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III Seminário do LEME, 26 a 28 de agosto/2010, UECE, Fortaleza

Trabalho apresentado na mesa-redonda intitulada A Imagem do Indígena no


Nordeste Brasileiro: Abordagens Etnográficas e Reflexões Teóricas, coordenada por
Marcos Alexandre de Albuquerque/UFSC e Sílvia A. C. Martins/UFAL

Índios e Registros Fílmicos... Reflexões sobre Filmes Etnográficos Produzidos por


Pesquisadores Vinculados ao Laboratório Antropologia Visual em Alagoas

Sílvia Martins/UFAL
(silvia.martins@pq.cnpq.br)

No presente trabalho, intenciono refletir sobre filmes produzidos por


pesquisadores do AVAL. O grupo de pesquisa Antropologia Visual em Alagoas
<http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0331703KNW4DPZ>,
fundado em 2004, vem contando com a colaboração de pesquisadores vinculados a
diferentes instituições. Como um grupo de pesquisa registrado no CNPq, o AVAL vem
se desenvolvendo a partir de pesquisas realizadas principalmente por antropólogos da
UFAL. A partir de dois encontros realizados, respectivamente em 2005 e 2007, o
AVAL se expandiu através da vinculação de diversos pesquisadores que participaram
desses eventos, como Cornelia Eckert (UFRGS), Etienne Samain (UNICAMP), Marcos
Alexandre Albuquerque (UFSC), Glauco Machado, Ricardo Dantas Salomão (UFF), e
vários outros.
No AVAL, um total de 28 filmes produzidos sobre índios, datados a partir do
ano de 1996, está organizado em acervo. Dentre esses, 14 filmes fazem parte de
produção relacionada a pesquisas e pesquisadores vinculados diretamente ao AVAL. 1 A
abordagem que segui privilegia a organização desses filmes principalmente a partir das
temáticas exploradas. Também procurei entendê-los utilizando noções que Bill Nichols
(2008) define sobre tipos de filmes documentários. Quando considerar oportuno, citarei
os demais filmes do acervo, visando enriquecer as reflexões que serão feitas sobre essa
recente produção imagística sobre índios no Nordeste, particularmente aquelas que
lidam com índios em Alagoas, Pernambuco e Paraíba.
Considero que o filme etnográfico esta associado ao filme documentário,
enquanto “representaç[ão]... de uma parte do mundo histórico” (NICHOLS 2008, p.30),

1
São eles Ana Laura Loureiro Ferreira/AVAL, Juliana Barretto/UFAL, Marcos Alexandre
Albuquerque/UFSC, Celso Brandão/Produtora Estrela do Norte e Siloé Marques Amorim/UFPB.

1
e que é realizado a partir do “projeto etnográfico” (PINK 2004, p.79). Assim, a
participação de antropólogos como realizadores tem sido uma marca desse tipo de
produção, quando utilizam em suas pesquisas o registro audiovisual e produzem filmes
a partir dessas investigações.
Dentre os seis subgêneros do gênero documentário, que Nichols define enquanto
modos de representar o mundo histórico, são destacados os seguintes: o poético, o
expositivo, o participativo, o observativo, o reflexivo e o performático. Tentarei
explicar esses subgêneros ao mesmo tempo em que irei comentando e relacionando os
filmes do AVAL dentro dessas modalidades. Mas, como o próprio Nichols aponta,

A identificação de um filme com um certo modo [subgênero] não precisa ser total... As
características de um dado modo funcionam como dominantes num dado filme: elas dão
estrutura ao todo do filme, mas não ditam ou determinam todos os aspectos de sua
organização. Resta uma considerável margem de liberdade (NICHOLS 2008, p. 138)

Esse autor explica que o modo poético explora:


...associações e padrões que envolvem ritmos temporais e justaposições espaciais...
[possibilitando] formas alternativas de conhecimento para transferir informações
diretamente, dar prosseguimento a um argumento ou ponto de vista específico ou
apresentar proposições sobre problemas que necessitam solução... [enfatizando] mais o
estado de ânimo, o tom e o afeto do que as demonstrações de conhecimento ou ações
persuasivas. O elemento retórico continua pouco desenvolvido (NICHOLS 2008, p. 138).

Nesse aspecto, não consegui relacionar essas características do modo poético de


lidar com a representação sobre índios em nenhum dos 14 filmes selecionados para
análise. Também não associei, na minha avaliação, nenhum filme como prevalecendo a
definição que Nichols formula sobre o modo expositivo. Ele menciona que:

Este modo agrupa fragmentos do mundo histórico numa estrutura mais retórica ou
argumentativa do que estética ou poética... [dirigindo-se] ao espectador diretamente, com
legendas ou vozes que propõem uma perspectiva, expõem um argumento ou recontam a
história... adotam o comentário com voz de Deus ou utilizam o comentário com voz da
autoridade (o orador é ouvido e também visto)... dependem de uma lógica informativa
transmitida verbalmente... as imagens desempenham papel secundário. Elas ilustram,
esclarecem, evocam ou contrapõem o que é dito... o comentário... [é] associado à
objetividade, ou onisciência. Na verdade... representa a perspectiva ou o argumento do
filme (NICHOLS 2008, p. 142-146).

Um outro modo, definido como reflexivo, também não associei nenhuma


produção fílmica produzida abordando índios no Nordeste. Sobre esse modo, ele explica
que:
São os processos de negociação entre cineasta e espectador que se tornam o foco de
atenção... falando não só do mundo histórico como também dos problemas e questões da

2
representação... os documentários reflexivos pedem-nos para ver o documentário pelo que
ele é: um constructo ou representação... (NICHOLS 2008, p.162, 163)

Filmes que analisei, podem ser apontados de uma forma geral com
características do modo participativo quando:

... vemos... que o cineasta e as pessoas que representam seu tema negociam um
relacionamento, como interagem, que formas de poder e controle entram em jogo e que
níveis de revelação e relação nascem dessa forma específica de encontro... é a verdade de
uma forma de interação, que não existiria se não fosse pela câmera
...dá-nos uma idéia do que é... estar numa determinada situação e como aquela situação
consequentemente se altera... [pode-se também] querer apresentar uma perspectiva mais
ampla, frequentemente histórica em sua natureza... a entrevista representa umas das
formas mais comuns de encontro... num campo de trabalho antropológico... usam a
entrevista para juntar relatos diferentes numa única história (NICHOLS 2008, p.154, 155;
159).

Agrupo, então, nesse modo participativo, como característica de abordagens em


termos de representações fílmicas de índios no Nordeste, a grande maioria dos filmes
produzidos pelos pesquisadores do AVAL. Iniciaria comentando sobre dois filmes que
não foram produções vinculadas ao AVAL, embora seus realizadores hoje sejam.
Gostaria de iniciar citando um filme produzido em 1996, intitulado
Cienciazinha Turká (1996. Direção: Mércia Batista/UFCG e Rachel
Rocha/AVAL/UFAL, duração 18’). Esse filme merece um destaque especial por
apresentar exatamente do que vem se mantendo como temáticas centrais de uma forma
geral: o registro de práticas ritualísticas de religiosidade indígena. Considero que esse
filme já revela o que tentarei aqui enfatizar: que as temáticas abordadas pelos
antropólogos refletem problemas e questões postas pelos próprios índios, enquanto
assuntos que eles apresentam ao mesmo tempo em que os filmes tratam de algo que os
próprios antropólogos buscam registrar através de seu interesse teórico. É através dessa
negociação ou conversação, como Pink (2004, p.79) explica, “que o conhecimento é
produzido.” Essa negociação também marca o que é característico do modo
participativo, mas considero esse filme dentro do modo performático que será
abordado mais adiante quando me referir ao filme Os Guerreiros Tingüi-Botó.

O filme Assumindo Minha Responsabilidade (2008, duração: 24’), cuja


direção, edição e fotografia é de Ricardo Dantas Borges Salomão, com roteiro dele e de
João Pacheco de Oliveira Filho/LACED/MN/UFRJ registra, como explicam:
...o I Encontro de Povos Indígenas em Luta pelo Reconhecimento Étnico e Territorial
através de depoimentos de líderes indígenas que relatam suas experiências, reivindicações

3
e dificuldades encontradas nesse processo de reconhecimento da identidade étnica
indígena. Dessa forma, há uma abordagem, a partir de perspectivas nativas, de uma
temática bastante contemporânea sobre processos de etnogênese de povos no Nordeste,
Norte e Centro-Oeste do Brasil.

Destacaria aqueles que focalizam de forma mais direta as práticas ritualísticas.2


Inicialmente, por exemplo: O Menino do Rancho (2004, duração: 20’) cuja direção é
de Celso Brandão. Trata-se de um filme sobre um ritual de iniciação entre os Pankararu,
onde cenas de práticas do ritual são intercaladas com depoimentos de participantes,
principalmente de parentes como os pais e avós do menino que “vai para o rancho.”
Dona Barbara, avó do menino, comenta sobre o significado e importância desse ritual
para seu grupo.3
Três outros filmes que foram produtos diretos de pesquisas desenvolvidas no
AVAL e também estão associados a esse modo participativo. No caso, baseadas em
registros audiovisuais reunidos durante a pesquisa Especialistas Xamânicos em
Alagoas: Registros Fílmicos (2004-2005), quando três filmes foram produzidos: (1) Um
Dia Encantado Entre-Serras (2005, direção: Juliana Barretto e Ana Laura Loureiro,
duração: 5:26min) que registra a celebração da regularização de uma terra localizada na
Serrinha chamada Entre-Serras, área indígena Pankararu. Esse filme mostra entrevistas
com o antropólogo da FUNAI Ivson Ferreira, que foi um dos antropólogos responsáveis
pela elaboração do parecer técnico e relatório do GT encarregado dessa terra específica.
Também aparecem cenas da celebração na Serrinha, quando foram reunidos Praiás que
festejaram juntamente com os índios que relatam essa história. (2) Geripancó: Uma
Semente no Sertão (2005, direção: Juliana Barretto e Ana Laura Loureiro, 5’:25).
Trata-se de um filme em que índios relatam suas experiências com o xamanismo
praticado entre os Geripancó a partir de depoimentos e com cenas inclusive a voz e
presença da antropóloga realizando entrevistas. (3) Ponta-de-Rama (2007, duração:
18'), direção de Juliana Barretto, apresenta dados etnográficos das etnias presentes no

2
Kambô... a vacina do sapo (2009. Direção: Silvia Martins, duração: 22’) pode ser enquadrado dentro
do modo participativo. Nesse filme a prática ritualística do uso da secreção da rã phylomedusa bicolor é
abordada e exercida por Gomes, índio Katukina que aplica essa vacina no contexto urbano. Ele explica
sobre essa “medicina” ao mesmo tempo que depoimentos de indivíduos que vivenciaram essa experiência
são apresentados, juntamente com cenas do ritual. Trata-se de uma produção dentro de uma pesquisa
sobre o uso de ayahuasca em Alagoas, e que constata que o kambô vem sendo uma substância utilizada
por membros de grupos ayahausqueiros.
3
Outro filme, intitulado Menino no Rancho. festa, cura e iniciação entre os Pankararu, cuja direção é
de Renato Athias do Laboratório de Antropologia Visual da UFPE, foi realizado também explorando esse
ritual, contendo depoimentos de parentes do próprio menino Pankararu que participou do ritual. Sendo
também um filme que contem características desse modo participativo.

4
sertão alagoano Katokinn, Koiupanka, Kalancó e Karuazú, localizadas nos municípios
de Água Branca, Inhapi e Pariconha. Segundo Juliana Barretto, como ela descreve na
ficha técnica do filme:

A argumentação desse documento teve como tema central, as relações étnico identitárias
desses povos, expressando representações através de uma delimitação: O xamanismo
como propulsor de identidades indígenas no sertão alagoano. São focados momentos de
exaltação desses traços diferenciais de etnias resistentes.

Um destaque importante que esse filme tem é que se trata de uma produção
dentro dos trabalhos acadêmicos, no caso é conclusão do Trabalho de Conclusão de
Curso de Bacharelado em Ciências Sociais no Instituto de Ciências Sociais da UFAL de
Juliana Barretto (2007) que explica que:

“...o fenômeno da etnicidade foi estudado através das relações de parentesco, de religião,
bem como as relações desses indígenas com os não-índios, onde a identidade indígena é
reforçada dentro desse contexto de resistência ao qual esses índios no sertão alagoano
estão inseridos.”
Juliana Barretto, no mestrado em Antropologia realizado na UFPE, continua
investigando um desses grupos localizados no sertão.4 Ela produz um filme que é
inserido como um subitem do terceiro capítulo de sua dissertação (BARRETTO 2010).
As Corridas do Umbu Karuazu (2010, direção: Juliana Barretto, duração: 29’) é
resultado de um trabalho realizado em conjunto com os Kaurazu, quando Barretto tendo
feito o registro de doze horas de imagens que os próprios índios consideraram
importantes enquanto roteiro, para finalmente editar As Corridas do Umbu Karuazu.
Mesmo com a participação dos índios nas diferentes etapas, o que sugeriria um modo
performativo. Trata-se de um filme em que prevalece o modo participativo, mesmo que
Barretto não apareça diretamente nem sua voz esta presente nas perguntas que faz
durante entrevistas. É explícito durante todo o filme que os índios estão falando com
ela. Daí, a sua presença é marcante, e as entrevistas juntamente com tomadas que
sugerem o uso do modo observativo, se alternam.

Sobre esses povos que se auto-denominam de “resistentes”, Siloé Amorim


(2003, 2010) baseado em acervo videográfico de pesquisa que há mais de 10 anos vem
desenvolvendo entre esses povos, inclui na sua tese de doutorado 5 filmes que estão
datados em 2010 e dirigidos por ele. Os filmes são os seguintes: (1) A Força do Ajucá
(duração: 23’), (2) A Promessa de Clenio Karuazu em Imagem (27’), (3) As
4
Juliana Barreto foi orientanda de Renato Athias/UFPE e minha co-orientanda durante o mestrado em
Antropologia na UFPE.

5
Promessas de Dona Pedrina e Dona Enedina no Processo de Resistência
Koiupanká (29’) . (4) Promessa de Clênio em Imagens (27:39”), (5) O Toré de D.
Iracema, Fragmento da Performance do Ressurgimento Koiupanká (1:39”) Todos
esses filmes seguem um estilo similar, com exceção desse último sobre D. Iracema.
Assim, os demais filmes se enquadram no modo participativo, quando a presença de
Amorim através de sua própria imagem em algumas cenas, bem como sua voz nas
entrevistas realizadas, proporcionam a visualidade da interação estabelecida entre ele e
os índios. Nesses filmes, Amorim remonta temáticas exploradas sobre práticas que são
na sua maioria ritualísticas de cunho “mágico-religiosas,” bem como explora a questão
da afirmação étnica indígena que é característica desses grupos que vêm reivindicando o
reconhecimento oficial enquanto índios.
Interessante que Amorim não insere simplesmente os filmes nos subitens de
capítulos, ele explica e convida o leitor para isso. Por exemplo, sobre A Força do
Ajucá (duração: 23’), Amorim descreve no texto de sua tese que:
... reproduz, no ressurgimento ou apresentação dos Koiupanká, a festa do ressurgimento
de todos os outros três povos,ou seja, dos Kalankó, Karuazu e Katokinn que de forma
similar, organizaram sua “grande festa do ressurgimento”. Ao mesmo tempo em que as
imagens... transmitem o que vemos, isto é, nos coloca na posição de “observador”-
partícipe - deste processo de ressurgência através das imagens nele contidas, provoca o
leitor...se posicionar, a sentir, a entender a mensagem que estas imagens, e
principalmente, o que os povos aqui representados, querem mostrar. Trata-se de uma ação
antropológica da visualidade, da construção da imagem, do som e da auto-imagem destes
povos em tal processo, que convido o leitor a fazer uma pausa em sua leitura e participar
como observador deste momento único da ressurgência indígena Kalankó, Karuazu,
Koiupanká e Katokinn no Alto Sertão Alagoano (AMORIM 2010, p.126)

É impressionante a contribuição da produção fílmica sobre índios no Nordeste


do antropólogo Marcos Alexandre Albuquerque.5 Nesses filmes há a predominância de
cenas de práticas rituais, bem como explicações que os próprios índios dão sobre
questões territoriais. Mas primeiramente, gostaria de registrar o filme que ele assume
como produção do AVAL/UFAL, LEME/UFCG e NAVI/UFSC, Eu Venho é do
Mundo (duração: 15:19” <http://vimeo.com/14621830>) de sua direção e de Edson
Nakashima.6 Esse filme aborda dentro do modo participativo, mas também utilizando
recursos do modo expositivo (pois há falas de autoridade explicativas), uma temática

5
Albuquerque produziu dois CDs de músicas Kapinawá. No seu blog
<http://marcosdadazen.blogspot.com> , ele vem postando filmes etnográficos de sua autoria, bem como
registros antigos, como é o caso do filme sobre os Pankararu produzido na década de 1930, que
provavelmente tenha sido o primeiro registro de imagens fílmicas de índios no Nordeste do Brasil.
6
Importante destacar uma excelente abordagem sobre o processo de migração dos Pankararu que hoje
habitam também em São Paulo. Trata-se Do Sáo Francisco ao Pinheiro (2007). dirigido por Paula
Morgado e João Sena, que é uma produção do LISA/USP.

6
inovadora a nível de produção sobre índios em São Paulo, focalizando os que vivem no
contexto urbano e suas mobilizações políticas em termos de organizações através de
associações. Registra, na sua maioria, etnias indígenas que migraram do nordeste
brasileiro, como os Pankararu (PE), Fulni-ô (PE), Atikum (PE), Xurucu (PE), Kariri-
Xocó (AL), Pankararé (BA) e Potiguara (PB). Como consta na ficha técnica do filme:

As associações indígenas de São Paulo apelam a este tipo de tradição principalmente em


duas circunstâncias: a) como espaço de receita econômica na apresentação de suas
tradições em arenas específicas (museus, igrejas, universidades e outros) e b) na conquista
e geração de direitos indígenas junto aos órgãos públicos. Assim, a apresentação de
tradições indígenas em arenas específicas acabou se tornando um novo, prestigiado e
restrito espaço de mobilização coletiva e de visibilidade de um componente social e
historicamente marginalizado.7

É importante destacar os filmes que Marcos Albuquerque produziu a partir de


pesquisas voltadas para produção acadêmica: (1) Jurema: Raízes Etéreas
(<http://vimeo.com/14298979>) que contou com apoio do LACED/Museu
Nacional/Fundação Ford e a UFCG (2002, duração: 40`), cuja
produção/roteiro/câmera/edição é do próprio autor, que contou com a co-produção de
Rodrigo Grünewald e pós-produção e edição de Glauco Machado. Esse filme foi
realizado a partir de seu Trabalho de Conclusão do curso de Bacharelado em Ciências
Sociais intitulado “Destreza e Sensibilidade: os vários sujeitos da Jurema – as prática
rituais e os diversos usos de um enteógeno nordestino” (ALBUQUERQUE, 2002).
Jurema: Raízes Etéreas foi premiado com Menção Honrosa no concurso Pierre Verger
da Associação Brasileira de Antropologia/ABA em 2004. Destaco que se trata de uma
criativa abordagem dos diferentes contextos em que o enteógeno jurema vem sendo
utilizado no Brasil (tais como entre índios, populações rurais, urbana de culto afro-
brasileiro, e grupos neo-ayahuasqueiros). É um filme dedicado aos indos no Nordeste. 8
7
Ainda sobre os Pankararu, Marcos Albuquerque produziu "São Paulo: A Terceira Margem
Pankararu" (2009) que foi inscrito juntamente com Promessa Pankararu (2010) tendo esse último sido
selecionado para exibição na III Mostra LEME de Fotografia e Filme Etnográficos em Fortaleza.
8
Importante destacar o filme Interseções (2007, 14’ <http://vimeo.com/14811583>) que foi exibido e
publicado em conjunto com 7 filmes etnográficos, o DVD produzido no II Encontro do AVAL (2007).
Nesse filme, Albuquerque se introduz no filme tomando jurema que é servida a ele em contextos rituais
dos Kapinawá no início do filme e entre os Atikum no final. Cheguei a levantar uma dúvida se esse filme
não se enquadraria no modo reflexivo, uma vez que Albuquerque se introduz dessa forma no filme,
dando prosseguimento a toda uma discussão dos antropólogos sobre seus envolvimentos em pesquisa
com uso de enteógeno. Glauco Machado chamou atenção que se trata de abordagens objetivas sobre uma
reflexão dos antropólogos sobre esse tipo de experiência em pesquisa, não se tratando do modo reflexivo.
Concordei com Machado, pois a reflexividade é abordada pelos entrevistados. Também é importante citar
o filme Outro Sentido (17’ <http://vimeo.com/14802187>), cuja direção é de Érica Quináglia Silva,
Marcos Alexandre Albuquerque e Tales Nunes, com produção do NAVI/UFSC; no ano de 2006. Nesse
filme há uma abordagem reflexiva sobre o fazer etnográfico, mas também se enquadra no modo

7
É uma abordagem criativa, dentro do modo participativo, de um elemento cultural
indígena que se expandiu para contextos urbanos contemporâneos.
Albuquerque produziu dois filmes sobre os Kapinawa. No intitulado “Joguei a
Semente pra Cima” (<http://vimeo.com/14309562>), produzido em 2004 (Duração:
16:16’’) de sua direção e produção com apoio do PPGS da UFCG, os índios “narram
história da mobilização política dos índios Kapinawá (Buíque - PE) contra grileiros de
suas terras, em especial a Mina Grande, sede da etnia. Registra a revitalização do ritual
do Toré como forma de aglutinar a comunidade para a luta contra os latifundiários e
fortalecer a identidade indígena” No filme premiado no concurso Pierre Verger/ABA
em 2006 pela categoria Juri Popular, “Ai que prazer que alegria Kapinawá” (30’
<http://vimeo.com/14551526>), Albuquerque explica que é um filme que:
O tema central do filme é a constituição do Toré como espaço central das modificações
culturais pelas quais passaram. Mostra o ingresso deste ritual na comunidade, a
recuperação do elemento laico e lúdico do samba-de-coco (dança e música) por este
espaço sagrado e a criação de novos toantes (cânticos indígenas) e sambas de caboclos
(como chamam as músicas criadas pela mistura de toantes com sambas-de-coco). 9

Num outro filme intitulado Meu Atikum (duração:9:40”


<http://vimeo.com/14617608>), produzido em 2005, também com apoio UNICAMP
(UFCG), LACED/ Museu Nacional/Fundação Ford e PPGS da UFCG, consta como
produção e direção esse autor, bem como edição e pós-produção de Glauco Machado.
Albuquerque explica:
Vídeo etnográfico que conta a historia da organização dos índios Atikum (sertão de
Pernambuco) contra a invasão, por criadores de gado, de suas terras mais produtivas, a
Serra do Umã... Através de entrevistas o vídeo resgata, pela memória de alguns Atikum, a
história de emergência da identidade indígena da comunidade da Serra do Uma e a
produção de seu etnônimo. O vídeo também localiza elementos da cultura ritual Atikum
tendo na realização do toré, no preparo da jurema e no espaço sagrado da Pedra do Gentio
seus principais componentes. Tais elementos rituais são contrastados com a produção de
uma fronteira entre os Atikum e a população local, chamada genericamente de “brancos”.

Gostaria de comentar sobre dois filmes que se destacaram, no meu entender, por
conterem elementos predominantes de outras categorias de modos de representação. É o
filme já citado de Siloé Amorim, O Toré de D. Iracema, Fragmento da Performance
do Ressurgimento Koiupanká (1:39”), que destaco como o único entre os 14
analisados que prevalece o modo observativo de representação, quando em tempo real,
participativo. A reflexividade é objeto de discussão.
9
“Ai que prazer que alegria Kapinawá” (30’) foi produzido baseado na dissertação de mestrado de
Albuquerque (2005). Essa segunda premiação que Albuquerque recebeu marca algo inédito até então na
Antropologia Visual brasileira. Ele é o único antropólogo desde o início do concurso Pierre Verger a ser
premiado duas vezes. Considero esse dado revelador do talento e valor do trabalho que Albuquerque vem
desenvolvendo no campo da Antropologia Visual brasileira contemporânea.

8
o filme focaliza D. Iracema cantando um toré e uma índia presente incorporando um
espírito, cantando também e emitindo sons guturais que sugerem uma vivência de
estado de possessão. Sobre esse modo observativo, Nichols aponta que:
...[são] filmes sem comentário com voz-over, sem música ou efeitos sonoros
complementares, sem legendas, sem reconstituições históricas, sem situações repetidas
para a câmera e até sem entrevistas... [dando] a idéia da duração real dos acontecimentos
(NICHOLS 2008, p. 147; 149).

Utilizando o registro audiovisual em sua pesquisa de mestrado, Ana Laura


Loureiro Ferreira (2010), explorando uma temática inovadora no nível de pesquisas
sobre índios no Nordeste, produz o filme indígena Os Guerreiros Tingüi-Botó (2009,
duraçäo: 19:25”), cuja direção é apontada como sendo do povo indígena Tingüi-Botó e
roteiro do jovem Marcelo Campos (Yaporé). Ferreira também inclui um outro filme
como capitulo de sua dissertação intitulado Para Outra Geração (duração: 19:27’),
quando se coloca como diretora, cuja produção alem dela mesma, cita o povo indígena
Tingüi-Botó. Nesse último filme, Ferreira explora o modo participativo, embora
alternado com o modo performático, por aparecer no próprio filme entrevistas sendo
feitas entre os próprios índios. A informação que ela apresenta e analisa na sua
dissertação é exatamente como sua pesquisa foi guiada pela interferência dos próprios
sujeitos que opinaram para quais registros audiovisuais deveriam ser priorizados. Daí,
Ferreira (2010) relata e analisa as mudanças de temáticas e orientações de sua pesquisa
no decorrer da convivência com os Tingüi-Botó.
De acordo com Nichols, o modo performático:
...tenta demonstrar como o conhecimento material propicia o acesso a uma compreensão
dos processo mais gerais em funcionamento na sociedade...
...o significado é claramente um fenômeno subjetivo, carregado de afetos.... experiência e
memória, sublinha a complexidade de nosso conhecimento do mundo ao enfatizar suas
dimensões subjetivas e afetivas (NICHOLS 2008, p. 170).

Assim, Os Guerreiros Tingui-Botó é único caso exemplar de uma produção do


AVAL dentro do modo performático, por esse apelo a uma explicação que os jovens
Tingüi-Botó fazem, a partir de suas compreensões subjetivas e expressões sobre como
são indígenas. Daí, há um forte apelo interpretativo a elementos estéticos e performance
de atividades que caracterizam eles enquanto índios.

Sobre comentários referentes a outras produções fílmicas sobre índios no


Nordeste que não estão vinculadas a pesquisadores do AVAL, considero importante
destacar o filme Indigenas Digitais (26’) de Sebastian Gerlic (que dirige, edita e
produz). Trata-se de uma produção que se enquadra no tipo performático também. É

9
um filme que os índios depõem, mostram suas subjetividades a partir do uso de
tecnologias digitais:
...intimidade dos indígenas de diversas etnias com o uso de variadas tecnologias. Você
ainda acredita no mito que nossos índios vivem completamente isolados em suas aldeias?
Então veja o quanto está enganado.
Integrantes de várias nações indígenas, como a Tupinambá (BA), a Pataxó Hahahãe (BA),
Kariri-Xocó (AL), a Pankararu (PE), Potiguara (PB), Makuxi (RR) e Bakairi (MT)
relatam como celulares, câmeras fotográficas, filmadoras, computadores e,
principalmente, a internet vêm sendo ferramentas importantes na busca das melhorias
para as comunidades indígenas e nas relações destas com o mundo
globalizado.<http://www.colunazero.com.br/2010/05/indigenas-digitais-e-
globalizados.html>

Merece também destaque três filmes produzidos recentemente sobre os


Potiguara na Paraíba: (1) Monte-Mór é Nossa Terra (54’), (2) Sou Potiguara e (3)
Maria Cabocla (31’). São os vídeos do GT Indígena produzidos em 2005. 10 Destaco o
filme Maria Cabocla (31’) como dentro de uma abordagem performática, focalizando
as experiências subjetivas de diferentes mulheres e gerações, apesar de também conter
as características de um modo participativo (com registro da interação entre os índios e
aqueles que fazem entrevistas). Elas relatam suas experiências conjugais, de trabalho e
sonhos que têm. Diferentes gerações são focalizadas. Considerei que é um filme de
predominância do modo performático devido à espontaneidade que essas mulheres se
expressam.
Independente dos modos pelos quais os índios estão sendo representados-e-se-
representando, a partir dos diferentes modos de filmes etnográficos documentários,
pode-se ressaltar que essas imagens refletem, como já foi mencionado, diretamente
questões que são colocadas pelos próprios grupos. O projeto etnográfico é, sem dúvida,
um elemento fundamental nessas produções que surgem na maioria das vezes, como
pode ser constatado pelo próprio modo de representação dos índios, enquanto fruto de
negociações baseadas no momento de encontro entre antropólogos e índios em pesquisa
de campo. Assim, esses filmes refletem o próprio modo de construção do conhecimento

10
Pesquisa e produção: Adriana Pereira, Carlos Guilherme do Valle, Chico Sales, Eliene Nunes, Estevão
Palitot, Fernando Barbosa, Francisco Xavier, Gretha Viana, Luiza Botelho, Mirna Nóbrega, Auelyta lves
e Walfrido Cabral. Câmera e som: Adriana Pereira, Alfredo Amaral, Chico Sales, Fernando Barbosa,
Luiza Botelho, Mirna Nobrega, Sulyta Alves. Roteiro e direção: Chico Sales, Mirna Nóbrega e Suelyta
Alves. Tecnico de edicao: Alfredo Amaral. STILL: Carlos Guilherme do Valle, Luiza Botelho e Mirna
Nóbrega. Consultoria: Estevão Palitot e Fernando Barbosa. Realizacao: UFPB, PRAC, COPAC,
FUNAPE, CCHLA, SEAMPO e GT indígena. Apoio: Governo Federal, Ministério da Educação,
Secretaria de ensino, superior, PROEXT 2004, Programa de Educação e Promoção Social indígena
Potiguara. Finalizacao: Departamento de comunicação social e turismo – UFPB.

10
antropológico a partir de pesquisa de campo etnográfica, e são elaborados seguindo o
modo participativo de representação desses grupos étnicos indígenas.

Referências bibliográficas:

ALBUQUERQUE, Marcos Alexandre dos Santos. O Torécoco. (a construção do


repertório musical tradicional dos índios Kapinawá da Mina Grande-PE).
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