Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Sílvia Martins/UFAL
(silvia.martins@pq.cnpq.br)
1
São eles Ana Laura Loureiro Ferreira/AVAL, Juliana Barretto/UFAL, Marcos Alexandre
Albuquerque/UFSC, Celso Brandão/Produtora Estrela do Norte e Siloé Marques Amorim/UFPB.
1
e que é realizado a partir do “projeto etnográfico” (PINK 2004, p.79). Assim, a
participação de antropólogos como realizadores tem sido uma marca desse tipo de
produção, quando utilizam em suas pesquisas o registro audiovisual e produzem filmes
a partir dessas investigações.
Dentre os seis subgêneros do gênero documentário, que Nichols define enquanto
modos de representar o mundo histórico, são destacados os seguintes: o poético, o
expositivo, o participativo, o observativo, o reflexivo e o performático. Tentarei
explicar esses subgêneros ao mesmo tempo em que irei comentando e relacionando os
filmes do AVAL dentro dessas modalidades. Mas, como o próprio Nichols aponta,
A identificação de um filme com um certo modo [subgênero] não precisa ser total... As
características de um dado modo funcionam como dominantes num dado filme: elas dão
estrutura ao todo do filme, mas não ditam ou determinam todos os aspectos de sua
organização. Resta uma considerável margem de liberdade (NICHOLS 2008, p. 138)
Este modo agrupa fragmentos do mundo histórico numa estrutura mais retórica ou
argumentativa do que estética ou poética... [dirigindo-se] ao espectador diretamente, com
legendas ou vozes que propõem uma perspectiva, expõem um argumento ou recontam a
história... adotam o comentário com voz de Deus ou utilizam o comentário com voz da
autoridade (o orador é ouvido e também visto)... dependem de uma lógica informativa
transmitida verbalmente... as imagens desempenham papel secundário. Elas ilustram,
esclarecem, evocam ou contrapõem o que é dito... o comentário... [é] associado à
objetividade, ou onisciência. Na verdade... representa a perspectiva ou o argumento do
filme (NICHOLS 2008, p. 142-146).
2
representação... os documentários reflexivos pedem-nos para ver o documentário pelo que
ele é: um constructo ou representação... (NICHOLS 2008, p.162, 163)
Filmes que analisei, podem ser apontados de uma forma geral com
características do modo participativo quando:
... vemos... que o cineasta e as pessoas que representam seu tema negociam um
relacionamento, como interagem, que formas de poder e controle entram em jogo e que
níveis de revelação e relação nascem dessa forma específica de encontro... é a verdade de
uma forma de interação, que não existiria se não fosse pela câmera
...dá-nos uma idéia do que é... estar numa determinada situação e como aquela situação
consequentemente se altera... [pode-se também] querer apresentar uma perspectiva mais
ampla, frequentemente histórica em sua natureza... a entrevista representa umas das
formas mais comuns de encontro... num campo de trabalho antropológico... usam a
entrevista para juntar relatos diferentes numa única história (NICHOLS 2008, p.154, 155;
159).
3
e dificuldades encontradas nesse processo de reconhecimento da identidade étnica
indígena. Dessa forma, há uma abordagem, a partir de perspectivas nativas, de uma
temática bastante contemporânea sobre processos de etnogênese de povos no Nordeste,
Norte e Centro-Oeste do Brasil.
2
Kambô... a vacina do sapo (2009. Direção: Silvia Martins, duração: 22’) pode ser enquadrado dentro
do modo participativo. Nesse filme a prática ritualística do uso da secreção da rã phylomedusa bicolor é
abordada e exercida por Gomes, índio Katukina que aplica essa vacina no contexto urbano. Ele explica
sobre essa “medicina” ao mesmo tempo que depoimentos de indivíduos que vivenciaram essa experiência
são apresentados, juntamente com cenas do ritual. Trata-se de uma produção dentro de uma pesquisa
sobre o uso de ayahuasca em Alagoas, e que constata que o kambô vem sendo uma substância utilizada
por membros de grupos ayahausqueiros.
3
Outro filme, intitulado Menino no Rancho. festa, cura e iniciação entre os Pankararu, cuja direção é
de Renato Athias do Laboratório de Antropologia Visual da UFPE, foi realizado também explorando esse
ritual, contendo depoimentos de parentes do próprio menino Pankararu que participou do ritual. Sendo
também um filme que contem características desse modo participativo.
4
sertão alagoano Katokinn, Koiupanka, Kalancó e Karuazú, localizadas nos municípios
de Água Branca, Inhapi e Pariconha. Segundo Juliana Barretto, como ela descreve na
ficha técnica do filme:
A argumentação desse documento teve como tema central, as relações étnico identitárias
desses povos, expressando representações através de uma delimitação: O xamanismo
como propulsor de identidades indígenas no sertão alagoano. São focados momentos de
exaltação desses traços diferenciais de etnias resistentes.
Um destaque importante que esse filme tem é que se trata de uma produção
dentro dos trabalhos acadêmicos, no caso é conclusão do Trabalho de Conclusão de
Curso de Bacharelado em Ciências Sociais no Instituto de Ciências Sociais da UFAL de
Juliana Barretto (2007) que explica que:
“...o fenômeno da etnicidade foi estudado através das relações de parentesco, de religião,
bem como as relações desses indígenas com os não-índios, onde a identidade indígena é
reforçada dentro desse contexto de resistência ao qual esses índios no sertão alagoano
estão inseridos.”
Juliana Barretto, no mestrado em Antropologia realizado na UFPE, continua
investigando um desses grupos localizados no sertão.4 Ela produz um filme que é
inserido como um subitem do terceiro capítulo de sua dissertação (BARRETTO 2010).
As Corridas do Umbu Karuazu (2010, direção: Juliana Barretto, duração: 29’) é
resultado de um trabalho realizado em conjunto com os Kaurazu, quando Barretto tendo
feito o registro de doze horas de imagens que os próprios índios consideraram
importantes enquanto roteiro, para finalmente editar As Corridas do Umbu Karuazu.
Mesmo com a participação dos índios nas diferentes etapas, o que sugeriria um modo
performativo. Trata-se de um filme em que prevalece o modo participativo, mesmo que
Barretto não apareça diretamente nem sua voz esta presente nas perguntas que faz
durante entrevistas. É explícito durante todo o filme que os índios estão falando com
ela. Daí, a sua presença é marcante, e as entrevistas juntamente com tomadas que
sugerem o uso do modo observativo, se alternam.
5
Promessas de Dona Pedrina e Dona Enedina no Processo de Resistência
Koiupanká (29’) . (4) Promessa de Clênio em Imagens (27:39”), (5) O Toré de D.
Iracema, Fragmento da Performance do Ressurgimento Koiupanká (1:39”) Todos
esses filmes seguem um estilo similar, com exceção desse último sobre D. Iracema.
Assim, os demais filmes se enquadram no modo participativo, quando a presença de
Amorim através de sua própria imagem em algumas cenas, bem como sua voz nas
entrevistas realizadas, proporcionam a visualidade da interação estabelecida entre ele e
os índios. Nesses filmes, Amorim remonta temáticas exploradas sobre práticas que são
na sua maioria ritualísticas de cunho “mágico-religiosas,” bem como explora a questão
da afirmação étnica indígena que é característica desses grupos que vêm reivindicando o
reconhecimento oficial enquanto índios.
Interessante que Amorim não insere simplesmente os filmes nos subitens de
capítulos, ele explica e convida o leitor para isso. Por exemplo, sobre A Força do
Ajucá (duração: 23’), Amorim descreve no texto de sua tese que:
... reproduz, no ressurgimento ou apresentação dos Koiupanká, a festa do ressurgimento
de todos os outros três povos,ou seja, dos Kalankó, Karuazu e Katokinn que de forma
similar, organizaram sua “grande festa do ressurgimento”. Ao mesmo tempo em que as
imagens... transmitem o que vemos, isto é, nos coloca na posição de “observador”-
partícipe - deste processo de ressurgência através das imagens nele contidas, provoca o
leitor...se posicionar, a sentir, a entender a mensagem que estas imagens, e
principalmente, o que os povos aqui representados, querem mostrar. Trata-se de uma ação
antropológica da visualidade, da construção da imagem, do som e da auto-imagem destes
povos em tal processo, que convido o leitor a fazer uma pausa em sua leitura e participar
como observador deste momento único da ressurgência indígena Kalankó, Karuazu,
Koiupanká e Katokinn no Alto Sertão Alagoano (AMORIM 2010, p.126)
5
Albuquerque produziu dois CDs de músicas Kapinawá. No seu blog
<http://marcosdadazen.blogspot.com> , ele vem postando filmes etnográficos de sua autoria, bem como
registros antigos, como é o caso do filme sobre os Pankararu produzido na década de 1930, que
provavelmente tenha sido o primeiro registro de imagens fílmicas de índios no Nordeste do Brasil.
6
Importante destacar uma excelente abordagem sobre o processo de migração dos Pankararu que hoje
habitam também em São Paulo. Trata-se Do Sáo Francisco ao Pinheiro (2007). dirigido por Paula
Morgado e João Sena, que é uma produção do LISA/USP.
6
inovadora a nível de produção sobre índios em São Paulo, focalizando os que vivem no
contexto urbano e suas mobilizações políticas em termos de organizações através de
associações. Registra, na sua maioria, etnias indígenas que migraram do nordeste
brasileiro, como os Pankararu (PE), Fulni-ô (PE), Atikum (PE), Xurucu (PE), Kariri-
Xocó (AL), Pankararé (BA) e Potiguara (PB). Como consta na ficha técnica do filme:
7
É uma abordagem criativa, dentro do modo participativo, de um elemento cultural
indígena que se expandiu para contextos urbanos contemporâneos.
Albuquerque produziu dois filmes sobre os Kapinawa. No intitulado “Joguei a
Semente pra Cima” (<http://vimeo.com/14309562>), produzido em 2004 (Duração:
16:16’’) de sua direção e produção com apoio do PPGS da UFCG, os índios “narram
história da mobilização política dos índios Kapinawá (Buíque - PE) contra grileiros de
suas terras, em especial a Mina Grande, sede da etnia. Registra a revitalização do ritual
do Toré como forma de aglutinar a comunidade para a luta contra os latifundiários e
fortalecer a identidade indígena” No filme premiado no concurso Pierre Verger/ABA
em 2006 pela categoria Juri Popular, “Ai que prazer que alegria Kapinawá” (30’
<http://vimeo.com/14551526>), Albuquerque explica que é um filme que:
O tema central do filme é a constituição do Toré como espaço central das modificações
culturais pelas quais passaram. Mostra o ingresso deste ritual na comunidade, a
recuperação do elemento laico e lúdico do samba-de-coco (dança e música) por este
espaço sagrado e a criação de novos toantes (cânticos indígenas) e sambas de caboclos
(como chamam as músicas criadas pela mistura de toantes com sambas-de-coco). 9
Gostaria de comentar sobre dois filmes que se destacaram, no meu entender, por
conterem elementos predominantes de outras categorias de modos de representação. É o
filme já citado de Siloé Amorim, O Toré de D. Iracema, Fragmento da Performance
do Ressurgimento Koiupanká (1:39”), que destaco como o único entre os 14
analisados que prevalece o modo observativo de representação, quando em tempo real,
participativo. A reflexividade é objeto de discussão.
9
“Ai que prazer que alegria Kapinawá” (30’) foi produzido baseado na dissertação de mestrado de
Albuquerque (2005). Essa segunda premiação que Albuquerque recebeu marca algo inédito até então na
Antropologia Visual brasileira. Ele é o único antropólogo desde o início do concurso Pierre Verger a ser
premiado duas vezes. Considero esse dado revelador do talento e valor do trabalho que Albuquerque vem
desenvolvendo no campo da Antropologia Visual brasileira contemporânea.
8
o filme focaliza D. Iracema cantando um toré e uma índia presente incorporando um
espírito, cantando também e emitindo sons guturais que sugerem uma vivência de
estado de possessão. Sobre esse modo observativo, Nichols aponta que:
...[são] filmes sem comentário com voz-over, sem música ou efeitos sonoros
complementares, sem legendas, sem reconstituições históricas, sem situações repetidas
para a câmera e até sem entrevistas... [dando] a idéia da duração real dos acontecimentos
(NICHOLS 2008, p. 147; 149).
9
um filme que os índios depõem, mostram suas subjetividades a partir do uso de
tecnologias digitais:
...intimidade dos indígenas de diversas etnias com o uso de variadas tecnologias. Você
ainda acredita no mito que nossos índios vivem completamente isolados em suas aldeias?
Então veja o quanto está enganado.
Integrantes de várias nações indígenas, como a Tupinambá (BA), a Pataxó Hahahãe (BA),
Kariri-Xocó (AL), a Pankararu (PE), Potiguara (PB), Makuxi (RR) e Bakairi (MT)
relatam como celulares, câmeras fotográficas, filmadoras, computadores e,
principalmente, a internet vêm sendo ferramentas importantes na busca das melhorias
para as comunidades indígenas e nas relações destas com o mundo
globalizado.<http://www.colunazero.com.br/2010/05/indigenas-digitais-e-
globalizados.html>
10
Pesquisa e produção: Adriana Pereira, Carlos Guilherme do Valle, Chico Sales, Eliene Nunes, Estevão
Palitot, Fernando Barbosa, Francisco Xavier, Gretha Viana, Luiza Botelho, Mirna Nóbrega, Auelyta lves
e Walfrido Cabral. Câmera e som: Adriana Pereira, Alfredo Amaral, Chico Sales, Fernando Barbosa,
Luiza Botelho, Mirna Nobrega, Sulyta Alves. Roteiro e direção: Chico Sales, Mirna Nóbrega e Suelyta
Alves. Tecnico de edicao: Alfredo Amaral. STILL: Carlos Guilherme do Valle, Luiza Botelho e Mirna
Nóbrega. Consultoria: Estevão Palitot e Fernando Barbosa. Realizacao: UFPB, PRAC, COPAC,
FUNAPE, CCHLA, SEAMPO e GT indígena. Apoio: Governo Federal, Ministério da Educação,
Secretaria de ensino, superior, PROEXT 2004, Programa de Educação e Promoção Social indígena
Potiguara. Finalizacao: Departamento de comunicação social e turismo – UFPB.
10
antropológico a partir de pesquisa de campo etnográfica, e são elaborados seguindo o
modo participativo de representação desses grupos étnicos indígenas.
Referências bibliográficas:
11