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A Construção do Modelo Soviético

Outubro de 1917 foi o momento da criação do primeiro estado socialista no


mundo, em resultado da transformação do império russo/Rússia em U.R.S.S. –
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Pela primeira vez na História, as
teses marxistas são aplicadas e dão origem a um regime político: a Ditadura do
Proletariado como etapa para a construção de uma sociedade comunista.

a) A Rússia à beira das revoluções


No início do século XX, o imenso império russo vivia ainda à maneira feudal,
em que 85% da sua população eram camponeses a trabalharem nas terras dos
nobres (boiardos), a quem tinham de entregar 50% dos rendimentos. O
operariado era escasso e vivia em más condições de vida e de trabalho.
As vozes descontentes faziam-se ouvir nos diversos partidos políticos apesar
da reduzida liberdade e perseguições à oposição:
S.D./Sociais – Democratas – formado por intelectuais no exílio, como Lenine.
S.R./Socialistas Revolucionários – operários e intelectuais defensores da
socialização dos meios de produção.
K.D./Constitucionais Democratas – burgueses apoiantes de um governo
parlamentar.

Em 1903, divergências internas levaram o S.D. a dividir-se em Bolcheviques


(maioria) – adeptos do Marxismo-leninismo (defendendo a criação de uma
partido revolucionário de elite – comunista; envolvimento do proletariado na
revolução; recurso à violência para concretizar a Ditadura do Proletariado) e
Mencheviques (minoria) - adeptos do socialismo reformista.
Enquanto estes partidos viviam na clandestinidade, o Czar Nicolau II governava
autoritariamente rodeado de uma corte faustosa e corrupta.
Em 1905, o descontentamento era generalizado como o demonstra o
tristemente célebre Domingo Sangrento (chacina de 2000 pessoas das 200 mil
que se manifestaram pacificamente em frente ao Palácio de Inverno em S.
Petersburgo). Após este acontecimento, o Czar vê-se obrigado a acalmar os
ânimos com algumas medidas liberais (convoca eleições para o Parlamento
(DUMA) para elaborarem uma Constituição e são abolidos certos privilégios da
nobreza. Mas com deputados fantoches e a constante dissolução da Duma, a
revolta cresce e torna-se imparável com a entrada da Rússia na 1ª Guerra
Mundial (Tríplice Entente).
Devido à má preparação do exército, as derrotas sucedem-se com milhares de
mortos e inválidos, desorganizando a já débil economia russa. Ao descrédito
militar junta-se a agitação social com o desemprego, a falta de géneros,
inflação e repressão.

Em 1917, estavam reunidas as condições para acontecer uma revolução


(Revolução Burguesa), que estalaria em Fevereiro ascendendo a Burguesia ao
poder, pondo fim ao czarismo e instaurando um regime republicano, na Rússia.
Exigida a abdicação do Czar Nicolau II, os revolucionários constituem um
Governo provisório constituído por Kerensky (S.R.) e pelo príncipe Lvov (K.D.)
e mais nove membros.
Paralelamente, formam-se Sovietes por todo o país (Conselhos locais de
camponeses, operários, soldados e marinheiros que já existiam em 1905, mas
entretanto desactivados e agora ressurgidos) liderados pelo Soviete de S.
Petersburgo onde se destacará Lenine. Vive-se uma espécie de duplo poder –
por um lado o Governo provisório e, pelo outro, os Sovietes adeptos do
marxismo.
O Governo esforça-se por impor uma democracia parlamentar, mas recusa
retirar-se da 1ª Guerra e a distribuir terras aos camponeses. A população
descontente, integra-se nos Sovietes, controlados pelos Bolcheviques, insurge-
se e exige a retirada da guerra e a confiscação de terras ou então o derrube do
Governo e a entrega do poder aos Sovietes. Estala deste modo uma nova
revolução (Revolução de Outubro ou Revolução Bolchevique - 1917), liderada
pelos Bolcheviques, constituídos em Guardas Vermelhos (espécie de milícias
populares surgidas em 1905 e ressurgidas em 1917) que assaltam o Palácio de
Inverno, em S. Petersburgo, sede do Governo Provisório, para assumirem o
poder.
Os Sovietes reúnem-se e designam o Conselho de Comissários do Povo,
presidido por Lenine, sendo Trostky o Comissário de guerra e Estaline o
Comissário das nacionalidades. Estava cumprido o desígnio de Marx – a luta
de classes traduzia-se na revolução e levara o proletariado ao poder.
Com o poder nas mãos dos Sovietes são de imediato tomadas medidas
revolucionárias que vão de encontro às aspirações da população, sua base de
apoio:
- abolição, sem indemnizações, do direito de propriedade privada
sobre a terra, então distribuída pelos camponeses, sem qualquer renda;
- controlo operário nas fábricas privadas pelas comissões de
trabalhadores;
- Nacionalização dos bancos e comércio externo;
- promulgação da 1ª Constituição e instituição do regime de partido
único;
- na reunião da III Internacional foi proposta a união de todos os
partidos comunistas, que se haviam multiplicado, num organismo internacional
– o Komintern;
- negociações para a paz e imediata retirada da 1ª Guerra, através do
Tratado de Brest-Litovsky (1918) assinado com a Alemanha embora com
inúmeras perdas de território nas regiões bálticas (Estónia, Letónia, Lituânia e
Finlândia) – “Uma paz vergonhosa, mas necessária!” – (Lenine)

O arrastamento das negociações, a resistência dos proprietários e empresários


aos novos decretos, o regresso de milhões de soldados (desemprego) e a
persistência da agitação social não permitiram a adesão fácil ao bolchevismo,
resultando numa Guerra Civil (1918-1920). Os Mencheviques, apoiados pela
Igreja, latifundiários, burgueses e potencias ocidentais, reuniram-se à volta do
Exército Branco para enfrentarem o Exército Vermelho dos Bolcheviques
comandado por Trotsky. Desentendimentos entre os Mencheviques e o receio
da população em regressar ao passado levaram ao fim dos confrontos, com
milhões de mortos pelo frio, fome e ferimentos.
Embora seguindo o Marxismo, Lenine teve de fazer ajustes ao caso russo –
incluir o campesinato no proletariado – devido à fraca adesão popular aos
decretos revolucionários. Teve de actuar energicamente perante a Guerra Civil
para evitar perder a revolução proclama a Ditadura do Proletariado e muda o
nome do partido bolchevique para Partido Comunista – é o Comunismo de
Guerra (1918-1921).
Vê-se obrigado a tomar medidas excepcionais, no sentido de nacionalizar a
economia para garantir o abastecimento das populações e do exército
vermelho (Guerra civil), para compensar a perda produção industrial devido às
cedências do tratado de Brest-Litosky:
- os excedentes agrícolas deviam ser vendidos ao Estado a preços
fixos e baixos
- Industrias com mais de 100 operários foram retiradas aos seus
donos e entregues aos trabalhadores;
- comércio externo e interno livres foram reduzidos e a frota
mercante nacionalizada;
- as grandes propriedades que ainda persistiam foram expropriadas,
sem indemnizações;
- trabalho obrigatório dos 16 aos 50 anos e, muitas vezes, devido à
escassez de moeda, pagos em géneros;
- salários atribuídos conforme o rendimento e a indisciplina laboral
era reprimida.

É assim estabelecida a verdadeira Ditadura do Proletariado com o objectivo de


construção do Comunismo (etapa final do processo revolucionário).
Foram proibidos os restantes partidos e os jornais ditos burgueses, os
Mencheviques afastados dos Sovietes e dissolvida a Assembleia Constituinte.
Instala-se um clima de terror com a polícia política russa – Tcheca – actuando
como arma do governo e substituindo-se aos tribunais.
Em 1922, através do Decreto das Nacionalidades, a Rússia transforma-se na
U.R.S.S. – União da Repúblicas Socialistas Soviéticas – um estado
multinacional organizado em Federação de Repúblicas com alguma autonomia
mas submetidas a uma Constituição. O Estado Soviético impunha um novo
regime político – Centralismo Democrático, em que todo o poder vinha das
bases regionais (Repúblicas federadas) e locais (Sovietes) cujos
representantes se reuniam anualmente no Congresso dos Sovietes.
Paralelamente, actuava o Partido Comunista, cujos membros de topo eram ao
mesmo tempo figuras do Estado vice-versa, tornando o Estado totalitário,
retirando o poder interventivo aos Sovietes, meros informadores das decisões
dos órgãos de cúpula para as populações.

Apercebendo-se de que a nacionalização dos meios de produção e o


Comunismo de guerra agravaram o estado já débil da economia ampliando a
fome e a miséria, Lenine, em 1921 opta com o partido por fazer um recuo
estratégico (um passo atrás para poder dar dois em frente) introduzindo
algumas medidas capitalistas como a privatização de alguns meios de
produção de pequena dimensão, em especial, no sector agrícola devido à ruína
deste sector.
- liberdade aos camponeses para cultivarem o que desejassem e de
venderem os excedentes no mercado;
- na indústria, empresas com menos de 20 operários foram
entregues aos seus antigos donos, e permitida a entrada de capitais, técnicos,
máquinas e matérias-primas estrangeiras.
Esta nova política económica denominada – NEP (Nova Política Económica)
vai vigorar até 1928, tendo conseguido o restabelecimento da produção
permitindo o debelar da crise e a estabilização do regime, embora correndo
riscos como a emergência de uma nova classe média burguesa – os Kulaks
(proprietários rurais abastados) e os Nepmen (homens da NEP, pequenos
comerciantes).
A morte prematura de Lenine, em 1924, vai conduzir à luta pelo poder entre
Trotsky e Estaline.
O comunismo de guerra: ditadura do proletariado e centralismo
democrático

   Inspirado nas ideias de Marx, Lenine defendia que a instauração de uma sociedade
sem classes, o comunismo, que teria de passar previamente por uma etapa designada
por ditadura do proletariado.

Na Rússia, o conjunto de medidas conducentes à instauração da ditadura do


proletariado tomou o nome de comunismo de guerra. Efectivamente, estava em
curso, desde 1918, uma guerra civil entre os russos que se opunham aos decretos
revolucionários (brancos) e os russos bolcheviques (vermelhos), cuja vitória
pertenceu ao exército vermelho.
   O comunismo de guerra sucedeu à democracia dos sovietes, substituindo os
decretos revolucionários ( o decreto sobre a paz, que propunha a todos os povos em
guerra a paz exigida pelos operários e camponeses russos; o decreto sobre a terra,
que colocava toda a propriedade privada à disposição dos comités agrários e dos
sovietes de camponeses - nacionalizações) por medidas mais radicais. Eis então
algumas medidas do comunismo de guerra:

• 1918: negociação imediata da paz com os alemães e retirada da Rússia da «guerra


estrangeira e capitalista que o socialismo sempre condenou e que o povo russo nunca
desejara», através do tratado de Brest-Litovsk.

• A organização dos vários sovietes numa hierarquia em pirâmide, sendo que no topo
estaria a Assembleia do Congresso dos Sovietes, de onde saía, por eleição, o Conselho
dos Comissários do Povo, o supremo órgão executivo cuja presidência foi entregue a
Lenine, tendo Trotsky como comissário da Guerra e Estaline como comissário das
nacionalidades. (Centralismo Democrático)

• A destruição do sistema capitalista e a colectivização de toda a economia através


da nacionalização imediata de todos os meios de produção: terras, fábricas, minas,
bancos, em que o Estado se instituía como gestor principal de todos os bens.

• A instituição do regime de partido único – o partido comunista russo (ex


bolchevista), considerado como representante do proletariado. (Centralismo
Democrático)

• Instituição da polícia política (Tcheca).


• Instituição da censura.

• Junho de 1918: promulgação da 1ª constituição da Revolução, aprovada pelo V


Congresso Geral dos Sovietes que, de acordo com o ideário bolchevique (que
favorecia o operariado), declarou o estado russo como um estado federalista e
multinacional, constituído pela união das nacionalidades, e adoptou o centralismo
democrático.

• 1919: reunião da 3ª Internacional (comunista), em virtude da preocupação com o


movimento socialista internacional e com a sua união, que propôs a União de todos
os partidos comunistas numa organização internacional (Komintern).

• O Estado era controlado pelo partido Comunista, o que reduziu, na prática, o poder
local dos sovietes. (Centralismo Democrático)

Nota: Lenine, apesar da ditadura do proletariado, considerava que a Rússia vivia em


democracia, porque, tal como anteriormente os capitalistas exerciam entre si a
democracia e oprimiam o povo, agora era a vez de o povo exercer a democracia e
oprimir os capitalistas, sendo que quando já não existisse necessidade de opressão,
todos exerceriam a democracia na sua plenitude.
Da democracia dos sovietes ao centralismo democrático

É durante este período revolucionário que se institui um conceito particular de


democracia que ficou conhecido como centralismo democrático.
Para Lenine, democracia mais do que um processo de formação de poder era o próprio
poder na sua significação etimológica – o poder do povo. Ora, segundo as concepções
socialistas, povo é o conjunto dos operários, soldados, marinheiros e camponeses (estes
com menor expressão política). Por conseguinte, para os marxistas-leninistas, o poder só
é democrático se for exercido pelos proletários das fábricas, das forças armadas e do
campo, nem que ele seja exercido por uma única organização partidária com exclusão de
todas as outras por não serem verdadeiramente representativas do povo. É o que se vai
passar na Rússia bolchevique quando o Partido Comunista se afirma como partido único,
centralizando o poder do povo – o poder democrático. Centralismo democrático é esta
forma de exercício do poder centrado num único partido com eliminação da liberdade de
pensamento, de expressão e de associação política.
Trata-se de uma forma do poder em que a soberania parte das bases populares
organizadas em sovietes. Num segundo momento, os sovietes de base representantes seus
para os sovietes locais e regionais. Num nível superior da organização politica, estes
sovietes locais e regionais elegem um soviete supremo, de âmbito nacional. É deste
soviete supremo que saem os ministros do Governo. Em ultima instância, os ministros
elegem um Presidium, que é o órgão supremo da República, onde se inclui o Presidente
da República.
Esta complexa organização do poder era dominada por uma única corrente ideológica, por
conseguinte, por um único partido, o Partido Comunista cuja orgânica se confundia com a
orgânica do Estado soviético. O presidente do partido era o Presidente da República e as
altas figuras do partido eram as altas figuras do Estado. Para os marxistas, esta
constituição do poder é democrática porque se baseava no sufrágio universal exercido de
baixo para cima. Efectivamente, o órgão máximo da soberania era o vértice de uma
hierarquização do poder em pirâmide, cujos níveis intermédios elegiam o nível seguinte,
começando pela base, que era a população da União organizada em sovietes de operários,
soldados, marinheiros e camponeses.
É centralista porque o poder era centralizado numa instituição suprema e exercido de
forma autoritária. Disciplina, ordem e autoridade eram a única forma de fazer triunfar a
revolução dos pobres sobre os capitalistas exploradores. Para o efeito, os diferentes
níveis do poder deviam respeitar a rígida hierarquia, estabelecida de cima para baixo, em
que cada nível devia obedecer aos níveis superiores dos Partido Comunista.

A NEP e o triunfo da revolução soviética

Os bolcheviques venceram militarmente a contra-revolução branca. Todavia, em 1920 a


Rússia era um país economicamente arruinado. O sistema produtivo apresentava níveis
inferiores aos de 1913, numa conjuntura política que mantinha o país isolado do Ocidente
capitalista, a miséria e a fome começavam a pôr em perigo a Revolução.
Com um grande pragmatismo, Lenine não hesitou em pôr em pratica um programa
económico através do qual visava repôs níveis de produtividade que garantissem à
população os bens essenciais à sua subsistência e a independência económica do Estado.
Tratou-se a Nova Política Económica (NEP). Com a NEP, o governo socialista recuava no
processo das nacionalizações e aceitava a iniciativa privada em sectores secundários, mas
essenciais da produção, mantendo nacionalizados os sectores fundamentais da economia.
Assim, era permitido ao sector privado agrícola, industrial e comercial intervir no
mercado com alguma liberdade para travar o agravamento da carência de bens de
primeira necessidade. Lenine empreendia um recuo que ele próprio considerava
estratégico. Durante algum tempo, a cedência ao capitalismo, sob controlo do Estado,
poderia ajudar à consolidação da revolução.
E assim foi, em 1927 a pequena e média burguesia dos negócios, os Nepmen, e pequenos
proprietários rurais, os Kulaks, resultantes da adopção de algumas medidas de tipo
capitalista tinham reposto e ate ultrapassado os níveis de produtividade anteriores à
Grande Guerra.
Falecendo em 1924, Lenine já não pôde assistir aos resultados da sua Nova Política
Económica.

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