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A guerra e O Cristão.

A capacidade criativa (e destrutiva) da doentia mente humana parece sempre capaz de me


surpreender. Recentemente, certa reportagem sobre um canhão utilizado na Guerra do
Paraguai me fez refletir mais uma vez sobre a loucura que acomete a humanidade desde
tempos imemoriais. Loucura “de todos os gêneros”, mas da qual a guerra é a expressão
maior.

Muitos, sobretudo os militaristas, diriam que o único louco aqui sou eu... que a guerra é por
vezes necessária, outras vezes justificável e, por fim, pode ser inevitável. Na minha
modesta opinião, a guerra é sempre repudiável. E não vejo melhor maneira de definir a
situação em que seres humanos (evoluídos e racionais!) tentam resolver os seus problemas
matando-se e destruindo-se mutuamente.

Além disso, prefiro os loucos como Gandhi, com a sua pacífica Sathyagraha, decisiva para
independência da Índia, a loucos como Truman, presidente americano que ordenou o
lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki com o “nobre objetivo” de
por fim à Segunda Guerra mundial, dando uma boa lição aos recalcitrantes japoneses e
obtendo a sua imediata rendição.

Mas, voltando ao canhão, trata-se de uma arma paraguaia trazida para o Brasil como troféu
após o final da Guerra do Paraguai. O gigantesco obuseiro de 12 toneladas recebeu o
sugestivo nome de “El Cristiano”, ou seja, “O Cristão”, em bom português, porque na sua
fundição foi utilizada parte dos sinos das igrejas do Paraguai.

Dar o nome de cristão para uma arma de guerra seria até engraçado, se fosse apenas uma
tirada de humor negro. Abro aqui um parêntese para dizer que considero o humor negro
uma das mais genuínas manifestações humanas, enquanto verdadeira catarse do nefasto
espírito que habita o homo sapiens. Fecho o parêntese. Mas não é piada. O canhão foi
mesmo batizado como “O Cristão”, algo que faria o próprio Cristo revirar-se de indignação
na sua cova, caso estivesse nela.

Ora, sendo a guerra a antinomia perfeita da verdadeira moral cristã (...amai-vos uns aos
outros...), viria muito mais a calhar a alcunha de “O Herege” para qualquer um que retirasse
sinos de igrejas para com eles fabricar armas de guerra... Mas, pensando melhor, não é de
hoje que o homem confundiu tudo em relação a Cristo e à própria lição de harmonia das
religiões em geral, conforme comprovam os exemplos das Cruzadas (também chamadas de
guerra santa), das Teorias sobre a Guerra Justa, encampadas por religiosos (mais do que
isso, por santos como Agostinho e Tomás de Aquino) e a deturpação do termo jihad.

Penso que a tentativa de justificação moral e até religiosa para a guerra, bem como a sua
possível qualificação como guerra santa denotam perfeitamente quão macabro é o ser
humano. Pois, o que é a guerra além da exacerbação de toda a selvageria? Selvageria esta
que o homem, novamente mais hipócrita que ingênuo, tenta até mesmo regular
minimamente por uma série de normas de guerra, desprezando o fato de que a bestialidade
em si não comporta qualquer limite ou regra.
Agora, instala-se a celeuma, pois o Paraguai, que até hoje não se recuperou da destruição
ocasionada por “aquela” guerra, pede a devolução do canhão outrora capturado, bem como
de outros troféus ou arquivos de guerra. E, eis que dentre as opiniões de estudiosos e
historiadores, alguém diz que “Nenhum país devolve seus troféus de guerra. Foi o sangue
dos brasileiros que o cimentou no solo...”.

Bem, se nenhum país devolve os seus troféus de guerra, e daí? Porque não inauguramos
esta bela tradição? Daqui pra frente todos os países devolverão tudo o que arrancaram à
força dos seus inimigos derrotados na guerra, abraçando-se e perdoando-se mutuamente
pelas atrocidades cometidas. Idéia de louco? O que Cristo acharia dela? Acerca do sangue
dos brasileiros, tenho certeza de que eles não lutaram pela conquista de um canhão. Muitos
inclusive morreram sem saber exatamente pelo que lutavam, como, aliás, acontece até hoje
em todas as guerras. Atentado à história? Não creio que o canhão ou qualquer troféu precise
estar fisicamente aqui para que a história permaneça viva. História se faz, sobretudo, de
bons livros e de bons historiadores.

Se o Paraguai quer de volta El Cristiano, devolvamos então a relíquia. Melhor ainda seria
que ela fosse novamente derretida para fazer sonoros sinos de igrejas. Convertida
novamente naquilo que nunca deveria ter deixado de ser. Aproximando-se um pouco mais
de algo cristão. Espalhando com as suas badaladas mensagens de paz e concórdia entre os
povos, jamais de guerra. Afinal de contas, não há absolutamente nada para se orgulhar em
uma guerra, pois no fim da guerra, como sabiamente diz Humberto Guessinger, todos
perdem.

Lucas Parente.

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