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Complexo da Maré:
Múltiplas Territorialidades Locais em Movimento
Rio de Janeiro
Dezembro/2005
1
Agradecimentos:
2
Sumário
I – Apresentação..................................................................................... 05
4 – Conclusão ......................................................................................... 68
5 – Referências Bibliográficas............................................................... 69
6 – Anexos .............................................................................................. 72
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"A favela é um espaço em constante movimento
porque os moradores são os verdadeiros responsáveis
por sua construção, ao contrário do morador da cidade
formal, que muito raramente se sente envolvido na
construção do seu espaço urbano e, em particular, dos
espaços públicos de sua cidade. A participação
comunitária ocorre de forma muito mais representativa
nas favelas e áreas favelizadas em geral do que na
cidade formal. Os técnicos, arquitetos e urbanistas
responsáveis por projetos e intervenções em favelas, na
maioria dos casos, em vez de tentar seguir os
movimentos já iniciados pêlos moradores, impõem sua
própria lógica construtiva, diretamente ligada à cultura e
à estética da cidade formal. Esses profissionais lutam
exatamente contra tal movimento do espaço das favelas,
com a finalidade de estabelecer uma pretensa” ordem".
O resultado (...) é uma rejeição por parte dos moradores
dessa imposição formal, o que resulta em uma
favelização ainda mais radical, como no exemplo das
alterações realizadas pelos próprios moradores nos
conjuntos habitacionais”. (Jacques 2002, p. 48).
1 – Apresentação:
Este trabalho final de curso tem como objetivo central identificar os territórios
que envolvem o complexo da Maré e suas particularidades, tendo como foco
principal o tema “Complexo da Maré: Múltiplas Territorialidades Locais em
Movimento”, então observadas na área de estudo. Para tal será utilizado, com
freqüência, “A História da Maré em Capítulos”, encontrado na internet em
http://www.ceasm.org.br e que discutirá com muita eficácia a trajetória da formação
do bairro “Maré”.
De acordo com o site da Prefeitura (2003) a área territorial da Maré
corresponde a 426,88 ha (a densidade demográfica de cada comunidade está no
Anexo I). O recorte definido pelo IBGE ignorou a condição formal de bairro da Maré,
estabelecida desde o final da década de 80, reconhecendo as comunidades locais
como “Unidades Territoriais Específicas” – é a maior concentração de população de
baixa renda do município do Rio de Janeiro. O conjunto de 16 comunidades [Morro
do Timbáu (1930/1940), Baixa do Sapateiro (1947), Conjunto Marcílio Dias (1948),
Parque Maré (1953), Parque Roquete Pinto (1955), Parque Rubens Vaz (1961),
Parque União (1961), Nova Holanda (1962), Praia de Ramos (1962), Conjunto
Esperança (1982), Vila do João (1982), Vila do Pinheiro (1989), Conjunto Pinheiro
(1989), Conjunto Bento Ribeiro Dantas ou Fogo Cruzado (1992), Nova Maré (1996)
e Salsa e Merengue (2000)] totaliza, segundo o “Censo Maré – 2.000”1, uma
população de 132.176 representando esse contingente, 2,26% da população do
município do Rio de Janeiro e apenas 0.97 % dos habitantes do Estado do Rio de
1
O Censo Maré, a fim de melhor descrição da heterogeneidade local, considerou a comunidade de
Mandacaru, localizada no território de Marcílio Dias, como uma comunidade específica, devido às
suas condições peculiares.
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Janeiro abrigado em 38.273 domicílios (Censo Maré 2000 2). A densidade
habitacional da Maré está representada no Anexo II.
Para Jacques (2002, p. 19) a Maré se diferencia de uma outra favela pois;
2
O “Censo Maré 2000” foi um empreendimento com iniciativa do CEASM, com financiamento do
BNDES e com vínculos a um conjunto de iniciativas de Políticas Sociais da Prefeitura do Rio de
Janeiro e que ficou conhecido como “Projeto Multissetorial da Maré”.
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O destaque da Maré torna-se mais evidente e visível quando comparamos o
tamanho absoluto de sua população com os números identificados para os
municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, conforme apresenta o Tabela
I.
Tabela I – População Residente nos Municípios da Região Metropolitana
do Rio de Janeiro:
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Tabela II – População nas Principais Favelas do Rio de Janeiro:
Localidade 1991 1996 2000
Rocinha 42.892 45.585 56.313
Alemão 51.591 54.795 65.637
Jacarezinho 37.393 34.919 36.428
Maré 62.458 68.817 113.817 /
132.176*
Fonte: (Censo IBGE – 2000; *Censo CEASM-2000).
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Timbáu 2.962 3.069 6.031
Conjunto Esperança 2.827 2.901 5.728
Salsa e Merengue 2.644 2.665 5.309
Praia de Ramos 2.287 2.507 4.794
Conjunto Pinheiros 2.319 2.448 4.767
Nova Maré 1.517 1.625 3.142
Roquete Pinto 1.238 1.276 2.514
Bento Ribeiro 1.082 1.117 2.199
Dantas
Mandacarú 206 218 424
Maré 65.200 66.976 Total 132 176
Fonte: Censo Maré – 2000
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fato, formando áreas de confronto perigosas, verdadeiras ‘linhas-de-tiro’ dentro do
complexo, afetando de forma direta a vida cotidiana de seus moradores.
O objetivo em estudar esse complexo encravado no espaço urbano carioca
(ver a disposição espacial da Maré no Anexo III) advém não só de uma vivência
cotidiana como morador que nasceu e cresceu acompanhando seus movimentos
sociais mas, sobretudo, de procurar entender suas possíveis territorialidades,
decorrentes do conflito de interesses entre os atores sociais que interagem no
processo de estruturação do local.
O primeiro capítulo procura de forma, sucinta, mostrar o Complexo da Maré
como produto da chamada “fragmentação do tecido sócio-político espacial”, como
define Souza (2003, p. 500), no processo de expansão da cidade do Rio de Janeiro
e a constituição de territorialidades em seu tecido urbano, partindo de considerações
de natureza conceitual formulada por autores que têm se dedicado ao tema
territorialidades.
O segundo capítulo, de caráter empírico, trata de forma factual a formação do
Complexo da Maré e suas vinculações com as políticas públicas voltadas para a
população de baixa renda, tema este que extrapolando o objeto da presente
dissertação mantém-se na pauta de discussões, como as que ainda hoje, em pleno
século XXI, envolvem as lideranças políticas do Município do Rio de Janeiro.
No terceiro capítulo são apresentados os principais atores sociais que fazem
do Complexo da Maré um espaço partido, fragmentado e marcado pelo interesse de
facções antagônicas, suas práticas sociais e, de que algum modo, caracterizam as
territorialidades e as desterritorialidades evidenciadas no local.
Finalmente, na tentativa de arriscar algumas conclusões, são feitas as
considerações finais sobre esta monografia.
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1 – A Cidade do Rio de Janeiro e as Territorialidades em
Movimento:
“não deve ser confundido com o de espaço ou de lugar, estando muito ligado à idéia
de domínio ou de gestão de uma determinada área, sendo assim, deve-se ligar
sempre a idéia de território à idéia de poder, quer se faça referência ao poder
público, estatal, quer ao poder das grandes empresas que estendem os seus
tentáculos por grandes áreas territoriais, ignorando as fronteiras políticas”.
Este mesmo autor cita que “o território, unidade de gestão, se expande pelo
espaço não conquistado e cria novas formas de territorialidades que dialeticamente
provocam novas formas de desterritorialidades e dá origem a novas territorialidades”
(Ibidem, p. 220).
Milton Santos (1997, p. 51) foi um dos autores que mais trabalhou com este
tema geográfico e segundo ele o espaço seria formado: “por um conjunto
indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de
ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história
se dá”.
“O espaço, uno e múltiplo, por suas diversas parcelas, e através do seu uso, é um
conjunto de mercadorias, cujo valor individual é função do valor que a sociedade, em
um dado momento, atribui a cada pedaço de matéria, isto é, cada fração da
paisagem”.
Para o mesmo autor, “o espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais
artificiais, povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e
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cada vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e a seus habitantes.”(Ibidem p.
51).
Santos, afirma, entretanto, que espaço e paisagem não são sinônimos. “A
paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças
que representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e a natureza. O
espaço são essas formas mais a vida que as anima” (Ibidem, p. 83).
Para Lefebvre, citado por Ferreira (2005):
“Forma, função, estrutura e processo são quatro termos disjuntivos associados, a empregar
segundo um contexto do mundo de todo dia. Tomados individualmente, representam apenas
realidades parciais, limitadas, do mundo. Considerados em conjunto, porém, e relacionados
entre si, eles constroem uma base teórica e metodológica a partir da qual podemos discutir os
fenômenos espaciais em totalidade”.
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Lefebvre conceitua “design espacial” como sendo ele próprio, um aspecto das
forças produtivas da sociedade – que, juntamente com a tecnologia, o conhecimento
humano e a força de trabalho, contribuem para o nosso “potencial de produção –
assinala ele que:
“A cidade, o espaço urbano e a realidade urbana não podem ser concebidos apenas
como a soma dos locais de produção e de consumo... O arranjo espacial de uma
cidade, uma região, um país ou um continente aumenta as forças produtivas, do
mesmo modo que o equipamento a as máquinas de uma fábrica ou de um negócio,
mas em outro nível. Usa-se espaço exatamente como se usa uma máquina.”
(Ibidem, p. 128).
“O design espacial é um instrumento político de controle social que o Estado usa para
promover seus interesses administrativos. O espaço de autoridades e
administrações políticas dá, assim, ao Estado um instrumento independente para
promover seus interesses”. (Ibidem, p. 130).
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mais aparente, materializada nas formas espaciais. Cita ainda que “este espaço seja
um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo e engendradas
por agentes que produzem e consomem espaços, são agentes sociais concretos”. A
esses agentes que fazem e refazem a cidade ele nomeou-os em: proprietários dos
meios de produção (os grandes industriais); os proprietários fundiários (interessados
no valor de troca da terra e não no seu valor de uso); os promotores imobiliários
(que realizam operações de incorporação, financiamento...); o Estado (que atua
diretamente como grande produtor e consumidor de espaço) e os grupos sociais
excluídos (que tinham como possibilidades de moradia os densamente ocupados
cortiços localizados próximos ao centro da cidade). E assim o espaço transforma-se,
através da política, em território.
Para Andrade (1994, p. 251) o “território não é sinônimo de espaço... do
mesmo modo territorialidade e espacialidade não devem ser empregadas de modo
indiferenciado”. Para ele “território constitui-se, em realidade, em um conceito
subordinado a um outro mais abrangente, o espaço, isto é, à organização espacial;
ele é o espaço revestido da dimensão política, afetiva ou ambas”.
Trindade Júnior (1996, p. 139) analisa da seguinte forma: “O espaço urbano
não é sujeito, mas produto, condição e meio de (re)produção das relações sociais.
Nesse sentido, a reprodução da vida da e na cidade hoje faz-se num contexto de
instauração de uma, como diz Lefebvre, sociedade urbana que é, ao mesmo tempo,
real e virtual”.
Ramagem (1996, p. 49) diz que “um território pressupõe um povo, um
grupamento com unidade cultural, o qual reclama uma dada porção do espaço como
exclusivamente sua; um espaço vivido, campo de representações simbólicas, lócus
de solidariedades territoriais, percebido através do sentimento”.
Outro autor que trabalha com este tema é Souza (1995, p. 78) que define o
território fundamentalmente como: “um espaço definido e delimitado por e a partir de
relações de poder”.
Souza (Ibidem, p. 99) prefere empregar o termo “Territorialismo” – que longe
de ser uma simples questão de instinto, é também uma estratégia – para designar o
conteúdo de territorialidade. Diz ainda que no singular (territorialidade) “remeteria a
algo extremamente abstrato: aquilo que faz de qualquer território um território, isto é,
relações de poder espacialmente delimitadas e operando sobre um substrato
referencial” e no plural (territorialidades) significariam “os tipos gerais em que podem
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ser classificados os territórios conforme suas propriedades, dinâmicas, etc”. O autor
exemplifica: territórios contínuos e territórios descontínuos singulares são
representantes de duas territorialidades distintas, contínuas e descontínuas. A
territorialidade remete a um certo tipo de interação entre o homem e o espaço, a
qual é sempre uma interação entre seres humanos “mediatizada pelo espaço”
(Raffestin, 1993 p. 160). Já Robin, citado por Haesbaert (1995, p. 202) indaga que:
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“... o território envolve sempre, ao mesmo tempo, uma dimensão simbólica, cultural,
através de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de
‘controle simbólico’ sobre o espaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma
de apropriação), e uma dimensão mais correta, de caráter político-disciplinar: a
apropriação e ordenação do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos
indivíduos.”.
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Esta definição de territorialidade está embasada em Sack (apud, Corrêa/1994) onde ele aceita que
“para os seres humanos (territorialidade) é uma poderosa estratégia geográfica para controlar
pessoas e coisas através do controle de uma área”.
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território, e não há saída do território, ou seja, desterritorialização, sem, ao mesmo
tempo, um esforço para se reterritorializar em outra parte”.
Haesbaert (1995, p. 168) define desterritorialização como “a superação
constante das distâncias, a tentativa de superar os entraves espaciais pela
velocidade, de tornar-se ‘liberto’ em relação aos constrangimentos geográficos – ou
rugosidades”, quando se refere Milton Santos. Quando se remete a
desterritorialização percebe-se a perda dos vínculos com o lugar e as relações nele
realizadas. Santos, citado por Ferreira (2005), enfatiza essa tese quando argumenta
que:
“hoje, a mobilidade se tornou praticamente uma regra. O movimento se sobrepõe ao
repouso. Os homens mudam de lugar(...) mas também os produtos, as mercadorias,
as imagens, as idéias. Tudo voa. Daí a idéia de desterritorialização.
Desterritorialização é, freqüentemente, uma outra palavra para significar
estranhamento, que é, também, desculturização”.
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As práticas sócio-culturais, que foram responsáveis pela construção social do
lugar, fazem com que haja uma ruptura de toda uma formação de sistemas
simbólicos de significados e de valores através da desterritorialização.
A reterritorialização representa uma nova rede de relações e processos que
geralmente desencadeiam uma nova codificação; ela rompe com toda uma
formação de sistemas simbólicos e significados e de valores instituídos que foram
responsáveis pela elaboração do lugar. Quando é realizada guarda novos traços e
trajetórias. O processo de reterritorialização se manifesta em associação a um
movimento dentro da própria organização espacial do lugar.
Um exemplo disso é um indivíduo que passa a trabalhar como autônomo e
permanece com seu vínculo empregatício; ele monta em sua própria residência um
mini-escritório de vendas de pequenos produtos para beleza feminina, por exemplo,
– com esse movimento de migração de tarefas de um determinado lugar para outro
ele exercita uma desterritorialização e uma reterritorialização para logo após,
desterritorializar-se e reterritorializar-se novamente.
Concluindo, Corrêa (1994, p. 252) menciona que a desterritorialização:
“É entendida como a perda do território apropriado e vivido em razão de diferentes
processos derivados de contradições capazes de desfazerem o território. Novas
territorialidades ou re-territorialidades, por sua vez, dizem respeito à criação de
novos territórios, seja através da reconstrução parcial, in situ, de velhos territórios,
seja por meio da recriação parcial, em outros lugares, de um território novo que
contém, entretanto, parcela das características do velho território: neste caso os
deslocamentos espaciais como as migrações, constituem a trajetória que possibilita
o abandono dos velhos territórios para os novos”.
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1.2 – Territorialidades e Segregação Sócio-Espacial Urbana:
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produção no espaço urbano carioca (e à conseqüente apropriação capitalista desse
espaço).
No início do século XX, o prefeito Pereira Passos (1902-1906), aliado ao
governo republicano, realizou a primeira grande intervenção urbana no Rio de
Janeiro, Ao procurar embelezar e modernizar a cidade, o denominado “Haussmann
Tropical” iniciou a reestruturação da cidade, redefinindo o centro e as áreas
residenciais, oficializando a segregação espacial entre ricos e pobres, e tornando-se,
paradoxalmente, um grande responsável pela consolidação inicial das favelas4.
Corrêa (1989, p. 65), citando Harvey, diz que a segregação significa:
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mas também um meio de controle e de reprodução social para o futuro (Corrêa,
1989 p. 60).
A questão de como morar é concomitantemente associado à problemática da
produção da habitação – que se trata de uma mercadoria cujo valor de uso é
superado pelo valor de troca, fazendo dela uma mercadoria sujeita aos mecanismos
de mercado – e tem um caráter especial surgido na medida em que depende de
outra mercadoria especial, a terra urbana, cuja produção é cara, o que exclui boa
parte da população.
No problema de moradia o Estado intervêm de forma direta através da
construção de habitações e indiretamente na forma de financiamento aos
consumidores e às firmas construtoras, ampliando a demanda solvável e
viabilizando o processo de acumulação capitalista. Isso define a questão de “como e
onde morar” apontada por Corrêa (1989, p. 63), onde “ambos se fundem dando
origem a áreas que tendem a ser uniformes internamente em termos de renda,
padrões culturais, valores e, sobretudo, em termos dos papéis a serem cumpridos
na sociedade pelos seus habitantes”, onde esta tendência que se mostra mais
marcante nos extremos da sociedade: nos grupos mais elevados e mais baixos da
sociedade.
Se por um lado o Estado exerce o papel na ação estatal, a classe dominante
(ou algumas de suas frações) exerce, subjacente, este poder na segregação
residencial na medida em que controla o mercado de terras, a incorporação
imobiliária e a construção, direcionando seletivamente a localização dos demais
grupos sociais no espaço urbano, atuando indiretamente através do Estado.
O primeiro registro referente a uma favela no Rio deu-se no recenseamento
de 1920, que documentou uma aglomeração de 839 casas no Morro da Providência
organizada por veteranos da guerra dos Canudos. A primeira leva importante de
migrantes rurais no Brasil, nos primeiros anos da década de 1930, provocou o rápido
crescimento da população favelada. Aos novos migrantes à procura de casa vinham
somar-se os moradores da cidade que não mais podiam pagar os aluguéis nem
mesmo de cortiços, avenidas ou cabeças de porco. As favelas, nas colinas ao redor
do centro da cidade, ofereciam a dupla vantagem de não cobrarem aluguel e de
serem bem localizadas, e para muitos constituíram a melhor solução.
Com isso foi inevitável o acentuado número de favelas concentradas na
cidade do Rio de Janeiro, já a partir da década de 60, quando sua população teve
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um crescimento bastante significativo, conforme se observa na Tabela V e nos
Gráficos I, II, III e IV.
As favelas, definidas e contabilizadas, começaram a ser estudadas, tornando-
se cada vez mais visíveis e tema de vários debates. Portanto apenas em meados do
século XX é que se problematiza novamente a questão da habitação popular, tendo
então como eixo principal a favela. Este padrão de habitação auto-produzido
caracterizava-se pela sua ilegalidade em termos jurídicos e sua irregularidade em
termos urbanísticos, além da precariedade e da insalubridade. Assim, quando não
pôde mais ser negada, sua existência foi considerada uma “chaga” que deveria ser
extirpada e seus moradores removidos.
% do crescimento % de crescimento
População de População total do
Ano A/B (%) de Favela por da População do
Favelas (A) Rio (B)
Década Rio por Década
Fonte: http:www.ibge.gov.Br
22
Gráfico I – Percentual de Moradores de Favelas
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
23
Gráfico III – Evolução do Nº de Favelas no Município do Rio de
Janeiro
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
Fonte: http://www.favelatemmemoria
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De 14 favelas em 1920 para mais de 500 no ano 2000. Nesse período, muita
coisa mudou na realidade dos morros cariocas. Hoje, o número de favelados
representa quase 20% da população total do município do Rio de Janeiro.
Algumas comunidades viraram complexos, Alemão, Jacarezinho e Maré, que
conforme o gráfico acima, ultrapassaram os 50 mil habitantes, enquanto áreas
como a Zona Oeste – antes um vazio no mapa – viraram opção de moradia barata e
hoje lideram o ranking de novas construções.
Embora não haja uma explicação unânime para a segregação social, é
evidente que a cidade formal sempre manteve um posicionamento contrário à favela,
sugerindo a formação de uma cidade à parte pela presença desses assentamentos.
A partir da década de 40, as favelas começam a ser vistas pelos moradores da
cidade formal como “aglomerados invasores” e “ocupações ilegais de terra” embora
a crítica à chamada “teoria da marginalidade” tenha buscado mostrar o equívoco dos
discursos dualistas sobre as favelas a partir da década de 70.
De qualquer forma, a visão dualista por parte da cidade formal ganhou novo
fôlego com a inclusão do narcotráfico e da violência urbana e foi dotada de
legitimidade social pela utilização freqüente pela mídia de metáforas como “cidade
partida” e “desordem urbana”. De fato, a partir da primeira metade do século 20, o
próprio Estado mudou sua forma de encarar as favelas, baseando-se em políticas de
controle e repressão sendo os aglomerados usualmente comparados a “doenças
sociais”. Por outro lado, ao mesmo tempo em que políticas de remoção das favelas
são postas em práticas, emergem demandas por parte de governo e instituições não
governamentais de novos discursos que subsidiem a política de “integração da
favela ao bairro”.
Na realidade, o distanciamento social entre a cidade formal e as favelas
continua em curva ascendente. A barreira invisível entre estas e a cidade,
materializa-se através da auto-segregação da classe média em condomínios
exclusivos e somam-se aos muros invisíveis da estigmatização e do preconceito
geradas pela associação simplista entre favelas e tráfico de drogas. Segundo Souza
(2002 p. 500), o ingrediente principal para esta “fragmentação do tecido sócio-
político-espacial” encontra-se na multiplicação de enclaves territoriais controlados
por traficantes de drogas de quem se necessita a anuência para que sejam
viabilizados quaisquer tipos de intervenção estatais.
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Embora não seja prerrogativa das favelas a existência do tráfico de droga e
sua conseqüente violência, a falta de governança nessas áreas empobrecidas
encorajou o surgimento de um novo poder paralelo que desafia constantemente o
poder público oficial e espalha o terror por todo o território urbano. De fato, o
comprometimento do poder público com a cidade formal em detrimento das
populações mais carentes, resultou em assentamentos irregulares de tipologia
urbano-arquitetônica característica. A alta densidade desses assentamentos
juntamente às precárias condições de vida traduziu de forma contundente o descaso
de toda a sociedade com a população mais empobrecida. Se por um lado a cidade
formal cresceu dentro de parâmetros urbanos definidos, por outro, as favelas se
multiplicaram em um estado de completa desordem impossibilitando a integração
com o resto da urbe e perpetuando o ciclo de pobreza e exclusão.
Através de indicadores sociais pode-se considerar que algumas das
principais questões que diferenciam um bairro formal de uma favela, além da
questão da ilegalidade seja ela fundiária ou edilícia, são: a falta de infra-estrutura
urbana e serviços essenciais, o baixo valor da renda da população, a alta taxa de
desemprego, o alto índice de analfabetismo e o baixo grau de escolaridade. No
entanto, para que se possa entender melhor as características das favelas e suas
diferenças em relação à cidade formal, além dos índices socioeconômicos, deve-se
levar em consideração as relações sociais existentes dentro dessas comunidades,
seus símbolos e seu dinamismo, bem como a sua relação com a cidade formal.
É amplamente reconhecido – pelo menos na mídia especializada – que o
agravamento dos problemas urbanos associados à pobreza, relacionados
espacialmente aqueles associados à favelização e ao ímpeto da incorporação de
novas áreas nas periferias, tem-se constituído em importante desafio para o poder
público.
A política governamental do Estado em relação às favelas mudou
radicalmente na última década do século XX – anteriormente o que se pretendia era
o desfavelamento (erradicação), hoje a “urbanização e regularização de favelas”5
são consideradas importantes instrumentos para possibilitar o acesso da população
5
Ação mais complexa que a regularização de loteamentos – integração de assentamentos urbanos
ilegais ao conjunto da cidade legal, mediante investimentos públicos e medidas administrativas e
jurídicas para promover a compatibilização da realidade física (do local), registraria (do direito de
propriedade) e a administrativa (da gestão urbanística) –, pois geralmente exige investimentos
públicos para urbanização e mesmo para substituição de habitações removidas para dar lugar às
obras de urbanização.
26
de mais baixa renda à terra urbana. Sobre o programa de erradicação das mesmas
será melhor abordado no item 04 deste trabalho.
Sabe-se que as favelas são, atualmente, territórios em constante conflito
entre traficantes de facções rivais e destes com a polícia, e que a população, sem
ter como se defender, fica vulnerável às vontades e ações desses vários exércitos,
que dominam e impõem a sua própria lei aos moradores, os quais não tem outra
saída a não ser aprender a conviver e respeitar as regras a eles impostas, uma vez
que diferentemente de qualquer morador da cidade formal, não tem nenhum acesso
à segurança e à polícia. Essa última vê em todos os moradores da favela um
bandido em potencial, dando o mesmo tratamento a todos: a intimidação e a
repressão violenta.
Como fato social, a favela deve ser enquadrada em um processo histórico
mais generoso tendo em vista a dinâmica de seus atores: os favelados. Neste
sentido, entende-se que a única estrutura espacial urbana que atende é o quilombo.
Assim, a favela vem representando para a república o mesmo que o quilombo
representou para a ordem imperial, onde a ação do Estado se fez presente somente
através do aparelho repressivo policial. Desta maneira, o espaço favelado vem
passando por um processo contraditório de construção (busca de habitação pelos
mais pobres) e desconstrução (“necessidade” do ordenamento espacial da cidade).
Um mix de fatores como ausência do Estado na dotação infra-estrutural, sobretudo
para saúde e educação; falta de absorção desta mão-de-obra pelo mercado de
trabalho, dentre outros fatores; juntamente com pré-disposição do aparelho
repressivo fizeram da favela ‘locus’ da violência urbana nos dias de hoje.
Em se tratando de Rio de Janeiro, fica evidente que, desde sua origem, se
pensarmos em um processo, os lugares ocupados pelos mais pobres vêm
recebendo pouca atenção do poder público no que se refere ao tamanho dos
problemas sociais. Entretanto, como no passado, em sua versão anterior à
República, o quilombo, a favela recebe uma atenção especial do aparelho policial,
tendo em vista que favelas e favelados são considerados como um caso de polícia,
mas não como um problema da sociedade. “Atualmente, a favelização e a
periferização, expressões espaciais mais marcantes da reprodução da pobreza
urbana, impressionam não somente por sua magnitude, mas igualmente por sua
complexidade (Souza, 2000 p. 193).”
27
De acordo com Souza (2000, p. 193), “o traço mais impressionante da
favelização, da década passada para cá, fica por conta, porém, da ‘territorialização
de favelas por parte do tráfico de drogas”, onde os espaços socialmente segregados
que oferecem suporte logístico para as quadrilhas que operam no varejo nas
metrópoles não se restringem às favelas... Elas são, dentre todos os espaços
segregados, os palcos preferenciais da territorialização protagonizada por traficantes
de varejo, inexistente em bairros de classe média.
Essa territorialização ficou evidenciada na virada dos anos 70 para os anos
80 sendo um marco histórico pois conduziu a uma fragmentação que envolveu não
apenas dos ‘territórios ilegais’ – as favelas e outros espaços controlados por alguma
quadrilha de traficantes vinculada a algum ‘comando’ – mas igualmente, aqueles
espaços que não estão submetidos a qualquer ‘poder paralelo’ ao Estado.
O que pode ser observado é que quando o território, unidade de gestão, se
expande pelo espaço não conquistado cria novas formas de territorialidade que
dialeticamente provocam novas formas de desterritorialidade e dá origem a novas
territorialidades – é um ciclo contínuo. E é sobre essas (possíveis) territorialidades
que o estudo das comunidades da Maré procura identificar.
28
2 – A Formação do Complexo da Maré:
29
federal – a Cidade do Rio de Janeiro – constituía o Distrito Federal), Minas Gerais,
Espírito Santo e regiões do nordeste brasileiro.
30
Figura 01. “Maré – Época de Manguezal”. (Fonte: http://www.ceasm.org.br)
Fig. 02 – “Obra de construção da Avenida Brasil, trecho Manguinhos, 1940”. Acervo do Arquivo Geral
da Cidade. In: http://www.ceasm.org.br
31
O projeto de construção de uma via (ver fig. 03) tinha a finalidade principal de
expandir a antiga área industrial do Rio de Janeiro – e que acabou por se tornar a
principal via de comunicação entre o centro, os bairros do subúrbio e a periferia da
cidade.
A Av. Brasil proporcionou o crescimento de um cinturão industrial às suas
margens, que somado ao isolamento dos terrenos na orla da Baía de Guanabara e à
facilidade de acesso a tais áreas, criou condições bastante favoráveis para o
surgimento das comunidades da Maré, pois em sua construção trabalharam muitos
dos primeiros moradores destas áreas – como se percebe na figura abaixo a Av.
Brasil e o viaduto de Bonsucesso em construção.
Fig. 03. “Variante Rio-Petrópolis – atual Av. Brasil – com o Instituto Oswaldo Cruz ao centro/acima”.
(Foto: acervo da Casa de Oswaldo Cruz). In: http://www.ceasm.org.br
32
encostas mas com uma grande diferença em comparação com outras favelas de
morro; o Timbáu apresenta uma densidade habitacional extremamente baixa”
(Jacques, p. 25). A ocupação da comunidade propriamente dita se dá a partir da
chegada da primeira moradora da comunidade, D. Orosina, que num passeio de
final de semana se apaixona pelo lugar, e recolhendo a madeira que a maré trazia,
demarca uma área e constrói o primeiro barraco, com a ajuda de seu marido.
Este primeiro casal vinha do centro do Rio, onde viviam numa casa de
cômodos, atrás da Estação da Central do Brasil. A mulher tinha acabado de chegar
do interior de Minas Gerais e não conseguia viver sufocada no pequeno cômodo,
"com a chuva caindo em goteiras". Ela escolheu um ponto seco, conveniente, numa
pequena elevação próxima ao mar e levantou seu pequeno barraco com os
materiais que a maré trazia de graça. Mais tarde, ela se dedicou a plantar árvores
frutíferas e uma horta e a cercar seu "território". Ela conseguiu fazer tudo sem que
qualquer pessoa a perturbasse. Mesmo assim, o casal estava bastante assustado,
percebendo que eles estavam ocupando algo, sem autorização, que não lhes
pertencia. Sobre o processo de formação das comunidades da Maré, Jacques
(2002, p. 22) argumenta que:
“Cerca de 2000 pessoas ficarão desabrigadas (...) Prefeitura ameaça demolir 800
barracões. Há quase dois anos construídos por operários, em terrenos existentes no
lugar denominado ‘Favelinha do Mangue de Bonsucesso’, no fim da Rua Nova
Jerusalém – Comissão faz veemente apelo ao prefeito Ângelo Mendes de
Moraes”.(Fonte: Jornal ‘O Globo’, 26/11/1947).
34
incremento na ocupação e crescimento das comunidades – principalmente no Morro
Timbáu e na Baixa do Sapateiro.
Em 1950, surgem as primeiras moradias do Parque Maré (vide fig. 04) como
um prolongamento da ocupação ocorrida na Baixa do Sapateiro e essa área tornou-
se bastante atrativa às populações que chegavam com o fluxo migratório,
principalmente da Região Nordeste. A área que ia sendo ocupada pelos moradores
do Parque da Maré (1953 já consolidado) era dominada pela lama, por vegetação de
mangue e pelo movimento das águas, tendo a partir da década de 60 ocorrido uma
grande expansão da ocupação em direção à Baía da Guanabara, sendo o Parque
Maré, nesta época, predominantemente dominado pelas palafitas, conforme as
figuras abaixo:
35
Fig. 05 – “Maré em 1960”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
Não havia qualquer infra-estrutura, a luz era coisa rara nas casas,
inicialmente puxada, através dos "gatos" e posteriormente por meio de cabines onde
havia um medidor da LIGHT e a luz era revendida às casas. Posteriormente, por
medida do próprio governo, foram criadas as Comissões de Luz. A água chegava
através de pequenas bicas, puxadas clandestinamente dos ramais, onde se
formavam grandes filas. Muitos apanhavam água do outro lado da Avenida Brasil,
que pela distância exigia meios criativos para o transporte de uma maior quantidade.
Daí surgiram os chamados "rola-rola" ou "água-de-rôla": um barril de madeira,
envolto em pneus, ou com madeira emborrachada, puxado por uma alça de ferro.
Comuns eram os atropelamentos na "variante" (atual avenida Brasil) e face as
dificuldades, muitos faziam um verdadeiro comércio com a água.
Enquanto isso acontecia as crianças não tinham local apropriado para
brincarem, pois eram escasso os locais de entretenimento – somente nas escolas ou
quando saíam com os pais –, sendo assim, elas brincavam em ambientes
inadequados como, por exemplo, nas pontes sobre a maré negra e correndo sérios
riscos à sua integridade física (como retratada na fig. 07).
36
Fig. 06 – “Armazenamento caseiro d’água”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
O esgoto, muito precário foi feito pelos próprios moradores, e era despejado
por ligações clandestinas nas galerias construídas pelo Governo Carlos Lacerda na
Rua Flávia Farnese – no Parque Maré. Também na década de 60 é fundada a
Associação de Moradores do Parque Maré que teve importante papel na
consolidação da comunidade, principalmente na época de instituição do Projeto-Rio.
37
A história do “Parque Rubens Vaz” começa no ano de 1951, quando surgem
no local os primeiros barracos. A área, nesta época, era conhecida como areal,
devido à grande quantidade de areia espalhada no local, por ocasião da drenagem e
canalização do Canal da Portuária. Quando uma pessoa chegava à área para fixar
residência, já era avisada de que não deveria construir à margem da avenida Brasil,
porque esta seria futuramente alargada, como de fato foi. Sendo assim, ninguém
construiu sua habitação a menos de 40 metros da variante Rio-Petrópolis.
Os barracos eram construídos, inicialmente, com um cômodo só e, de acordo
com as possibilidades, os moradores iam aumentando o número de cômodos. As
construções eram rudimentares e sem nenhuma tecnologia. Segundo os moradores,
era proibida a construção em alvenaria sob pena de demolição por parte da polícia.
Em 1965, durante o Governo Carlos Lacerda, a população da área sente
necessidade de encontrar um nome oficial para o lugar. Escolhem o nome Rubens
Vaz em homenagem ao major assassinado em atentado na Rua Toneleros, em
Copacabana. A Associação de moradores é então registrada com o nome de
Associação de Moradores do Parque Major Rubens Vaz.6
6
História dos Bairros da Maré, coordenado por Lilian Fessler Vaz, UFRJ, 1994. Retirado da internet
em http:// www.ceasm.gov.br em 05/10/05.
38
O advogado Margarino Torres – o mesmo que defendeu a população e seu
direito de permanecerem na área hoje conhecida como Parque Major Rubens Vaz –
ligado ao PCB e que tinha um escritório nesta localidade, deu todas as coordenadas
para a estruturação da comunidade Parque União, em 1959, e esta localidade foi
uma das áreas com um certo “planejamento de ocupação”, pois ele demarcou áreas
para a permanência dessa população. Segundo Vaz (1994), “As casas eram
construídas primeiramente em madeira. Internamente eles iam levantando as
paredes em alvenaria, isso tudo feito às escondidas, pois, segundo a população, o
governo proibia a construção em alvenaria. A madeira só era retirada, quando a
casa já estava praticamente pronta”. Margarino e sua equipe lideraram e
administraram a área até 1961.
39
2.2 – Políticas Públicas e Seus Reflexos na Segregação do Espaço (1960/80):
40
para um novo conjunto da cidade, o que nunca chegou a acontecer. Com a
degradação dos serviços de água e esgoto e a chegada em 1971 dos removidos da
Favela Macedo Sobrinho, a situação do CHP se agrava e dessa forma, os
moradores de Nova Holanda iam se integrando, pelos problemas comuns, cada vez
mais aos demais moradores da Maré” (Fonte: http://www.ceasm.org.br).
7
O programa da CHISAM se iniciou com a remoção das favelas situadas em torno da Lagoa Rodrigo
de Freitas. Valladares (1980, p. 30).
41
de 80] foram órgãos fundamentais na luta dos favelados pela posse definitiva de seu
barraco.
Nesta época de trabalho da CHISAM (1968-1973) se assistiu à maior
operação anti-favela que a cidade jamais tinha conhecido. Os órgãos
governamentais então envolvidos eram o BNH (1967) – Banco Nacional de
Habitação, como financiador – , a própria CHISAM, como coordenadora do
programa de remoção, a COHAB-GB – Companhia de Habitação Popular, como
construtora e comercializadora das unidades habitacionais e a Secretaria de
Serviços Sociais, como responsável pela ação social junto às populações atingidas.
Com o fim da CHISAM o órgão que ficou encarregado de dirigir as esporádicas
remoções que continuavam a ocorrer foi a Fundação Leão XIII – que surgiu em 1946
a partir de entendimento entre a Arquidiocese e a Prefeitura do Rio de Janeiro, que
tinha como meta a “recuperação das favelas”. A COHAB-GB e a Secretaria de
Serviço Social desapareceram com a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de
Janeiro e foram substituídas respectivamente pela CEHAB-RJ e pela Coordenadoria
do Bem-Estar Social. Enquanto a COHAB-GB, organismo estadual, desenvolvia sua
ação no sentido da remoção das favelas, a administração de Negrão de Lima criava,
em 1968, a CODESCO – Companhia de Desenvolvimento de Comunidade – a partir
de uma alternativa oposta à remoção: a “Urbanização”. (ver Tabelas VII e VIII).
42
“Foram tais problemas básicos que serviram para justificar a elaboração de pelo
menos quatro projetos de intervenção na região. Como as favelas ali existentes eram
responsabilizadas por grande parte da poluição da baía, e por outro lado, ocupavam
parte da área por onde deveria passar a nova via paralela à Avenida Brasil, os
projetos previam a remoção de grande parte da população residente no local” (Fonte:
http://www.ceasm.org.br).
43
transferência dos moradores das palafitas para construções pré-fabricadas. São hoje
as comunidades da Vila do João, Vila do Pinheiro, Conjunto Pinheiro e Conjunto
Esperança, localizados próximo ao “Parque Ecológico da Ilha do Pinheiro”, na Maré.
Dos projetos que antecederam ao “Projeto Rio”, o mais ambicioso foi aquele
elaborado no final do primeiro mandato do Governador Chagas Freitas (1971-1974)
onde a área ocupada pelas favelas foi declarada “non aedificandi”, como forma de
conter o avanço das favelas sobre aterros clandestinos. (Ibidem).
“Em maio de 1979, no momento em que Freitas exercia o seu segundo mandato
(1979-82), o projeto foi novamente apresentado, cedendo lugar ao Projeto Rio
anunciado um mês depois, e por este motivo e pelas semelhanças entre ambos os
projetos, o Governador, na época, reivindicou a paternidade do Projeto Rio, que foi
anunciado pelo Governo Federal, via o Ministério do Interior (DNOS e BNH), através
do então ministro Mário Andreazza”. (Fonte: http://www.ceasm.org.com.br).
44
Guanabara que se estendia do Caju até a Praia de Ramos, considerado o mais
poluído, mediante a construção de um aterro de 2.300 hectares.
Várias vezes surgiam desconfianças por parte dos moradores devido aos
atrasos nas obras e ao não cumprimento dos cronogramas e, neste sentido, as
associações de moradores tiveram um papel de suma importância ao criarem a
CODEFAM – Comissão de Defesas das Favelas da Maré – onde exerceram forte
pressão para que as promessas de campanha fossem cumpridas.
45
2.3 – Reconhecimento de um Bairro Popular e as Intervenções Públicas
(1980/2005):
Até o início dos anos de 1980, a Maré das palafitas era tida como símbolo da
miséria nacional como retrata a música “Alagados” (1984) da Banda Paralamas do
Sucesso, que estourou nas rádios naquele momento:
Alagados
E a cidade
Que tem braços abertos no cartão-postal
Com os punhos fechados da vida real
Lhes nega oportunidades
Mostra a face dura do mal
46
à Guerra das Malvinas – entre Argentina e Inglaterra –, devido aos intensos tiroteios
e, o segundo, por causa do sortido colorido e calor das casas recém construídas,
apelidos esses que caíram no desuso (Fonte: http://www.ceasm.org.br).
A Vila do Pinheiro (1983) nasce na região remanescente da Bela “Ilha do
Pinheiro”, na época de aterramento das sete ilhas onde atualmente está erguida a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (a UFRJ), a Ilha do Pinheiro foi excluída do
projeto, mas acabou sendo anexada ao continente nos aterros promovidos pelo
Projeto Rio. Na época, a ilha comportava um centro de pesquisa com macacos da
espécie Rhesus da Fundação Fiocruz e, neste período, foi retomada pela União para
fins de aterramento e construção de Unidades Habitacionais. O que restou da ilha
virou um pequeno parque ecológico. Nos terrenos da Vila dos Pinheiros foi erguido
um conjunto de prédio chamado de Conjunto Pinheiros (1989) e um outro conjunto
de casas de nome Salsa e Merengue (2000).
47
Linha Vermelha. Construída sob a alegação de promover o desafogo no trânsito da
saturada Avenida Brasil, tornou-se na verdade, uma via de elite que favorece o
trânsito de carros particulares, tendo promovido forte impacto, uma espécie de ‘tiro
de misericórdia’, no que sobrou da Baía de Guanabara.
Em 1996, a Prefeitura do Rio de Janeiro elege a Maré como uma nova área
de assentamentos, face a sua política de remoção de moradores de áreas
consideradas de risco em toda a cidade e tendo em vista o grande número de
grandes áreas remanescentes do Projeto Rio que não haviam sido utilizadas. A
Prefeitura, na gestão do Prefeito César Maia, adquire tais áreas da Caixa Econômica
Federal e inicia a construção de novas casas, nos molde do Conjunto Bento Ribeiro
Dantas (1992), surgindo o Conjunto Nova Maré (1996).
Outra via de transporte importante, criada na região, foi a Linha Amarela em
24/11/1997. Sua construção tornou-se realidade pela utilização do modelo de
concessão de serviços públicos, sendo a primeira e, até hoje, a única concessão
rodoviária municipal do país. Uma solução pioneira de uma grande parceria
envolvendo enormes desafios e que beneficiou, de um certo modo, a população da
Maré no intuito de encurtar a distância entre a Maré e a Barra da Tijuca, local de
trabalho de boa parte dessa população.
Em 1998, a Prefeitura, com base numa idéia inicialmente proposta pela União
das Associações de Moradores do Bairro Maré (UNIMAR), inicia no Parque Burle
Marx, área verde contígua à Linha Vermelha – as obras da Vila Olímpica da Maré,
que viria a ser um dos mais importantes agentes sociais presentes na Maré. Sem
dúvida, a Vila Olímpica da Maré (1999) atende a mais de 8.000 alunos em seus mais
diversos projetos educacionais e em 23 modalidades esportivas. Ela foi criada em
parceria com a iniciativa privada e em convênio com a gestora UEVOM (União
Esportiva da Vila Olímpica da Maré).
48
Fig. 09 – “Localização da XXXª R.A. da Maré”. Fonte: http://www.armazemdedados.com.br
49
Fig. 11 – “Desenho territorial da Maré nos dias de hoje”. Fonte: http://www.armazemdedados.com.br
50
3. Os Territórios da Maré e Suas Particularidades:
Neste capítulo será descrita a atuação dos atores sociais envolvidos nas
possíveis territorialidades encontradas na Maré: a Ong CEASM8, as Associações de
Moradores, a Igreja, o Poder Público (a Polícia), a Vila Olímpica da Maré (ligada à
Prefeitura da cidade) e o próprio tráfico como ator circunstancial de transformação
do espaço segregado, responsável principal das territorialidades em movimento.
O texto está fundamentado nas informações obtidas através de uma
entrevista concedida pelo Srº Lourenço César – um dos diretores da ong CEASM,
com sede nas comunidades do Morro do Timbáu e da Nova Holanda, e morador há
mais de 30 anos da Maré. Seu testemunho, somado ao conhecimento adquirido pela
convivência cotidiana com o lugar, permite traçar um perfil das relações e conflitos
decorrentes do jogo de interesses entre os atores envolvidos.
É inegável a atuação positiva das ações realizadas por esta instituição nas
comunidades da Maré, principalmente, no tocante às práticas sociais que envolvem,
de um lado, profissionais capacitados nas mais diversas áreas do planejamento
educacional e, do outro, o jovem – presente no âmago da população interessada por
novos conhecimentos – que representa o desejo cada vez maior pelo saber e pelo
discernimento do aprendizado que no futuro, lhe será de grande valia.
Assim, se inicia essa entrevista com o discurso real de um diretor de uma
importante organização educacional e, acima de tudo, um morador que percebe, a
cada dia que passa, a realidade de um imenso complexo de favelas que se
territorializa, desterritorializa para mais adiante voltar a re-territorializar-se, em um
verdadeiro círculo vicioso. Suas visões a respeito da ong são as seguintes:
8
O Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré – CEASM – é uma associação civil, sem fins
lucrativos, criada em 15 de agosto de 1997 que atua no conjunto de comunidades populares da Maré.
O Centro foi fundado e é dirigido por moradores e ex-moradores locais que, em sua grande maioria,
conseguiram chegar à universidade. Os projetos desenvolvidos pelo CEASM visam superar as
condições de pobreza e exclusão existentes na Maré, apontado como o terceiro bairro de pior Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade (Censo 2000).
51
“A proposta do CEASM é de uma atuação na área política, através da educação, da
cultura e da comunicação. Essas três linhas serão norteadoras de uma intervenção
na área da Maré a médio e longo prazos”.
“Foi sempre passado pelos fundadores do CEASM que a idéia era de que a entidade
pudesse aos poucos se libertar dessa função – que seria do Estado – e estar
ocupando um papel cada vez mais político e mobilizador”.
“As ongs fazem, sim, o trabalho que seria próprio do Estado. Elas poderiam ser
classificadas como ‘Potencializadoras de Movimentos Sociais’. Há a dificuldade dos
movimentos sociais em mobilizar a mídia, e neste sentido, surge a ong com o
propósito de colaborar; exemplo disso foi no Fórum Social Mundial em que a
presença de várias ongs contribui para que as classes menos favorecidas
participassem neste evento – antes marcados pela presença somente da classe
média bancada pelo Estado e pelas Universidades”.
“Aqui dentro do CEASM eu puxo muito para essas questões como, por exemplo, a
criação da U.A.U. (União de Alunos Universitários) que surgiu com a finalidade de
mobilizar universitários de favelas; a Rede Maré Jovem – rede de jovens que
contribui com o debate de vários temas criando mobilizações nas ruas – e o Fórum
Maré que já ocorre há um ano e que conta com a participação de várias instituições,
líderes comunitários etc.”.
52
“A incapacidade nossa de não conseguirmos mobilizar uma determinada comunidade
em um evento participativo de uma outra devido à questão da ‘fronteira’ causada
pelo tráfico de drogas, faz com que essa mobilização seja fragilizada, ou seja, nem
todo mundo está apto ou com garantias de vida para se fazer presente em outra
comunidade num ato público, por exemplo. Uma ação que fazemos aqui no CEASM
(Morro do Timbáu), que se faz necessária a essas pessoas, é impedida, através do
tráfico, de que moradores de outra comunidade possam assistir”.
“A questão da polícia e a relação com o Estado e a mídia que, ao mesmo tempo que
cobra do Estado uma ação mais efetiva, inibe por parte do Estado, uma ação mais
cidadã; Um exemplo disso foi uma matéria vinculada no jornal ‘O Globo’ intitulada
‘Ilegal e daí?’ que é uma campanha em relação às favelas, onde o presidente do
Sindicato das Empresas de Materiais de Construções criticava uma tentativa do
Governo do Estado de se criar uma cesta básica para materiais de construções. A
alegação era que se ‘baratear’ o preço desses materiais para a construção de obras
iria se consolidar a favela, pois o pobre teria acesso a esses materiais e assim ele
melhoraria sua qualidade de moradia e de vida dentro de suas casas. O que se
percebe é que uma ação dessas, proveniente dessas organizações venham inibir
que o Governo/Estado façam qualquer tipo de ação que é apoiada por essas
instituições. Eles são a favor das ‘remoções de favelas’.
As Associações de Moradores:
“Dentro deste retrato atual quem (qual o morador) bate no peito e diz com satisfação
que mora na Maré? Ou que mora numa favela? Um exemplo contrário a isso é que
na época da Grécia antiga os grandes artistas tinham como sobrenome o nome de
9
“As favelas apresentam várias características, mas nenhuma delas parece ser tão específica quanto
o seu status jurídico ilegal, na qualidade de ocupação de terras públicas ou privadas pertencentes a
terceiros. A pobreza de sua população é, sem dúvida, uma característica distintiva muito comum, mas
o nível de pobreza é bastante variável não só entre favelas (...), mas também no interior de favelas
grandes e consolidadas, especialmente quando situadas em áreas valorizadas. A carência de infra-
estrutura, assim como a pobreza, é, igualmente, uma característica muito comum, mas, não menos
que a pobreza, variável... ‘mas, e se o Estado dotar uma favela de infra-estrutura e promover a sua
regularização fundiária? O espaço continuará a ser uma favela?, citado por Souza (2003, p. 173-174).
54
sua cidade; o cidadão daquela época pertencia a uma cidade e tinha com ela uma
identidade e um orgulho por pertencer a ela”.
“Atualmente, essa situação está mais marginalizada pois quem recebe o sobrenome
da comunidade é o traficante: Marcinho VP, Celsinho da Vila Vintém, etc. Hoje o seu
nome ligado a uma comunidade ou a uma favela, já traz consigo um aspecto
negativo para sua própria circulação dentro de sua cidade. Por outro lado, há um
fracasso de não se garantir enquanto um espaço totalmente urbanizado e apropriado
de serviços públicos de ordem coletiva e a própria garantia de poder manter uma
identidade e um respeito perante a cidade”.
Por outro lado, continua Lourenço, “se há o discurso de que a favela venceu
por que conseguiu manter e sobreviver às remoções da década de 60, há um
fracasso de não se garantir enquanto um espaço totalmente urbanizado e
apropriado de serviços públicos de ordem coletiva a própria garantia de poder
manter uma identidade e um respeito perante a cidade”.
“Mas a favela venceu no sentido cultural: a cultura que sai da favela, a idéia do
samba e da mulata e do próprio futebol, onde os maiores ídolos são provenientes
dessas áreas (Zico – Quintino Bocaiúva, Ronaldo – Vila da Penha). E apesar da
mídia negar a favela, ela continua a ter uma identidade muito forte com a cidade, até
pelo ponto geográfico da própria cidade que possibilita que a classe média e a favela
morem lado a lado – como no exemplo da Rocinha. Muito mais que isso é o aspecto
cultural e identidário que faz com que a gente não tenha aqui o tão sonhado projeto
de ‘europeirização’ de nossa cidade e que foi tentado por Passos e mais
recentemente, com César Maia – que tentou transformar a cidade carioca numa
55
Barcelona. Essa idéia de vender a cidade negando essa diversidade cultural e da
população é um obstáculo que eles estão desejando desde o século XIX e que não
irão conseguir êxito pois não há como fazer isso aqui no Rio de Janeiro. É uma luta
insana que eles estão tentando praticar”.
56
apoiei perdeu por uma diferença de 107 votos... Quem tinha direito à votação?
moradores com no mínimo três anos de residência na comunidade. Corrupção? Se
tinha eu desconheço...”.
“O Rio de Janeiro tem como preponderância o fato de que a violência se articula com
o tráfico, a exclusão social configura territórios demarcados por lideranças locais,
diminuindo a imagem tão conhecida do crime organizado. Nesse cenário em que o
tecido sócio-político espacial apresenta-se tão fragmentado, formam-se territórios
descontínuos: "A pulverização territorial (e a instabilidade das redes em termos
espaciais) determina uma territorialidade distinta daquela que é característica de um
cartel ou quase-cartel, como é o caso do jogo do bicho, onde, em conformidade com
um "pacto territorial", cada bicheiro possui sua área de influência, a qual é um
território contíguo, portanto um território em sentido convencional. Já a cada uma das
"organizações" do tráfico de drogas que lidam com o varejo e manifesta sob a forma
do que o autor do presente artigo denominou, em trabalho anterior, de territorialidade
descontínua (ou em rede).”
57
número de crianças no mundo do tráfico. A visão de Evangelista (2003, p. 45) é
objetiva neste sentido:
“A favela corresponde a um ambiente que torna fácil a busca por quadros que se
disponham a entrar no tráfico. Esta pobreza combinada com a insuficiente presença
de organizações civis (estatais ou não), fazem com que os traficantes sejam, de fato,
os verdadeiros mandarins da localidade, tendo, inclusive, o reconhecimento, por
parte de não poucas comunidades, em decidir temas que não estão propriamente
afeitos ao tráfico, por exemplo, custear despesas, apressar favores, decidir
pendências entre vizinhos etc.”
58
“A questão do tráfico nestas comunidades ligadas ao ‘Terceiro Comando Puro’ é
muito recente ainda (à respeito da relação na Baixa do Sapateiro e no Morro do
Timbáu). Já na Vila do João (ligada atualmente pela facção A.D.A.) seu histórico já
ultrapassa os quinze anos em que a guerra com a própria Vila Pinheiro (antes ligada
ao ‘T.C.P.’ e atualmente ‘A.D.A.) renderam vários e intensos tiroteios, o que fez com
que parte da população se retirasse e mais tarde voltassem a residir nestas
comunidades - exemplo claro de des-re-territorialização”.
“A Nova Holanda tem sua história negativa relacionada com o tráfico há muitos anos
(desde a década de 70) e essa relação é bastante diferenciada, pois essa
comunidade sempre teve uma única facção – o C.V. – e assim se tem por parte dos
moradores uma maior identificação com essa coisa ligada ao tráfico e desta forma,
não há uma facilidade de uma facção rival tentar se instalar – ‘tomar a favela’ como
dizem – nessa comunidade, contrária às Vilas do João e Pinheiro, que já foram
tomadas e retomadas por grupos rivais e até hoje há o medo de serem invadidas e
retomadas novamente...”.
59
os próprios traficantes. E isso causou nos moradores uma nova adaptação no seu
estilo de vida: o lazer ‘dentro de casa’, como o videocassete, computador, aparelho
de dvd, e a net, que acaba forçando o morador a ficar em casa e,
conseqüentemente, evitar o pior, caso ele esteja na rua. Falta segurança !!”.
A violência urbana atinge a todos sem nenhuma distinção entre ricos e pobres,
causando o medo e aflição aos moradores das grandes cidades brasileiras e, neste
sentido, a mídia especializada destaca sempre que a classe média é bastante
afetada e que o pobre está acostumado com essa situação. Sobre isso Lourenço
enfatiza, de forma clara e sucinta, que:
“Há um mito de que o ‘favelado’ não sofre com a questão do tráfico de drogas.
Quanto de nós planejamos sair à noite e evitamos voltar na madrugada para não
encararmos o tiroteio de frente, preferindo assim, voltar pela manhã. Isso viabiliza
uma territorialidade mais intensa e solidária, pois o medo da morte está sempre
presente em nossas mentes. Então o tráfico tem esses aspectos, tanto vale da
facção que está envolvida quanto também da experiência que aquela comunidade
tem em relação ao tráfico”.
60
O que se pode concluir é que está em andamento, de acordo com Souza
(2003 p. 500):
O tráfico responde por algumas das territorialidades que ocorrem numa favela
e que, de certo modo, conforme esse mesmo autor (1995, p. 91 e 92):
Existe uma hierarquia e uma divisão do trabalho nas quadrilhas que operam
nesses espaços socialmente segregados – como no caso exposto – que envolve
diversos outros atores sociais, como cita Souza (2000, p. 57):
61
segurança e realiza diversos contatos em nome do ‘dono’10. Além do ‘dono’ e de
seus ‘gerentes’ há os ‘soldados’, que são aqueles indivíduos que, fortemente
armados, garantem a segurança do negócio, impondo a ‘ordem’ na favela e
defendendo os pontos de venda de um ‘dono’ contra as tentativas de captura
realizadas por outras quadrilhas (rivais). Há, também, os ‘olheiros’, que são aqueles
que avisam sobre a aproximação da polícia ou de ‘alemães’ (estranhos, inimigos), e
os ‘aviões’ e ‘aviõezinhos’, que entregam droga aos Clientes, os quais muitos vezes
aguardam na entrada da favela dentro de seus carros. Há, finalmente, as pessoas
que trabalham na embalagem da droga a ser comercializada. Cada ator tem uma
participação diferente nos ganhos do negócio...”
A escalada do jovem na vida do tráfico é intensa e aos poucos ele vai subindo,
de degrau em degrau a um patamar que, na maioria da vezes, seu final é quase o
mesmo: a morte. Sobre essa trajetória Zaluar (Apud Evangelista 2003, p. 26) tem a
seguinte opinião:
“Note-se, ainda, que no caso dos policiais que extorquem dinheiro de traficantes que
operam no varejo, a expressão ‘dificultadores’, embora um pouco irônica, é mais
apropriada que ‘facilitadores’... Quanto aos policiais que, eventualmente, financiam e
organizam o negócio, esses são, a rigor, sócios dos traficantes. Podem, entretanto,
ser simplesmente seus empregados, como no caso de policiais que fazem a
segurança de criminosos”.
10
De acordo com Souza (2000, p. 57): “Existem, na verdade, dois tipos de gerente: o ‘gerente geral’
e, nas quadrilhas mais estruturadas, ‘gerentes’ que cuidam de tarefas específicas ou de apenas uma
‘boca-de-fumo’.
62
O Foco Agora é a Polícia:
“Também a polícia quer se apresentar com uma imagem positiva para o conjunto da
sociedade, buscando a aceitação para a sua atuação. Quer ser respeitada e
identificada como protetora dos direitos, da lei e da justiça, garantindo a segurança
de todos. No entanto, ao mesmo tempo, reforça a sua imagem social negativa
quando não apenas deixa de garantir a segurança geral, como também passa a ser
identificada como violenta, corrupta e transgressora das leis”.
“É incrível a facilidade com que o traficante anda armado nas ruas e, principalmente,
na rua atrás do batalhão da polícia (criado recentemente na Nova Holanda). Ela faz
‘vista grossa’, pois há uma câmera localizada em um dos postes da Light que cobre
toda a rua e os traficantes fazem questão em mostrar suas armas e seus rostos; Eles
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‘endolam’ – prática de se colocar a cocaína já pronta para o consumo em sacos
plásticos para a venda no varejo – a droga fazendo questão de serem observados, e
a polícia não vê ou se vê, não toma nenhuma providência. É um absurdo total”.
“Isso leva a crer que a criação desse batalhão parte do princípio de que há um
aspecto de ‘negociação’ (entre o comando militar e os traficantes locais) que eu não
sei até onde ela é velada. Há a história na comunidade de que o comando do
batalhão prefere ‘colaborar’ com essa do que aquela facção”.
Mas a entidade polícia também tem seu lado positivo no combate ao tráfico de
drogas na região em estudo. Diversas são as apreensões realizadas no Complexo
da Maré na tentativa de diminuir o índice de criminalidade local, como pode ser
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observado em matéria vinculada na mídia intitulada “Preso chefe de tráfico em 11
favelas da Maré.”
“Um dos bandidos mais procurados do Rio, Edmilson Ferreira dos Santos, o Sassá,
de 34 anos, foi preso ontem de manhã num esconderijo subterrâneo na Favela Salsa
e Merengue, no Complexo da Maré. Chefe do tráfico em 11 favelas da região, Sassá
foi responsável pela maioria dos tiroteios que nos últimos tempos levaram à
interdição da Avenida Brasil e das linhas Vermelha e Amarela. O delegado Ricardo
Hallack, titular da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC), que comandou
a operação, disse que o bandido ofereceu R$ 1 milhão para ser solto. Sassá, que
tem 11 mandatos de prisão contra ele, era o principal aliado de Erismar Rodrigues
Moreira, o Bem-Te-Vi, da Rocinha, morto sábado passado pela polícia”. (Fonte:
Jornal ‘O Globo’ de 05/11/2005).
Para concluir esta parte que retrata a polícia como um ator social de
transformação do espaço na Maré, cito a fala de Lima (2000, p. 175), onde ele
analisa assim a participação da polícia: “Na verdade...a polícia opera como se fosse
uma agência autônoma, a serviço de um Estado imaginário, encarregado de manter
uma ordem injusta, um uma sociedade de desiguais”. Mais adiante esse mesmo
autor (Ibidem, p.231) afirma que:
O Papel da Igreja:
A relação das instituições com o tráfico são todas elas desrespeitosas, com
exceção da Igreja e nosso entrevistado assim analisa: “A igreja consegue realizar
nas comunidades da Maré algo que as ong’s e o Estado não conseguem fazer: tirar
as crianças do tráfico. Todo grupo de marginalizados têm uma forte e interessante
relação com a Igreja”. Fazendo uma retomada histórica Lourenço cita que:
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muitas pessoas conseguiram largar o tráfico e permanecerem na Igreja e eu não
conheço nenhuma ong que tenha conseguido esta proeza”.
“A igreja tem cumprido um papel muito forte em relação a isso, trazer o ex-traficante
para o seio da sociedade. A igreja serve como um refúgio para essas pessoas”.
“Uma determinada igreja, não lembro bem o nome dela, estava desenvolvendo uma
ação social na comunidade de Nova Holanda como: corte de cabelo, tratamento
dentário, exame de pressão e hipertensão... A igreja entrou por um lado onde
somente as orações não estavam dando resultados e assim muda-se o formato
daquela igreja antiga”.
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desterritorialização. É um verdadeiro ciclo que se inicia e se repete a cada atitude
praticada pelos atores estudados e que surtem efeitos negativos à população.
As territorialidades se formam porque a presença do poder do tráfico supera a
ação dos demais atores que, representando instituições organizadas para oferecer à
população oportunidades e perspectivas de uma vida com maior dignidade e
respeitabilidade, não conseguem atingir seus objetivos.
A própria divergência entre facções divide o espaço por elas dominadas. As
variáveis tempo e espaço são afetadas por forte mobilidade, dependendo da força
do grupo dominante que tem sob seu poder conjuntos de comunidades, gerando
conflitos sociais entre os próprios moradores.
Novas territorialidades se fazem freqüentes quando o comando das facções
está fora do próprio Complexo da Maré, porque o “chefe” mora, ou porque o mando
passa para grupos externos que dominam outras favelas da cidade do Rio de
Janeiro. Esta mobilidade afeta e redireciona o trabalho exercido pelos diversos
atores que atuam no local.
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4 – Conclusão:
68
5 – Referências Bibliográficas:
69
13 – “Instrumentos de Planejamento e Gestão Urbana em Aglomerações Urbanas:
Uma Análise Comparativa”. Série Gestão do Uso do Solo e Disfunções do
Crescimento Urbano. Ipea. 2001.
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25 ____________________________ “ABC do Desenvolvimento Urbano”. Rio de
Janeiro. Bertrand Brasil. 2003a.
26 – Sposito, Eliseu Savério. “Geografia e Filosofia – Contribuição para o Ensino do
Pensamento Geográfico”. Editora Unesp. 2004. São Paulo.
27 – Valladares, Licia do Prado. Passa-se uma casa – Análise do Programa de
Remoção de Favelas do Rio de Janeiro. Zahar Editores. R.J. 2ª ed. 1980. 142p.
28 – Varella, Drauzio; Bertazzo, Ivaldo; Jacques, Paola Berenstein e Seiblitz, Pedro.
“Maré: Vida na Favela”. Rio de Janeiro. Ed. Casa da Palavra. 2002.
29 – Velho, Gilberto e Alvito, Marcos (Orgs). “Cidadania e Violência”. Editoras UFRJ
e FGV. Rio de Janeiro. 2000.
Sites da Internet:
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5 – ANEXOS:
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Anexo I – “Densidade Demográfica na Área da Maré”. Fonte: Quem Somos? Quantos Somos? O
Que Fazemos? A Maré em dados: Censo 2000. CEASM.
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Anexo II – “Densidade Habitacional na Maré”. Fonte: Quem Somos? Quantos Somos? O Que
Fazemos? A Maré em dados: Censo 2000. CEASM.
74
Anexo III – “Uso do Espaço na Maré”. Fonte: Quem Somos? Quantos Somos? O Que Fazemos? A
Maré em dados: Censo 2000. CEASM.
75
Anexo IV – “Evolução Urbana na Maré”. Fonte: Quem Somos? Quantos Somos? O Que Fazemos?
A Maré em dados: Censo 2000. CEASM.
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