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2
catecismo de
devoções,
intimidades
&
pornografias
por Xico Sá
3
Nihil Obstat
IMPRIMATUR
São Paulo, setembro de 2006
4
“Nada de baixezas,
de conversas impróprias,
de palavras
inconvenientes;
em vez disso, ações de
graça.” (Ef 5,4)
5
“Latet anguis in
herba.” * (Virgílio, in
Bucólica III,93)
6
“A nudez da mulher
é obra de Deus.”
(William Blake)
“O melhor meio de se
familiarizar com
a morte é ligá-la a uma
idéia libertina.”
(Marquês de Sade)
7
8
“Fornicação e
qualquer impureza ou
avareza nem sequer se
nomeiem entre vós,
como convém a
santos.” (Ef 5,3)
9
“Que sabemos nós de
Deus?
Nada !”
August Strindberg
10
11
12
No que Concerne ao
Uso de Espartilho
por Mulheres
Modernas
13
para o bico de qualquer
criatura, relaxa. Vale aque-
le herdado da elegante
vovó – o passado a con-
dena! –, vale aquele com
mil histórias, aquele
antigão do brechó...
14
Das
Metamorfoses
Citadas por
Zaratrusta
15
na qual triunfamos so-
bre esses mesmos peca-
dos; na seqüência, a eta-
pa da criança, donde
inventamos a utopia da
esperança.
16
Das Devoções
Repetidas Ad
Infinitum
18
Do Depoimento
de uma Amiga
Quando Tratei
de sua Obra
em Voga
“Eu fugi do catecismo aos
13 anos... e ganhei de pre-
sente um Marquês de Sade
de um amigo mais velho na
mesma época... Foi muito
mais esclarecedor e aos 13
eu também encontrei por
acaso a coleção de revistas
pornôs dos meus primos
mais velhos... Eu e mi-
19
nhas primas passávamos
as tardes vendo (vendo
mesmo, no sentido di-
dático da palavra, feito
crianças abobalhadas)
escondidas. Esse meu
amigo era bombeiro...
mas era um intelectual...
um bombeiro intelectual
de Ermelino Matarazzo
(periferia de São Paulo)
Já imaginou? Um cara de
30 anos, me apresentou a
coisas geniais... Grande
amigo. Saudade dele...”
(F.G.)
20
De uma Mulher-
Leopardo e o
Chamado da Selva
U ma mulher em casaco
de peles, nada mais. Co-
berta como se a pele dela
fosse, fera africana. Mu-
lher-leopardo, como no
suspense amoroso de Mo-
ravia. Como ensinou Ma-
soch, o chamado das sel-
vas, bárbara.
21
22
Do Ato
Intrínseco
e Gravemente
Desordenado
A crucificação encar-
nada. Duas punhetas
obrigatórias, até mes-
mo para os casados: uma
na santa hora de pôr a
matéria para descansar;
outra ao alvorecer. São
duas sagradas orações ao
corpo, com as quais der-
ramamos um tanto da
23
violência das nossas
glândulas mais primiti-
vas. Mais sagradas ainda
depois que a Santa
Madre Igreja reconfir-
mou, já no papado de
Bento XVI, sua intriga
com o ato do vício so-
litário, como faz constar
no tópico nº 2352 da
novíssima edição do seu
Catecismo:
24
dos fiéis afirmam sem hesi-
tação que a masturbação é um
ato intrínseco e gravemente
desordenado.”
25
Do Recurso do
Método
ou da Obsessão
Chamada
Henry Miller
26
De Como um
Sem-Teto Copula
Debaixo de uma
Marquise em
Plena Luz do Dia
27
de Albuquerque, mega-
lópole paulista. “Nosso
barulho num é nada na
zoada da cidade”, pros-
segue.
“Como ninguém presta
atenção em gente suja, só
tem nojo e medo, podemos
dar uma ‘totinha’ à von-
tade.”
Donde “totinha”, no
Pernambuco dos dois e
das antigas, vem a ser a
phoda com ph, as vias de
fato, daquelas de “fazer
28
menino” e tudo, só para
deixar o velho Malthus
se revirando no túmulo.
29
Da
Autoflagelação
dos Ressacados*
Os relhos de couro de
vaca com lâminas nas
pontas.
A surrar-me, como os pe-
nitentes de Barbalha,
sertões dos Tristes Tró-
picos, semi-árido d´al-
ma, sede do mundo todo
que nem um rio essa
*Depois de Pedro Américo
30
sede mata, tudo que vem
da cabeceira o sol a lín-
gua passa, nada desse sol
escapa, ele, o rio, odeia a
memória das nossas noi-
tes brancas.
31
No que Concerne
a uma Sanguessuga
que Rouba Sonhos
Eu estremeço e a velhice
já cobre a minha pele,
como nas intimidades de
Safo, quando desce Eros,
ambiguamente fashion,
vestido de púrpura, no
sonho mais viado; enve-
lheço, seco a minha por-
ra, sangro os riachos; e
assim te renovas, lam-
32
buzando-se toda, trajes
de gala.
Deixas-me vidas secas,
como chão de açude, fei-
ções de Beckett; e foges
perversa, para sugar ou-
tros homens, seringa nas
glândulas.
33
Da Generosidade
do Marido
Complacente
34
Como o Mesmo
Tema é Tratado
pelo Catecismo
da Santa Madre
Igreja
35
“Qualquer que seja o
motivo, o uso deliberado
da faculdade sexual fora
das relações conjugais
normais contradiz sua
finalidade.”
(Tópico nº 2352 do Catecismo
católico)
36
testemunham e desen-
volvem a mútua doação
pela qual os esposos se
enriquecem com o cora-
ção alegre e agradecido.”
(Tópico nº 2362).
37
38
Da Devassidão
como Política
da Fêmea de Todas
as Eras
39
A purificação de uma
mulher só é possível à
medida que ela resolve
ser uma devassa, como
entre o povo tártaro;
devassa no sentido de
não temer o despudor
nem a língua salivante
da inveja;
devassa como política li-
bertária; como entre os
negros do Rio Gabão e
da Costa da Pimenta,
que entregavam suas
mulheres aos próprios
40
filhos, a melhor das
bênçãos;
como no reino de Judá;
só a lascívia embeleza
uma fêmea;
só mesmo os povos em-
brutecidos pela supersti-
ção, reza o marquês, po-
dem acreditar no con-
trário;
e acreditar no contrário
é ir contra nossa própria
natureza.
41
Da Cesta Básica
como Narrativa
de uma Criatura
42
lubrificantes, até que se
ganhe a suprema inti-
midade do coito;
uma bíblia sagrada, pa-
ra rezar os cânticos... e
eventualmente fumar
maconha nas suas pá-
ginas;
músculos ou cubos de
goulash e pimenta para
um bom e revigorante
caldo;
43
chá de boldo para a
proteção dos fígados, em-
bora o amor por si já nos
garanta a imunidade dos
corpos;
leite de cabra para ba-
nhá-la inteira;
boas cortinas para que o
sol não se vingue contra o
leito.
44
Donde o
Implacável Olho
de Deus Mira
a Filosofia
da Alcova
45
“O matrimônio seja hon-
rado por todos, e o leito
conjugal, sem mancha,
porque Deus julgará os
impuros e os adúlteros.”
(Heb 13,4)
46
“Não detenhas o olhar
sobre uma donzela, para
não acontecer que a sua
beleza venha a causar tua
ruína.” (9,5)
47
No que
Concerne
às Tatuagens
nas Costas
48
Acerca do
Piercing ou
os Três Acordes
de Lewis Carroll
49
Do Hell on
Hells ou
o Inferno
de Saltos
Só as poderosas!
Só as fetichistas!
Só as garantidas!
50
Cinderelas de então, o
salto alto é a delícia e o
prazer de nós todos. Elas
nos pisam machucando
com jeitinho, tanto para
a agonia como para o
êxtase, como nos sopra
Ann Magnuson. Elas
nos machucam com sal-
to-agulha, elas nos
ameaçam, o sapato co-
mo arma e símbolo de
poder, o sapato mata.
Pode ser também uma
linda bota à Valentina,
51
aquela deusa que saiu da
costela de Crepax!
Os saltos que pisam os
nossos telhados; e os
saltos que deixam go-
teiras nas nossas exis-
tências.
52
De uma
Bonequinha
de Luxo
e seus Olhos
Lindamente
Pintados
53
verso, aqui neste cate-
cismo, não soa bem aos
ouvidos. Pinte esse rosto
que eu gosto e que é só
seu. Com todos aqueles
lápis que fazem de você
uma criança brincando
de colorir o desejo.
54
No que Concerne
ao Objeto
de Desejo
com as Lentes
Helmut Newton
55
os olhos das fêmeas &
dos machos, você no
espelho, como naquelas
clássicas para a Vogue,
minhas retinas a disse-
cá-la, cada gesto, elipse,
cada pose.
56
Donde uma
Enfermeira
me Faz Sentir
o Gosto da
Pequena Morte
57
febre, a ver a paudu-
rescência por debaixo
daqueles lençóis tão
brancos. Morrer de pau
duro e nos braços dela,
eutanásia por via oral, só
para chegar gozando na
frente do Todo-Pode-
roso ou do velho Demo.
Só para não chegar de
cara na chatice da vida
eterna. Petit mort, petite
mort; a arte é longa, a
vida é breve.
58
“Pois é bom que saibais
que nenhum fornicário ou
impuro ou avarento, ‘que
é um idólatra’, tem he-
rança no Reino de Cristo e
de Deus.”
(Ef 5,5)
59
Da Receita
para Enxugar
o Desassossego
60
Bebo lentamente a gar-
rafa, para enxugar o
desassossego, para in-
vocar Sá-carneiro e a
sua ponte do tédio en-
tre ele & o outro, bebo
para celebrar as quedas
e por amor desesperado
aos meus passos mais
trôpegos.
Meus óculos de absinto
cada lente é uma roda
de imaginária bicicleta
bêbada tentando andar
no fundo do cálice.
61
vejo uma menina que
não tive sobre os aros da
mesma bicicleta, vesti-
dinho com flores que se
acendem no atrito da
roda e do dínamo...
e que coincidência, ami-
gos de belas noites e
tranqueiras: no dia em
que a garrafa pousou na
minha sorte, ela estava a
mudar-se, malas e cuias,
para os ares lisboetas...
seria a mãe da menina
fictícia.
62
Há uma canção no fundo
da garrafa desse absinto,
destampo-a, ela salta: algo
como Nick Cave cantan-
do um fado.
Há um desespero na mi-
nha dança.
Fome de viver da gota!
vida modo de usar: as
78 rotações de uma
agulha sobre o bolero de
dores & vinil de pal-
meira carnaúba.
Ela, cabelos feito algas
marinhas, bóia no fundo
63
da garrafa verde. As
sobrancelhas espessas e
cheias de dúvidas, mis-
turo mulheres do pas-
sado como se fossem
bebidas.
Entorno a morte amo-
rosa, destilada e pura, en-
velhecida nos barris das
devoções mais ímpias.
64
Da Artemísia
Absinthium e dos
Fogos, os Fogos
de Dentro
65
presente te confessei pu-
nhetas anteriores.
Naquela prece, rezamos
lentamente pelos supos-
tamente traídos ligados
ao nosso mundo, em-
bora não acreditássemos
que estávamos traindo
quem quer que fosse.
Levius fit patientia.*
Naquela reza de joelhos, o
boquete dos deuses.
Naquela minha cerimô-
nia do beija-pés, a desco-
*A resignação alivia
66
berta dos teus passos,
além do número que
calças... ainda guardado
na memória.
Naquela tua bucetinha
menstruada, o segredo
de todos os amores e
mares vermelhos.
Naquele corpinho, mon
amour meu bem ma
femme, sem depilar
direito.
Naquele mato o segre-
do, os caminhos, as ve-
redas por onde nos le-
vam os pêlos.
67
Naquele momento a tua
promessa desnecessária:
mais na frente uma pho-
da cheirosa e sem pêlos
teremos.
Naquela hora o fósforo
riscou os pelinhos da
tua buceta, depois que
joguei absinto para
lambê-la.
68
Da Sociedade
dos Amigos
do Crime
e de Alguns
dos Seus
Mandamentos
69
velha Sociedade dos Ami-
gos do Crime. As regras
são quase as mesmas, com
algumas poucas atualiza-
ções da crônica de costu-
mes dos tempos do
marquês. Vale sobretudo
o artigo segundo:
“O indivíduo que queira
ser admitido na socie-
dade deve renunciar a
toda espécie de religião,
submetendo-se a provas
que constatarão seu des-
prezo por esses cultos
70
humanos e seu quimé-
rico objeto. O mais leve
retorno de sua parte a
tais asneiras implicará
sua exclusão imediata”.
Lembremos também o
artigo 12º:
“Nos horários consagra-
dos ao prazer, todos os
irmãos devem estar nus e
misturar-se uns com os
outros, gozando indistin-
tamente...”
71
72
Donde a Falsa
Castidade Parece
Dominar
o Ambiente
73
ao máximo, chá com
porradas, como na lírica
de acaso.
E cai a noite, e com ela o
suspense da phoda.
Saem juntos, e agora?
Até beijam em público,
senhoras & senhores!
Sobre suas cabeças le-
gendas de pássaros peri-
quitosos.
Ou de rapinas, esses ca-
ralhos de asa.
E haja delicadeza a es-
pezinhar o velho Eros.
74
Na peleja de todos con-
tra Tânatos.
O cordel dos infernos.
Depois o fim do teatro e
a phoda de fato.
Ela no cuzinho dele com
língua pra mais de metro.
75
Donde as Almas
se Entendem
e - os Corpos
Dizem Não
Da agonia da phoda,
dos pés que não batem
direito lá embaixo, do
pau e da buceta que pa-
recem dois inimigos
clássicos, dos membros
inferiores e superiores
desajeitados, dos cora-
ções que batem mas não
76
tocam de ouvido, das
almas que podem até se
entender lá nas nuvens,
dos corpos que tilintam
fogo mas não intera-
gem, da dramaturgia da
cama como fim de um
grande e interessantís-
simo prefácio.
77
No que Concerne
ao Lapsus Linguae
78
a vulva ou o pau e não se
devota, limitando-se a
um mero favor sexual
sem vigor ou alma. A
burocratização do sagra-
do ato de sorver o objeto
de desejo. Falta de manga
na infância, no caso dos
meninos; falta de espiga
de milho cozido, no to-
cante às meninas.
79
A Medida para
o Malho
Gregório de Matos
80
E eu zombo do seu
empenho,
81
Da Fábula
de um Camponês que
Acreditava
nas Encrencas
de Amor para Vender
Flores
“A essa hora, meu filho,
casais já brigam, maiores
barracos, maiores dê-
erres (discussões de rela-
ções), e tu ainda a espre-
guiçar-te”, disse o pe-
queno agricultor ao fi-
82
lho homem. “Levanta-
te, vamos plantar flores.”
“Mas meu pai, prefiro
que o suor do meu tra-
balho sirva tão-somente
para as festas, os casa-
mentos, as celebrações...”, es-
forçou-se o rebento.
“Se formos depender ape-
nas de falsidades e efemé-
rides, morreremos todos
de fome; os casais brigados
é que precisam de nós como
abelhas carecem de pólen.”
83
84
De como
o Catecismo
de Vossa Santidade,
o Papa Bento XVI,
vê o Mundo no
Século XXI
85
Luxúria - desejo desor-
denado do prazer sexual,
quando buscado por si
mesmo, isolado das fina-
lidades da procriação e
da união.
(Tópico nº 2351 do Catecismo
da Igreja Católica)
Masturbação - excita-
ção voluntária dos órgãos
genitais a fim de conse-
guir prazer sexual. Ato
intrínseco e gravemente
desordenado. (Nº 2352).
86
Fornicação - união
carnal fora do casamen-
to entre um homem e
uma mulher livres. É
gravemente contrária à
dignidade das pessoas e
da sexualidade humana,
naturalmente ordenada
para o bem dos esposos,
bem como para a gera-
ção e a educação dos fi-
lhos. (Nº 2353)
Pornografia - retirar
os atos sexuais, reais ou
simulados, da intimi-
87
dade dos parceiros para
exibi-los a terceiros de
maneira deliberada.
Atenta gravemente con-
tra a dignidade daquele
que a pratica. (Nº 2354)
Prostituição - viola a
castidade à qual a pessoa
se comprometeu no seu
batismo e mancha seu
corpo, templo do Es-
pírito Santo. É um fla-
gelo social. (Nº 2355)
88
Homossexualidade –
sua origem psíquica conti-
nua amplamente inexpli-
cada. Apoiando-se na
Sagrada Escritura, que os
apresenta como deprava-
ções graves (Gn 19,1-29; Rom
1,24-27; 1 Cor 6,10; 1 Tm 1,10), a
tradição sempre declarou
que os atos de homosse-
xualidade são intrinseca-
mente desordenados. São
contrários à lei natural.
Em caso algum podem ser
aprovados. (Nº 2357)
89
Do que Dizem
os Peitos
Independentemente
da Dona
90
“Ai, meus peitos estão tão
inchados e grandes!”, diz
ela, lindamente mens-
truada.
Quando os peitos dela
saltam da blusa, parecem
dizer coisas independen-
temente da dona; as tetas
tremem, aqueles segun-
dos de existência pró-
pria, capazes de convul-
sões nas retinas; quando
os peitos dela saltam, há
um novo discurso no
mundo, falam mais do
91
que toda a Escola de
Frankfurt, orações, dia-
tribes, blasfêmias, Boca-
ge e suas obras comple-
tas; quando os peitos de-
la saltam da blusa, meu
deus, a humanidade pa-
ralisa, os cegos vêem,
levanta-te e anda, até
Lázaro se anima; quan-
do os peitos dela saltam
da blusa, um espetáculo,
a carne trêmula, a meto-
nímia da existência, a
câmera escura, o lambe-
92
lambe da minha ce-
gueira, o 3x4, rolleyflex,
a digital, o instantâneo,
o postal-mor, as coisas
findas que a polaróide
guardou.
93
De um Soneto de
Bocage Sampleado
L á quando em mim
perder a humanidade
Mais um daqueles que
não fazem falta,
Verbi-gratia o teólogo,
o peralta,
Algum duque, ou
marquês, ou conde,
ou frade;
94
Não quero funeral
comunidade,
Que engrole sub-venites
em voz alta;
Pingados gatarrões,
gente de malta,
Eu também vos dispenso
a caridade;
95
“Aqui dorme Bocage,
o putanheiro;
Passou vida folgada e
milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu
sem ter dinheiro”.
96
Donde se Renega
o Priapismo para
Fazê-la Mais Forte
97
de mim instrumento dos
seus fracassos, para que
o meu membro triste só
se alegre naquela língua
mais devassa.
Que esse pau duro seja
mais falível, para torná-
la mais forte, quase um
milagre; que a minha
fraqueza oferece como
uma reza de beata.
98
De todas
as Glândulas
do Amor
“A mulher amada/quan-
do mija/é só refresqui-
nho/de graviola.”
(Marcelo Mário de Melo)
99
T udo é lindo na mu-
lher amada, melhor
ainda os cheiros fortes,
fedores e sujeirinhas da
mulher amada, o suor-
zinho das axilas da mu-
lher amada, quase uma
bucetinha a mais as
axilas da mulher ama-
da, meu deus, lá está a
danada, sob o solzão
veranico se derrete a
mulher amada, gosto
de apreciar a merdinha
bem esculpida da mu-
100
lher amada, tão minha
e tão íntima, saló, saló,
o suorzinho de todas as
juntas e dobradiças, ali
debaixo do joelho, eu
quero, e quando a per-
na dobra, o salzinho
sobre os olhos quando a
gente beija, o pescoci-
nho suado, lindamente
grudento, por favor,
amigos do comércio,
não vendam desodo-
rantes à mulher amada,
não vendam ar-condi-
101
cionados, não refres-
quem a costela amada,
tudo é perfume francês
na mulher amada, o
mijo é licorzinho dos
deuses, sob o céu que
nos protege, golden
shower que traz bo-
nança, sustança, chega
meu rosto sertões-ve-
reda refloresce, os pás-
saros cantam na caixa
torácica, derrama, der-
rama, derrama, amor
da porra a descer pela
102
perna esquerda, da mu-
lher amada, lambuza-
mentos que encobrem
as feridas doutrora, tu-
do lindo a escorrer, fa-
rejo todos os cheiros da
danada, o olho do cuzi-
nho, velho Bataille, é
lirismo só, rapaz, exala
o sentido da vida e mais
um pouco, resume o
mundo, guarda os se-
gredos dela inteira,
mulher é metonímia,
cada partezinha uma
103
giganta [d´àpres Bau-
delaire], ali, sim, no
cuzinho, again, está o
silêncio mais lindo da
mulher amada, donde
tudo é lindo, tudo é
sorte, tudo delírio, o
cuzinho em flor da
mulher amada, coxas, o
pezinho sujo nas ha-
vaianas, poeira das
ruas, marcas, cerimô-
nia do lava-pés da mu-
lher amada, lambendo
os dedinhos, descoberta
104
dos segredos dos seus
passos, direito de ir e
vir entre seus rins, co-
mo na canção, assim
como na vida, agora o
cheiro da foda por toda
a casa, a atrair os pássa-
ros lá de fora, que en-
contram os pássaros da
caixa torácica, que, co-
mo a capa da música do
Rei, assistem a tudo e
não dizem nada, tudo é
lindo e belamente dra-
mático na foda, mecâ-
105
nica da carne que se en-
rosca, o pau come até a
alma, paudurescência ad
infinitum, o amor é mes-
mo o viagra do espírito.
106
No que
Concerne
a um Desabafo
Particular acerca
d’Alma
e do Esqueleto
107
amarelas, como as do
cabelo de f., olha lá mr.
Coelho-de-Alice, visse!,
num sou de sair de casa
para fingir que existo
qual gente-isopor que
se mata apenas pelo tra-
balho e vai morrer por
isso com muito gelo
n´alma e bajulice, sebo-
sa soul, cool que só ven-
do, dinheiro em forma
de vermes neoliberais a
roer o esqueleto, prefiro
um ensaio de amor, uma
108
suruba-lounge, a mes-
ma rosa amarela de Ca-
piba & Carlos Pena Fi-
lho, ah, o lirismo, fu-
deu, e quero ver quem
vai ser mais rico do que
eu quando o caixão des-
cer, quando o forno cre-
mar, quando a vela
acender no velório do
notório, quero ver o
narcisismo derretendo
nas mãos dos piedosos
cristãos ou dos salvado-
res judeus, sejam men-
109
digos ou banqueiros,
adoro os mortos cheios
de dinheiro. FUDEUS.
Graças a Zeus, quero ver
qualé o bom, a boa,
quando as ilusões per-
didas forem cremadas e
restar apenas eu e o ve-
lho Capitão Fracasso a
zombar de todos nas
crendices na madrugada.
110
111
Do que Dizem
os Peitos
Pequenos e
Outras Grandezas
do Amor
112
língua, que o celebra;
depois o outro, o da es-
querda, adonde bate a
existência; o céu, a ter-
ra, a devoção, os deuses
que dançam naquela
magreza; um peitinho
dizendo pro outro, co-
mo num flerte, lá vem o
homem que nos merece,
já pensaste?
113
Do Dia em
que Fui Dublê
de Deus,
o Todo-Poderoso
114
enquanto isso, L., bela e
altiva, explorava a mes-
ma vulva;
este que vos reza orde-
nava com a mão esquer-
da e fazia justiça, em
contra-plongé, com a
direita;
tudo como havia copia-
do do sr. Sebastião
Nunes, renomado autor
do código do bom-tom
do maneta;
me sentia o próprio
Deus, à imagem e seme-
115
lhança do barbudo que
havia visto no pequeno
catecismo católico, obra
do Vigário de São Sul-
pício, tenho dito;
libreto este que havia
subtraído, na véspera do
ataque final das traças,
da residência de um cer-
to Reiners, que por sua
vez, amigo dos bons, ha-
via herdado tal volume
da fortuna ex-libris do
bem-aventurado Xavier,
o Valêncio, o da Peste;
116
de modo que, como ia
dizendo, ninguém co-
meu, naquela suruba
lounge, o fructo prohi-
bido; e ali mesmo en-
cerrei minha carreira de
Deus, que é muita res-
ponsa, rapaz, para este
seu pobre inquilino.
117
118
Do
Entendimento
Particular
do Escriba
sobre
Pornografia
119
No que concerne à arte
de amar, à moda Bataille
& Sade, não à modinha
de Ovídio – muito pro-
filático. Boca suja e
libertária, língua, cu-
nilingus. Chupar manga
e sorver milho cozido
como pedagogia forma-
dora do sexo oral para
mocinhas e mancebos.
Pornodevoções. Aos te-
us pés, a submissão
ocasional contra o poli-
ticamente correto, con-
120
tra a divisão de tarefas,
a favor do escravo na
alcova, por uma nova
erótica, sempre, e em
todos os sentidos. Uma
erótica sempre acima
da econômica de Xe-
nofontes ou dos dias
que escorrem como a
menstruação – espe-
rando Godot? Não.
Todo mês esperando o
Chico. A pornografia
contra o novo papa, a
pornografia como hós-
121
tia consagrada, a por-
nografia como nossos
jardins mais secretos.
122
Da Justificativa
Específica da
Pedagogia
da Manga
123
entre os dentes, como
um pentelho; vezes o
mergulho da face toda
sobre a vulva amada.
Chupar com gosto, dei-
xar o nariz pleno daque-
le cheiro o dia todo, as-
sim como o aroma pre-
servado na ponta dos
dedos. Evitar lavar as
mãos para explorar, nos
passeios, hedonismo do
flâneur, o olfato na ponta
dos mesmos dedos.
124
No que
Concerne Bater
e do que
Significa Apanhar
125
exagero de lenhador. Se
a pedidos, construa um
hiato entre o que se
reivindica e o amor de
pica. É preciso que ela
feche os olhos antes,
para sentir o que pede, e
até duvide que será
atendida, embora saiba
que merece.
126
Da
Estética
dos Prazeres
Compartilhados
127
mento, como os cínicos;
depois me bateu a dú-
vida: não estarei eu mais
para os cínicos? Havia
saído de um grande
amor e sofria a tentativa
de recanalhizar-me, coi-
sa difícil, pois as moças
lindas, andarilhas nas
terças francesas do Vegas
<rua Augusta!>, desper-
tam vontade de casar...
Mas preguei os olhos nis-
so: “Da estética dos pra-
zeres compartilhados”.
128
Ótimo. O casamento não
como algo objetivo e
procriador, falo como a
arte de dormir de con-
chinha, amanhã de ma-
nhã, o café pra nós dois,
como canta o Rei. Há
uma linguagem nos pra-
zeres divididos, não obri-
gatoriamente da lingua-
gem periquitosa... como
aquelas aves que desper-
tam a fúria do narrador
de Graciliano em São
Bernardo...
129
Embora haja, sim, a ne-
cessidade de uma esté-
tica das mãos dadas, do
passeio, dos óculos es-
curos gastos sob o mes-
mo sol, da invenção do
flâneur-pombinhos, da
felicidade imediatista e
besta do almoço dos
domingos.
130
De um Grande
e Antigo Preceito
Conjugal ou
a Casa Vai Cair
131
Depois de Plutarco, ve-
lho sábio: evitar porrada
verbal ou disputa no
quarto de dormir. “Não
é fácil apaziguar num
outro lugar as discórdias
e recriminações que a ca-
ma provoca”, dizia o sá-
bio cabrón. Pior ainda,
sibilava o mesmo mestre,
é dormir em cama sepa-
rada – ou no sofá de hoje
– por qualquer briguinha.
“É nesse momento que se
deve invocar Afrodite”.
132
No que Concerne
ao Quaerens
Quem Devoret
Ou procurando alguém
para devorar. Assim o
glorioso São Pedro, na
primeira epístola uni-
versal, versículo 8, se
refere ao capeta. Assim
podemos nos ver em al-
guns momentos da exis-
133
tência, com a urgência
da carne a nos tocar co-
mo um alarme histérico
e necessário. Elimine-
mos o temor do arre-
pendimento à luz de
Santo Agostinho, que
um dia, no altar da sabe-
doria, nos disse: “Se-
nhor, livrai-me das ten-
tações, mas não hoje!”.
134
Da Falta de
Esforço Mínimo para
Manter
o Acasalamento
135
Ninguém quebra mais o
pau de fato, o que é um
defeito. Casar mais de-
moradamente virou coisa
de operário, que não
tem dinheiro para o des-
manche burocrático.
136
Da Objetividade
Repetida sobre
o Beijo &
Sentimentos
Posteriores
137
No que Concerne
à Boemia e às
Dores que Andam
138
O boêmio está menos
literário, mas não
obrigatoriamente
menos romântico. Isso
não é um defeito. O
contrário do operário,
na nova ordem, é o
boêmio desempregado.
O garçom como psica-
nalista das massas bê-
badas e suas dores de
corno. A cachaça como
remate populista dos
tristes trópicos, o chute
na bunda de Saturno, a
139
queda como alegoria do
nosso direito atávico ao
berço esplêndido, a ce-
lebração da sarjeta.
140
Acerca do Qui
Bene Amat, Bene
Castigat
A expressão em latim é
simples: quem ama bem,
castiga bem. Aqui tra-
tamos não somente da
posse imaginária sobre o
território amoroso. Os
buracos d´alma são mais
intrigantes. Aqui caberia
perfeitamente os discur-
sos da perversidade como
141
forma de manter a cria-
tura amada colada à sua
costela. Além dos cas-
tigos físicos mais verda-
deiros, como os tapas &
tapinhas, os pingos de-
votos da vela sobre a
bundinha a ser devora-
da, o semi-estupro car-
regado de álibis, o tango
primeiro e único sobre
taco da sala do amante
ainda estrangeiro aos
olhos.
142
Das Plantas
do Jardim da
Nossa Casa
143
um saco, existem até
profissionais modernos
para isso – além de ar-
rumar os armários etc.
–, mas inventem algo
para fazerem juntos: ce-
lebrações, festas, janta-
res, receber amigos,
uma suruba-light que
seja...
Não deixem tudo nas
mãos dos serviçais, por
mais que vocês sejam
barões. Cortem um
alho juntos, mudem
144
uma planta de lugar,
façam um arroz-de-
puta (aquela refeição
tirada das sobras com-
pletas da geladeira), en-
cham as garrafas d´água,
lavem terapêuticos pra-
tos, deixem de ser me-
tidos a bestas.
145
Da Reinvenção
da Erótica do
Acasalamento &
Outras Práticas
Nobres
146
mão da casa, uma ida ao
banheiro, flertes, um
boquete na escada, um
fumo e uma rapidinha
na varanda... Erotismo
enevoado que vai ficar
na memória para lindas
phodas do casal nos dias
seguintes, sem que ne-
nhum tenha perdido pra
valer o rumo da vida ou
estado das coisas.
147
No que Concerne
Simplesmente
ao Fio-terra
148
149
De como Esperar
Pacientemente
que a Amada
Escolha a
Roupa para Sair
150
da sem muitas opções no
vestuário e longe, muito
longe da praga da indús-
tria fashion.
Mesmo assim, Eva demo-
rava horrores para esco-
lher a parreira mais
fresca, a mais enfeitada,
aquela com detalhes e
nervuras que lembram a
costura de um Ronaldo
Fraga, de um Herch-
covitch, nossos moder-
nos estilistas.
O que fazer enquanto
151
ela põe roupa e tira rou-
pa, mulher alterada,
doida demais, peça por
peça do armário?
Põe e tira, vai ao espe-
lho, pede a sua opinião...
Liga para pedir a opi-
nião da melhor amiga –
afinal de contas, você,
velho macho conserva-
dor, não entende nada
dessas modinhas –, volta
ao espelho, muda só a
parte de baixo, agora
muda só a parte de cima,
152
troca o brinco, o colar
novo, “ah, esse não
combina...”
Não adianta você, caro
amigo, dizer que está
ótimo, dizer que nunca
viu mulher tão linda,
dizer que nunca a viu
tão deusa, dizer que é a
mulher da sua vida, a
que se veste melhor, a de
gosto estupendo, a mais
francesa das francesas,
a bonequinha de luxo
posando na frente da
153
Tiffany, a Audrey das
Audreys, Catherine De-
neuve, Juliette Bino-
che...
De nada adianta. Fica-
mos falando sozinhos
nesse momento ímpar
do mulherio.
O que fazer então?, co-
mo perguntava o velho
Lênin.
Relax, meu jovem, re-
lax, caro mancebo, tran-
qüilidade, cabrón. Como
não tem remédio e nem
154
nunca terá, o jeito é
retomar o tempo perdi-
do a nosso favor. Já tive
mulheres que demora-
vam o tempo de um jogo
de futebol – com pror-
rogação e morte súbita –
para escolher a “roupa
certa”. Vi muitas deci-
sões de campeonato gra-
ças às dúvidas fashion da
costela amada. Gracias.
Puta escritores, como o
velho Hemingway, dei-
xaram grandes obras
155
graças às demoras das
“patroas”. Grandes in-
ventores, idem. O hu-
morista Grouxo Marx
agradeceu publicamente
à sua mulher por deixá-
lo livre para criar ótimas
piadas nesses intervalos.
Palavras cruzadas e pa-
ciência, o jogo, também
caem bem para a ocasião.
156
No que Concerne
a um Encontro
Abençoado com
uma Virgem
157
Os vinhos, evoé Baco!,
são bem-vindos para o
amaciamento das culpas.
Não conversem exclusi-
vamente sobre tal ato,
amedronta e soa desne-
cessária tal metalingua-
gem.
Muito menos banalize
aquela cerimônia; trate-
a como um ritual de an-
tigos deuses.
Acenda velas pela casa,
ponha para tocar um
bangra, um trance, a
158
Arizona Dream de Iggy
Pop & Goran Bregovic
ou, melhor ainda, Mistery
Train, do velho Elvis.
O uso de lubrificante
não desmerece tal sagra-
ção de primaveras.
No leito, lençóis bran-
cos, para que as man-
chas de sangue tenham a
força de um quadro de
Pollock.
159
160
De um banho
para Devolver
a Mansidão
aos Lares
161
Do Amor nos Tempos
das Novas
Ferramentas
162
É o amor nos tempos do
MSN, o Messenger, o
amor nos tempos do Or-
kut, chats, comunidades
e tantas outras gerin-
gonças. Tudo muito rá-
pido, espécie de miojo
sentimental, emoções
baratas.
Você nem carece pegar
na mão, já vai direto
pra cama, pra detrás da
moita mais platônica.
Não carece nem cantar
Paulinho da Viola, olá
163
como vai, quanto tempo,
pois é, quanto tempo...
O amor nos tempos da
velocidade tecnológica.
E o novo problema já está
ficando velho, grego,
decifra-me ou te deleto:
como transformar uma
tara platônica em uma
transa homérica?
164
De uma Madame
Bovary destes
Tempos
Modernos
E a conjunção virtual
não é coisa apenas desses
moços, pobres moços.
Minha amiga K., por
exemplo, 55 anos, Ma-
dame Bovary dos tem-
pos digitais, tem quatro
amantes “fixos” no Mes-
senger, além do marido
165
de carne, osso e ronco.
“Vou deixar um deles,
pois não tem compa-
recido a contento”, solta
a blague. Todos jovens,
quase donzelos, meu
Deus.
166
Donde uma
Menina Má
Provoca o Tio
no Bate-papo
Virtual
167
Me conta que deu pro
maconheiro cabeludo ali
no quarto da casa da
família mesmo. O cuzi-
nho. As meninas que
contam história para
animar a vida do tio.
Bem na hora do almoço.
Barulho da família. A
primeira vez que deu o
cuzinho foi numa praia
do Nordeste. Meio tubo
de K&Y na viagem. As-
sanha o tio com uma fo-
to de shortinho. Menina
168
má. A mãe já via essa
maldade toda desde ce-
do, ela diz. A mãe odeia o
cabeludo maconheiro.
Mãe é mãe. A lolita má
gosta de foder perto da
família, equalizar os sus-
surros de acordo com os
decibéis do Strokes que
rolam na casa naquela
justa hora. Mas outro dia
deu num parque, pena
que o cara andava perfu-
mado, “gosto de cheiro
de homem, sabe?”
169
170
No que Concerne
aos Espasmos
da Nostalgia
171
o bina, e matou o velho
mistério do telefonema
mudo e anônimo. Ofe-
gante, a criatura, apai-
xonada, ligava só para
ouvir a voz do obscuro
objeto de desejo do outro
lado da linha. Ou man-
dava uma música do Rei,
de preferência a mais
romântica: “Vou caval-
gar por toda noite, nu-
ma estrada colorida...”
É, o telefonema dos de-
sencorajados do amor,
172
esse clássico das anti-
gas, está praticamente
enterrado.
173
Da Chegada da
Telefonia Móvel
e o Prejuízo
do Canalha
174
álibis mais inverossímeis
desse planeta.
Outra alvissareira fun-
ção do celular é fugir dos
mal-assombros senti-
mentais. Você quer ir
numa festa e sabe que
aquele infeliz pode estar
lá, serelepe, nos braços
de uma “vagabunda”
qualquer. Uma ligação e
pronto, o amigo dá o ser-
viço completo das as-
sombrações. Pena que o
mesmo aparelho tam-
175
bém sirva para matar as
surpresas, o friozinho
na barriga, aquela coisa
toda, lembra?
176
Donde Tratamos
do Noli
me Tangere
Em outras palavras, no
português mais român-
tico e derramado: não
me toques. Na Bíblia, a
expressão é sibilada na-
quele momento em que
Jesus Cristo, todo-pode-
roso, surge para Maria
Madalena e, todo-cheio-
de-dedos, implora para
177
não ser tocado. O medo
do goleiro diante do pê-
nalti, o temor do que
ama diante das tentações
da carne do açougue
mais humano. Vade
retro, Satanás.
178
Da Elegância da
Solidão e Contra
o Periquitismo
Publicitário
A proveito o barulho de
uma efeméride, dia dos
namorados, para tratar
das vantagens da solidão
– essa pantera inse-
parável, como dizia Au-
gusto dos Anjos –, que
nunca teve direito a um
segundo de comercial na
179
TV ou qualquer fogue-
tório do gênero.
Vender celular, por exem-
plo, essa febre que virou
brinco em todas as ore-
lhas de jovens e mada-
mes, não combina bem
com o mundo das damas
e dos cavalheiros solitá-
rios.
A alma do negócio é outra,
mesmo que falsa: o apelo
é feito para quem tem
amores, quem tem muitos
amigos... Cadastrem os
180
casos, as amantes, as na-
moradas, o papagaio... e
falem mais barato o mi-
nuto... Periquitismo do
amor publicitário.
O massacre é tanto que
alguns solitários se tran-
cam dentro de suas casas
em finais de semana co-
mo este que passou. A
vergonha de ser sozi-
nho(a) depois de tanto
samba-exaltação e “feli-
cidade” publicitária em
torno da data.
181
182
De quão
Luxuosos
Podem Ser
as Damas
e os Cavalheiros
Solitários
183
Nada mais elegante do
que a solidão tranqüila,
um trago no balcão do
bar, ninguém para en-
cher o saco – a não ser os
chatos que se multipli-
cam por aí, onipresen-
tes, malas, malas, malas.
Esses, porém, a gente se
livra fácil, não voltam
para os nossos lares do-
ces lares.
Não que o amor não seja
lindo. Nada disso. “Te
amo, porra”, bem sabes,
184
como diria o Pereio.
É óbvio que vivemos
grandes momentos en-
venenados por Cupido.
O que faço nestas mal-
traçadas linhas é uma
defesa da decência so-
litária, o direito até de
esnobar com um “I want
to be alone” à Greta
Garbo.
De não se deixar adoecer
pela ditadura da falsa
felicidade publicitária!
De chegar em casa feliz,
185
botar um disco novo,
tomar um uísque...
De cantar Antonio Maria
da forma mais irônica,
como ele também hoje
cantaria: “Ninguém me
ama/ninguém me quer/-
ninguém me chama/de
Baudelaire...”
186
Do Amor que Fica
e Ainda Contra
o Comércio dos
Pombinhos
De adolescentemente
“ficar”, ficar, ficar, ir
ficando... O amor que
fica.
Não se deixe intimidar
pelos coraçõezinhos de
vento que tomam conta
dos tetos das churrasca-
rias, cantinas e restau-
187
rantes nas principais efe-
mérides, dia das mães,
dia dos pais, dia dos
namorados...
Lembre-se das falsas pro-
messas, dos chifres, das
ilusões perdidas...
O amor é assim mesmo,
como nos disse Carlos,
hoje beija, amanhã não
beija... agora é segunda-
feira, dia de Santo An-
tonio, e ninguém sabe o
que será.
188
Da Regra sobre
as Regras
e da Travessia
de Outros Mares
Vermelhos
189
Não deve haver ceri-
mônia diante do ciclo;
190
os lençóis brancos com
as marcas da pintura ru-
pestre, tribos de alcovas
e cavernas;
o amor carece do gosto
pelo sangue, pelas glân-
dulas, pelo que vem das
entranhas;
contra o banho imediato
após as phodas;
contra os saponáceos, e
contra a própria água.
191
No que Concerne ao
Orgasmo Fingido e
do Seu Belo Teatro
O fingimento do gozo
também pode ser uma
prova de amor, como o
amor vadio das putas;
192
tem um quê de distan-
ciamento brechtiano no
orgasmo fingido;
193
contra a verossimilhança
exagerada dos orgasmos
com caras & bocas;
a favor do agrado do
teatro, puro teatro, co-
mo na canção almodo-
variana de La Lupe.
194
Da Ressaca e do
Canalha em Busca do
Engov Ético
N a autoflagelação da
ressaca*, o homem-inse-
to, nos relhos morais
contra o próprio lombo,
eis a ressaca do escla-
recimento... A ressaca
contra o capital, mais-
valia metafísica. A rebor-
dosa amorosa.
*D´àpres Pedro Américo, poeta
do Recife.
195
O homem como um in-
tervalo de ressacas ínti-
mas ou públicas. Ressaca,
a memória possível, o
flash-back do declínio e
da prosódia sem regula-
mento.
196
No que Concerne ao
Jus Primae Noctis
197
nova indústria, ampli-
ando ainda mais a saca-
nagem da mais-valia
explícita.
198
199
No que Diz Respeito
ao Encontro de
Tereza, Filósofa,
com Jesus, e da
Devoção Suprema
que Herdamos desse
Encontro
200
pica sofrida de homem
que foi, martírios d´al-
ma, desejo que dentro
dela há tanto tempo ar-
de, debaixo do manto,
debaixo do hábito, a bu-
cetinha a maldizer la
mala educación, por que
escolheste o fastio, me-
nina, se podias foder a
vida inteira?... “Aí é que
reside a tara, seu mar-
quês, não vês?”, diz ela,
pura e casta, nada besta
nesta breve fábula.
201
Da Peleja das
Serviçais e da Costela
Amada
202
água fria na quartinha,
cama, mesa e banho, tu-
do no capricho. Elas tra-
balham assoviando o su-
cesso da hora, o hit do
rádio, apesar da vida na-
da fácil.
Aí basta o mancebo ar-
rumar um xodó, um ro-
lo, um cacho, uma cos-
tela... para aquele humor
desmanchar-se aos pou-
cos. As duas criaturas
normalmente não se en-
tendem, gênios difíceis.
203
Quem paga somos nós,
porcos chauvinistas,
que não teremos mais
aqueles botões repostos
na camisa colorida –
aquela mesma, caríssi-
mo Paulinho da Viola,
que cobria a minha dor,
na canção do amor às
pressas lá no Recife.
Uma não repõe os bo-
tões por despeito e pro-
testo contra a nova in-
quilina; outra não zela
por razões ideológicas:
204
ora, não pode incen-
tivar o machismo.
205
De Duas
Criaturas Saídas
de uma Mesma
Costela
206
sultão, é jogo duro. Seja
sogra, diarista, tia, mãe,
irmã... E quando as TPMs
coincidem? Vixe, fica
tudo tão difícil quanto
atravessar o Mar Ver-
melho. E quando não
batem os signos?
O xodó tira um móvel de
um canto, a diarista muda
uma planta de lugar...
A diarista esquece a teia
de aranha lá no canti-
nho da parede, o xodó
faz um apocalipse...
207
O xodó implica, a diarista
começa a falar bem da
sua ex, com quem tam-
bém fazia uma batalha
sem trégua.
Até o fatídico dia do juí-
zo final: “Ou ela ou eu!”.
As duas dizem quase em
uníssono.
208
Das Bebidas
e do Discurso
Amoroso
da Conquista
a necessidade de ir ao
banheiro, levantar-se,
209
desliga o sujeito do pre-
dicado, como se pusesse
entre eles o assassinato
da vírgula;
210
as sobrancelhas, não o
cérebro, são as respon-
sáveis por essa linha de
conduta;
elas falam a babel da
conquista.
211
No que Concerne
ao Frondi
Nulla Fides
212
Da Oração à
Nossa Sra. dos
que Amam Sozinhos
213
volta, como naquele en-
costo de beira de es-
trada, como na rodovia
estrangeira de Sam She-
pard, crônicas de motel,
simbora.
Nossa Sra. dos que só
pensam Nela, cotovelos
lanhados de tanta espera,
tantos sustos nas ruas, nos
bares, “é ela!!!”, Nossa
Sra. dos Cotovelos da
Surpresa e das janelas, tão
gastos, cinzas, peles, do-
bras, e tanta fome de viver
214
aqui dentro, megaloma-
níaco, épico, terá sido a
força do desprezo???
É mesmo a paudures-
cência, nostalgia precoce
das grandes phodas, o
tempo inteiro, pensan-
do, pensando, pensando,
odiando, mas no fundo
gostas!
O pau lanhado de tantas
punhetas monotemáticas!
Nossa Sra. da Buceta
Alongada que Consegue
Apertar a Pica como se
215
Fosse a Coisa Mais Sa-
grada.
Nossa Senhora!!!
Paudurescência sem via-
gras ou pílulas milagrosas.
Paudurescência por tê-
la, rara.
Chupar delicadamente
aquele cuzinho como
um cristão que dissolve
na boca uma hóstia.
Chupar a buceta por ho-
ras, riachinhos d´águas
que não se sabem donde,
cada cantinho dum mapa
216
que se inventou só pra se
perder depois; sentimento
é a verdadeira bússola
dum homem, perdido do-
cemente lá embaixo, lá
embaixo, daquelas tuas
vestes modernas que nun-
ca te escondem.
Lua cheia, pau crescente.
Nossa Sra. dos que só
pensam naquela gostosa
que encontrei certo dia à
margem esquerda do Ca-
pibaribe. Nossa Sra. dos
que só pensam naquela
gostosa que encontrei cer-
217
to dia no Baixo Gávea,
Nossa Sra. daquela gos-
tosa que levei ontem pra
casa. Nossa Sra. dos que
pensam naquela gostosa
que vi por acaso na es-
tação Paraíso, SP, metrô!
Nossa Sra. dos que fo-
dem muito e amam so-
zinho, Nossa Sra. dos
que amam, perdoai os
que apenas fodem, os
que apenas gozam, go-
zam, gozam!!!!
218
Das Drogas e
dos Excitantes
Modernos
219
A Cannabis Sativa,
seja de Cabrobó ou da
Índia, embala os aman-
tes; melhor ainda se
uma phoda na rede, co-
mo nas tribos, como nas
beiras dos rios; mesmo
na metrópole, uma có-
pula com maconha dá a
ilusão de um gozo ao
longe, lindo, superposto
em camadas de um de-
lírio leve, como aquele
sonho quase acordado;
220
A cocaína, declarada
inimiga dos amantes,
pode ter seu valor se
num banheiro de uma
festa, num bar, na noite;
não que ajude na pau-
durescência, mas cola os
seres sobre o mesmo es-
pelho, o mesmo prato, o
mesmo ego gigante; a
deusa nevada aproxima
para a phoda do dia
seguinte;
221
Um quartinho de um
comprimido de ácido, o
velho LSD , para cada
um, na saída de casa, se-
guido de um restauran-
te japonês com cerveja;
depois sair de mãos da-
das, aos beijos, aos de-
lírios, pelas calçadas,
meu Deus, o nirvana, a
promessa de felicidade
da qual falava Baude-
laire, a beleza em estado
puro, a beleza e só.
222
O Ecstasy, noves fora
as contra-indicações de
praxe, é uma dádiva;
mais pela pegação, pela
suruba-lounge, do que
pela phoda instantânea;
os pêlos sobem, ouriços
da pista, as luzes, o
mundo suspira.
223
Da Devoção
às Putas e da
Sem-gracice das
Garotas de Programa
224
puta é o cafuné, toda-
ouvidos para o seu des-
conforto e a sua angústia
sob a luz vermelha;
garota de programa é
tão neoliberal quanto o
presidente da federação
das indústrias, tem um
taxímetro entre as
pernas;
puta é tão pura quanto
Nossa Senhora das Do-
225
res, a Virgem Imacula-
da, a terceira mentira de
Fátima;
garota de programa é
tão falsa quanto toda a
igreja católica e o no-
velho papa;
puta é a mentira ama-
dora, o orgasmo “má
quê delíiiciiia!!!”, “der-
rama, derrama, der-
rama!!!”;
226
garota de programa é a
mentira midiática, fria,
jornalística;
puta é linda como a rai-
nha do lar que nos
pariu;
garota de programa ar-
recada como um bispo;
enquanto a puta canta
docemente a canção de
São Francisco.
227
Da Nostalgia
Precoce e da
Memória Carcomida
228
Da História de “O”
ou da Felicidade
na Escravidão
229
temia Sherazade, como
me sopraria num sonho,
dia desses, um certo
Octavio Paz.
230
Do Prazer
como Dever
Permanente
do Homem
231
[D’O Jardim Perfumado,
um manual erótico árabe,
obra do xeque Nefzaui]
232
Das Mil e Uma
Acrobacias
que Podem
Transformar uma
Grande Noite
em uma Noite
Meia-boca
233
entrosamento, coisa que
só se pega mesmo com a
cadência das intimida-
des, com o tempo. Com
esse sexo cheio de pernas
e mil e um malabaris-
mos você pode levar o
seu parceiro a uma bela
câimbra ou contusão
mais séria. Coitado, ele
pode ter que fumar
aquele cigarro pós-coito
em uma clínica ortopé-
dica ou em um milagro-
so massagista japonês.
234
De como um Kit
Erótico Exagerado
Pode Fazer
Perder o Foco
da Vida
235
nas, mas cuidado pra
não exagerar. Nada de
pacote completo tipo
lingerie, velas, incensos,
óleos, culinária afrodi-
síaca... Tanta coisa assim,
tanta obediência aos pa-
cotes eróticos do mer-
cado, que vocês podem
esquecer do motivo prin-
cipal daquele encontro:
o sexo propriamente
dito e falado.
236
No que Concerne ao
Erro
do Incenso
237
ram de um belo jantar!),
enjoar, ir direto para o
banheiro, não mais para
aquela cama arrumada
(sim, você tem lençóis
de três mil fios!) e linda
que esperava o novo
casal.
238
De como uma D.R.
Precoce...
239
de telefonema no dia se-
guinte, a falta de delica-
deza no restaurante
(sim, você é romântica e
gosta que puxem a sua
cadeira!), a falta de sen-
sibilidade pra notar que
está de cabelo com novo
corte...
240
Da Preocupação
com o Patrimônio
Histórico dos
Países Baixos
241
falta, ao ficarem na
barreira? Estão guar-
dando o sagrado patri-
mônio e tentando se li-
vrar de um dos maiores
incômodos masculinos,
a dor nos testículos. Não
que você, em algum mo-
mento, pretenda cometer
tamanha grosseria como
uma bolada. O exagero
aqui, delicada leitora, é
só pra deixar patente:
todo cuidado é mesmo
pouco com os testículos.
242
Qualquer maltrato ali
naquela área pode ser
fatal, pior do que tor-
tura, o fim da noitada.
Mas uma vez bem ex-
plorados, com toda a
delicadeza da alma fe-
minina, Deus dos céus,
levará o homen a atingir
o nirvana.
243
Do Uso das Pílulas
da Paudurescência
Artificial
244
que o tiozinho-loki eli-
mine a sua insegurança,
encontros pioneiros com
desafiantes gazelas;
245
o priápico pela própria
natureza também perde
muito com tal isonomia
farmacêutica;
246
que seja simples, pois:
que as picas subam,
ora, ora, e as bucetas
umedeçam.
247
Da Depilação
e dos Exageros
da Diagramação
dos Pêlos Íntimos
248
O desmatamento das
raparigas tem acompa-
nhado a desgraça das
nossas matas;
urge um Greenpeace
que lute pela Amazônia
das moças;
contra as bucetinhas com
bigodinhos nazistas;
ou bucetinhas cobertas
ou descobertas de tudo,
clareiras generalizadas
são bem-vindas;
249
contra os desenhozinhos
sem graça;
contra a higienização do
amor e do desejo;
250
contra o hedonismo en-
vergonhado;
251
conveniência de haver
nascido.
p.s.: “Quando um homem
digno está na companhia
de mulheres, seu membro
cresce, torna-se forte, vi-
goroso e rijo; ele demora
para ejacular e, após o es-
pasmo causado pela emis-
são do sêmen, fica pronto
para nova ereção”. [D’O
Jardim Perfumado, um
manual erótico árabe,
obra do xeque Nefzaui]
252
Do Encontro
Sagrado com
uma Freira
sem que Ela
se sinta Traindo
Jesus
253
é preciso ainda cair do
outro lado do muro
vivo;
manter os bons hábitos;
a barba escanhoada e os
pés macios de urso;
chegar depois da novela
das oito;
pegá-la no começo do
sono, ela dorme cedo;
deitar-se de ladinho na
caminha de solteiro;
ela já tem esquecido a
novela e já tem rezado o
terço;
254
a bundinha de lado, cos-
telinha de Deus;
beijinho no cangote, co-
mo se fosse um sopro
dos céus;
se a vir desconfortável,
administre o pesadelo;
encoste e tire a pica, como
num sarro de ônibus;
ela vai se sentir Tereza, a
Filósofa, dormindo de
conchinha com Jesus.
255
Soneto do
Membro
Monstruoso
(Bocage)
256
Esse disforme e rígido
porraz
Do semblante me faz
perder a cor:
E assombrado d’espanto
e de terror
Dar mais de cinco
passos para trás:
A espada do membrudo
Ferrabrás
De certo não metia mais
horror:
Esse membro é capaz
até de pôr
257
A amotinada Europa
toda em paz.
Creio que nas fodais
recreações
Não te hão de a rija
máquina sofrer
Os mais corridos,
sórdidos cações:
De Vênus não desfrutas
o prazer:
Que esse monstro, que
alojas nos calções,
É porra de mostrar, não
de foder.
258
Do Manual de
Civilidade Destinado
às Meninas para
uso nas Escolas
260
Diga: “Que rabinho mais
quente”.
Não diga: “Acabo de
gozar como uma louca”.
Diga: “Sinto-me um pouco
fatigada”.
Não diga: “Ninguém
me chupa como você”.
Diga: “Eis a língua uni-
versal”.
Não diga: “Vou mas-
turbar-me”.
Diga: “Vou voltar”.
261
Não diga: “Vamos
foder”.
Diga: “Oremos ao Senhor”.
262
Não diga: “Eu prefiro
a língua ao pau”.
Diga: “Só gosto de pra-
zeres delicados”.
263
Não diga: “Mete mais
devagarzinho”.
Diga: “Não foi assim que te
ensinei”.
264
Não diga: “Os ro-
mances honestos me
chateiam”.
Diga: “Eu gostaria de ter
algo interessante para ler”.
Não diga: “Quando
se lhe mostra uma pica,
ela se zanga”.
Diga: “É uma original”.
Não diga: “É uma
menina que se masturba
até quase morrer”.
Diga: “É uma senti-
mental”.
265
Não diga: “É a maior
puta da terra”.
Diga: “É a melhor me-
nina do mundo”.
266
Não diga: “Eu a vi
ser fodida pelos dois
buracos”.
Diga: “É uma eclética”.
267
Não diga: “Seu pau é
demasiado grosso para
minha boca”.
Diga: “Sinto-me bem peque-
na quando converso com ele”.
268
Não diga: “Você é o
homem da minha vida”.
Diga: “Você me conforta
bem lá dentro”.
Não diga: “Não sei
viver mais sem você”.
Diga: “Adoro a sua pica
dura”.
Não diga: “Vou chu-
par o seu pau”.
Diga: “Derrama o min-
gau dos deuses”.
269
No que Concerne ao
Olho Masculino nas
Visões Matutinas
270
do mundo chato, ela se
espreguiça, ossinhos que
estalam sob a réstia do
sol dos sérios que atra-
vessa a cortina.
271
ta ainda mais manhosa,
quase um gato a inventar
botes câmera lenta num
sashimi da véspera.
272
cheiro sobe, polvo do
amor, mobilizo-me entre
o forno, esquentar os
pães, as frutas dos im-
pressionistas, a manteiga
do primeiro tango,
acorda maria bonita,
que a polícia do pen-
samento já está de pé.
Um homem nos ensaios
de amor, velho J. L. Go-
dard, carece de muitas
mãos, línguas, dedos,
certezas.
273
Donde uma Marca
de Vacina no Braço
Delas...
274
que perdem o sentido
simétrico do furo e se
abrem como flores per-
versas, bucetinhas sus-
pensas no coletivo de ra-
parigas que andam.
275
Da Dramaturgia
das Nuvens como
Relax for Man
276
pariga bilaquiana. A
dramaturgia das nuvens
per si, bando de doi-
divanas, como no teatro,
mesmo. Monstros, ne-
tunos, choques, guerras,
Miles Davis nas trom-
betas, encenações, beijos
de algodão, meninas em
colos imaginários de
Lewis Carroll, tudo que é
sólido e que se desman-
cha em fiapos de gente...
repare nos seus monstros
internos nas nuvens, o
277
serial-killer que habita a
sua carcaça, o assassino
dentro da caixa torácica,
como em Thompson, to-
dos levitam na lona dos
céus, caralhos de asas,
bucetinhas felpudas, bu-
cetinhas de manga...
278
De uma Epifania
Seguida de
Polução Noturna
279
como aquelas santas baia-
nas, por um caminho
escuro, estreito, e o es-
tremecimento no sonho,
epifania dos diabos, ba-
cia d´água e de flores sob
os seus pés acima do ta-
co, solo do nosso último
tango, na frente do es-
pelho de taras, exibições
& danças, cheiro nas
fuças do cunnilingus
mais longo, coreografia
do gato, e a golden sho-
wer iluminada a me
280
banhar com as dores in-
confundíveis de mais
uma despedida.
281
De como Dizer
Eu Te Amo sem
Dizer Eu Te Amo
e sem Gastar os
Olhos da Cara
A dmirá-la, sempre na
paudurescência, enquan-
to ela se olha no espelho
para conferir a roupa.
Beijar os pés da moça em
público, sempre que pos-
sa, como numa crônica
de Maria.
282
Se for liso, pobre de
marre-marré, dar uma
bijuteria de R$ 1,90 com a
devoção e a dramaturgia
de uma jóia da Tiffany´s
– vide Bonequinha de
Luxo, o filme.
Conduzi-la ao jantar
num restaurante bem
283
farto, com sobremesa
idem, para mostrar que
ela é linda, foda, uma
formosura, e não precisa
emagrecer nem mesmo
os 21 g do peso da morte,
como no filme.
284
Aplicar a lição do vinil:
1) passar a mão nas
costas dela, a noite toda,
carinhosamente, como se
fosse o braço de uma
velha radiola; 2) de ma-
nhã passar a mão na
bundinha dela como se
fosse um DJ fazendo
scratch.
285
assim como os cães estão
para a amizade.
286
seja o guardador de
carro, seja o garçom,
seja o bispo, o presidente
da ordem ou o manda-
chuva-mor do Bananal.
287
mo com os milagrosos
emplastros Sabiá ou
Brás Cubas.
Em vez de condená-la
em uma pisada na bola –
tipo foder gostoso com
outro! –, tirar proveito
erótico disso, provocan-
do-a para ouvir outras
boas histórias.
288
289
Do Sacrifício,
dos Mistérios
e de Profundis
Quando um homem
em pele de cão vadio e
sem plumas grita dos pés
de uma mulher-abismo,
também podendo ocor-
rer com dois cães vadios
que rasgam o chão com
as unhas para rebaixa-
rem-se mutuamente à
mulher... De profundis
290
clamavi at te, Domine,
ou seja, o ato de invocar
alguém lá das profun-
dezas do abismo, como
nos Salmos.
291
Do Poço das Delícias
e das Paixões Mais
Roxas
292
paisagens, terá sido muito
tarde?, sabe lá a natureza,
agora não é mais hora,
mas ficou tudo gravado
na língua como o poema
de Verlaine:
293
Prestando as devoções
de praxe,
294
No que Concerne
aos Felinos
e ao Amor Devoto
– Este cachorrinho é
seu, senhor?
– Era meu até há alguns
momentos; mas a senho-
rita assumiu de repente
um notável ar de pro-
priedade em relação a ele.
[Isabel e Ralph, no livro
O Retrato de uma Senhora,
de Henry James].
295
Do Amor e dos
Animais que o Cercam
296
para o amor assim como
os cães, esses bobos ale-
gres, estão para a amiza-
de besta.
Os cães chafurdam na
cama de manhã, nos
sorriem latindo, como
na lírica do Rei; os gatos
se enroscam sabiamente
nas pernas da dona, que
mimetizam os gestos sa-
fados do bicho, e dali os
gatos assistem às pho-
das, enquanto escrevem,
a seis mãos, a linda por-
297
nografia das intimidades
mais longas.
298
De Como Reabrir
o Apetite
das Moças
299
gustando, quase de for-
ma desesperada, uma
massa, um cuscuz mar-
roquino/nordestino, um
cabrito, um ossobuco, um
bife à milanesa, um tor-
resmo decente.
Foi embora aquela fe-
licidade demonstrada
por Clark Gable no filme
Os Desajustados, quando
ele observa, morto de
feliz, Marilyn Monroe
devorando um prato. E
elogia a atitude da moça.
300
Toda preocupação femi-
nina está voltada para a
estatística das calorias,
as quatro operações da
magreza absoluta. É co-
mo se todas fossem po-
sar para a The Face do
dia para a noite. Mal sa-
bem que isso não tem,
para homem que é ho-
mem, quase nenhuma
importância.
François Truffaut, o ci-
neasta, padrinho sen-
timental deste cronista,
301
já alertava, em de-
poimentos registrados
em suas biografias, o
valor insuperável das
mulheres normais e o
seu belo mundo de pe-
quenas imperfeições.
Além do prazer de vê-
las comendo, pesquisas
recentes mostram que as
mulheres com taxas
baixíssimas de colesterol
costumam ser mais
nervosas, dão mais tra-
balho em casa ou na rua.
302
Nada mais oportuno
para convencê-las a vol-
tar a comer, reiniciá-las
nesse crime perfeito.
303
Do Plongé e
Do Contra-plongé
do Amor
304
N ada como aquela
olhadinha que ela dá
quando lá embaixo.
Ainda e pra sempre, da
série “detalhes tão pe-
quenos de nós dois”. A
vida se resume a ob-
servar, microscópio de
eros, reis Roberto e
Nelson, a mulher e o
seu drama.
Nada como aquela
olhadela, sobrancelhas
assanhadas, mirando lá
de nossos países baixos
305
cá para cima do nosso
cocuruto alumbrado.
306
ali naquela olhadinha
plongé, contra-plongé,
depende de quem vê...
307
Do Furo do Velho
Darwin só Agora
Revelado
308
lógica darwiniana por
trás do orgasmo da fê-
mea. Aquela coisa de fo-
der com o imaginário
voltado pra reprodução
é furada. Não fazia
mesmo sentido. Para
elas, orgasmo é diver-
são, loucura, ego, apego,
amor, gritaria, gata no
telhado, chamego, dengo,
xenhenhém, cafuné de
quem acerta o clitóris
d´alma. Lindo que assim
seja. E revoguem-se as
309
disposições em contrário.
E dá-me vinho, amore,
que a vida é nada.
310
No que Concerne ao
Homem-
laxante
Na saúde, na doença,
na TPM... E muito mais
ainda na prisão de
ventre.
Prova de devoção maior
não há. Do que viver de
perto este drama, seguir
todos os passos da cos-
tela amada, na pista, na
vida, no WC. O carinho,
311
o cafuné, o chamego, o
homem-laxante com a
nega onde a nega estiver.
Existem mulheres de
todos os naipes, mas elas
se dividem basicamente
em duas classes: as que
cagam bem e as que têm
certas dificuldades.
Os machos também as-
sim se organizam, se-
gundo García Marquéz,
os que evacuam fácil e os
que se enfezam ao ex-
tremo. O escriba mes-
312
mo, em conversa sobre o
tema com o psicanalista
Helio Pellegrino, decla-
rou-se ruim de serviço,
um enfezado-nato.
O temor feminino dian-
te do trono exige aten-
ção redobrada do ma-
cho. Melhor, valiosa lei-
tora, não esconder essa
pequena agonia diária.
Ponha o tema na roda.
Melhor ainda, meu ra-
paz, é você antecipar-se,
assim que notar, pelos
313
sinais exteriores de en-
fezamento – aquele riso
sem graça e a sobracelha
com medo da vida –,
que a amada carece de
maiores dengos, cuida-
dos, delicadezas.
Ou sinais vindos das
prateleiras das farmá-
cias: Cáscara-sagrada,
Ducolax, Tamarine...
“Ameixas, ame-as ou
deixe-as”, como no hai-
cai de Leminski, tam-
bém são bons indícios
314
para despertar nossos
trabalhos de Hércules.
Vale todo esforço. Tive
uma morena, por exem-
plo, jambo-girl da mar-
gem esquerda do Capi-
baribe, que só conseguia
quando eu a acompa-
nhava ao banheiro, e fi-
cava ali, sentado, con-
tando-lhe pequenas his-
tórias, fábulas inventa-
das no embalo free-
style. Eu sentava em um
banquinho de criança,
315
de modo a ficar à sua
altura... Quando menos
via, lá estava o sorriso
destravado nos seus lin-
dos beiços grossos. Era
como um gol em final de
partida, uma celebra-
ção, uma festa ao som
pós-tudo da descarga...
Eu ainda pedia que ela
mirasse a merda, suas
sobras completas. Quem
olha as suas fezes, dizia
a minha mãe, cria-se
sem o menor pecado da
316
inveja. Lição mais sábia.
Outro bom conselho,
que deixamos aqui de
graça, é o da voz da ex-
periência de Tia Júlia e o
Escrevinhador, livro de
Vargas Llosa: “Para do-
res de amor, nada me-
lhor do que leite de
magnésia (...). Na
maior parte das vezes,
os chamados males de
amor, etcétera, são dis-
túrbios digestivos, fei-
jões duros que não di-
317
gerem, peixe estragado,
entupimento. Um bom
purgante fulmina a lou-
cura do amor.”
318
319
Das Tentações
das Mulheres
da Rua Augusta
320
Vira-latas, putas, men-
digos, bandidos, cheira-
colas viajando na lan-
house. Mil e uma noites
da velha Augusta. O
cheiro, no meu nariz de
Proust dos pobres, é de
eucalipto e churrasqui-
nho de gato. A carne fra-
ca. Gabirus no esgoto.
Cafetões à pampa.
321
chos com lesbianismo
explícito, fantasia óbvia
das antigas. O café Paris
anuncia, no mesmo nai-
pe: SHOW DE SEXO COM
LÉSBICAS. O casarão infor-
ma: PAGUE R$ 30 E BEBA
ATÉ CAIR. A Tajmahal, ar-
marinho que vende e alu-
ga fantasias, exibe na vi-
trine as suas shere-zades.
322
carro do playboy Racio-
nais MC´s: “Estilo ca-
chorro”. Aquela que diz
assim: “Conheço um ca-
ra que é da noite, da ma-
drugada/que curte varias
fitas, varias baladas/ele
gosta de viver, e via-
jar/sem medo de morrer,
sem medo de arriscar...”
323
Os salões de beleza 24
horas fazendo chapinhas,
aplicando luzes, unhas
vermelhas, unhas pos-
tiças, e a academia de
ginástica levantando bun-
das, que serão usadas
naquela mesma madruga.
324
Do Anagrama
de Lama
e de Outras
Almas
A romana escreveu. de
Paris, fina a ruiva. não
como a de Moravia, mo-
rena, mas na alma – esse
lindo anagrama de lama
– são duas putinhas
quase siamesas.
325
[quer conhecê-la, leia
mais bem abaixo, do dia
em que suas botas à
valentina pisaram ma-
chucando com jeitinho e
deixaram marcas roxas
nas minhas costelas...]
326
ra-choque mais óbvio,
melhor dos álibis antes
do meu próximo abismo.
327
De um Sábio
simples das
Antigas
V
“ ai, portanto, não hesi-
tes. Procura conquistar
todas as mulheres. Em
mil, haverá talvez uma
para te resistir. E quer
cedam, quer resistam,
todas gostam de ser
cortejadas. Mesmo se
fores derrotado, a der-
rota será sem perigo.
328
Mas por que serias
repelido, já que toda vo-
lúpia nova parece mais
gostosa e somos mais
seduzidos por aquilo
que não nos pertence? A
colheita é sempre mais
abundante no campo
alheio, e o rebanho do
vizinho tem as tetas
mais grossas. (Ovídio, A
arte de amar).
329
No que Concerne
a uma Valentina que
Pisou Machucando
com Jeitinho
330
que eu havia conhecido
dum simpósio da Unes-
co, cinco, seis anos atrás.
Quase a Adriana do ro-
mance de Moravia, de
tão puta, pois.
331
e ela chorando por nós
dois, italiana, caralho,
não suporto despedidas...
aquelas botas, tão Crepax,
tão Valentina, tão pendor
milanesa, e as nossas pho-
das em espanhol caricato,
tão gozadas e lindas, ono-
matopéias e babéis imper-
feitas...
332
fontanas, como pode que-
rer tanto um feio se és a
mais bela?, a mais bela de
todas???
333
amor a jato a atingir as
nuvens, o boeing, algo-
dão de céus, o calor das
despedidas que viram
chuvas...
334
Do que Restou na
Memória sobre a
Minha Adorável
Sexagenária
335
Nada pior do que tentar
se masturbar e não ter
novo enredo possível. A
morena, aquela bran-
quinha do elevador, a
jambo-girl, a saia xa-
drez de Denise Arco-
verde [parecia a da moça
do filme Blow Up], a
sabedoria de Ana Helena
tantas vezes alvejada.
Dalva, a cozinheira da
outra pensão da Bispo
Cardoso Ayres, donde to-
das anteriores geografia
336
da fome recifense. Os
peitos de Moema na pe-
ça-cabeça de Alberto, a
delicadeza de Laila, a
voz de aeroporto de Si-
mone, a musa de Casa
Caiada. Pau duro, pau
duro sempre, ainda o
Recife, hoje e sempre,
umbigo do mundo.
Desço para as proximi-
dades dos jardins, onde
dormem os tantos gatos
da pensão de dona Lam-
pa, Lampinha, Recife,
337
etoile, Recife. E bato le-
vemente na porta da mi-
nha adorável sexagená-
ria, eterno retorno. Que
me recebe como careço.
Nada pergunta, tão-
somente me acolhe no
seu colo quentinho. Sabe
que desabo. Nem desce a
mão até meu pau, como
sempre fazia. Adormeço
com seus cafunés.
338
339
De um Fragmento do
Cangaço Amoroso
340
Do Ensaio
de Amor em Aberto
ou da Borboleta
que Vira Haicai
de Tardezinha
amor na rede
gozo suspenso
entre paredes
341
No que Concerne ao
Vômito
da Amada
342
para que sua cabeça não
se choque contra qual-
quer superfície. Limpe-
a de forma generosa, in-
clusive com os lábios,
devote-se todo, nessas
horas é que se define se
você é apenas uma pobre
criaturinha asséptica ou
um homem.
343
No que diz
Respeito ao
Mundo Bíblico
e à Pedofilia
344
Do Cigarro Pós-
Coito e de Outras
Fumaças
Mesmo os não-fuman-
tes ou os que largaram o
vício parecem acender
voluptuosos cigarros de-
pois das phodas. A moça
sobre o peito, nós escre-
vemos na fumaça ima-
ginária os mais derrama-
dos versos de um devoto.
345
Da Leseira
Saudável
de um
Encontro
Vespertino
346
ria amorosa e dos sonhos
leves e reconfortantes.
No que Concerne à
Renúncia do Coito
em Nome da
Masturbação a Dois
U ns beijos lentos na
boca, carícias nas costas,
dengos, cafunés e afa-
gos... Os pés roçando lá
347
embaixo conversam, o
resto é silêncio e uma
vida que dispensa le-
gendas. Cabe ao man-
cebo iniciar o relato de
histórias reais ou ali in-
ventadas ao livre estilo.
Ela acompanha e tam-
bém narra experiências
incríveis. Os dois se
masturbam calmamen-
te. “Me beija”, pedem
quase em uníssono na
hora do gozo. Dormem
o sono dos justos.
348
349
Do Termo
Balzaquiana
e o Uso Adequado
nos Novos Tempos
350
De Como
Ajoelhar sobre
a Boca do Amado
ou da Amada
Em vez de deitar-se
aberta à espera da boca
redentora, aconselha mi-
nha musa Diphusa, re-
comenda-se que a fêmea
ajoelhe-se na boca do
mancebo ou da gazela,
posicionando bem a bu-
ceta, que será inteira-
351
mente chupada sem
pudor. O amigo – ou a
amiga – que sorve a
vulva não cansa jamais,
pois não carece mover a
cabeça, uma vez que a
ação se concentra na
boca! A fêmea, melhor
ainda, não precisa se
preocupar, a posição
referida permite que ela
controle todos os movi-
mentos e goze quantas
vezes quiser!
352
Da Morena Jambo-
Girl que tinha
Cheiro de Maré
353
354
Do
Conhecimento
das Imagens do
Escriba Lobo
Antunes
355
De como Ler
no Corpo das
Mulheres as Marcas
Deixadas Pelos
Lençóis
356
estrada longa aqui, um
abismo acolá, perigo,
curvas sinuosas, as mar-
quinhas... sejam de lu-
xuosos três mil fios se-
jam de lãs de cobertores
Paraíba.
357
Da Convicção
de um Corpo que
Cai por Amor
Orai Por Nobis
358
De uma
Delicadeza que
Aprendemos com
o Chuveirinho
do Banheiro
S e pudermos, num
determinado momento
da devoção oral, usar a
língua como jatinhos
de água que morrem
mansamente sobre o
clitóris...
359
Das Cores da
Paisagem que mais
Amamos Ver com
os Olhos Colados
e Bem Abertos
360
za. Depois de tanta mes-
tiçagem, a cromoterapia
já mudou tanto, a paisa-
gem que mais amamos
já é outra.
361
Da Beleza sem Igual
das Saboneteiras
D as lições de anatomia,
essa é uma das mais be-
las. Aqueles ossinhos
prontos a receber, como
recitaria Manuel Ban-
deira, sabonetes Araxás.
As lindas moças dos sa-
bonetes Araxás. Ali
guardamos também nos-
sos desejos ensaboados,
aqueles desejos que
362
ainda carecem da mí-
nima convicção, mas logo
logo nos põem caídos aos
vossos pés, devidamente
abaixados.
363
Do Soneto do
Velho Escandaloso
(Bocage)
T u, oh demente
velho descarado,
Escândalo do sexo
masculino,
Que por alta justiça
do Destino
Tens o impotente
membro decepado:
364
Sofres d’ímpia paixão
ardor maligno,
E a consorte gentil, de
que és indigno,
Entregas a infrutífero
castrado:
Em castigo do vício,
que te arrasta,
365
Saiba a ínclita Lísia, e
todo o mundo
Que és vil por gênio,
que és cabrão, e basta.
366
Da Nova Cartilha
de Alfabetização
ou Química a
Serviço da Vida
367
Da Arte de
Espremer Cravos
e Espinhas
368
suficiente para gritaria e
espirros tantos da nossa
parte.
Reclamávamos nesse mo-
mento, éramos chamados
de frouxos. Inevitáveis
comparações com a dor
do parto e outras dores
femininas ecoavam no ar
nessa hora solene. E
quando elas escolhiam
justo a hora do futebol, o
ataque do time do
coração...
Hoje, quando estão pra-
369
ticamente extintas as
mulheres da brigada con-
tra cravos e espinhas (co-
nheço apenas um exem-
plar, uma descendente
de Iracema que habita a
margem esquerda do
Capibaribe, no Recife),
sentimos a perda, uma
vez que nunca domina-
mos muito bem essa arte.
Nem mesmo na ado-
lescência, quando nos
transformamos em ver-
dadeiros e monstruosos
370
Mr. Hydes – culpa, óbvio,
do glorioso vício solitário,
que além das espinhas
ainda nos pregava pêlos
na palma da mão.
Como não acreditamos
nos milagrosos cremi-
nhos usados pelos me-
trossexuais – esse novo
tipo de homem moder-
no gerado da costela de
David Beckham – prefe-
rimos incentivar o res-
gate da prática feminina
de tirar cravos e espi-
371
nhas, essa bela e útil ma-
nia praticamente extinta
nos dias que correm.
Vez por outra ainda da-
mos a sorte de avistar,
em alguma parada de
ônibus, uma volunta-
riosa senhora ou senho-
rita a espremer o rosto
de um camarada. Sem-
pre uma bela cena pro-
duzida pelos suburbanos
corações.
Não tem a menor graça,
nesse mundo tão im-
372
becilmente profissiona-
lizado, a limpeza de pele
dos salões de beleza. Seu
rosto ali entregue a
amistosas funcionárias
sem nenhuma intimida-
de, mulheres que nunca
ouviram os nossos ron-
cos de noite na cama. É o
tipo de serviço que exige
histórico de intimida-
des. Tal arte carece de
pelo menos um mês de
namoro ou acasalamento.
Não é tarefa para qual-
373
quer uma. É tão delicado
quanto tirar a roupa pe-
la primeira vez na frente
de outrem – e, pensando
bem, uma reveladora
prova de devoção.
A menos que seja uma
perversa incatalogável,
uma gazela não esca-
rafuncha suas crateras à
toa. Quando ela posi-
ciona aqueles dois in-
dicadores sobre a sua bí-
blica face, parece aceitar
a convivência harmo-
374
niosa até com as nossas
mais indignas impure-
zas. É provação. Coisa
boa demais para a
leseira das belas tardes
de domingo.
375
De um Haicai
Surgido de Queixa
Ouvida na Porta
do Banheiro
Feminino*
376
No que Explicamos a
Origem de
“Como uma Deusa”
377
Da Pequena
Morte provocada
por uma Lady
Scarpin
A pequena má só usa
scarpin. E diz: “Só faço
o que eu quero”. Pisa
com o seu elegante
scarpin na costela de
onde veio. Afasta de
lado um pouquinho a
calcinha e mija nos
óculos esverdeados e
378
gigantes do sr. que admira
seus pés. “Só faço o que
eu quero.” Ela se vê,
sádica e orgulhosa, no
espelho do quarto do
motel de beira de es-
trada, meio do cami-
nho entre eles dois. Por
uma brecha da janela
quebra um coraçãozi-
nho vagabundo de
néon, dá mais um gole
na boca da garrafa de
conhaque e desce lin-
damente com a buceta
379
sobre a face do velho
safado, de modo a por
instantes matá-lo.
380
No que Concerne
a um Gracioso
Diálogo com uma
Aprendiz de Devassa
V
– ocê cospe ou engole?
– Eu só não engulo de-
saforo, o resto é manjar
dos deuses!
381
382
Da verdadeira Troca
de Guarda
no Trono de São
Pedro
383
homem que tem nome de
regra, desregrado será,
pensou; que, agraciado
por visita dos pastores
de Fátima, recordou a
era prisca em que torava
germanas cabritas; que,
envolvido na prosódia
do jornalista que entra
nas letras de vestais feito
cão a peidar em ca-
tedrais, botou pilha na
pilhagem de pilhérias;
que, em busca da buça
perdida pelas saias do
384
Vaticano, benzeu este
livrim e resolveu descer
às ruas pra sacar o berço
da estética da sample-
agem; que deu de andar
com ele lapelado pelas
esquinas de Roma, à
paisana, catando pu-
tanas – e viu que era
bom; que, Cialis nas
idéias, passa por velho
mafioso com vago sota-
que tedesco; que, trôpego
e atraiçoado, vive escu-
lhambando o vício soli-
385
tário e embutindo nos
sermões serões de Khay-
yam, Gainsbourg, Miller,
Sade & Gregório; que,
sodomizado e aluado
por esse moderno Cân-
tico dos Cânticos, o velho
Ratzinger, Mr. Hyde de
Bentinho, enfia o pé na
jaca e descasca o inhame
toda noite entornando
os espíritos da Giulietta
– pois que se ore é com a
vara, comunhão na
petite mort: a buceta é a
386
única Pedra da Roseta, a
verdadeira sintaxe de
um santo homem–; que,
entre excomungar o
bardo do Crato e cair
nas graças das romanas
grutas, fez de Sá seu
regra-três, encomendou
uma falsa morte, gan-
daiou no domingo, traiu
o terço três vezes após o
galo e descansou; que,
conclave posto, fumaça
verde subiu e quem pro-
vou viu que era dubom;
387
que a Santa Madre
Igreja tornasse Fran-
ciscus Reginaldus Pri-
meiro, egresso de Reci-
fílis, Pernambuco, o pa-
pa pop da putaria, e,
mundo às avessas, aos
meia-noves, Roma em
Amor, Ide, fodei, irmãs &
irmãos, assim coman-
dasse a rima o novo her-
deiro de Pedro; que, en-
tre contos de vigários e
poemas de pecadores,
nós leitores só possamos
388
aprender com esse cate-
cismo, a cada salmo ris-
car o pêlo-sinal e louvar
a pornografia que nos
salva e nos aproxima do
Não-Dito: amém.
389
“Se Deus está morto,
tudo é permitido.”
Fiodor Dostoievski
© 2005 by Xico Sá
© 2005 by
Editora Clara Ltda
ISBN 85-99307-02-9
2005
Dados Internacionais de Catalogação
na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Sá, Xico
Catecismo de devoções,
intimidades e pornografias /
Xico Sá -- São Paulo : Editora do
Bispo, 2005.
ISBN 85-99307-02-9
1.Crônicas brasileiras
2. Erotismo 3. Hedonismo
4. Pornografia 5. Prazer
6. Sexo.
I. Título.
05-8251 CDD-869.93
Revisão de texto
Elisabete Abreu
Diagramação
2º Edição
GFK Comunicação
Todos os direitos estão liberados
para reprodução não comercial.
Qualquer parte desta obra pode ser
utilizada ou reproduzida em qual-
quer meio ou forma, seja mecânico
ou eletrônico, fotocópia, gravação
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cada em sistema de banco de dados,
desde que não tenha objetivo
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2006
7ª reimpressão
9.603 exemplares vendidos
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