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JOSEF FUCHS

EXISTE
UMA MORAL CRISTÃ?
EDIÇÕES PAULINAS
Tradução dos textos originais alemães, latinos e italianos, por: Luís João
Gaio e Clemente Raphael Mahl
Nihil obstat: Pe. P. Pazzaglini, ssp: — São Paulo, 3-11-1972
Imprimatur: f Benedito de U. Vieira, vig. ger. — São Paulo, 6-11-1972

© 1972 BY EDIÇÕES PAULINAS - SÃO PAULO


capítulo terceiro

TEOLOGIA MORAL E DOGMÁTICA1

Um moralista expressou recentemente o desejo de


apresentar a sua disciplina, ao menos a moral funda-
mental, como tratado dogmático. Um dogmático pre-
tendeu, ao contrário, que os temas fundamentais da
teologia moral devam ser reservados à dogmática. Atrás
das duas tendências está a idéia comum que a teologia
moral, ao menos em seu núcleo, é um dos muitos pos-
síveis tratados da dogmática. Nestas tendências se ex- '
prime a tentativa radical de reagir contra a muitas vezes
deplorada separação das duas disciplinas, que nos sé-
culos passados estavam reunidas numa só. Entretanto,
ninguém pensa em reunir numa só disciplina a teologia '

1 No que diz respeito à relação entre teologia moral e dogmática,

cf. PH. DELHAYE, Dogme et morale, in: Problemi scelti di teologia con-
temporânea, Roma 1954, 27-39; K. RAHNER, Dogmatik, in: Lexikon fur
íheologk und Kirche ( = LTHK) III, Freiburg i. Br. 1959, 446-448;
J . RIEF, Zum theologischen Charakter der Moraltheologie, in: Theologie
im Wandei (Festschrift der kath.-theol. Fakultát an der Universitât Tii-
bingen 1817-1967), Munchen 1967, 518-542.
K. RAHNER escreve no artigo citado: "Sua natureza (da dogmática)
pode ser, antes de mais nada, determinada simplesmeiTte~rfizèrido que é
a ciência teológica do dogma. Nestesentido ela terá como obieto a
inteira_resielaçãa_crÍ5iã, portanto, também" aqueles dogmas que_cçmstúueja
o conteúdo da jlntfíral". Na antiguidade e na Idade Média havia apenas
uma ciência teológica (mesmo se não era chamada "dogmática") que tra-
tava dos dogmas "teoréticos" e daqueles "práticos"; esta _trata_ efetiva-
mente ainda hoje, na sua antropologia dogmática, todos os temas essenciais
de uma teologia moral, assim como resultam imediatamente da palavra
136 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

moral e a dogmática. A própria precisão de especia-


lização nos diversos âmbitos científicos, hoje tão neces-
sária, não o permitiria. Mas a especialização não é o
único motivo a favor de uma permanência da separação.
De certo modo sempre existiu uma disciplina teológico-
-moral própria, distinta da dogmática — como hoje a
chamamos. Também nos tempos das grandes sumas
teológicas, que eram uma unidade indivisível da dog-
mática e teologia moral, existiam Sumas "práticas", que
não eram somente obras de consulta prática, mas tam-
bém manuais de teologia moral prática. Uma coisa é
clara: seja qual for a maneira de compreender e deli-
mitar a teologia moral, a dogmática, como ilustração
sistemática do depósito da fé cristã, será sempre de
grande importância para a teologia moral. E torna-se
clara assim a intenção destas nossas reflexões sobre
"teologia moral e dogmática". Queremos focalizar sua
relação. No nível científico-teórico, estas constituem
uma só disciplina; esta é a tese de fundo. Porém, na
medida em que são tratadas por motivos práticos como
duas disciplinas particulares, é legítimo falar do signi-
ficado da dogmática para a teologia moral.
Queremos ventilar o tema sob três pontos de vista:

de Deus (fim sobrenatural, pecado, ser em Cristo, justificação, virtudes


teologais, sacramentos etc.) e deixa ainda hoje em grande parte à . teologia
moral somente a avaliação.Jiaia concreta dos fundamentos teológicos do
agir cristão "3o íõmem, levantados pela própria dogmática, que analisa
as estruturas_£saenciais da existência cristã, onde ja se encontram pre-
sentes também as míximãs dõ agir m o r a l . . . Na relação entre teologia
moral e dogmática, pode-se somente tratar de uma divisão de trabalho
totalmente exterior-técnica (embora não sem perigos) no âmbito duma
ciência estritamente única, sendo que a teologia moral permanece funda-
mentalmente uma parte do núcleo centráT"3ãaêricia da fé, que nós hoje
chamamos dogmática; ou então, a teologia moral é compreendida como
ciência prática da aplicação e da avaliação da conclusão dogmática acerca
da moralidade sobrenatural mediante o auxílio de ciências extrateológicas
(psicologia, ética etc.) e da experiência profana; ou então, esta é um
meio-termo entre as duas possibilidades. De qualquer forma, não é neces-
sário delimitar a dogmática, num plano científico-teórico, a uma só parte
dos dogmas".
137 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

1. Teologia moral como teologia dogmática: é demons-


trado como a teologia moral é teologia no mesmo sen-
tido que a teologia dogmática, como teologia moral e
dogmática são num plano científico-teórico uma só disci-
plina . 2 . Dogmática teológico-moral ou teologia moral-
-dogmática? Demonstra-se como temas teológico-mo-
rais fundamentais podem ser considerados tanto co-
mo dogmáticos quanto como teológico-morais. 3. Duas
disciplinas complementares. Colocada a premissa de
uma divisão em duas disciplinas, estas têm um signifi-
cado recíproco; teremos aqui particularmente presente
o significado da dogmática para a teologia moral.
1.

T E O L O G I A MORAL
COMO T E O L O G I A DOGMATICA

Não se pode somente tratar a teologia moral e dog-


mática como uma só teologia cristã — no sentido da
dogmática — , mas isto também já foi feito. A dogmá-
tica não tem motivos constringentes para excluir de
seu estudo aquele setor da fé que se refere à parte
mais prática da vida cristã. Isto, porém, só é verda-
deiro sob a condição de que os problemas teológico-
-morais sejam vistos e tratados em sua profundidade e
plenitude teológica. Procuraremos diversos ângulos de
visão sobre o tema "Teologia moral como teologia dog-
mática": 1. De fide et moribus; 2. Dogmática como
antropologia cristã: indicativo e imperativo; 3. Teologia
moral como dogmática "desenvolvida"; 4. A proprie-
dade "dogmática" e o método da teologia moral.

1. "De fide et moribus"

A teologia e o magistério se consideram compe-


tentes em questões de fide et moribus2. Sem indagar
quando e onde se deva fixar o ponto de partida desta
2 Cf. M. BÉVENOT, "Faith and Morais" in the Council of Trent and

Vatican I, in: "The Heythrop Journal" 3 (1962) 15-30.


140 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

fórmula, podemos supor que se trata aqui de certo


paralelo com a distinção entre dogmática e teologia mo-
ral. Certamente, é necessário supor que os mores não
significam^ simplesmente ou exclusivamente o conteúdo
da lei moral de natureza, mas antes o comportamento
moral segundo a revelação e a fé; de qualquer forma,
não se deveria excluir, mas antes incluir na compreensão
o conteúdo da lei moral natural, ao menos em seus prin-
cípios fundamentais; e estes deveriam até mesmo ser
compreendidos como contidos na revelação 3. O suposto
paralelo significaria que a dogmática tem por obieto a
doutrina da fé (de fide) e a teologia moral a doutrina
da moralidade {de tnoribus): a doutrina da fé trata
daquilo que é verdadeiro segundo a revelação j e deve
ser aceito na fé; a doutrina da moralidade trata daquilo
que é realizado na vida moral do cristão. A doutrina^
da fé se refere aos credenda, a doutrina da moralidade
aos agenda. Mas, pode-se quebrar desta maneira o ensi-
namento cristão? Se existe uma doutrina sobre o agir
cristão, não entra também esta doutrina, ao menos no
seu dado de fundo, na doutrina da fé {de fide)} Afinal,
aquilo que constituí o agir e o viver cristão apreende-se
fundamentalmente da revelação e da fé; também os agen-
da podem fazer parte"dós credenda^Com outras palavras:
dos credenda não podem fazer parte somente as ver-
dades sobre os jacta, mas também aquelas sobre__£is
agenda. E a coisa pode_.ser também igualmente ínvpr-
tídãT~É certo que não devemos "viver" a própria Trin-
dade, Cristo ou o Corpo eucarístico de Cristo; mas não

3 Tenha-se presente que a possibilidade física do conhecimento na-

tural de Deus como origem e fim, afirmada pelo concílio Vaticano I, por
explícita declaração do relator Gasser, significa também a possibilidade
do conhecimento natural dos princípios fundamentais da lei moral natural
(Collectio Lac. 7,133). Mas Deus como origem e fim, segundo o mesmo
concílio, não é só objeto de um possível conhecimento natural, mas tam-
bém objeto da revelação (DS 3004 e 3005).
141 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

devemos esquecer que estas "verdades" ou "-fatos" não


nos foram revelados por si mesmos, mas por causa de
nossa relação com as realidades nestes expressas. E en-
tão pode-se afirmar: nossa permanência diante da Trin-
dade, a nossa vocação em Cristo e a nossa incorporação
sacramental, ne_le_não-são apenas-XzeAenda. mas também
agènc[a. Assim, à fé não pertencem somente os Jatos^e
os mores não são somente agenda. Uma_clara_ distinção
entre dogmática e teologia moral não é possível num
plano científico-teórico.

2. Dogmática como antropologia cristã-,


indicativo e imperativo

A dogmática é teologia, doutrina de Deus e de


sua autocomunicação histórica. Esta, .procura.. sistemati-
camente e com os meios da ciência humana aprofundar
a reaUdaHêe o agir de Deus segundo esta ,Wa autoço-
munTcação na palavra revelada. A dogmática como teo-
logia pergunta: Q u e coisa é Deus e o seu amor para
comTcT homem, que coisa é a Trindade e a unidade de
Deus e a sua relação com o sentido da vida e a história
da salvação do homem, que coisa é a encarnação de
Deus e a sua obra de redenção, que coisa jé_a ação de
Deus na fé, no sacramento e na Igreja,'~~~é o que é a
relação eterna de Deus conosco?
Estas perguntas demonstram que se pode e se deve
também compreender a dogmática como antropologia
cristã \ isto é, como revelação de Deus na medida em
que realiza a nossa salvação, e portanto, como revelação
da nossa salvação operada por Deus. Tratasse, pois, do
homem e _ de sua salvação, que somente Deus opera, e
4 Cf. K. RAHNER, Theologie und Anthropologie, in: Schriften zur
Theologie V I I I , Einsiedeln 1967, 43-65, sobretudo 51. Trad. bras., Ed.
Paulinas, 1969.
142 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

que é também e ao mesmo tempo vida pessoal do pró-


prio homem. A Deus não interessa tanto, na sua reve-
lação, uma autocomunicação — com a finalidade da
qual tomamos conhecimento teoricamente — como tal,
mas antes a realização da nossa salvação que consiste
numa relação íntima entre ele e nós. A realidade divina,
que se manifesta na revelação operadora da salvação,
é Um existencial do homem: este vive diante do Deus
U n o " é Trino, vive com Cristo como Homem-Deus e
Redentor, circundado e permeado da sua ação de sal-
vação, tendo como fim o cumprimento do eschaton já
presente. Tudo isto é o homem; a dogmática _é neste
sentido antropologia teológica.

Mas a realidade humano-cristã, enquanto criatural,


não é somente dom e graça^mas também a exigência
dirigida^ó Tiõínem'pãrg L _qug J j e aceite em toda a sua
realidade e para que se realize na liberdade. A antro-
pologia^teológicã~é necessariamente e inseparavH" 1 ^"^
uma doutrina do "ser e do dever do homem cristão —
uma única teologia ou dogmática. Mas se se quiser dis-
tinguir dogmática e moral, não se poderá tratar de uma
distinção clara e precisa, como se a dogmática se orien-
tasse exclusivamente para o ser cristão e a moral exclu-
sivamente para o dever cristão. Deve-se, além disso ter
presente que a _dogm ática deve tornar-se a moral do
homem cristão 5 , e que a teologia moral não é outra
coisa senão a antropologia teológica traduzida do indi-
cativo ao imperativo 6 . Mas o imperativo é igualmente
antropologia, teológica quanto o indicativo, faz parte da
única teologia da realidade do cristão, que é ao mesmo
tempo indicativo e imperativo, isto é, no sentido de

3 Assim K. RAHNER, Dogmatik, in L T H K I I I , Freiburg i. Br. 1959,


452.
6 B. SCHULLER Gesetx und Freiheit; Eine moraltheologie JJnter-
suchung, Diisseldorf 1966, 46.
143 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

que o indicativo e o imperativo se implicam mutua-


mente e somente nesta mútua implicação podem ser
compreendidos plenamente.

3. Teologia moral como dogmática


"desenvolvida"

Não somente a perspectiva da dogmática para a


teologia moral, mas também a perspectiva da teologia
moral para a dogmática revela sua íntima união e uni-
dade. O próprio fenómeno da moralidade como tal não
pode ser explicado de modo adequado sem dogmática
teológica. O fato moral é um fenómeno primitivo, expe-
rimentado originariamente pelo homem singular. Sem
esta experiência, ninguém pode compreender conceitos
morais, nem aqueles duma ética natural, nem aqueles
da palavra revelada, como_ morais. É a experíencía de
uma tendência e de uma Qjjentação interior a um abso-
luto, que se manifesta como dictamen conscientiee. À
teologia moral não pode bastar esta explicação. Real-
mente, estar diante do absoluto — na consciência é no
fundo um éstaFcliante de" Deus, isto é, diante do Deus
Uno e Trino,"diante do Pai,"que nos chama à salvação
mediante Cristo no Espírito Santo. E dado que o ho-
mem adn1to__sempte deu uma resposta s este chama-
mento — aceitação ou recusa do chamamento à salvação
em Cristo — , a experiência da moralidade, a experiên-
cia da consciênciajsriste sempre apenas como experiência
"cristã". Fundamentalmente não é outra coisa senão j t
atuação pessoal de fé e sua extensão moral. Devemos
aqui ter presente que tanto a atuação de fé como a expe-
riência do fato moral verificam-se fundamentalmente de
maneira aconceptual e atemática. (Prescindimos aqui do
desenvolvimento da problemática sobre a possibilidade
duma atuação de fé e duma experiência moral sobrena-
144 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

tural sem o encontro da palavra da revelação. Deixemos


também de lado o problema sobre o modo como são
"cristãos" os atos morais não em sentido autêntico e
pleno, mas somente análogo, isto é, os atos "leves" —
seja do adulto, seja daquele que ainda não o é ) . Se a
verdadeira moralidade é, pois^uma extensão da atuaçao
da té, somente pode ser compreendida na sua autenti-
cidade numa luz teológicõ-dogmática. Também ,a tenta-
tiva^ de concretizar a decisão fundamental em realizações
categoriais di - sItúãçõésTiumãnãs - ^ sob
o dinamismo da "atúação "pessoal da feT O esforço _para
encontrar normas morais para o agir categorial é a ten-
tatrva do fiel de descobrir modos de comportamento
humano — correspondentes â experiência cristã de fé
e~~de" conhecimento — , que sejam imperativos corres-
pondentes aos indicativos da antropologia cristã.
Portanto, não seria de todo exato — em sentido
\!/ teológico — falar de uma ética "pressuposta", isto é,
de uma ética "natural" sempre presente ou filosófica,
que é depois sucessivamente integrada do ponto de vista
teológico, elaborada e, por fim, de certo modo adequa-
damente interpretada. Se a teologia tenta ilustrar a ação
/ salvífica de Deus revelada, esta tentativa não pode ter
êxito sem um esforço filosófico — e isto sobretudo por-
que a salvação cristã não se_ realiza era abstrato, mas
num, homem criatural. Por isso, a -açãqjafvífica deJDgjis
revelada não pode" ser compreendida sem uma reflexão
filosófica justamente sobrg_^te_Jiomém cmtuHI. í s t e
filosofar verificã-se, pois, no âmbito da teologia, que
procura chegar à compreensão do acontecimento da sal-
vação do homem 7. Assim fica indicada também a posição

7 B. WELTE, Heilsverstàndtiis. Philosophiscbe Untersuchung eitiiger


Voraussetzungen zum Verstàndnis des Christentums, Freibutg i. Br. 1966,
47: "Com uma palavra, a filosofia em si nunca é teologia. Mas a inclusão
na ciência sagrada é inevitavelmente teológica. Não porque os seus termos
145 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

ética (como filosófico-"natural") com relação à teologia


moral; esta não se coloca simplesmente antes ou ao lado
da teologia moral, mas se realiza no interior da mesma.
Teologia moral como antropologia teológica — sobre
a moralidade do cristão — não é possível sem reflexão
ético-filosófica. Sem uma compreensão "natural" e filo-
sófica daquilo que é lei moral, ligame moral, ato pessoal
etc., não se pode desenvolver uma teologia moral como
ciência8. Mas, entenda-se bem: a reflexão ética se rea-
liza no interior da teologia moral (como teologia) —
como a tentativa de compreender a salvação que nos
foi revelada e dada, a salvação que como tal é aceita e
vivida pessoalmente. Todavia, desta ética não faz parte
somente a compreensão formal do fato moral, mas tam-
bém a normação de um comportamento moral concreto.
" A maior parte das normações morais materiais não é,
porém, desenvolvida pela Igreja (o Autor: e nem pela
teologia) na base de sua substância cristã, mas cresce
pela reflexão racional sobre o homem e sobre suas co-
munidades, assim como das experiências boas e más
que se seguem a este comportamento, e é respeitada pelo
cristão e pelo p a g ã o " A s normas da lei moral natural,
ilustradas filosoficamente, são procuradas na teologia
moral como modos da extensão moral da atuação de fé

de conhecimento sejam agora absorvidos pela fé, mas porque a revelação


— compreendida como revelação — exige que se subordine a ciência à
fé e ambas sejam unidas na procura da salvação".
8 Cf. B. SCHULLER, Zur theologischen Disckussion iiber die lex na-
turalis, in: "Theologie und Philosophie" 41 (1965) 481-503, sobretudo
492-500.
9 A. AUER, Auf dem Wege zu einer Theologie der Arbeit, in: Theo-
logie im Wandei, Miinchen 1967, 564. Assim também J . RIEF, Zum
theologieschen Charakter der Moraltheologie, in: Theologie im W andei,
Miinchen 1967, 539. B. SCHULLER, Zur theologischen diskussion iiber
die lex naturalis (cf. nota 8). Cf., a propósito, H. CONZELMANN, Grun-
driss der Theologie des Neuen Testaments, Miinchen 1967, 111: "Não se
desenvolve aqui uma nova moral, mas se ensina o que é moral. E sobre
a questão de se saber que coisa seja a moral, não existem dúvidas.
Segundo Rom 2 sabem-no tanto os pagãos, quanto os hebreus".

10-Existe uma moral cristã?


146 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

com referência à realidade do homem criatural, o qual,


segundo a palavra revelada, é destinado em Cristo à
salvação e vive na realidade desta salvação.
A teologia moral se apresenta, pois, também na
sua reflexão ético-filosófica, como uma teologia, que no
fundo é do mesmo gênero__da dogmática, ^ " quisermos
distinguir dogmatlca e teologia moral^ não podemos es-
tabelecer somente a importância da dogmática para a
teologia moral, mas também o contrário: a'teologia
moral auxilia o esforço teológico da dogmática, na me-
d i d a - ^ que desenvolve ulteriormente as bases e o
ponto de partida à luz da assimilação pessoal, da en-
carnação e da realização concreta da salvação na vida
cristã.

4. A propriedade "dogmática" e o método


da teologia moral

Depois de tudo o que se disse, fica claro que a


propriedade e o método_cla teologia moral são funda-
mentalmente iguais àqueles da ^dogmática. Queremos
ilustrãFIstcTcõm "dois elementos típicos.
Antes de mais nada, as afirmações fundamentais
da teologia moral devem ser compreendidas, ao mesmo
tempo — como^aquelas da~Hõgmática — como asserções
antropológicas essenciais e como asserções de um evento
da história salvífica. Por força da palavra revelada e de
sua compreensão científica, a teologia moral deve fazer
asserções antropológicas essenciais: sobre a essência da
moralidade, sobre a atuação moral, sobre a lei moral,
sobre as normas formais e materiais da vida moral.
Mas em todas estas asserções essenciais, também quando
se fala do homem criatural com a sua lei moral, com
os seus imperativos morais, com as suas relações com
Deus, com o próximo e com a sociedade humana, a
147 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

teologia moral permanece cônscia de que estas asserções


essenciais somente podem ter o seu pleno significado
numa concepção da história salvífica, enquanto que como
tais permanecem in abstracto. Assim é que não se acres-
centa em cada asserção essencial que esta, quanto à sua
substância, só pode ser compreendida cristologicamente
e num plano de história salvíHca; mas isto deverá ser
diro em alguma parte em linha de princípio e disto de-
ver-se-á ter sempre consciência. E não só isto; é ne-
cessário também ter presente e dizer que determinadas
asserções essenciais sobre o homem dcTlíõsso~or3ena-
mento de salvação podem ser compreendidas exclusiva-
mente no sentido da história salvífica. Por exemplo,
somente numa perspectiva de história salvífica a teo-
logia moral poderá explicar o significado da lei moral
para o homem como pecador e como justificado. Da
mesma forma, o sentido pleno da castidade e da luxúria
somente poderá ser exposto numa visão de história sal-
vífica; confrontem-se as afirmações de Paulo sobre a
luxúria dos cristãos (ICor 6,12-20).
Em segundo lugar, a teologia moral — assim como
a dogmática — é, em seu método, positiva e especula-
tiva^ao mesmoJ:empo. Como^iênciapositiva, esta in-
-J te_rroga_a__Escritura, fundando-se^sõbre a "exegese, para
' tirar dãíPos~~tèmas fundamentais de uma antropologia
cristã sob o aspecto moral, assim como afirmações sin-
gulares^)Volta-se também para a tradição da fé e do
ensinamento e ao magistério eclesiástico, para estar em
condições — com uma exata reflexão teológica sobre
o conteúdo e sobre o alcance teológico das afirmações
encontradas — de chegar às respectivas conclusões.
J L j Como ciência especulativa, a teologia moral — assim
y como a dogmaíica — náo cria para si um separado (an-
terior ou contíguo) edifício Tilosofíco, mas procura pe-
netrar com a compreensão, isto é, especulativamente.
148 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

verdades__de_orden^positiva1 E aqui é-lhe confiado so-


bretudo o encargo de interrogar os indicativos em or-
dem ã" imperativos nestes~virtualmente presentes. Além
disto, não deveria cair fora da teologia moral como teo-
logia a tentativa de concretizar as suas conclusões de
antropologia cristã, mesmo se esta tentativa tiver que
ser realizada no quadro da lei moral natural e tendo
presentes os resultados "profanos" de tipo psicológico,
sociológico etc.
2.

DOGMÁTICA TEOLÓGICO-MORAL
OU TEOLOGIA DOGMÁTICA?

As reflexões precedentes sobre a "Teologia moral


como teologia dogmática" mostram a unidade científi-
co-teórica da teologia moral e dogmática. Se pressupor-
mos agora o fato da separação das duas disciplinas
como adquirido e plausível, então se levanta para a
teologia moral não somente o problema do significado
e da importância da dogmática para a moral compreen-
dida como disciplina especial, problema que deverá ser
ainda retomado (cf. I I I ) . Manifesta-se também sobre-
tudo a possibilidade de que a tratação de um determi-
nado tema possa ser considerada tanto como teologia
moral (teologia moral dogmática), quanto como teolo-
gia dogmática (dogmática teológico-moral). Onde esta
permuta não parece possível, pode ser que isto seja de-
vido ao fato de que a teologia moral não tratou de ma-
neira exauriente o seu tema talvez porque quis deixar
esta tratação à dogmática. No sentido do problema
"Dogmática teológico-moral ou teologia moral-dogmá-
tica?" acrescentamos aqui algumas observações: 1. sobre
a dogmática da moralidade transcendente e 2. sobre a
dogmática da moralidade categorial.
150 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

1. A dogmática da moralidade
transcendental

A teoria moral, que se isola consciente e volunta-


riamente dalíõgmática, corre o perigo rle perder de vista
aquilo que é autêntico_£_decisivo. Historicamente pode-
se constatar que lá onde a moral se torna demasiada-
mente autónoma, acaba por voltar-se com demasiada
unilateralidade para o ato moral como um ato singular.
E então está condenada a refletir com demasiada Tãci-
lidade, de maneira mais ou menos exclusiva sobre a
sua propriedade categorial. Terá_jnenos presente que
no ato tem IugaF a auto-atuação da pessoa e que esta
atuação de si é sobrenatural^cristã. E, no entanto, nestes
dois elementos está o momento mais profundo da mo-
ralidade cristã, que em última análise somente pode ser
compreendida num plano "dogmático-moral-teológico".
Isto não diz respeito, porém, à diversidade e à particu-
laridade categorial das diversas virtudes e de seus atos,
isto é, à moralidade no sentido de um correto compor-
tamento categorial. Afinal, auto-atuação da pessoa, pre-
sente nos atos categoriais, é na sua relação sobrenatural-
-cristã com Deus uma realidade transcendental, isto é,
transcende todas as categorias do comportamento moral.
Ora, é coisa sabida desde sempre, também na teologia
moral, que atrás do problema categorial daquilo que é
justo e injusto, casto ou não casto, está um problema
mais profundo, e é o problema de se saber se nas res-
pectivas ãçoes o próprio homem é bom ou mau, se se
orienta para Deus ou se dele se afasta, se vive com fé
e amor ou se se recusa a istoPlêvãfrtou-se também o
problema conexo de saber como os atos morais cate-
goriais podem ser em sentido estrito sobrenaturais e
meritórios. De outra parte, estas questões foram trata-
151 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

das mais como questões dogmáticas e, por isso, foram


menos tratadas na teologia moral. Além disso, o con-
ceito de "transcendentalidade" no viver cristão só re-
centemente teve uma importância maior na teologia,
mesmo se esta importância foi acentuada ainda na dog-
mática.
O caráter absoluto das particulares exigências mo-
rais é expressão do condicionamento do homem como
tal em relação ao Deus absoluto. A atuação moral de
uma ação singular qualifica todo o homem, na medida
em que ele como sujeito desta ação atua a si mesmo
como pessoa e, portanto, se aceita ou não se aceita no
seu condicionamento. Através da^ação^ moraLsingular
a pessoa humana passa da^sua chamada para decidin-se
em liberdade para « nia rWi^ão pm lihprrlarlp A_airtQ^
atuação na liberdade verifica-se. através da escolha de
uma ação categorial. Foi bom que se tenha chamado a
atenção sobre o fato de que homem atua a sua TiEêr-
dade pessoaT no cumprimento de um ato categorial pro-
priamente no sentido duma liberdadeTcíe escolha, en-
quanfcTque a atua como liberdade fundamental na atua-
ção de si contida no cumprimento do ato. Para uma
compreensão deste procedimento, foi significativo —
para além das distinções passadas entre intenção atual,
virtual e habitual — que se elaborasse sempre mais a
distinção entre diversos modos e estrados de consciência
(como conhecimento e como consciência verdadeira e
própria) da parte da antropologia filosófica e teológica.
Tornou-se claro, assim, que o cumprimento do ato cate^
gorial ÇQP~"~> TAL — no âmbito de uma liberdade de esco-
lha — está fundamentalmente ligado à consciência ca-
tegorial eT temática, enquanto a atuação de si (exata-
mente através deste ato) — nolirnBTto de uma liber-
dade fundamental transcendental — entra na conRf*iên-
152 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

cia transcendental e atemática, permanecendo, ao con-


trario, Techada a uma reflexão temática adequada.
Tendo presente que o absoluto apelo ao homem
da parte de Deus é sempre efetivamente real na forma
de um chamamento da graça a salvação ná~ comunhão
com Deus Uno e Trino, pode-se concluir: Q_elemento
decisivo da moralidade consiste na livre aceitação de si
como um chamamento do Dgus da nossa salvação. Os
atos morais categoriais sacT~êxpressão da_aceitação Ho
cEãmãmento dê~salvaçaõ~ dã~pãrte de Deus. Esta acei-
taçaõ se realiza como Tivre autodisposição da inteira
pessoa numa liberdade fundamental transcendental —
no âmbito da consciência não-categorial. E porque esta
mesma é uma atuação não categorial, réaliza-se em qual-
quer ato moral categoriaT. E porque ainda toda a ver-
dadeTrá moralidade significa ligame e dêdicação"abso-
luta, não existe uma autêntica moralidade de tipo cate-
gorial na vida cotidiana, na qual não esteja presente a
aceitação livre do chamamento salvífico de Deus, e,
por isso, a livre autodisposição da pessoa para com o
Deus que chama.
Uma verdadeira moralidade como ligame ao abso-
luto no cumprimento de uma exigência concreta contém,
pois, sempre a "vida teologal" e é dela a expressão con-
creta. A imediatez da relação com Deus numa fé que
psj.f>ra_^ qnp ama aprps<»nta-Se, pois. Como & profundi-
dade última da vida moral, a partir do momento em
que realiza e sustenta o ato moral com uma consciência
e: nima liberdade transcendentais. Não devemos somente
ver a vida moral nos seus diversos âmbitos categoriais
e a vida teologal como relação com Deus na jfe^ espe-
rança e caridade como se fossem dois tipos de vida uma
ao lado da outra, mas antes como uma na outra. (Quan-
do falamos de atos explícitos da fé, da esperança e da
caridade, falamos propriamente de atos religiosos cate-
153 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

goriais — que como tais são ao mesmo tempo morais


— , nos quais a auto-atuação pessoal, nunca reflexa e
nunca adequadamente passível de reflexão, da vida teo-
logal procura exprimir-se). O fato de interessar-se de
moralidade humana e "vida teologal" torna-se a plena
identidade de vida moral e "teologal" no caso do amor
cristão do próximo. Neste caso, o amor do próximo rea-
liza e sustenta — como amor de Deus sobrenatural —
todo o reto comportamento para com o próximo, não
somente as obras de bondade e de misericórdia, mas
também aquelas de justiça.
Vai adicionado aqui um outro conceito "dogmá-
tico-moral-teológico": o conceito da_ sequela _d£__Cristo•
Nos numerosos estudos bíblicos dos últimos anos sobre
este conceito10 chamou-se a atenção sobre o fato de que
os discípulos pós-pascais e os_ cristãos posteriores dis-
tinguiram a^sgqiiela de Cristn^daqugle andar com o Se-
nhor, que se exprime no cumprimento de sua missão
terrena e na aceitação das respectivas condições de vida
— até carregar a cruz. Sequela de Cristo não significa,
pois, outra coisa senão ser cristão. Mas isto significa
dar-se ao Senhor na fé e no amor, ser e permanecer
uma só coisa com ele, aceitar o seu Espírito que nos
impele — com uma renúncia, uma mortificação e uma

10 E. NEUHAUSLER, Anspruch und Antwort Gottes. Zur Lebre von


den Weisungen itinerhalb der synoptiscben Jesusverkundigung, Diisseldorf
1962, 186-214. E. LARSSON, Christus ais Vorbild. Eine Untersuchung zu
den paulinischen Tauf und Eikontexten, Upsala 1962. A. SCHULZ, Nach-
folgen und Nachahmen. Studien iiber das Verhaltnis der neutestamentlichen
Jungerschaft zur urcbristlicben Vorbilsetbik, Munchen 1962. H. ZIMMER-
MANN, Christus nacbfolgen, in: "Theologie und Glaube" 53 (1963)
241-268. T. AERTS, Suivre Jésus. Évolution d'un tbème biblique dans
les Évangiles synoptiques, in: "Epbemerides tbeologicae Lovanienses" 42
(1966) 476-512. R. THYSMAN, L'Éthique de Vlmitation du Cbrist dans
le N.T., in: "Ephemerides Theologicae Lovanienses" 42 (1966) (138-175.
H. B. BETZ, Nacbfolge und Nachahmung im Neuen Testament, Tiibingen
1967. M. HENGEL, Nacbfolge und Cbarisma. Eine exegetischreligionsges-
cbicbtliche Studie zu Mt 8, 21 und Jesu Ruf in die Nacbfolge, Berlim
1968.
154 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

crucificação do Eu pecador. A sequela deXristo não é,


no fundo, este ou aquele comportamento cristão._cate-
gorial, mas uma disposição transcendental doaproprio
E u T U u também: toda a verdadeira moralidade é se-
quela de Cristo, porque sustentada por esta disposição
transcendental — e, portanto, não somente este ou
aquele modo de agir, que poderia ser entendido como
imitação de um respectivo comportamento de Cristo,
mas aquele autêntico comportamento moral, que como
tal corresponde ao Espírito de Cristo_e imitajseucom-
portamento. A decisão para a sequela de Cristo, isto
é, a clecisão da fé que espera e que ama, é efetivamente
aquela força radical, que descrevíamos abstratamente
comò'-"xiência> fundamental (sinderese). Somos susten-
tados por esta força radical quandõTprqcuramos o bem
categorial_das situações concretas da vida; a esta obe-
decemos — com liberdade fundamental e consciência
transcendental — , quando fazemos o bem na situação
concreta.
Fé e_seqúela de Cristo põem o homem diante da
situação do eschaton, dos últimos tempos. Lê-se com
frequência' que este confronto fundamenta e motiva a
radicalidade da moralidade cristã, TaT como se exprime,
por exemplo, no sermão da montanha. E não sem razão;
mas o que significa eschaton e radicalidade? Pode ser
que em certos passos dos escritos neotestamentários uma
espera iminente motive uma certa radicalidade diante
do fim que já está chegando; talvez em ICor 7. Seja
como for, nós entendemos o [eschaton como o reino de
Deus que já foi iniciado em nós com a vinda de Cristo,
do Deus que vem sempre de novo e sempre mais —
até ao fim. Esta situação, radicalmente diversa da situa-
ção do homem egoísta da queda sem um Deus que o ve-
nha levantar, exige uma absoluta genuinidade do homem
e — neste sentido — uma radicalidade de sua morali-
155 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

dade. Esta é a decisão transcendental escatológica que


determina, sustenta e atuã~i~~moralidade categorial da
vida cotidiana. Esta atitude e esta plenitude escatológica
vivem em toda a autêntica moralidade cristã.
Aquilo que dissemos até aqui sobre a moralidade
"transcendental", tem claramente necessidade de uma
certa delimitação. Independentemente do problema de
saber se existe também um comportamento e um agir
humanos que se realizem totalmente fora do âmbito
da moralidade (parece mais provável que no agir cons-
ciente sejamos sempre conhecedores, mesmo sem muita
reflexão, do aspecto moral do nosso agir), deve-se ter
presente o fato de que nem todo o agir moral é da
mesma forma pessoal, isto é, procedente do centro pes-
soal do Eu. Em muitos casos o nosso agir moral se
realiza na superfície da pessoa; é ainda pessoal e por
isso tem relação com o centro do Eu do homem pessoal,
mas somente de maneira "superficial". Dado, porém,
que a moralidade cristã transcendental tem lugar, na
sua autenticidade, no centro pessoal do Eu da pessoa
humana, esta sustenta e realiza o comportamento mo-
ral "na superfície", e só no que diz respeito às ações
morais "leves" e só de maneira "superficial"; isto sig-
nifica que a condição cristã de doação entra somente
com pouco vigor no comportamento moral, para animá-
-lo e sustentá-lo.

2. A dogmática da moralidade categorial

Não só o problema da moralidade transcendental,


mas também aquele da moralidade categorial faz parte
dos temas teológico-morais fundamentais, que, se tra-
tados realmente em sentido teológico-moral, apresen-
tam um caráter claramente "dogmático". Exatamente
por causa do caráter cristão transcendental da mora-
156 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

lidade cristã, tem sentido o falar da radicalidade da mo-


ral cristã no âmbito da sua determinação categorial. Isto
significa duas coisas: em p r i m e i ^ lugar, que o compor-
tamento cristão categorial deve verificar a desinteressa-
da decisão no Espírito Santo por Deus e pelo próximo;
depois,, que justamente por isto a realidade criada, que
entra na ação concreta, não pode ser tornada arbitraria-
mente indiferente, mas é tomada a sério na base de sua
significatividade num mundo em última análise pes-
soal ou interpessoal. Sob este aspecto, o esforço dos úl-
timos decénios para chegar finalmente de novo a uma
moral "cristã" foi precedido às vezes de formas um
pouco unilaterais. Sob o influxo de tendências seculari-
zantes, a teologia moral começou a libertar-se de novo
de uma certa unilateralidade da sua "cristianização"
— mesmo se deve ficar atenta para não perder outra
i . vez de vista o seu verdadeiro caráter cristão. Que o
comportamento moral, no seu conteúdo categorial, con-
' vM s * s t a e m s u b s t ância simplesmente num reto comporta-

j'< JU mento humano e não derive dum particular código mo-


„ ^ ral "cristão" é coisa que não só corresponde a uma
1< boa tradição teológica, mas também à Escritura. Quem
lê Paulo, por exemplo, não encontra insistência sobre
um próprio código moral "cristão" em vez de humano.
Isto não exclui que o apóstolo proceda criticamente no
aceitar catálogos de virtudes e de vícios, em vigor na
esfera judaica e pagã: ele corrige como cristão aquilo
que não é cristão, isto é, não verdadeiramente "humano"
(por exemplo, o culto politeísta de divindades domés-
ticas), e exige uma realização "cristã" — porque "hu-
mana" — de instituições e concepções societárias em
vigor (por exemplo, a exigência do amor, seja entre ma-
rido e mulher — apesar da submissão da mulher — seja

11 Vide supra, nota 9.


157 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

entre patrão e escravo). A distinção, sobre a qual Paulo


se concentra no plano da moralidade, não é entre um
código moral "cristão" e "humano"; ele afirma a dis-
tinção entre homem "novo" do Espírito (pneuma),
que vive o código moral de um autêntico ser humano,
e o homem da carne (sarx) que como egoísta pecador
não realiza as exigências morais.
Na jprocura da norma categorial^ a teologia moral
— apesar de seu caráter teológico ("dogmático") —
deve proceder em larga escala com a razão. A tentativa,
às vezes empreendida, de deduzir a moral sexual e ma-
trimonial do mistério de fé da Trindade ou da Igreja
(em sua relação com Cristo), não chega a convencer
muito. "Com a razão" não significa, porém, "puramente
a^prior^^HoJe estamos dispostos a ver como a priori
no sentido pleno somente aquelas normas generalís -
simas, normas a serem propostas com método transcen-
dental, que, se as negarmos, afirmamo-las de novo im-
plicitamente 12. A maior parte das normas morais pres-
supõem, ao contrário, certa experiência do diverso
e concreto âmbito de realidade na sua facticidade e na
sua realização cultural. Esta experiência permite, porém,
certa diversidade de género e pluralidade, que pode
condicionar uma respectiva variabilidade no estabelecer
a norma. Além disso, é afirmada uma correlação entre
norma moral e realidade concreta do ser; esta não prevê,
porém, a possibilidade de uma dedução lógica de normas
éticas da concreta realidade do ser do homem- (não é
possíveT deduzir categorias do "dever" de categorias
do "ser", — é possível somente "percebê-las", "com-
preendê-las"). Nenhum método teológico está em con-
dições de superar definitivamente estas dificuldades de
uma investigação e precisão de normas categoriais.

12 Cf. L. M. WEBER, Ethische Probleme der Biotechnik und Anthro-


potechnik, in: "Arzt und Christ" 11 (1965) 231.
158 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

Não há dúvida de que a teologia moral, como teo-


logia ("dogmática"), deve procurar orientar-se para a
Esjjjtura também para os problemas da moralidade ca-
tegorial. Entretanto, não somente para o Antigo Testa-
mento, mas também para uma exata análise do Novo,
é necessária uma exegese segura e prudente. Ora, pode-
-se demonstrar tanto em Cristo, quanto em Paulo e em
João a exigência radical de um amor desinteressado em
todas as esfgras__Hã~ vida; podemos encontrar também
respectivos "modelos éticos" como indicações concretas
para determinar situações concretas 13 . Mas estas indi-
cações concretas não são somente às vezes revestidas de
expressões hiperbólicas — assim, por exemplo, no ser-
mão da montanha e, por isso, a serem analisadas na-
quilo que querem dizer efetivamente, mas são também,
sem dúvida, às vezes, somente exigências condicionadas
a seu tempo — como, por exemplo, a exigência paulina
de uma reserva e submissão feminina nas reuniões da
comunidade eclesial e na própria comunhão matrimonial.
A exegese exige, portanto, hoje, que se verifique com
exatidão quais são as indicações morais concretas do
Novo Testamento que não passam de fatos condiciona-
dos ao seu tempo, e quais são as afirmações possivel-
mente apenas hipotéticas sem pretensão de sustentar
uma tese.

E a própria Igreja, seja ela compreendida como to-


talidade do Povo de Deus ou como Igreja institucional,
não tem nenhum outro acesso aos problemas da morali-
dade categorial, na medida em que não estão contidos
na revelação, senão aquele do "compreender" humano.
Esta não está livre das dificuldades mencionadas acima
de uma investigação h u m a n a " da norroa. À doutrina

13 Cf. J . BLANK, II problema delle "norme etiche" nel Nuovo Te-


stamento, in "Concilium" 5 (1967) 25-38.
159 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

e ao anúncio eclesiástico da moralidade categorial é pro-


metida como guia e garantia não uma inspiração atra-
vés do Espírito Santo, mas uma "assistência" deste. Es-
pírito, o qual — aconteça o que acontecer — impedirá
que a Igreja incorra definitivamente no erro, — e por
isto, mesmo lá onde não se verifica esta defini ti vidade,
até que não se afirme"o contrário, há uma presunção
em favor da PvatTrTãr^_r]n mntniAn ria rlni^fjna Esta
reflèxão é importante também para o caso em que a
Igreja, na procura de uma exata norma categorial, se
oriente para a própria tradição e doutrina. De outra
parte, no precisar o alcance de uma tal tradição ou dou-
trina deve-se também ter presente em que medida esteja
condicionada a seu tempo e marcada por uma determi-
nada situação social e por sua perspectiva historicamente
condicionada.
Mesmo se o esforço cristão por uma reta morali-
dade categorial se realiza amplamente na forma de uma
investigação humana, é todavia importante teologica-
mente que este esforço humano seja visto como funda-
mentalmente cristão. Afinal, isto está sob a dinâmica
transcendental de uma fé e de um amor cristão. Por-
tanto, têm lugar num homem, que, por força de sua fé
categorial, está consciente de sua situação de tensão
entre sarx e pneujna. O cristão, enfim, na base de seu
conhecimento de Cristo e de sua obra, poderá dar-se
conta, ou intuir, a realidade da salvação implícita_no
agir cotidiano. E diante da pessoa de Cristo — face a
face com a realidade concreta — ele compreende o que
significa concretamente a decisão de uma fé que ama
desinteressadamente. E assim a moralidade "humana"
categorial, que o cristão procura e encontra — seja que
se trate de uma norma "geral" de comportamento hu-
mano, seja também do comportamento atual na situa-
ção presente — , é fundamentalmente cristã, procurada
160 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

e encontrada na profundeza também subjetivamente


como encarnação e expressão do ser cristão. Esta nunca
é compreendida somente como " h u m a n a " , mas também
sempre como "cristã". Isto não exclui que os conceitos
morais "humanos" sejam aqueles que nos fazem com-
preender as afirmações da revelação sobre os valores e
sobre a vida moral.
Também quando _o conhecimento moral-Jião se
realiza numa investigação discursiva ou até mesmo numa
argumentação científica, mas num " v e r " ou "intuir",
estltfse realiza comumente sob a dinâmica transcendental
de uma fé e de um amor cristão e na luz da consciência
de fé cristã categorial. K. Rahner define com razão o
instinto moral, que age no " v e r " ou "intuir", um "ins-
tinto moral de íé'\~que sem uma reflexão analítica ade-
quada consegue descobrir o "objetivamente" justo no
interior da reta decisão 14 . E. Schillebeeckx verifica no
mesmo contexto pela observação do Concílio Vaticano
II (Gaudium et spes, n. 4 6 ) , que os problemas atuais
de nosso tempo são "resolvidos" " à luz do Evangelho
e da experiência humana" 1S. Todavia, ele acentua, antes
de mais nadada necessidade da "experiência humana";
pois que imperativos éticos que correspondem à situa-
ção "emergem das experiências de vida muito específi-
cas, e se impõem com clara evidência da experiência.
Somente depois é que são feitos objeto de reflexão, ana-
lisados criticamente, expressos em linguagem teológica
e magisterial. . . " . Esta acentuação exprime a verdadei-
ra "humanidade" dos imperativos que correspondem
à situação. E, no entanto, estes são imperativos "cris-
tãos". Schillebeeckx faz notar que justamente a cristan-

14 K. RAHNER, Zum Problem der genetischen Manipulation, in:


Schriften zur Theologie V I I I , Einsiedeln 1967, 303 ss.
15 E. SCHILLEBEECKX, II magistero e il mondo delia politica, in:
"Concilium" 4 (1968) 6, 32-54.
161 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

dade do cristão faz perceber o contraste entre o dado de


uma situação social e aquilo que propriamente deveria
ser —• também quando não se vê ainda claramente o
que deverá acontecer concretamente.
A fé categorial tem, porém, ainda um, outro signi-
ficado para a moralidade cristã categorial. Porque as
realidades da fé devem ser atuadas pelo homem cristão
justamente como realidades deste homem. A pes§oâ_de
Cristo, o Espírito Santo que opera _em_n0v_a-comuni-
dade cristã, a Igreja hierárquica, os sacramentos, a an-
tropologia cristã não podem ficar sem intluéncia para
a moralidade categorial do cristão, se é justamente a
realidade do cristão aquela, sendo que a ela deve cor-
responder a sua moralidade. Motivações.^çiistãs, por
exemplo, da castidade (cf. lCor 6,12-20) e da veraci-
dade ( E f 4 , 2 5 ) , dão à moralidade rategofial nrp? par-
ticular plenitude de significado e impelem à sua reali-
zação. As realidades da fé influenciarão, porém, tam-
bém quanto ao conteúdo a moralidade categorial, sem
pôr em questão a fundamental " humanidade-^joialerial
da moralidade cristã ou motivar uma moralidade con-
traditória. O conhecimento da pessoa e da obra de Cris-
to, a vida numa comunidade cristã, o atendimento à voz
do Espírito Santo etc. determinarão ulteriormente a
ética "humana". Uma ativa vida cristã, por exemplo,
garantirá com maior segurança a plena compreensão da
cruz na vida de amor desinteressado e de abertura sem
reserva ao diverso e concreto apelo de Deus, assim como
uma maior compreensão da situação concreta de vida
etc.; e esta compreensão não poderá ficar sem conse-
quências práticas.
Entre as realidades da fé, coloquemos em destaque
uma particular: o ^Espírito Santo que opera em nós (cf.
Rom 5,5 e Rom 8) e depois a gratia S piri tus Sane ti,
que Tomás de Aquino define como elementum prima-

11 - Existe uma moral cristã?


162 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

rium da Nova Lei 1 6 . Graça não é aqui evidentemente


compreendida de maneira, puramente estática, como algo
infuso em nós, mas çomo o existencial daquele Espírito
que age em nós de várias maneiras. Este "move" cada
um — na comunidade cristã e como seu membro —
seja segundo as suas propriedades individuais e a par-
ticularidade da situação, seja também segundo uma vo-
cação pessoal, e portanto — no interior da esfera de
uma moralidade humano-cristã — para além de tudo
aquilo que pode ser formulado genericamente pelo con-
ceito de moralidade cristã para todos de maneira igual.
Existe, segundo a tradição, uma guia_do Espírito Santo,
que K. Rahner procurou ilustrar teologicamente SOD o
título de uma ética existencial formal 17 . Pode-se pois,
com toda a razão"' compreender a graça como a mais alta
e última "forma" do homem, que pressupõe de si o
ser humano do justificado. Mas então jâ_graça_do_JEs-
pírito Santo que opera em nós é definida como., norma
verdadeira e própria do -comportamento cristão — tam-
bém do comportamento categorial. Esta não exclui a
moralidade "humana" do comportamento cristão, mas
antes a inclui. Esta faz com que o singulãFposslTcõlres-
ponder à situação, segundo uma propriedade e uma vo-
cação individual-pessoal, imagem do Homem-Deus Je-
sus Cristo como protótipo e norma primeira do compor-
tamento cristão.

16
Summa theologica I-II q. 106 a. 1 s.
K. RAHNER, II problema di un'ética esistenziale formale, in: Saggi
17

di antropologia soprannaturale, Roma 1969, 467-495. Id., L'elemento


dinâmico nella Chiesa, Brescia 1970; 105-140.
2.

DUAS DISCIPLINAS COMPLEMENTARES

As observações sobre a dogmática da moralidade


transcendental e categorial deveriam ter demonstrado a
legitimidade do problema "Dogmática teológico-moral
ou teologia moral-dogmática" e, por isso, de novo, a
unidade científico-teórica das duas disciplinas. Se en-
tendermos, pois, a teologia moral como teologia dogmá-
tica, mas nos ativermos por motivos práticos àdistin-
ção entre teologia moral e dogmática, então será preciso
evidentemente compreendê-las como dwi diicifilwas
complementares. Como tais, estas têm necessariamente
uma determinada relação_e significado reciproco. Fala-
mos disto nos pontos seguintes, mesmo se nos interessa
sobretudo o significado e a importância da dogmática
para a teologia moral. Veremos em seguida: 1. A im-
portância da dogmática para a teologia moral; 2. A im-
portância da teologia moral para a dogmática; 3. Pro-
blemas de tratação comum.

1. A importância da dogmática
para a teologia moral
Se a autocomunicação de Deus na revelação cristã
não constitui fim de si mesma, mas_ação_de salvação,
então a dogmática é obrigada a fazer uma relativa esco-
164 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

lha_de temas e, na base desta escolha, ^colocar depois


respectivamente os acentos. Da dogmática pode fazer
parte, sem dúvida, a questão de saber o que aconteceu
com Cristo — "corpo e alma" — no momento da
morte, assim como o problema sobre a maneira de com-
preender a unidade da divindade e da humanidade em
Cristo. Mas não há dúvida de que o segundo problema
é para a compreensão do mistério da salvação mais im-
portante do que o primeiro. Uma dogmática, que leve
em consideração a intenção da auto-revelação divina e
que esteja, portanto, cônscia de sua própria tarefa, de-
verá ter presentes estes elementos na escolha dos temas
e na posição dos acentos. Também as duas questões:
que aconteceu com Cristo — "corpo e alma" — na
morte e que significa esta morte no plano salvífico de
Deus e no mistério de Cristo, fazem parte igualmente
da dogmática. Mas o dogmático que se concentra sobre-
tudo sobre a primeira antes que sobre a segunda, encon-
trará menos compreensão entre os seus ouvintes e lei-
tores — a não ser que queira apresentar-se como espe-
cialista de temas singulares muito particulares. Talvez,
na história da teologia, a escolha dos termos e a posição
dos acentos não tenham levado sempre na devida con-
sideração a intenção da autocomunicação divina e do
respectivo sentido da teologia. Mas quanto mais a dog-
mática se preocupar com a Tntenção da revelação divina
na sua escolha dos temas e na posição dos acentos, tanto
mais se encontrará na linha que a teologia moral deve
desenvolver de maneira própria, e tanto maior será sua
importância para a teologia moral.

Uma dogmática, por exemplo, que se apresenta vo-


luntariamente como doutrina da obra e do apelo de sal-
vação de Deus em Cristo e trata, portanto, este tema
como tema central, prepara o caminho para uma moral
autenticamente cristã. Para esta ficará muito mais fácil
165 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

tratar depois como tema central o problema da percep-


ção e da resposta deste apelo, o problema de uma ^acei-
tação pessoal da ação salvífica de Deus na vida cristã
concreta. — A solução do problema de saber o que
significa propriamente "separação de corpo e alma" na
morte de Cristo, será apenas de pouca fecundidade para
a teologia moral. Mas a resposta ao problema-sobre o
significado profundo da morte e ressurreição de Cristo,
qual é o sentido e qual é a força de sãlvaçao que estas
contêm, é uma resposta que pode estimular a reflexão
moral mais fecunda. — Não poucos estudiosos de teo-
logia moral fizeram a tentativa de tomar a realidade sa-
cramental da Igreja e sobretudo os sete sacramentos
como base da moral cristã e do ethos cristão. A doutrina
dogmática sobre o modo de agir dos sacramentos não
foi aqui sem importância; porém, teria sido mais signi-
ficativa e mais profícua uma mais acentuada elaboração
dogmática do sentido específico — em última análise:
do sentido salvífico — de cada um dos sacramentos.
Na medida em que a dogmática desenvolve este traba-
lho, a teologia moral — se não quiser submeter-se ela
mesma a este trabalho — poderá elaborar e exprimir o
ethos sacramental da vida cristã.
Se a dogmática é, pois, essencialmente antropo-
logia teológica (cf. supra: 1,2), não se deterá tanto na
especulação em torno da natureza de Deus que se nos
revela e dos " f a t o s " do evento salvífico, mas compreen-
derá e tratará antes, do significado de salvaçãc^_ativa
deste Deus e dos fatos da sua obra salvífica para o
homem como um existencial deste próprio homem. Pro-
curará ilustrar como a ação salvífica e de amor da parte
ae Deus se insere no homem, na sua "natureza". Esta
constitui assim um auxílio para a teologíã~ moral no
aproximar-se mais duma solução do problema acerca da
"humanidade-naturalidade" e "cristandade" da moral
166 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

cristã. A dogmática se esforçará para aprofundar a....uni-


dade; ...e ^..jnconfun^
divina (graça do Espírito Santo, fé, amor) e livre auto-
-atuação humana; servir-se-á para isto de uma antropo-
logia da auto-atuação humana, psicológica e sobretudo
filosófica, iluminada pela teologia. A teologia moral é
colocada assim em condições de chegar a uma comprgen-
são mais profunda e a uma avaliação mais realística do
r o m p ó r f a r n e n f o m o r a l ãssinw-nrjína n m a compreensão
mais radical da natureza e do_ significado de uma_ mo-
ralidade cristã transcendental e categoria! (cí. supra:
II). "
A dogmática, que reconhece como determinante a
importância da revelação para a salvação do homem em
Cristo, começa hoje sempre mais como "teologia polí-
tica" — a aprofundar também o sentido na história
salvífica de um interesse "mundano" do homem cristão
para o mundo 18. Tal dogmática não se limita somente
em dar à teologia moral a possibilidade de ver numa
nova luz a relação do cristão com o mundo. Esta lhe
possibilita também um juízo mais competente sobre de-
terminadas formas de comportamento do cristão com
relação ao mundo, sobretudo no seu empenho pelo
mundo e sobre sua intervenção ativa nas coisas do
mundo, quando procura favorecer-lhe o desenvolvimen-
to e o progresso.
Poder-se-ia talvez dizer globalmente: a dogmática
se orienta tanto para problemas que são fundamentais
e significativos para uma doutrina teológico-moral da
vida cristã, como também para problemas desta vida
cristã — como aceitação da graça, fé, amor — , de cuja
ulterior concretização se ocupa justamente a teologia
moral. Para responder exaurientemente às questões que

u Cf. J. B. METZ, Sulla teologia dei mondo, Brescia 1969.


167 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

lhe são postas, a dogmática não recorre somente aos da-


dos da revelação, mas também aos resultados da reflexão
e da ciência humana, como, por exemplo, aos resultados
de uma antropologia filosófica e psicológica. Uma dog-
mática que trabalha desta maneira, j i ã o se coloca, ex-
pressamente ao serviço-da teologia moral; porém, é para
esta de enorme importância, enquanto a teologia moral
constrói sobre os resultados da dogmática, para poder
refletir sobre ofenômeno da moralidade cristã.

2. A importância da teologia moral


para a dogmática

A importância da teologia moral para a dogmática


corresponde, quanto ao essencial à importância da dog-
mática para a teologia moral. Esta importância consiste
sobretudo nofato_que a teologia moral desenvolve ulte-
riormente a obra da dogmática, incompleta e ainda na
esfera de um mais alto grau de especulação e de abs-
tração. Para isto assume a temática da dogmática, não
simplesmente pressupondo-a, nem repetindo-a, mas sub-
metendo-a a exame sob o aspecto da concreta realização
da salvação na vida cotídiana. Ela toma depois esta con-
sideração mmo ponto de partida de sua reflexão sobre
o fenómeno da moralidade cristã^ Esta reflexão pressu-
põe ainda de sua parte a experiência da moralidade
cristã. A teologia pode, além disso, desempenhar esta
sua tarefa somente na medida em que se serve mais do
que a teologia dogmática dos resultados de diversas ciên-
cias auxiliares "profanas" e da experiência.
Assim, por exemplo, a dogmática trilará da--von-
tade salvífica universal de Deus, do apelo de Deus a
cada pessoa, da fé e da esperança como dom divino e
atuação humana ao mesmo tempo, da total união da
pessoa em cada momento e em todo o agir com o
168 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

Deus que a chama. À teologia moral estará reservada


preferentemente a tarefa de explanar o que significa o
apelo salvífico de Deus da consciência fundamental
cristã (sinderese), da consciência cristã da situação
(sia£Ídese) e da investigação e precisão cristã das nor-
mas (scientia moralis). Afinal, a consciência funda-
mental de cunho filosófico-ético é no verdadeiro, cristão
expressão do seu decidido crer-amar-seguir Cristo no
mais profundo de seu coração (cf. supra: 11,1). O co-
nhecimento categorial da consciência . em cada situação
concreta não está somente na zona de luz e sob a dinâ-
mica da consciência cristã fundamental, mas desenvol-
ve-se também numa reação livre e pessoal seja à ação
interna e dê~graça do Espirito Santo? seja ao manifes-
tar-se de uma norma cristã de comportamento na co-
munidade cristã e na Igreja hierárquica/Também a in-
vestigação ê a precisão de normas morais "gerais", em-
bora esta também deva se desenrolar de maneira "hu-
mano-racional", deve ser compreendida como disponi-
bilidade na procura do apelo salvífico de Deus na situa-
ção concreta da vida cotidiana (cf. supra: 1,3 e 11,2);
mas tal investigação — por analogia àquilo que temos
dito sobre a consciência da situação — não se verifica
sem uma relação com realidades essencialmente cristãs.
A dogmática — ainda para exemplificar — falará
da necessária e efetiva presença da» salvação cristã na
vida cristã cotidiana. A teologia'^fffocederá com a aná-
lise do fenómeno moralidade, da reflexão antropológica
sobre a auto-atuação pessoal e levando em conta os re-
sultados da ciência psicológica, para estabelecer assim
qual o agirjlo_Jiom£m. eiigtão em que está presente a
salvação cristã — como aceitação da obra salvífica de
Deus — e em p que medida isto corresponde à realidade.
A teologia/'procurará ilustrar como esta presença de
salvação depende da "matéria" da ação, da situação
169 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

psicológica do agente e do grau de auto-atuação _da


pessoa. Deveria ser claro que desta maneira a teologia
moral trata de problemas de imediatez concreta sobre
as boas obras e sobre os pecados na vida cristã como
desenvolvimento de teses dogmáticas fundamentais.
Além disto, a_dogmática demonstrará a necessidade
de que a aceitação cristã Ha salvação se encarne e se
exprima na justa" realização cla^reãlidade homem-mundo.
A teologia moral Item a tarefa de concretizar esta asser-
ção. Que significa "justa" realização desta realidade? A
teologia moral não pode dar uma resposta a este pro-
blema sem conhecer as afirmações morais da Escritura
e o alcance de-tais_ajirmações; e nem sem umã reflailo
sobre o ser humano como tal. sobre a relatividade das
diversas culturais humanas, sobre a experiência de de-
terminados modos de comportamento, sobre os dados
da psicologia e dajsogiologia etc. Aqui torna-sê~mais
do que evidente a tarefa^jMe^desenyxávimento'!__e_^de
concretização" da_teoiogia__moral com relação à dogmá-
tica. Todavia, em alguns problemas, sobretudo - num
próximo futuro de nossa época técnica, esta função de
desenvolvimento e de concretização por parte da teo-
logia moral deverá registrar seu limite. O conheci-
mento específico e setorial, que está na base de uma
normação moral e que está intimamentè~unlc[a à possi-
bilidade de conhecer e avaliar implicações e consequen-
cias de eventuais formas de comportamento, não estará
à disposição dos expoentes da disciplina de. .teologia
moral. Qual o comportamento humano em que se po-
derá encarnar a realidade cristã da salvação — em si,
— é uma conclusão que. .deverá ser elaborada pelos ho-
mens cristãos que dispõem de uma adequada prepara-
ção específica. A teologia moral científica, (e a Igreja
magisteriaí") poderá propor apenas princípios mais ou
menos formais, linhas de fundo e poucos casos exem-
170 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

piares de reto comportamento. A última concretização


da asserção dogmatica verificar-se-á inevitavelmente em
cada caso no juízo de consciência que emerge com plena
responsabilidade e levando em consideração os respecti-
vos auxílios para uma reta formação da consciência,
juízo de consciência que ilumina e acompanha o agir
cristão.

3. Problemas de tratação comum

Vimos, antes de mais nada, a importância da teo-


logia moral para a dogmática no desenvolvimento con-
cretizante que a primeira faz desta e, portanto, no seu
mais destacado abeirar-se da realidade concreta—-e-da
vida prática. É preciso, porém, ajuntar um outro con-
tributo significativo da teologia moral para a dogmática.
Estabelecida, pois, a distinção entre as duas disciplinas,
a trataçãor mais concreta e mais vizinha da realidade, e
da vida do evento salvífico por parte da teologia moral
deveria também exercer um influxo benéfico sobre a
dogmática. Afinal, não podê""ãcõntecer, por exemplo,
que a tratação mais concreta do fenómeno pecado, como
é desenvolvida pela teologia moral, esteja em condições
de influenciar as asserções às vezes muito abstraías da
dogmática, se não para pô-las em questão, certamente
provocando nelas uma nova formulação, que evite mal-
entendidos de graves consequências?
A reflexão sobre uma possível influência da teo-
logia moral sobre a dogmática conduz a uma outra cons-
tatação. Existem problemas que, fundamentalmente só
podem ser resolvic?õs~~pêTã"s duas disciplinas juntas. Isto
não requer que se ponham ambas, por assim dizer, à
mesma mesa de trabalho, mas antes que ambas as dis-
ciplinas façam convergir seus aspectos próprios__num
único_tema. Com isto, problemas que interessam às duas
171 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

disciplinas, podem ser levados a uma solução. Conside-


remos, por exemplo, o problema do significado dos
enunciados magisteriais eclesiásticos a propósito de ques-
tões relativas à lei moraLnatural. Na medida em que se
trata aqui de uma questão de eclesiologia, a disciplina
competente é a dogmática. Mas quem sabe quão comple-
xo seja o problema da lei moral natural em si, quantos
elementos da realidade se devam ter presentes numa
normação do direito natural, quão difícil pode ser o dar
um juízo sobre o alcance de afirmações de lei natural,
compreenderá que aqui se pretenderia demais do perito
em dogmática. O próprio fato de referir-se a afirmações
da Escritura ou do magistério eclesiástico sobre ques-
tões de direito natural não o libertará da necessidade
de deixar-se introduzir da parte da teologia moral no
complexo problema do direito natural moral. Eclesio-
logia e teologia moral juntas elaboram as condições,
sem as quais não é possível uma solução competente
e satisfatória do problema "magistério e lei natural".
Não se pode negar uma volta da teologia moral,
no decurso dos últimos decénios, à reflexão sobre o seu
caráter teológico. Até que ponto este caráter teológico
pode ser definido como dogmático, é coisa sobre a qual
esta reflexão se deteve menos Não há dúvida de que
se trata de uma reflexão legítima; a ç&jtinção entre teo-
logia moral e dogmática verificou-se apenas por motivos
práticos. Mas não deveriam existir dúvidas de que esta
reflexão é necessária. Afinal, sem esta poderia acon-
tecer que a cristandade da moral cristã ficasse encoberta,
que se ignorasse a motivação na revelação e na obra
salvífica de Deus, que se esquecesse o verdadeiro signi-
ficado e o sentido de salvação pela vida cotidiana do
cristão no anúncio da moralidade cristã.

19 K . RAHNER, trata deste problema no artigo citado do LTHK,


Dogmatik.
172 TEOLOGIA DA MORAL E DOGMÁTICA

Ou então será suficiente que a dogmática cuide


do aspecto "teológico-dogmático" da problemática teo-
lógico-moral? Contra esta solução devemos dizer, antes
de mais nada, que a dogmática como disciplina_ distinta
da teologia moral se ocupa menos da problemática teo-
lógico-moral — ao menos em geral — e que por. isso
não comunica ou adiciona realmente à teologia moral
seu aspecto dogmático. Em segundo lugar, a teologia
moral que não torna por si mesma manifesto o seu ca-
rá ter_Hogmático, não jge apresenta fundamentalmente
como teologia e, portanto, em última análise, nem se-
quer como cristã.
Se a teologia moral e a dogmática são tratadas se-
paradamente como duas disciplinas parciais, devem to-
davia trabalhar no sentido de uma significação e impor-
tância recíprocas. A dogmática chamará a ^atenção e
indicará sempre os efeitos do mistério da salvação na
vida crista, conduzindo até ao limiar da teologia_moral.
E a teologia moral estará também interessada nos efei-
tos do mistério da salvação na vida cristã; exaíamente
por isto, deverá tomar como ponto de partida as afir-
mações" Ha dogmática, que dizem respeito à vidíTcristã,
e fazer compreender na sua luz a vida moral. Dado que
nãõ existe um limite claro entre Hogmática e teologia
moral — por causa Ho caráter preferentemente pragmá-
tico Ha Histinção em Huas Hisciplinas parciais — , a teo-
logia moral Heverá estabelecer com frequência pragma-
ticamente (em consonância com a Hogmática) até que
ponto quer ir, em caHa caso, na realização He seu cará-
ter teológico-Hogmático.

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