submetidos a qualquer ‘poder paralelo’ ao Estado.
O que pode ser observado é que quando o território, unidade de gestão, se
expande pelo espaço não conquistado cria novas formas de territorialidade que
dialeticamente provocam novas formas de desterritorialidade e dá origem a novas
territorialidades – é um ciclo contínuo. E é sobre essas (possíveis) territorialidades
que o estudo das comunidades da Maré procura identificar.

28
2 – A Formação do Complexo da Maré:

O modelo econômico adotado pelo país, após a Segunda Guerra Mundial,


consolidou o poder da burguesia urbano-industrial. Com a decadência da agricultura
e a forte industrialização, intensos movimentos migratórios se formaram em direção
às cidades. Os migrantes chegavam à Capital e se instalavam nos subúrbios
distantes ou nas favelas. A distância entre o local de trabalho e o domicílio
aumentou consideravelmente e a necessidade de morar perto do local de trabalho
levou a população migrante a se instalar nos terrenos não ocupados que escaparam
da especulação imobiliária pela dificuldade, ou mesmo, impossibilidade de
construção: morros, terrenos inundáveis e de propriedade duvidosa. Favelas se
propagaram tanto em zonas industriais, como residenciais.
O poder público pouco se manifestava face ao aumento do fluxo migratório,
uma vez que o aumento da mão-de-obra barata era necessário para a indústria em
crescimento e os terrenos ocupados pelas favelas eram públicos ou pouco
valorizados. Por outro lado, pelo caráter populista da política governamental, entre
1945 e 1964, as favelas passaram a ser vistas como fontes de numerosos votos.
Os anos 40 marcaram um período de mais forte proliferação de favelas no
Rio de Janeiro. Foi nesta época que o primeiro Censo oficial foi realizado. Apesar
dos números deste Censo terem sido controvertidos, ele se tornou o marco do
reconhecimento oficial pelo Estado da existência das favelas, que já faziam parte da
paisagem da cidade do Rio de Janeiro.

2.1 – Primórdios da Ocupação na Maré (1940/1960):

Conforme quadro abaixo observa-se, ao início da década de 50, a existência


de 105 favelas no Rio de Janeiro, abrigando um total de 169.305 de moradores. As
favelas concentravam-se na chamada zona suburbana (44% das favelas e 43% da
população favelada), seguida da zona sul (24% e 21% respectivamente) e da região
Centro-Tijuca (com 22% e 30%). Esse recenseamento, realizado pelo IBGE em
1970, também revelou a predominância de uma população de migrantes nas favelas
cariocas: 52% eram naturais do Estado do Rio de Janeiro (na ocasião a capital

29
federal – a Cidade do Rio de Janeiro – constituía o Distrito Federal), Minas Gerais,
Espírito Santo e regiões do nordeste brasileiro.

Tabela VI – Evolução do Número de Favelas em Relação aos


Domicílios e Habitantes da Cidade do Rio de Janeiro

ANO Nº DE FAVELAS DOMICÍLIOS HABITANTES


1950 105 44.000 169.305
1960 147 69.680 335.696
1967 230 162.741 757.696
1970 300 185.000 1.000.000
Fonte: Anuário Estatístico da Guanabara, do Censo de 1970 – IBGE. Extraído de “Metrópole de 300
Favelas”. Nunes, Guida. Ed. Petrópolis. 1976.

Em 1950, 36% da população brasileira viviam na área urbana, enquanto


63,8% faziam do Brasil um país predominantemente rural. Em 1991, verifica-se que
este quadro inverteu-se, drasticamente, passando o país a ter 75,2% de sua
população vivendo nos grandes centros urbanos. Esse crescimento da população
urbana no Brasil foi conseqüência de vários fatores, mas nenhum tão marcante
como o êxodo rural.
Na cidade do Rio de Janeiro, como em outras áreas urbanas do país, o fluxo
migratório agravou o problema da escassez de moradias, já comprometido com a
descontinuidade de uma política urbana e habitacional voltada para população de
baixa renda, problemática esta agravada a partir da década de 40 quando assumiu
proporções cada vez maiores, permanecendo ainda hoje como tema de um debate
político sem soluções concretas legitimadas. Mesmo assim, medidas
governamentais foram objeto de políticas públicas que visavam a proibição do
crescimento das favelas.
A vinda de migrantes nordestinos foi marcante para as áreas deste estudo.
Eles procuravam áreas pertencentes à União. Neste sentido, a área ocupada hoje
pela Maré, oferecia todas as condições para este tipo de ocupação, pois se tratava,
em boa parte, de terras devolutas e terrenos da Marinha Brasileira. Na figura abaixo
pode-se observar a antiga área de mangue, hoje ocupada pela Maré.

30
Figura 01. “Maré – Época de Manguezal”. (Fonte: http://www.ceasm.org.br)

Fato fundamental para o surgimento e crescimento do Complexo da Maré foi


a construção, em 1946, da chamada “Variante Rio-Petrópolis”, que mais tarde se
tornaria a conhecida Avenida Brasil (Fig. 02).

Fig. 02 – “Obra de construção da Avenida Brasil, trecho Manguinhos, 1940”. Acervo do Arquivo Geral
da Cidade. In: http://www.ceasm.org.br

31
O projeto de construção de uma via (ver fig. 03) tinha a finalidade principal de
expandir a antiga área industrial do Rio de Janeiro – e que acabou por se tornar a
principal via de comunicação entre o centro, os bairros do subúrbio e a periferia da
cidade.
A Av. Brasil proporcionou o crescimento de um cinturão industrial às suas
margens, que somado ao isolamento dos terrenos na orla da Baía de Guanabara e à
facilidade de acesso a tais áreas, criou condições bastante favoráveis para o
surgimento das comunidades da Maré, pois em sua construção trabalharam muitos
dos primeiros moradores destas áreas – como se percebe na figura abaixo a Av.
Brasil e o viaduto de Bonsucesso em construção.

Fig. 03. “Variante Rio-Petrópolis – atual Av. Brasil – com o Instituto Oswaldo Cruz ao centro/acima”.
(Foto: acervo da Casa de Oswaldo Cruz). In: http://www.ceasm.org.br

E segue adiante um pequeno recorte das comunidades da Maré...


As comunidades da área hoje conhecida como Complexo da Maré surgiram a
partir das décadas de 30/40, sendo a mais antiga a que se originou no Morro do
Timbáu, região já ocupada desde o período colonial, por se localizar, ali, o antigo
Porto de Inhaúma. Posteriormente, a área foi ocupada por portugueses e italianos
que ali estabeleceram suas chácaras e por pescadores que fundaram uma colônia
de pesca. O nome da comunidade passa a ser o da região, que era conhecida como
thybau, do tupi-guarani, "entre as águas", o que denota terem sido os índios os
primeiros habitantes do lugar. Esse local “é uma formação típica de favelas em

32
encostas mas com uma grande diferença em comparação com outras favelas de
morro; o Timbáu apresenta uma densidade habitacional extremamente baixa”
(Jacques, p. 25). A ocupação da comunidade propriamente dita se dá a partir da
chegada da primeira moradora da comunidade, D. Orosina, que num passeio de
final de semana se apaixona pelo lugar, e recolhendo a madeira que a maré trazia,
demarca uma área e constrói o primeiro barraco, com a ajuda de seu marido.
Este primeiro casal vinha do centro do Rio, onde viviam numa casa de
cômodos, atrás da Estação da Central do Brasil. A mulher tinha acabado de chegar
do interior de Minas Gerais e não conseguia viver sufocada no pequeno cômodo,
"com a chuva caindo em goteiras". Ela escolheu um ponto seco, conveniente, numa
pequena elevação próxima ao mar e levantou seu pequeno barraco com os
materiais que a maré trazia de graça. Mais tarde, ela se dedicou a plantar árvores
frutíferas e uma horta e a cercar seu "território". Ela conseguiu fazer tudo sem que
qualquer pessoa a perturbasse. Mesmo assim, o casal estava bastante assustado,
percebendo que eles estavam ocupando algo, sem autorização, que não lhes
pertencia. Sobre o processo de formação das comunidades da Maré, Jacques
(2002, p. 22) argumenta que:

“As comunidades que formam o complexo têm características e processos espaciais


bem distintos, que vão do mais planejado ao mais espontâneo, do mais regular ao
mais irregular, do mais formal ao mais informal, do mais projetado ao mais livre. As
diferentes entre as formas, que hoje constituem uma diversidade muito rica, se
deram por vários fatores: a história de cada ocupação, as características do sítio, as
questões de propriedade, as origens da população, a organização da comunidade,
os contextos políticos e sociais. Uma grande gama de formas espaciais pode ser
encontradas na Maré... As diferentes comunidades são tão distintas como os
diferentes bairros de uma cidade formal e chegam a ter identidades próprias, que
constituem, todas juntas, a cultura multifacetada da Maré”.

O 1º Regimento de Carros de Combate (RCC) instalou-se defronte ao Morro


do Timbáu, e sob a justificativa de impedir a ocupação de terrenos que lhe
pertenciam (o que mais tarde se vai verificar não ser verdade) passou a exercer um
controle sistemático sobre a comunidade com a derrubada de barracos, o controle
da entrada de moradores através da colocação de cercas de arame farpado e a
cobrança, por parte, de alguns militares de ‘taxas de ocupação’.
A história da comunidade do Timbáu vai ser, na década de 50, marcada pela
resistência ao exército que reclamava a propriedade da área e que vai tentar impedir
por todos os meios, inclusive pela violência, a sua ocupação. Por intervenção de D.
33
Orosina, que escreve uma carta denunciando tal situação ao Presidente Getúlio
Vargas, que a recebe no Palácio e lhe responde dando garantias contra os agentes
militares, a comunidade passou a crescer e se organizar tendo, em 1954, fundado a
terceira associação de favelas do Rio de Janeiro.
Enquanto a comunidade do Timbáu apresentou um lento crescimento,
permanecendo na década de 40 com poucos habitantes surgia, ao final deste
período (1947), a primeira grande concentração humana que foi a Baixa do
Sapateiro que na época, teve sua formação a partir de um pequeno grupo de
barracos construídos sobre palafitas. Não há consenso sobre a origem do nome.
A ocupação por moradias, inicialmente, ocorreu a partir dos limites do
“loteamento de Bonsucesso”, onde ainda se podem notar muitas casas do início do
século XX. Nessa época se tem notícias dos primeiros barracos:

“Há dois anos moradores iniciaram a construção de barracões nos terrenos da


Marinha à margem da Avenida Brasil em Bonsucesso. Os terrenos formavam um
charco que, à medida que iam levantando as casas, iam aterrando. Se localizam ali
hoje cerca de 800 barracos. Já havia na parte alta da Rua Jerusalém outro grupo de
residências. A Prefeitura mandou destruir tudo”.(Fonte: Jornal ‘A Noite’, 24/11/1947).

“Cerca de 2000 pessoas ficarão desabrigadas (...) Prefeitura ameaça demolir 800
barracões. Há quase dois anos construídos por operários, em terrenos existentes no
lugar denominado ‘Favelinha do Mangue de Bonsucesso’, no fim da Rua Nova
Jerusalém – Comissão faz veemente apelo ao prefeito Ângelo Mendes de
Moraes”.(Fonte: Jornal ‘O Globo’, 26/11/1947).

Estes artigos publicados em diferentes jornais da cidade dão notícia, já em


1947, da existência de uma ocupação com grande número de barracos, no final da
Rua Jerusalém, hoje principal acesso à comunidade da Baixa do Sapateiro e dessa
forma, pode-se dizer que a localidade é uma das mais antigas comunidades da
Maré. Em 1957 surge a “União de Defesa e Melhoramentos do Parque Proletário da
Baixa do Sapateiro”, que somente foi registrada em 1959, sendo uma das primeiras
associações de favelas do Rio de Janeiro.
Em 1944, após pedido do ministro Gustavo Capanema ao Presidente da
República decide-se pelo aterramento do arquipélago das ilhas do Fundão para
tornar realidade o sonho de uma universidade neste local, o que provocou diversas
alterações no quadro social da região, pois muitos dos que trabalharam na sua
construção vieram a se instalar na Maré, devido à proximidade, o que provocou um

34
incremento na ocupação e crescimento das comunidades – principalmente no Morro
Timbáu e na Baixa do Sapateiro.

“É interessante notar que na Maré, ao contrário da maioria das favelas de morro, os


terrenos mais valorizados eram os mais altos, por serem os mais secos. Na parte
mais baixa ficava a população mais pobre, geralmente em palafitas nas áreas
inundáveis. Foi só com o ‘Projeto Rio’ que as palafitas desapareceram
completamente... Mesmo que hoje já não existam palafitas nem áreas inundáveis na
comunidade, em sua configuração urbana, e principalmente na irregularidade do
tecido, podemos ainda notar sinais desse passado próximo de precariedade e
instabilidade. A Baixa do Sapateiro junto com parte do Morro do Timbáu e do Parque
Maré são as áreas onde as características típicas das favelas cariocas – arquiteturas
fragmentária, tecido urbano labiríntico, desenvolvimento territorial orgânico – se
apresentam de forma mais evidente dentro do Complexo da Maré” (Jacques 2002 p.
32-33).

Em 1950, surgem as primeiras moradias do Parque Maré (vide fig. 04) como
um prolongamento da ocupação ocorrida na Baixa do Sapateiro e essa área tornou-
se bastante atrativa às populações que chegavam com o fluxo migratório,
principalmente da Região Nordeste. A área que ia sendo ocupada pelos moradores
do Parque da Maré (1953 já consolidado) era dominada pela lama, por vegetação de
mangue e pelo movimento das águas, tendo a partir da década de 60 ocorrido uma
grande expansão da ocupação em direção à Baía da Guanabara, sendo o Parque
Maré, nesta época, predominantemente dominado pelas palafitas, conforme as
figuras abaixo:

Fig. 04 – “Parque Maré – Década de 50”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br

35
Fig. 05 – “Maré em 1960”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br

Não havia qualquer infra-estrutura, a luz era coisa rara nas casas,
inicialmente puxada, através dos "gatos" e posteriormente por meio de cabines onde
havia um medidor da LIGHT e a luz era revendida às casas. Posteriormente, por
medida do próprio governo, foram criadas as Comissões de Luz. A água chegava
através de pequenas bicas, puxadas clandestinamente dos ramais, onde se
formavam grandes filas. Muitos apanhavam água do outro lado da Avenida Brasil,
que pela distância exigia meios criativos para o transporte de uma maior quantidade.
Daí surgiram os chamados "rola-rola" ou "água-de-rôla": um barril de madeira,
envolto em pneus, ou com madeira emborrachada, puxado por uma alça de ferro.
Comuns eram os atropelamentos na "variante" (atual avenida Brasil) e face as
dificuldades, muitos faziam um verdadeiro comércio com a água.
Enquanto isso acontecia as crianças não tinham local apropriado para
brincarem, pois eram escasso os locais de entretenimento – somente nas escolas ou
quando saíam com os pais –, sendo assim, elas brincavam em ambientes
inadequados como, por exemplo, nas pontes sobre a maré negra e correndo sérios
riscos à sua integridade física (como retratada na fig. 07).

36
Fig. 06 – “Armazenamento caseiro d’água”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br

O esgoto, muito precário foi feito pelos próprios moradores, e era despejado
por ligações clandestinas nas galerias construídas pelo Governo Carlos Lacerda na
Rua Flávia Farnese – no Parque Maré. Também na década de 60 é fundada a
Associação de Moradores do Parque Maré que teve importante papel na
consolidação da comunidade, principalmente na época de instituição do Projeto-Rio.

Fig. 07 – “Crianças sobre as pontes da maré”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br

37
A história do “Parque Rubens Vaz” começa no ano de 1951, quando surgem
no local os primeiros barracos. A área, nesta época, era conhecida como areal,
devido à grande quantidade de areia espalhada no local, por ocasião da drenagem e
canalização do Canal da Portuária. Quando uma pessoa chegava à área para fixar
residência, já era avisada de que não deveria construir à margem da avenida Brasil,
porque esta seria futuramente alargada, como de fato foi. Sendo assim, ninguém
construiu sua habitação a menos de 40 metros da variante Rio-Petrópolis.
Os barracos eram construídos, inicialmente, com um cômodo só e, de acordo
com as possibilidades, os moradores iam aumentando o número de cômodos. As
construções eram rudimentares e sem nenhuma tecnologia. Segundo os moradores,
era proibida a construção em alvenaria sob pena de demolição por parte da polícia.
Em 1965, durante o Governo Carlos Lacerda, a população da área sente
necessidade de encontrar um nome oficial para o lugar. Escolhem o nome Rubens
Vaz em homenagem ao major assassinado em atentado na Rua Toneleros, em
Copacabana. A Associação de moradores é então registrada com o nome de
Associação de Moradores do Parque Major Rubens Vaz.6

Fig. 08. “Construção de palafita na Maré em 06/09/1971”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br

6
História dos Bairros da Maré, coordenado por Lilian Fessler Vaz, UFRJ, 1994. Retirado da internet
em http:// www.ceasm.gov.br em 05/10/05.

38
O advogado Margarino Torres – o mesmo que defendeu a população e seu
direito de permanecerem na área hoje conhecida como Parque Major Rubens Vaz –
ligado ao PCB e que tinha um escritório nesta localidade, deu todas as coordenadas
para a estruturação da comunidade Parque União, em 1959, e esta localidade foi
uma das áreas com um certo “planejamento de ocupação”, pois ele demarcou áreas
para a permanência dessa população. Segundo Vaz (1994), “As casas eram
construídas primeiramente em madeira. Internamente eles iam levantando as
paredes em alvenaria, isso tudo feito às escondidas, pois, segundo a população, o
governo proibia a construção em alvenaria. A madeira só era retirada, quando a
casa já estava praticamente pronta”. Margarino e sua equipe lideraram e
administraram a área até 1961.

39
2.2 – Políticas Públicas e Seus Reflexos na Segregação do Espaço (1960/80):

“A comunidade Nova Holanda (1962) teve


um processo de ocupação completamente
diferente, para não dizer oposto, ao das demais
formações que vimos até agora. Sua origem não
foi um invasão espontânea, nem mesmo uma
invasão planejada, como ocorreu no Parque
União. A comunidade de Nova Holanda foi
inteiramente planejada e construída pelo poder
público na década de 60, no governo Carlos
Lacerda, sobre um imenso aterro realizado ao
lado do Parque Maré. As dimensões do aterro
realizado impressionaram tanto que influenciaram
até a escolha do nome da comunidade, uma
homenagem à Holanda, o país europeu quase
inteiramente construído abaixo do nível do mar
sobre aterros e diques. Outra semelhança são as
roldanas, que podemos encontrar em algumas
casas e que indicam que as mudanças eram
feitas por cabos externos, exatamente como
ocorre em cidades holandesas, principalmente
Amsterdã” (Fonte:http://www.ceasm.org.br).

Nova Holanda foi concebida como um Centro de Habitação Provisória (CHP)


que funcionaria como um local de triagem, dentro da política de remoções do
governo, que visava muito mais retirar núcleos favelados de áreas nobres da cidade,
do que resolver o problema habitacional. A tarefa de controlar o processo de
transferência dos moradores de favelas a serem erradicadas ficou a cargo da
Fundação Leão XIII, que foi incorporada à Secretaria de Serviço Social da Prefeitura
da Cidade do Rio de Janeiro. Para uma melhor análise dessa situação é preciso
voltar ao passado e conhecer melhor o “Programa de Erradicação de Favelas”, que
deu origem aos CHPs – como a Nova Holanda.

“No CHP os moradores removidos passariam por um processo de preparação para


morarem em locais urbanizados, tendo noções de higiene e educação, além de
cuidados com a nova moradia. No período de 1962-63 foi construído o primeiro
setor, que era formado por 981 (conforme quadro abaixo) casas de madeira
construídas em lotes 5 X 10 mts e o segundo setor foi construído no último ano de
governo de Lacerda, onde se construíram 228 vagões de madeira divididos em 39
unidades... O que era transitório, acabou por se tornar definitivo, e até hoje vivem na
comunidade, muitas famílias que foram para Nova Holanda aguardar sua remoção

40
para um novo conjunto da cidade, o que nunca chegou a acontecer. Com a
degradação dos serviços de água e esgoto e a chegada em 1971 dos removidos da
Favela Macedo Sobrinho, a situação do CHP se agrava e dessa forma, os
moradores de Nova Holanda iam se integrando, pelos problemas comuns, cada vez
mais aos demais moradores da Maré” (Fonte: http://www.ceasm.org.br).

Em 1956, foi criado o SERFHA – Serviços Especial de Recuperação das


Favelas e Habitações Anti-Higiênicas – que sofreu uma reestruturação em 1960,
tornando-se o primeiro organismo oficial voltado mais precisamente para
“urbanização de favelas”.
Na década de 60, inaugura-se uma nova forma de tratamento das favelas
com o lançamento do “Programa de Remoção das Favelas”, cujo objetivo era de
“eliminar as favelas e transferir suas populações para outros locais, apoiados pela
administração de Lacerda (1960-1965), criando assim a COHAB-GB (1962), órgão
estadual.

“Durante o governo Lacerda (1961-1965) foram adotadas diversas medidas a fim de


dar um aspecto moderno à cidade. Tal política baseava-se na realização de obras
suntuosas como a construção de viadutos, túneis e parques e jardins na zona sul da
cidade. Ao mesmo tempo, a população mais pobre sofria com uma política de
erradicação de favelas e remoção de sua população para áreas distantes e
desvalorizadas da cidade e nesse contexto surge o projeto do ‘cais de saneamento’,
que visava construir uma cais de pedra por toda a extensão da orla da baía do Cajú
ao Rio Meriti, seguindo à Avenida Brasil, e portanto, o cais de saneamento visava
atingir a dois problemas que vinham preocupando as autoridades na época: a
poluição da Baía de Guanabara e a saturação da Avenida Brasil”. (Fonte: Ceasm).

Com o aumento do número de habitantes nas favelas do Rio de Janeiro, as


associações de moradores se mobilizavam – tanto no nível interno, quanto no nível
de suas articulações externas, com grupos de apoio tais como a igreja, através da
Pastoral das Favelas e a Federação das Associações de Favelas (antiga FAFEG e
atual FAFERJ). Em dado momento da história (1969) esta repressão [ao tentar
liderar os moradores da primeira favela atingida pela ação da CHISAM 7 –
Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Grande
Rio (1968-1973)], junto a eles a CODEFAM (Comissão de Defesa das Favelas da
Maré) que conseguiu criar um espaço de participação na elaboração definitiva do
“Projeto Rio” [projeto esse que veio a beneficiar os moradores da maré na década

7
O programa da CHISAM se iniciou com a remoção das favelas situadas em torno da Lagoa Rodrigo
de Freitas. Valladares (1980, p. 30).

41
de 80] foram órgãos fundamentais na luta dos favelados pela posse definitiva de seu
barraco.
Nesta época de trabalho da CHISAM (1968-1973) se assistiu à maior
operação anti-favela que a cidade jamais tinha conhecido. Os órgãos
governamentais então envolvidos eram o BNH (1967) – Banco Nacional de
Habitação, como financiador – , a própria CHISAM, como coordenadora do
programa de remoção, a COHAB-GB – Companhia de Habitação Popular, como
construtora e comercializadora das unidades habitacionais e a Secretaria de
Serviços Sociais, como responsável pela ação social junto às populações atingidas.
Com o fim da CHISAM o órgão que ficou encarregado de dirigir as esporádicas
remoções que continuavam a ocorrer foi a Fundação Leão XIII – que surgiu em 1946
a partir de entendimento entre a Arquidiocese e a Prefeitura do Rio de Janeiro, que
tinha como meta a “recuperação das favelas”. A COHAB-GB e a Secretaria de
Serviço Social desapareceram com a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de
Janeiro e foram substituídas respectivamente pela CEHAB-RJ e pela Coordenadoria
do Bem-Estar Social. Enquanto a COHAB-GB, organismo estadual, desenvolvia sua
ação no sentido da remoção das favelas, a administração de Negrão de Lima criava,
em 1968, a CODESCO – Companhia de Desenvolvimento de Comunidade – a partir
de uma alternativa oposta à remoção: a “Urbanização”. (ver Tabelas VII e VIII).

Tabela VII – Conjuntos Habitacionais da COHAB-GB por


Localização, Ano de Ocupação, Nº e Tipos de Unidades

Nome do Bairro Ano de Triagem Casa Apartº Total


Conj. Ocup. por
Conj.

Nova Bonsucesso 1963 981 xxxx xxxx 981


Holanda
Cidade Jacarepaguá 1966 1.193 3.865 1.600 6.658
de Deus

Miguel Senador Camará 1972 2.466 xxxx xxxx 2.466


Gustavo

Total xxxx xxxx 4.640 3.865 1.600 10.105

(Fonte: CEHAB-RJ – Extraído de Valladares (1980, p. 40) – Adaptado.

42
“Foram tais problemas básicos que serviram para justificar a elaboração de pelo
menos quatro projetos de intervenção na região. Como as favelas ali existentes eram
responsabilizadas por grande parte da poluição da baía, e por outro lado, ocupavam
parte da área por onde deveria passar a nova via paralela à Avenida Brasil, os
projetos previam a remoção de grande parte da população residente no local” (Fonte:
http://www.ceasm.org.br).

Tabela VIII – Remoções Realizadas na Guanabara, no Período de


1962-1974.

Administração e Total de Favelas Total de Barracos Total de


Períodos das Atingidas Removidos Habitantes
Remoções Removidos

Calos Lacerda (1962-


1965) 27 8.078 41.958
Negrão de Lima (66- 66-67 (s/r) 68-71 66-67 (s/r) 68-71
67/68-71) (33) (12.782) 6.685/63.910
Chagas Freitas (1971-
1974) 20 5.333 26.665

Total 80 26.193 139.218


Fonte: COHAB-GB – Extraído de Valladares (1980, p. 39) – Adaptado.

Em decorrência da renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961, grande


parceiro na realização do Projeto com o Governo do Distrito Federal, o “Cais de
Saneamento” se resumiu apenas a estudos preliminares, tendo sido retomado
apenas em 1966, pela Superintendência de Urbanização e Saneamento (SURSAM),
do então Estado da Guanabara.
Em janeiro de 1969, houve no Rio de Janeiro uma reunião com membros
relacionados ao assunto favela onde foi simulado um jogo em que se traçava o
futuro das favelas para os próximos dez anos. No desenrolar da reunião, três pontos
de vista emergiram, sintetizando tanto a opinião erudita como as idéias populares de
como, as favelas eram consideradas: “Aglomerações patológicas”, “Comunidades
em busca de superação” ou como “Uma calamidade inevitável”.
Esse período marca, também, a primeira grande intervenção do Governo
Federal na área: o “Projeto Rio”, que previa o aterro das regiões alagadas e a

43
transferência dos moradores das palafitas para construções pré-fabricadas. São hoje
as comunidades da Vila do João, Vila do Pinheiro, Conjunto Pinheiro e Conjunto
Esperança, localizados próximo ao “Parque Ecológico da Ilha do Pinheiro”, na Maré.
Dos projetos que antecederam ao “Projeto Rio”, o mais ambicioso foi aquele
elaborado no final do primeiro mandato do Governador Chagas Freitas (1971-1974)
onde a área ocupada pelas favelas foi declarada “non aedificandi”, como forma de
conter o avanço das favelas sobre aterros clandestinos. (Ibidem).

“Em maio de 1979, no momento em que Freitas exercia o seu segundo mandato
(1979-82), o projeto foi novamente apresentado, cedendo lugar ao Projeto Rio
anunciado um mês depois, e por este motivo e pelas semelhanças entre ambos os
projetos, o Governador, na época, reivindicou a paternidade do Projeto Rio, que foi
anunciado pelo Governo Federal, via o Ministério do Interior (DNOS e BNH), através
do então ministro Mário Andreazza”. (Fonte: http://www.ceasm.org.com.br).

E, em 08/06/1979, o próprio ministro anuncia o mais audacioso projeto com a


finalidade de sanear a orla da Baía de Guanabara e que na verdade, se baseava
nos projetos anteriores apresentados pelo Governo Chagas Freitas que não foram
implementados (Ibidem).
O “Projeto Rio” previa uma intervenção desde a Ponta do Caju, até os rios
Sarapuí e Meriti, em Duque de Caxias, num trecho de 27 quilômetros, e apresentava
como objetivos centrais a criação de espaços para abrigar populações de baixa
renda e criação de condições para ambientação ecológica e paisagística do trecho
mais poluído da Baía de Guanabara. A execução do projeto coube ao Banco
Nacional de Habitação (BNH), como órgão financiador, e ao Departamento Nacional
de Obras e Saneamento, incumbido de fazer os aterros e macrodrenagem. À
FUNDREM, órgão estadual, coube o encargo das pesquisas de levantamento
cadastral.
Segundo o levantamento inicial, um terço dos habitantes da área da Maré
morava em palafitas, sendo o conjunto formado, até então, por seis favelas: Timbáu,
Baixa do Sapateiro, Parque Maré, Nova Holanda, Parque Rubens Vaz e Parque
União, e para execução desse programa, o BNH criou o “PROMORAR” – Programa
de Erradicação da Sub-habitação – que seria o responsável pelo processo de
construção de 9.531 unidades habitacionais para o assentamento dos moradores
das palafitas. O projeto previa, ainda, o saneamento do trecho da Baía da

44
Guanabara que se estendia do Caju até a Praia de Ramos, considerado o mais
poluído, mediante a construção de um aterro de 2.300 hectares.
Várias vezes surgiam desconfianças por parte dos moradores devido aos
atrasos nas obras e ao não cumprimento dos cronogramas e, neste sentido, as
associações de moradores tiveram um papel de suma importância ao criarem a
CODEFAM – Comissão de Defesas das Favelas da Maré – onde exerceram forte
pressão para que as promessas de campanha fossem cumpridas.

45
2.3 – Reconhecimento de um Bairro Popular e as Intervenções Públicas
(1980/2005):

Até o início dos anos de 1980, a Maré das palafitas era tida como símbolo da
miséria nacional como retrata a música “Alagados” (1984) da Banda Paralamas do
Sucesso, que estourou nas rádios naquele momento:

Alagados

(Música: Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone


Letra: Herbert Vianna)
Todo dia
O sol da manhã vem e lhes desafia
Traz do sonho pro mundo que já não queria
Palafitas, trapiches, farrapos
Filhos da mesma agonia

E a cidade
Que tem braços abertos no cartão-postal
Com os punhos fechados da vida real
Lhes nega oportunidades
Mostra a face dura do mal

Alagados, Trenchtown, Favela da Maré


A esperança não vem do mar
Nem das antenas de Tevê
A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em quê

Os primeiros conjuntos habitacionais construídos na Maré surgiram na


década de 1980. A Vila do João (1982) era vista como uma esperança de vida para
os moradores das palafitas que após cadastro no programa Promorar, receberam
suas casas. A Vila do João, na época de sua inauguração, foi apelidada pela
população de “Malvinas” e de “Inferno Colorido”, sendo o primeiro nome uma alusão

46
à Guerra das Malvinas – entre Argentina e Inglaterra –, devido aos intensos tiroteios
e, o segundo, por causa do sortido colorido e calor das casas recém construídas,
apelidos esses que caíram no desuso (Fonte: http://www.ceasm.org.br).
A Vila do Pinheiro (1983) nasce na região remanescente da Bela “Ilha do
Pinheiro”, na época de aterramento das sete ilhas onde atualmente está erguida a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (a UFRJ), a Ilha do Pinheiro foi excluída do
projeto, mas acabou sendo anexada ao continente nos aterros promovidos pelo
Projeto Rio. Na época, a ilha comportava um centro de pesquisa com macacos da
espécie Rhesus da Fundação Fiocruz e, neste período, foi retomada pela União para
fins de aterramento e construção de Unidades Habitacionais. O que restou da ilha
virou um pequeno parque ecológico. Nos terrenos da Vila dos Pinheiros foi erguido
um conjunto de prédio chamado de Conjunto Pinheiros (1989) e um outro conjunto
de casas de nome Salsa e Merengue (2000).

“Em frente ao Conjunto Pinheiros foi construído, já na década de 1990, o Conjunto


Bento Ribeiro Dantas, mais conhecido como ‘Fogo Cruzado’, por ter estado por
muito tempo próximo da ‘linha de tiro’ entre as facções criminosas rivais...
atualmente, percebe-se no conjunto um processo contínuo de favelização e até
mesmo de verticalização. Os moradores desse conjunto foram transferidos de outras
favelas consideradas de risco, através do ‘Programa Morar Sem Risco’, ou seja,
favelas que não poderiam ser urbanizadas pelo programa municipal de urbanização
sistemática de favelas criado em 1994 – o “Favela Bairro”. Tratava-se basicamente
das ditas “favelas de Rua”, que se situavam na beira de avenidas, embaixo de
viadutos ou ainda na margem de rios urbanos; ou ainda de áreas de risco das
favelas que estavam sendo “urbanizadas” pelo Favela-Bairro. O novo “modelo” ou
padrão construtivo do conjunto foi repetido em outras comunidades carentes da
cidade, inclusive na própria Maré, com a construção do Conjunto Nova Maré em um
aterro próximo à Baixa, decorrente da construção da Linha Vermelha, como cita
Jacques”. (2002, p. 47-48).

A identificação da Maré como um bairro popular ocorre principalmente pela


criação em 15/08/1988 da XXXª Região Administrativa (ver figura 09 e 10) – a
primeira de favelas da cidade através do Decreto de 24/01/1994 – como um marco
no reconhecimento das novas características da Maré, que vai se consolidando
como um complexo de bairros populares. A figura 11 mostra a delimitação territorial
do Complexo da Maré nos dias de hoje (e assim se observa a evolução urbana
ocorrida na Maré, conforme apresentada no Anexo IV).
Em 21/04/1992, é inaugurado um antigo projeto – elaborado na época de
Carlos Lacerda passando pelos governos de Chagas Freitas e por Leonel Brizola – a

47
Linha Vermelha. Construída sob a alegação de promover o desafogo no trânsito da
saturada Avenida Brasil, tornou-se na verdade, uma via de elite que favorece o
trânsito de carros particulares, tendo promovido forte impacto, uma espécie de ‘tiro
de misericórdia’, no que sobrou da Baía de Guanabara.
Em 1996, a Prefeitura do Rio de Janeiro elege a Maré como uma nova área
de assentamentos, face a sua política de remoção de moradores de áreas
consideradas de risco em toda a cidade e tendo em vista o grande número de
grandes áreas remanescentes do Projeto Rio que não haviam sido utilizadas. A
Prefeitura, na gestão do Prefeito César Maia, adquire tais áreas da Caixa Econômica
Federal e inicia a construção de novas casas, nos molde do Conjunto Bento Ribeiro
Dantas (1992), surgindo o Conjunto Nova Maré (1996).
Outra via de transporte importante, criada na região, foi a Linha Amarela em
24/11/1997. Sua construção tornou-se realidade pela utilização do modelo de
concessão de serviços públicos, sendo a primeira e, até hoje, a única concessão
rodoviária municipal do país. Uma solução pioneira de uma grande parceria
envolvendo enormes desafios e que beneficiou, de um certo modo, a população da
Maré no intuito de encurtar a distância entre a Maré e a Barra da Tijuca, local de
trabalho de boa parte dessa população.
Em 1998, a Prefeitura, com base numa idéia inicialmente proposta pela União
das Associações de Moradores do Bairro Maré (UNIMAR), inicia no Parque Burle
Marx, área verde contígua à Linha Vermelha – as obras da Vila Olímpica da Maré,
que viria a ser um dos mais importantes agentes sociais presentes na Maré. Sem
dúvida, a Vila Olímpica da Maré (1999) atende a mais de 8.000 alunos em seus mais
diversos projetos educacionais e em 23 modalidades esportivas. Ela foi criada em
parceria com a iniciativa privada e em convênio com a gestora UEVOM (União
Esportiva da Vila Olímpica da Maré).

48
Fig. 09 – “Localização da XXXª R.A. da Maré”. Fonte: http://www.armazemdedados.com.br

Fig. 10 – “Área de atuação da XXXª R.A. da Maré”. Fonte: http://www.armazemdedados.com.br

O desenho territorial da Maré encontra-se atualmente rearranjado como


observado na ortofoto abaixo:

49
Fig. 11 – “Desenho territorial da Maré nos dias de hoje”. Fonte: http://www.armazemdedados.com.br

50
3. Os Territórios da Maré e Suas Particularidades:

3.1 – Os atores sociais e suas atuações na Maré: as territorialidades em movimento:

Neste capítulo será descrita a atuação dos atores sociais envolvidos nas
possíveis territorialidades encontradas na Maré: a Ong CEASM8, as Associações de
Moradores, a Igreja, o Poder Público (a Polícia), a Vila Olímpica da Maré (ligada à
Prefeitura da cidade) e o próprio tráfico como ator circunstancial de transformação
do espaço segregado, responsável principal das territorialidades em movimento.
O texto está fundamentado nas informações obtidas através de uma
entrevista concedida pelo Srº Lourenço César – um dos diretores da ong CEASM,
com sede nas comunidades do Morro do Timbáu e da Nova Holanda, e morador há
mais de 30 anos da Maré. Seu testemunho, somado ao conhecimento adquirido pela
convivência cotidiana com o lugar, permite traçar um perfil das relações e conflitos
decorrentes do jogo de interesses entre os atores envolvidos.

 A respeito da ong CEASM:

É inegável a atuação positiva das ações realizadas por esta instituição nas
comunidades da Maré, principalmente, no tocante às práticas sociais que envolvem,
de um lado, profissionais capacitados nas mais diversas áreas do planejamento
educacional e, do outro, o jovem – presente no âmago da população interessada por
novos conhecimentos – que representa o desejo cada vez maior pelo saber e pelo
discernimento do aprendizado que no futuro, lhe será de grande valia.
Assim, se inicia essa entrevista com o discurso real de um diretor de uma
importante organização educacional e, acima de tudo, um morador que percebe, a
cada dia que passa, a realidade de um imenso complexo de favelas que se
territorializa, desterritorializa para mais adiante voltar a re-territorializar-se, em um
verdadeiro círculo vicioso. Suas visões a respeito da ong são as seguintes:

8
O Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré – CEASM – é uma associação civil, sem fins
lucrativos, criada em 15 de agosto de 1997 que atua no conjunto de comunidades populares da Maré.
O Centro foi fundado e é dirigido por moradores e ex-moradores locais que, em sua grande maioria,
conseguiram chegar à universidade. Os projetos desenvolvidos pelo CEASM visam superar as
condições de pobreza e exclusão existentes na Maré, apontado como o terceiro bairro de pior Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade (Censo 2000).

51
“A proposta do CEASM é de uma atuação na área política, através da educação, da
cultura e da comunicação. Essas três linhas serão norteadoras de uma intervenção
na área da Maré a médio e longo prazos”.

“Foi sempre passado pelos fundadores do CEASM que a idéia era de que a entidade
pudesse aos poucos se libertar dessa função – que seria do Estado – e estar
ocupando um papel cada vez mais político e mobilizador”.

“A prática do cotidiano foi solapando um projeto político de futuro que atualmente


está em discussão por aqui: ‘O que a gente está fazendo’? e ‘O que pretendemos
fazer’? Essa seria a avaliação do que estamos concretizando no nosso dia a dia.”

“As ongs fazem, sim, o trabalho que seria próprio do Estado. Elas poderiam ser
classificadas como ‘Potencializadoras de Movimentos Sociais’. Há a dificuldade dos
movimentos sociais em mobilizar a mídia, e neste sentido, surge a ong com o
propósito de colaborar; exemplo disso foi no Fórum Social Mundial em que a
presença de várias ongs contribui para que as classes menos favorecidas
participassem neste evento – antes marcados pela presença somente da classe
média bancada pelo Estado e pelas Universidades”.

Neste sentido as ongs, têm papel fundamental no processo de estruturação


social do lugar, embora deixe de cumprir seus objetivos seja pela necessidade de
estar aliada aos interesses do ‘financiador’, que pode não concordar com a forma de
atuação, ou pelas demandas do próprio cotidiano de estar atrás de recursos e
financiamentos, para a manutenção do espaço da entidade. Continuando, Lourenço
destaca que:

“Aqui dentro do CEASM eu puxo muito para essas questões como, por exemplo, a
criação da U.A.U. (União de Alunos Universitários) que surgiu com a finalidade de
mobilizar universitários de favelas; a Rede Maré Jovem – rede de jovens que
contribui com o debate de vários temas criando mobilizações nas ruas – e o Fórum
Maré que já ocorre há um ano e que conta com a participação de várias instituições,
líderes comunitários etc.”.

Na realidade, ocorre, também, a presença de movimentos sociais externos à


Maré, que, de forma geral, atingem as comunidades do complexo, como o
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o MST, que se coloca sempre à
disposição das necessidades do CEASM, no sentido de somarem forças
potencializadoras, embora, muitas vezes, a relação dos atores sociais na Maré
acabe por inibir os efeitos dessa potencialidade, como afirma Lourenço:

52
“A incapacidade nossa de não conseguirmos mobilizar uma determinada comunidade
em um evento participativo de uma outra devido à questão da ‘fronteira’ causada
pelo tráfico de drogas, faz com que essa mobilização seja fragilizada, ou seja, nem
todo mundo está apto ou com garantias de vida para se fazer presente em outra
comunidade num ato público, por exemplo. Uma ação que fazemos aqui no CEASM
(Morro do Timbáu), que se faz necessária a essas pessoas, é impedida, através do
tráfico, de que moradores de outra comunidade possam assistir”.

As políticas de mobilização realizadas pela ong CEASM é assim destacada por


Lourenço quando ele afirma que:

“As políticas de mobilização na Maré são realizadas nas dezesseis comunidades o


que causa um grande desgaste de várias ordens, ocorre que em cada reunião do
movimento surgem grupos distintos participando e isto é um fator que tem
prejudicado em muito as nossas ações. Outra dificuldade é que o público alvo das
comunidades trabalha e estuda e o tempo disponível é limitado, muito reduzido, e
que as vezes inviabiliza os questionamentos sobre as ‘Utopias Coletivas’ que exige
certa mobilização e uma disponibilidade de tempo muito grande e um arcabouço
financeiro-familiar que o impossibilita a uma liberdade para estar realizando suas
ações, sendo isso mais um fator negativo”.

Recentemente um artigo vinculado num jornal de grande circulação na cidade


promoveu um reboliço nas classes menos favorecidas da Maré, pois colocava em
pauta a discussão sobre a remoção de favelas, como cita nosso entrevistado:

“A questão da polícia e a relação com o Estado e a mídia que, ao mesmo tempo que
cobra do Estado uma ação mais efetiva, inibe por parte do Estado, uma ação mais
cidadã; Um exemplo disso foi uma matéria vinculada no jornal ‘O Globo’ intitulada
‘Ilegal e daí?’ que é uma campanha em relação às favelas, onde o presidente do
Sindicato das Empresas de Materiais de Construções criticava uma tentativa do
Governo do Estado de se criar uma cesta básica para materiais de construções. A
alegação era que se ‘baratear’ o preço desses materiais para a construção de obras
iria se consolidar a favela, pois o pobre teria acesso a esses materiais e assim ele
melhoraria sua qualidade de moradia e de vida dentro de suas casas. O que se
percebe é que uma ação dessas, proveniente dessas organizações venham inibir
que o Governo/Estado façam qualquer tipo de ação que é apoiada por essas
instituições. Eles são a favor das ‘remoções de favelas’.

A favela começa a conquistar o direito de ser ouvida e representada como voz


atuante de seu caminho. E para tanto, torna-se essencial o conhecimento, não só de
suas carências, mas também de suas virtudes, de seu passado e de seu presente,
de suas generalidades e particularidades, e principalmente, de seus desejos. Por
isso o Censo Maré 2000, trabalho realizado pelo CEASM, representou a
possibilidade de realização de um estudo específico da realidade das várias marés.
53
Ou seja, as várias histórias e geografias das favelas que foram se formando
na área hoje reconhecida como XXXª Região Administrativa. Tem-se agora, um
instrumento primordial na luta por uma vida mais digna e justa, pois os dados
permitem uma atuação consciente na gestão pública e comunitária, possibilitando
uma visão mais focal, centrada em algumas particularidades e uma visão global, que
apreende as generalidades da XXXª R.A. Um instrumento que permite a ação
conjunta frente aos órgãos públicos e entidades privadas, sem mais especulações e
incertezas9. Portanto, um instrumento fundamental de territorialização da Maré na
cidade do Rio de Janeiro (Fonte: Censo Maré 2000. In. http://www.ceasm.gov.br).

 As Associações de Moradores:

O funcionamento e as relações com a comunidade local e o tráfico de drogas


por parte das associações de moradores nas comunidades da Maré é assim
relatada por Lourenço:

“Uma ação que vem prejudicando em muito as mobilizações coletivas nas


comunidades da Maré é a ‘despolitização das ações das associações de moradores’.
Raras dessas associações têm eleições presidenciais – a maioria dos presidentes
dessas instituições são ‘empossados’ pelo tráfico; qualquer ação realizada nessas
comunidades e que ‘chamam a atenção da mídia ou do Estado, os traficantes têm
que estar sabendo com antecedência pois senão correm risco de vida os próprios
organizadores desses eventos”.

Os moradores sofrem muito com esse fardo quando se discute o problema, o


que muitas vezes se reflete na própria identidade dos moradores, que dominados
pelo medo, têm dificuldades de se relacionarem com o local.

“Dentro deste retrato atual quem (qual o morador) bate no peito e diz com satisfação
que mora na Maré? Ou que mora numa favela? Um exemplo contrário a isso é que
na época da Grécia antiga os grandes artistas tinham como sobrenome o nome de

9
“As favelas apresentam várias características, mas nenhuma delas parece ser tão específica quanto
o seu status jurídico ilegal, na qualidade de ocupação de terras públicas ou privadas pertencentes a
terceiros. A pobreza de sua população é, sem dúvida, uma característica distintiva muito comum, mas
o nível de pobreza é bastante variável não só entre favelas (...), mas também no interior de favelas
grandes e consolidadas, especialmente quando situadas em áreas valorizadas. A carência de infra-
estrutura, assim como a pobreza, é, igualmente, uma característica muito comum, mas, não menos
que a pobreza, variável... ‘mas, e se o Estado dotar uma favela de infra-estrutura e promover a sua
regularização fundiária? O espaço continuará a ser uma favela?, citado por Souza (2003, p. 173-174).

54
sua cidade; o cidadão daquela época pertencia a uma cidade e tinha com ela uma
identidade e um orgulho por pertencer a ela”.

Fazendo um panorama entre as décadas de 60/70/80 e a época atual,


Lourenço destaca que:

“Nos governos militares da década de 60 – no pós Vargas – teve aquela tentativa de


se ‘abraçar a favela e as comunidades carentes’ no intuito do próprio Vargas ter um
poder de voto muito grande (aquela idéia do ‘pai dos pobres’) e isso possibilitou uma
visão romantizada da favela e neste momento os artistas tinham seu nome ligado às
favelas como Cartola, Pixinguinha, etc. Já entre as décadas de 70/80 tínhamos o
Martinho da Vila (Izabel), Jorginho (do Império), etc. Todos eles ligados à uma
favela, via questão cultural e às identidades culturais”.

“Mais tarde (década de 90/00) surgem os ‘funkeiros’ que são totalmente


marginalizados pela mídia, e conseqüentemente, pela sociedade, e desta forma são
lançados nos braços dos traficantes, que são os únicos a apoiarem esses garotos e
esse ‘movimento musical’, fazendo com que eles (os funkeiros) tenham uma
identidade muito forte com aquela determinada facção criminosa do que com o estilo
musical e que acabam por terem seus nomes vinculados às comunidades como o
Duda (do Borel) e outros”.

“Atualmente, essa situação está mais marginalizada pois quem recebe o sobrenome
da comunidade é o traficante: Marcinho VP, Celsinho da Vila Vintém, etc. Hoje o seu
nome ligado a uma comunidade ou a uma favela, já traz consigo um aspecto
negativo para sua própria circulação dentro de sua cidade. Por outro lado, há um
fracasso de não se garantir enquanto um espaço totalmente urbanizado e apropriado
de serviços públicos de ordem coletiva e a própria garantia de poder manter uma
identidade e um respeito perante a cidade”.

Por outro lado, continua Lourenço, “se há o discurso de que a favela venceu
por que conseguiu manter e sobreviver às remoções da década de 60, há um
fracasso de não se garantir enquanto um espaço totalmente urbanizado e
apropriado de serviços públicos de ordem coletiva a própria garantia de poder
manter uma identidade e um respeito perante a cidade”.

“Mas a favela venceu no sentido cultural: a cultura que sai da favela, a idéia do
samba e da mulata e do próprio futebol, onde os maiores ídolos são provenientes
dessas áreas (Zico – Quintino Bocaiúva, Ronaldo – Vila da Penha). E apesar da
mídia negar a favela, ela continua a ter uma identidade muito forte com a cidade, até
pelo ponto geográfico da própria cidade que possibilita que a classe média e a favela
morem lado a lado – como no exemplo da Rocinha. Muito mais que isso é o aspecto
cultural e identidário que faz com que a gente não tenha aqui o tão sonhado projeto
de ‘europeirização’ de nossa cidade e que foi tentado por Passos e mais
recentemente, com César Maia – que tentou transformar a cidade carioca numa

55
Barcelona. Essa idéia de vender a cidade negando essa diversidade cultural e da
população é um obstáculo que eles estão desejando desde o século XIX e que não
irão conseguir êxito pois não há como fazer isso aqui no Rio de Janeiro. É uma luta
insana que eles estão tentando praticar”.

Mesmo assim, as associações de moradores mantêm uma relação próxima


com os moradores em relação à melhoria da qualidade de vida e de habitação. Elas
ainda realizam serviços que, a princípio, seriam dever do Poder Público – como o
desentupimento de caixas de esgotos, serviços de educação com cursos
profissionalizantes em sua sede própria, a exemplo do que acontece na associação
de moradores da Baixa do Sapateiro e outras atividades, o que faz com que
consigam atingir um número razoável de participantes.
Por outro lado, temos a visão do Srº Waldir – morador há cerca de 50 anos na
comunidade da Baixa do Sapateiro e que trabalhou como um dos diretores da
Associação de Moradores do Parque Proletário da Baixa do Sapateiro por 16 anos
consecutivos, que de colaborador passou a ser, após seu segundo mandato, o
secretário geral e, atualmente, exerce a função de conselheiro dos oito postos de
saúde localizados na área da Maré. Sua participação foi e continua sendo de suma
importância entre os moradores (principalmente os mais antigos) da Baixa do
Sapateiro e ele descreve assim a funcionalidade da citada associação:

“A relação entre a associação de moradores e os moradores é relativamente boa. No


início (há dezesseis anos atrás) era um pouco conflitante mas atualmente é
harmoniosa, apesar de hoje em dia poucos moradores contribuírem com o
pagamento das taxas cobradas pela associação. Em relação ao binômio associação
de moradores e o tráfico de drogas pode-se dividir em duas frentes: a convivência e
a conivência. O líder comunitário não pode simplesmente atender (somente) a
parentes de pessoas ligadas ao tráfico, pois, assim, ele não estaria fazendo o seu
trabalho social que é pensar no coletivo. O tráfico não interferiu no trabalho de
planejamento da associação, o que tem que haver é o respeito de ambas as partes.
As ações realizadas por mim no passado são lembradas até hoje na comunidade”.

Contrário a opinião de Lourenço, srº Waldir diz que o trabalho realizado na


associação de moradores na época que ele trabalhava como diretor era sério e
atendia às necessidades da população e, à respeito das eleições comunitárias, ele
menciona que:

“As eleições comunitárias se realizavam de quatro em quatro anos e a última


realizada há menos de três meses foi bastante democrática. O candidato que eu

56
apoiei perdeu por uma diferença de 107 votos... Quem tinha direito à votação?
moradores com no mínimo três anos de residência na comunidade. Corrupção? Se
tinha eu desconheço...”.

 A Funcionalidade do Tráfico na Maré:

“A droga, através do tráfico internacional, tornou-se a segunda maior indústria


econômica do mundo, capaz de destruir a imagem de países e redesenhar mapas
políticos. Poder sem rostos, a droga está na origem de inúmeras guerras
internacionais que se desdobram em guerrilhas urbanas e vem cada vez mais
incorporando-se ao cotidiano das cidades dos cinco continentes... sendo uma
questão que transcende fronteiras e se globaliza. Hoje, prevalece a hegemonia do
cinismo, resultante da promiscuidade existente entre o legal e o ilegal”. (Fábio
Magalhães – Diretor-presidente do Memorial da América Latina – 1996 – Seminário:
“Drogas – Debate Multidisciplinar – prólogo p. 13).

As questões sobre o tráfico de drogas tornam-se importantes principalmente


quando configuram territórios dominados pelas forças paralelas que controlam o
tráfico e por estarem profundamente relacionadas à questão urbana, em particular,
nas favelas. E como afirma Silva Júnior (2005) a respeito do cenário do tráfico de
drogas na cidade do Rio de Janeiro:

“O Rio de Janeiro tem como preponderância o fato de que a violência se articula com
o tráfico, a exclusão social configura territórios demarcados por lideranças locais,
diminuindo a imagem tão conhecida do crime organizado. Nesse cenário em que o
tecido sócio-político espacial apresenta-se tão fragmentado, formam-se territórios
descontínuos: "A pulverização territorial (e a instabilidade das redes em termos
espaciais) determina uma territorialidade distinta daquela que é característica de um
cartel ou quase-cartel, como é o caso do jogo do bicho, onde, em conformidade com
um "pacto territorial", cada bicheiro possui sua área de influência, a qual é um
território contíguo, portanto um território em sentido convencional. Já a cada uma das
"organizações" do tráfico de drogas que lidam com o varejo e manifesta sob a forma
do que o autor do presente artigo denominou, em trabalho anterior, de territorialidade
descontínua (ou em rede).”

O tráfico se aloja principalmente nas favelas devido às oportunidades de


trabalho que são oferecidas em suas mais variadas funções e cargos. É nas favelas
onde se encontra com facilidade menores sem nenhuma estrutura familiar definida,
sem perspectiva de futuro e, por isto aptos a se engajarem neste infortúnio que é a
vida no tráfico. A falta de opções e a ociosidade são causas do crescimento do

57
número de crianças no mundo do tráfico. A visão de Evangelista (2003, p. 45) é
objetiva neste sentido:

“A favela corresponde a um ambiente que torna fácil a busca por quadros que se
disponham a entrar no tráfico. Esta pobreza combinada com a insuficiente presença
de organizações civis (estatais ou não), fazem com que os traficantes sejam, de fato,
os verdadeiros mandarins da localidade, tendo, inclusive, o reconhecimento, por
parte de não poucas comunidades, em decidir temas que não estão propriamente
afeitos ao tráfico, por exemplo, custear despesas, apressar favores, decidir
pendências entre vizinhos etc.”

Sobre o funcionamento do tráfico de drogas na Maré constata-se que cada


facção criminosa têm seu espaço de dominação: o Comando Vermelho (C.V.) atua
na área da Nova Holanda, Amigos dos Amigos (A.D.A), dominam a Vila do João e
Pinheiros e o Terceiro Comando Puro (T.C.P.), exerce seu poder no Morro do
Timbáu e Baixa do Sapateiro. Cada facção tem uma forma distinta de agir e a
própria comunidade também tem sua forma específica de se relacionar com o tráfico
local. Como cita nosso entrevistado, o Srº Lourenço César:

“No Timbáu essa relação se dá da seguinte forma: o morador ‘cobra’ do traficante um


respeito pela moradia e cada vez que essa cobrança diminui, o morador cobra mais.
Mas ainda há esse ‘respeito’, pois o Morro do Timbáu sofreu poucas intervenções de
diferentes facções ou de pessoas estranhas. Mesmo quando mudasse a facção, o
‘dono’ continuava o mesmo. Isso possibilitou que se criasse uma identidade muito
forte entre o morador e o próprio traficante sendo o ‘dono da favela’, também um
morador dessa comunidade e não aquele ‘empresário do tráfico’ que traz consigo
sua mão-de-obra de outra favela, a sua própria gang (de outra facção). Somente no
momento de guerra entre traficantes rivais é que o ‘dono’ pede reforço a favelas que
tenham a mesma facção igualitária [fato comum nestes tipos de conflitos]”.

Isso possibilitou que o Morro do Timbáu e a Baixa do Sapateiro – que sempre


foram da mesma facção criminosa – ainda tivessem uma relação mais ‘benevolente’
entre morador e traficante como sintetiza Lourenço: “...Isso não quer dizer que essas
comunidades vivam às mil maravilhas, elas também sofrem muito com esse poder
exercido pelo tráfico mesmo sendo, pode-se dizer, as únicas que foram afligidas em
menor escala com a guerra do tráfico”.
Fazendo uma análise geral sobre a atuação das facções criminosas em três
comunidades da Maré, Lourenço estigmatiza sua vivência como morador da
seguinte forma:

58
“A questão do tráfico nestas comunidades ligadas ao ‘Terceiro Comando Puro’ é
muito recente ainda (à respeito da relação na Baixa do Sapateiro e no Morro do
Timbáu). Já na Vila do João (ligada atualmente pela facção A.D.A.) seu histórico já
ultrapassa os quinze anos em que a guerra com a própria Vila Pinheiro (antes ligada
ao ‘T.C.P.’ e atualmente ‘A.D.A.) renderam vários e intensos tiroteios, o que fez com
que parte da população se retirasse e mais tarde voltassem a residir nestas
comunidades - exemplo claro de des-re-territorialização”.

“A Nova Holanda tem sua história negativa relacionada com o tráfico há muitos anos
(desde a década de 70) e essa relação é bastante diferenciada, pois essa
comunidade sempre teve uma única facção – o C.V. – e assim se tem por parte dos
moradores uma maior identificação com essa coisa ligada ao tráfico e desta forma,
não há uma facilidade de uma facção rival tentar se instalar – ‘tomar a favela’ como
dizem – nessa comunidade, contrária às Vilas do João e Pinheiro, que já foram
tomadas e retomadas por grupos rivais e até hoje há o medo de serem invadidas e
retomadas novamente...”.

A seguir, Lourenço faz uma abordagem entre o aspecto sócio-econômico de


cada comunidade em consideração a sua relação com a possibilidade de cobrança
(respeito), por parte do tráfico, em relação aos moradores:

“A relação entre moradores e o tráfico é diferenciada em cada comunidade devido a


substancial desigualdade em relação ao aspecto econômico de cada comunidade.
No Morro do Timbáu, onde o poder aquisitivo dos moradores é superior ao das
outras comunidades – Nova Holanda e Vilas do João e Pinheiros – a presença de
traficantes armados causa um estranhamento por parte dos próprios moradores que
se incomodam com a situação e a maior parte deles que tinha condições, mudou
para outras localidades e os que não tinham permaneceram e ainda não se
acostumaram com essa questão do tráfico”.

Neste momento, nosso entrevistado faz uma reflexão sobre os constantes


tiroteios que outrora se faziam presentes com mais intensidade – e que atualmente
deu uma ‘acalmada’ – nestas comunidades e que aterrorizavam e afugentavam os
moradores dessas favelas para áreas mais ‘calmas’ da cidade:

“Um exemplo gritante disso é quando há o tiroteio no Morro do Timbáu – que é


diferenciado em relação a Nova Holanda e nas Vilas do João e Pinheiros – a reação
dos moradores é de fechar rapidamente todas as portas e janelas e se recolher.
Fecha-se também as dependências do CEASM (onde há uma boa concentração de
jovens realizando diversas atividades ligadas à cultura). E já na Nova Holanda os
moradores adotam uma outra estratégia: eles esperam piorar a situação, pois
enquanto não piora, eles acham que não há a necessidade de se recolherem e de
fecharem suas portas e janelas (?!?!). Na Vila do João eu mesmo tinha medo de ir à
praça comprar um sanduíche devido aos intensos tiroteios; tinha mais medo do que

59
os próprios traficantes. E isso causou nos moradores uma nova adaptação no seu
estilo de vida: o lazer ‘dentro de casa’, como o videocassete, computador, aparelho
de dvd, e a net, que acaba forçando o morador a ficar em casa e,
conseqüentemente, evitar o pior, caso ele esteja na rua. Falta segurança !!”.

A violência urbana atinge a todos sem nenhuma distinção entre ricos e pobres,
causando o medo e aflição aos moradores das grandes cidades brasileiras e, neste
sentido, a mídia especializada destaca sempre que a classe média é bastante
afetada e que o pobre está acostumado com essa situação. Sobre isso Lourenço
enfatiza, de forma clara e sucinta, que:

“Há um mito de que o ‘favelado’ não sofre com a questão do tráfico de drogas.
Quanto de nós planejamos sair à noite e evitamos voltar na madrugada para não
encararmos o tiroteio de frente, preferindo assim, voltar pela manhã. Isso viabiliza
uma territorialidade mais intensa e solidária, pois o medo da morte está sempre
presente em nossas mentes. Então o tráfico tem esses aspectos, tanto vale da
facção que está envolvida quanto também da experiência que aquela comunidade
tem em relação ao tráfico”.

A participação do tráfico numa determinada comunidade carente causa


grande transtorno aos moradores, que, por falta de condições financeiras, acabam
por se adaptarem a esse modo (infeliz) de vida, pois não conseguem se alojar em
áreas menos conflitantes. As mais prejudicadas são as crianças que por falta de
opções (como a ausência de uma “CEASM” em uma comunidade, por exemplo) se
tornam presas fáceis devido, principalmente, à ociosidade, pois o convívio direto nas
ruas com a presença de traficantes armados causa, nessas crianças, o desejo de
um dia empunharem uma arma como forma de (poder) passagem da fase infantil
para a fase adulta – pulando etapas – e que é possibilitado pelo tráfico. Desta forma,
a síntese de Evangelista (2003, p. 51) é bastante precisa:

“Enfim, é uma atividade, a do tráfico, que cresce se autodestruindo, continuamente,


sem deixar marcas. As alianças são fortuitas, esporádicas, circunstanciadas a uma
dada situação (que tão logo estas desaparecem os ‘laços de amizades’ são
desfeitos). A morte percorre suas vidas e dias, ela está incluída no negócio. Não há
cultura, não há associações, impera um voraz sistema competitivo que facilmente
aumenta as estatísticas de violência das delegacias”.

60
O que se pode concluir é que está em andamento, de acordo com Souza
(2003 p. 500):

“... um processo em que, de uma parte, espaços segregados, notadamente favelas,


passam a ser objetos de territorialização por parte de quadrilhas e ‘organizações’ de
traficantes de droga e, de outra parte, cada vez mais como reação escapista à
crescente sensação de insegurança em seus bairros tradicionais, elites e parte da
classe média se auto-segregam, buscando refúgio nas cidadelas fortificadas que são
os condomínios exclusivos, a isso se refere a fragmentação do tecido sóciopolítico-
espacial da cidade”.

O tráfico responde por algumas das territorialidades que ocorrem numa favela
e que, de certo modo, conforme esse mesmo autor (1995, p. 91 e 92):

“contrasta vivamente com a estrutura territorial característica de organizações


mafiosas ou mesmo do jogo do bicho. Entre dois territórios amigos – como exemplo
a Baixa do Sapateiro e o Morro do Timbáu –, quer dizer, duas favelas territorializadas
pela mesma organização, existe, porém, não apenas ‘asfalto’; pode haver igualmente
territórios inimigos, pertencentes a outro comando. A territorialidade de cada facção
ou organização do tráfico de drogas é, assim, uma rede complexa, unindo nós
irmanados pelo pertencimento a um mesmo comando, sendo que, no espaço
concreto, esses nós de uma rede se intercalam com nós de outras redes, todas elas
superpostas ao mesmo espaço e disputando a mesma área de influência econômica
(mercado consumidor), formando uma malha significativamente complexa”.

As favelas como espaços residenciais segregados vão, como no caso da


Maré, sendo controladas – ou territorializadas – por quadrilhas de traficantes de
drogas, que intimidam a população. A ‘lei do silêncio’ é imposta. Regras de uso do
espaço são impostas. O toque de recolher, a proibição de crimes comuns como
roubos e estupros são impostas. Aqueles que transgridem essas regras, são
severamente punidos.

Existe uma hierarquia e uma divisão do trabalho nas quadrilhas que operam
nesses espaços socialmente segregados – como no caso exposto – que envolve
diversos outros atores sociais, como cita Souza (2000, p. 57):

“O chefete local é o ‘dono’, o qual controla diversos pontos de venda de tóxicos


(‘bocas-de-fumo’). Uma vez que os ‘donos’ cada vez menos moram em favelas e sim
no ‘asfalto’ (ainda que tenham origem favelada), quem responde pelo negócio em um
dado local é o ‘gerente’, o qual realiza a contabilidade, supervisiona o pessoal da

61
segurança e realiza diversos contatos em nome do ‘dono’10. Além do ‘dono’ e de
seus ‘gerentes’ há os ‘soldados’, que são aqueles indivíduos que, fortemente
armados, garantem a segurança do negócio, impondo a ‘ordem’ na favela e
defendendo os pontos de venda de um ‘dono’ contra as tentativas de captura
realizadas por outras quadrilhas (rivais). Há, também, os ‘olheiros’, que são aqueles
que avisam sobre a aproximação da polícia ou de ‘alemães’ (estranhos, inimigos), e
os ‘aviões’ e ‘aviõezinhos’, que entregam droga aos Clientes, os quais muitos vezes
aguardam na entrada da favela dentro de seus carros. Há, finalmente, as pessoas
que trabalham na embalagem da droga a ser comercializada. Cada ator tem uma
participação diferente nos ganhos do negócio...”

A escalada do jovem na vida do tráfico é intensa e aos poucos ele vai subindo,
de degrau em degrau a um patamar que, na maioria da vezes, seu final é quase o
mesmo: a morte. Sobre essa trajetória Zaluar (Apud Evangelista 2003, p. 26) tem a
seguinte opinião:

“No Rio de Janeiro, onde o tráfico internacional de drogas se intensificou a partir do


final da década de 70, a posse de armas de fogo poderosas deu para os jovens
quadrilheiros um poder militar que não só os levou a matar-se mutuamente, como
abalou as bases de qualquer autoridade. No esquema de extorsão e dívidas
contraídas com traficantes, os jovens começam como usuários de drogas, são
levados a roubar, a assaltar e, algumas vezes, até a matar para pagar aqueles que
os ameaçam de morte e os instigam a se comportar como eles. Muitos tornam-se
membros de quadrilhas para saldarem dívidas ou para se protegerem dos inimigos
criados, num círculo diabólico”.

E a relação entre os traficantes e o poder público – na forma do envolvimento


policial – se dá, conforme Souza (Ibidem, p. 58) da seguinte forma:

“Note-se, ainda, que no caso dos policiais que extorquem dinheiro de traficantes que
operam no varejo, a expressão ‘dificultadores’, embora um pouco irônica, é mais
apropriada que ‘facilitadores’... Quanto aos policiais que, eventualmente, financiam e
organizam o negócio, esses são, a rigor, sócios dos traficantes. Podem, entretanto,
ser simplesmente seus empregados, como no caso de policiais que fazem a
segurança de criminosos”.

10
De acordo com Souza (2000, p. 57): “Existem, na verdade, dois tipos de gerente: o ‘gerente geral’
e, nas quadrilhas mais estruturadas, ‘gerentes’ que cuidam de tarefas específicas ou de apenas uma
‘boca-de-fumo’.

62
 O Foco Agora é a Polícia:

A presença do aparato policial nas comunidades carentes em geral é quase


que despercebida, a não ser no momento em que eles têm que intervir numa ação,
causando os freqüentes tiroteios com os traficantes locais.
Atualmente, a imagem da polícia encontra-se de forma estática (de mãos
atadas perante a realidade), o que possibilita a dificuldade de uma modificação nas
relações que se estabelecem com os grupos sociais, sendo desta forma, um dos
grandes problemas que são enfrentados na relação entre a comunidade e a polícia.
Neste sentido Dorneles (2003, p. 71) explicita a forma comportamental da atuação
policial:

“Há um comportamento ambíguo, tanto da corporação policial e das autoridades


públicas quanto do conjunto da sociedade. Por um lado, parte considerável da
sociedade exige uma polícia que respeite os direitos e que seja cumpridora das leis,
ao mesmo tempo em que não deixe de garantir a segurança de todos. Por outro
lado, essa mesma sociedade tem a expectativa geral de que a polícia se comporte
de acordo com o estereótipo negativo que marca a instituição, isto é, a conduta
brutal, violenta, arbitrária, corrupta e ilegal. Assim, a imagem que a população tem da
polícia se reforça, formando uma cadeia difícil de se desfazer”.

“Também a polícia quer se apresentar com uma imagem positiva para o conjunto da
sociedade, buscando a aceitação para a sua atuação. Quer ser respeitada e
identificada como protetora dos direitos, da lei e da justiça, garantindo a segurança
de todos. No entanto, ao mesmo tempo, reforça a sua imagem social negativa
quando não apenas deixa de garantir a segurança geral, como também passa a ser
identificada como violenta, corrupta e transgressora das leis”.

Com base nessa introdução, voltemos ao nosso entrevistado que, neste


instante, abordará, em seus comentários, a presença (?) e/ou atuação/intervenção
do aparato policial nas comunidades da Maré em estudo:

“É complicado falar da polícia, pois não há um ação sistemática nas comunidades na


qual, pode-se dizer, que essa ou aquela ação foi boa ou não. Não há o policiamento
ostensivo e o que se vê é o conflito com os traficantes e que de certo forma, envolve
a população. O que há é a ação truculenta e sem planejamento por parte dessa
instituição”.

“É incrível a facilidade com que o traficante anda armado nas ruas e, principalmente,
na rua atrás do batalhão da polícia (criado recentemente na Nova Holanda). Ela faz
‘vista grossa’, pois há uma câmera localizada em um dos postes da Light que cobre
toda a rua e os traficantes fazem questão em mostrar suas armas e seus rostos; Eles
63
‘endolam’ – prática de se colocar a cocaína já pronta para o consumo em sacos
plásticos para a venda no varejo – a droga fazendo questão de serem observados, e
a polícia não vê ou se vê, não toma nenhuma providência. É um absurdo total”.

Lourenço afirma que essa realidade retratada acima, do ‘trabalhar a droga’ no


meio da rua, essa promiscuidade, é “uma total falta de respeito e consideração para
com os moradores – principalmente idosos e crianças – e esse histórico negativo já
é antigo nesta comunidade”. Dando continuidade a sua fala, nosso entrevistado
argumentando a respeito do ocorrido, conclui que:

“Isso leva a crer que a criação desse batalhão parte do princípio de que há um
aspecto de ‘negociação’ (entre o comando militar e os traficantes locais) que eu não
sei até onde ela é velada. Há a história na comunidade de que o comando do
batalhão prefere ‘colaborar’ com essa do que aquela facção”.

Atualmente a polícia adotou um carro especial, revestido de material à prova


de balas e alguns policiais em seu interior fortemente armados e prontos para
‘disseminar’ (ou exterminar) a bandidagem, conhecido com o singelo pseudômio de
“Caveirão” e outro de “Pacificador” e que se relaciona com a comunidade de forma
muito agressiva e desrespeitosa, como aponta Lourenço: “Eles usam um microfone
interno dizendo em voz alta: ‘troca-se bandidos por pintinhos’ ou ainda diziam para
os traficantes, ‘vou c... sua mulher’. Essa é a nossa polícia”.
Por outro lado, há também o lado positivo dessa mesma polícia a qual eles
abrem suas portas (do batalhão) à comunidade para reuniões sistemáticas com os
líderes comunitários na tentativa de se manter um canal aberto à população, mas o
próprio líder comunitário tem a sua própria limitação ao falar, como indaga nosso
entrevistado:

“Como é que ele (o líder comunitário de determinada comunidade) vai a reunião no


batalhão e pedir para acabarem com esse ou aquele traficante da favela que ele
reside? O máximo que ele pede é que a polícia tenha uma ação mais respeitosa.
Mesmo assim é difícil. Os únicos locais na Maré onde há um policiamento mais
ostensivo são as Linhas Amarela e Vermelhas devido ao grande fluxo de
carros/pessoas”.

Mas a entidade polícia também tem seu lado positivo no combate ao tráfico de
drogas na região em estudo. Diversas são as apreensões realizadas no Complexo
da Maré na tentativa de diminuir o índice de criminalidade local, como pode ser

64
observado em matéria vinculada na mídia intitulada “Preso chefe de tráfico em 11
favelas da Maré.”

“Um dos bandidos mais procurados do Rio, Edmilson Ferreira dos Santos, o Sassá,
de 34 anos, foi preso ontem de manhã num esconderijo subterrâneo na Favela Salsa
e Merengue, no Complexo da Maré. Chefe do tráfico em 11 favelas da região, Sassá
foi responsável pela maioria dos tiroteios que nos últimos tempos levaram à
interdição da Avenida Brasil e das linhas Vermelha e Amarela. O delegado Ricardo
Hallack, titular da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC), que comandou
a operação, disse que o bandido ofereceu R$ 1 milhão para ser solto. Sassá, que
tem 11 mandatos de prisão contra ele, era o principal aliado de Erismar Rodrigues
Moreira, o Bem-Te-Vi, da Rocinha, morto sábado passado pela polícia”. (Fonte:
Jornal ‘O Globo’ de 05/11/2005).

Para concluir esta parte que retrata a polícia como um ator social de
transformação do espaço na Maré, cito a fala de Lima (2000, p. 175), onde ele
analisa assim a participação da polícia: “Na verdade...a polícia opera como se fosse
uma agência autônoma, a serviço de um Estado imaginário, encarregado de manter
uma ordem injusta, um uma sociedade de desiguais”. Mais adiante esse mesmo
autor (Ibidem, p.231) afirma que:

“Se, por um lado, as formas de organização da vida comunitária das classes


populares alimentam a rede do tráfico, no entanto, são estes mesmos valores de
reciprocidade e de solidariedade que permitem a emergência de organizações
comunitárias hoje capazes de oferecer não apenas uma alternativa ao mundo do
tráfico em termos de ascensão social, mas também uma alternativa de construção de
políticas públicas de saúde e de educação infinitamente mais eficazes do que as
propostas que o Estado poderia elaborar”.

 O Papel da Igreja:

A relação das instituições com o tráfico são todas elas desrespeitosas, com
exceção da Igreja e nosso entrevistado assim analisa: “A igreja consegue realizar
nas comunidades da Maré algo que as ong’s e o Estado não conseguem fazer: tirar
as crianças do tráfico. Todo grupo de marginalizados têm uma forte e interessante
relação com a Igreja”. Fazendo uma retomada histórica Lourenço cita que:

“Na década de 60 os traficantes tinham uma ligação com o candomblé (e com a


macumba), nos anos 90/00 a idéia e a relação é com a Igreja subentendido com o
slogan: ‘Fé em Deus!’ Mas há um respeito muito grande entre o traficante e a Igreja:

65
muitas pessoas conseguiram largar o tráfico e permanecerem na Igreja e eu não
conheço nenhuma ong que tenha conseguido esta proeza”.

“A igreja tem cumprido um papel muito forte em relação a isso, trazer o ex-traficante
para o seio da sociedade. A igreja serve como um refúgio para essas pessoas”.

Além disso, as Igrejas vêm praticando ações de solidariedade em prol da


comunidade, já há algum tempo e isso fica nítido na fala de nosso entrevistado:

“Uma determinada igreja, não lembro bem o nome dela, estava desenvolvendo uma
ação social na comunidade de Nova Holanda como: corte de cabelo, tratamento
dentário, exame de pressão e hipertensão... A igreja entrou por um lado onde
somente as orações não estavam dando resultados e assim muda-se o formato
daquela igreja antiga”.

 A Vila Olímpica da Maré:

Outro agente social de grande relevância na área na Maré é a “Vila Olímpica


da Maré” que teve suas atividades iniciadas em Fevereiro/2000 e ocupa uma área
de 80.000 m² . Criada pela prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e em parceria
com a iniciativa privada, num convênio com a gestora UEVOM (União Esportiva da
Vila Olímpica da Maré), atende a mais de oito mil pessoas de seis a oitenta anos de
idade. São oferecidas gratuitamente, de segunda a domingo, 23 atividades
esportivas e educacionais. Têm aulas esportivas de tênis, atletismo, capoeira, vôlei,
basquete, futebol, natação, ginástica aeróbica e olímpica, entre outras.
A Vila Olímpica da Maré funciona, assim como a ong CEASM, como um
espaço de atividades sociais numa tentativa de cidadania em prol dos moradores
dessas comunidades, visando principalmente a inserção dos jovens na expectativa
de que esse mesmo jovem não venha a adentrar na vida do tráfico.
Entendemos que as intervenções, em conjunto ou não, desses principais
atores sociais na área da Maré, possibilitam territorialidades diversas no campo das
observações realizadas. Essas territorialidades vão ao longo do tempo assumindo
alterações que possibilitam que essas áreas em questão sofram desterritorializações
e, dependendo da atuação desses atores e a atitude dos moradores face aos
resultados encontrados, essas mesmas áreas passam a sofrer uma re-

66
desterritorialização. É um verdadeiro ciclo que se inicia e se repete a cada atitude
praticada pelos atores estudados e que surtem efeitos negativos à população.
As territorialidades se formam porque a presença do poder do tráfico supera a
ação dos demais atores que, representando instituições organizadas para oferecer à
população oportunidades e perspectivas de uma vida com maior dignidade e
respeitabilidade, não conseguem atingir seus objetivos.
A própria divergência entre facções divide o espaço por elas dominadas. As
variáveis tempo e espaço são afetadas por forte mobilidade, dependendo da força
do grupo dominante que tem sob seu poder conjuntos de comunidades, gerando
conflitos sociais entre os próprios moradores.
Novas territorialidades se fazem freqüentes quando o comando das facções
está fora do próprio Complexo da Maré, porque o “chefe” mora, ou porque o mando
passa para grupos externos que dominam outras favelas da cidade do Rio de
Janeiro. Esta mobilidade afeta e redireciona o trabalho exercido pelos diversos
atores que atuam no local.

67
4 – Conclusão:

Como tentativa de conclusão deste trabalho podemos argumentar o fato de


que os atores sociais em plena atividade no espaço territorial do Complexo da Maré,
nos leva a perceber que as atividades exercidas, em conjunto, pelos mesmos,
geram novas territorialidades e que redefinem, ainda, novas formas de re-des-
territorialidades nos espaços nos espaços locais.
Esse “ciclo contínuo e ambíguo” se mostra bastante visível quando se
percebe a atuação dos principais atores sociais envolvidos na área de estudo. O
Estado como agente da produção do espaço tem papel fundamental na
“fragmentação do tecido sócio-político espacial”, como mencionado anteriormente
(Souza 2003, p. 500). Neste sentido, a mais prejudicada é a população que, em
geral, se desloca continuamente, para territórios provisórios onde, em determinado
momento, aparenta ser mais “confortável”, em termos de segurança e moradia.
Não obstante as solidariedades expressas pela população, as territorialidades
se formam através das relações de poder do tráfico. As práticas destas facções
exercidas por códigos e ameaças caracterizam as relações entre os diferentes
atores. A constituição social do lugar representada pela formação das 16
comunidades que constituem o Complexo da Maré é, sem dúvida, afetada
diretamente pelas práticas das facções do tráfico. A Maré em seu processo
contraditório de construção e desconstrução revela suas territorialidades, em
constante movimento de desterritorialização.
Espero que com esse trabalho final de curso, tenha superado o desafio de
tentar detalhar essas múltiplas territorialidades que sempre estão em movimento no
espaço territorial do Complexo da Maré.

68
5 – Referências Bibliográficas:

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territorialidades: os limites do poder nacional e do poder local. In: Santos, Milton et
alli (Orgs). Território: Globalização e fragmentação. São Paulo. Editora Hucitec.
1994.
02 – Corrêa, Roberto Lobato. “O Espaço Urbano”. Editora Ática. 1989. R.J.
03 ______________________“Territorialidade e corporação: um exemplo”. In:
Território – Globalização e Fragmentação. Santos, Milton et alli (Orgs). Editora
Hucitec. São Paulo. 1994.
04 – Dorneles, João Ricardo W. “Conflitos e Segurança (Entre Pombos e Falcões)”.
Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro. 2003.
05 – Evangelista, Helio de Araújo. “Rio de Janeiro: Violência, Jogo do Bicho e
Narcotráfico segundo uma interpretação”. Editora Revan. Rio de Janeiro. 2003.
06 – Ferreira, Álvaro. “A Tendência ao Esvaziamento da Área Central da Cidade do
Rio de Janeiro e sua Associação com a Implementação do Teletrabalho Pelas
Empresas”.In: VII Coloquio Internacional de Geocrítica. “Los Agentes Urbanos Y Las
Políticas Sobre La Ciudad”. Santiago de Chile, 24-27 de mayo 2005. Retirado da
Internet: www.ub.es/geocrit/7-colalvaro.htm em 24/08/2005.

07 – Geiger. Pedro P. “Des-territorialização e espacialização. In: Território –


Globalização e Fragmentação. Santos, Milton et alli (Orgs). Editora Hucitec. São
Paulo. 1994.
08 – Geografia: Conceitos e temas. (Orgs). Castro, Iná Elias de. Gomes, Paulo
César da Costa e Corrêa, Roberto Lobato. Bertrand Brasil, 1995. Rio de Janeiro.
09 – Gottdiener, Mark. “A Produção Social do Espaço Urbano”. Edusp. São Paulo.
1993.
10 – Haesbaert, Rogério. “Desterritorialização: entre as redes e os aglomerados de
exclusão”. In: Geografia: Conceitos e Temas. Castro, Iná Elias de et alli (Orgs).
Bertrand Editora. 1995. Rio de Janeiro.
11 – Haesbaert, Rogério. “Da desterritorialização a multiterritorialidade. In: Anais do
IX Encontro Nacional da ANPUR. Rio de Janeiro. 2001 p. 1769-1777.
12 – Haesbaert, Rogério. O Mito da Desterritorialização – Do “Fim dos Territórios à
Multiterritorialidade”.Bertrand Brasil. 2004. 400p.

69
13 – “Instrumentos de Planejamento e Gestão Urbana em Aglomerações Urbanas:
Uma Análise Comparativa”. Série Gestão do Uso do Solo e Disfunções do
Crescimento Urbano. Ipea. 2001.

14 – Júnior, Saint-Clair Cordeiro da Trindade. Mesa Redonda: Espaço e Política.


Comunicação Coordenada: “Sujeitos Políticos e Territorialidades Urbanas”. In: 10º
Encontro Nacional de Geógrafos. UFPE. 14 a 19 de Julho de 1996. AGB. São Paulo.
(Livro: “Espacialidade e Territorialidade: Limites da Simulação. Cadernos de
Resumos – Mesas Redondas)”.
15 – Neves, Gervásio Rodrigues. “Territorialidade, desterritorialidades, novas
territorialidades (algumas notas). In: Território – Globalização e Fragmentação.
Santos, Milton et alli (Orgs). Editora Hucitec. São Paulo. 1994”.
16 – Nunes, Guida. “Rio Metrópole de 300 Favelas”. Editora Petrópolis. 1976. Rio de
Janeiro.
17 – Perlman, Janice E. O Mito da Marginalidade – Favelas e Política no Rio de
Janeiro. Paz e Terra. 1977. 377p.
18 – Raffestin, Claude. “Por uma Geografia do Poder”. São Paulo. Ed. Ática. 1993.
19 – Ramagem, Sonia Bloomfield. Geografia(s) Pura(s), Geografia(s) Impura(s).
“Judaísmo e Ecologia: Um Encontro Entre a Cultura e o Espaço (resumo). In: In: 10º
Encontro Nacional de Geógrafos. UFPE. 14 a 19 de Julho de 1996. AGB. São Paulo.
(Livro:“Espacialidade e Territorialidade: Limites da Simulação. Cadernos de
Resumos – Mesas Redondas).
20 – Ribeiro, Maurides de Melo. “Drogas Hegemonia do Cinismo”. In: “Seminário
Internacional de Drogas – Debate Multidisciplinar”. 1996. São Paulo.
21 – Santos, Milton. “Espaço e Método”. São Paulo. Ed. Nobel. 1995. 2ª ed. (1997).
22 – SOUZA, Marcelo Lopes de. O Território: sobre espaço e poder, autonomia e
desenvolvimento. In: CASTRO, I. E. et alli (orgs.). Geografia, Conceitos e Temas.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1995.
23 ___________________________“O Desafio Metropolitano – Um Estudo Sobre a
Problemática Sócio-espacial nas Metrópoles Brasileiras.” Bertrand Brasil. 2000. Rio
de Janeiro.
24 ___________________________“Mudar a Cidade: Uma Introdução Crítica ao
Planejamento e à Gestão Urbanos”. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. 2ª edição.

70
25 ____________________________ “ABC do Desenvolvimento Urbano”. Rio de
Janeiro. Bertrand Brasil. 2003a.
26 – Sposito, Eliseu Savério. “Geografia e Filosofia – Contribuição para o Ensino do
Pensamento Geográfico”. Editora Unesp. 2004. São Paulo.
27 – Valladares, Licia do Prado. Passa-se uma casa – Análise do Programa de
Remoção de Favelas do Rio de Janeiro. Zahar Editores. R.J. 2ª ed. 1980. 142p.
28 – Varella, Drauzio; Bertazzo, Ivaldo; Jacques, Paola Berenstein e Seiblitz, Pedro.
“Maré: Vida na Favela”. Rio de Janeiro. Ed. Casa da Palavra. 2002.
29 – Velho, Gilberto e Alvito, Marcos (Orgs). “Cidadania e Violência”. Editoras UFRJ
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Sites da Internet:

01 – “Fotos da Maré”. Disponível em http://www.favelatemmemoria.com.br Acesso


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02 – “Geopolítica das Drogas”. Silva Júnior, Juvenal Araújo da. Disponível em


http://www.geopolitica.pop.com.br/geopolitica_arquivos/geopdrog.htm Acesso em
23/08/2005.

03 – “Histórias da Maré em Capítulos”. Disponível em http://www.ceasm.org.br em


17/07/2005.

04 – “Ortofoto da Maré”. Disponível em http://www.armazemdedados.com.br Acesso


em 18/08/2005.

05 – “Prefeitura da Cidade do rio de Janeiro”. Disponível em : http://www.rio.rj.gov.br


Acesso em 20/10/2005.

06 – “Quem Somos? Quantos Somos? O Que Fazemos? A Maré em dados: Censo


2000. CEASM”. Disponível em http://www.ceasm.org.br Acesso em 17/08/2005.

07 – “Vila Olímpica da Maré”. Disponível em http://www.rio.rj.gov.br/smel Acesso em


20/10/2005.

71
5 – ANEXOS:

72
Anexo I – “Densidade Demográfica na Área da Maré”. Fonte: Quem Somos? Quantos Somos? O
Que Fazemos? A Maré em dados: Censo 2000. CEASM.

73
Anexo II – “Densidade Habitacional na Maré”. Fonte: Quem Somos? Quantos Somos? O Que
Fazemos? A Maré em dados: Censo 2000. CEASM.

74
Anexo III – “Uso do Espaço na Maré”. Fonte: Quem Somos? Quantos Somos? O Que Fazemos? A
Maré em dados: Censo 2000. CEASM.

75
Anexo IV – “Evolução Urbana na Maré”. Fonte: Quem Somos? Quantos Somos? O Que Fazemos?
A Maré em dados: Censo 2000. CEASM.

76

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