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RESUMO: O texto “A teologia como ‘ciência discute o lugar emergente da “nova” teologia
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fundamental, responsável pela justificação racional da fé cristã, i. é: pelo caráter racional do ato
de fé, pelo rigor científico da fé. Luis Artigas Mayayo se vale de téologos de renome, mas fixa-se
sobretudo em Tomas de Aquino para ressaltar a fundamentação clássica da teologia. Encontra
em três textos de Sto. Tomás de Aquino pressupostos para desenvolve uma aporia necessária
para a compreensão da teologia como ciência. Depois, atualizando a reflexão indica quatro
novos parâmetros da atualidade como fundamentos: a intersubjetividade, a operatividade, a
revisibilidade e a autonomia. finalizando, observa que a teologia, para além de ser ciência, é uma
questão anterior de fé cristã.
RESUMEN: The text “The Theology as ‘Science” discusses the emerging place of the
“new”fundamental theology, responsible for the rational justification of Christian faith, it is: the
rational character of the act of faith, by the scientific rigor of faith. Luis Artigas Mayayo makes use
of renowned theologians, but fixes itself above all in Thomas Aquinas to highlight the classical
statement of reasons of the theology. In three texts of St. Thomas Aquinas he finds assumptions
to develop an aporia essential to the comprehension of the theology as science. Later, updating
the reflection, he indicates four new parameters of the present time as foundations: the
intersubjectivity, the operativeness, the revisability and the autonomy. finalizing, he observes
that theology, apart from being science, is a question previous of the Christian faith.
* Professor de teologia sistemática do Studium Theologicum e doutor em Teologia Sistemática, pela Pontificia
Universidade Gregoriana, de Roma, falecido em 1999. O texto “Teologia como ´Ciência” foi escrito para uma
“Miscelânia comemorativa” dos 70 anos de Pe. José Penalva, músico, teólogo e também professor do Studium,
A intenção da reedição do artigo, publicado em 1994, é igualmente uma homenagem a todos os professores e
teólogos destes 75 anos da casa.
1. COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
1 Cf. por exemplo, C. GEffRÉ, l ‘histoire récente de ia théologie fondamentale. essai d’i nterprétation,
Concilium, 46 (1969), pp. 11-28.
2 Cf. K. RAhNER, Sull’odierna formazione teoretica dei futuri sacerdoti, Nuovo Saggi, I, Paoline, Roma
1968, pp. 199-235.
3 Cf. h. bOUILLARD, l’expérience humaine et ie point de départ de ia théologie fundamentaie,
Concilium, 6 (1965), pp. 83-92.
4 Cf. G. SÓhNGEN, Fundamentaltheologie, Lexikon für Theologie und Kirehe, 4, ec. 452-459; lP.
TORREL, chronique de théologiefondamentale, Revue Thomiste, 64 (1964), pp. 101-102.
5 Cf.: Y. CONGAR, théologie, Dictionnaire de Théologie Catholique, xV, , c. 459; lb. METZ, theologie,
Lexikon für Theologie und Kirche, 10 (1965), c. 70: «Die Tendenz zur Wissenschaftlichkeit wurzelt
in dem auf die beansprechung des ganzen Menschen und auf verantwortlichen Kommunikation
zielenden Charakter des ‘Gegenstands’ der Theologie. Die konkrete bestinunung des
Wissenschatfscharakters der Theologie aIs Theologie und nicht bloss im hinblick auf die in ihr
angewandten Methoden und Erkentnisse der profanen Einzelwissenschaften ist angesichts
des gawandelten Wissenschaftbegriffs eine hõchst schwierige Aufgabe. War diese frage schon
unter der Vorherrschaft des aristotelischen Wissenschaftsbegriffes nicht eindeutig gek1ãrt, so
wurde sie der modernen Einzelwissenschaft noch zusãtzlich erschwert».
O Pe. Congar reconhecia já em 19436 que desde o início do século xx
as questões epistemológicas e metodológicas assumiram um grande lugar
na reflexão teológica, caracterizando este fato como o esforço para superar as
dissociações que, desde os tempos do Nominalismo, passando pelos movimentos
modernos do pensamento, introduziram-se na teologia, a fim de poder obter
assim uma nova unidade que integre também as aquisições científicas válidas da
época moderna. Esta efervescência epistemológico-metodológica de que Congar
falava continua ainda hoje, ainda que, evidentemente, com orientações novas, se
compararmos com sua história desde os tempos do modernismo.
Uma primeira questão que foi preciso enfrentar era a do valor científico
da teologia, desde que seu pressuposto de base é a fidelidade a uma fé vital e
também a uma certa ortodoxia; neste campo chegou-se, às vezes, recentemente,
a pretender excluir a teologia do campo universitário. Este debate, na primeira
metade do século xx, foi conduzido sobretudo no campo da assim chamada
teologia positiva, nascida no bojo da crise modernista, e teve certamente como
uma das suas conseqüências um início de integração das disciplinas teológicas nos
diversos movimentos do século (litúrgico, bíblico, patristico, ecumênico), junto
com um aprofundamento sobre a teologia do magistério e da comunidade eclesial
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como depositários e portadores da fé com seus conteúdos. A teologia deparou-
se com a exigência, bem viva ainda hoje, de incorporar os dados das ciências
humanas, as quais, de maneira geral, e apesar de uma melhoria substancial das
relações, ainda não adquiriram plena carta de cidadania dentro do pensamento
teológico, considerado de maneira global.
Nos tempos mais recentes, vários outros motivos fizeram com que a
reflexão metodológica e epistemológica da teologia se tomasse ainda mais
urgente. Apesar das exigências pastorais ou, talvez precisamente por causa delas,
a teologia encontra-se na situação de ter que repensar seus fundamentos, não
raramente contestados. Este re-pensamento fundamental é imposto, antes de
mais, pela situação nova que o pluralismo atual, introduzido em primeiro lugar
pela ciência moderna, colocou dentro dela 7. Se a teologia não deve cair num
dogmatismo fechado e estéril, e se, por outro lado, não deve se secularizar,
esquecendo a tradição e aceitando de maneira mimética e pouco inteligente
qualquer conclusão mais ou menos científica, então é preciso se engajar no esforço
de que estamos falando, isto é: ela deverá refletir criticamente sobre o caminho
que a verdade já percorreu (na realidade, esse caminho é que é o “método”)
até a nós (ninguém pode recomeçar do zero, mesmo que o pretendesse), para,
precisamente, discernir as “aquisições de verdade” feitas até hoje, bem como as
“tarefas a serem realizadas” que os limites de tais aquisições nos deixam como
6 Cf art. cit., c. 444
7 Cf. W. KASPER, Per un rinnovamento deI metodo teologico, Queriniana, brescia 1969, p 23.
herança e como missão. Notemos, finalmente, com Kasper8, que neste trabalho
nos encontramos ainda na fase dos estudos preliminares e que, por isso mesmo,
eles não podem não ser fragmentários e “tendenciais”.
1.3 - Ora, de que teologia nos ocupamos aqui? isto é, que significado
conferimos a esta palavra? Karl barth, seguindo neste ponto a Dogmática de J.
Gerhard9, distingue vários significados interessantes.
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Dando por pressupostos todos os dados contextuais, eis, em resumo, a
visão tomista da teologia como ciência.
(1) “ Ista doctrina habet pro principiis primis articulos fidei, qui per lumen
infusum per se noti sunt habenti fidem, sicut et principia naturaliter
nobis insita per lumen intellectus agentis. Nec est mirum si infidelibus
nota non sunt, qui lumen fidei non habent; quia nec etiam principia
naturaliter insita nota essent sine lumine intellectus agentis. Et ex istis
principiis, non respuens communia principia, procedit ista scientia”.
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(2) “habitus autem istorum principiorum, scilicet articulorum, dicitur
fides et non intellectus, quia ista principia supra rationem sunt, et
ideo humana ratio ipsa perfecta capere non valet... Sed tamen ratio
manu ducta per fidem excrescit in hoc ut ipsa credibilia plenius
comprehendat, et tunc ipsa quodammodo intelligit”.
(4) “habitus scientiae inc1inat ad scibilia per modum rationis ... Sed
habitus fidei, cum non rationi innitatur, inc1inat per modum naturae,
sicut habitus principiorum” .
11 ln 1 Sent., prol., art. 3, sol. 2, ad 2; lbid., sol. 3, ad 3; ln 111 Sent., d. 23, q. 2, art. 1, ad 4; 1bid.,
d23, q. 3, art. 3, sol. 2, ad 2; 1bid., d. 24, q. 1, art. 2, sol. 1, obj. 2, et ad 2.
Santo Tomás distingue aqui entre o hábito infuso que é a fé e o hábito
adquirido que é a teologia:
Aparecejáaquiumanoçãoque SantoTomásdesenvolverásucessivamente,
isto é, a noção de subalternação e quase-subalternação:
“Potest autem scientia aliqua esse superior alia dupliciter: vel ratione
subiecti, ut geometria, quae est de magnitudine, superior est ad
perspectivam quae est de magnitudine visuali; vel ratione modi
cognoscendi, et sic theologia est inferior scientia quae in Deo est. Nos
enim imperfecte cognoscimus id quod ipse perfectissime cognoscit;
et sicut scientia subaltemata a superiore supponit aliqua, et per
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illa tanquam per principia procedit, sic theologia artículos fidei qui
infallibiliter sunt probati in scientia Dei, supponit, et eis credit, et per
istud procedit ad probandum ulterius illa quae ex articulis sequuntur.
Est ergo theologia scientia quasi-subaltemata divinae scientiae, a
qua accipit principia sua”13.
50 (2) “Sciendum est quod duplex est scientiarum genus. Quaedam enim
sunt quae procedunt ex principiis notis lumine naturali intellectus,
sicut arithrnetica, geometria, et huiusmodi. Quaedam vere sunt
quae procedunt ex principiis notis lumine superioris scientiae,
sicut perspectiva procedit ex principiis notificatis per geometriam,
et musica ex principiis per arithrneticam notis. Et hoc modo sacra
doctrina est scientia, quia procedit ex principiis notis lumine sperioris
scientiae, quae scilicet est scientia Dei et beatorum. Vnde sicut musica
credit principia tradita sibi ad arithrnetica, ita doctrina sacra credit
principia revelata sibi a Deo»15
Esta teologia não pode ser concebida nem realizada senão dentro de uma
vida de fé ardente que utiliza, sim, todos os possíveis recursos e instrumentos
racionais, mas cuja alma é o evangelismo, como podemos ver também nos escritos
bíblicos tomistas, que são obras também de crítica textual e de explicação. O
problema não é substituir Santo Agostinho com Aristóteles, embora o amor do
saber tenha transplantado o intelectualismo grego num clima bem diferente. Não
é Tomás de Aquino, mas o Nominalismo e, mais tarde, a Reforma20 que introduzirão
realmente a fratura, a divisão entre a fides e o intellectus, contribuindo em grande
parte à formação da consciência crítica moderna. Começa-se a diferenciar sempre
mais a fé e a razão, com novos métodos de acesso à realidade, que produzirão
uma dissociação entre os elementos do conceito clássico de teologia, provocando
também mais tarde a eclosão da mesma em muitas e diferentes “matérias”. Mas,
com estes elementos, deveríamos entrar já numa nova época, o que os limites
deste trabalho não consentem ...
17 M.D. ChENU, La théologie comme science auxIle siec/e, Vrin, Paris 1957, p. 78.
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19 In boethium de Trinitate, q. 2, a. 2, ad 1.
20 Cí. W. KASPER, op. cit., pp. 22-25. Sobre o Nominalismo, cí. as análises de h. bLUMENbERG, Die
Legitimitiit der Neuzeit, Suhrkamp Verlag, frankfurt 1966.
3. PENSANDO NO PRESENTE...
3.2 - De tudo isto resulta uma observação muito importante: nesta situação
não é possível privilegiar, e menos ainda exclusivizar um único conceito universal
de ciência, que fosse igualmente válido para todas as ciências e para todos os
homens. A mesma reflexão a propósito da classificação e da mútua relação entre
as ciências, não é uma conseqüência delas, mas de certa maneira as precede23 .
O mínimo que pode ser dito é que esta problemática é muito ambígua,
pois na realidade não se vê muito bem se se trata de uma real libertação da fé ...
ou da sua submissão à nossa sociedade «unidimensional». Contudo, ela obriga
à teologia a um sério re-pensamento dela própria, especialmente quando, não
ficando satisfeita somente com se apresentar como um discurso confessional
repetitivo, pretende cumprir exigências sistemáticas e se assentar sobre seus
próprios fundamentos.28
Será mesmo .. ?
29 R. MARTINELLI, Perche il Catechismo della Chiesa cattolica? Sua attualità nella Chiesa e nei
mondo di oggi, L’Osservatore Romano, 31.10.1992, pp. 7-8.
do que já foi dito. O espírito de pesquisa obriga a teologia a formular opiniões,
cuja validez nem sempre é sustentada pela tradição teológica do passado .. As
dificuldades, parece-me, não nascem tanto do fato de formular novas teorias,
mas, sobretudo, do desejo, muitas vezes demagógico, de divulgar em seguida as
próprias opiniões para os fiéis de qualquer condição. Ora, uma ciência consciente da
própria responsabilidade, começa em primeiro lugar verificando a fundo as suas
hipóteses, transmitindo os resultados aos outros homens somente quando se tem
uma segurança pelo menos relativa de que eles se sustentam verdadeiramente.
Do contrário, o teólogo é tão criminosamente irresponsável quanto o laboratório
que distribui um remédio novo sem suficiente experimentação sobre seus
resultados e efeitos colaterais. Sim, existe também a corrupção teológica, a
busca de notoriedade, ou de justificativa para as próprias opções pessoais, ou,
simplesmente, a falta de seriedade e rigor intelectual, o que torna o teólogo,
aos meus olhos, gravemente leviano. Este sentido de responsabilidade deveria
acompanhar sempre a ciência teológica.
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