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DEMOCRACIA POPULAR DE PROCESSO INTEGRAL:

CARACTERÍSTICAS DA PARTICIPAÇÃO DO POVO NA POLÍTICA CHINESA


CONTEMPORÂNEA

Marcelo Henrique da Silva

RESUMO

Este trabalho busca introduzir o conceito de democracia com características chinesas,


suas origens e transformações até a criação da chamada Democracia Popular de
Processo Integral, mais recente denominação utilizada pela China. O trabalho busca
ainda compreender como se dá a participação política do povo e quais meios estão
disponíveis para tal. Por fim, são analisadas situações de participação popular e suas
consequências, assim como medidas tomadas pelo governo que indiquem a
importância e o avanço nesta questão.

Palavras-chave: História Política; China; Democracia; Eleições.

1 INTRODUÇÃO

O alçamento da China à condição de potência mundial costuma levantar


inúmeras questões sobre o funcionamento político do país, que por várias vezes é
chamado de ditadura por veículos de mídia ocidentais, por exemplo o site The
Economist (2022), o jornal Gazeta do Povo (2022) e a revista Valor (2021).
Em contrapartida, o presidente chinês Xi Jinping, na tentativa de sintetizar o
sistema político chinês, cunhou o termo “Democracia Popular de Processo Integral”.
Conceito que é aprofundado no livro branco intitulado “China: Democracy that Works”,
onde não apenas a China se defende como também revida os ataques dirigidos ao
seu modelo de governança (DONGCHAO, 2021; CHINA, 2021).
Neste documento, é dito: “Democracy is the right of the people in every country,
rather than the prerogative of a few nations. Whether a country is democratic should
be judged by its people, not dictated by a handful of outsiders.” (CHINA, 2021, p. 2).
De fato várias mudanças se sucederam na política chinesa após a reforma
politica e abertura econômica do país em 1978, como por exemplo a implementação
de eleições diretas, de fóruns deliberativos e consultivos, e a utilização da internet e


Aluno concludente do curso de Bacharelado em História pela Universidade Estácio de Sá. E-mail:
marceloh2601@gmail.com
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redes sociais como plataformas de interação politica (HE, Y., 2019; HE, B., 2019; WU,
HUANG, 2019)
Desse modo, diante do acirramento das tensões entre o dito ocidente e a China
(GALLAS, 2020), e à fim de gerar melhor entendimento sobre o maior parceiro
comercial do Brasil e de mais de 140 países, percebe-se a necessidade de investigar
os meios de participação política do povo chinês após a reforma e abertura em 1978,
que culminaram na denominação de Democracia Popular de Processo Integral
(BRASIL, 2023; CHINA, 2021).
Assim, cabe indagar: há efetiva participação popular na política chinesa?
Portanto, o objetivo geral do presente trabalho é investigar o processo histórico
de participação popular desde a reforma e abertura em 1978 que resultou na
Democracia Popular de Processo Integral.
Os objetivos específicos serão: descrever o conceito de democracia para o
Partido Comunista Chinês (PCCh); explorar as formas de participação do povo na
política; e avaliar os impactos reais dessa participação popular.
Para tanto, o método utilizado foi o hipotético-dedutivo, sendo a pesquisa de
natureza básica estratégica e de objetivo exploratório. Através de revisão bibliográfica,
com abordagem qualitativa, foi apreendido o período da China pós 1978 e as formas
de participação política popular que se sucederam.
O artigo é dividido da seguinte forma: primeiro são confrontados os modelos
democráticos ocidentais com entendimento chinês de democracia. Após isso, é
introduzido o conceito do “Pensamento” no contexto político da China e sua
associação com o marxismo-leninismo. Mais adiante, é feita a diferenciação entre
Estado e Partido, com a explanação dos mecanismos institucionais que cada um
dispõe. Após isso, são apresentados casos de participação popular e suas
consequências. Por fim, verifica-se a convergência entre a literatura apresentada e os
objetivos propostos pelo trabalho.

2 UM NOVO MODELO DEMOCRÁTICO

O atual debate sobre democracia tem sido pautado pelos países ocidentais.
Bell (2015) nos alerta sobre como as recentes crises institucionais e representativas
em diversos países abriram espaço para o debate sobre modelos democráticos e
como nem entre eles há um modelo único e exportável a ser adotado. “The United
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States promotes electoral democracy as the ‘only game in town’, and the rest of the
world sits up and listens. To paraphrase Karl Marx, the ideas of the ruling country are
the ruling ideas” (BELL, 2015, p. 17).
O pensamento teleológico de que o desenvolvimento de um país só é possível
sob um modelo democrático nos moldes ocidentais, surge durante a guerra fria e é
embasado em uma literatura americanófila, aponta Ahmad (2019).
Buscando respostas para as críticas disparadas contra a China, Reigadas
(2022) rastreia suas origens no orientalismo e ainda acrescenta que a democracia não
é a única coisa questionada sobre China, já que a revolução científica e o sistema
legal chinês, por exemplo, também são alvos constantes de criticismo.
Após a reforma política e abertura econômica em 1978, os acadêmicos
chineses começaram os estudos sobre os modelos de governança a serem adotados.
Partindo de material produzido no ocidente, logo perceberam que não seriam
suficientes para abarcar a realidade chinesa e que seria necessário algo próprio e
híbrido (YU, WANG, 2019; REIGADAS, 2022). Se aproveitando do melhor que as
teorias de governança correntes tinham a oferecer, o Partido Comunista Chinês
(PCCh) começou a desenvolver algumas de suas principais características, sua
capacidade de experimentação e adaptabilidade (BELL, 2015; CUNHA, 2022;
REIGADAS, 2022).
Ahmad (2019) define o modelo de governança chinês como “progressão
administrativa”. Essa progressão pode ser vista, por exemplo, na proposta de Bell
(2015), onde quão mais baixo é o nível do governo, mais democrático, no meio, mais
experimental e no topo, mais meritocrático. Essas acepções buscam ressaltar o
caráter híbrido e complexo de todo o sistema de governança, afastando as
simplificações grosseiras (BELL, 2015).

2.1 O PENSAMENTO DE XI JINPING SOBRE O SOCIALISMO COM


CARACTERÍSTICAS CHINESAS NA NOVA ERA

O “Pensamento” é a palavra usada pelo PCCh para definir o seu


direcionamento ideológico. Também pode ser visto como uma continuação do
marxismo-leninismo, adaptando esta corrente ideológica às características chinesas.
(MARIANO, ARAÚJO, 2022). Desde a revolução em 1949, apenas três presidentes
conseguiram alçar suas ideias a este nível, sacramentado pela inclusão dos mesmos
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na constituição do partido, são eles: Mao Zedong, Deng Xiaoping e atualmente, Xi


Jinping (CUNHA, 2022). Por volta de 2015 se encerra a era da reforma e abertura, de
Deng Xiaoping, e em 2017 seria adotado oficialmente um novo guia ideológico, o
Pensamento de Xi Jinping Para o Socialismo Com Características Chinesas Na Nova
Era (BACKER, 2022).
A partir da reforma e abertura muita literatura sobre democracia, transição,
participação popular e governança foram produzidas (REIGADAS, 2022; BACKER,
2022). O ponto máximo dessa produção encontra-se no documento “China:
Democracy That Works”, onde a China entra de vez no debate contra as democracias
liberais reafirmando sua democracia socialista com características chinesas
(BACKER, 2022; CHINA, 2021).

2.2 O MARXISMO-LENINISMO COMO BASE

Desde a revolução em 1949, o marxismo-leninismo é a espinha dorsal do


pensamento político chinês. As décadas que se seguiram após a reforma e abertura,
foram o parque de obras da atual democracia socialista chinesa (LYRIO, 2010; DONG,
2004; XINHUA, 2022a). Este processo de experimentações, que por vezes é vista
como “liberalização”, mas “a abertura parcial do PCCh a processos de cariz
democrático não deve ser lido como uma liberalização ideológica, mas antes como
uma tentativa de refinar e melhorar os seus métodos funcionais e orgânicos” (CUNHA,
2022, p. 39).
A “Nova Era” do socialismo chinês, construída sobre o alicerce do Pensamento
de Xi Jinping, buscando criar sua base teórica e institucional para a democracia,
adapta mais uma vez o marxismo-leninismo às características chinesas com o
desenvolvimento da “Democracia Popular de Processo Integral” (BACKER, 2022).
A questão democrática tem ganhado cada vez mais espaço na China, a palavra
“democracia”, por exemplo, aparece 28 vezes no Relatório do 20° Congresso Nacional
do Partido Comunista da China, e também é um dos 6 itens listados para que a China
alcance sua completa modernização socialista, prevista para ocorrer em 1949 (KUHN,
2022).
O termo “Democracia Popular de Processo Integral” foi usado pela primeira vez
pelo presidente Xi Jinping em 2019, quando descrevia o modelo de democracia
adotado pela China. Em março de 2021 foi colocado na Lei Orgânica da Assembleia
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Popular Nacional (APN) de modo a garantir sua institucionalização, e desde então


tornou-se a síntese da democracia socialista chinesa (XINHUA, 2021).
A Democracia Popular de Processo Integral é onde o Pensamento de Xi Jinping
se encontra com o marxismo-leninismo. Os conceitos de centralismo democrático, dos
partidos políticos, da linha de massas, e dos diferentes níveis de representação, foram
englobados e enquadrados dentro das ditas características chinesas para que fosse
desenvolvido esse novo formato (BACKER, 2022). O entendimento de como se deu
essa fusão é fundamental para que possamos compreender como a China enxerga a
participação popular e como ela incorpora essa participação em seu sistema político
institucional.
O PCCh desempenha papel de liderança sobre todo o sistema político e sobre
o aparato estatal chinês, mas isso não significa que ele seja o único partido e que
governe sozinho. Apesar da condição de liderança, outros oito partidos e diferentes
organizações sociais contribuem para o processo de tomada de decisões, a esse
grupo é dado o nome de Frente Unida Patriótica (CHINA, 2021). Esses partidos e
organizações sociais são colaborativos e não concorrentes, a função é participar da
política mantendo a retidão ideológica (DONG, 2004). Esse arranjo institucional é
chamado de Centralismo Democrático, e significa que através de diversos
mecanismos como reuniões deliberativas e consultivas, coleta de opiniões,
pesquisas, fóruns e workshops, por exemplo, as opiniões são colhidas e levadas em
consideração no processo decisório. Uma vez que se esgotem os recursos, a decisão
final deve ser cumprida por todos (CHINA, 2021; DONG, 2004; BACKER, 2022;
HORSLEY, 2009).
Outros dois conceitos adaptados pelo PCCh são os de “Vanguarda” e “linha de
massas”. Enquanto o Partido de Vanguarda seria a liderança política e ideológica do
país, a linha de massas seria o caminho a ser seguido por essa vanguarda para incluir
os diversos segmentos sociais na democracia socialista chinesa, garantindo que todos
os indivíduos tenham algum meio para expressar suas opiniões, seja através dos
diversos partidos e organizações sociais ou até mesmo sem filiação alguma
(BACKER, 2022; HORSLEY, 2009).
O PCCh, enquanto partido de vanguarda revolucionário, encontra suas bases
teóricas na obra de Lênin, revolucionário soviético, quando o mesmo afirma que “a
luta espontânea do proletariado não se transformará na sua verdadeira ‘luta de
classes’ enquanto não for dirigida por uma sólida organização de revolucionários”
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(LÊNIN, 2020, p. 143). Sobre a participação não competitiva das linhas de massa, o
autor atenta sobre os perigos da chamada “liberdade de crítica” ao partido e as
medidas tomadas por este, pois isto pode levar à “liberdade de introduzir no socialismo
ideias burguesas e elementos burgueses” (LÊNIN, 2020, p. 28).

2.3 PARTIDO, ESTADO E AS DUAS DEMOCRACIAS

Diferente das democracias liberais ocidentais, onde os partidos concorrem


entre si pelo poder estatal, numa espécie de livre mercado de ideias, o PCCh já é a
autoridade política e ideológica do país, cabendo ao estado implementar as propostas
do partido através do processo legal (DONG, 2004; BACKER, 2022). São instituições
distintas e cada um possui sua própria organização. Sob a liderança do PCCh também
estão outros oito partidos e organizações sociais, sempre respeitando o princípio do
centralismo democrático (BACKER, 2022).
Feita essa diferenciação, existem 5 níveis de atuação do estado com suas
agências e representantes: Central, Provincial, Prefeitura, Condado e Municipal. Além
dessa divisão, existem os chamados órgãos autônomos de governança, que são os
Comitês de Bairro nas áreas urbanas, e os Comitês de Vila nas áreas rurais. (DONG,
2004; XU, YE, ZHANG, 2018). Esses comitês não operam diretamente dentro do
aparelho estatal, porém contam com representantes do PCCh do nível comunitário e
respondem ao governo de nível municipal. São considerados os níveis mais baixo de
organização popular e também os primeiros níveis de democracia direta. Tem como
funções tratar da segurança e saúde públicas, assim como os outros serviços públicos
de suas regiões, mediar conflitos, manter a ordem, coletar opiniões e demandas do
povo para, em seguida, fazer propostas junto às Assembleias Populares (CHINA,
2021; XU, YE, ZHANG, 2018).
O estado chinês espelha seus órgãos do nível mais alto ao mais baixo. A
Assembleia Popular Nacional (APN) atua no nível central, as Assembleias Populares
atuam nos níveis abaixo, indo do provincial ao municipal (AHLERS, HEBERER,
SCHUBERT, 2019). Esse órgão abriga a primeira forma de democracia a ser
abordada neste trabalho, a eleitoral (CHINA, 2021).
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2.3.1 Democracia Eleitoral

As eleições diretas ocorrem para os níveis de Condado e Município, dentro do


aparato estatal, e nos Comitês de Bairros e Vilas, nos órgãos autônomos. Qualquer
cidadão acima dos 18 anos, que não esteja privado dos direitos políticos, tem o direito
de votar e de concorrer, segundo a legislação (CHINA, 2021).
Consideradas as maiores eleições diretas do mundo, em 2016 e 2017 mais de
900 milhões de votantes foram contabilizados, elegendo 2.48 milhões de deputados
para as Assembleias Populares nos níveis de Condado e Município (CHINA, 2021).
Em 2022 o número de votantes foi de 921 milhões, o de deputados eleitos aumentou
para 2.6 milhões, aproximadamente 150,000 a mais do que na eleição anterior,
cumprindo a lei eleitoral que previa aumentar a participação política dos níveis mais
baixos (XINHUA, 2022b).
A visão sobre a democracia varia na China, assumindo diversas formas nos
diferentes níveis e órgãos, levando isso em consideração, Bell (2015, p. 171) pontua
que “In a large, populous, modernizing country, it seems eminently reasonable to
assume that different criteria for selection and promotion should apply at different
levels of government. At the local level, democracy is desirable”.
Enquanto nos níveis mais baixos o método de eleição e legitimação é o voto
direto, nos níveis mais altos surge um novo tipo de voto e legitimidade (BELL, 2015).
Os deputados dos níveis Central, Provincial e das Cidades são eleitos pelos votos dos
deputados das Assembleias Populares imediatamente abaixo. Por exemplo, os
deputados do nível de Condado elegem os deputados do nível das Cidades (CHINA,
2021). Ampliando o espectro de significado de democracia e representação, dos 2.6
milhões de eleitos, os deputados dos Condados e Municípios contabilizam 94,5% do
total e tem como função estabelecer conexão com o povo, criando canais de
comunicação e dias para a recepção do público, mantendo reuniões constantes para
colher opiniões e demandas, posteriormente levadas à Assembleia Popular (HE, Y.,
2019; CHINA, 2021).
Sobre a proximidade entre deputados, eleitores e diferentes formas de
legitimidade, Bell (2015) nos indica a importância da harmonia no dia a dia do chinês,
pra além da liberdade individual e o direito de voto. Essa importância, com origens no
Confucionismo, seria uma importante meta a ser atingida ao governar. Em uma
pesquisa de 2012 feita em Hong Kong, 55.3% dos votantes apontaram a harmonia
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como objetivo principal do desenvolvimento, contra 17.8 que disseram ser democracia
e liberdade (BELL, 2015).
O PCCh assume o princípio de governar “do povo e para o povo”. Nesse
sentido, “do povo” se apresenta na forma das eleições diretas e a escolha dos
representantes, “para o povo” na legitimidade e confiança atribuída aos eleitos
(CHINA, 2021; BACKER, 2022).

2.3.2 Democracia Consultiva

A Democracia Consultiva, nome oficialmente usado pela China para definir o


envolvimento popular no processo de tomada de decisão e supervisão dos assuntos
de estado (CHINA, 2021), também pode ser encontrada na literatura como
“Democracia Deliberativa” por He (2015), “Participação Pública” por Horsley (2009) e
“Modelo Participativo” por Xixin e Yongle (2018).
Assim como as Assembleias Populares são fundamentais para o
funcionamento da democracia representativa, via eleições, aqui se faz necessário
apresentar outra instituição de estado, o Comitê Nacional da Conferência Consultiva
Política do Povo Chinês (CCPPC). Fazem parte do CCPPC membros do PCCh, os
outros oito partidos políticos, pessoas sem filiação partidária, os grupos de minorias
étnicas, além de representantes de Hong Kong, Macao e Taiwan (CHINA, 2021). É a
organização especializada em consulta política e responsável pelo sistema de
cooperação multi-partidária, tudo isso sob a liderança do PCCh (CHINA, 2021).
O CCPPC está inserido no aparato estatal em todos os níveis, do central ao
municipal (DONG, 2004), e opera através de Fóruns Quinzenais, que são atividades
feitas para solicitar opiniões e formular propostas sobre assuntos diversos, de
economia à problemas sociais. Reúnem-se membros do partido, governo e dos
setores envolvidos da sociedade que possam contribuir para o tema debatido. Desde
2012, com a assunção de Xi Jinping e o começo da “Nova Era”, o órgão ganhou
relevância e conduziu 132 reuniões desse tipo entre outubro de 2013 e novembro de
2021 (CHINA, 2021).
Através desse sistema, um cidadão chinês pode se filiar a um partido que
melhor o represente, se juntar às diversas organizações sociais, que em sua maioria
estão relacionadas à área de atuação profissional, para participar do processo de
consulta política, ou pode participar através do voto direto e do contato com os
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deputados através das Assembleias Populares. Nas duas formas existe algum tipo de
representação e participação (BACKER, 2022; HE, Y., 2019).
Através dos conceitos apresentados anteriormente, observa-se a integração de
diversos setores sociais dentro do CCPPC e das Assembleias Populares como sendo
a linha de massas do PCCh, enquanto ele próprio é o partido de vanguarda. A
participação se dá por meio do centralismo democrático, onde há o debate e consulta
de ideias que não se configuram como oposição, e sim união de forças numa mesma
direção. Ao fim do processo temos a Democracia Popular de Processo Integral
(BACKER, 2022; CHINA, 2021).

2.4 PARTICIPAÇÃO POPULAR NA PRÁTICA

Desde a reforma e abertura, de frente às adversidades, o governo chinês


buscou aumentar sua legitimidade com o povo. Para tal, decidiu então promover
diversas mudanças e reformas que visavam a inclusão popular, como os Comitês de
Bairro e Vilas, as eleições diretas e os mecanismos de democracia consultiva (HE, Y.,
2019). Através das Assembleias Populares dos diversos níveis, do CCPPC, dos sites
e aplicativos dos governos, o cidadão chinês possui mais do que nunca meios de
expressar suas aspirações e demandas (CHINA, 2021; HE, Y., 2019). Entretanto,
essas formas de participação não configuram plena liberdade para expressão do
povo, uma vez que elas operam sob a lógica da “participação ordeira”, que significa
que o objetivo é alcançar a harmonia e, para isso, a palavra final sobre o que é ordeiro
ou não cabe ao PCCh (HE, B., 2019).
Esse tipo de política se tornou comum e utilizada por todo o país, variando em
nível, escala, modelo e frequência (HE, B., 2019). O crescimento desse tipo de
abordagem fez aumentar a habilidade do povo em articular-se para a participação nas
consultas/deliberações e também a sua capacidade de avaliar a qualidade das
propostas. Determinada política que não atenda às expectativas ou necessidades
populares pode enfrentar grande rejeição e não ser implementada, colocando assim
a cooperação e aceitação popular como elemento chave (XIXIN, YONGLE, 2018).
Uma vez vencidas as eleições, a legitimidade de um político ou de uma
proposta não está garantida. Todo um procedimento para gerar consenso têm de ser
seguido (HE, WARREN, 2011). Afinal, o apoio popular também é necessário para a
promoção ou punição dos membros do partido e do governo. Heberer (2019) aponta
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que um dos principais desafios dos governantes é lidar com as crescentes demandas
da população. Desde os anos 1990, os membros do governo, sendo do PCCh ou não,
operam sob os chamados “Contratos de Responsabilidade”, que consistem em várias
metas a serem alcançadas dentro do prazo do contrato, que normalmente é de um
ano. Os contratos estipulam diferentes níveis de importância às metas a serem
atingidas, estando a estabilidade social entre as principais. Por estabilidade social
entende-se a não ocorrência de protestos ou petições em massa para os escalões
superiores, por exemplo. Para conferir se as metas foram cumpridas, times de
inspeção são formados por autoridades de níveis superiores e resultados negativos
podem implicar em redução salarial, retirada de bônus e a não promoção (HEBERER,
2019).
Ahlers, Heberer e Schubert (2019) nos indicam como o peso da estabilidade
social enquanto indicador de avaliação dos governantes molda suas ações com o
público. Protestos que eram controlados através da repressão, agora tendem a ser
antecipados e os conflitos evitados, através de políticas deliberativas e de respostas
às demandas populares. Ainda nesta direção, Bell (2015) nos aponta para uma
mudança de prioridades vindo do governo, de um olhar majoritariamente econômico
para um mais social, levando em conta o meio ambiente e a redução da pobreza. Cita
ainda a cidade de Foshan como exemplo de experimento com a participação popular
na avaliação dos membros do governo, onde parte do sistema de pontos levados em
conta nas avaliações é feito através de um questionário on-line preenchido pelo
público. Resultados positivos resultam em bônus, negativos em redução de
pagamento.
He (2015) analisa o crescimento e institucionalização dos recursos
consultivos/deliberativos. Em 2004, por exemplo, ele estima que o número de reuniões
com elementos deliberativos foi de 453,000 por todo o país. Partindo para as Cidades,
Wenling promoveu mais de 1190 reuniões com as mesmas características entre 1996
e 2000. Entre 2009 e 2012, na cidade de Chendu mais de 2300 vilas participaram de
debates sobre o uso de fundos públicos, gerando aproximadamente 40,000 projetos .
Ainda no nível das Cidades, entre 1998 e 2001 foram promovidas 1000 audiências
públicas para tratar dos preços. Entre 2009 e 2014, cerca de 4000 cidadãos foram
convidados a participar de programas de TV promovidos pela cidade de Hangzhou
para tratar de assuntos socioeconômicos.
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No nível Central, He (2015) aponta para o uso de um novo método, a coleta de


opiniões ao invés de reuniões deliberativas. No período entre 2005 e 2009, um grupo
de 19 ministérios e comissões foi a campo colher opiniões sobre a proposta de reforma
do sistema nacional de saúde. Respostas de mais de 20 províncias foram recebidas,
resultando em 35,929 comentários, sendo 31,320 vindos através da internet, 548 via
fax e 4025 através de cartas. A comunidade médica foi ativa no debate, sendo
responsável por 55% de todos os comentários. Como resultado, foram feitas 50
correções e 137 emendas à proposta original.
Método parecido foi usado para tratar da Lei de Propriedades, em 2005, onde
9605 comentários de 2249 participantes foram colhidos (HE, 2015). Segundo Horsley
(2009), mais de 100 workshops foram promovidos pela APN no decorrer do processo.
Em 2006 a Lei de Contrato Trabalhista recebeu 187,773 comentários de 79,904
participantes. Em 2012, uma emenda à Lei de Contrato Trabalhista recebeu 557,243
comentários de 131,912 participantes (HE, 2015).
Para verificar se há de fato crescente uso de políticas de inclusão popular e o
devido atendimento das necessidades apresentadas

The 2012 Lien Survey, covering 34 cities in China with the sample size of
23,923, finds that the mean of the question of whether governments seek your
opinions and suggestions for policy decision-making is 6.13 (the scale from 0
to 10, where 0 is strongly disagree; 5 is in the middle; and 10 is strongly
agree). The mean of the question of whether governments adopt residents’
opinions and suggestions is 6.04. There is also the robust positive relationship
between “governments solicit opinions from citizens” and “citizen’s
satisfaction with the information released by official media”. (HE, 2015, p. 38).

Em 2014, na sua pesquisa para descobrir o estado das políticas


consultivas/deliberativas na China, He (2015) constata a criação de agências criadas
especificamente pra esse fim. O distrito de Haichang, na cidade de Xiamen, por
exemplo, criou um centro que organiza e executa todas as políticas deliberativas
locais. O condado de Autu seguiu caminho parecido, criando um centro através do
qual os cidadãos podem pedir por audiências públicas, e responsável inclusive por já
ter transmitido ao vivo um debate entre líderes locais e membros das vilas. Já o
governo local de Ronggui definiu que todas as políticas sociais devem ser discutidas
em comitês locais antes de serem enviadas oficialmente para a consideração dos
órgãos responsáveis pela implementação de tais políticas. Em 2013, o condado de
Yanjin criou um mecanismo de orçamento participativo, onde membros da
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comunidade são escolhidos aleatoriamente e, juntamente com os representantes


eleitos, fazem propostas para o uso do orçamento local.
O caso do município de Zenguo nos é apontado por He e Warren (2011), em
2005 o governo local decide introduzir as reuniões deliberativas para colher a opinião
dos moradores locais para definir as prioridades do orçamento. Algumas centenas de
moradores foram escolhidos aleatoriamente e participavam do processo de
aprendizagem e deliberação de determinado tópico durante dois dias
aproximadamente. O resultado desse processo era considerado a “opinião pública” e
em 2006, 10 de um total de 12 projetos feitos dessa maneira foram implementados.
Houve ainda evolução, entre 2008 e 2011 as reuniões deixaram de abordar apenas
alguns tópicos para debater todo o orçamento público, que foi aberto aos
participantes.
Com o passar dos anos, os temas debatidos se tornaram mais importantes,
passando da escolha do símbolo da cidade, no caso de Xi’an, ao debate sobre a
escolha de planos de desenvolvimento e sobre a distribuição de recursos, caso dos
orçamentos públicos. Em locais como Wuhan e Fujian, caso os moradores consigam
colher 15 assinaturas de outros moradores, é possível convocar uma reunião de Vila
e propor os temas reivindicados (HE, B., 2019).
Segundo Horsley (2009), o governo de Shanghai foi o primeiro a experimentar
a coleta de opinião pública em projetos de lei. Desde 2004, todas as propostas foram
colocadas à disposição no site do governo e no jornal local. No ano de 2008, mais de
50 propostas foram disponibilizadas no site para receber comentários, e atualmente
elas vêm acompanhadas de uma explicação das bases legais, da necessidade e do
contexto geral para melhorar e facilitar o entendimento do público.
Gao e Teets (2021) analisam o caso onde uma ONG relacionada ao meio
ambiente que se a alia à sociedade civil para exigir mudanças a respeito da política
de tratamento de água. Em Fevereiro de 2013, através das redes sociais, um
empresário ofereceu um prêmio em dinheiro para que o chefe do departamento de
proteção ambiental da cidade de Rui’an nadasse em um rio poluído local. A proposta
foi amplamente divulgada por toda mídia do país e gerou propostas semelhantes em
diferentes lugares. Se aproveitando da comoção gerada, a ONG “Green Zhejiang”
incentivou e instruiu moradores a reportarem os problemas relacionados à poluição
da água em suas localidades para as autoridades. Um dos métodos utilizados para
cooptar a participação popular, foi a criação de um programa de TV para expor o
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problema. Foram produzidos 136 episódios, que obtiveram sucesso em chamar a


atenção do governo Provincial de Zhejiang para as ações que deveriam ser tomadas.
Em Julho de 2013, um dos programas denunciou a poluição vindo de fábricas que
deveriam estar fechadas por ordem judicial. Com medo da repercussão nos níveis
superiores, as autoridades locais agiram e fecharam 32 fábricas, desmontando ainda
suas dependências.
O resultado do programa de TV já havia sido percebido quando em Junho de
2013, o Secretário do Partido na Província de Zhejiang, advertiu seus subordinados
sobre a poluição revelada na mídia. Isso gerou uma competição entre os governos
locais para melhorar a gestão sobre a qualidade da água. Em Novembro de 2013, o
Secretário propôs o início de uma campanha oficial para a melhorar o tratamento de
água. Em janeiro de 2014, essa campanha se tornou a primeira em uma lista de 10
tarefas chaves a serem atingidas pelo governo da Província de Zhejiang, se mantendo
nesta posição até 2016.
Ponto importante a ser salientado, segundo Gao e Teets (2021), é que a ONG
nunca teve nenhum poder formal junto ao partido ou governo. O poder foi exercido
reunindo forças junto à sociedade civil, reportando informações detalhadas sobre as
políticas que estavam sendo descumpridas e apontando responsáveis por tais atos.
Outro caso de participação civil foi analisado por Zhang e Liao (2020). Como
consequência do grande crescimento econômico e o alto grau de urbanização da
China contemporânea, certas localidades que não conseguem acompanhar o ritmo
acabam sofrendo com a encolha da economia e falta de oportunidades de emprego.
A vila analisada pelos autores se enquadra nesses quesitos e, por isso, em 2016 foi
escolhida para receber um projeto de transformação através do Comitê de Renovação
Urbana de Guangzhou. As políticas de transformação comunitárias foram introduzidas
como experimentos a partir de 2008, e no fim de 2017 foram expandidas para mais
15 cidades.
O modo de ação consistiu na criação de um Workshop, que foi estabelecido em
um apartamento local, onde membros de vários departamento do governo,
organizações sociais, moradores e estudantes universitários se reuniram para criar o
plano de renovação. Após criado o plano, uma licitação foi iniciada para determinar a
instituição que cuidaria de promover o projeto de fato. O Instituto de Urbanização da
Universidade Sun Yat-sen foi o vencedor, devendo prover um professor para ser o
14

condutor do planejamento na comunidade, assim como o administrador do workshop.


Além do professor, vários alunos atuaram como voluntários.
Apesar de ser a sede do projeto, o workshop não é uma organização formal do
governo. Ele atua para estabelecer a comunicação entre os especialistas e a
comunidade, respondendo dúvidas e recebendo sugestões destes. Para alcançar
essa meta, uma variada gama de medidas foram adotadas como exibições dos
projetos para os moradores, consultas públicas de opinião e as reuniões quinzenais
com os outros partidos políticos. Numa das exibições, enquanto apresentava o projeto
aos moradores, um dos estudantes colheu 122 sugestões feitas por eles, sendo que
uma delas, a construção de um parque para as crianças, foi adotada.
Ainda assim, os moradores eram céticos sobre o trabalho do grupo e não
acreditavam que a opinião deles seria ouvida de fato. Para combater as dificuldades,
vários membros do workshop se mudaram para a vila, para melhor se integrarem.
Após essa experiência, o grupo foi capaz de entender melhor o maior dilema que
enfrentavam, aliar desenvolvimento econômico com a preservação da tradição local.
Uma nova rodada de investigação e de reuniões com os moradores foi feita,
estabelecendo que as novas metas do projeto seriam a preservação e o
desenvolvimento. As sugestões foram aceitas pelo Comitê de Renovação Urbana e
foi definido que o desenvolvimento econômico local seria baseado na educação e na
indústria cultural.
Percebendo que sua participação poderia fazer a diferença, os moradores se
envolveram mais com o projeto de transformação da comunidade e passaram a
frequentar cada vez mais as reuniões com o workshop, que focava em melhorar a
comunicação para que pudesse usar as respostas dos moradores para solucionar
problemas.
No fim, a transformação foi concluída e respeitou os objetivos propostos pelo
workshop e moradores. Os autores ainda nos apontam para a responsabilidade
compartilhada entre os especialistas e os moradores, que juntos foram capazes de
utilizar os meios de comunicação disponíveis para gerar entendimento e fazer com
que os objetivos fossem mais adequados à realidade local.
Xixin e Yongle (2018) analisam um dos casos mais emblemáticos de
participação popular recente na China, onde a tentativa de instalação de uma indústria
química nas proximidades de uma área urbana na cidade de Xiamen enfrentou críticas
e protestos nas ruas. Após a aprovação do projeto e da avaliação dos impactos
15

ambientais, seguindo os devidos processos, a instalação da indústria química foi


aprovada pelo governo local. Em Março de 2007, na reunião anual da CCPPC, 105
membros da comissão enviaram uma proposta para que a indústria fosse realocada,
alegando que ela aumentaria significativamente a poluição no local. A informação foi
rapidamente disseminada e ganhou atenção especialmente entre os moradores de
Xiamen, que demonstraram grande preocupação com a situação. Em Maio do mesmo
ano, o Comitê de Proteção Ambiental de Xiamen reconheceu publicamente a
preocupação dos moradores com a questão. No dia seguinte, o diretor da empresa
responsável pela implantação da indústria publicou um artigo defendendo o seu
projeto, e dois dias depois o governo local decide postergar a instalação.
No dia 1 de Junho, milhares de moradores, não julgando as ações tomadas
suficientes, organizaram manifestações nas proximidades de onde seria construída a
indústria. Sob o nome de “caminhada”, eles tentaram evitar uma repressão mais forte
caso chamassem o movimento de protesto. Não houve conflitos e ao fim do mês uma
nova avaliação de impactos ambientais foi conduzida.
No dia 5 de Dezembro de 2007, o relatório produzido na nova avaliação foi
disponibilizado para consulta pública. Em seguida, duas reuniões foram marcadas
para os dias 13 e 14, que contariam com a presença de membros do governo,
especialistas e 100 moradores locais, que puderam se inscrever voluntariamente e
foram selecionados por sorteio televisionado. As reuniões também foram transmitidas
pela TV local e 90% dos moradores participantes foram contra a instalação da
indústria no local. Por fim, o governo de Xiamen reviu sua decisão de aprovar o projeto
da indústria química, que foi realocada para uma distância de mais de 70 quilômetros.
Xixin e Yongle (2018) nos trazem ainda um segundo caso, tratando da
instalação de uma linha de trens que utiliza levitação magnética próximo a prédios
residenciais em Shanghai. Em Janeiro de 2007, moradores preocupados com a
radiação magnética emitida pelas novas instalações, que estariam a uma distância
de aproximadamente 25 metros dos prédios, enviaram suas reclamações à
Assembleia Popular local. Em Março do mesmo ano, o Comitê Nacional de Proteção
Ambiental enviou uma delegação para avaliar o projeto que havia sido proposto pela
companhia responsável pelas obras. Esse projeto já havia sido alvo de mais de 5000
petições feitas por moradores, por supostamente não atender aos requisitos de
transparência necessários. Ainda em Março, membros do governo e especialistas na
16

área tentaram reparar a falta de participação pública dos estágios iniciais do projeto,
estabelecendo conversas com os moradores. Dois meses depois o projeto foi adiado.
Entre Dezembro de 2007 e Janeiro de 2008, o governo local disponibilizou uma
versão atualizada do projeto para receber comentários do público. Novamente não
houve entendimento, com a alegação dos moradores de que as mudanças não
atendiam os padrões usados normalmente do país. Uma avaliação ambiental também
foi disponibilizada para receber comentários do público e nela era alegado que o
projeto estava de acordo as normas e era seguro. Os moradores, mais uma vez,
questionaram o método usado para se chegar a tal conclusão e reagiram
negativamente.
Similar ao que foi feito no caso da indústria química, os moradores de Shanghai
se reuniram em um shopping local sob o pretexto de “fazer compras juntos” e
protestaram dessa forma. Seis dias após, organizam uma “caminhada” coletiva e
nesse mesmo dia, receberam como resposta o convite para que alguns
representantes dos moradores fossem junto de um ente governamental, participar de
uma medição da radiação emitida pelos trilhos. O resultado foi utilizado por eles para
confrontar os dados do projeto original.
Após tudo isso, várias reuniões foram organizadas entre governo, especialistas
e moradores, também foram estabelecidos quatro centros de consulta pública na
região, indicando a mudança de postura das autoridades locais. Após mais dois anos
de controvérsia, o projeto nunca foi materializado da forma como foi proposto no início,
mostrando assim, segundo Xixin e Yongle (2018), o importante papel dos moradores
nas negociações.
No terceiro caso analisado por Xixin e Yongle (2018) há uma diferença
fundamental em relação aos demais, pois trata-se de uma greve de fato. No dia 3 de
Novembro de 2008, na cidade Chongqing, 8000 taxistas paralisaram suas atividades
reivindicando a exploração que estavam sofrendo pelas companhias de táxi através
da cobrança de altas taxas.
No segundo dia de greve, o governo local se pronunciou pedindo desculpas
pelo inconveniente, prometeu reduzir as taxas cobradas pelas companhias, aumentar
o número de postos de combustível e retirar os táxis ilegais de circulação. No mesmo
dia, alguns grevistas retornaram a trabalhar. No dia 5 de Novembro, a taxa foi reduzida
e a greve se encerrou. No dia 6, uma reunião consultiva foi organizada com 40
representantes dos taxistas, 20 representantes dos moradores da cidade, 5
17

representantes das companhias de táxi e 2 representantes dos postos de gasolina. A


reunião durou cerca de três horas e o objetivo era identificar e solucionar os
problemas, foi transmitida ao vivo por rádio, TV e pelos sites dos portais de notícias
locais e do governo.
Com o crescimento econômico e tecnológico, dispositivos como celulares e
computadores se tornaram comuns na China, a partir disso é importante ressaltar o
impacto desses meios no engajamento político do povo. Segundo a pesquisa mais
recente feita pelo China Internet Network Information Center (CNNIC), em Junho de
2022 o país contava com 1,051 bilhão de usuários de internet, correspondendo a
74,4% da população (CHINA, 2022). Xu, Johnson e Rundlett (2022) indicam a ênfase
que o governo tem dado a tais meios, uma vez que o governo conta com cerca de
10,000 contas no Weibo (uma espécie de Twitter chinês) para fazer pesquisar de
opinião, divulgar notícias e receber feedbacks. Ainda de acordo com Xu, Johnson e
Rundlett (2022), alguns governos locais estão experimentando a ideia de “escritório
virtual” para reunir diversos serviços em um só lugar. Como exemplo de tal medida, a
cidade de Chengdu contratou 100 pessoas para trabalhar em seu escritório virtual,
que respondem os milhares de comentários dos moradores que endereçam ao
escritório suas reclamações.
Medidas proativas de inclusão popular podem ser percebidas em diversas
ações recentes tomadas pelo PCCh e pelos governos de todos níveis. Em 2020, a
formulação do 14º Plano Quinquenal do PCCh contou com uma etapa de abertura
para a opinião pública, onde sugestões puderam ser enviadas on-line. No total, mais
de 1 milhão de mensagens foram enviadas e levadas em consideração, resultando
em 366 mudanças no plano original (CHINA, 2021). Em 2015 foram inaugurados os
Escritórios de Informação Legislativa, que tem por objetivo serem espaços para os
cidadãos informarem seus problemas e sugestões para que, em seguida, isso possa
se tornar uma legislação. No fim de 2021, 22 escritórios já haviam sido criados em 21
províncias, tendo participado diretamente em 127 projetos de lei com
aproximadamente 7,800 sugestões coletadas (CHINA, 2021). Outra criação foram as
linhas diretas de comunicação chamadas “12345”, que são plataformas públicas
administradas pelos governos municipais e contam com os serviços de call center,
caixa de e-mail do prefeito, contato via SMS e aplicativo de celular. Em 2020 a média
de ligações completadas foi de 72,3% e o tempo de espera na casa de 16,2 segundos
(CHINA, 2021). Em Janeiro de 2023, o serviço “Quadro de Mensagens da Liderança”,
18

plataforma que permite aos cidadãos endereçarem mensagens diretas a ministros e


membros do governo e do partido em todos os níveis, recebeu 45,000 mensagens, e
dessas, cerca de 20,000 foram respondidas. Em 2022, lideranças de todos os níveis
responderam cerca de 682,000 mensagens (CHINA, 2021; PEOPLE’S DAILY, 2023a;
PEOPLE’S DAILY, 2023b).
Se por um lado a internet pode ser usada pelo governo para atender e incluir
demandas populares em seus planos, por outro, ela serve ao povo como meio para
se organizar e reivindicar seus interesses (WU, HUANG, 2019). As duas situações
podem ser observadas nos casos descritos acima.

3 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Diante do material abordado, identifica-se o surgimento de uma nova forma


democrática e de abordagem popular. Como defende o PCCh, a Democracia Popular
de Processo Integral, é uma característica única chinesa, criada a partir de vários
métodos e ao longo do tempo através de muitos experimentos (CHINA, 2021).
Observou-se neste estudo, a existência de diversos caminhos para a participação
popular na China contemporânea, como exposto acima nas subseções 2.3.1 e 2.3.2.
Ainda é possível notar o movimento de criação de políticas no sentido de incluir a
opinião pública em assuntos de estado, caso da elaboração do 14° Plano Quinquenal,
da criação das linhas de atendimento “12345” e dos Escritórios Legislativos.
Os elementos observados por Backer (2022), como o conceito de vanguarda,
linha de massas centralismo democrático, se fazem presentes nos casos aqui
analisados. Sob a liderança do partido, por exemplo, surgem as políticas formais,
feitas a partir de vários níveis de representação como os deputados, membros dos
outros partidos e os cidadãos não filiados. Outra representação é exercida
diretamente pela pressão popular, que pode ser formal ou informal, conforme os casos
apresentados na sessão 2.4, o que segundo Backer (2022), seria a linha de massas.
Todos esses processos em conjunto dão origem à Democracia Popular de Processo
Integral.
He e WARREN (2011) propõem ainda que a constante democratização e
surgimento de mais políticas inclusivas são os geradores de legitimidade do PCCh e
estão criando um novo sistema político que não deve ser confundido ou comparado
19

com as instituições que nos são familiares no ocidente. Assim, indo ao encontro da
definição oficialmente adotada pela China.
Quanto à utilidade dos meios oficiais para a participação popular, os resultados
encontrados pelo presente estudo estão alinhados aos encontrados por He (2015),
visto que o desenvolvimento conjunto das políticas se estabeleceu em uma relação
de influência mútua entre as eleições diretas, os métodos consultivos/deliberativos, as
pressões dos diversos grupos sociais e protestos. Somando-se isso à necessidade de
avaliação positiva pelos membros do governo e do partido para acessarem
promoções, demonstra-se a necessidade de haver cooperação nessas relações.
Assim como nos é mostrado por Xixin e Yongle (2018) e Gao e Teets (2021), a
participação popular se faz de fato e, por vezes, é necessária para corrigir os rumos
de governança. O poder descentralizado através das Assembleias Populares e a
liberdade de moldar as políticas, distribuem a autoridade para vários níveis além do
central (BELL, 2015; ZHANG e LIAO, 2020).
Neste sentido, os resultados aqui engendrados encontram subsídios nas
literaturas visitadas, indicando a efetiva participação popular na política chinesa e seus
impactos reais à esta, descrevendo ainda os conceitos utilizados pelo PCCh em sua
formulação de democracia e o entendimento do mesmo sobre a inclusão do povo
(BELL, 2015; BACKER 2022; LÊNIN, 2020).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo almejou, através de revisão bibliográfica, descrever o processo de


participação popular na política chinesa contemporânea, levando em consideração
sua definição de democracia, o métodos utilizados para tal e se ela surte efeito de
fato. Com base nos resultados encontrados, obteve-se êxito na conclusão dos
objetivos propostos.
Dentre os resultados, constatou-se que que há efetiva participação popular na
politica, através de meios institucionais e informais. A utilização de diversos
mecanismos consultivos e até mesmo de voto direto foram observadas. Quanto ao
entendimento do PCCh sobre o que é democracia, destaca-se seu caráter híbrido e
exploratório, que resultou em um modelo político único e abrangente. A constante
evolução legislativa, desde a abertura e reforma em 1978, indica a direção da inclusão
popular no processo decisório.
20

O produto dessa pesquisa oferece contribuições teóricas sobre uma nova


formação político-social, na combinação de elementos presentes nas democracias
ocidentais, no marxismo-leninismo e nos elementos característicos chineses.
Quanto às contribuições sociais e práticas, este estudo oferece evidências para
combater preconceitos e melhorar relações bilaterais entre governos e seus povos
para com a China, promovendo melhor entendimento sobre o funcionamento do
sistema político chinês.
No que tange às limitações, pontua-se a baixa disponibilidade de material em
língua portuguesa, tornando materiais de língua inglesa a maior parte das referências
utilizadas neste trabalho. Por isso, sugere-se estudos que sejam capazes de levar em
conta material produzido em diversos idiomas, inclusive em mandarim.

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