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De 28 a 31 de março de 2021
ISBN:
Universidade Federal do Triângulo Mineiro
Instituto de Ciências Exatas, Naturais e Educação
Departamento de Matemática
Curso de Licenciatura em Matemática
ANAIS
Realização
Sociedade Brasileira de História da Matemática (SBHMAT)
Organização
Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM
Editoração
Mônica de Cássia Siqueira Martines
Cristiane Coppe de Oliveira
ISBN: 978-65-5941-188-7
2021
EXPEDIENTE
COORDENADORA LOCAL
Profa. Dra. Mônica de Cássia Siqueira Martines
COORDENADORA CIENTÍFICA
Profa. Dra. Cristiane Coppe de Oliveira
COMISSÃO CIENTÍFICA
Andreia Dalcin
Adriana de Bortoli
Ana Carolina Costa Pereira
Angelica Raiz Calabria
Arlete de Jesus Brito
Bernadete Barbosa Morey
Carlos Henrique Barbosa Gonçalves
Carlos Roberto de Moraes
Circe Mary Silva da Silva
Cristiane Coppe de Oliveira (Presidente)
Douglas Marin
Fábio Maia Bertato
Fumikazu Saito
Gustavo Barbosa
Iran Abreu Mendes
João Cláudio Brandemberg Quaresma
John Andrew Fossa
Ligia Arantes Sad
Lucieli Maria Trivizoli
Marcos Vieira Teixeira
Maria Célia Leme da Silva
Mariana Feiteiro Cavalari Silva
Miguel Chaquiam
Mônica de Cássia Siqueira Martines
Moysés Gonçalves Siqueira Filho
Rachel Mariotto
Sabrina Helena Bonfim
Sergio Roberto Nobre
Ubiratan D'Ambrosio
Viviane de Oliveira Santos
Wagner Rodrigues Valente
Zaqueu Vieira Oliveira
COMISSÃO ORGANIZADORA
Carlos Antônio Rezende Filho
Daniel Fernando Bovolenta Ovigli
Domingos Cezar Marino Pontes
Gabriel Faria Vieira
Gracelina Alves Silva
Gisliane Alves Pereira
Leonardo de Amorin e Silva
Mariana Santana Silva
Mônica de Cássia Siqueira Martines
Osmar Aléssio
Paloma de Lima Amaral
Rafaela Ferreira Afonso
Ricardo de Oliveira Muniz Junior
Robson Rodrigues
Róger Santana da Silva
Apresentação....................................................................................................... 12
Programação ....................................................................................................... 14
Foi a quinta vez que o SNHM ocorreu na região Sudeste do Brasil, agora na
Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) na cidade mineira de Uberaba,
considerando-se a série de seminários iniciada em 1995:
▪ I SNHM, 1995, Recife (PE);
▪ II SNHM, 1997, Águas de São Pedro (SP);
▪ III SNHM, 1999, Vitória (ES);
▪ IV SNHM, 2001, Natal (RN);
▪ V SNHM, 2003, Rio Claro (SP);
▪ VI SNHM, 2005, Brasília (DF),
▪ VII SNHM, 2007, Guarapuava (PR);
▪ VIII SNHM, 2009, Belém (PA);
▪ IX SNHM, 2011, Aracajú (SE);
▪ X SNHM, 2013, Campinas (SP);
12
▪ XI SNHM, 2015, Natal (RN),
▪ XII SNHM, 2017, Itajubá (MG);
▪ XIII SNHM, 2019, Fortaleza (CE);
▪ XIV SNHM, 2021, Uberaba (MG).
13
PROGRAMAÇÃO GERAL
Horário 28/03/2021 29/03/2021 30/03/2021 31/03/2021
8h – 10h - Pôster Digital Pôster Digital Conferência
(Apresentação (Apresentação de
assíncrona) assíncrona) Encerramento
10h – Café com Café com Café com
10h20 prosa prosa prosa
10h00 – - Minicursos Minicursos Encerramento
12h (apresentação
(10 salas) (10 salas)
do próximo
local do
evento)
12h – 14h - Almoço Almoço Almoço
14h – 16h - Apresentação Apresentação -
oral síncrono oral síncrono
(10 salas) (10 salas)
16h – Café com Café com
16h20 prosa prosa
16h 20 – Conferência 1 Conferência 3 -
17h20 Conferência 2 Conferência 4
Credenciamento
17h20 – Chat do Chat do
18h Pôster Digital Pôster Digital
18h – Abertura Mesa Mesa -
18h30 Redonda 1 Redonda 3
18h30 – Conferência de Mesa Mesa
19h abertura Redonda 2 Redonda 4
19h – 20h -
Conferência de Abertura:
A escrita da História da Matemática, origem e institucionalização na
comunidade internacional e primórdios no Brasil
Palestrante: Sérgio Roberto Nobre (Unesp)
Mesas-redondas:
14
Mesa-redonda 1: História da Educação Matemática e Formação de
professores
Componentes:
Wagner Rodrigues Valente (Universidade Federal de São Paulo) - coordenador
Alejandra Deriard (Instituto de Formación Docente Bernardo Houssay, Argentina)
Encarnacion Sanchez Jimenez (Universidad de Murcia, Espanha)
José Manuel Matos (Universidade Nova de Lisboa, Portugal)
Conferências paralelas:
Conferência 1: Legitimação da História da Matemática em grupos de pesquisa
com práticas interculturais
Conferencista: Lígia Arantes Sad (IFES)
15
Conferência 2: Entre São Paulo e Paris: o Cálculo vetorial do engenheiro
Theodoro Ramos
Conferencista: Rogério Monteiro Siqueira (EACH/USP)
Conferência de encerramento:
Os rastros, o fio e as tramas: Sofia – uma matemática notável.
Palestrante: Circe Silva Dynnikov (UFPEL)
16
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A escrita da História da Matemática. Origem e Institucionalização na
Comunidade Internacional. Primórdios no Brasil
Introdução
18
História da Escrita da História da Matemática. Primórdios
Para apresentar este tema, irei utilizar um artigo meu publicado sob o título
“Introdução à História da História da Matemática: das Origens ao Século XVIII” no
ano de 2002 na Revista Brasileira de História da Matemática. Naturalmente, como
historiador, assumi a postura de instigador e, portanto, não isento da conotação
histórico-social à qual estavam ligados os assuntos tratados. Era minha posição
após citar duas epígrafes: A verdade é sempre a realidade interpretada (Oswald de
Andrade) e A primeira lei da História é de não ousar mentir; a segunda, de não
temer exprimir toda a verdade (Papa Leão XIII), apresentar minhas ponderações:
Para apresentar este texto sobre a escrita da história da matemática, permito-me recorrer às
duas epígrafes acima como forma de evidenciar o quão dinâmica e mutável ela é. Se, por um
lado, há a interpretação histórica sobre a realidade, que depende de diversos fatores, como
o espaço e o tempo, as relações de poder entre os povos, os interesses de determinados
grupos, enfim, a história é sempre contada pelos vencedores. Os perdedores não sobrevivem
para contar as suas versões dos acontecimentos e, caso sobrevivam, suas versões não são
de interesse para aqueles que passarão a seguir os novos direcionamentos impostos pelos
que venceram. Por outro lado encontra-se a eterna busca pela verdade histórica. E esta, a
verdade histórica, também depende de interesses.1
Outro assunto a ser destacado, porém que não será objeto desta conferência, diz
respeito à idolatria dada à Grécia antiga em detrimento de outras culturas também
milenares que produziram ciência de tão boa qualidade quanto à dos povos gregos.
São os casos dos povos orientais, Índia, China, dos povos da Babilônia. Sobre
estes povos, e outros considerados “à margem do pensamento ocidental”, os
estudos estão ganhando corpo na comunidade internacional de historiadores da
ciência.
1
Nobre, Sergio. 2002. Pág. 4
19
algumas informações importantes, às quais eu divulguei no acima referido artigo
publicado na Revista Brasileira de História da Matemática.
Possivelmente o único texto sobre a história da matemática escrito antes de Cristo que
chegou até nós foi escrito por Vitruvius (séc. I a.C.), um engenheiro/arquiteto romano que se
dedicou a colher informações sobre o mundo antigo, em especial sobre o mundo grego, e
adaptou-as para serem divulgadas ao grande Império Romano que estava em plena
ascensão. Em seu texto Dez livros de arquitetura, uma das mais importantes obras literárias
do período que compreende o início da era cristã e também uma das obras mais divulgadas
no território romano, Vitruvius escreveu importantes passagens relativas à história das
ciências e da matemática.2
Não se sabe ao certo o período o qual Vitruvius viveu. Supõe-se que tenha sido no
século I a.C. Ao ser considerada esta data, já havia se passado alguns séculos de
alguns acontecimentos relatados por ele em seu livro:
Um outro texto que chegou até nós em sua versão original foi Comentários sobre o
primeiro livro dos Elementos de Euclides, escrito por Proclus (c.420- 485), um
neoplatônico, membro das academias de Atenas e Alexandria. Neste texto, Proclus
menciona alguns autores que haviam produzidos textos com elementos sobre a
história da ciência e da matemática. Um destes texto seria o de Eudemus de
Rhodes, que viveu no século 4º antes da era Cristã. Não somente Proclus, mas
2
Nobre, Sergio. 2002. Pág. 7
3
Nobre, Sergio. 2002. Pág. 7
20
outros autores fazem referências aos textos sobre história da astronomia, da
aritmética e da geometria que teria sido escrito por Eudemus, um suposto discípulo
de Aristóteles. Alguns exemplos sobre assuntos ligados à História da Matemática
foram apresentados no texto ao qual estou tomando como referência:
em seu livro sobre a História da Geometria, ele relata que o teorema “se dois triângulos
possuem dois ângulos e um lado congruentes, então o outro ângulo e os outros dois lados
também são congruentes” foi descoberto por Thales de Mileto (c.624-546) e usado por ele
para determinar a distância que um barco se encontra da costa. Esse é o teorema de número
26, apresentado e demonstrado por Euclides no livro 1 de seus Elementos;
o famoso teorema 47 do livro 1 dos Elementos, de Euclides (c.365-300), ficou conhecido como
“Teorema de Pitágoras” após ter sido contada sua história por Eudemus;
no texto sobre a História da Astronomia é dada a informação de que Thales fez a previsão de
um eclipse ocorrido em 28 de maio do ano 585 a.C.;
No que diz respeito a textos que possuam características de uma obra enciclopédica, um
destaque especial deve ser dado a Diogenes Laertius (~séc. III), que escreveu Vitae
philosophorum – Libri X, uma espécie de dicionário biográfico com relatos sobre a vida, os
pensamentos, as opiniões de filósofos famosos do mundo grego. Para a área da
4
Nobre, Sergio. 2002. Pág. 8
5
Nobre, Sergio. 2002. Pág. 9
21
historiografia, essa é uma das mais importantes obras do período grego antigo que chegou
até nós no original.6
Traduzida para o inglês sob o título Lives of eminent philosophers, a obra é composta de 10
livros onde são expostas informações sobre a vida e o pensamento filosófico de 82
personagens importantes do mundo grego. Os verbetes biográficos são apresentados
praticamente da mesma forma que aparecem nas obras biográficas atuais, ou seja, são
destacadas a origem, a instrução, as viagens realizadas, os locais em que exerceu atividades,
os trabalhos feitos, etc, e ainda são acrescentadas informações sobre o personagem tais
como: temperamento e carácter, anedotas contadas sobre sua morte, atividades políticas,
notas sobre seus sucessores, e, quando havia, informações sobre pessoas homônimas. Os
maiores verbetes são de Platão, Aristoteles e Epicurus. Personalidades que possuem maiores
ligações com o desenvolvimento do pensamento matemático, como Thales, Anaximandro,
Anaximenes, Anaxágoras, Sócrates, Euclides, Zenão de Elea, Pitágoras e Eudoxo, também
possuem seus verbetes biográficos no texto de Diogenes.7
Outro texto meu sobre o qual irei dedicar maior atenção é o artigo publicado em
2005 na Revista Brasileira de História da Matemática que trata exclusivamente de
uma importante Enciclopédia publicada no século VII da era Cristã, sob a
responsabilidade de Isidoro de Sevilla8. A obra Etymologiarvm sive Originvm libri
XX (Etimologias ou Origens, vinte livros), considerada um clássico no âmbito das
obras enciclopédicas, possui relevância pois foi produzida no período de transição
entre as Idades Antiga e Média. “As referências históricas presentes na obra
Etimologias aparecem através de pequenas informações, em forma de verbetes
(itens), onde são evidenciados a origem dos assuntos ou quem foram os primeiros
a se ocupar deles.”9 O livro 3 é dedicado à Matemática (de Mathematica, cuius
partes sunt Arithmetica, Musica, Geometrica et Astronomica).
Isidoro menciona que Pitágoras foi o primeiro grego a escrever sobre a ciência dos números
e que posteriormente foi completado por Nicomachus ... Isidoro ressalta a figura do
6
Nobre, Sergio. 2007. Pág. 36
7
Nobre, Sergio. 2002. Pág. 10
8
Nobre, Sergio. 2005
9
Nobre, Sergio. 2005. Pág. 52
10
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22
personagem de nome Pitágoras (c.580-500), ligado à Ciência dos Números ... Outra
informação histórica importante que aparece nesse pequeno verbete é a existência de um
outro grego que continuou os estudos iniciados por Pitágoras ou por membros da Escola
Pitagórica. Isidoro cita Nicomachus de Gerasa (~100 A.D.), pitagórico que, além de escritos
matemáticos, produziu muitos textos sobre teoria musical 11
Isidoro escreve que a geometria foi inventada pelos egípcios quando, com o recuo das águas
após as inundações do rio Nilo, a terra fértil era dividida para as plantações. Essa divisão de
terras através de medidas de comprimento e medidas de área deu origem ao termo
“geometria” ... A passagem histórica sobre o início da geometria a partir das divisões das
terras férteis às margens do rio Nilo no Egito tornou-se clássica e é citada em textos históricos
até os dias de hoje.12
Isidoro escreve que os gregos afirmam que Pitágoras foi o primeiro a descobrir a arte do som
através de batidas em cordas esticadas e que outros afirmam que Linus de Thebes, Zethus
e Amphion foram os primeiros a ganharem fama nas artes musicais. 13
... enquanto escrevia um texto sobre a vida de seu mestre, ele colecionou a biografia de cerca
de 370 pessoas que realizaram atividades em matemática e colocou-as no texto Cronica de
matematici overo epitome dell‟istoria delle vite loro. Esse texto foi publicado somente em 1707
na cidade de Urbino. Além da importância histórica por ter sido um dos primeiros dicionários
biográficos contendo biografias somente de matemáticos, Cronica de matematici é uma
excelente obra de consulta para historiadores, pois contém informações biográficas de
matemáticos que não constam nos tradicionais textos de biografias.15
11
Nobre, Sergio. 2005. Pág. 52
12
Nobre, Sergio. 2005. Pág. 54
13
Nobre, Sergio. 2005. Pág. 54
14
Nobre, Sergio. 2002. Pág. 13
15
Nobre, Sergio. 2002. Pág. 13
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sobre René Descartes (1596-1647) escrito pelo bibliotecário e sacerdote Adrian
Baillet (1640-1706).
A relevância historiográfica desse texto biográfico de Cavalieri escrito por Urbano D’Aviso se
dá pelo fato de que pouco se sabe sobre a vida pessoal de Cavalieri a não ser o que foi
relatado por ele. A única informação que se tem sobre o ano de nascimento de Cavalieri foi
dada por D’Aviso, porém não há documentos que a comprovem. Outras importantes
informações sobre Cavalieri, como estudos realizados, vida religiosa, pessoas com quem
obteve contatos acadêmicos e religiosos, trabalhos publicados e repercussão desses
trabalhos no meio científico europeu, também são relatados por D’Aviso. O texto Vita del P.
Buonaventura Cavalieri é uma pequena biografia (10 páginas), no entanto possui ricas
informações sobre a vida desse ilustre matemático.16
...o capítulo chamado Historica narratio de ortu et progressu matheseos, um pequeno capítulo
de 12 páginas, onde é contada uma história abreviada da matemática. Em cada um dos
parágrafos do texto, Tacquet evidencia um período ou personagem diferente.... A
apresentação da matemática na Grécia engloba a maior parte do texto. Tacquet desenvolveu
os próximos capítulos com pequenos, porém ricos, comentários sobre as realizações
matemáticas referentes às escolas de Pitágoras, Demócritos, Platão, Eudoxo, Aristóteles,
Arquimedes, Ptolomeu e Diophanto.18
O texto histórico de Dechales aparece apenas na segunda edição do livro que foi
publicada em 1690, sob o título de Tratactus proemialis de progressu matheseos et
illustribus mathematicis, com 108 páginas, um tratado que apresenta o progresso
da matemática e também ilustres matemáticos
16
Nobre, Sergio. 2002. Pág. 23
17
Nobre, Sergio. 2002. Pág. 23
18
Nobre, Sergio. 2002. Pág. 22
24
capítulos por meio de uma abordagem sobre as origens do assunto na Antigüidade,
retratando os principais personagens e seus feitos. A história é contada até meados do século
XV e início do século XVI, quando, a partir de então, são apresentadas, em ordem
cronológica, as obras publicadas referentes aos assuntos abordados. 19
Nos séculos XVII e XVIII aparecem os primeiros textos completos sobre História da
Matemática, sejam eles em forma de capítulos pertencentes à uma obra mais geral,
ou então textos específicos que abordam apenas assuntos históricos. Alguns
exemplos de capítulos, também apresentados no artigo publicado em 2002 na
Revista Brasileira de História da Matemática seguem:
John Wallis (1616-1703), destacado matemático inglês do século XVII, publicou no ano de
1685, como resultado de vários anos de trabalho voltados à matemática e sua história, o seu
único trabalho científico escrito no idioma inglês, o livro Treatise of Algebra, Both Historical
and Practical. Conforme o próprio título indica, é um texto de álgebra acompanhado por seu
desenvolvimento histórico. Dos 100 capítulos que compõem a obra, 14 são relativos à história
da álgebra, abrangendo um volume superior a 70 páginas. ... Provavelmente este foi o
primeiro texto histórico escrito exclusivamente sobre um dos ramos da matemática, ou seja,
o primeiro texto sobre a história da álgebra21
Uma importante contribuição para o movimento historiográfico da matemática foi dada por
Christian Wolff (1679-1754), filósofo e matemático alemão que, dentre vários textos sobre
filosofia e matemática, publicou em 1710 o livro Anfangsgründe aller mathematischen
19
Nobre, Sergio. 2002. Pág. 23
20
Nobre, Sergio. 2011
21
Nobre, Sergio. 2002. Págs. 28 e 29
25
Wissenschaften. Seguramente este foi o livro-texto de matemática de maior penetração nos
meios escolares alemães na primeira metade do século XVIII. Como parte integrante deste
livro, Wolff escreve o texto Kurzer Unterricht von den Vornehmsten Mathematischen Schriften
(pequena aula sobre os principais textos matemáticos), que, apesar de não obedecer aos
direcionamentos atuais relativos à escrita de um texto histórico, oferece muitas informações
sobre a história da matemática22
Para concluir esta primeira parte de minha apresentação, o livro que é considerado
divisor de águas na historiografia da matemática, pois enquanto seus antecessores
tratavam o assunto de forma estanque, com pequenos parágrafos acerca dos
acontecimentos e dos resultados, surge um livro que trata o assunto histórico de
forma, pode-se dizer, romanceada. Ou melhor, onde as informações são tratadas
em textos corridos, com os fatos se entrelaçando. Este livro ao qual me refiro é
Histoire des Mathématiques, de autoria de Jean Etienne Montucla (1725-1799),
publicado originalmente em dois volumes no ano de 1758, na cidade de Paris. Estes
dois volumes teve uma segunda edição revisada e publicada em 1799, que foi
acrescentada de outros dois volumes em 18023
Histoire des Mathématiques possui características diferentes daquelas relativas aos textos
que até então existiam. Não se assemelha com a espécie de relatório catalográfico presente
nos outros livros. É um texto dissertativo, onde a matemática é apresentada de forma
dinâmica através de sua história, que abrange desde antes do personagem bíblico Noé até o
século XVIII. Além de apresentar com detalhes a história do que hoje é chamado de
matemática pura, o livro contém abordagens sobre a história da astronomia, da mecânica, da
ótica, da música, entre outras.24
O século XIX e início do século XX irão ser marcados pelo surgimento de obras
específicas sobre a História da Matemática, e, com isso, inicia-se o período do
surgimento dos primeiros pesquisadores que assumem a história como suas
principais atividades científico/acadêmicas. Este movimento ganha forças com a
realização dos primeiros Congressos Internacionais de História da Ciência na
década de 20 do século XX e abre caminho para a fundação da Academia
Internacional de História das Ciências no inverno dos anos 1927/28.
22
Nobre, Sergio. 2002. Pág. 29
23
Historiadores afirmam que os dois últimos volumes são diferentes dos dois primeiros e que foram
organizados pelo amigo de Montucla, o astrô nomo francê s Joseph Jé rô me le François de Lalande (1732-
1807)
24
Nobre, Sergio. 2002. Pág. 34
26
História da Matemática no Brasil – primórdios e crescimento das atividades
histórico/científicas
Eu acrescento outros dois tópicos gerais à esta lista pois estes tornaram-se ricos
campos de pesquisa, principalmente para o movimento relativo às pesquisas em
Educação:
Sobre estes dois tópicos não irei tratar nesta conferência, visto que especialistas
nestes assuntos os tratariam com mais propriedades. Dentre vários grupos que
atuam nestas áreas, um destaque especial para o Grupo História Oral e Educação
Matemática (GHOEM), sob a responsabilidade do Prof. Vicente Garnica, e o Grupo
de Pesquisa em História da Educação Matemática (GHEMAT), sob a
responsabilidade do Prof. Wagner Rodrigues Valente.
Tomando como base apenas os tópicos apresentados por Hans Wussing, a nossa
busca é por textos que apresentam a História do Desenvolvimento da Matemática
no Brasil, com isso abrimos o caminho para uma Historiografia da Matemática
nacional.
25
Wussing, Hans. 1997. Pág. 5
26
De acordo com Costa, Nelson Lage & Piva, Teresa Cristina de Carvalho. 2011, na Revista do Instituto
Polytechnico Brazileiro, tomo XVIII, ano 1862, há um texto de 13 páginas intitulado Evolução da Mathematica
no Brazil, de autoria de Licinio Athanasio Cardozo. No entanto, não foi possível localizar este texto para
27
Em 1955 foi publicada a obra As Ciências no Brasil, organizada por Fernando de
Azevedo (1894-1974) tendo como primeiro capítulo o texto A Matemática no Brasil,
de autoria do então professor catedrático na Escola Nacional de Engenharia e
membro e professor titular de Matemática do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas
(CBPF) Francisco Mendes de Oliveira Castro (1902-1993)27. Em 38 páginas28,
Oliveira Castro faz um apanhado geral sobre a Matemática no Brasil até a sua
época, iniciando com os Colégios Jesuítas, destacando a vinda de Dom João VI
para o Brasil e a criação da Academia Real Militar e as posteriores Escolas de
Engenharia, culminando com a criação das Faculdades de Filosofia da
Universidade de São Paulo, da Escola de Ciências da Universidade do Distrito
Federal e da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Muitos são
os personagens que aparecem destacados no texto. Menciono alguns que são mais
conhecidos pela comunidade de historiadores da matemática brasileira, que
viveram no período entre o Brasil Colônia até o início do século XX: José Fernandes
Pinto Alpoim (1698-1770), Francisco de Borja Garção Stockler (1759-1829),
Joaquim Gomes de Sousa (1829-1863), Oto de Alencar Silva (1874-1912),
Amoroso Costa (1885-1928), Teodoro Ramos (1895-1935). Por ser um texto que
apresenta algumas informações que carecem de aprofundamentos, este é um
excelente material de pesquisa para a Historiografia da Matemática Brasileira.
A ênfase que aqui se dá ao que sucedeu no Estado de São Paulo deve ser encarada, pois,
como simples fruto da maior facilidade de contato com as fontes e não como deliberada
intenção de diminuir o valor do que se fez em outras regiões brasileiras 31
As observações que a seguir se indicam são fragmentárias e breves, devido à falta de dados
históricos precisos em que fundamentar inúmeros aspectos do desenvolvimento da
matemática no Brasil. Com efeito, essa história ainda está por ser escrita e os poucos
elementos existentes para traçar o seu perfil estão dispersos em artigos, conferências
analisá-lo. Um segundo texto, também não encontrado por este autor, é A evolução da Mathematica pura no
Brasil, de autoria de A. F. de Lima Campos e publicado em 1927. Este texto é mencionado por Dias, André
Luís Mattedi. 2002 em uma nota de rodapé.
27
Azevedo, Fernando. (org.). 1994. Pág. 96
28
De acordo com a edição de 1994 da obra de Fernando de Azevedo.
29
Houaiss, Antônio. 1976. Págs. 7286-7312
30
Conforme Currículo Lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/6263429492189335
31
Houaiss, Antônio. 1976. Pág. 7308
28
ocasionais e relatos pouco divulgados, perdidos em arquivos de difícil acesso ou em folhetos
de pequena circulação.32
32
Houaiss, Antônio. 1976. Págs. 7307-7308
33
Nobre, Sergio. 2007. Pág. 132
34
Silva, Clóvis Pereira. 1992
29
Um enfoque semelhante, por ser apresentado de forma ampla e geral, foi dado por
Ubiratan D’Ambrosio em seu livro Uma História Concisa da Matemática no Brasil35.
Tive o privilégio de escrever o prefácio deste livro, do qual transcrevo partes abaixo:
35
D’Ambrosio, Ubiratan. 2008
36
D’Ambrosio, Ubiratan. 2008. Prefácio
30
Antes de iniciar a apresentação das contribuições para a Historiografia da
Matemática oriundas do GPHM, faço questão de destacar aquele que foi, pode-se
dizer, o primeiro trabalho acadêmico referente a um tema específico sobre a
História da Matemática no Brasil, tema este que havia sido mencionado por
Francisco Mendes de Oliveira Castro no texto A Matemática no Brasil, apresentado
anteriormente. Oliveira Castro faz uma pequena menção sobre o prestígio que as
ideias positivistas de Augusto Comte tiveram sobre a Matemática no Brasil37. E, em
seu doutorado defendido junto ao Programa de Pedagogia da Universidade de
Bielefeld, Alemanha, no ano de 1991, Circe Mary Silva da Silva Dynnikov aprofunda
o tema sobre a influência do Positivismo na Matemática Brasileira. Embora no título
da dissertação de doutorado defendida, há menção sobre o “Ensino da
Matemática”38, sobre o qual eu antecipei que não irei mencionar nesta
apresentação, este texto é uma importante contribuição para se entender o
desenvolvimento da Matemática propriamente dita no Brasil do final do século XIX
e início do século XX.
Título Autoria
A Escola de Engenharia de São Carlos e a Fernanda dos Santos Menino -
criação de um Curso de Matemática RB
História da Criação do Curso de Adriana de Bortoli - MT
Matemática na Pontifícia Universidade
Católica de Campinas
A História da Faculdade de Filosofia, Suzeli Mauro - SN
Ciências e Letras de Rio Claro e suas
Contribuições para o Movimento de
Educação Matemática
37
Azevedo, Fernando. (org.). 1994. Pág. 79
38
Dynnikov, Circe Mary Silva da Silva. 1991. Positivismo e Ensino da Matemática: influências portuguesa e
francesa no Brasil no século XIX. Dissertação de Doutorado defendida junto ao Programa de Pós-Graduação
em Pedagogia da Universidade de Bielefeld, Alemanha
31
O Instituto Tecnológico de Aeronáutica na Henrique Marins de Carvalho -
História da Matemática no Brasil SN
O Instituto Cearense de Matemática Eudes Barroso Junior - SN
(1954-1960): A origem do Instituto de
Matemática da UFC
Sociedade de Matemática de São Paulo: Lucieli Maria Trivizoli da Silva -
Um Estudo Histórico Institucional UD
Sociedade Brasileira de Matemática: Um Viviane de Oliveira Santos -
estudo histórico-institucional SN
BIOGRAFIAS
Título Autoria
Primeiro Colóquio Brasileiro de Angélica Raiz Calábria - SN
Matemática - identificação de um registro
e pequenas biografias de seus
participantes.
Mário Tourasse Teixeira - o Homem, o Romélia Mara Alves Souto -
Educador, o Matemático SN
Luigi Fantappiè: Influência na Matemática Plínio Zornoff Táboas - UD
Brasileira. Um Estudo de História como
contribuição para a Educação Matemática
As contribuições de Chaim Samuel Hönig Mariana Feiteiro Cavalari - SN
para o desenvolvimento da Matemática
Brasileira
Sobre condição judaica e a matemática. Edilson Roberto Pacheco - UD
Teodoro Augusto Ramos: Um Estudo Sabrina Helena Bonfim - MT
Documentado de sua Tese de
Doutoramento
O desenvolvimento da Pesquisa em Patrícia de Souza - SN
Equações Diferenciais no ICMC-USP:
Contribuição de Nelson Onuchic
A Matemática é Feminina? Um estudo Mariana Feiteiro Cavalari - SN
histórico sobre a Presença Feminina em
Institutos de Pesquisa em Matemática do
Estado de São Paulo
A Participação da Mulher na Matemática e Margarida Mendonça - SN
na Educação Matemática Brasileira
António Lacaz Neto (1911-1991): um Angélica Raiz Calábria - SN
estudo biográfico
Candido Lima da Silva Dias - da Paulo Cesar Xavier Duarte -
Politécnica aos primórdios da FFCL da RB
USP
32
Um olhar sobre as contribuições do Marcelo Gonzales Badin - SN
Professor Nelson Onuchic para o
desenvolvimento da matemática no Brasil
Intercâmbios Acadêmicos matemáticos Lucieli Maria Trivizoli da Silva -
entre EUA e Brasil: uma globalização do UD
saber
Uma biografia de Eugênio de Barros Raja Juliana Martins - MT
Gabaglia
Título Autoria
O doutorado em Matemática no Brasil: um Celia Peitl Miller - RB
estudo histórico documentado.
História dos Primeiros Doutorados em Mônica de Cássia Siqueira
Matemática defendidos no Brasil Martines - SN
Um estudo sobre o processo que Rachel Mariotto - SN
desencadeou o doutoramento de Joaquim
Gomes de Sousa (1829-1864) e alguns
apontamentos sobre sua tese
ÁREAS DA MATEMÁTICA
Título Autoria
Uma Abordagem Histórica do Antonio Rodolfo Barreto - SN
Desenvolvimento da Estatística no Estado
de São Paulo
Uma História da Lógica Matemática no Carlos Roberto de Moraes - SN
Brasil
Uma história do processo de José do Carmo Toledo - SN
institucionalização da área da Análise
Matemática no Brasil
ANÁLISE DE OBRAS
Título Autoria
O Livro "Théorie des Approximations Fabiane Cristina Höpner Noguti
Numériques et du Calcul Abrégé" de - MT
Agliberto Xavier
O Livro que divulgou o Papiro Rhind no Juliana Martins - MT
Brasil
33
A imersão em um mundo mágico e Rachel Marioto - SN
maravilhoso: Um estudo sobre a obra
literário-educacional de Mário Tourasse
Teixeira
Um estudo de avaliações de matemática Davidson Paulo Azevedo
na Escola de Minas de Ouro Preto - 1876 Oliveira - SN
a 1891
Referências Bibliográficas
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35
LEGITIMAÇÃO DA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM GRUPOS DE PESQUISA
COM PRÁTICAS INTERCULTURAIS
RESUMO
O principal motivo para a escolha do tema desta conferência foi oportunizado a partir de
reflexões e demandas de relações diversas quanto ao conhecimento multidimensional e
variacional em história da matemática, que têm tido lugar em grupos de estudo e pesquisa,
escolares e acadêmicos, dos quais tenho participado na última década. O procedimento
da investigação foi levantar informações e apresentar análises sobre algumas influências
e aprendizagens recíprocas, cujos loci das pesquisas ocorreram tanto em meio escolar e
acadêmico como em comunidades culturais locais. O trabalho fronteiriço com as culturas,
em termos das investigações de saberes históricos tradicionais, em especial,
proporcionando inter-relacionamentos voltados para a história da matemática ou a sua
utilização no âmbito da educação matemática, tem permitido alcançar e ampliar a
compreensão dos modos de produção de significados relativos ao fazer matemático. Entre
estes, os significados e conhecimentos advindos da história da matemática como um meio
de legitimá-la entre os participantes dos variados processos investigativos, seja no ensino
e aprendizagem de matemática, de história da matemática ou na pesquisa científica. O
interesse e relevância da análise presente volta-se a estratégias do fazer inerente aos
grupos de pesquisa e sugere que esse caminho tem sido não somente possível a uma
intensificação de uso educacional e apreço pela história da matemática, como valioso no
encontro com o “novo”. Realce que é notado nas trocas culturais, que ocorrem em diálogo
harmonioso, fluindo criatividades no presente, em um “entre-lugar” cultural de pesquisa
para além das fronteiras culturais, propícia aos cooptados em estudos no campo da história
da matemática.
INTRODUÇÃO
39
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes).
aransadli@gmail.com
36
impregnação da história da matemática. Especificamente, por se tratar de um
percurso múltiplo de ação acadêmica, escolar e vivenciada também na prática em
comunidades culturais locais.
Ao mesmo tempo, a complexidade desse campo reveste-se de importância
para refletirmos em sentidos variados. Um deles, a respeito da característica
institucional chamada “verticalização” entre os níveis formativos por ela
proporcionados e a integração do ensino, pesquisa e extensão, que podem se
constituir, conforme será mostrado, em constructos potenciais a favor da
legitimidade dos estudos e pesquisas em história da matemática.
A verticalização, entendida como um dos fundamentos do princípio de
organização curricular nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia,
desde a sua criação pela Lei no 11.892 de 2008, “implica o reconhecimento de
fluxos que permitem a construção de itinerários de formação entre os diversos
cursos” (PACHECO, 2015, p. 10), desde os de nível técnico, à graduação e pós-
graduação.
O que isso tem a ver com o interesse, estudos e pesquisas em história da
matemática? De modo específico, propicia caracterizar que semelhante interação
entre níveis de formação está presente na composição de dois grupos de pesquisa
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes) –
Campus Vitória, liderados por pesquisadores da Coordenadoria de Matemática, dos
quais esta autora também é membro desde 2014. Ambos contam com a
participação conjunta, nem sempre comum a outros grupos de pesquisa, de alunos
do ensino médio técnico, graduação, mestrado e professores que atuam em cursos
de pós-graduação. São eles, o Grupo de Pesquisa em História da Matemática e
Saberes Culturais (GHMat), liderado pela professora Claudia Alessandra de Araújo
Lorenzonni, e o Grupo de Estudos e Pesquisa em Modelo dos Campos Semânticos
e Educação Matemática (Gepemem), liderado pelo professor Rodolfo Chaves e
integrando a Rede Sigma-T40.
40
A Rede Sigma-T é uma rede nacional de pesquisa e desenvolvimento em Educação Matemática,
que congrega professores de matemática e pesquisadores interessados no Modelo dos Campos
Semânticos (MCS). Informações a respeito podem ser obtidas no endereço: http://sigma-t.org.br .
37
Assim, a escolha do tema desta conferência foi proporcionada pela
investigação exploratória do seguinte objetivo – analisar a atuação desses dois
grupos de estudo e pesquisa, discutindo o interesse multidimensional e variacional
em história da matemática e na diversidade cultural, que subsidiaram uma
legitimação desses campos de conhecimento. Cuja relevância de discussões, no
momento atual, se inscreve entre as reflexões de centenas de pessoas que lideram,
integram participativamente ou transitam em grupos de pesquisa brasileiros.
38
àqueles que pudessem proporcionar inter-relacionamentos voltados a história da
matemática ou à sua utilização no campo da educação matemática.
Uma meta idealizada e perseguida pelos integrantes dos grupos de pesquisa
é, portanto, permitir ampliar a compreensão epistemológica dos modos de
produção de significados relativos ao fazer matemático, tanto histórico quanto em
meio a práticas educacionais e sociais das relações culturais.
Com esse direcionamento, tem-se o apoio em leituras, estudos e práticas
relacionadas a história da matemática, consideradas por estudiosos e
pesquisadores (Powel e Frankenstein, 1997; D’Ambrosio, 2001; Ferreira, 2007;
Radford, 2011; Rogers e Pope, 2019). Eles indicam, entre outras coisas,
contribuições no sentido de mostrar contextos culturais variados, os quais
historicamente legaram produções matemáticas à ciência institucionalizada como
matemática acadêmica ou “universal”, presente também nos currículos escolares.
Ao agregar-se partes da matemática, conhecida como ‘matemática
acadêmica’, a diferentes entendimentos de estratégias desenvolvidas por grupos
culturais específicos, na tentativa de explicar, atuar, inferir e conviver com a
realidade, é importante o cuidado da escuta e observação atenta a outros. De modo
a deixar espaço respeitosamente partilhado e observado, na intenção de fomentar
diferenciados modos de entender e trabalhar a constituição e desenvolvimento do
pensar matematizado.
Um exemplo pode ser observado na explicação quanto a historicidade pelo
próprio povo cigano do ramo dos Calons41, que não preserva qualquer rastro
histórico em termos de documentos ou artefatos, devido a serem bastante
nômades. Mas, mantém forte o costume, desde crianças, da facilidade com
cálculos mentais, requeridos por jogos de baralho e negociações cotidianas de
trocas. Enquanto que entre o povo Guarani, a preservação da historicidade está
bastante incorporada à cultura, valorizada na identidade religiosa, na defesa de
preservação da língua, e mesmo em artefatos, como o arco e flecha e determinados
jogos que requerem inferências e estratégias.
41
Isso ocorreu durante o trabalho de pesquisa de Muller (2015) na comunidade dos Calons, em Praia Grande,
no município de Fundão – ES.
39
São características como essas e outras preocupações que intensificam os
desafios no encontro e trabalho na fronteira entre culturas. No “entre-lugar”, de
acordo com a denominação presente em Bhabha (2010, p.27), onde se invoca o
passado para se criar e produzir “novos” significados em atuação no presente,
provocando visibilidade de outros modos de matematizar. Situações vivenciadas
em meio à prática, no campo de pesquisa, em espaço fronteiriço, serão destacados
na segunda parte deste texto.
Com respeito a olhar para o que representa legitimidade cultural e
acadêmica de um campo de saber instituído, como o caso da história da
matemática, inicio por assumir aqui duas vertentes de diferentes naturezas, porém,
convergentes e não dicotômicas. Uma no âmbito mais sociológico de concepção
ampla a respeito de legitimidade, a partir de Outhwaite et al (1996, p. 413), que
apresentam legitimidade como “conceito empírico ou comportamental, de acordo
com o qual um regime é ‘legítimo’ se a população interessada acredita que ele seja
legítimo”, podendo ter por base uma tradição, apoio em um costume ou interesse.
Outra vertente, no âmbito epistemológico dos sujeitos produtores de
significados e conhecimentos, é a noção de legitimidade considerada na teoria do
Modelo dos Campos Semânticos. Conforme assinalado por Lins (2012), as
legitimidades são internalizadas, e são elas que permitem à pessoa dizer o que diz
em determinado lugar e momento, ou seja, “que aquele modo de produção de
significado era legítimo” (LINS, 2012, p. 20).
Os comentários tecidos até aqui têm o propósito de situar e servir de base à
relevância da escolha temática, bem como subsidiar argumentos na apresentação
das pesquisas e produções realizadas por membros do GHMat e do Gepemem
envolvendo a história da matemática. Isto é, por meio dos exemplos das
produtividades de pesquisa e comentários críticos, tornar sustentável e discutir a
representação e explicação adequadas ao processo, ora em curso, de legitimação
da história da matemática com entrelaçamentos culturais.
Entre os pesquisadores membros do GHMat e do Gepemem tem-se clara a
opção de interesse a estudos e pesquisas que possam estar voltadas a história da
matemática, sendo que no GHMat tem-se priorizado a relação com a diversidade
40
cultural, enquanto que no Gepemem tem-se maior aderência ao relacionamento
epistemológico com base no Modelo dos Campos Semânticos.
PESQUISAS E PRODUTIVIDADES
42
O período entre 2013 e 2020 se justifica pela transição da autora da Universidade Federal do Espírito Santo
(Ufes), onde se aposentou, para ingresso no Instituto de Educação em Ciência e Tecnologia do Espírito Santo
(Ifes), credenciada no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática (EDUCIMAT).
41
Formação superior específica
Dissertação de professores de matemática Santos, M. G. 2013 Ppge/UFES
no Espírito Santo: uma
história de 1964 a 2000
Os ciganos Calon do
Dissertação acampamento em Praia Grande 2014 Educimat/Ifes
MULLER, B. C.
e o espaço escolar: um olhar
etnomatemático
Prática de ensino e Estágio
Supervisionado na Licenciatura
Tese de Matemática em narrativas de Vieira, R. F. 2016 PpgeUFES
professoras da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de
Alegre
Álgebra e história da
Dissertação matemática: análise de uma Bissi, T. 2016 Gepemem
proposta de ensino a partir da Educimat/Ifes
matemática do antigo Egito
Ensino de História na Educação
Dissertação Básica: (re)significando valores Anjos, W.B. dos 2017 GHMat
sobre os povos indígenas do Educimat/Ifes
Espírito Santo
Teorema de Pitágoras a partir
da história da matemática: Gepemem
Dissertação análises epistemológicas de Prata Filho, G. A. 2018 Educimat/Ifes
atividades em turmas do 9º ano
da rede pública
Construção e transformações
Dissertação do currículo de matemática do Kachel, G. L. S. 2018 Educimat/Ifes
Curso Técnico em Estradas do
Ifes (1960 a 1990)
Saberes Guarani Tambeopé em
aulas de matemática da
Dissertação Moura, A. P. A. 2019 GHMat
educação básica: um olhar
Educimat/Ifes
etnomatemático às suas
MBA’EITXA OO DJADJAPO
Produção de significados a
Dissertação
respeito de números figurados Dutra, T.M. de S. 2020 Gepemem
(*) em um processo de formação Educimat/Ifes
de professores de matemática
Monografia Padrões matemáticos em obras Rodrigues, C. L. 2015 Gepemem
(TCC) (*) de Leonardo Da Vince Comat/Ifes
História da matemática no
Monografia estudo de poliedros de Platão: Schunk, T. J. 2018 GHMat
(TCC) uma intervenção pedagógica no Comat/Ifes
Ensino Fundamental
História em quadrinho no
Monografia ensino de Matemática: uma Gepemem
Majoni, H. S. 2018
(TCC) (*) experiência com o Teorema de Limat/Ifes
Pitágoras.
(E-BooK) Educação matemática
Livro no curso técnico em Estradas Kachel, G. L. S. 2018 HISTOFIC
do Ifes: um olhar para a Sad, L. A. Educimat/Ifes
construção do currículo
42
Teorema de Pitágoras e o
Livro Prata Filho, G. A. 2019 Gepemem
Geogebra: uma relação
Sad, L. A. Educimat/Ifes
possível
Matemática e prática cultural Silva, C. M. S. da GHMat
Livro 2019
indígena Sad, L. A.
Álgebra e História da
Livro Matemática: análise de uma Bissi, T. 2016 Gepemem
proposta de ensino a partir da Sad, L. A. Educimat/Ifes
matemática do antigo Egito
Entre pesquisas em Educação
Capítulo de Matemática, História da Sad, L. A. 2018 GHMat
Livro Matemática e legados Educimat/Ifes
educacionais locais
Uma compreensão histórica da GHMat
Capítulo de formação de professores de Sad, L. A. 2019 Educimat/Ifes
Livro Matemática em cursos
superiores no Espírito Santo
Santos, V. C. GHMat
Iniciação científica Júnior: uma
Capítulo de Lorenzoni, C. A. C. 2020 Curso
experiência com jogos na
Livro de A. Técnico/Ifes
educação escolar indígena
Sad, L. A. Educimat/Ifes
Matemática e sociedade no GHMat
Capítulo de Vieira, A. U. et al 2020
mundo multidimensional da Comat/Ifes
Livro (*)
Panolândia, de Edwin Abbott
(*) Produções científicas provenientes da orientação dos líderes do Gepemem e GHMat.
Fonte: Elaborado pela autora.
43
Das dissertações de Bissi (2016), Prata Filho (2018) e Dutra (2020),
sublinho, em especial, durante os procedimentos das pesquisas, o começo de um
trabalho com fontes históricas antigas. Para tanto, os mestrandos precisaram se
empenhar em muitas buscas investigativas e tempo de dedicação aos estudos, a
fim de entender, produzir significados articulados às suas elaborações
matematizadas e conhecer um pouco mais sobre as perspectivas de autores da
historiografia da matemática. Autores como (Heath, 1964; Boyer, 1974; Strüik,
1989; Katz, 2010; Cajori, 2007; Caraça, 1951; Fauvel & Gray, 1987; Kline, 1990;
Gundlach, 1992; Wussing, 1998; Mendes 2006; Radford, 2011; Roque, 2012), cujas
perspectivas históricas vão desde alguns clássicos de fácil acesso a outros mais
socioculturais e/ou recentes.
Interessante foi o modo como conhecimentos a respeito da história da
matemática e da sua utilização no ensino e aprendizagem da matemática foram
produzidos pelos três (Bissi, Prata Filho e Dutra), não somente nas leituras e
discussões compartilhadas com outros colegas dos grupos de pesquisa ou
participantes da pesquisa de campo, mas também em meio ao trabalho em oficinas
e minicursos, realizados via projeto de extensão e por ocasião de eventos
acadêmicos.
Sublinho que as oficinas foram montadas com material manipulável,
utilizando como base a história da matemática, e o minicurso com a mesma base
e auxílio do software Geogebra. Em seu berço de geração, oficinas e minicurso
adicionaram contribuições de membros dos grupos de pesquisa, em especial dos
alunos de graduação, colegas do mestrado, professores e orientadores. Essas
trocas somaram, favoravelmente, tanto no âmbito epistemológico da produção de
significados e conhecimentos sobre a história da matemática, como para
compreensão das interfaces com a matemática atual.
No caso da oficina de Bissi (2016), para além da criatividade do trabalho
didático com réplicas do Papiro Ahmes (ou Rhind), figura 1, e construção de
tabletes de barro com inscrições numéricas antigas, alguns participantes, diante do
sistema simbólico antigo e a eles “estranho”, faziam comparações reflexivas sobre
o sistema simbólico usado hoje na matemática escolar e acadêmica. O que levou
44
a discutir que aquele sistema simbólico, assim como qualquer outro, representa
uma estipulação aceita e incorporada à linguagem de uma cultura ou, conforme
Sad & Lorenzoni (2020, p. 215), “o que aquele grupo cultural determina como
ontologicamente próprio”.
As oficinas sobre números pitagóricos figurados, realizadas e apresentadas
por Dutra (2020) tiveram uma dinâmica diferenciada, com proposta de trabalho em
grupos, monitorados por integrantes do Gepemem. Eles tinham o papel de orientar
e guiar os participantes das oficinas nas tarefas, em meio às quais transitavam do
modo de produção de significados geométrico para o aritmético e, por
recursividade, ao algébrico.
O recurso manipulativo, foi a partir de tampinhas plásticas de garrafas
(material reciclável), previamente separadas por cores. A abordagem investigativa
e histórica iniciou com os números figurados em forma de quadrados, depois os
triangulares e finalmente pentagonais, usando um número triangular e outro
quadrado (figura 2), conforme a relação de Leonard Eüler (1707-1783), provada em
1750, segundo Bell (2012).
45
demonstrações históricas e aplicações via Geogebra – que ele ministrou por
ocasião do XIII Seminário Nacional de História da Matemática. Principalmente, por
sua metodologia de investigação na abordagem de variadas demonstrações
históricas do Teorema de Pitágoras e tarefas de aplicação, nas quais utilizou o
software Geogebra (figura 3) como recurso auxiliar na motivação e compreensão
dos participantes.
46
Guarani, em Aracruz – ES, incentivados também pela participação como membros
do GHMat.
Com a intensificação das aproximações interculturais e colaboração de
pesquisadores e professores indígenas a participarem do GHMat, houve condições
propícias e apoio a novos projetos. Assim, tivemos aprovação de dois projetos de
pesquisa com fomento da FAPES (Fundação de Apoio a Pesquisa no Espírito
Santo), sendo que o projeto vigente43 “envolve o contexto histórico dos povos
[Guarani e Tupinikim], a educação matemática escolar indígena e não indígena e
as transformações possíveis mediadas pelo diálogo intercultural” (SAD &
LORENZONI 2020, p. 218). No ano de 2020, foi agregado a esse projeto de pesquisa,
um projeto de extensão, no qual participaram alunos de nível técnico, graduação e
Pós-Graduação.
Desta feita, uma metodologia de exploração foi oportunizada pelo contato
com jogos e brincadeiras tradicionais entre os Guarani, na Aldeia Três Palmeiras,
em Aracruz – ES. A seguir, a título de exemplificação, apresento comentários dos
registros das ações realizadas em dois desses jogos.
No entender e linguagem guarani, a (mangapete), que para nós não-
indígenas é uma brincadeira ou jogo da peteca, e em tupi pe’teka (bater com a
palma da mão), conforme dicionário etimológico de Cunha (1986). Certamente, pelo
jogar batendo com as mãos na peteca, para que ela não caia e tenha certa direção.
Em geral, a peteca é composta por uma base macia, que os guarani de Aracruz –
ES confeccionam utilizando a palha seca de milho, entrecruzadas e preenchidas
com material (como pequenas pedras) para pesar, amarrada com embira ou outro
material a um feixe de penas, as quais ajudam o direcionamento e equilíbrio no ar.
Na oficina, aprendendo com pesquisador guarani sobre como confeccionar
peteca e depois jogar, os estudantes e professores não índios, integrantes do
GHMat, observaram a questão de influência das penas e a trajetória, relaciona ao
fazer matemático. Os indígenas presentes esmeravam-se em sua confecção (de
43
Projeto registrado na Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação do Ifes como “PJ00005819 -
Jogos e brincadeiras indígenas numa perspectiva etnomatemática - 2ª fase”.
47
modo mais silencioso) e, em momento propício, contaram que é um jogo tradicional
entre eles, com rastros religiosos, inclusive por causa do milho44.
Em semelhante partilhar intercultural, ocorreu o trabalho sobre confecção e
lançamento de arco-e-flecha. Esse artefato faz parte dos instrumentos de caça,
mas está também entre os jogos e brincadeiras indígenas dos guarani.
A partir deles foi possível observar um matematizar local, que resultou em
reflexões e perspectivas criadas em termos da história da matemática, que podem
ser relacionadas ao ensino e aprendizagem de noções matemáticas. Isso porque a
trajetória da flecha lançada, nas filmagens durante as oficinas e recomposições em
vídeos, aparece claramente em sua forma parabólica (figura 4). Tais procedimentos
e observações foram descritas, matematicamente, no trabalho científico de alunos
bolsistas de Iniciação Científica, na IV Jornada de Integração Científica do Ifes, em
2020, conforme Ribeiro & Lorenzoni (2020).
Em termos dos estudos históricos, foi motivo para questionar: essa curva, a
parábola, há muito vem sendo observada nos desenvolvimentos históricos? Como?
Investigação bibliográfica pode indicar que, desde os gregos antigos, temos
48
interesse em equações que resultam em tais curvas. A respeito dela, um dos
rastros mais antigos tem referência a Menaechmus. De acordo com Gardeño
(2000), ele foi mestre de Aristóteles (384-322 a.C.) e de Alexandre Magno. Eles
trabalhavam a média proporcional entre 1 e 2, do seguinte modo 2/x = x/y = y/1, e
daí, x2 = 2y e y2 = x (em notação atual).
Em continuidade ao desenvolvimento histórico, também há a elaboração da
curva a partir de Apolônio (250-175 a.C.), em sua obra Cônicas, Proposição V-8,
V-13, e V-27, a qual passou a ser denominada de parábola, como resultante da
seção de um cone em ângulo reto (KATZ, 1993). Embora, antes, já estivesse assim
nomeada por Arquimedes (287-212 a.C.), conforme tradutores de seu manuscrito
Sobre a quadratura da parábola, que Gardeño (2000) afirma ser devido a
Regiomontano no séc. XVI (figura 5).
49
Na confluência entre matemática, práticas culturais e história da matemática,
foi também composto o livro didático “Matemática e prática cultural indígena”
(SILVA & SAD, 2019), direcionado aos anos iniciais da escola básica. Ele integra a
produção resultante de ações do Projeto de Pesquisa “Jogos e brincadeiras
indígenas numa perspectiva etnomatemática”, contemplado pelo apoio do Edital
FAPES - nº 21/2018.
O livro foi lançado pelas autoras em webinário proposto e gerenciado por
integrantes do GHMat. Essa obra (figura 6) teve como objetivo central mostrar como
conteúdos da matemática escolar podem ser trabalhados nas aulas de escolas
indígenas em abordagens interculturais, prezando por temas da realidade dos
alunos e educadores indígenas, com variadas tarefas matemáticas e algumas
inserções na historiografia da matemática, permitindo atuação de modo
interdisciplinar.
50
professores da Ufes, do Ifes e da Secretaria Municipal de Educação de Aracruz
(SEMED), desde a sua confecção, validação das atividades e lançamento.
O contato com comunidades escolares indígenas locais tem permitido
determinadas matematizações, que levou, por exemplo, à reflexão e investigação
sobre jogos e brincadeiras tradicionais. Entre eles, os jogos tradicionais guarani
explorados no texto de Sad & Lorenzoni (2020), o “Jogo do Milho queimado” e “Jogo
da onça”. Outros jogos e brincadeiras estão no foco das investigações históricas e
matemáticas planejadas por pesquisadores do grupo GHMat, que, atualmente,
estão a elaborar outro livro, desta vez com partes em língua guarani e tupi.
Assim, existem expectativas de continuidade nas pesquisas, aliadas a
atuação da líder do GHMat como professora da disciplina de História da
Matemática, na Licenciatura em Matemática, despertando interesses e
incentivando alunos a intensificar estudos em história da matemática. Por vezes,
continuados na Pós-Graduação do EDUCIMAT/Ifes.
Além disso, a ampliação desse espectro é provocada pelo envolvimento de
alunos do ensino médio técnico, como voluntários ou bolsistas de iniciação
científica e tecnológica, a participar de projetos de extensão que vão sendo
fomentados e permitem o contato direto com mestrandos, doutorandos,
pesquisadores, e, em especial, com grupos culturais diversos.
Tudo isso, em clima de respeito e apoio comum, valoração da cooperação
mútua nas atividades e ações. Atividades consideradas de acordo com Leontiev
(1978), como uma unidade de análise para compreensão coletiva, “de modo que o
homem, no seio deste processo, não entra apenas em uma relação determinada
com a natureza, mas com outros homens, membros de uma dada sociedade.”
(LEONTIEV, 2004, p. 40). Em convergência,
51
Os encontros do Gepemem são realizados em espaço presencial partilhado
no Laboratório de Prática de Ensino Integrado (LPEI), apelidado carinhosamente
de “Cafofo”; e do GHMat, no Laboratório de Ensino de Matemática (LEM) ou, por
vezes, nas dependências da escola indígena em Aracruz. Durante esse tempo
atual, de pandemia pela Covid-19, as reuniões e planejamentos continuam a
acontecer em espaço virtual.
CONSIDERAÇÕES CONCLUINTES
52
poucos, é decisivo na legitimação da história da matemática nos grupos de
pesquisa e para além.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
53
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56
Eugênio Gabaglia: construção de uma biografia
Juliana Martins45
RESUMO
Estudos apontam que os problemas apresentados em um trabalho de natureza biográfica
são semelhantes ao de qualquer pesquisa histórica. Nesse sentido, não existem regras ou
métodos pré-definidos para se escrever a história de uma vida. Um exemplo disso será
apresentado nesse texto ao explanar-se sobre o processo de construção e exposição da
biografia do professor de matemática Eugênio de Barros Raja Gabaglia (1862-1919).
Fugindo do padrão da temporalidade linear, a trajetória de sua vida foi construída a partir
de episódios históricos organizados em diferentes temáticas. O primeiro versa sobre a obra
do professor; o segundo sobre sua estreita relação com o Colégio Pedro II; no terceiro
discute-se dados da história de seus antepassados dando ênfase à história de uma figura
de referência em sua vida: seu pai. No quarto episódio o tema é sua formação na Escola
Politécnica; no quinto investigou-se sua infância e os primeiros estudos. O sexto episódio
contém informações sobre as duas principais ocupações de Gabaglia: a engenharia e a
docência; no último episódio histórico citamos alguns relatos de ex-alunos e colegas de
trabalho no intuito de criarmos uma imagem de como o professor Gabaglia era visto pelos
seus contemporâneos.
O FAZER HISTÓRICO-BIOGRÁFICO
Para iniciar esse texto serão apresentadas breves reflexões sobre o fazer
biográfico que, nesse caso, refere-se também ao próprio fazer histórico.
Historiadores da matemática eventualmente preocupam-se com o fazer
histórico, isto é, com o processo de produzir uma história contextualizada pautada
em movimentos de crítica, interpretações das fontes selecionadas e, aliados à
escrita de uma narrativa clara e atualizada46.
45 (UFRPE). juliana.martins2@ufrpe.br
46 As concepções de historiografia atualizada e história contextualizada são baseadas em Saito (2015).
57
Ao mesmo tempo em que teorias da história e suas ferramentas
historiográficas passam por processos de atualização, o fazer biográfico também
acompanha essas mudanças. Vejamos,
No trecho acima a autora afirma que não se espera mais por uma biografia
que relata uma vida “de santo”, espera-se sim por narrativas que retratem vidas de
pessoas (célebres ou não), dentro de suas realidades, seus problemas. Além disso,
que a história dessas pessoas faça emergir os contextos sociais e culturais em que
viveram.
É preciso ficar claro a impossibilidade de se “dominar a singularidade
irredutível de uma vida”, e a impossibilidade de se esgotar o absoluto do “eu” na
vida daqueles que pesquisamos (BORGES, p. 216-217). Assim, a preocupação
atual dos historiadores é com o verossímil, com o que parece poder ser verdadeiro,
o que é possível ou provável.
Ainda na esteira da escrita biográfica Borges (2008), comenta que não
existem regras ou métodos indiscutíveis para se escrever a história de uma vida.
Segundo a autora, pode-se afirmar que os problemas apresentados em um trabalho
dessa natureza são semelhantes ao de qualquer pesquisa histórica.
Um exemplo é que em história sabemos a priori como tudo acabou, isto é,
qual foi o fim daquela história. Muitas vezes o próprio fim é o motivo que leva o
historiador a investigar e construir/escrever sua história. Por isso é preciso tomar
cuidado para a narrativa não se torne um percurso orientado (linear), que segue
uma visão retrospectiva (do fim para o começo).
Sergio Vilas-Boas (2014), discute o modo de encarar e organizar a própria
narrativa biográfica. Diz o autor:
58
uma espiral; encaminhar-se mais para o modo como o biógrafo
experimenta o tempo do que para o modo como o experimentara o
biografado [...] (VILAS-BOAS, 2014, p. 230)
Ao encarar o tempo como algo que orienta, mas que não dá sentido aos
acontecimentos da vida do biografado, o autor apresenta uma possibilidade de
ruptura com o padrão linear e temporal que a maioria das biografias são
encontradas.
59
peças aleatórias com informações biográficas retiradas dos documentos
selecionados. Inicialmente as peças estavam desordenadas, porém, aos poucos foi
iniciada uma tentativa de organização temporal para essas informações.
Em um terceiro momento, ao verificar o corpo que a narrativa estava
tomando, buscou-se um modo alternativo para essa construção. A medida em que
se dava o afastamento do modo linear e temporal de apresentar as informações
sobre a vida de Gabaglia, tentava-se criar um modelo de pequenas histórias que
se reunidas, apresentariam sua biografia.
As pequenas histórias foram nomeadas de episódios históricos, por sua
vez, construídos um a um, a partir de temáticas que surgiam da necessidade de
compreensão de algum aspecto da vida de Gabaglia cuja documentação permitia.
Ao fim do trabalho a junção dos sete episódios históricos compõe sua biografia.
Na seção a seguir os episódios são abordados de forma breve, alguns com
mais detalhes do que outros, com o intuito de proporcionar ao leitor uma ideia de
seus conteúdos47.
47
Para ler os episódios na íntegra e conhecer mais sobre a pesquisa de doutorado que
fundamenta esta conferência, ver Martins (2019).
60
Tradução dos livros
1895 a ?
da Coleção FIC
Relatório da Construção da nova
1896
capital de Minas Gerais
- Calculo Verbal, Calculo Graphico,
Calculo Pratico
O homem como - 1º, 2º e 3º parágrafos do livro “O
1897
capital mais antigo documento
mathematico conhecido (papyro
Rhind)”48.
O mais antigo
documento
1899 Distincção entre os logarithmos mathematico
neperianos e naturaes conhecido (papyro
Rhind)
Programmas para
os exames de
1912
machinista da
Escola Naval
A Mathematica em Cambridge
- Prefácio do “Annuario do Collegio
1914 Pedro II” – Vol. I.
- O Collegio Pedro II
Prefácio do “Annuario do Collegio
1915
Pedro II” – Vol. II
Curso de
1917
Navegação Interior
- Prefácio do “Annuario do Collegio
Pedro II” – Vol. III
- A evolução do conceito do
1919
inifinitesimo em mathematica –
parte primeira – Dos Gregos a
Cavalieri
Fonte: Martins (2019, p. 35)
61
Graças a essas traduções o nome do professor Gabaglia passou a figurar
na história do ensino de matemática no Brasil.
Além desse feito, o professor escreveu uma série de textos que, segundo
ele, fariam parte de um trabalho ainda inédito sobre “Historia da Mathematica”,
dentre eles destaca-se o livro “O mais antigo documento mathematico conhecido
(papyro Rhind)”, publicado em 1899. Para Silva (2001), a publicação desse livro
torna Gabaglia o primeiro brasileiro a escrever um livro na área de História de
Matemática.
62
última província que conheceu sua futura esposa Maria da Natividade de
Albuquerque Barros. O episódio se encerra com o nascimento de Eugênio de
Barros Raja Gabaglia, o primogênito do casal.
No quarto episódio o tema abordado foi a formação acadêmica de Eugênio
na Escola Polytechnica. A pesquisa mostrou que ele provavelmente concluiu os
seis cursos existentes na instituição naquela época: Curso de Sciencias Physicas
e Naturaes, Curso de Sciencias Physicas e Mathematicas, Curso de Engenheiros
Geographos, Curso de Engenharia Civil, Curso de Minas e o Curso de Artes e
Manufacturas.
Ainda durante o período em que foi acadêmico da Escola Polytechnica
Eugênio participou ativamente de algumas ações, por exemplo a criação do Centro
Abolicionista da Escola Polytechnica, participando da comissão que escreveu os
estatutos do centro, cuja aprovação ocorreu em agosto de 1883. Antes de concluir
seus estudos na Escola Polytechnica, Eugênio já leciona em algumas instituições
de ensino, por exemplo o Colégio Pedro II.
No quinto episódio é contada a história da sua infância, desde seu
nascimento em Niterói – RJ, a mudança para Sobral – CE após a morte de seu pai,
seus primeiros estudos e o retorno para o Rio de Janeiro aos 15 anos, para concluir
os estudos secundários e prestar os exames para ingresso no curso superior.
No sexto episódio são discutidas as atividades profissionais que Gabaglia
exerceu, ou seja, seu ofício como engenheiro e como professor.
No sétimo e último episódio foram apresentados relatos (homenagens
póstumas e historietas) de ex-alunos e ex-colegas de trabalho de Gabaglia no
intuito de proporcionar aos leitores a criação de uma imagem de Eugênio enquanto
professor de matemática.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
63
MARTINS, J. Uma biografia de Eugênio de Barros Raja Gabaglia. 2019. 134 fl.
Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências
Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, Rio Claro, 2019.
64
OS RASTROS, O FIO E AS TRAMAS – SOFIA: UMA MATEMÁTICA
NOTÁVEL
RESUMO
Na presente narrativa sobre a matemática russa Sofia Vasiliyevna Kovalevskaia50,
procura-se responder à seguinte questão: que trajetória de profissionalização
trilhou Kovalevskaia para tornar-se a primeira mulher, no século XIX, a ensinar
matemática superior numa universidade europeia? Os resultados, obtidos por meio
de uma análise documental, apontam que a formação em matemática de
Kovalevskaia começou na infância com aulas ministradas por professores
particulares, seguida de uma formação universitária limitada a aulas na condição
de ouvinte, com a participação decisiva do experiente matemático alemão Karl
Weierstrass e apoio profissional do colega e matemático sueco Magnus Gösta
Mittag-Leffler. Ao mesmo tempo que reflete a situação das mulheres excluídas da
formação de nível superior, a trajetória dessa matemática russa mostra o esforço
feito por algumas mulheres para abrir caminhos que lhes possibilitassem o
exercício de atividades “diferenciadas”, permitindo-lhes o ingresso em campos -
como o da matemática – até então prerrogativas quase que exclusiva de homens,
no século XIX.
ABRINDO AS CORTINAS
Uma professora de matemática mulher é um fenômeno perigoso e desagradável, pode-
se dizer calmamente uma monstruosidade. O seu convite para um país onde há tantos
matemáticos muito superiores a ela, só pode ser explicado com a galanteria dos suecos
em relação ao sexo feminino. (TUSCHMAN; HAWIG, 1983, p. 151)
65
matemática, no final do século XIX, na Suécia. Pela primeira vez, no século XIX,
uma mulher assumiu a docência de matemática superior numa universidade da
Europa. Tal feito não é pequeno, considerando que à época na maioria dos países
do mundo, a frequência a instituições de ensino superior era vedada às mulheres
assim como era impensável a possibilidade de elas exercerem a docência nesse
nível de ensino. Além de todos os preconceitos existentes, no século XIX, a mulher
não tinha na sociedade o mesmo status que os homens. Existia a crença de
supremacia masculina no que dizia respeito à inteligência: o livro publicado na
Suécia e intitulado O estudo e a prática da medicina para mulheres, de autoria do
médico Bischoff (1872), revela exemplarmente esse pensamento. Senão vejamos:
Segundo a ordem divina e natural, o sexo feminino não tem a capacidade de
cultivar e praticar as ciências ou, acima de tudo, as ciências naturais e a
medicina. O emprego do estudo e da prática da medicina, contraria e ofende o
lado melhor e mais nobre da natureza feminina, a modéstia, a vergonha, a
compaixão e a misericórdia que a distinguem do macho. (BISCHOFF, 1872, p.
45)
66
matemática, artigos publicados por Kovalevskaia, artigos escritos sobre
Kovalevskaia, cartas, fotografias e filmes. Nessa pesquisa, identificamos em dois
filmes biográficos russos, produzidos em 1956 e 1985, que têm como tema central
a primeira mulher matemática russa a se destacar internacionalmente, os principais
personagens que fizeram parte de sua vida.
Neste estudo, a pergunta investigativa que procuro responder é a seguinte:
que trajetória de profissionalização trilhou Kovalevskaia para tornar-se a primeira
mulher, no século XIX, a ensinar matemática superior numa universidade europeia?
A personagem – Sofia Vasiliyevna Kovalevskaia – teve sua escolha
motivada pelas seguintes razões: a primeira e a mais relevante foi o fato de ela ter
sido a primeira professora universitária de matemática no século XIX; uma mulher
revolucionária no campo da educação. Ela abriu caminho para que outras
mulheres, antes excluídas dos estudos superiores da matemática, pudessem
frequentar uma universidade, tornarem-se pesquisadoras e professoras de
matemática. A segunda razão está ligada ao ano jubilar: em 2021 se comemora os
130 anos de sua morte. Em terceiro lugar, porque a história da matemática, tem
dado pouco destaque às atividades matemáticas das mulheres e elas são, portanto,
quase desconhecidas, não só do público em geral, como das próprias professoras
de matemática. Em quarto lugar, porque o conhecimento sobre essa matemática e
professora estrangeira, pode motivar os pesquisadores, no Brasil, a investigar mais
sobre as educadoras brasileiras da área: as pesquisadoras matemáticas, as
autoras de livros didáticos, as líderes nas políticas públicas e as professoras de
matemática. Não apenas aquelas brasileiras que se notabilizaram, mais
conhecidas, como Marília Chaves Peixoto (Silva, 2019), que morreu praticamente
com a mesma idade que Sofia Kovalevskaia, mas aquelas ainda quase anônimas.
É preciso criar novas áreas investigativas no cenário atual de pesquisas em história
da matemática e história da educação matemática.
Como dizia Bloch (2001), ao iniciar uma pesquisa, é preciso agir como um
trabalhador, que não inicia seu trabalho sem alguma ideia prévia do terreno a
explorar, neste caso, sem conhecer as produções já realizadas. Quanto mais
conhecemos o “terreno” menos riscos corremos de inventarmos novamente a roda.
67
Ao escolher um personagem ou uma instituição ou uma teoria matemática
a investigar, é preciso contextualizar essa questão. Os acontecimentos não
ocorrem no vácuo, as pessoas vivem em um lugar e tempo determinados. Como
diz Ginzburg, é preciso descobrir o mundo em que elas deviam conhecer.
Contextualizar é essencial. Para Bloch (2001, p. 60): “nunca se explica um
fenômeno histórico fora do estudo do seu momento”. É importante lançar perguntas
simples para levantar o “cerco”, como um estrategista que não entra em terreno
desconhecido.
O CONTEXTO
68
A casa de Korvin-Krukovsky estava aberta para pessoas com diferentes
profissões: professores universitários, políticos, escritores, militares, etc. Um deles,
por exemplo, era Fiodor Dostoiévski, (1821-1881). Aliás, aos 14 anos a jovem nutriu
pelo escritor um grande amor juvenil, não correspondido. Dostoiévski a incluiu, junto
com sua irmã Anna, como personagens de um de seus romances.
Ela nasceu num período de grandes perturbações que influenciaram sua
vida: entre duas revoltas sangrentas da Polônia de 1830 a 1831 e de 1863 a 1864.
A Polônia lutava por sua independência do Império Russo e havia guerras na
Criméia e no Cáucaso. Além disso, de 1855 até 1881, o Czar Alexandre II
conseguiu realizar reformas importantes, entre elas a abolição de escravidão na
Rússia, em 1861. Apesar disso, surgiram movimentos de insatisfação, que
posteriormente resultaram no assassinato do próprio Czar.
A diversidade de opiniões refletiu na variedade de visitantes da casa de
Sofia. Um deles, o professor universitário Lavrov, foi posteriormente preso e exilado
por seus pensamentos libertários. Por outro lado, havia militares, colegas do pai,
que tiveram papel fundamental na represália contra rebeldes, como o general
Yakovlev. (KOTCHINA, 1981) Esta mistura influenciou muito a formação social de
Sofia e de Anna, sua irmã mais velha, que posteriormente participou da Comuna
Francesa. Simpatizando com os poloneses, Sofia, além de tarefas escolares
estudava, em segredo, a língua polonesa com Malevitch.
Foi Alexandre II que começou reformas na educação feminina. Em 1858, foi
criada a primeira escola feminina para a classe média com o aval do governo. A
quantidade de disciplinas determinadas era reduzida, mas incluía aritmética e
geometria para a primeira categoria dessas escolas. Os cursos ginasiais para
mulheres se estabeleceram a partir de 1870. (MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO, 1905)
Devido a isso, a contratação de professores particulares para ensinar em casa era
o hábito. Malevitch trabalhou durante dez anos na educação dos filhos de Korvin-
Krukovsky. (KOTCHINA, 1981)
69
Uma versão mais documentada da biografia de Kovalevskaia foi
apresentada pela historiadora soviética P.Y. Kotchina 54 , em 1981. A partir de
biografias anteriores e fontes primárias, ela usou as cópias de correspondências de
Sofia recebidas pelo presidente da Academia de Ciências da URSS, as quais foram
enviadas pela Universidade de Estocolmo e pelo Instituto Mittag-Leffler. Kotchina,
ao analisar esse amplo material primário, deu bastante atenção às questões
matemáticas. Nessa obra, a autora apresenta em minúcias o período importante da
vida de Sofia, no qual ela recebeu uma formação decisiva para a sua
profissionalização.
A família e os tutores particulares desempenharam um papel crucial na
formação inicial de Sofia, principalmente no que diz respeito à matemática e física.
No livro que Sofia escreveu sobre sua infância, ela conta que era a sobrinha
favorita do tio Piotr Vasilyevitch e com ele passava muitas horas conversando:
Embora ele nunca tenha aprendido matemática, ele tinha o mais profundo respeito por
essa ciência. De livros diferentes, ele reuniu algumas informações matemáticas e
gostava de filosofar sobre elas, e muitas vezes acontecia de ele refletir em voz alta na
minha presença. Dele eu ouvi, por exemplo, pela primeira vez sobre a quadratura do
círculo, de assíntotas […] cujo significado, é claro, eu não podia entender, mas que
agiu na minha imaginação, inspirando-me à reverência a matemática como a ciência
suprema e misteriosa, inacessível a um simples mortal. (KOVALEVSKAIA, 1974, p. 42-
43)
54 Livro publicado na série de biografias científicas pela Academia de Ciências da União Soviética.
55 Éléments d’algèbre, 1849.
70
raciocínio dele, o que a magoou imensamente levando-a chorar. O pai, ao saber do
fato, elogiou a filha. Nas recordações de Malevitch, esta foi a única vez que viu sua
aluna chorar.
Em seu livro de memórias da infância, ela fala sobre Malevitch:
Eu devo o meu treinamento sistemático inicial em Matemática a I. I. Malevich. Foi há
tanto tempo que, agora, não me lembro das suas lições; elas permaneceram em minha
memória sombria. Mas sem dúvida, que elas causaram um grande impacto em mim e
foram importantes no meu desenvolvimento. (KOVALEVSKAIA, 1974, p. 370)
56 Esse professor também estava dando aulas particulares, no período de 1869 a 1872, para
Elisaveta Fiodorovna Litvinova, que estudou matemática no Instituto Politécnico de de Zürich e em
1878 defendeu doutorado na Faculdade de Matemática, Filosofia e Mineralogia na Universidade de
Berna. Sofia e Elisaveta encontraram-se em Zurich em 1872. Após a morte de Sofia, essa professora
de matemática, que conheceu Sofia, escreveu uma biografia literária sobre ela.
71
memória, e o próprio texto deixou uma marca profunda no meu cérebro, embora no
momento da leitura permanecesse incompreensível para mim”. (KOVALEVSKAIA,
1974, p. 43)
Segundo Sofia, quando ela fez a primeira aula de Cálculo Diferencial e
Integral, seu professor Alexander Strannoliubsky ficou muito admirado de como ela
rapidamente entendeu os conceitos de limite e derivada: “[...] foi no minuto em que
ele me explicou esses conceitos, de repente relembrei vivamente de que tudo isso
estava nas folhas memoráveis de Ostrogradsky, e o conceito do limite parecia
familiar para mim há muito tempo”. (KOVALEVSKAIA, 1974, p. 43)
Segundo descrito por Kotchina, Sofia estava encantada por esse professor,
que não a repreendeu quando Sofia lhe comunicou que, além de matemática,
gostaria de estudar Fisiologia, Anatomia, Física e Química. Ao contrário, concordou
com ela, dizendo que estudar exclusivamente matemática parecia ser “algo morto”,
que ela devia não só se dedicar à ciência, mas também a alguma atividade prática.
As aulas terminaram em 1868, quando Strannoliubsky57 tornou-se professor
de carreira da Escola Naval. Além deste professor, ela teve aulas de física com
Fiodor Chvedov, professor da Universidade de São Petersburgo.
Nem tudo foi fácil para a jovem, particularmente no que diz respeito ao
prosseguimento de seus estudos em matemática. As primeiras mulheres ouvintes
foram admitidas nos cursos superiores em São Petersburgo, em 1859;
posteriormente em Kharkov, Kiev e Odessa. Apesar disso o Estatuto Universitário58
de 1863, fechou as portas para as mulheres, tanto para as universidades quanto
para a Academia médico-cirúrgica. (MARGOLIN, 1915) O espaço universitário era
recinto masculino. Essa era a realidade da maioria das instituições de ensino
57 Strannoliubsky foi membro de um comitê para arrecadar fundos para cursos para mulheres,
escreveu um livro de álgebra, outro sobre pedagogia, e também emitia pareceres sobre livros
didáticos. Após a morte de Sofia, escreveu um livro sobre as lembranças de sua aluna.
58 O Estatuto Universitário foi um documento elaborado pelo governo para definir regras
universitárias.
72
superior, no século XIX, no mundo, inclusive no Brasil. Em 1868, o reitor da
Universidade de São Petersburgo recebeu um pedido de 400 mulheres (a maioria
das quais da alta sociedade) sobre a criação de aulas e cursos para mulheres. Em
1869, foram abertos os primeiros cursos para esse público em São Petersburgo e
Moscou, mais tarde em Kiev, Kazan, Odessa, Kharkov e Varsóvia. Porém, um curso
feminino mais sólido surgiu apenas em 1872, aberto por Guerie 59 em Moscou.
Somente no final de década de 70 e início de 80 fortaleceu-se o ensino de
matemática e física nesses cursos, sendo que alguns se tornaram faculdades.
(MARGOLIN, 1915) Quem não queria esperar, como Sofia, precisava buscar
alguma alternativa. Esta era estudar no exterior.
Tudo indica que a primeira abertura para os estudos superiores para
mulheres foi feita pela Universidade de Zürich onde, em 1842, foram admitidas
como ouvintes as duas primeiras mulheres suíças. Elas foram seguidas pela russa
Maria Knyajnova. Outra russa, Nadejda Suslova, se formou, em 1867, a primeira
aluna universitária matriculada, no mundo. O caminho estava aberto e a Suíça
estimulava a vinda de alunas estrangeiras60.
Quando Anna, irmã de Sofia, externou ao pai seu desejo de estudar no
exterior, encontrou enorme resistência. Assim, sair do país também não seria uma
tarefa fácil porque as mulheres solteiras na Rússia só podiam viajar para fora do
país acompanhadas por um parente. Entretanto, se casadas, podiam viajar com o
marido ou sozinhas. A solução foi buscar um “casamento fictício”. Vladimir
Kovalevsky, na época um editor, vizinho em Polibono, aceitou a proposta de
casamento com Anna, mas ao conhecer Sofia, mudou de ideia, preferindo a irmã
mais moça, à época uma jovem de 18 anos.
Sofia, a maioria dos seus biógrafos afirmam, casou por conveniência, e
provavelmente por isso, eles dedicam a Vladimir Kovalevsky poucas linhas.
Entretanto, Resnik (1978) escreveu biografia dele, informando mais sobre esse
indivíduo com formação diversificada, pois começou estudando Direito e
posteriormente mudou para a área de Paleontologia, onde tornou-se conhecido
73
pelos livros e artigos que publicou. Ele era tradutor, conhecendo várias línguas.
Tardiamente suas realizações em paleontologia foram reconhecidas e ele foi
homenageado com um selo russo. Possuía mentalidade aberta e tinha viajado
muito pela Europa, principalmente Alemanha e França. Ele esforçava-se para
acompanhar os estudos de Sofia, pois achava que a seu lado tornar-se-ia um
homem decente. Sofia começou a estudar assuntos variados, como funcionamento
dos olhos, fisiologia e anatomia, além de iniciar a tradução de textos de Darwin. Ela
estudava em torno de 12 horas por dia, segundo Vladimir Kovalevski. (RESNIK
,1978)
Dois dias após o casamento, que ocorreu em 15 de setembro de 1868,
mudaram-se para São Petersburgo e começaram a assistir aulas na Academia
Médica e Cirúrgica, como ouvintes, não obstante Sofia continuava a gostar mais de
Matemática. Nessa ocasião, teve aulas de física com Strannoliubsky. Tais estudos,
porém foram encerrados com a interdição desta Academia na primavera de 1869
e, a ideia original de estudar no exterior foi retomada.
Em 1869, o casal e Anna viajaram para Viena, onde receberam permissão
para estudar física, mas a vida em Viena era cara e ela achava que em Heidelberg
havia melhores matemáticos. Nesse mesmo ano, Sofia e Anna viajaram para
Heidelberg. Lá, Sofia recebeu apenas autorização para assistir às aulas da
universidade, mas tal autorização ficaria condicionada à permissão de cada
professor. Ela não estava matriculada na universidade, assim estava excluída a
possibilidade de obter um título acadêmico, como ocorria com os homens. Ao
contrário, seu marido era aluno regular do curso de Geologia. Mais tarde, ele obteve
um doutorado em ciências biológicas na Universidade de Jena, que não foi
reconhecido na Rússia. Esse período em Heidelberg foi fundamental para Sofia,
pois o contato com matemáticos e físicos alemães experientes, não apenas a
introduziu em conhecimentos atualizados, mas inseriu a jovem russa num círculo
maior de cientistas.
74
Conforme Mittag-Leffler 61 (1892), ela assistiu aulas com matemáticos e
físicos de grande reputação, entre eles: os matemáticos Paul Du Bois-Reymond62
(1831-1888) e Leo Königsberger (1837-1921), ambos ex-alunos de Weierstrass; os
físicos Gustav Kirchhoff (1824-1887) e o físico Hermann Helmholtz (1821-1894).
Das 22 horas de aulas semanais, na Universidade de Heidelberg, 16 delas eram
de matemática. (COOKE, 1984)
O casal Kovalevski viajava muito e numa dessas viagens, no verão de 1869,
quando estavam na Inglaterra, encontraram-se com Charles Darwin (1802-1882),
Herbert Spencer (1820-1903), Thomas Huxley (1825-1895), entre outros. Vladimir
Kovalevski começou a seguir as ideias evolucionistas de Darwin e traduziu para o
russo a obra darwiniana - A variação dos animais e plantas domesticadas.
A pequena abertura conquistada por Sofia, frequentando aulas em
Heidelberg, e ainda a repercussão que ela alcançou como aluna ouvinte, motivou-
a a estimular outras mulheres russas a tentarem obter sua formação no exterior.
Assim, Julia Lermontova, que desejava cursar química, foi para Heidelberg e ficou
com Sofia. Enquanto Anna, que desejava estudar sobre os movimentos sociais,
mudou-se para Paris.
Os estudantes alemães permaneciam por muito tempo ligados aos seus
mestres, mesmo após concluírem seus estudos, e isso contribuía para a formação
de uma verdadeira rede de contatos científicos. Foi devido à existência dessas
conexões que Königsberger recomendou à Sofia que continuasse seus estudos
com seu antigo orientador, Karl Weierstrass, em Berlin. (VOGT, 2001) Em 1870,
Sofia e sua colega Julia, que estudava química, foram para Berlin.
Muitos que não estão familiarizados com a matemática confundem-na com aritmética e
consideram-na uma ciência seca e chata. Na realidade, esta ciência exige muita
de Lima, que em 1885, publicou o livro Exposé Sommaire des theories transformistes, Paris: Librairie
Delagrave, mudando o foco de suas investigações.
75
formação. Um dos matemáticos mais famosos do nosso século (isto é, Weierstrass) muito
corretamente disse que é impossível ser um matemático sem ter a alma de um poeta [...]
O que me preocupa, nunca fui capaz de decidir o que é mais atraente para mim:
matemática ou literatura. Quando minha mente está cansada de pura especulação, ela
imediatamente se volta para a observação da vida, para a compulsão de reproduzir o que
eu vejo. E por outro lado, às vezes tudo na vida me parece sem importância e sem
interesse, e só as leis eternas e imutáveis da ciência me atraem. É muito possível que
consiga mais numa das duas áreas se me concentrar apenas a ela, mas, ao mesmo
tempo, não posso desistir de nenhuma delas. (KOVALEVSKAIA, Apud TUSCHMANN;
HAWIG, 1993, p. 131)
63A comuna de Paris ocorreu em Paris de 18 de março a 28 de maio de 1871. Foi uma tentativa de
implantar um governo controlado por trabalhadores, que antecedeu em termos ideológicos a
Revolução Russa de 1917, a Revolução Alemã de 1918-1919.
76
revolucionários. Para libertar o cunhado, envolveram-se muitas pessoas, entre elas
Vladimir Kovalevski e o pai delas. Após a libertação, o casal Jaclard fugiu para a
Suíça.
Em 1872, Sofia visitou a irmã em Zürich - Anna teve um filho e reuniu a
família vinda da Rússia para a ocasião. O tempo em que esteve em Zürich,
conforme relata Litvinova (1894), ela teve contato com um dos ex-alunos preferido
de Weierstrass (Hermann Schwarz) que queria muito conhecer Sofia. Ele enfeitiçou
Sofia de tal maneira, que ela quase aceitou a proposta de ficar em Zürich para
trabalhar com ele, mas desistiu da ideia temendo magoar Weierstrass. No seu
retorno, Weierstrass tornou-se reitor da Universidade de Berlin. Mesmo muito
ocupado, o mestre alemão não abandonou sua protegida. Em 1873, Sofia já era
considerada mais do que uma aluna, mas uma amiga para o matemático alemão:
“Minha mais cara e querida Sofia, esteja certa, nunca esquecerei que é a gratidão
da minha aluna a quem devo a posse – não da minha melhor, mas da minha única
amiga”. (WEIERSTRASS, 1993, p. 8)
Tomar cartas trocadas entre matemáticos como documentos é muito
interessante porque nos revela às vezes mais do que esperávamos. Não apenas a
matemática desenvolvida aparece nesses registros, mas também as emoções e
fragilidades e nossos personagens tornam-se mais humanos. Weierstrass, o
matemático rigoroso que com seus trabalhos forneceu, por exemplo, um formalismo
ao conceito de limite, introduzindo pela primeira vez a linguagem dos e , aparece,
no texto dessa carta, como um ser humano que reconhece na sua aluna a sua
melhor amiga, a quem nem a fadiga do trabalho intenso de reitor e pesquisador na
Universidade de Berlin o impede de apoiar e escrever dezenas de cartas e a
orientar.
Em seu retorno a Berlin, ela concluiu três importantes trabalhos que
apresentou na Universidade de Göttingen: Sobre à redução de uma determinada
classe de integrais abelianas da terceira ordem para integrais elípticas; Acréscimos
e observações sobre a foram dos anéis de Saturno e Sobre a teoria das equações
diferenciais parciais.
77
Em 1874, ela obteve o grau de doutora em Filosofia pela Universidade de
Göttingen, sem exame oral, considerando como tese o trabalho intitulado Sobre a
teoria das equações diferenciais parciais, publicado no Journal de Crelle, em 1875.
Sua colega Julia também alcançou o doutorado em química na Universidade de
Göttingen no mesmo ano. Destaca-se que Sofia nunca recebeu um diploma de
licenciada ou bacharel em matemática, o que não era à época condição para obter
o título de doutor.
Todos os trabalhos de Sofia foram publicados em revistas matemáticas
renomadas. O principal deles, sobre a teoria das equações diferenciais parciais,
contém o famoso teorema de Cauchy-Kovalevski, que afirma que uma equação
diferencial parcial analítica na forma normal tem localmente uma única solução
analítica. (DORMAN, 1978, p. 9)
Quando estava em Berlin, o químico Mendeleev visitou Weierstrass. Sofia
aproveitou para apresentar sua compatriota Julia a Mendeleev. Nesse encontro,
segundo Litvinova (1894), Mandeleev e Sofia discutiram muito sobre matemática,
mas divergiram muito sobre a matemática e seu significado. Possibilitar o diálogo
entre mulheres e cientistas e principalmente ampliar espaços profissionais para
elas, era uma das metas de Sofia.
RETORNO A PÁTRIA
Em 1874, ela retornou à São Petersburg. Em 1878 deu à luz sua filha, Sofia
Vladímirovna Kovalevskaya (1878-1952), em outubro daquele ano. Nessa ocasião,
Sofia já era conhecida pelo trabalho de tese, publicado no Journal de Crelle. Nesse
período, Mendeleev ofereceu um jantar que ficou famoso, pois reuniu a nata da
sociedade de São Petersburgo. Na ocasião, Julia ficou no centro das atenções dos
químicos e Sofia dos matemáticos. Lá ela conversou com vários matemáticos
russos, entre eles Chebyshev (1821-1894), que era à época o matemático mais
importante da Rússia. Sofia o havia procurado na década de 1860 pedindo
conselhos para seus estudos, entretanto ele não via nenhuma perspectiva para a
jovem em São Petersburgo. Em 1874, escreveu a Sofia perguntando sobre o
andamento de suas pesquisas e continuou a acompanhar seus passos.
78
Em 1880, o casal se mudou para Moscou. Nesse ano, ela participou do 6 o
Congresso Russo de Naturalistas e apresentou um trabalho sobre funções
abelianas. Seu marido ingressou como docente na Universidade de Moscou e,
paralelamente, trabalhou com Rugozin numa empresa de petróleo. De outubro a
dezembro Sofia regressou a Berlin para trabalhar com Weierstrass. Um pequeno
reconhecimento do talento de Sofia surgiu em março de 1881, quando ela se tornou
membro associada da Sociedade Matemática de Moscou, mas sem direito de
participar das reuniões. É notória a discriminação que ela sofreu por ser mulher, ao
contrário do marido que atuou na universidade, ela nunca teve chance de ingressar
numa universidade russa e nem sequer de participar ativamente da Sociedade de
Matemática de Moscou. Nesse mesmo ano, Sofia viajou a Paris. Em julho de 1882
ela tornou-se membro da Sociedade Matemática de Paris.
Os negócios de seu esposo começaram a ir muito mal. A empresa, uma
refinaria de petróleo, na qual Vladimir Kovalevski foi diretor e que havia sido criada
por Ragozin e, onde trabalhou também o químico Mendeleev, apresentava
dificuldades financeiras. Reznik (1978) o descreve como um homem talentoso, mas
pouco prático, principalmente desastroso na parte comercial. A ameaça de um
processo na justiça por causa dessa empresa levou Kovalevski ao suicídio em abril
de 1883. Sofia sofreu imensamente com essa perda, ficou vários dias sem comer
e tentou durante muitos anos “limpar” o nome do marido. Em 1883, Sofia viajou
para Estocolmo a convite de Mittag-Leffler, primeiro professor de matemática da
Universidade de Estocolmo64 (DOMAR, 1978) criada em 1878, para atuar como
docente. Inicialmente era uma instituição particular e parcialmente financiada pela
cidade de Estocolmo.
79
Aqui na Suécia você realmente sente que há uma conexão real na vida entre convicção
e ação. De um modo geral, não é fácil convencer um sueco de nada. Mas uma vez que
você tenha feito isso, ele não para a meio caminho, mas imediatamente coloca sua
convicção em prática [...]. Estocolmo é uma cidade bastante bonita; no que diz respeito
à sociedade, há nela uma mistura de ideias novas e livres em um solo patriarcal e
sinceramente alemão. (KOVALEVSKAIA, apud TUSCHMANN; HAWIG, 1993, p. 91)
80
Nessa longa carta de seis páginas, o mestre além de responder de maneira
ordenada a todos os questionamentos de Sofia, comunicava sobre os seus
problemas de saúde, suas dores, comentava sobre o inverno rigoroso, o excesso
de trabalho e sobre a correção de manuscritos. Detalhadamente, explicou como ela
deveria conduzir a disciplina e deu conselhos práticos: “Aconselho-a fortemente a
tratar com mais pormenor algumas equações diferenciais parciais do campo da
Física Matemática, embora a integração delas não tenha praticamente nada em
comum com o primeiro objetivo do teu curso”. (WEIERSTRASS, 1993, p. 306)
Detalhamos um pequeno trecho desse documento, porque ele é revelador
da amizade entre mestre e aluna, e principalmente porque a generosidade do
mestre experiente contrasta com a inexperiência da aluna, que se encontrava num
momento importante de sua vida, que é a iniciação na vida profissional – Sofia
tornava-se uma professora de matemática na Universidade. Aquele recinto
destinado apenas aos homens abriu espaço para a jovem matemática russa, que
não encontrou em seu país de nascimento reconhecimento e precisou migrar para
a Suécia para finalmente exercer o magistério superior.
Weierstrass concluiu essa carta com as seguintes palavras:
E agora uma despedida calorosa, minha melhor amiga, com os meus mais calorosos
votos de que o Ano Novo lhe traga o melhor, não exatamente a admiração dos
jornalistas de Estocolmo, mas a satisfação que, por si só um trabalho sério e bem-
sucedido dá ao homem. Além de felicitações. O teu fiel amigo K.W.. (WEIERSTRASS,
1993, p. 307)
81
O RECONHECIMENTO – PRÊMIO BORDIN
82
A premiação que Sofia recebeu facilitou a Mittag-Lefller (1893) obter uma
prorrogação de seu contrato na Universidade de Estocolmo. Em 1889, ela foi
confirmada na cátedra de matemática como professora vitalícia da Universidade de
Estocolmo. Segundo ele:
Como professora, esforçou-se, com um zelo verdadeiramente contagioso, para expor
o pensamento fundamental desta doutrina, a qual atribuía a maior importância [...].
Constantemente e com alegria manifesta, ela comunicava a extraordinária riqueza de
seu conhecimento e os vislumbres profundos de seu espírito adivinhador para seus
alunos que mostraram apenas a força e a vontade de pulsar nesta fonte”. (Mittag-
Leffler, 1892, p. 387)
83
Seu principal mentor e amigo – Weierstrass – chocado com a morte de sua
pupila, e numa atitude de revolta, destruiu as cartas de Sofia. Infelizmente só resta
em torno de 50%, ou seja, as cartas de Weierstrass a Sofia, que foram transcritas
no livro de Bölling (1993), exceto um rascunho de carta de Sofia a Weierstrass,
encontrado em Estocolmo. Weierstrass faleceu seis anos depois de Sofia, também
no mês de fevereiro.
AS CORTINAS SE FECHAM
O percurso de Sofia Kovalevskaia, na busca de sua profissionalização,
mostra os difíceis caminhos que ela precisou trilhar para superar o preconceito
contra as mulheres, quebrar tabus, adquirir conhecimento e mostrar que este
campo do conhecimento não se restringe a um único gênero – o masculino – e que
a docência no ensino superior poderia ser exercida tão bem por uma mulher, quanto
por um homem. A circulação de conhecimentos, que ultrapassa as fronteiras entre
países, possibilitou que Sofia, começando pelos ensinamentos diretos de bons
mestres, da leitura de autores consagrados na ciência, fosse pouco a pouco
adquirindo uma formação em matemática, que se somou àquela obtida
formalmente em instituições de ensino superior. Adquiriu uma formação ampla, que
não se restringiu à matemática, mas incluía física, astronomia, química, anatomia,
aerodinâmica, línguas estrangeiras, literatura e teatro. Sofia, filha de seu tempo,
conseguiu superar as barreiras impostas às mulheres, perseguindo os seus sonhos
com a mesma garra que o herói mitológico Teseu, indo buscar conhecimentos e
parcerias com cientistas de renome como Weierstrass e Mittag-Leffler,
comunicando-se com outros matemáticos, por meio de cartas, publicando suas
pesquisas, participando de eventos científicos, sendo membro de sociedades de
matemáticos e não se intimidando em concorrer cientificamente com outros
matemáticos como ocorreu na Academia de Ciências de Paris.
Os resultados apontam que o preparo para a profissionalização de
Kovalevskaia começou na infância com aulas ministradas com professores
particulares, seguida de uma formação universitária limitada a aulas como ouvinte
(sem direito à matrícula) e com a participação decisiva do experiente matemático
84
Karl Weierstrass. O sonho de Sofia de entrar no campo matemático, tornar-se uma
professora universitária de matemática, dar uma contribuição original nessa área
foi realizado. Entretanto, ela possuía uma ambição maior, que não estava restrita
apenas ao seu ingresso no mundo acadêmico, ela aspirava a abrir um caminho
amplo para as atividades diferenciadas das mulheres como profissionais.
Sua trajetória em busca de uma profissionalização foi um exemplo de luta
para mudar a situação das mulheres, que foram excluídas da formação superior,
no século XIX, na Rússia. Seguindo seu exemplo, outras mulheres russas
conseguiram obter título no ensino superior, como Anna Euvreinova69, que fugiu da
Rússia e foi para Heidelberg, e foi a primeira mulher jurista russa em 1873. Seguiu-
se, Elisaveta Litvinova, na matemática, e Julia Lermontova, na química. O plano de
vida de Sofia era a emancipação feminina.
Os rastros encontrados e conduzidos pelo fio da História Cultural permitiram
que eu escrevesse essa história. Ela é uma possibilidade de narrativa, focada numa
personagem feminina da Matemática que não foi a única no século XIX a desafiar
as regras vigentes. A intenção foi, além de destacar as realizações dessa notável
matemática, mostrar um pouco da humanidade dos personagens: Sofia e aqueles
que lhe foram mais próximos, tanto na trama da vida pessoal quanto na escalada
rumo à sua profissionalização.
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86
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88
89
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Imprimindo historicidade à formação de professores
RESUMO
Com o propósito geral de imprimir historicidade” na formação de professores, isto é, de
acrescentar profundidade histórica ao conhecimento docente como forma de reforçar a sua
qualidade e a sua identidade, debatem-se as razões e os “comos” da utilização de materiais
do passado da matemática escolar na formação de professores. São propostas quatro
razões que podem ser aplicadas à formação de professores, mas também ser na
escolarização geral: (A) a melhoria das aprendizagens da matemática, (B) a apreciação da
natureza da matemática e da atividade matemática escolar, (C) motivar para a
aprendizagem da matemática e (D) apreciação do papel cultural da matemática. Discutem-
se ainda outras duas razões específicas para a formação docente: (E) conhecimento
histórico da matemática escolar e (F) apreciação de modos distintos de ensino de temas
matemáticos. Quanto aos processos para levar a cabo tal formação, os “comos”,
Distinguem-se duas dimensões: a extensão e o grau de interligação entre os temas do
presente e os do passado.
INTRODUÇÃO
O tema da formação de professores é recorrente nos encontros sobre
história da educação matemática. Debate-se, por um lado, a formação docente no
passado acompanhada pelos enquadramentos teóricos que podem sustentar o
seu estudo, mas debate-se sobretudo os modos como o conhecimento sobre o
tema pode contribuir para a formação de professores atual. É natural que assim
aconteça pois muitos pesquisadores em história da educação matemática
70
Universidade Nova de Lisboa. Endereço eletrónico: jmm@fct.unl.pt. Este artigo é apoiado por
fundos portugueses através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Projeto
UID/CED/02861/2016.
90
desenvolvem o seu trabalho em instituições de formação de professores e
desejam incorporar o seu interesse investigativo na sua prática docente.
A minha contribuição para o tema desta mesa redonda é uma reflexão sobre
os “porquês” e os “comos” para recorrer à história da educação matemática na
formação de professores e sintetiza um trabalho anterior (MATOS, 2020). O título
retoma a expressão “imprimir historicidade” retirada de um trabalho de António
Miguel e Arlete Brito (1996, p. 49) que condensa muito bem aquilo que penso dever
ser a preocupação central do uso de dimensões históricas na formação de
professores: acrescentar profundidade histórica ao conhecimento docente como
forma de reforçar a sua qualidade e a sua identidade.
O objetivo deste texto é contribuir para o debate sobre a introdução de uma
perspectiva histórica na formação de professores e de educadores matemáticos.
Gostaria de estabelecer duas distinções: em primeiro lugar, não discuto aqui
conteúdos ou métodos de uma disciplina de História da Educação Matemática.
Embora muito do que argumento possa contribuir para essa finalidade, o debate
curricular sobre essa disciplina levar-nos-ia longe do tema que pretendo comentar.
Em segundo lugar, o foco desta minha intervenção está no uso de materiais
relacionados do passado da matemática escolar e não no trabalho com
documentos do passado da matemática “ciência”, tema que constitui outra
problemática.
91
que nas últimas décadas questionou os modos como a História da Matemática
pode ser incorporada na aula. Membros deste grupo desenvolveram material
educativo, efetuaram pesquisa empírica, que conduziu à produção e à aplicação
de esquemas metodológicos 71. Recorro aqui essencialmente às reflexões de
Jankvist (2009). Tomando então como ponto de partida os trabalhos de Miguel e
Jankvist, quais podem então ser as razões para utilizar a HEM no ensino de
matemática?
A explicitação dos objetivos pretendidos ao incorporarmos elementos do passado
da matemática escolar em ações de formação de professores ajuda-nos a
determinar as formas de organização dessas ações. Proponho seis razões,
podendo as quatro primeiras ser aplicadas a outros contextos de aprendizagem,
nomeadamente em situações de aula comuns. As duas últimas são específicas
da formação docente.
Uma primeira razão prende-se com (A) a melhoria da aprendizagem da
matemática. Espera-se que o confronto com exemplos de matemática escolar do
passado, em particular nos livros de texto, livros de exercícios ou nos cadernos
dos alunos, permita desvendar conceitos, métodos, teorias, etc., encontrando
abordagens facilitadoras e apoiando mesmo uma visão crítica da matemática. No
caso da formação docente, este estudo de conceitos, métodos, teorias propicia
um enriquecer do seu repertório didático, aumentando a sua capacidade de
explicar, abordar, entender partes específicas da matemática.
O uso de temas e materiais da matemática escolar pode ter vantagem
relativamente ao de materiais históricos de matemática. Existe, por exemplo, uma
diferença importante no que diz respeito aos conceitos matemáticos elementares,
como o são todos os relevantes para a matemática escolar. Tomemos a aritmética
como exemplo. Se pretendemos recorrer a textos matemáticos apenas, podemos
utilizar documentos com alguns milhares de anos. No entanto, existem múltiplos
documentos de matemática escolar sobre o mesmo tópico muito mais próximos de
nós. Tomemos um segundo exemplo para ilustrar o mesmo problema. Enquanto as
dificuldades encontradas por Descartes ou Fermat com coordenadas negativas
71
Este tema encontra.se mais desenvolvido em Matos (2020).
92
está explicitada em documentos do século XVII que, para uma utilização em aula,
necessitam ser duplamente traduzidos, em primeiro lugar para português e, em
segundo, explicando a terminologia e os conceitos adotados por cada um deles, a
mesma dificuldade com coordenadas negativas pode ser detectada em livros de
texto do final do século XIX ou de princípios do século XX numa linguagem
facilmente acessível aos alunos de hoje. A matemática escolar do passado permite
uma maior proximidade e, portanto, é de maior simplicidade didática.
Uma segunda razão tem uma relação próxima com a primeira, mas incide,
não sobre tópicos curriculares específicos, mas sobre a matemática como um todo.
Pretende-se aqui (B) uma melhor apreciação da natureza da matemática e da
atividade matemática escolar, olhando de um ponto de vista diferente conceitos,
representações, conjecturas, provas e sequências. Os materiais do passado,
incluindo modos diferentes de observar os objetos matemáticos bem como outras
lógicas de encadeamento, possibilitam-nos estudar variações no conhecimento
matemático que, por sua vez, autorizam alternativas ao conhecimento escolar
válido. Tal como na razão anterior, o estudo de materiais didáticos do passado
proporciona o estudo de variações da matemática escolar sem necessitar de um
grande investimento na compreensão de terminologias muito distintas das atuais.
Quando o público-alvo são docentes, este questionamento é vital e está no cerne
da sua função profissional. O confronto com abordagens idiossincráticas da
matemática permite aumentar a sua tolerância em relação a processos
matemáticos não convencionais, tornando mais clara a dimensão social e cultural
da matemática.
Uma terceira razão é (C) motivar para a aprendizagem da matemática,
despertando o interesse e vinculando o conhecimento atual e o processo de
aprendizagem ao conhecimento e problemas do passado. Recordo que se está
aqui a falar de motivação, que, em última análise, depende da forma como for
organizada a aula.
Uma quarta razão consiste na possibilidade de, através do aprofundamento
histórico, levar à (D) apreciação do papel cultural da matemática. Pretende-se que
a matemática escolar seja vista como estando integrada nas culturas e nas histórias
93
locais e geral da humanidade. Note-se que alguns tipos de materiais do passado
parecem ser uma boa fonte para apoiar esta quarta razão, em especial edições
locais de textos didáticos, cadernos de alunos, artigos em jornais. Por vezes estes
documentos permitem uma aproximação à cultura local que é obscurecida nos
livros de grande circulação. O estudo de materiais provenientes dos grandes
reformas curriculares (propostas de Klein, matemática moderna, etc.) viabilizam
uma ligação com os grandes movimentos sociais em que elas estão inseridas.
Para apreciar o papel cultural da matemática, devemos também extravasar
os muros da escola e incluir aqui objetos, temas, processos que apenas são
matemáticos para a cultura escolar, mas não o são nas comunidades de origem.
Falo do recurso a conceitos, processos, ou materiais utilizados em comunidades
minoritárias, muitas vezes alternativos à matemática escolar oficial e que, como no
caso dos povos indígenas, já fazem parte do seu património cultural há muito
tempo.
Estas quatro razões adequam-se a intervenções no âmbito de todos os
atores que estiverem em formação: alunos e professores. No caso destes últimos,
bem como no da formação de educadores matemáticos, existem, no entanto, mais
duas razões que se relacionam com as suas responsabilidades como formadores
de matemática e do seu ensino.
A primeira é de âmbito formal e consiste no (E) conhecimento histórico da
matemática escolar, como tópico que regularmente deveria fazer parte da formação
profissional docente.
94
matemática e qual a relação com visões mais gerais do ato educativo? Cabe
também neste tópico o estudo da história do campo académico EM.
Uma última razão consiste na (F) apreciação de modos distintos de ensino
de temas matemáticos, nomeadamente identificando motivações para as
sequências curriculares, as definições (implícitas ou explícitas), as representações,
os exemplos, os exercícios, etc., eventualmente encontrando métodos que se
revelem adequados para situações particulares. Permitem também identificar as
dificuldades e os obstáculos e os modos como eles foram contornados. Espera-se
que os docentes tomem consciência do processo criativo do “fazer matemática”,
decifrando abordagens não convencionais da matemática. Embora exista uma
relação próxima com discussão sobre a natureza da matemática (razão B), aqui o
foco está nas alternativas didáticas.
Não incluí aqui como razão para a inserção de temas do passado em cursos
de formação de professores o despertar o interesse de futuros professores para a
pesquisa em história da educação matemática. Penso que, para os que
demonstrarem interesse pela área, haverá tempo de a aprofundarem mais tarde,
quer através de projetos de colaboração com instituições de ensino superior, quer
de uma formação em mestrados ou doutoramentos. A inclusão da história da
educação matemática em cursos de formação de professores deveria antes
centrar-se em “imprimir historicidade”.
95
factuais isoladas, ou assumir a forma mais prolongada de um módulo de ensino, ou
mesmo de um curso completo sobre o tema. Concretizando, em aritmética, a
extensão das referências históricas pode tomar a forma de pequenas informações
sobre algarismos antigos, mas também incluir o estudo de algoritmos aritméticos
alternativos, ou até mesmo um curso aprofundado sobre as variações dos
significados e procedimentos aritméticos ao longo do tempo e nas diversas culturas.
Uma segunda dimensão prende-se com o grau de interligação entre os
temas do passado e os do presente. Assim, podemos incorporar informações
pontuais ou isoladas nos diversos tópicos, assumindo uma interligação simples com
os restantes temas disciplinares “contemporâneos”. Isso pode acontecer quando,
por exemplo, pretendermos recuperar temas ou materiais esquecidos (logaritmos,
aritmética racional, métodos complexos de resolução de equações, algoritmo da
raiz quadrada, cartas de Parker, etc.) procurando sensibilizar os formandos para
uma visão mais ampla da matemática.
Existem outros casos em que, embora recorrendo a temas e materiais do
passado, a interligação com o presente tem mais importância (chamemos-lhe
interligação média). Tomemos, por exemplo, os casos do material dourado ou dos
jogos lógicos de Dienes em que é possível imaginarmos o seu uso apoiando um
ensino adequado a programas contemporâneos. Pode pois fazer sentido que, em
cursos de formação de professores, estes temas ou materiais sejam explorados
fazendo referência ao seu uso no passado — relacionado com as manipulações
concretas da Escola Nova no primeiro caso e com a aprendizagem de estruturas
no tempo da Matemática Moderna —, mas refletindo em simultâneo sobre o seu
uso no presente. Pense-se, ainda, num trabalho de comparação entre as diferentes
opções pedagógicas para uma definição de limite. Embora muito relevante para os
dias de hoje, esta discussão necessariamente assenta na pesquisa de opções
didáticas do passado. Neste caso, é mesmo impossível conduzir uma avaliação
das distintas definições (ao estilo de Cauchy, de Heine, da Matemática Moderna,
etc.) sem recorrer ao passado.
Mas é também possível imaginarmos ainda um projeto escolar em que a
visão sobre o passado seja sistematicamente incorporada, procurando desenvolver
96
uma consciência mais profunda (“imprimindo historicidade”), tanto da própria
matemática escolar quanto das dimensões sociais e contextos culturais em que ela
intervém, incorporando pois uma interligação profunda entre passado e presente.
Esta versão mais aprofundada da interligação entre passado e presente pode
mesmo ser estabelecida a um nível consideravelmente denso, debatendo, quer
aspectos importantes do fazer matemática como, entre outros, a parte de estruturas
conceituais gerais e de motivações associadas; a natureza evolutiva da matemática
exemplificada por notação, terminologia, métodos, representações, bem como
noções de prova, rigor e evidência; e o papel dos paradoxos, contradições,
intuições e a motivação para generalizar, abstrair e formalizar, quer mostrando
como o meio social e cultural pode influenciar o desenvolvimento ou o atraso do
desenvolvimento de certos domínios matemáticos; mostrar que a matemática é
parte integrante da herança cultural e das práticas de diferentes civilizações,
nações ou grupos étnicos; e mostrar que as correntes na educação matemática ao
longo do tempo refletiram tendências e preocupações na cultura e na sociedade.
Esta interligação profunda pode também alargar o debate a temas que vão
para lá da matemática escolar. No caso dos jogos lógicos de Dienes, por exemplo,
é possível alargar o estudo histórico de modo a abordar os pressupostos
psicológicos, quer dele próprio, que de Jean Piaget, que estão na base do seu
trabalho. Dicotomias bem atuais, como, por exemplo, entre processo e produto ou
entre abstração e intuição, constituem temáticas amplas que atravessam boa parte
da história da matemática escolar e a sua abordagem em cursos de formação de
professores pode proporcionar um feliz casamento entre passado e presente.
97
REFERÊNCIAS
JANKVIST, U. T. A categorization of the ‘whys’ and ‘hows’ of using history in
mathematics education”. Educational Studies in Mathematics, New York, v. 71,
n. 3, p. 235-261, 2009.
98
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
RESUMEN
En este escrito se plantea una reflexión referida a la historicidad de la creación del aparato
formador de profesores en Argentina, presentándose la cronología histórica del período
comprendido entre 1870 y 1984 acerca de la Formación de Profesores en Argentina. La
metodología de pesquisa observa exclusivamente el estudio de fuentes secundaria, de
autores destacados de la Historia de la Educación local.
INTRODUCCIÓN:
72Instituto
Superior Bernardo Houssay. Universidad Nacional de Tres de Febrero. Argentina.
aderiard@untref.edu.ar/ alejandraderiard@gmail.com
99
adelante la tarea, reconstruyendo la historicidad de este período, sin abandonar
métodos imprescindibles en el trabajo histórico, como la crítica de ellas y de los
momentos en los cuáles suceden los hechos, con la intención de apartarme del
mero oficio de narradora (Mendez, 2011)
Se concluye que la formación de profesores de enseñanza secundaria, en el
período mencionado, en matemática y otras asignaturas, en Argentina obedece a
un sistema binario, en el que coinciden la formación en Institutos Terciarios de
Formación de Profesores (posteriormente a las Escuelas Normales Superiores); y
la formación de profesores en las Universidades.
100
Es importante señalar que la educación superior (para la formación de
profesores de educación básica, educación inicial y media) en Argentina se
presenta hoy como un sistema binario compuesto por dos subsistemas, cada uno
de los cuales integra una heterogénea cantidad de instituciones y
población. Según el documento presentado por la OEI en 2004 (Pogré, 2004),
se indica que, por un lado, visualizamos un subsistema no universitario o terciario,
integrado por los denominados "Institutos Superiores" y cuyas carreras están, en
su mayor parte, orientadas a la formación docente (maestros de enseñanza inicial
y básica, profesores de enseñanza media); teniendo dichas carreras una
duración en general de cuatro años73.
Por otro lado se encuentra el subsistema universitario, apoyado por al menos 100
instituciones de nivel universitario, entre las que se encuentran universidades e
institutos universitarios dependientes de dichas universidades74.
73
El subsistema terciario incluyó en el año 2000 una población de 440.000 alumnos, los cuales se
encontraban distribuidos en más de 1.700 instituciones. (Pogré, 2004)
74
El susbistema universitario, según datos del estudio de Pogré ante la UNESCO, informa la
inscripción de 1.250.000 estudiantes para el mismo año 2000. (Pogré, 2004)
101
universitaria, la escuela primaria se convierte en prioridad siendo objetivo central de
la educación.
En este esquema, el objetivo principal e inicial para el cumplimiento de estos
postulados fue la formación de Maestros de estas y para estas escuelas primarias.
Al mismo tiempo, es importante señalar que dentro de la educación general, los
estudios medios (secundarios) se dictaron en algunas instituciones que dependían
a) En algunos casos del Estado nacional,
b) en otros casos de gobiernos provinciales (estatales)
c) y también estaban a cargo de algunas órdenes religiosas,
Como resultado, todos los planes de estudio ofrecidos por las escuelas medias
carecían de absoluta uniformidad y homogeneidad. La única nota común de estas
escuelas medias fue que estaban destinadas básicamente solo a proporcionar
estudios preparatorios para ingresar a la universidad. (Alliaud, 1993)
NORMALISMO EN ARGENTINA
102
El “Normalismo” en Argentina comenzó con la labor educativa de Domingo
Faustino Sarmiento (1811-1888), quien sin duda fue la piedra angular y la cuna de
la formación docente en el país.
La primera Escuela Normal fue fundada en Paraná, provincia de Entre Ríos en 1870
y dependía directamente de las autoridades del gobierno central quién definía
sus planes y programas de estudio. Bajo este impulso normalista, es que se
nacionalizaron las escuelas provinciales normales y se excluyó de ellas la
educación religiosa, dando a estos estudios un carácter estrictamente laico.
La Escuela Normal de Paraná se organizó en dos cursos:
103
Será a partir de la década de 1880, cuando, de la Escuela Normal surgirán nuevos
planes de estudio, complementarios, con el objetivo de brindar diferentes tipos de
modalidades o pautas para la formación del profesorado. Estos estudios se
considerarían postsecundarios, aunque eran ofrecidos por las Escuelas Normales.
Durante este período, se formaron una gran cantidad de maestros que, junto al
sostenido desarrollo del sistema escolar, consiguieron alfabetizar e incluir en la
cultura a prácticamente todos los alumnos, a lo largo y a lo ancho del país. Los
maestros normales cumplieron un importante objetivo de inclusión de niños y
jóvenes a la ciudadanía, la vida social y cultural, y la incorporación al mundo del
trabajo (Davini, 2008).
104
MAS ALLÁ DEL NORMALISMO, EL SEMINARIO PEDAGÓGICO, UN PRIMER
PASO PARA LA FORMACIÓN DOCENTE EN ESTUDIOS SUPERIORES, UN
PRIMER PASO HACIA LA FORMACIÓN DEL PROFESOR DE MATEMÁTICA
Por ese entonces, la enseñanza en las escuelas secundarias era impartida por los
egresados de las Universidades, los maestros egresados de las Escuelas Normales
y los bachilleres egresados del Colegio Nacional de Buenos Aires.
Con este esquema complejo fue lanzado en 1903, con la proyección de extenderlo
a la formación de maestros normales. Este proyecto quedaría trunco debido a
problemas de salud de Fernandez, quien fue sucedido por Joaquín V. González,
quien no continuó con este proyecto. (Pinkasz, 1992)
105
JOAQUÍN V GONZALEZ. LA UNIVERSIDAD NACIONAL DE LA PLATA COMO
CENTRO PEDAGÓGICO:
106
CREACIÓN DEL INSTITUTO NACIONAL DE PROFESORADO SUPERIOR EN
LA CIUDAD DE BUENOS AIRES.
El proyecto INPS tuvo como objetivo organizar cursos teóricos y prácticos para
quienes aspiraban a obtener el diploma de "profesor de secundario” en materias
específicas, que posibilitara la docencia en las escuelas nacionales. Aquí
encontramos el segundo antecedente a la formación específica del Profesor de
Matemática.
El decreto de creación del INPS parte de los supuestos que para ser un "buen
maestro de la escuela secundaria no es suficiente saber todo lo que debe enseñar,
o más, sino también necesita saber cómo enseñar." (Quintana y González 1904)
Entre 1907 y 1908 se intentó conciliar la formación docente entre la Facultad de
Filosofía y Letras de Buenos Aires y el Instituto Superior de Profesorado. Esa
posibilidad falló y las dos instituciones se separaron en 1909.
A su vez, el modelo creado en el INPS de Buenos Aires fue posteriormente
reproducido en Paraná (1933) y Catamarca (1943) y luego generalizado en todo el
país (Roggi, 1998).
Pinkasz (1992), analiza la creación del INPS en relación a las tensiones existentes
entre las instituciones que asumen esa tarea y los cambios producidos en la propia
educación secundaria. El autor da por sentado que desde sus orígenes el Instituto
entró en competencia con la universidad, ya que eran sus egresados quienes hasta
107
el momento se desempeñaban como profesores en los Colegios Nacionales
(Pinkasz, 1992).
108
En el país, este enfoque tuvo mayor presencia en la formación del profesorado para
el nivel secundario, viéndose reflejado en la formación del Profesor de Matemática.
En otros términos, se fue abandonando el énfasis en los métodos, pero se mantuvo
la concepción de las prácticas, aunque solo como campo para la transmisión de las
disciplinas (Davini, 2008).
109
el país, tanto por la diversidad y por la amplia cobertura de su oferta, así como por
la alta proporción de alumnos que se albergan en sus aulas.
Con respecto a las tradiciones de enseñanza a partir de los años 60, logra gran
impulso la tradición tecnicista, de base neoconductista, que inundó la literatura
pedagógica y las instituciones formadoras (Deriard, 2020), en especial con la
reforma de la Matemática Moderna. La formación en las prácticas docentes
mantuvo el status de campo de aplicación al final de la carrera, pero agregando y
desarrollando una batería de técnicas instrumentales. Los docentes sintieron que
se jerarquizaba su labor, con la incorporación de una gran cantidad de técnicas
para la acción (Davini.2008)
CONCLUSIÓN:
110
“Tienes que ensuciarte las manos con tiza” y “el futuro profesor se ve a sí mismo
principalmente como un especialista disciplinar y en la alternativa como alguien que
enseña” (Estévez, 2006).
Estos dos polos no escapan a las tradiciones mencionadas en cada uno de los
períodos detallados a lo largo de la historia de la formación de profesores. En ellos
se observa el binomio formador en Argentina, Institutos Terciarios versus
Universidad. Ese debate, abierto en 1909, aún se mantiene en 2020.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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innovación educación, Buenos Aires, Troquel / IIPE, 2001.
Alberguchi, R .: La formación de los profesionales de la educación y el desafío de
la misma transformación educativa en la provincia de Buenos Aires, Academia
Nacional de Educación, Buenos Aires, 1999.
Alliaud, A.: Los maestros y su historia: los orígenes del magisterio, Centro Editorial
de América Latina, Buenos Aires, 1993.
Armendano, C.: La formación del profesorado. Un reto. Revista La Obra , Buenos
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Cámpoli, O. La formación docente en la República
Argentina. IESALC/IES/UNESCO, Buenos Aires. http://www. oei.
es/docentes/info_pais/informe_formacion_docente_argentina_iesalc. pdf
[consultado 30/10/2018], 2004.
Davini, M. C. Acerca de las prácticas docentes y su formación. Área de Desarrollo
Curricular. Dirección Nacional de Formación e Investigación. Instituto Nacional de
Formación Docente. MECyT. 2008
Deriard, A. Manuales en Buenos Aires (1967-1987) en la búsqueda de una “vulgata
escolar”. Racconto de un proceso de iniciación a la investigación. Revista História
da Educação, 24, 99373.2020
Esteve, J. Identidad y desafíos de la condición docente: vocación, trabajo y
profesión en el siglo XXI. Tenti Fanfani, E. (comp.). El oficio de docente: vocación,
trabajo y profesión en el siglo XXI. Buenos Aires: OSDE-IIPE/UNESCO, 19-69.
2006
Méndez, Jorgelina La formación de profesores de nivel medio: entre la demanda y
la anticipación. Argentina principios del siglo XX Espacios en blanco. Revista de
111
Educación, vol. 21, , págs. 259-291 Universidad Nacional del Centro de la Provincia
de Buenos Aires Buenos Aires, Argentina. 2011
Pinkasz, D.: Los orígenes del profesor de secundaria en Argentina. Tensiones y
conflictos, en Braslavky, C.; Birgin, A. (comp.): Formación de profesores. Impacto
pasado y presente, FLACSO / CIID, Miño y Dávila, Buenos Aires, 1992.
Pogré, P.: Situación de la formación docente inicial y en servicio en Argentina, Chile
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Quintana, M, y J González. Decreto de creación Instituto Superior del Profesorado.
http://institutojvgonzalez.buenosaires.edu.ar/instituto/decreto.html (último acceso:
6 de noviembre de 2020).1904
Roggi, L.: Formación docente en Argentina, Revista Latinoamericana de
Innovaciones Educativas. Sobre la formación y formación de profesores. Año X, Nº
28, Buenos Aires, 1998.
Tedesco, JC: Nuevos tiempos. Maestros nuevos. Documento del congreso El
desempeño de masters en América Latina , BID / UNESCO. Ministerio de
Educación, Brasilia, 2002.
112
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
La historia de la educación matemática y la formación del profesorado en la
Universidad de Murcia
RESUMEN
Esta intervención analiza el papel de la historia de la educación matemática en la formación
de profesores. Tras mostrar cuál es la presencia institucional de la historia de la educación
en general en los programas de formación de maestros y de profesores de secundaria, así
como las razones para ello, se analiza y se proporcionan ejemplos de lo que puede aportar
a la formación de profesrores la inclusión de esta visión histórica. Se concluye la necesidad
de una formación que contemple una perspectiva histórica de la educación matemática en
la formación de docentes de matemáticas y que dicha perspectiva se relaciona a su vez
con el proceso de profesionalización de estos profesionales.
INTRODUCCIÓN
75
Facultad de Educación. Universidad de Murcia esanchez@um.es
113
surgidas en el momento actual. Para Antonio Nóvoa (2015) el objetivo último de la
historia de la educación no es el pasado que ya no va a volver, sino determinar
cómo se ha prolongado hasta la actualidad y aún después. Para este autor, el
interés de estudiar el pasado es situar los problemas del presente, esa sería la
aportación principal de la investigación histórica.
En mi intervención en esta mesa redonda me propongo dar razones que
apoyen la inclusión de la historia de la educación matemática en la formación de
los maestros y de los profesores de enseñanza secundaria.
Antonio Viñao caracteriza así la visión que tienen los docentes de la historia
de la educación:
114
Matemáticas, escrito en 1955, a su pertenencia a la Comisión Internacional para la
Mejora de la Enseñanza de Matemática y a la celebración en Madrid, gracias a su
intervención, de la XI Reunión de la Comisión Internacional para el estudio y
mejoramiento de la Enseñanza Matemática (CIEAEM) (Rodríguez, 1960, en Puig
Adam, 1960) y el libro editado tras ella, que contenía una extensa propuesta de
materiales didácticos. La mayoría de los profesores conocen su labor en los años
cincuenta del siglo pasado y sus publicaciones en la Revista de Enseñanzas
Medias, y sitúan más o menos en esa época el interés por las cuestiones
metodológicas y por la enseñanza más centrada en los alumnos.
No se tiene en cuenta que sus primeros libros, escritos junto a Julio Rey
Pastor, Elementos de aritmética, de 1927, y Elementos de Geometría, de 1928,
ambos pertenecientes a la Colección Elemental Intuitiva, fueron escritos en la
llamada Edad de Plata de la educación en nuestro país, en un contexto de intensa
renovación metodológica en todas las disciplinas y en la matemática en particular
(Sánchez-Jiménez, 2015); ni se relaciona su obra con las corrientes pedagógicas
o las ideas escolanovistas que inspiraban aquel movimiento. Se venera, con razón,
la figura de este profesor pero no se conoce ‒ni se reconoce‒ la influencia de los
denominados, en la teoría antropológica de lo didáctico (TAD), niveles de
codeterminación didáctica que están por encima de la propia disciplina, en
particular el pedagógico o el social (Chevallard, 2002).
Se pasan por alto igualmente ‒en parte por desconocimiento, aunque no
solo‒ las contribuciones de un grupo de profesores normalistas que fueron los
verdaderos precursores del proceso de disciplinarización de la didáctica de la
matemática (Sánchez-Jiménez, 2020) y quienes escribieron los primeros libros
sobre metodología de la matemática. Es cierto que durante la dictadura franquista
se hicieron muchos esfuerzos por borrar la memoria de quienes habían liderado la
renovación metodológica en la enseñanza, personas en general vinculadas a
instituciones como la Junta para Ampliación de Estudios (1907-1939) organismo
oficial que al igual que todos los dependientes ideológicamente de la institución
Libre de Enseñanza (1876-1936) fueron especialmente odiados por el nuevo
115
régimen político. Esto sin duda motivó que las nuevas generaciones de profesores
de secundaria no conocieran la labor realizada por aquellos profesores.
Por último, otro de los motivos que destaca Viñao en relación con el
desconocimiento y la falta de interés por la historia de la educación entre el
profesorado es la escasa investigación sobre la historia de las disciplinas en
España por parte de las didácticas específicas, en comparación con otros temas.
Como ejemplo, cita el escaso porcentaje de artículos sobre esta temática entre
2000 y 2009 en dos revistas de didáctica de las matemáticas, una de ellas la revista
SUMA, precisamente editada por la Federación Española de Sociedades de
Profesores de Matemáticas y órgano de expresión del conjunto de las asociaciones
españolas de profesores de matemáticas. Es más, los que hay están clasificados
por la revista como de historia de las matemáticas. Esta escasa presencia se
confirmó en un trabajo fin de máster que dirigí, y en el que se clasificaron más de
600 artículos publicados de 1998 a 2001 y de 2013 a 2018, confirma esta tendencia
(Rabadán, 2019). Otro trabajo fin de máster que dirigí pretendía analizar los tipos
de problemáticas tratadas en este caso en una prestigiosa revista internacional en
lengua española y dirigida fundamentalmente a investigadores, la revista RELIME;
pues bien, de las 46 contribuciones entre 1998 y 2002 hay tres de historia de la
educación matemática, dos de autores mejicanos y una de autoría española; y entre
2015 y 2018, de 45 artículos tan solo hallamos uno de esta temática, de un autor
brasileño vinculado al GHEMAT (Navarro, 2018).
116
matemática preocupados por esta temática. En cambio, entre las competencias
académicas que la Agencia Nacional de Evaluación de la Calidad y Acreditación
(ANECA), en el Libro Blanco del Título de Grado, establece como necesarias para
que los futuros maestros de primaria, en cualquiera de sus especialidades puedan
«ayudar a alcanzar a los alumnos los objetivos del área de matemáticas del
curriculo» sí que figura la historia de la propia disciplina matemática: «Conocer
elementos básicos de historia de las matemáticas (y de la ciencia en general) de
manera que se reconozca la necesidad del papel de la disciplina en el marco
educativo» (ANECA, 2004, p. 100). Aunque después esta competencia ni siquiera
aparece reflejada con claridad en la Orden Ministerial que establece las
competencias obligatorias que deben contemplar todos los títulos de Grado en
Educación Infantil, donde solo se hace referencia al conocimiento de «los
momentos más sobresalientes de la historia de las ciencias y las técnicas y su
trascendencia.» (Orden ECI/3854/2007, p. 53737). Y en la correspondiente Orden
para el título de maestro de primaria no hay referencias a la historia de la
matemática.
La única referencia en estas directrices legislativas a la historia de la
educación en la formación inicial de los maestros se limita a establecer como
obligatoria en todos los títulos universitarios de maestro de Primaria la competencia
«Conocer la evolución histórica del sistema educativo en nuestro país y los
condicionantes políticos y legislativos de la actividad educativa», incluida en el
módulo Procesos y contextos educativos (Orden ECI/3857/2007, p. 53749).
Con todo, la existencia del área de conocimiento de Historia de la
Educación en las Facultades de Educación hace que esté presente la historia de la
educación en la formación de profesores. En la Universidad de Murcia, la
presentación de la asignatura Teorías e instituciones contemporáneas de la
educación habla de
Introducir en el conocimiento de la estructura y significación de las
principales teorías educativas, y de su aportación al desarrollo y
evolución del pensamiento pedagógico; analizar la génesis y
evolución de nuestro sistema educativo y de la escuela como
institución, promoviendo una actitud reflexiva y de conocimiento
crítico en torno a las directrices ideológicas y políticas que han
117
orientado su evolución; y, por último, comprender el papel asignado
y desempeñado por diferentes movimientos, teorías, instituciones y
agentes educativos. (Teorías e instituciones contemporáneas de la
educación. Guía docente).
118
Contenidos históricos en la formación inicial de los docentes
119
que será un material que aparecerá en la mayoría de las obras publicadas en aquel
periodo para la enseñanza de la aritmética. Con el tablero se estudiaban los
números hasta el 100 y se cantaban las combinaciones básicas de la suma
mientras el maestro iba «siempre moviendo el número de bolas que se espresan»
(Montesino, 1850. En Ccarrillo, 2005, p. 299) en el tablero contador. Aunque
reconoce que había quienes preferían el uso del ábaco, opinaba que el hecho de
representar en el tablero contador la decena con diez bolas, y no una,
proporcionaba «una idea exacta de la decena ó decenas que está manejando» (p.
309).
El uso del ábaco con fines didácticos en las escuelas tiene pues su origen
en los tableros contadores, un medio intuitivo para iniciar a los niños en el
conocimiento de los números y en la aritmética, desde las escuelas de párvulos,
con cien bolas repartidas en diez filas, que ha sido la imagen de este instrumento
en los catálogos de material didactico (Carrillo, 2017). Esta retrospectiva histórica
explica dos fenómenos que se observan aún en este siglo.. El primero es que se
asocie en muchos casos el ábaco a la educación infantil, a pesar de que en esa
etapa no se aborda el sistema de numeración como tal, es decir, el principio
posicional, que es lo que justifica el uso del ábaco como ábaco propiamente. O que
se proponga el uso del ábaco para trabajar el «concepto de número», mientras que
el sistema de numeración o el principio posicional se citan en relación con el uso
de otros materiales (Castro; Del Olmo; Castro, 2002). El otro fenómeno es que los
ábacos que se comercializan en la actualidad en España tengan en su mayoría diez
filas de bolas. Al presentar estos aparatos en la asignatura Didáctica de las
Matemáticas en la Educación Infantil, solo el conocimiento de la HEM da razón de
su forma y de algunas de las propuestas que hemos comentado.
120
En los dones hay dos cuerpos geométricos que se repiten con insistencia:
la esfera (en el primer y segundo don) y el cubo (en todos salvo el primero, que
consta solo de bolas). El cilindro aparece apenas una vez en el segundo don y en
el cuarto y el sexto aparecen ortoedros ligados al cubo, como resultado de la
descomposición de este.
Este material penetró en nuestro país a través de traducciones de obras
extranjeras primero y luego de libros de autores españoles, el primero de ellos
Pedro de Alcántara. Además, contribuyeron a difundir el método las revistas
profesionales (Anales de Primera enseñanza, La Escuela Moderna, etc.), las
exposiciones de material de enseñanza, como la que tuvo lugar durante el
Congreso Nacional Pedagógico en 1882, y también los catálogos de material
escolar; en el Centro de Estudios sobre la Memoria Educativa (CEME) de la
Universidad de Murcia hay alrededor de una treintena de catálogos que anuncian
los dones froebelianos, el más antiguo data de 1881 y es de la casa Bastinos. Se
observan anuncios de material de Froebel en catálogos de los años sesenta del
siglo pasado, catalogados en este centro de estudios.
El conocimiento de los dones de Froebel formaba parte de la formación de
los maestros, ya que se impartía esta formación en la Escuela Normal Central (a
los profesores normalistas) y también en las escuelas modelo de párvulos. Y se
siguió usando durante el periodo escolanovista; en el primer tercio del siglo XX se
adquiría este material para las escuelas de párvulos, aunque, según Martínez
(2013), ya desprovisto de la filosofía en la que se basaba.
Esta difusión de un material en el que predominaban la esfera y el cubo
explica que, en periodos recientes e incluso en la actualidad estos cuerpos ‒y en
menor medida el cilindro y los prismas rectangulares‒ tengan una presencia a
veces casi exclusiva en la educación infantil. Así, cuando se establece en una
reforma educativa a finales del siglo XX, el currículo de la etapa de educación
infantil, en el bloque dedicado a los conocimientos espaciales y geométricos la
única referencia a objetos geométricos tridimensionales sea «Cuerpos
geométricos: Esfera, cubo» (Real Decreto 1333/1991, p. 29725). Y esto a pesar de
que no haya razón en este nivel para centrarse en las formas más regulares, ya
121
que lo que se pide que hagan es: «Exploración sistemática de algunas figuras y
cuerpos geométricos para descubrir sus propiedades y establecer relaciones» (p.
29725). Al analizar el currículo en la formación de maestros, el conocimiento de las
propuestas de Froebel ayuda a explicar el tipo de figuiras que se proponen.
122
El método de proyectos se difundió en España gracias, sobre todo, a la
labor de Lorenzo Luzuriaga, Fernando Sainz y Margarita Comas, en las décadas
previas a la Segunda República y los años previos, justamente cuando la
renovación pedagógica inspirada en las ideas de la escuela nueva estaba en su
mayor apogeo. En aquel momento ya había personas, como el inspector David
Bayon y Ángel Ledesma, críticas con el método, que señalaron algunas de sus
carencias o puntos débiles, como la falta de sistematización y de rigor o el énfasis
en la espontaneidad, por parte de quienes pensaban que la labor de la escuela
debe ser intencional y plantear objetivos que vayan más alla de los que supone la
vida en sociedad.
Una investigación sobre la ‘ecología’ de este dispositivo didáctico mostró
restricciones no solo por las condiciones de las escuelas españolas de primer tercio
de siglo, sino también otras que tenían que ver con la pedagogía dominante y, en
especial, con el modelo epistemológico de las matemáticas que imperaba en las
instituciones relacionadas conla enseñanza primaria. Los proyectos, como otros
dispositivos ligados a la escuela nueva, se adaptaban mejor a las ciencias
experimentales y sociales, por ejemplo, que a las materias instrumentales, como
las matemáticas. Se pretendían conocimientos más funcionales, pero sin tener en
cuenta las restricciones ligadas a la naturaleza de la matemática, como el carácter
jerárquico y abstracto de esta disciplina. Las matemáticas en los proyectos
aparecían en su origen ‒y en la actualidad‒ en su vertiente más instrumental, de
tal forma que los proyectos proporcionan un contexto de aplicación de las técnicas
matemáticas, y una razón de ser para estos conocimientos, más que un medio de
construir unos saberes matemáticos organizados.
El uso de herramientas propias de la TAD, en concreto la noción de
Recorrido de Estudio e Investigación, en el análisis histórico, ha permitido poner de
manifiesto algunos fenómenos (Sánchez-Jiménez y Carrillo, 2019; Sánchez-
Jiménez, Carrillo, Chevallard & Bosch, 2020) cuya detección proporciona
elementos para tener en cuenta al abordar en la formación actual de los maestros
el estudio de este y otros dispositivos de enseñanza ligados a ciertas técnicas
didácticas. Uno de esos fenómenos es que la cuestión que genera el proyeccto no
123
actúa en el caso de las matemáticas como verdadera cuestión generatriz a partir
de la que se pueda construir una verdadera organización matemática que pueda a
su vez integrarse en otras más complejas. El método de proyectos tal como se
aplica a otras disciplinas no garantiza la creación de las técnicas matemáticas y el
papel del profesor como director del proceso de estudio, más claro para otras
disciplinas, no se suele mantener en el caso de las matemáticas.
En este caso, la inclusión de la historia de la educación matemática en las
asignaturas de didáctica de la matemática en la formación de los docentes permite
poner de relieve que, para que las innovaciones pedagógicas afecten a la
educación matemática en el sentido deseado, es imprescindible considerar las
características epistemológicas de la disciplina y no hacerlo solo desde un modelo
pedagógico generalista.
REFLEXIONES FINALES
124
enseña, y buscar elementos de respuesta requiere volver la vista hacia su origen,
y ahí es donde confluyen la historia de la educación matemática y la didáctica de
esta disciplina.
Por otra parte, y tal como apuntaba Valente (2010), el profesor de
matemáticas actual es heredero de los profesores de matemáticas de épocas
pasadas. La inclusión de la historia de la educación matemática en la formación
docente contribuye a dotar de un mayor sentido de identidad profesional a los
maestros y a los profesores de secundaria en tanto que profesores de matemáticas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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126
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Theory of the Didactic in Mathematics Education: A comprehensive Casebook (pp.
101-117). New York: Routledge.
127
PESQUISAS SOBRE MULHERES NA ACADEMIA EM MATEMÁTICA:
considerações iniciais
Mariana Feiteiro Cavalari76
RESUMO
O presente trabalho foi elaborado para a apresentação na mesa redonda intitulada
“Mulheres e a produção científica em Matemática” que busca debater tópicos relativos à
participação das mulheres na Matemática. Neste contexto, busco discutir aspectos
referentes à literatura relacionada à presença das mulheres na academia nesta área do
conhecimento. Para tanto, são tecidas considerações iniciais acerca da produção científica
sobre Gênero e participação de mulheres na Matemática, em especial, no contexto
brasileiro. Estas podem contribuir para a realização de pesquisas, ainda incipientes nestas
temáticas em nosso país, bem como, para uma reflexão sobre as condições de trabalho
das mulheres na academia que podem, inclusive, embasar a elaboração de ações e de
políticas públicas visando um aumento da participação feminina na Matemática.
INTRODUÇÃO
128
Afinal, corroboro a Moschkovich (2012) e Cavalari (2019), que indicam que nosso
país possui uma estrutura acadêmica distinta da de outros países, exigindo, assim,
a realização de estudos especificamente voltados para nossa realidade.
129
contextos históricos. Inclusive podemos encontrar estudos recentes que partem de
biografias para identificar obstáculos enfrentados por mulheres na carreira
acadêmica, como por exemplo, Oliveira & Cavalari (2019).
Entretanto, é necessário destacar que as investigações que se voltam para
compreender a participação da mulher na Matemática e na produção do
conhecimento matemático ao longo da história não precisam, necessariamente, se
pautar em biografias e/ou exclusivamente nas mulheres.
[...] aos estudos que têm a mulher como objeto; num sentido
amplo este deve ser entendido como uma construção social,
histórica e cultural, elaborada sobre as diferenças sexuais.
Portanto, o conceito de gênero não se refere especificamente
a um ou outro sexo, mas sobre as relações que são
socialmente construídas entre eles. (ALMEIDA, 1998, p. 40)
130
FIGURA 1: Percentual de mulheres que concluíram a graduação, mestrado e
doutorado em matemática, por ano, no Brasil.
79
Com base nestes dados apresentados por Brech (2018) e por dados apresentados em Cavalari
(2010), identificamos que quando se aumenta o nível de ensino, diminui-se a presença feminina e
que de modo específico no Brasil, a queda percentual de mulheres na Matemática ocorre no
mestrado.
131
debates, os problemas que mantêm as mulheres distantes da Ciência ainda não
foram resolvidos. Para estes autores, tal situação resulta no fato de poucas
mulheres alcançar altos cargos ou posições de liderança e destaque.
Com relação a atuação de mulheres em posições de destaque na academia
em Matemática e ao seu reconhecimento, podemos citar que encontramos somente
a acadêmica Karen Keskulla Uhlenbeck (1942- ) dentre os 22 laureados com o
Prêmio Abel80, e somente Maryam Mirzakhani (1977-2017) dentre os 60 laureados
com a Medalha Fields81.
No cenário nacional, no início de 2019, foi identificado que as mulheres
representam apenas 3% dos membros titulares da Academia Brasileira de
Ciências, na área de Ciências Matemáticas (OLIVEIRA, 2020). Destacamos,
também, que somente 22% dos docentes de programas de pós-graduação em
Matemática são mulheres, enquanto esta porcentagem permanece em torno de
40% quando consideramos do ensino superior nesta área (BRECH, 2018). Além
disto, somente 10% dos bolsistas produtividade em Matemática são mulheres
(IMPA, 2017).
Nesta perspectiva, é relevante a realização de estudos que busquem
identificar fatores que podem influenciar a participação 82 de mulheres na
Matemática em diferentes contextos históricos e geográficos. Afinal, a participação
da mulher na academia, nas ciências de modo geral e na matemática de modo
particular, bem como os fatores que a influenciam, se alteram ao longo da história
(OLIVEIRA & CAVALARI, 2019) e também são influenciados pelo “[...] pelo papel
que é localmente atribuído à ciência, [...] pelo sistema educativo e pela presença
ou ausência de sistemas que viabilizem a vida profissional e familiar da mulher.”
(VELHO & LEON, 1998, p. 316).
132
Podemos observar, no cenário internacional, um aumento do número de
trabalhos acerca da identificação de tais fatores, sobretudo voltados a área áreas
de STEM (sigla em inglês que se refere às áreas Ciência, Tecnologia, Engenharia
e Matemática). Podemos, também, identificar a realização de pesquisas que
objetivam sistematizar o conhecimento produzido sobre estes fatores. Dentre estas,
destacamos, Blickenstaff (2005), Galeshi (2013), Smith (2014) e Blackburn (2017).
Especificamente com relação ao contexto brasileiro, ainda são poucos
trabalhos acadêmicos voltados a esta temática, em especial, na Matemática. Ao
observarmos teses que apresentam resultados relacionados com gênero na
Matemática83, elaboradas no Brasil e Reino Unido, no período de 1977 a 2017
identificamos 39 trabalhos84, dos quais apenas 9 são brasileiros e a grande maioria
se volta para obstáculos relativos ao acesso ao ensino superior, não abordando
questões relativas à atuação da mulher no ensino superior e na academia
(CAVALARI, 2019).
Neste sentido, destaco a necessidade da realização de pesquisas acerca de
fatores que influenciam a participação feminina na Matemática, especificamente,
voltadas ao cenário nacional. Estas são ainda mais necessárias, devido ao fato já
mencionado de que a estrutura acadêmica do Brasil se distingue da de outros
países, tornando essencial a elaboração de estudos especificamente voltados para
nossa realidade.
Enfatizo que tais investigações podem estudar fatores que se configurem
como “Obstáculos” e/ou como “Suportes”, assim como o trabalho desenvolvido por
Fouad e colaboradores (2010).
A identificação destes fatores, juntamente com os debates realizados por
pesquisadoras da área de Matemáticas, pode contribuir para uma reflexão sobre
as condições de trabalho das mulheres na academia.
Estes debates, segundo Brech (2018), têm ocorrido em espaços voltados
para as mulheres matemáticas, como por exemplo, os seguintes eventos: Encontro
83
Neste sentido, se analisarmos especificamente voltados a gênero ou Mulher na Matemática este
número é ainda inferior.
84
Sendo que 14 delas foram elaboradas nos últimos sete anos do período analisado.
133
Paulista de Mulheres na Matemática, Women Mathematicians in Latin America,
Women in Mathematics in Latin America: Barriers, Advancements and New
Perspectives e o World Meeting for Women in Mathematics. Para esta autora, tais
debates levam “[...] à reflexão e à conscientização, que formam um passo
importante para evitar o viés de gênero e romper o círculo vicioso estabelecido” (p.
04).
Neste contexto, destacamos a importância de tais momentos de discussão
e reflexão, pois algumas pesquisas indicam que mulheres acadêmicas têm
dificuldade de identificar (ou até mesmo negam que existam) obstáculos
relacionados ao gênero na academia (VELHO & LÉON, 1998; CAVALARI 2007;
LOPES, 2014).
Assim, ressaltamos que as pesquisas acerca da participação da mulher na
Matemática são fundamentais, pois permitem uma reflexão que vão além das
experiências particulares. Podendo, desta forma, juntamente com os referidos
debates, contribuir para reflexões acerca desta temática que podem, inclusive,
embasar a elaboração de ações85 e de políticas públicas para o aumento da
participação feminina na Matemática e na produção do conhecimento matemático.
85
Sobre estas ações, Oliveira (2020, p. 08) indica que a “[...] comunidade brasileira tem começado
a promover iniciativas que podem indicar que o incentivo para meninas ingressarem em carreiras
científicas e tecnológicas [...] Como exemplo, é possível citar a criação de um Comitê de Gênero
na Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) e projetos como o Meninas Olímpicas do IMPA (MOI),
o Torneio de Matemática para Meninas (TM)² e o financiamento da participação de meninas em
competições como o European Girls’ Mathematical Olympiad (EGMO)”.
134
Destaco que pesquisas com este enfoque têm sido realizada no cenário
internacional, entretanto, estas ainda são pouco numerosas no Brasil, que além de
possuir particularidades na estrutura acadêmica, possui uma sub-representação
feminina na Matemática progressiva e persistente.
Neste sentido, enfatizo a necessidade da realização de investigações que
relacionem mulheres, história e matemática e indico a relevância de repensar o
papel da mulher na matemática e na produção científica desta área, bem como a
urgência da idealização e implementação de ações e políticas públicas para o
aumento da participação feminina na Matemática.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
135
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136
MATEMÁTICA E PRÁTICAS SOCIAIS: DESENVOLVIMENTO DA
MATEMÁTICA A PARTIR DOS ESTUDOS DA CURVA DE RUMO NÁUTICA
RESUMO
O objetivo da discussão proposta para esta mesa redonda é “Matemática e práticas sociais:
algumas histórias”, na qual trazemos a perspectiva do desenvolvimento da matemática a
partir dos estudos da curva de rumo náutica, por Pedro Nunes. Primeiramente
apresentamos a importância que Pedro Nunes atribuía à Matemática, que pode ser
verificada por meio de suas obras. Em seguida apresentamos a caracterização que Pedro
Nunes fez dos dois tipos de curva náutica, assim como sua origem nas práticas sociais da
navegação. Por fim, apresentamos a relevância dos estudos de Pedro Nunes como ponto
de partida para o desenvolvimento de outros problemas matemáticos, além da sua
importância para a cartografia.
INTRODUÇÃO
86
Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). aline.penteado@ifrj.edu.br.
137
navegação. Destacou-se como matemático, desenvolvendo atividades como
professor e cosmógrafo real.
Foi no contexto dos Descobrimentos e das Grandes Navegações em
Portugal que esta história se desenvolveu. Todo este contexto exigiu novos
métodos de cálculo de posições e de rotas, e para isto a Matemática foi
imprescindível, envolvendo principalmente geometria esférica e astronomia. Pedro
Nunes ressalta que as navegações e os Descobrimentos de Portugal estavam
ocorrendo devido ao “ensino e instrumentos e regras de astrologia e geometria”.
Apesar de alguns erros, todos os conhecimentos obtidos durante os séculos XV e
XVI, permitiam uma localização em praticamente qualquer parte dos mares e todos
esses avanços deram origem a uma ciência náutica, que tinha como base a
matemática e a astronomia (BETHENCOURT et al., 1998, p. 74).
O maior problema enfrentado pelos navegadores nesta época, era com
relação à direção que o navio deveria seguir para se chegar a determinado destino,
e esse fato se complicava ainda mais quando não estavam próximos da costa
(BETHENCOURT et al, 1998).
Com todos os avanços obtidos na navegação, tornou-se possível realizar
muitas viagens, como a de Cristóvão Colombo no hemisfério Norte, em 1492, de
Vasco da Gama à Índia pelo hemisfério sul, em 1498 e para o Pacífico, em 1520.
138
principalmente pelo fato de não ter experiência de navegação. Todo o contexto
deste período promoveu uma demanda de conhecimentos mais amplos da
Matemática e assim proporcionou condições favoráveis para o desenvolvimento
desta e consequentemente da geografia e da astronomia:
estes textos são estudos e reflexões em torno dos fundamentos da
arte náutica. (...) alguns estão escritos em latim e recorrem a
conceitos matemáticos avançados, manifestamente muito para
além do que pilotos e marinheiros podiam entender. (...) São
cuidadosas reflexões sobre os fundamentos da navegação que
então se praticava, sobre os seus pressupostos, os seus problemas
e a sua fundamentação. (LEITÃO, 2006, p. 90)
Ele considerava que os pilotos tinham que saber a Matemática, pois senão
poderiam se enganar e atribui o desconhecimento da matemática como a causa de
erros na navegação: “e porque isso também é coisa em que facilmente se poderia
enganar qualquer pessoa que não fosse exercitada nas ciências matemáticas”
(NUNES, 2002, p. 155). Afirma ainda que “ciência não é outra coisa senão um
conhecimento habituado no entendimento, o qual se adquire por demonstração, e
demonstração é aquele discurso que nos faz saber” (NUNES, 2002, p. 5).
139
Ele também procurava demonstrar suas afirmações: “Nem deve haver
dúvida no que escrevi nessa parte, porque nenhuma coisa é mais evidente que a
demonstração matemática, que de nenhuma maneira se pode contrariar” (NUNES,
2002, p. 119). Sobre isso, Leitão (2006) afirma que “Para Nunes, portanto, a
matematização não é simplesmente o tratar numericamente um assunto. O que
sempre procurou foi erigir um edifício lógico-demonstrativo, estruturado ao modo
euclidiano” (LEITÃO, 2006, p. 194).
Em todos os seus trabalhos encontramos diversos problemas de
geometria, geometria da esfera, trigonometria esférica e álgebra. Por meio de suas
obras podemos verificar que ele buscou estruturar uma náutica científica, apoiando
as teorias na Matemática e, além disso, tentava explicar aos pilotos a importância
da preparação teórica matemática para o sucesso das navegações. Assim,
consideramos que Pedro Nunes foi um teórico interessado pela prática,
promovendo mundialmente o movimento da navegação de uma arte prática para
um tema científico (SIMÕES et al, 2007).
140
Basicamente, a loxodromia consiste em uma curva que corta com um
mesmo ângulo, todos os meridianos do globo terrestre. Esta curva foi uma
ferramenta muito útil no século XVI nas navegações marítimas, pois a maneira mais
natural de se navegar em alto mar é mantendo um ângulo constante com o norte
da bússola. Como nessa época os navegadores possuíam poucos instrumentos de
navegação, seguir uma trajetória sempre na mesma direção era mais seguro e,
apenas com a bússola eles podiam se orientar, cruzando todos os meridianos do
globo terrestre com a mesma inclinação, chegando aos seus destinos.
Os termos loxodromia e ortodromia não foram utilizados por Pedro Nunes
para se referir a estes dois tipos de curva de rumo. Para se referir à loxodromia ele
usou: “certa maneira de linhas curvas”, “linha curva e irregular”, “linha curva, que
não é círculo nem linha direita”, “obliquidades e rodeios”, “sinuoso e oblíquo”, entre
outros.
141
ORIGEM NAS PRÁTICAS SOCIAIS
142
Pedro Nunes explicou que se um navio partisse de M apontando a leste,
com rumo constante, iria percorrer o paralelo PP’ e não o círculo máximo, de arco
MS, e dessa forma, nunca interceptaria a equinocial.
Como já dissemos, os pilotos nessa época procuravam sempre manter um
ângulo constante durante os trajetos, devido aos poucos instrumentos de
navegação disponíveis. Por isso, era mais seguro navegar mantendo sempre
ângulo constante com o norte da bússola, que era o instrumento que eles
dispunham. Entretanto, eles acreditavam que navegando desta maneira eles
percorriam um círculo máximo na esfera.
Explicando de outra maneira, podemos dizer que os pilotos acreditavam
que navegando com rumo constante eles sairiam de um ponto qualquer da esfera,
navegariam ao longo de um círculo máximo e assim, em algum momento
regressariam para o mesmo lugar de partida, ou seja, dariam a volta ao mundo.
Essa ideia dos pilotos vai ao encontro de nossa intuição, mas Pedro Nunes,
mostrou que eles não estavam pensando corretamente: “como se dirigem sempre
para a mesma parte do mundo, mantendo uma direcção constante, de forma
alguma podem seguir por caminhos direitos” (NUNES, 2008, p. 276).
Ele afirma que navegar por um círculo máximo (ortodromia) consiste em
fazer diferentes ângulos com os meridianos ao longo do trajeto, com exceção da
equinocial, sendo esta ideia muito rejeitada pelos pilotos daquele tempo.
Sobre a navegação ao longo de um círculo máximo, a desvantagem implica
que os navegadores devem fazer mudanças no rumo durante toda a viagem:
Mas quem por ele for saiba que tem de mudar de rumo, não apenas
uma vez, mas muito amiúde, devido à mudança dos ângulos de
posição, resultante dos sucessivos meridianos que se atravessam.
A investigação deste assunto é assaz subtil, e consiste em
determinar quanto crescem ou decrescem estes ângulos ao longo
do trajecto. Quem assim avançar seguirá a direito. (NUNES, 2008,
p. 276)
143
Com relação à navegação por linhas de rumo, a desvantagem é que perfaz
um caminho mais longo:
Por esse motivo, ele critica os pilotos por navegarem com rumo constante,
pois sabe que implica em um caminho mais longo.
Portanto, resumidamente, com relação às linhas de rumo, Pedro Nunes
verificou que não coincidiam com os arcos de círculo máximos como até então se
pensava. Apesar da navegação ao longo do círculo máximo ser o menor caminho,
o problema que se levanta é que os pilotos precisam mudar o rumo constantemente
e isso nem sempre é viável.
No tratado na versão portuguesa ele acrescenta a seguinte figura:
144
Temos que ele se baseou em uma carta de projeção polar equidistante do
hemisfério Norte, sem os paralelos e com 4 meridianos (representados pelas linhas
retas que se cruzam no polo). Assim, temos a visão do polo (no centro da
circunferência) e sobre esta circunferência, que é a linha do equador, existem 4
pontos A, B, C e D espaçados 90°. Também temos 4 rumos que partem de cada
um desses 4 pontos: os azimutes das linhas de rumos desses pontos são dois de
45° e dois de 67°30’.
Conforme a explicação de Pedro Nunes, sabemos que inicialmente ele
acreditava que as linhas de rumo atingiam os polos: “Como parece nessa figura
que vai cercando o globo do mar e da terra, até chegar ao ponto que está debaixo
do pólo, onde todos os rumos vão finalmente entrar” (NUNES, 2002, p. 184). Em
um texto posterior ele omitiu esta figura, devido as controvérsias com relação a
atingir os polos. Esta questão foi objeto de muitas controvérsias no século XVI.
Hoje, sabemos que as linhas de rumo formam uma curva em forma de hélice
esférica na esfera terrestre.
CONCLUSÃO
145
Tratando especificamente da loxodromia, muitas das ideias de Pedro
Nunes serviram de ponto de partida para o desenvolvimento de outros problemas
matemáticos, além de ser fundamental para a cartografia. Suas ideias acerca da
loxodromia se propagaram muito rapidamente e tornaram-se conhecidas em
diversos países, dos quais podemos citar Espanha, França, Inglaterra (Gemma
Frísio e John Dee) e Países Baixos (Simon Stevin e Willebrord Snell).
Ele também esteve preocupado com o comportamento da curva nas
proximidades dos polos, ou seja, seu comportamento assintótico, tema alvo de
muitos estudos posteriores, envolvendo o estudo de análises infinitesimais.
No período em que ele publicou suas ideias, pelo fato de suas teorias de
navegação estarem alicerçadas na matemática, seu público-alvo ficou restrito a
matemáticos e astrônomos, inclusive fora de Portugal, e suas ideias não foram
muito utilizadas diretamente pelos pilotos portugueses, pois estes não
compreendiam suas ideias. É claro que aos poucos estas ideias foram sendo
introduzidas no conjunto de conhecimentos sobre navegação dos pilotos.
A trajetória que hoje é denominada curva loxodrômica é caracterizada por
uma espiral que tende para um dos polos:
FONTE: Mathworld.wolfram.com
146
esfera não implica em cortar todos os meridianos sob o mesmo ângulo, como os
navegadores do século XVI acreditavam.
FONTE: Betasom.it
FONTE: Artoweb.itc.nl
147
As diferenças entre essas duas trajetórias consistem na principal inovação
de Pedro Nunes, pois no século XVI, os pilotos as consideravam como sendo a
mesma. Para pequenas distâncias, a loxodromia e a ortodromia são muito
próximas. Entretanto, para grandes viagens, principalmente em latitudes elevadas,
a diferença entre as duas pode ser muito significativa.
Além de distinguir esses dois tipos de trajetórias ele propôs um modo de
navegar por arcos de círculo máximo, representável matematicamente, no qual a
navegação pela linha de rumo é um caso limite. Assim, ele supõe que o navio
seguiria uma trajetória que é formada por uma série de arcos de círculos máximos,
tais que os ângulos que faz com os meridianos sejam sempre iguais. Dizemos que
a curva loxodrômica é um caso limite porque a trajetória descrita desta maneira
tende para esta curva.
Por fim, esses estudos contribuíram para posteriores estudos sobre mapas,
como por exemplo, na elaboração dos mapas de Mercator. Além disso,
posteriormente outros matemáticos estudaram esta curva. Como exemplo, Jacques
Bernoulli relacionou essas curvas com a espiral logarítmica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
148
MIGUENS, A. P. Navegação: a Ciência e a Arte. Volume 2 – Navegação
Astronômica e Derrotas. Rio de Janeiro: Ed. DHN Marinha do Brasil, 1996.
NUNES, P. Obras: De Arte Atque Ratione Navigandi, vol. IV, Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2008.
149
PRÁTICAS SOCIAIS MATEMÁTICAS DO COMÉRCIO E SUA PRESENÇA NOS
LIVROS DE MATEMÁTICA COMERCIAL E FINANCEIRA
RESUMO
Ao longo dos anos a atividade comercial estabeleceu um conjunto de práticas, que
posteriormente foram sistematizadas e passaram a constar os livros de Aritmética
Comercial e Financeira, além de serem escolarizadas, principalmente nos cursos
de comércio. No Brasil, as aulas de Comércio foram estabelecidas no século XIX,
passando por diversas reformas ao longo do século XX. Nesse sentido, questiona-
se: como as práticas relacionadas às diversas artes de comerciar foram tratadas
nos livros de Matemática Comercial e Financeira que circularam no Brasil no século
XX? Assim, o trabalho aqui delineado tem como objetivo geral analisar as diversas
práticas do comércio presente nos livros de Matemática Comercial e Financeira que
circularam no Brasil no século XX. Como referencial teórico-metodológico,
utilizamos a concepção de práticas sociais de Souza (2004), que entre os diversos
pontos, destacamos as práticas como um conjunto de atividades ou ações físico-
afetivo-intelectuais que se caracterizam por serem conscientemente orientadas por
certas finalidades; além de produtores de conhecimentos. De uma forma geral, os
livros de Matemática Comercial e Financeira são caracterizados pela presença de
prática sociais mais antigas, bem como, com práticas sociais de diversos ramos do
comércio. Estas práticas sociais foram sistematizadas nestes livros e
posteriormente escolarizadas nos cursos de comércio.
INTRODUÇÃO
150
Marco Polo em seu livro "As viagens de Marco Polo", que retrata principalmente as
viagens dele para a China.
Segundo Le Goff (1982), durante a Idade Média ocorreu uma verdadeira
revolução comercial, e a partir dela nasceu a figura do mercador, fosse ele o
itinerante, fosse ele o sedentário88, bem como os seus desdobramentos. Por
exemplo, dos mercadores que trabalhavam com o comércio do dinheiro, surgiram
os prestamistas sobre penhores (emprestavam dinheiro a curto prazo), os
cambistas e os banqueiros. Os cambistas desempenhavam duas funções: o câmbio
das moedas e o comércio de metais preciosos. Com o tempo, passaram a aceitar
depósitos e tornaram-se banqueiros. Havia também os “banqueiros” que, além de
participar de toda a atividade comercial, praticavam as “atividades financeiras
múltiplas: comércio de letras, aceitação de depósitos e operações de crédito,
participação em várias sociedades e práticas de seguros” (LE GOFF, 1982, p.31).
Mas qual a importância de entender estas práticas? Diversos conceitos,
ideias e técnicas que foram criadas, desenvolvidas e praticadas por esses
personagens da Idade Média chegaram até os dias atuais. Por exemplo, os
modelos de contratos e de associação comercial; as técnicas do seguro; as letras
de câmbio, a contabilidade (LE GOFF, 1982) e práticas de cálculos financeiros.
As empresas daquela época faziam o controle das finanças por numerosos
registros, em livros de compras, de vendas, de matérias primas, de depósitos, de
terceiros. De um modo geral, com o tempo aquelas empresas passaram a ter um
sistema duplo nos registros para as contas abertas dos sócios no estrangeiro. A
compensação dos pagamentos passava a ser feita por um jogo de escrituração,
sem transferência de numerário. Esse método, conhecido como partidas duplas ou
partidas dobradas permitiu o desenvolvimento do sistema de contas, ou seja, da
contabilidade (LE GOFF, 1982).
O método das partidas dobradas foi sistematizado e publicado em um livro
intitulado “Summa de Arithmetica, Geometria proportioni et propornalità”, de autoria
do Frade italiano Luca Pacioli. A edição 1494, publicada na cidade de Veneza, traz
88 De acordo com Le Goff (1982), o mercador sedentário procurava capitais fora dos seus recursos
próprios para financiar as viagens marítimas.
151
um capítulo sobre contabilidade denominado de “Particulario de computies et
Scripturis”, que trata do método das partidas dobradas (CORREGIO, 2006).
Embora hoje tenhamos essa separação entre matemática e contabilidade, na
época de Pacioli as partidas dobradas eram um método aritmético, que consistia e
consiste em fazer débitos e créditos de mesmo valor para cada operação. Um
débito pode corresponder a vários créditos, de forma que a soma desses créditos
deve ser igual ao valor do débito (IUDÍCIBUS et al, 2007).
Além do texto de Pacioli, diversas outras aritméticas utilizadas por
mercadores passaram a ser publicadas naquele período (ZUIN, 2007). Essas
aritméticas eram caracterizadas pela redação em línguas vernáculas e pela escrita
indo-arábica (o algarismo). Elas representavam o que alguns pesquisadores
chamam de aritmetização do real (ALMEIDA, 1994), ou seja, contribuíram para o
estabelecimento de uma mentalidade do cálculo e de aritmetização de aspectos do
dia a dia.
No espectro das diversas aritméticas comerciais que foram escritas durante
a Idade Média, temos a anônima “Aritmética de Treviso”, o “Qui comenza la nobel
opera de arithmetica” de Pietro Borghi, ou ainda, em Portugal, o “Tratado da Prática
d'Arismetica” de Gaspar Nicolas e o “Tratado da arte d'Arismetica” de Bento
Fernandes, as quais trataram, por exemplo, da relação entre matemática e
contabilidade; da matemática e das práticas do comércio.
Essas aritméticas, ao que tudo indica, foram utilizadas na formação dos
comerciantes e de seus filhos (HÉBRARD, 1990), pois esses livros eram em língua
vernácula, ao passo que os livros de matemática utilizados nas universidades eram
publicados em latim. Sem escolas para ensinar a cultura profissional específica,
“[...] A formação dos mercadores fez-se em serviço, parece que cada família tinha
disponível para esse fim uma compilação de modelos e de instruções que se
transmitem de geração em geração, sem deixar de enriquecer-se [...]” (HÉBRARD,
1990, p. 75). Por exemplo, ao publicar seu livro “Summa de Arithmetica, Geometria
proportioni et propornalità”, no fim do século XV, o frade italiano Luca Pacioli
sistematizou as partidas dobradas, método de escrituração mercantil já tão
difundido nas casas de negócios da Idade Média (LE GOFF, 1982). Em sua
152
juventude, Pacioli foi preceptor dos filhos do mercador Antonio Rompiansi,
oportunidade em que teria estabelecido os primeiros contatos com as atividades
comerciais (VALENTE, 2006).
Como parte da cultura do comerciante, a aritmética passou a integrar o
conjunto de saberes elementares da formação básica do sistema escolar muito
anos depois. Na França, Jéan-Baptiste de La Salle propôs somente no século XVIII,
a escolarização das aprendizagens derivadas da cultura mercantil, seja ela a arte
caligráfica, a epistolar, a aritmética prática, seja a arte de arrumar os livros
contábeis (HÉBRARD, 1990; ZUIN, 2007).
Além dessa formação básica nas escolas primárias e secundárias, ainda
no século XVIII foram criadas as primeiras escolas específicas, destinadas à
formação do comerciante e de seus funcionários. Por exemplo, em Portugal, a Aula
do Comércio foi instituída no ano de 1759, como parte das reformas administrativas
realizadas pelo Marquês de Pombal.
Essas aulas de comércio tinham como objetivos de formar comerciantes e
guarda-livros, conforme instituído nos seus estatutos (PORTUGAL, 1759). No
documento, foram estabelecidos os conhecimentos que esses profissionais
aprenderiam ao longo do curso, compreendendo a aritmética (quatro operações,
conta de quebrados, regra de três); sistemas de pesos e medidas; câmbios;
seguros e escrituração mercantil (métodos de escrever os livros de contabilidade).
Com a criação de tais escolas específicas, teve-se de uma forma mais contundente,
a escolarização de saberes derivados da cultura mercantil. A aritmética dos
mercadores, parte dessa cultura, passou a compor a cultura escolar técnica.
Com a transferência da família real portuguesa para o Brasil em 1808,
foram tomadas diversas medidas para o estabelecimento da Corte em território
brasileiro e entre elas, estava a instauração das aulas de comércio, com estatutos
semelhantes às de Portugal (BRASIL, 1808). Naquela época, os compêndios de
Bézout eram referência para a aritmética, a álgebra e a geometria. Sobre o texto
de Bézout, Valente (2006) nos dá uma ideia de como estava estruturada a sua
aritmética: os números e as quatro operações fundamentais, frações, “números
complexos”, raiz quadrada e cúbica, razões, proporções, regra de três, progressões
153
aritmética e geométrica e logaritmos. Cumpre observar que os compêndios de
Bézout, que circulavam no início das Aulas de Comércio, não apresentavam
elementos de aritmética comercial. De acordo com Valente (2006), somente o
compêndio Elementos de Aritmética, de Bézout, adaptado por José da Silva
Tavares e reimpresso a partir de 1836, traz elementos da cultura mercantil:
154
século XX separaram a formação desses profissionais em cursos específicos
(contabilidade, economia e administração). A primeira mudança na Legislação no
século XX aconteceu em 1905, com a criação dos cursos gerais (formar guarda-
livros) e cursos superiores (formar chefes de contabilidade de bancos e grandes
empresas comerciais). Gouveia Neto (2015) conjectura que o livro "Calculos
Commerciaes" de Verediano de Carvalho era a referência que circulava nestes
cursos, mesmo tendo sido publicado em 1880. Verediano foi autor de livros na área
de escrituração mercantil.
155
Estatística e Secretariado). Contudo, somente em 1945 é que foram criados os
cursos superiores de Ciências Contábeis. Assim, a partir de 1945, dois cursos
passaram a coexistir: o Técnico em Contabilidade (de grau médio) e o Superior em
Ciências Contábeis (graduação).
Esses cursos comerciais no Brasil utilizaram-se de uma gama de diferentes
obras de Matemática Comercial e Matemática Financeira nas disciplinas de
Matemática, que de alguma forma ou outra, tratavam das diversas práticas do
comércio. Nesse sentido, questiona-se: como as práticas relacionadas as diversas
artes de comerciar foram tratadas nos livros de Matemática Comercial e Financeira
que circularam no Brasil no século XX? E como foram escolarizadas?
Assim, o trabalho aqui delineado tem como objetivo geral analisar as
diversas práticas do comércio presente nos livros de Matemática Comercial e
Financeira que circularam no Brasil no século XX, bem como, analisar os processos
de escolarização.
REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
156
Assim, sobre estas fontes procuramos entender as práticas sociais dos
mercadores, dos comerciantes etc. Assim, nosso horizonte teórico sobre as
práticas sociais, foi apoiado definição de Souza (2004), que as entende como:
157
mercadores. Ricardo (2007) complementa e ressalta que com a expansão
mercantil:
[...] houve um grande avanço nas questões creditícias em relação às
transações bancárias. Estabeleceram-se formalmente os juros, os
sistemas monetários, as bolsas, as especulações, os seguros, as
sociedades por ações, que levaram à centralização e modernização
das cobranças fiscais, com a popularização das letras de câmbio [...]
(RICARDO, 2007, p.66).
158
venda de mercadorias e similares, determinadas regras para compras e vendas,
regra das companhias, liga de moedas, solução de problemas diversos, regra da
falsa posição, raízes quadradas e raízes cúbicas, regra da proporção geométrica e
questões de álgebra e amulcabala” (SIGLER, 2002).
Desses capítulos, quatro tratam diretamente sobre a aritmética comercial.
Os problemas nessa área cobrem temas como regras de companhia, conversões
de moedas e medidas (dos capítulos 8 ao 11), com resoluções baseadas em
diversos métodos e algoritmos, entre eles o método da falsa posição e a resolução
de equações quadráticas (capítulos 13 e 14) (SIGLER, 2002).
Nesse sentido, ao analisarmos os livros de Matemática Comercial,
Matemática Financeira e Matemática Comercial e Financeira publicadas no Brasil
no século XX, notamos a presença de tópicos práticas comerciais sistematizadas
que remetem a estes tempos do Liber Abaci, tais como cálculos de juros simples e
compostos, descontos simples e compostos, câmbios, moedas, ligas de moedas,
divisão proporcional em contratos (regras de companhia ou de sociedades),
sistemas de amortização de empréstimos, etc. (c.f. MARTINS, 1927; D'AMBRÓSIO
e D'AMBRÓSIO, 1984; SOUZA, THIRÉ, LEMGRUBER, 1932).
Outros assuntos tais como os cálculos de probabilidades, binômios de
Newton, bem como, os cálculos de seguros de vida, seguros de morte e os cálculos
auxiliares (tábuas de mortalidade, vida média etc.), estão relacionadas a períodos
mais recentes, já que estes assuntos são remetidos ao surgimento das empresas
de seguros no século XVII.
De um modo geral, percebe-se que estas práticas sociais ou estes
resquícios do passado estão no presente. Obviamente, podem não ser exatamente
as mesmas práticas sociais, já que elas estão relacionadas outros tempos e outros
lugares. No entanto, é importante frisar que uma prática do passado pode ser
transformada/modificada para servir a uma prática mais atual.
159
Le Goff (1982) no seu texto “Mercadores e Banqueiros da Idade Média",
relaciona a atividade exercida pelo comerciante com a sua prática. Nesse sentido,
podemos observar que os livros de Matemática Comercial, Matemática Financeira
e Matemática Comercial e Financeira publicadas no Brasil no século XX
apresentam atividades relacionadas aos banqueiros, aos cambistas, entre outros.
Por exemplo, o livro Mathematica Financeira de Coriolano Martins publicado em
1927 apresenta os conteúdos de Misturas e Ligas (ligas metálicas), um tópico muito
útil relacionado às atividades dos joalheiros, aos penhoristas e de uma forma geral,
ao cunho de moedas. Outros assuntos, tais como o de câmbios estão relacionados
aos cambistas, aos exportadores etc. Ao passo que os assuntos de seguros, vida
média etc. estão relacionadas aos seguradores etc.
Nesse sentido, cumpre observar que determinadas épocas impõem a
sistematização de outras práticas. Esse o caso do mercado de café, que impuseram
a sistematização dos cálculos e assuntos correlatos nos livros de Matemática
Comercial e Matemática Financeira entre as décadas de 1910 e 1930. Com o alto
excedente de produção de café comprados pelas casas comerciais de Rio de
Janeiro e São Paulo, financiadas pelos bancos, começou-se a controlar o preço.
Com objetivo de se defender deste modelo de mercado, os produtores começaram
a pleitear medidas para a sustentação e estabilização dos cursos do café. O
sistema de caixa de conversão criado em 1906 é um exemplo de tais medidas. A
caixa de conversão foi um sistema de crédito que visava manter o equilíbrio do
poder de troca da moeda brasileira frente ao comércio com outras nações, como
parte de política de valorização do café.
As caixas de conversão e o mercado de café apareceram nos livros de
Matemática Comercial e Financeira nas Aritméticas Comerciais e Financeiras nas
décadas de 1920 e 1930. A “Aritmética Comercial e Financeira” 89 publicada em
1917 do contador Carlos de Carvalho e o “Compêndio de Aritmética Comercial” do
professor de matemática Carlos Francisco de Paula, da escola de Comércio Bento
Quirino de Campinas.
89 Esta aritmética comercial teve ampla aceitação nas escolas de comércio, a julgar pelo número
de edições, sendo a última a décima oitava, publicada em 1956.
160
O que se discutiu nos textos foi a conversão dos preços do café entre os
mercados de Havre; Hamburgo; Londres e Nova Iorque. Este assunto estava em
perfeita sintonia com a sociedade da época, cuja economia e política giravam em
torno do mercado de café. Se por um lado, estas forças político-econômicas
influenciaram os autores a ponto de colocarem o assunto nos seus livros, por outro
lado, eles podem ter pensado somente na preparação dos alunos das escolas de
comércio e comerciantes, que trabalhariam com estes assuntos nas suas
atividades diárias.
Da mesma forma, outro assunto relacionado ao mercado de café era o
tópico de caixas econômicas, de conversão e de amortização. Estes assuntos
apareceram em um livro intitulado “Matemática Financeira” livro de Matemática
Financeira publicado em 1927 pelo contador e engenheiro Coriolano M. Martins.
Embora constituído em um único capítulo, estes três tópicos remetem a situações
diferentes. Por exemplo, a caixa de amortização foi criada em 1827 e tinham como
objetivos a emissão, a amortização, o resgate e a substituição de apólices da dívida
pública, bem como o pagamento de juros. Já a caixa de conversão foi criada em
1906 a partir do Convênio de Taubaté, estabelecido entre os governadores de São
Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro para proteger o mercado de café (FURTADO,
1991).
Outro assunto presente nos livros de Matemática Financeira que
abordaremos é o de inflação. Trigo (2020) em seu estudo mostra que este assunto
entrou nos livros didáticos por volta dos anos de 1960, no livro Matemática
Comercial e Financeira, de Nicolau D’Ambrósio e Ubiratan D’Ambrósio (12ª edição),
publicado em 1963. Segundo Trigo (2020) estes autores introduziram o assunto da
questão inflacionária a partir de definições sobre a emissão de papel moeda:
161
Contudo, somente anos depois, no fim da década de 1980 é que este
assunto passou a ser mais sistematizado nos livros de Matemática Comercial e
Financeira, adquirindo o formato que conhecemos atualmente. Segundo Trigo
(2020), isso aparece principalmente no livro "Matemática Financeira" de José Dutra
Vieira Sobrinho:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
162
Esse processo de crédito e débito, um princípio básico da contabilidade,
utiliza uma operação matemática simples, composto por adição e subtração. A
Idade Média foi marcada pelo registro desses processos nos livros de matemática.
Além do princípio contabilístico, esse período nos legou um conjunto de técnicas,
métodos e sistemas desenvolvidos pelos mercadores nas suas atividades, tais
como as letras de câmbios, os sistemas monetários e de seguros, as bolsas de
valores, as sociedades por ações, os bancos e os sistemas de juros etc.
De uma forma ou de outra, a matemática permeou as atividades dos
mercadores. Por exemplo, a partir dos sistemas monetários foram desenvolvidos
os cálculos de câmbios e as ligas metálicas (cálculo proporcional entre as partes
de ouro e prata). Da mesma forma, com base nas letras de câmbios, foram
desenvolvidos os cálculos de juros e descontos. Por fim, dos contratos e da divisão
entre as partes, foram aplicados o princípio da divisão proporcional, surgindo
consequentemente as regras de sociedades e de companhias.
O desenvolvimento de todos estes cálculos foi acompanhado pelo uso e
aplicação de conteúdos matemáticos que funcionaram como pré-requisitos, tais
como razões, proporções, regras de três (simples e composta), porcentagens etc.
Mesmo sem serem escolarizadas, tais organizações dos conteúdos expõem uma
perspectiva típica das disciplinas escolares.
De maneira geral, esta matemática, composta por múltiplos elementos e
controversa, mas resultante da cultura mercantil, só foi escolarizada em fins do
século XVIII. Na Aula de Comércio em Portugal, criada pelo Marquês de Pombal
para formar os mercadores, os guarda-livros e os caixeiros. Posteriormente, este
modelo da Aula de Comércio foi transferido por D. João VI, para o Brasil em 1809.
Da mesma forma que em Portugal, em terras brasileiras formavam-se os
comerciantes, os guarda-livros, além dos funcionários públicos para atender a corte
portuguesa.
No princípio, essas práticas sociais da matemática tinham como finalidade
a formação do mercador, mas ao passar para a escola adquiriu outras finalidades,
qual seja, tornou-se parte da estrutura de formação dos profissionais do comércio:
guarda-livros e caixeiros. Neste momento, não era só mais um saber derivado da
163
cultura mercantil, mas passou a fazer parte da cultura escolar e principalmente,
elemento da cultura profissional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
164
POLATO, Maurício Fonseca. A Fundação Escola de Comércio Álvares
Penteado (Fecap) e o ensino comercial em São Paulo (1902-1931). 2008. 99 f.
Dissertação (Mestrado em Educação), Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2008.
PORTUGAL. Estatutos da Aula do Commercio ordenados por El Rey, 1759.
Lisboa: Oficina de Miguel Rodrigues, 1759. 10 p.
RICARDO, Sílvia Carvalho. As redes mercantis no final do século XVI e a
figura do Mercador João Nunes Correia. 2006. 153 f. Dissertação (Mestrado em
História Econômica), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
SIGLER, Laurence. Fibonacci's Liber Abaci: a translation into modern
English of Leornardo Pisano's Book of calculation. New York: Spring-Verlag,
2002. 642 p.
SOUZA, Mello e; THIRÉ, Cecil; LEMGRUBER, Nicanor. Matemática Comercial.
1. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1932. 395 p.
SOUZA, Eliana da Silva. A prática social do cálculo escrito na formação de
professores: a história como possibilidade de pensar questões do presente.
2004. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 2004.
TRIGO, João Vitor Baiak. Um estudo sobre o conteúdo de inflação e sua
abordagem nos livros didáticos entre os anos de 1960 e 2000. 2020. 46fls.
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) (Colegiado de Matemática). Paranaguá:
Universidade Estadual do Paraná, 2020.
VALENTE, Wagner Rodrigues. A aritmética na escola de primeiras letras: os livros
de aprender a contar no Brasil do século XIX. Revista Iberoamericana de
Educación Matemática, San Cristobal de La Laguna, n. 7, p. 71-81, set. 2006
ZUIN, Elenice de Souza Lodron. Por uma nova Arithmetica: o sistema métrico
decimal como um saber escolar em Portugal e no Brasil oitocentistas. 2007.
318 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática), Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2007.
165
166
A CONSTRUÇÃO CIENTÍFICA DOS PROGRAMAS DE MATEMÁTICA
SEGUNDO JOSÉ RIBEIRO ESCOBAR
INTRODUÇÃO
Esse trabalho faz parte de uma pesquisa mais ampla sobre a trajetória
intelectual e profissional de José Ribeiro Escobar, um professor paulista que atuou
efetivamente nas primeiras décadas do século XX na educação brasileira,
sobretudo na educação matemática. Foi realizado um recorte dessa pesquisa de
mestrado, com a finalidade de apresentar os pontos de vistas de Escobar, acerca
90
Doutoranda em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP E-
mail: camp.ana@hotmail.com
167
dos programas de ensino. A análise foi realizada por meio de seu livro intitulado A
Construção Científica dos Programas.
José Ribeiro Escobar, que teve uma grande contribuição e participação na
educação brasileira, principalmente na área de matemática, e colaborou
significativamente com publicações Revista Sociedade de Educação e Revista de
Ensino da Associação Beneficente do Professorado Paulista. Ele é mencionado em
vários textos de História da Educação nas primeiras décadas do século XX, o que
destaca sua importância para educação brasileira, participando na organização da
educação paulista, nos anos de 1914 a 1926, bem como na Reforma do Ensino do
Estado de Pernambuco. (CAMPOS, 2019).
Escobar era um professor intelectual e expert uma vez que teve uma vida
ativa na área educacional, participando de inquéritos, debates, discussões políticas,
organizando cursos de formação ao professorado, engajado na produção de
saberes na formação de professores e no ensino. Escobar exerceu cargos de
destaque na instrução pública, atuando em cargos de respeito e confiança.
Segundo Almeida e Valente (2019) a constituição de um expert depende
do quanto esse profissional se destaca em sua profissão; de seus saberes, sejam
eles científicos ou experiências práticas e vivencias, que possibilitem e ampare o
exercício de sua função; da ocupação de cargos, cadeiras e postos, que
possibilitam que esses saberes sejam estruturados para o funcionamento escolar.
Morais (2017, p. 66) destaca que “o reconhecimento do expert é dado sempre pela
comunidade a que ele pertence e sempre em relação à sua expertise profissional.”
Do mesmo modo é possivel afirmar que José Ribeiro Escobar foi um
intelectual, que conectado nas relações sociais, no qual sua rede de sociabilidade
sofreu "a mediação de trunfos escolares e culturais, cujo peso é tanto maior quanto
mais se acentua a concorrência no interior do campo intelectual”. (MICELI, 2001,
p. 79). Os intelectuais são vistos como organizadores e educadores de uma
sociedade atrasada e será por meio das mãos desses senhores que a nação se
modernizará, o sucesso dessa empreitada, não depende de um intelectual e seus
esforços individuais, mas da coletividade, da sua rede de sociabilidade e de seus
projetos em conjunto.
168
Os intelectuais e expert usavam a imprensa para discutir não só a
educação, mas o meio em que viviam, assim os periódicos se constituíam como
verdadeiras fontes de investigações e permitiam a análise e compreensão da
situação da instrução pública; discussões pedagógicas; temáticas variadas;
divulgando os pensamentos desses inspetores, professores e diretores
pertencentes às escolas; bem como as inovações pedagógicas que veiculavam
nesta época.
Com objetivo de divulgar seus pontos de vista acerca dos programas de
ensino, Escobar publicou nove artigos e um livro entre os anos de 1923 a 1934. Isto
posto, o objetivo desse artigo é apresentar as considerações de José Ribeiro
Escobar acerca dos programas de ensino a partir do seu livro intitulado A
Construção Científica dos Programas.
169
Num apanhado geral, o movimento da Escola Nova, como se sabe,
significou um processo de remodelação das instituições escolares,
como consequência da revisão crítica da problemática educacional.
Em confronto com a “escola tradicional”, em relação à qual se
colocou em termos antitéticos, a Escola Nova se fundamenta em
nova concepção sobre a infância. (Nagle, 1974, p. 248).
170
cálculos decimais, redação de cartas comerciais,
memorandos e faturas. Possuíam todas essas noções
matemáticas uma finalidade instrumental e prática, tendo em
vista o uso na vida, especialmente urbana, no comércio e no
trabalho. (SOUZA, 1998, p. 177).
171
eram necessários programas que estimulassem os alunos a pensarem.
(ESCOBAR, 1934).
Escobar atuou nas primeiras décadas do século XX como professor de
matemática, de álgebra e aritmética, logo se familiarizou com a disciplina e, por
esse motivo, escreveu sobre a educação matemática, propondo novas
metodologias para o ensino dessa ciência.
Escobar buscava novos métodos de ensino para diversas disciplinas, mas
sobretudo um método com destinação específica ao ensino da Matemática. Para
ele as aulas deveriam ser repletas de raciocínio e observação, e os programas de
ensino não deveriam apresentar conteúdos separados, mas apresentar atividades
em que os alunos pudessem usar suas percepções.
José Ribeiro Escobar escreve um livro em 1934, denominado “A Construção
Científica dos Programas”, neste momento ele era Chefe do Serviço de Programas
e Livros Escolares, da Diretoria Geral do Ensino do Estado de São Paulo. Ele
abordou tópicos sobre: novos tempos, novos problemas; a psicologia (genética,
individual, estruturalista, social); aspecto social; tópicos de Dewey; trabalhos
práticos e não especializados e dificuldades dos programas de Aritmética. Neste
livro ele traz referências a intelectuais renomados de outros países para
fundamentar sua ideia de que é necessário se modificar a metodologia educacional
brasileira, com vistas a conquistar uma educação moderna, estimulando o aluno
por meio da psicologia e dos aspectos sociais.
Este texto de 1934 é um manual de como construir um programa eficiente
para o desenvolvimento do espírito; ao arquitetar um programa é necessários três
fatores: “a criança - com suas necessidades, e instintos, variáveis com os indivíduos
e idades; a sociedade - com seus reclamos, sempre em transformação; as
aquisições intelectuais da humanidade” (Escobar, 1934, p. 9).
Com relação a matemática ele descreve que os desenhos são fundamentais
para a didática da leitura e dos números, afirmando que Pestalozzi foi o primeiro a
usar desenhos para exemplificar os números, fazendo um comparativo entre Born,
Lay, Beetz e Pestalozzi para afirmar suas concepções. Escobar assegura que para
compreensão do número por meio de objetos esses senhores fizeram diversas
172
pesquisas e experiências para apresentar resultados satisfatórios com relação a
como esse sistema estimula e motiva a criança para o aprendizado (ESCOBAR,
1934).
Para a linguagem ele diz ser necessário trabalhar as narrativas, os contos
de fadas, a dramatização, os jogos e que, para isso, é preciso dar liberdade a
expressão e a socialização. Escobar afirma que a criança é “um ser ativo, com sua
capacidade psicológica, é o centro de toda atividade escolar”, assim é fundamental
que seja levado em conta suas estruturas orgânicas, intelectuais, instintos, desejos,
curiosidade e interesse.
Ele compara a classificação da evolução intelectual de Claparède com a de
Ferriére e descreve que a pesquisa de Bickingham e Mactatchy, sobre o
conhecimento numérico das crianças e aponta que as elas já possuem esses
conceitos antes mesmo de entrarem na escola primária e divulga o resultado destaa
pesquisa. Essa investigação conclui que existe um ponto certo para que as crianças
aprendam determinados conteúdos e que este ponto só será possível de ser
compreendido por meio da psicologia.
José Ribeiro Escobar apresenta que os programas devem ser direcionados
por um sistema de projetos, em que o plano não está subordinado à passos formais,
mas a “criação viva e espontânea do aluno, cuja atividade livre se coordena pelos
seus interesses naturais”. (Escobar, 1934, p. 86). Segundo ele, quando o professor
usa essa metodologia está ajudando no desenvolvimento educativo do aluno para
a vida social, assim ele reformula o “esquema de projeto” para as escolas paulistas.
Segundo Escobar “a construção de um programa escolar requer estudos
objetivos principalmente da psicologia genética e da análise social, que precisam
ser estreados no Brasil, onde os próprios conhecimentos de segunda mão estão
longe de ser divulgado” (Escobar, 1933, p. 39).
Ele sempre se queixava que as publicações de livros e artigos fora do Brasil
eram imensas e que o Brasil engatinhava neste aspecto, pois não oferecia
bibliotecas ao professorado, talvez por este motivo escreva sobre esta pesquisa em
seu artigo, como que para inaugurar o tema sobre análise social.
173
José Ribeiro Escobar reclama da falta das aulas de psicologia, pedagogia e
didática, que são praticamente inexistentes, sendo o professor de Psicologia
obrigado a lecionar sobre a psicologia do adulto, que os professores de didática
nem sempre são especialistas na matéria.
José Ribeiro Escobar relata sobre a importância de criar as salas, ambientes
e os museus escolares como instrumento da didática, e justifica dizendo que “a sala
ambiente é o convite ao trabalho pessoal do aluno, ao ensino experimental, ao
aprendizado ativo, e para ele, é o encaminhamento para o tempo integral, a que é
naturalmente conduzido pela execução do trabalho feliz” (Escobar, 1933, p. 150).
Ele tinha aspirações em modificar o cenário educacional e, para isso,
divulgava suas concepções metodológicas relacionadas ao ensino ativo, salas
ambientes, utilização de instrumentos lúdicos (jogos e brinquedos), excursões
pedagógicas, museu escolares, puericultura, ensino da matemática, organização
da educação sexual e higiênica, dentre outras práticas educacionais.
Escobar sugere a criação de um novo curso, nos quais os alunos após se
formarem na Escola Normal deveriam ingressar nas Escolas de Psico-Pedagogia
e, após um ano, deveriam se matricular na Escola de Didática.
Para Escobar essa ideia deveria ser implementada em todo Brasil, sendo
composta de uma farta biblioteca, uma organização ideal, realizável, econômica e,
em vez de uma cultura livre, teriam professores técnicos perfeitos “uma plêiade de
experimentadores e inovadores seguros, da tempera de Decroly, Fontegne,
Cousinet, Dewey e Kerschensteiner.” (Escobar, 1933, p. 141).
A partir da análise dos artigos de José Ribeiro Escobar fica evidente seu
interesse pela metodologia e pela psicologia. Para Escobar era indispensável que
a psicologia, pedagogia e ciência andassem de mãos dadas. Seria por meio dessa
tríade (psicologia, pedagogia e ciência) que os professores entenderiam como a
criança aprende e que metodologias usar para estimular os alunos.
José Ribeiro Escobar vivia na década de 1920 em um ambiente muito
marcado pela psicologia, a Escola Normal da Capital onde estudou e lecionou
possuía um Gabinete de Antropologia Pedagógica e Psicologia Experimental, os
olhos da maioria dos educadores que pensavam a educação estavam voltados para
174
psicologia, com o intuito de compreender a “genética dos fenômenos, explicando o
superior pelo inferior: a criança, pelo animal e pelo selvagem, e o adulto, pela
criança” (MONARCHA, 1999, p. 299).
Escobar defende a educação da personalidade pela autonomia intelectual
do aluno e pelo trabalho pessoal. Relata que a educação pela atividade individual
é um horizonte na formação psicológica da criança e que a escola do trabalho,
vinda de Kerschensteiner fundamentava essa concepção. José Ribeiro Escobar
cita intelectuais de períodos diferentes para afirmar suas convicções sobre a escola
do trabalho, naquele período era comum essa prática, uma vez que não existia uma
tradição acadêmica.
Contudo, José Ribeiro Escobar não era propagador apenas dos ideais de
Kerschensteiner, ele o cita do mesmo modo que menciona Decroly, Kilpatrick,
Pestalozzi e outros autores, logo não se pode afirmar que ele era Pestalozziano,
Decroliano ou Kerschensteineriano por ter destacado esses senhores em alguns
de seus artigos, caso contrário seria possível afirmar que ele era seguidor de
Franklin Bobbitt pois dedicou um artigo inteiro a tradução de sua obra intitulada Os
maiores objetivos da educação. (CAMPOS, 2019).
Escobar buscou nesses e em outros autores referência para compreender
como a criança aprende e de que maneira ele como professor poderia auxiliá-lo em
seu desenvolvimento intelectual. Quando descobriu de que maneira poderia ajudar
começou a propagar seus ideais. Ele acreditava que a escola se constitui como um
meio de colocar a criança em ação, e essa ação seria possível por meio do
aprendizado ativo, que ocorria dentro da escola e fora da escola por intermédio da
observação, experimentação, vivência e ação.
175
intelectuais da época, dentre eles, Savério Cristófaro que também havia divulgado
artigos sobre o ensino da matemática (Miorim & Brito, 2012).
Os programas de ensino não estavam desconectados dos problemas
políticos, sociais e econômicos por qual a sociedade brasileira passava, eles não
eram imparciais, mas refletiam os movimentos e necessidades da sociedade dentro
das escolas, bem como estavam relacionados com a própria estrutura escolar, e
de acordo com a organização escolar foi se definindo o método a ser empregado.
Por conseguinte, se conjectura que as oscilações referentes aos programas
escolares e aos métodos de ensino não estavam atreladas a uma questão
progressista, elas eram consequências dos movimentos políticos, econômicos e
sociais vigentes.
José Ribeiro Escobar esperava que seus artigos modificassem o ensino
brasileiro e que por meio da propagação dessas novas práticas o professor
enxergasse o aluno como um espírito ávido por aprender, entretanto era necessário
que o aluno aprendesse por si mesmo pois, para Escobar, a criança deveria
conquistar o aprendizado, a evolução, suas impressões e conquistar acima de tudo
a vida.
A suposição é que ele foi um dos pioneiros a propagar as salas ambiente,
os museus e excursões escolares, bem como o uso de materiais concretos para
ensino dos conteúdos escolares. Escobar acreditava que por meio desses
instrumentos a criança teria interesse em aprender e dessa forma aprenderia com
significado.
Acredita-se que seus esforços por divulgar a importância das salas ambiente
e seus escritos sobre o tema tenham colaborado, anos mais tarde, para a
estruturação e construção das chamadas brinquedotecas escolares. Sugestão de
um estudo futuro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
176
CAMPOS, A. M. A. José Ribeiro Escobar: a trajetória intelectual e profissional de
um professor paulista no início do século XX. Editora CRV, 2019.
177
primário o que, como e por que ensinar? Estudos histórico-comparativos a partir
da documentação oficial escolar. 1 Ed. São Paulo: Editora Livraria da Física,
2014.
178
A TRANSMISSÃO DA GEOMETRIA DE LEGENDRE:
RESUMO
O livro de Geometria de Legendre é considerado um best-seller durante todo o século XIX,
sendo utilizado em muitos países e traduzido para diversas línguas. Neste trabalho,
lançamos mão do conceito de transmissão para analisar, comparativamente, por meio da
análise histórica de livros de Matemática (Schubring, 2003), como o livro foi transmitido e
apropriado na Colômbia e na Venezuela. Analisamos três traduções do livro, uma
espanhola, uma colombiana e uma venezuelana, nas quais encontramos indícios de sua
grande importância histórica na América Hispânica. Todas as traduções apresentam uma
característica peculiar em sua transmissão: são traduções fiéis das versões originais, ou
seja, fazem pouquíssimas alterações adaptativas no corpo do texto, fazendo apenas
algumas mudanças editoriais. Além dessa constatação, nossas pesquisas foram capazes
de responder um questionamento historiográfico sobre o papel de Muñoz Tébar na
tradução venezuelana, mostrando que ele seria o revisor do corpo do texto, e não o
tradutor.
INTRODUÇÃO
91
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). carlosroot4@gmail.com
92
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). gert.schubring@uni-bielefeld.de
179
O século XIX constitui um ótimo período para realização de pesquisas
sobre a História do Ensino de Matemática (KARP e SCHUBRING, 2014, p.197-
199), ainda mais quando o estudo foca nos livros-texto adotados. Segundo
Schubring (1987), estudar livros didáticos seriam ótimas maneiras de entendermos
a dinâmica do ensino de Matemática numa determinada época, já que apenas o
estudo dos currículos e dos decretos ministeriais vigentes poderiam nos levar a
criar uma imagem distorcida da realidade, visto que muito do que está escrito nos
decretos e currículos não foram cumpridos.
Não estamos dizendo que estudar as mudanças curriculares e ministeriais
sejam irrelevantes, é que às vezes a situação torna-se tão complicada no cenário
sociocultural, que um estudo mais sistematizado é inviável. Como exemplo, temos
o caso da Espanha no século XIX, que teve num período de menos 75 anos cerca
de 25 trocas de currículo de matemática (AUSEJO, 2014, p.286).
O livro de Geometria escrito por Legendre demonstra ser um desses bons
exemplos de livros que moldaram o ensino de geometria em diversos tipos de
instituições de ensino --neste caso, secundário e superior-- e em diversos países
(SCHUBRING, 2009). Mas apesar de sua influência em praticamente todo o
ocidente, daremos um foco especial à América Hispânica.
A América Latina é um desiderato de pesquisar, mas a falta de pesquisas
dificultava tal empreendimento. Graças às pesquisas de Carvalho (2014), abriram-
se caminhos para pesquisas comparativas entre a Venezuela e a Colômbia. Num
levantamento bibliográfico feito pelos autores, encontramos duas traduções do livro
de Legendre para o castelhano, uma colombiana e uma venezuelana, publicadas
em, respectivamente, 1866 e 1879. Além de nos sentirmos motivados por Carvalho
(2014, p.335), que aponta a necessidade de realizar maiores pesquisas dos
processos de transmissão para a América Latina.
Assim, o objetivo deste trabalho é analisar de maneira comparativa como
foi o processo de transmissão do livro de geometria de Legendre para a Colômbia
e para a Venezuela na segunda metade do século XIX.
180
METODOLOGIA
181
descrita acima é o conceito de Circulação de Ideias apresentado pelo projeto
Cirmath93, mais precisamente no artigo (NABONNAND et all, 2015).
Assim, o conceito de Transmissão que será adotado neste trabalho será,
muito, diferente do descrito acima. O primeiro ponto de destaque é considerarmos
que o polo receptor das transmissões atua de maneira ativa nas recepções
(SCHUBRING, 1999, p.29-35), adequando os conceitos adquiridos a seus próprios
propósitos, o que resulta em alguns casos em novas perspectivas. O segundo
ponto é assumirmos que as transmissões nunca são neutras ou desprovidas de
finalidade, já que as intencionalidades costumam se dar de maneira implícitas.
A análise histórica de livros didáticos de Matemática foi descrita por
Schubring (1987, 2003) e tem como principal objetivo estabelecer critérios objetivos
para a realização de uma análise de um livro histórico de Matemática. Uma de suas
principais indicações é reunir a maior quantidade de edições diferentes de um
determinado livro, em busca de alterações na concepção epistemológica dos
autores. Junto a isso, é necessário que entendamos as relações mantidas entre o
autor e a comunidade científica da época, a editora etc. Neste trabalho, damos
ênfase ao papel ativo dos tradutores, o que faz dessa metodologia uma parte crucial
do entendimento das relações entre os tradutores e suas respectivas épocas.
Como um dos principais pontos deste trabalho é a comparação e análise
de livros didáticos históricos, é necessário uma metodologia adequada para a
realização dessa tarefa. Optamos pela utilização da Hermenêutica Objetiva como
uma forma de dar consistência às nossas análises, realizadas em comparação do
francês-francês e francês-espanhol. A concepção de hermenêutica apresentada
por Schubring (2003; 2005b; 2018) nos dá as ferramentas necessárias.
Gostaríamos de frisar o adjetivo ‘objetiva’ no nome do conceito. Esse adjetivo vem
para caracterizar uma diferença existente entre a versão mais comum, conhecida
pelos trabalhos dos filósofos alemães W. Dilthey e H. Gadamer, em que se as
interpretações subjetivas têm maior peso. A versão descrita neste trabalho, como
o nome já diz, foca-se nas interpretações objetivas dos conteúdos.
93
Circulação da matemática nos e pelos jornais: história, territórios e públicos
https://cirmath.hypotheses.org/
182
LEGENDRE E OS ELEMENTOS DE GEOMETRIA
183
Por isso, Legendre marcou um encontro com Lacroix para tentar fazer com
que este desistisse dessa ideia (SCHUBRING, 2009, p.362). Apesar de num
primeiro momento Lacroix ter aceitado em não publicar um livro de geometria,
depois de sua conversa com Legendre, ele ameaçou retirar outros dois de seus
livros (aritmética e álgebra) da editora de Duprat, um editor de importantes livros de
Matemática.
Como tal atitude teria sérias consequências econômicas para a editora,
Duprat indagou Legendre sobre tais problemas. Legendre envia uma carta para
Lacroix, em fevereiro de 1799, em que reforçava o que fora acordado. Para
minimizar os efeitos de Lacroix ter que desistir de seu projeto, Legendre propunha
a Lacroix que continuasse utilizando seu livro na sua posição de professor na École
Centrale des Quatre-Nations, mas que agora poderia complementar as aulas com
outras obras. Mas agora Legendre propunha um oligopólio em detrimento do
monopólio que seu livro tinha (SCHUBRING, 1987, p. 46).
Durante determinado tempo, Lacroix conseguiu o monopólio de todos os
livros de matemática que eram utilizados nos liceus (SCHUBRING, 2003).
Entretanto, em outras instituições o livro de Legendre era mais utilizado que o de
geometria de Lacroix– e em particular em muitos países, mesmo além da Europa
do Oeste: na Rússia, no Império Otomano, na Grécia e na Pérsia (SCHUBRING,
2009, p.365).
184
Em 1799, com o fim da ênfase na escrita de livros pelo método analítico,
Legendre publica um extenso texto anexo sobre a trigonometria, onde utiliza o
método sintético. Ao contrário de alguns revolucionários, o autor não tinha tanto
apreço pelo método analítico e entendia que não existia um método ideal para
explicar todos os assuntos, mas sim que determinados conteúdos seriam melhor
entendidos caso utilizassem outro método de exposição. Isso nos mostra que o
autor também tinha preocupações voltadas para o ensino de Matemática.
O apêndice contém cerca de 100 páginas, com algumas variações
dependendo da edição. Para termos uma ideia do quão significativo é esse
acréscimo, o conteúdo original do livro contém cerca de 280 páginas.
Um outro ponto de destaque é que em diversas traduções o apêndice de
trigonometria foi publicado como um livro separado. Nossas pesquisas indicaram
que tal acontecimento se justifica em grande parte pela questão econômica. O fato
de ser possível diminuir em 100 páginas o livro sem perder o conteúdo principal
fazia com que o custo de produção fosse mais baixo.
A partir do último ano do século XVIII, temos novas edições publicadas em
1799, 1800, 1802, 1804, 1806, 1808, 1809, 1812, 1813, 1817 e 1823, enquanto
Legendre ainda estava vivo. Isso nos mostra a grande popularidade do livro já nas
primeiras duas décadas após sua publicação.
No entanto, isso é uma pequena parte da dimensão que tal livro alcançaria
no século XIX. Uma segunda tradução foi realizada por Jesús Muñoz Tébar na
Venezuela em 1908, uma evidência da demanda por tal obra nas Américas no
século XX. Além disso, encontramos versões sendo comercializadas na América
do Sul em 1944 (BEYER, 2020, p.33).
A principal característica dessas novas edições é o fato de Legendre
constantemente alterar as notas de fim de texto. Tais notas mostraram ser de
extrema importância para a época em que foram publicadas, mas também contém
um grande valor para nossa análise histórica, com destaque para a nota sobre a
teoria das paralelas.
Depois da morte de Legendre, em 1833, seus livros ainda tiveram muitas
outras edições, dentre novas edições e reimpressões. Entretanto, não é uma tarefa
185
fácil descobrir ao certo quantas foram, pois devido às publicações “paralelas” do
livro feitas em Bruxelas a partir da década de 1830, a numeração ficou muito
confusa, impossibilitando sabermos o real número de edições.
Houve pela mesma editora das edições originais, Firmin-Didot, duas
edições: a 13ª de 1838 e a 14ª de 1840, com o mesmo texto da 12ª edição de 1822,
a última revisada por Legendre.
Na década de 1840, a editora aceitou Marie Alphonse Blanchet (1813-
1894) como organizador das próximas edições do livro. Blanchet estudou na École
polytechnique (1833-1835) e foi professor em escolas privadas de ensino
secundário. Durante sua trajetória, Blanchet teve pouco destaque no Ensino de
Matemática, publicando, além dos elementos, apenas uma coleção de exercícios
de geometria (Schubring, 2009, p.367).
Em 1845, com a primeira edição do texto alterado por Blanchet, a editora
acrescentou uma reedição da 14ª edição, que havia sido relançada em 1842. Em
1849, Firmin-Didot publicou a segunda edição de Blanchet, acrescentando também
a reedição original, porém chamando-a desta vez de 15ª edição.
As mudanças feitas por Blanchet também ocorreram no corpo do texto e
não estão apenas relacionadas à diagramação ou à mudanças estéticas no livro.
Tais mudanças foram tantas, que na primeira versão modificada pelo editor, o livro
foi publicado como um livro duplo, isto é, após o término da versão modificada, foi
incluída uma versão publicada originalmente por Legendre.
As alterações também são responsáveis por um outro fator que torna a
análise do livro de Legendre ainda mais interessante: o processo de reinício de
contagem das edições, isto é, quando Blanchet começou a alterar o livro, ele
reiniciou o processo de contagem das edições, e intitulando sua versão como sendo
uma nova edição (“Nouvelle Édition”). Esse fato é importante por mostrar ainda
mais o sucesso do livro de Legendre.
As reedições das versões originais de Legendre não se restringiram à
primeira metade do século XIX, mas continuaram na segunda metade com versões
originais, publicadas pela mesma editora, paralelamente às novas edições de
Blanchet, até ao menos os anos 1870.
186
Um fato de destaque é que mesmo depois das versões alteradas por
Blanchet terem sido publicadas, em 1862—ou seja, 17 anos após a primeira
modificação—, a editora Firmin Didot publicou uma versão original de Legendre,
ainda intitulada de 15ª edição. No entanto, a segunda edição de Blanchet (1849)
diz em sua capa que ela foi baseada na 15ª edição do original, mostrando uma
confusão da própria editora com as edições. Além disso, Firmin Didot publicou em
1857 uma outra 14ª edição do livro original, bagunçando ainda mais a ordem das
edições. Dito isso, supomos a existência de uma demanda pelo livro original, já que
a versão de Blanchet já tinha alcançado relativo sucesso com suas versões
anteriores.
O livro de Legendre foi um sucesso tão grande que podemos identificar
traduções publicadas em, pelo menos, dezessete países. Sendo algum deles a
Itália (1802) (primeira tradução conhecida), a Espanha (1807) e o Brasil (1809). Um
fato de grande importância para a dimensão de utilização desse livro é a existência
de traduções concorrentes feitas em países como a Itália e a Grécia, que chegou a
ter várias traduções com diversas reedições cada uma (SCHUBRING, 2009, p.366-
373).
187
longeva do livro. A obra não foi primeiramente utilizada nas versões originais --no
caso, pelos primeiros 50 anos, de 1794 até 1845-- e depois, na segunda metade
do século XIX, apenas com a utilização das versões “blanchetianas''. Bem
diferentemente, podemos constatar como nova evidência que foram publicadas --e
assim, disponíveis e acessíveis-- ambas versões paralelamente na segunda
metade do século XIX.
Uma característica que chamou nossa atenção durante as análises
comparativas foi perceber que as três traduções não alteraram praticamente nada
o corpo do texto. As principais modificações foram de natureza editorial, por
exemplo, retirar o apêndice de trigonometria (os três tradutores) e publicá-lo
separadamente como um livro independente, alterar a ordem de aparecimento dos
apêndices do livro (Llieras).
Isso de certa maneira nos surpreendeu, já que esperávamos encontrar
interferências mais diretas dentro do texto. Com efeito, refletindo sobre o problema
posto, chegamos à conclusão de que o processo ativo dos tradutores latinos no
polo da recepção da tradução deu-se no momento em que estes escolheram
deliberadamente qual versão do livro de Legendre seria escolhida para a tradução:
a versão original ou a versão alterada por Blanchet.
Assim, o processo de comparação entre as versões da Geometria de
Legendre constitui, em si, uma análise dos processos de transmissão para os
países em questão. Sendo necessária uma maior explanação sobre suas
diferenças.
Legendre começa seu livro explicando qual seria o objeto de estudo da
geometria: “A geometria é uma ciência que tem por objeto a medida da extensão.
A extensão tem três dimensões, longitude, latitude e altura.” (LEGENDRE, 1802,
p.1, tradução nossa). A partir daí, passa para o conceito, nesta ordem, de linha
(comprimento sem largura), ponto, reta, superfície (tem comprimento e largura, mas
não altura), plano e sólido ou corpo (tem as três medidas da extensão). Ou seja, o
autor apresenta as definições dos conceitos em ordem crescente de dimensões.
Já nas de Blanchet, as definições começam pela ideia de que um corpo
ocupa um determinado lugar do qual se chama volume: “Todo corpo ocupa no
188
espaço indefinido um lugar que se chama volume” (LEGENDRE, 1849, p.1,
tradução nossa). A partir dessa primeira, temos que os termos são definidos, nesta
ordem: os conceitos de superfície (limite que separa o corpo do espaço que o
rodeia), de linhas (lugar onde as superfícies dos corpos se encontram) e o de ponto
(lugar em que as linhas se encontram). Assim, vemos que as definições partem da
dimensão mais alta para a mais baixa.
Tais mudanças configuram uma mudança epistemológica para com a
geometria. Um dos motivos apresentados por Blanchet para justificar as alterações
foi alegar que a obra original continha imperfeições e algumas lacunas.
Um dos temas que mais atraía a atenção de Legendre era a teoria das
paralelas. Todavia, Blanchet, além de ter excluído as reflexões feitas por Legendre
em suas notas, também mudou praticamente todas as proposições desta seção no
capítulo I.
Uma das principais modificações feita por Blanchet está na utilização do
método dos limites, um método da Matemática superior. Nas primeiras definições
e nas demonstrações envolvendo círculos e corpos redondos, o método é utilizado.
Com isso, ele teve que introduzir explicações sobre o que seria esse método.
Blanchet alterou algumas demonstrações, e estas modificam a concepção de
Legendre, destacamos Legendre:II.XVI e II.XVII e Blanchet:II.XVIII, que envolvem
as diferenças entre grandezas comensuráveis e incomensuráveis.
Versão espanhola
189
Aqui podemos notar apenas o acréscimo de um sinônimo para referir-se à palavra
altura, que neste caso seria profundidad.
Apesar do exemplo acima, nem todas as mudanças são apenas de
palavras específicas, em alguns casos vemos a reestruturação da frase, mas com
o significado equivalente. Vemos na primeira proposição do Livro I: “Les angles
droits sont tous égaus entre eux.” (LEGENDRE, 1802, p.6), enquanto que na versão
traduzida encontramos “Todos los ángulos rectos son iguales.” (LEGENDRE, 1807,
p.6). Vemos que ambas as frases expressam a mesma propriedade.
A versão espanhola, apesar de não ter sido publicada nas Américas,
apresenta grande relevância para a disseminação do livro nos países de língua
castelhana. Analisando a presença do livro de Legendre na América Hispânica,
podemos constatar que até a década de 1860, circulavam versões do livro em
francês e em castelhano, justamente as traduções feitas por Gilmán.
Versão Colombiana
190
A intervenção de Llieras ocorre exatamente aí. Em sua tradução, que foi
feita a partir de uma décima do Blanchet, logo sem a palavra ‘chemin’, ele
acrescenta à definição a palavra ‘camino’.
Versão Venezuelana
191
constatamos que a definição de reta é feita com a palavra ‘distancia’ e não ‘camino’.
Isso pode parecer pouco, mas quando comparamos a tradução das notas, vemos
que já na primeira frase, que apesar de terem o mesmo sentido, foram escritas de
maneira distintas, indicando que pessoas diferentes que traduziram.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
192
afirmativo, a influência é da versão original ou da alterada? No entanto, isso é um
tema para pesquisas futuras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
193
SCHUBRING, G. On the methodology of analysing historical textbooks: Lacroix as
textbook author. In: For the learning of mathematics, vol. 7,nº. 3, 1987.(“Errata”,
idem, 1988,vol. 8,p.51).
194
BREVE PANORAMA DO ENSINO DE MATEMÁTICA NO BRASIL SOB
A PERSPECTIVA DE GÊNERO
RESUMO
Este trabalho, de abordagem qualitativa e do tipo bibliográfico, busca compreender como
as diferenças no processo de ensino de Matemática ofertado à meninos e meninas ao
longo dos séculos podem ter contribuído para a baixa participação feminina nessa área e
tem o intento de apresentar um breve panorama da história da educação escolar
enfatizando elementos da instrução matemática no Brasil sob a perspectiva de gênero.
Para realizar esta investigação foram consultados artigos e livros sobre o histórico da
instrução masculina e feminina no Brasil, além de teses e dissertações desenvolvidas
dentro das temáticas de História da Educação e História da Educação Matemática e, ainda,
materiais sobre diversos momentos sócio-históricos nacionais. Tais materiais
possibilitaram a realização de um breve panorama da educação brasileira sob o enfoque
de gênero, destacando semelhanças e diferenças da instrução oferecida a meninos e
meninos desde o Período Imperial, marcado pelos ensinamentos jesuítas em um contexto
em que não era reconhecida a necessidade de instruir as mulheres, até o Período
Republicano, no qual ocorreu a reversão de hiato de gênero no ensino superior. Após a
análise do material consultado, é possível notar que a educação brasileira, especialmente
no que diz respeito à instrução matemática, foi praticada de forma desigual a meninos e
meninas, fato que pode ter contribuído para a construção de estereótipos de gênero que,
ainda nos dias atuais, podem influenciar o interesse e motivação das meninas com relação
à Matemática. Destaca-se, também, que a existência de lacunas de trabalhos ora da
instrução feminina, ora da masculina, em determinados períodos históricos, dificultam a
realização de um estudo relacional sobre as práticas de ensino de Matemática no país.
INTRODUÇÃO
94
Mestranda em Educação em Ciências na Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI. Email:
daniaoliveira@outlook.com.br
95
Docente do Instituto de Matemática e Computação da Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI. Email:
mfcavalari@unifei.edu.br
195
O estudo da relação histórica construída entre os homens, as mulheres e a
educação, particularmente no contexto do Ensino de Matemática, pode trazer
importantes contribuições para investigar a problemática do interesse feminino por
áreas de Matemática intensiva. Dessa forma, torna-se relevante a realização de um
estudo da História da Educação e Educação Matemática à luz da perspectiva de
gênero, destacando semelhanças e, principalmente, diferenciações ao longo dos
anos no cenário educacional brasileiro.
Para realizar uma leitura da História da Educação, sob a perspectiva do
gênero, este trabalho se baseia em Louro (1994). Para esta autora, estudos com
essa temática podem ser desenvolvidos em duas principais perspectivas, que
podem ser complementares. A primeira diz respeito aos estudos que focam nos
processos de socialização/educação de meninos e meninas, sobre a construção da
feminidade ou masculinidade ou, ainda, sobre análises de processos históricos-
educacionais em que a categoria gênero é realçada como, por exemplo, a
feminilização do magistério. A segunda perspectiva destacada por Louro (1994),
que é menos explorada nos estudos acadêmicos, diz respeito a uma leitura com
viés de gênero em pesquisas da História da Educação nas quais esta categoria
analítica não é explicitamente abordada. Dessa forma, propõe
[...] uma leitura com a preocupação de desvendar o gênero, interessada na
observação da construção (implícita ou explícita) dos gêneros; uma leitura
capaz até mesmo de ler o silêncio, de perceber na omissão da questão, na
sua negação, uma forma determinada de concepção dos gêneros. Nessa
via alargam-se imensamente as fontes para a história da educação sob a
perspectiva do gênero, uma vez que não mais ficamos restritas aos(às)
pesquisadores(as) identificados(as) com tal temática, mas temos a nosso
dispor uma produção historiográfica muito mais ampla. (LOURO, 1994, p.
35).
196
Nesse sentido, buscando compreender como as diferenças no processo de
ensino de Matemática ofertado à meninos e meninas ao longo dos séculos pode
ter contribuído para a baixa participação feminina nessa área, esse trabalho tem o
intento de apresentar um breve panorama da história da educação escolar,
enfatizando, principalmente, elementos da instrução matemática no Brasil, sob a
perspectiva de gênero. Entende-se que essa construção é necessária a fim de
contextualizar a tradição cultural que se estabeleceu sobre a presença de mulheres
em áreas de Matemática e que, ainda nos dias atuais, pode ter influência na
motivação e desempenho das meninas em Matemática.
Dessa forma, foi realizado um estudo bibliográfico em livros, artigos,
dissertações e teses sobre o histórico da instrução feminina e masculina, a História
da Educação e, também, sobre diversos momentos sócio-históricos brasileiros. A
apresentação de tais informações é necessária ao adotar a perspectiva dos estudos
que realizam abordagens de gênero, pois entende-se que
[...] as diferenças nos níveis educacionais não decorrem de características
biológicas, mas sim das condições históricas e estruturais da conformação
de cada sociedade. Em quase todos os países do mundo as mulheres
sempre tiveram maiores barreiras no acesso à escola. (BELTRÃO; ALVES,
2009, p. 126).
Com base nesses materiais, nas duas seções seguintes são apresentados
um breve panorama da educação ao longo dos regimes políticos nacionais e são
destacadas diferenciações praticadas na instrução matemática ofertada a meninos
e meninas, respectivamente.
197
É importante situar que a educação feminina no Brasil foi marcada pelo
confronto com o papel socialmente delimitado às mulheres, geralmente restrito ao
espaço privado. Apesar da instrução recebida por elas, desde o período Colonial,
estar estritamente relacionada às suas classes sociais, a educação que mulheres
brancas, ricas ou pobres, negras escravas e indígenas recebiam, em geral, não as
preparava para a escrita e leitura (MONTEIRO; GATI, 2012) mas sim aos cuidados
familiares e domésticos, para as de classes mais abastadas, e ao trabalho na
agricultura e mineração para aquelas de classe menos abastadas. Contudo,
conforme apontado por Saffioti (1979), a extensão da instrução escolar a
contingentes femininos contribuiu significativamente no processo de redefinição do
papel social das mulheres.
198
(BELTRÃO; ALVES, 2009). Para esses autores, a educação no Período Imperial
passou a ser vista como forma de ascensão social. Segundo Saffioti (1979), nesse
novo contexto, surgiu a intenção de promover instrução feminina na Constituição
de 1823, que apesar de ter sido elaborada idealizando funções maternas e
domésticas, reconhecia que era necessário instruir a mulher.
Posteriormente, com a Lei Geral do Ensino de 1827, foram esboçadas
primeiras ideias de inserção feminina na docência e da expansão de escolas
femininas de primeiras letras em cidades, vilas e lugares mais afastados em que
existissem maiores demandas populacionais (MONTEIRO, GATI, 2012). Segundo
essas mesmas autoras, sendo as mestras responsáveis pela educação feminina
estas deveriam se mostrar honestas e prudentes, além de ter conhecimentos de
costura e bordado que as tornariam dignas para exercer essa função.
Contudo, apesar dessa lei “[...] constituir um marco histórico, só admitia as
meninas nas escolas de primeiro grau, ou seja, nas pedagogias, reservando os
níveis mais altos – liceus, ginásios e academias – para a população masculina.”
(SAFFIOTI, 1979, p. 105). Além disso, conforme apresentado por Rodrigues (1962,
p. 67), nota-se que nas discussões e debates realizados em torno dessa lei, a
instrução feminina era defendida por deputados que acreditavam que as mulheres
“[...] dão a primeira educação aos filhos e que fazem bons e maus, pois os homens
moldam a sua conduta aos sentimentos delas”. Monteiro e Gati (2012) ressaltam o
currículo diferenciado de meninos e meninas no 12º artigo de tal constituição visto
que, para elas, a instrução oferecida excluía o ensino de geometria e a aritmética
limitava-se às quatro operações.
Entende-se, então, que a instrução feminina tinha como objetivo educar
visando o papel social ocupado pela mulher na sociedade da época, mantendo-a
boa mãe e esposa. Dotta (2015) afirma que matérias consideradas de natureza
mais racional, não faziam parte da instrução feminina devido ao entendimento de
que homens e mulheres apresentavam capacidades cognitivas diferentes, sendo a
feminina inferior à masculina. Tal condição também refletia na remuneração dos
mestres e mestras, visto que a geometria era o critério para estabelecer as
199
remunerações e, apesar da igualdade de salários garantida pela lei, as mulheres
recebiam menos por não ensinarem esse conteúdo às meninas (SAFFIOTI, 1979).
Em 1834, com a Reforma Constitucional foram criadas Assembleias
Legislativas Provinciais que foram incumbidas de legislar e criar estabelecimentos
próprios para a instrução pública, que resultou na fundação das Escolas Normais
(MONTEIRO, GATI, 2012). Essas escolas surgiram como um ramo de ensino
superior ao primário, cuja regulamentação poderia variar de acordo com a
Província, mas com características distintas dos liceus ou colégios de nível
secundário (SAFFIOTI, 1979, p. 110). Em 1846, foi criada em São Paulo a primeira
Escola Normal, que inicialmente era exclusiva do público masculino. Esse curso,
que tinha dois anos de duração, oferecia disciplinas como: lógica, gramática geral
e da língua nacional, teoria e prática da aritmética, noções gerais de geometria
prática e suas aplicações, caligrafia, princípios de doutrina e religião do Estado,
métodos e processos de ensino (RODRIGUES, 1962).
De 1850 a 1860, segundo Monteiro e Gati (2012), a consolidação da
formação de professores foi instável, oscilando entre um discurso de valorização
da profissão e uma prática que subtraía meios para não realizá-la. Nesse período
também foram malsucedidas as tentativas de criar “cursos femininos” por escolas
elementares da Bahia e de São Paulo. Essa realidade começou a mudar entre 1868
e 1870, quando ocorreram transformações que movimentaram ideias no setor
educacional e, pela primeira vez, fora reconhecida a crença de que “um país é o
que a sua educação o faz ser”. Nesse contexto, a perspectiva de difusão da
instrução trouxe consigo a necessidade de educar a mulher (MONTEIRO, GATI,
2012).
Segundo Antônio (2014, p. 36), “[...] a partir da década de 1870, algumas
escolas normais passaram a oferecer o curso normal em duas seções: uma para o
sexo masculino e outra para o sexo feminino”. Em 1876, “[...] a abertura da sessão
feminina da Escola Normal no Seminário da Glória representou a primeira via de
instrução escolarizada institucional de nível médio aberta às mulheres no âmbito
do ensino público” (ALMEIDA, 1998, p. 23). Em 1885, foram apresentadas
200
propostas de reformas das Escolas Normais, que além de prezar por melhores
condições físicas de suas instalações,
Propunha, outrossim, a separação de ensino para alunos de um e outro
sexo, fundamentando que a escola mista “não está de acordo com os
nossos costumes e tem acarretado dificuldades para a boa ordem e
disciplina escola”. Demais, era inconveniente que as aulas fossem
conjuntas, mesmo sob o aspecto didático, pois “não podem ser idênticas
para alunos de um e de outro em razão da diversidade de desenvolvimento
intelectual, superior no homem” (RODRIGUES, 1962, p. 161).
201
As Escolas Normais consistiam como uma das poucas oportunidades de
instrução feminina de grau mais elevado no Império, além de dar direito às mulheres
a um trabalho assalariado. Beltrão e Alves (2009) afirmam que o decreto imperial
permitindo matrículas de mulheres em cursos superiores data de 1881. No entanto,
as condições e a qualidade do ensino oferecido nas etapas anteriores de instrução,
tanto às mulheres quanto aos homens, não os habilitavam para as faculdades.
Monteiro e Gati (2012) afirmam que o ensino secundário das Escolas Normais,
instituídas em 1880, por exemplo, supervalorizavam condições morais em
detrimento de condições de competências e formação intelectual. Não obstante,
não era comum que houvesse estímulo social e familiar para que mulheres
prosseguissem nos estudos (SAFFIOTI, 1979).
Anos antes da Proclamação da República no Brasil, surgiram ideias
inspiradas pelo liberalismo e cientificismo estrangeiros e começaram a ser
percebidas as necessidades da instrução feminina a medida em que essas
correntes de pensamento pretendiam promover reformas sociais e políticas.
Enquanto a Igreja Católica representava o pensamento conservador e defendia o
baixo nível de educação feminina como forma de manter a família preservada moral
e socialmente, o cientificismo não atribuía a inferioridade mental das mulheres à
sua natureza anatômica ou fisiológica, mas sim às formas pelas quais a sociedade
condenara o desuso dos seus cérebros (SAFFIOTI, 1979). Para essa corrente de
pensamento
[...] se a desigualdade de capacidades intelectuais entre os sexos se devia
a fatores de caráter histórico, a mulher não estava condenada a persistir na
ignorância e, portanto, na inferioridade mental e social. A solução
encontrava-se na educação feminina, capaz de permitir uma recuperação
do atraso a que esteve sujeita a evolução do cérebro da mulher. (SAFFIOTI,
1979, p. 112)
202
Nesse mesmo ano, o decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879, no 12º
parágrafo do 9º artigo garantia que:
Aos individuos approvados nas disciplinas do § 1º ou nas dos §§ 1º e 2º
serão conferidos diplomas de habilitação que, em igualdade de
circumstancias, lhes darão preferencia, quanto áquelles, para os logares do
professorado primario, e quanto a estes, para os do magisterio primario e
secundario. (BRASIL, 1879, s/p).
203
Com o crescente ingresso de mulheres nas universidades, a partir dos anos
1970 passa a ser identificada uma reversão do hiato de gênero no ensino superior
brasileiro, conforme apontado por Beltrão e Alves (2009). Desde então, as mulheres
passaram a representar a maioria de matrículas em todos os níveis educacionais
do país.
Diante dessa breve apresentação de fatos históricos acerca da educação
no Brasil, nota-se que, durante muito tempo, a instrução feminina foi impossibilitada
por fatores de ordem religiosa, social, moral e institucional. Tais fatores também
influenciaram o ensino de elementos de instrução matemática diferenciados a
meninos e meninas, como apresentado na seção, a seguir.
204
pudessem contribuir com informações a respeito das características do ensino de
matemática de meninos e meninas ao longo da história do Brasil. Além de teses e
dissertações de História da Educação em geral, artigos científicos também foram
consultados. Contudo, deve ser ressaltado que não é a intenção deste trabalho
realizar uma revisão sistemática, nem esgotar todas as fontes de informações a
respeito dessa questão.
Conforme apresentado na seção anterior, ao estudar sobre a História da
Educação é importante ressaltar que a instrução no Brasil, durante muito tempo,
atuou para a manutenção do status quo, ou seja, tinha como objetivo instruir os
homens para carreiras públicas, enquanto às mulheres era oferecido instrução das
primeiras letras e cuidados domésticos e familiares, com o intuito de que estas
permanecessem na esfera privada. Dessa forma, deve-se reconhecer que a
importância socialmente atribuída à instrução feminina era inferior à masculina.
A Matemática pode ser considerada uma das grandes diferenças dos
currículos escolares de meninos e meninas, já que elementos diferenciados dessa
disciplina eram ensinados a um e outro gênero. Tal condição fica evidente na
educação jesuítica na Colônia, na instrução oferecida no Período Imperial, até a
primeira metade do século XX, já no regime Republicano.
Na Lei Geral de Ensino de 1827, um dos marcos históricos para a educação
feminina, fica expresso que deveriam existir escolas femininas nas cidades e vilas
mais populosas, desde que os presidentes da Província julgassem que estas
fossem necessárias.
No que diz respeito ao programa de ensino, de acordo com Rodrigues
(1964), pela Lei de 1827, os conhecimentos relativos à Matemática que as mulheres
deveriam saber se resumiam apenas às quatro operações elementares. Noções de
geometria, que eram oferecidas em cursos voltados aos meninos, não eram
ensinadas as meninas. As justificativas para tal situação eram variadas. Enquanto
para alguns estes conhecimentos não eram vistos como necessários às mulheres,
para outros, a natureza feminina - considerada inferior à masculina - era
intelectualmente incapaz de aprender conteúdos mais racionais, tais como a
Geometria. Tal visão foi difundida por muito tempo na sociedade e,
205
consequentemente, na educação brasileira. Ao invés desses conteúdos, os
conteúdos programáticos das meninas incluíam prendas que serviam à economia
doméstica (RODRIGUES, 1964).
De acordo com Hilzendeger (2009), de 1810 a 1874, a instrução superior
matemática era desenvolvida exclusivamente em instituições militares, nas quais
as mulheres não tinham acesso permitido. Dessa forma, nos períodos em que a
instrução escolar feminina só poderia ser ministrada por professoras, subentende-
se que estas, muitas vezes, tinham formação matemática precária por não terem
acesso a uma formação matemática superior e este pode ter sido um fator que
tenha contribuído para regulamentar a prática de um ensino da matemática inferior
às meninas.
Embora a regulamentação vigente prezasse por um ensino de Matemática
excludente em relação às meninas, Amaral, Santana e Sant’Ana (2015), identificam
em avaliações datadas de 1939 do 4º ano do ensino primário feminino da Bahia
conteúdos como Aritmética e Desenho Geométrico, que deveriam ser exclusivos
do ensino dos meninos. Segundo os autores
Nas provas de Aritmética, há enunciados de adição com frações, o cálculo
de Múltiplo Divisor Comum, problemas com juros simples e juros
compostos, atividade de proporção/análise combinatória, utilizando o
sistema métrico, divisões com 2 algarismos, conversão de sistema métrico
e monetário (AMARAL, SANTANA, SANT’ANA, 2015, p. 123).
96Pais (2010) ressalta o fato que edições dessa obra de Souza Lobo publicadas a partir do século
XX foram intituladas apenas “Segunda Aritmética”, mantendo os mesmos conteúdos.
206
Lobo, muito utilizado no ensino público e privado no século XIX no estado do Rio
Grande do Sul.
Ao investigar como esse livro didático, no seu contexto sócio-histórico,
contribuiu para a constituição de masculinidades por meio de uma perspectiva de
estudos de gênero, é identificado um cenário de invisibilidade feminina. Dentre 66
exercícios propostos como “Problemas de Recapitulação Geral”, Hilzendeger
(2009, p. 86) afirma que apenas dois deles envolvem personagens femininos,
sendo que o “´[...] primeiro apresenta a mulher como dona-de-casa, tendo como
tarefa a costura; o outro, um trabalho de agulha.” A autora argumenta que a
proposta de José Theodoro de Souza Lobo, de abordar problemas relacionados às
mulheres em atividades domésticas, deve estar condicionada à educação
diferenciada atribuída pelas legislações vigentes. Para Pais (2010, p. 135), essa
obra revela características da realidade educacional brasileira do século XIX,
[...] referente à divisão de escolas primárias para meninos e para meninas.
Mas, não era apenas uma simples divisão em dois tipos de escola. A
diferença maior estava nos programas de ensino de Matemática prescritos
para cada caso. Desde a lei das Escolas de Primeiras Letras, de 15 de
outubro de 1827, as meninas não estudavam geometria e a parte da
aritmética era bem reduzida em relação aos conteúdos previstos para os
meninos. Enquanto o plano de estudo previsto para os meninos envolvia o
estudo das operações com números naturais, frações, números decimais,
proporção, aplicações e noções elementares de geometria; o plano de
estudo previsto para as meninas somente envolvia as quatro operações
fundamentais.
207
Com relação aos enunciados, as mulheres aparecem em
profissões/funções de cuidado, tais como, professora, enfermeira e dentista. Já os
homens, são representados em profissões como comerciantes e pintores,
reforçando a “função” de provedor da família. Dessa forma, a autora considera que,
até aquele momento, os “[...] livros analisados não incorporaram as transformações
nas relações sociais ocorridas nas últimas décadas” (CASAGRANDE, 2005, p.
179).
Até os dias atuais, ainda podem ser notadas diferenças, embora mais sutis,
em relação ao interesse e envolvimento das meninas com a Matemática. Dados
numéricos a respeito da proporção de mulheres que seguem carreiras relacionadas
às áreas de Matemática intensiva são um exemplo dessa condição. Dessa forma,
entende-se que o peso da tradição da educação feminina que se estabeleceu no
Brasil pode ser um viés para explicação do baixo interesse feminino por tais áreas,
de forma que ainda precisam ser realizadas pesquisas mais aprofundadas que
relacionem essas temáticas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
208
Matemática, a presença de crenças e estereótipos com relação ao desempenho de
meninos e meninas e, por vezes, reforçam a apresentação de papeis considerados
femininos e masculinos como sendo naturais.
Diante desse cenário, entende-se que apesar das várias mudanças pelas
quais a educação e as práticas educacionais passaram ao longo dos anos, a
tradição de desigualdade estabelecida no passado ainda pode ter reflexos na
problemática feminina com respeito à Matemática. Nesse sentido, torna-se
relevante a realização de pesquisas que investiguem de forma mais aprofundada
as relações e influências dessas desigualdades históricas no atual interesse das
meninas pela Matemática.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
209
CASAGRANDE, L. S. Quem mora no livro didático? Representações de gênero
nos livros de Matemática na virada do milênio. 2005, 190f. Dissertação (Mestrado
em Tecnologia), Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Centro Federal e
Educação Tecnológica do Paraná, Curitiba, 2005.
NAHES, S. A Era Vargas: da revolução de 1930 à ditadura. In: Revista Fon Fon:
a Imagem da mulher no Estado Novo (1937/1945). São Paulo: Arte & Ciência,
2007.
210
RABELO, J. O.; COSTA, M. O.; MARTINS, B. T. S. A Educação feminina no Brasil
em meados do século XIX e início do século XX. V.8, n.1, 2015. In: VIII Encontro
Internacional de Formação de Professores. Anais eletrônicos... Disponível em:
https://eventos.set.edu.br/index.php/enfope/article/view/1195. Acesso em 20 de
abr. de 2020
SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação &
Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995.
211
Há participação de mulheres nas licenciaturas em exatas na Universidade
Federal de Rondônia?
Resumo
A busca por respostas sobre a contribuição das mulheres na ciência ao longo dos
tempos vem se tornando tema de pesquisas na atualidade e a necessidade de
compreender a atuação e a presença das mulheres atualmente nos cursos de licenciatura
de Universidades Públicas fizeram com que este trabalho fosse desenvolvido na
Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Inicialmente as mulheres eram vistas como
mães, por isso ocupavam o cargo de professoras, para assim educar as crianças assim a
sociedade criou profissões e carreiras que as mulheres são influenciadas a seguir. Visto
que existem diversos fatores que influenciam diretamente na hora de uma mulher decidir
qual curso irá fazer, entretanto vale ressaltar também que há inúmeras dificuldades
enfrentadas pelas mesmas ao iniciar uma graduação e em específico as licenciaturas em
exatas, tais como química, física e matemática não estão entre os preferidos das mulheres,
segundo a pesquisa do MEC, não estão entre os 20 mais procurados pelas mesmas.
Através de pesquisa documental e bibliográfica, os dados obtidos via e-sic foram tratados
e analisados, buscando identificar como as mulheres se fazem presentes nos cursos de
licenciatura em Ciências Exatas da UNIR. Ao analisarmos o número de mulheres nos
cursos observamos que não há uma equidade de gênero nas licenciaturas da Universidade
Federal de Rondônia.
1. Contexto Social
Há alguns anos o papel da mulher na sociedade era visto como dona de
casa, que cuida dos filhos e do marido, conforme a modernização da sociedade, os
avanços tecnológicos, culturais e econômicos esse cenário da mulher vem
mudando constantemente, as mesmas vem lutando diariamente por seus direitos
e, ganhando seu espaço nas universidades e no mercado de trabalho.
A partir do século XIX algumas mulheres predominantemente brancas e da
alta sociedade começaram a ter acesso ao estudo, posteriormente as mulheres de
outras classes e etnias tiveram esse acesso. Durante muito tempo pensava-se que
seria apenas uma perda de tempo uma mulher estudar, pois a sua função na
sociedade era ser uma boa mãe.
212
Segundo Nogueira e Saavedra, os papéis sociais e estereótipos de gênero
influenciam sobremaneira as ações, o pensamento e as crenças do indivíduo, uma
vez que ele se encontra imerso em uma teia de relações socioculturais, nas quais
se movimenta visando atender, justamente, às expectativas depositadas sobre ele
e desempenhar a função que lhe foi atribuída.
1.1. O início no ensino superior
O início das mulheres nas universidades foi marcado por muitas lutas de
inclusão social, quando o que prevalecia era a velha cultura da maternidade quando
se falava em mulheres, com isso Guacira Louro (1997b) analisa a história da
transformação do magistério em uma profissão feminina. Os discursos do século
XIX que legitimaram a entrada das mulheres nas escolas estavam intimamente
ligados à função da maternidade, ou seja,
213
A educação feminina no período Imperial ocorreu diante de uma situação
muito difícil, pois, houve poucos avanços, segundo Aranha (2006, p. 229), em
“algumas famílias mais abastadas, às vezes elas recebiam noções de leitura, mas
se dedicavam sobretudo às prendas domésticas, à aprendizagem de boas
maneiras e à formação moral e religiosa”. O objetivo principal ainda era prepará-las
para o casamento, pois as mulheres que conseguiam estudar aprendiam
principalmente coisas básicas para cuidar de uma família.
No final do século XVIII, as moças começaram a se especializar na carreira
do magistério, uma das possíveis profissões destinada à mulher e aceita pela
sociedade.
Os Estados Unidos foi o primeiro país a criar uma universidade exclusiva
para mulheres por volta de 1840, no Brasil o acesso ao ensino superior foi mais
tardio no fim do século XIX, Aranha (2006, p. 230) indicou que “a primeira mulher a
se matricular na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro foi Dona Ambrozina de
Magalhães, em 1881”. Já para Bezerra (2010, p. 4), a “primeira mulher a ingressar
na universidade no Brasil, foi no estado da Bahia no ano de 1887, formando-se pela
faculdade de medicina”. Para Beltrão e Alves (2009), foi somente em 1887 que Rita
Lobato Velho Lopes tornou-se a primeira mulher a obter o título de médica no Brasil,
ela foi autorizada pelo decreto nº 7247, de 19 de abril (1879) rubricado por D. Pedro
II, superando a discriminação da época.
Apesar da divergência nas informações, todas confirmam que o acesso da
mulher ao ensino superior só ocorreu nos anos de 1880 no Brasil e era necessário
autorização dos pais e governo.
214
tempo da estudante, que possivelmente tem uma família para cuidar e não poderia
se dedicar tanto.
As licenciaturas são em sua maioria os cursos escolhidos pelas mulheres,
porém, em áreas de educação infantil, ou cursos voltados a ciências humanas.
Segundo pesquisas do MEC de 2017, o curso que teve maior presença feminina foi
pedagogia, contando com 660.917 matrículas em todo o país naquele ano. Os
cursos de química, física e matemática não estão entre os preferidos das mulheres,
segundo a pesquisa do MEC, esses cursos não estão entre os 20 mais procurados
pelas mesmas.
De acordo com Cramer, Neto e Silva (2002 pg. 26) [...] Na educação, a
participação da mulher é muito acentuada no ensino fundamental, no qual ocorre
uma identificação com o processo de aprendizagem e o afeto, ou seja, há uma
correlação entre o “ensinar“ e o “ofício de ser mãe”.
Segundo o Censo da Educação Superior de 2016, as mulheres, que são a
maior parte da população brasileira, representam 57,2% dos estudantes
matriculados em cursos de graduação no país. Ainda assim, este aumento não
acompanhou a proporção entre homens e mulheres nos cursos de ciências exatas.
Elza Furtado Gomide foi a primeira mulher a concluir um doutorado em
Matemática em uma instituição brasileira, a paulista se formou em Física em 1944,
na USP, e defendeu a tese de doutorado em Matemática no ano de 1952, também
na USP e em 1968, passou a chefiar o Departamento de Matemática da
universidade.
Visto que no Brasil a inserção das mulheres nas áreas das exatas ainda vem
sendo uma luta diária, o objetivo do trabalho é levantar dados da presença das
mulheres nas licenciaturas de exatas na Universidade Federal de Rondônia,
mensurando-os desde o início do curso, acompanhando o número de ingressantes
e concluintes.
3. Metodologia
215
exploratória documental e bibliográfica. Buscaremos analisar a participação das
mulheres nesses cursos.
216
que será seguido, ou qual o procedimento que será utilizado. Independente do
caminho a ser seguido, será necessário arguir os documentos encontrados, além
de os interpretar à luz dos conhecimentos sociais em questão.
4. Resultados e discussões
4.1. Mulheres nas Licenciaturas da UNIR
A Universidade Federal de Rondônia foi criada em 1982 pela Lei nº 7011, de
08 de julho, após a criação do estado pela Lei Complementar nº 47, de 22 de
dezembro de 1981, os cursos de licenciatura em exatas estão concentrados nos
campi de Porto Velho e Ji Paraná.
4.2. Licenciaturas em Porto Velho
O curso de Licenciatura em Matemática de Porto Velho foi criado em 1983,
considerando a necessidade da maioria dos professores de Matemática que
atuavam nas Escolas do Estado não ter Formação Superior. Em 1987 foi criado o
Curso de Ciência com Habilitação em Matemática pela portaria 322 de 11.05.1987,
que atendia as disciplinas: Matemática, Biologia, Física, Química, além de Noções
Básicas de Geologia. O primeiro vestibular foi realizado para 40 vagas e o curso
funcionava no prédio da UNIR/Centro.
Em 1988, o curso foi transferido para o Campus José Ribeiro Filho e em
1996, após reuniões com o colegiado, o curso foi reestruturado devido à
insatisfação da comunidade acadêmica, em seguida foi encaminhada aos
conselhos superiores da UNIR, uma proposta curricular para a mudança do Curso
de Ciência com Habilitação em Matemática para Licenciatura Plena em
Matemática.
Os dados obtidos via e-sic foram de 2010 a 2020, conforme tabela abaixo:
217
Ano Homens Mulheres Total
2007 31 9 40
2008 22 19 41
2009 27 17 44
2010 31 17 48
2011 22 18 40
2012 32 15 47
2013 27 17 44
2014 27 20 47
2015 30 19 49
2016 31 19 50
2017 23 22 45
2018 25 15 40
2019 35 9 44
2020 29 20 49
Total 392 236 628
Fonte: Elaborado pela autora, 2021.
218
O curso de Física no campus de Porto Velho é o segundo curso de Física
implementado no Estado, ele foi criado em 2007 e os dados disponibilizados foram
do início do curso até 2020.
219
2017 3 5 8
2018 0 3 3
2019 1 1 2
2020 0 0 0
Total 16 24 40
Fonte: Elaborado pela autora, 2021.
220
Tabela 6 - Concluintes Química
Ano Homens Mulheres Total
2005 0 0 0
2006 12 17 29
2007 5 2 7
2008 1 9 10
2009 7 9 18
2010 4 14 18
2011 4 6 10
2012 2 10 12
2013 6 9 15
2014 5 17 22
2015 0 1 1
2016 2 4 6
2017 6 6 12
2018 4 13 17
2019 1 2 3
2020 0 0 0
Total 59 119 180
Fonte: Elaborado pela autora, 2021.
221
2003.2 11 1 12
2004.1 - - -
2004.2 29 9 38
2005.1 - - -
2005.2 36 26 62
2006.2 37 8 45
2007.2 46 19 65
2008.1 1 1 2
2008.2 23 16 39
2009.2 26 27 53
2010.2 0 2 2
2011.1 16 25 41
2011.2 2 1 3
2012.1 23 26 49
2014.1 38 24 62
2015.1 29 19 48
2016.1 27 30 57
2017.1 28 23 51
2018.1 24 19 43
2019.1 25 15 40
2020.1 14 11 25
Total 470 316 786
Fonte: Elaborado pela autora, 2021.
222
2016.1 1 4 5
2016.2 2 0 2
2017.1 0 1 1
2017.2 2 1 3
2018.1 4 2 6
2019.1 2 4 6
Total 27 30 57
Fonte: Elaborado pela autora, 2021.
223
2015.1 2 4 6
2015.2 15 20 35
2016.1 2 1 3
2016.2 14 14 28
2017.1 0 1 1
2017.2 14 17 31
2018.1 25 25 50
2019.1 10 11 21
2020.1 18 23 41
Total 335 331 666
Fonte: Elaborado pela autora, 2021.
224
2013.1 1 1 2
2013.2 1 5 6
2014.1 0 1 1
2015.1 0 1 1
2015.2 1 3 4
2016.1 4 4 8
2016.2 5 5 10
2017.1 0 0 0
2017.2 2 4 6
2018.1 5 4 9
2018.2 0 0 0
2019.1 4 5 9
2019.2 3 2 5
Total 36 42 78
Fonte: Elaborado pela autora, 2021.
Consideração final
A presença das mulheres no desenvolvimento da ciência ao longo da história
vem sendo discutida atualmente e o número de pesquisas sobre o tema vem
aumentando pois pouco se sabe sobre suas contribuições. Este trabalho busca
compreender a atuação e a participação das mulheres nos cursos de licenciatura
em Ciências Exatas da universidade pública no estado de Rondônia em um de seus
campi.
A partir dos dados apresentados na pesquisa conclui-se que no campus de
Porto Velho a matrícula de homens nos cursos de licenciatura é maior que a de
mulheres nos dois cursos de licenciatura, onde temos um total de 1185 homens e
827 mulheres ao longo do período pesquisado.
No campus de Ji- Paraná, houve uma mudança a partir do ano de 2008 onde
o número de mulheres passou a ser maior que o de homens matriculados, tal
mudança pode estar ligada a implementação de políticas públicas como o Reuni,
no entanto ainda assim o número de homens matriculados ao longo do período
analisado é maior, com total de 805 homens e 647 mulheres.
225
No entanto, percebe-se que mulheres ocupam grande parte da relação de
concluintes, onde o total de concluintes do campus de Porto Velho são 195
mulheres e 133 homens e do campus de Ji- Paraná, 69 homens e 78 mulheres, no
período pesquisado.
Uma das dificuldades encontradas para a realização deste trabalho foi a
ausência de dados antes de 2002, os dados não foram fornecidos via e-sic e
ausência de dados e pesquisas relacionadas ao estado de Rondônia, as mulheres
no estado de Rondônia e a busca por referencial bibliográfico sobre as mulheres
nas exatas.
O objetivo inicial do trabalho, de analisar a participação das mulheres ao
longo do curso, foi finalizado e a pesquisa está em andamento e a próxima etapa é
entrevistar egressas e professoras do curso de licenciatura em Ciências Exatas.
Bibliografia
AZEVEDO, Fernando (org.). 1994 (2ª Ed.). As ciências no Brasil, Rio de Janeiro, Editora UFRJ.
CAMENIETZKI, Carlos Ziller. 1995. O Cometa. O Pregador e o Cientista Antonio Vieira e Valentin
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D’AMBROSIO, Ubiratan. 2000. History of Mathematics in the Americas. (to be published)
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Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2018.
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FONSECA, J. J. S. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002.
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magistério no Século XIX. Estudos Feministas, Florianópolis, 19(2): 467-474, maio agosto/2011.
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acesso em: 26 de Abril de 2020.
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<http://www.multirio.rj.gov.br/index.php/leia/reportagens-artigos/reportagens/15510-a-
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226
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<https://pronatec.pro.br/mec-divulga-os-20-cursos-superiores-mais-buscados-pelas-
mulheres/#Confira_os_outros_10_Cursos_Superiores_Favoritos_das_Mulheres> Acesso em: 29
de Abril de 2020.
Departamento de matemática. Disponível em: <http://www.dmat.unir.br/pagina/exibir/2128>
Acesso em: 04 de Janeiro de 2021.
227
O APRENDIZADO DA MATEmÀTICA E OS ELEMENTOS Lúdico e sensorial
ALEM DOS LIMITES DA SALA DE AULA
RESUMO
O presente artigo apresenta um panorama sobre o ensino da matemática de forma
maçante e demasiadamente concentrado em sala de aula. Os alunos para tomarem gosto
do aprendizado e perceber a sua aplicabilidade, especialmente no dia a dia, necessita
vivenciar as experiências na realidade, especialmente em atividades extra aula ou o
docente levar os estudantes até uma loja de materiais de construção, supermercado para
experimentar novas experiências. É necessário ter experiências extra classe para um
melhor aprendizado da matemática e a sua aplicabilidade no cotidiano? O estudo
apresenta a importância da matemática no cotidiano, o olhar dos objetos comuns como
tríades. Para isso, a partir de uma pesquisa qualitativa, de cunho bibliográfico, os caminhos
da leitura e do estudo literário foram traçados com bases nos ensinamentos de Charles
Sanders Pierce, um dos principais pensadores da Semiótica Americana, ao mencionar a
experiência de olhar para a estrada e o ensinamento de Lewis Carrol, com toda a sua
inteligência ao associar a história de Alice no País das Maravilhas com ensinamentos sutis
acerca da geometria espacial e os detalhes precisos acerca dos números e de suas
características através de uma trama prazerosa e envolvente como “Alice no País das
Maravilhas”. O objetivo do presente estudo é apresentar a importância da educação das
ciências exatas, especialmente fora dos limites da sala de aula ao proporcionar experiência
e, as considerações desta pesquisa é mostrar a aplicabilidade da matemática para os
alunos e a importância dos cálculos no dia a dia.
INTRODUÇÃO
228
participar e perceber como os exercícios praticados em sala de aula possuem uma
aplicabilidade para o dia a dia.
A presente pesquisa apresenta a importância da matemática no cotidiano.
Para aqueles que desejam ir para as humanas a fim de escapar da matemática, ela
nunca sairá do caminho e sempre estará sempre em algum lugar, seja no cálculo
das notas, na aplicabilidade de alguma regra legal e assim por diante.
Importante mencionar sobre a metodologia aplicada para a pesquisa. Em
primeiro plano, as seções expostas neste libelo foram frutos de uma revisão
bibliográfica com base nas pesquisas de Charles Sanders Pierce (1839-1914), um
dos pensadores da Semiótica Americana, e o qual possui uma forte ligação com a
matemática.
Outro autor a ser mencionado é Gilles Deleuze (1925-1995), ao tratar sobre
a lógica dos sentidos e nesta obra do mencionado autor, este faz uma menção
importantíssima ao estado de Puro Devir e o presente estudo trata sobre este
estado durante o aprendizado da matemática pelo estudante.
Por último, é importante mencionar sobre Lewis Carrol e a sua obra “Alice
no país das Maravilhas” uma experiência lúdico-sensorial, ao contar uma história,
ao envolver princípios e símbolos matemáticos e como estes exercem intensa
influência sobre o aprendizado dos estudantes de uma forma leve e prazerosa.
O objetivo é demonstrar a importância da experiência extra-aula. Não cabe
o ensino da matemática enclausurado em uma sala de aula, é preciso vivenciar
novas experiências e ir além dos limites da escola para dar mais sentido ao
aprendizado e estimular a percepção sensorial.
1. MATEMÁTICA NO COTIDIANO
229
não de semestre ou para uma nova etapa em um curso é preciso ater-se a arte da
contabilização.
Há uma crise ao tratar sobre matemática, um trauma. Diante da sua
exatidão e de toda a sua justeza, a ciência dos números e cálculos algébricos
possui seu caráter humanístico e lúdico semiológico.
Ao fazer uma revisão de literatura acerca da educação matemática, é
importante citar o trabalho de Lewis Carrol, especialmente na aplicabilidade deste
com a história de “Alice no país das maravilhas”, em que a garota, ao querer ser
duas pessoas, em um estado de puro devir, conforme exemplificado por Deleuze
(1974, p.2) faz referência quando a personagem encontra-se na expectativa da
aquisição da chave.
É essa bidirecionalidade de Alice, mencionada por Carrol e Deleuze,
apresentada por jogos de sentidos e não sensos que caracteriza as figuras. Estas
apresentam-se não apenas pela trama da história, mas pelas tópicas e lógicas.
Ao concentrar-se pelas tópicas e lógicas. Há ligações entre pontos e
extremidades e há uma operacionalidade algébrica na construção textual de Carrol,
especialmente no momento que este descreve sobre uma caixa de vidro e o seu
olhar concentra-se neste recipiente, de uma forma a exemplificar a geometria
espacial para os alunos com dificuldade de compreendê-la.
Um exemplo de Carrol (2002, p.25) é sobre a “corrida de comitê” e diante
da curiosidade e da ausência de uma explicação teórica plausível, foi preciso
utilizar-se da prática. Este delimitou as pistas
230
A exemplificação encontrada na trama de Carrol (2002) é um exemplo
ausente nas aulas de matemática. Há muita teoria, muita relação em sala de aula
e falta a vivência do dia a dia na realidade diária e especialmente tarefas extra
classe, onde o grupo de estudantes pode vivenciar a experiência diária para um
melhor aprendizado da álgebra.
A seção a seguir trata sobre as tríades. Como o dia a dia pode ser
importante para o aprendizado da matemática, especialmente na aplicabilidade de
seus conceitos, especialmente na construção civil, onde há erros crassos,
especialmente na aquisição de materiais.
231
alunos de formações básicas e um dos componentes de maior exigibilidade em
certames para as importantes universidades brasileiras.
Na observação das tríades e especialmente a sua aplicabilidade no
conceito da trigonometria e a geometria espacial, o aluno, especialmente de nível
fundamental e médio possui muitas dificuldades ao interpretar problemas. Daí, o
movimento bidirecional de insegurança e esta muitas vezes incompreendida pelo
professor em sala de aula, por causa do excesso de alunos.
Também é importante mencionar sobre a dificuldade dos professores em
aliar à teoria a prática, especialmente do uso do dia a dia da geometria espacial,
especialmente no cálculo de volumes. Inúmeros materiais de construção poderiam
ser preservados e reutilizados se os construtores tivessem a mínima noção em
aplicar os cálculos aprendidos na formação básica.
No trecho a seguir, será tratado acerca dos acontecimentos e os devires
em sala de aula, as insatisfações e as dúvidas, que por muitas vezes não são
sanadas pelo professor – seja pela falta de observação ou a dificuldade em ter uma
comunicação eficiente e direta com o aluno.
232
coincide o futuro e o passado, esta descrita com lucidez por Platão, é reconhecida
essa dualidade que está oculta nos corpos sensíveis e materiais.
Conforme a descrição de Deleuze (1974, p. 3):
233
Para a personagem principal:
Alice pensou que ela nunca em sua vida vira um campo de críquete
tão curioso: ele era todo cheio de saliências e sulcos, as bolas de
críquete eram ouriços vivos e os tacos eram flamingos também
vivos. Os soldados curvaram-se e colocavam as mãos no chão para
fazer os arcos do jogo. (CARROL, 2002, p. 88)
234
percepção e a troca de personagens, especialmente no trabalho de sonoridades
para aguçar a capacidade sensorial da criança em perceber os movimentos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
235
um terreno para uma situação de atendimento judicial. Fatores externos da vida do
professor, especialmente os particulares se sobrepõe ao trabalho e por muitas
vezes não há uma entrega e uma comunicabilidade adequada na sala de aula.
Há muita teoria, muita relação em sala de aula e falta a vivência do dia a
dia na realidade diária e especialmente tarefas extraclasse, onde o grupo de
estudantes pode vivenciar a experiência diária para um melhor aprendizado da
álgebra.
Os professores e as dificuldades em aliar à teoria a prática, especialmente
do uso do dia a dia da geometria espacial, especialmente no cálculo de volumes.
Materiais, originários da construção civil ou ingredientes e alimentos poderiam ser
preservados, reutilizados e poupados se a população em si, tivesse o hábito de
fazer contas, calcular e fossem incentivadas para um aprendizado prático da
matemática.
A ausência da comunicabilidade reflete no desinteresse do aluno. O sofrível
contexto familiar já é um fator desmotivador para a criança ir até a sala de aula e,
em um estado de exceção, onde a falta de prioridades, especialmente dos pais, ao
investirem em uma conexão de internet de qualidade ou por deficiências técnicas
locais, resulta na evasão escolar e na premissa da falta de utilidade diária para usar
determinado exercício transmitido pelo professor.
Não dá para escapar da matemática. Ela faz parte do dia a dia e é a
necessidade diária de qualquer pessoa. Seja no cálculo da nota e até na compra
de um produto, a elaboração da receita e na aferição de um material para a reforma
da casa, o cálculo algébrico está sempre por perto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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dez de 2020.
236
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Van Hiele. Revista Eletrônica de Educação Matemática REVEMAT ,
Florianópolis, v. 15, p. 01-20 , jan./dez., 2020 Universidade Federal de Santa
Catarina. ISSN 1981- 1322. DOI: https://doi.org/10.5007/1981-1322.2020.e74525
Acesso em 29 de dez de 2020.
PIERCE, Charles Sanders. Semiótica. _ed. São Paulo: Ed. Perspectiva editora
da Universidade de São Paulo, 2005.
237
O PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL (PDE) NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA DE MARINGÁ
dando voz às memórias
RESUMO
O Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE, implantado a partir do ano de 2007,
constitui-se em um sistema de formação continuada desenvolvido pelo Governo do Estado
do Paraná visando a melhoria da qualidade da educação, a valorização profissional e a
progressão de carreira dos docentes. Com intuito de resgatar informações históricas a
respeito da formação dos professores de Matemática de Maringá no PDE, bem como, de
mostrar quais os impactos desse programa na vida dos docentes e, em sua prática de sala
de aula é que propomos esta pesquisa de natureza qualitativa e cunho exploratório que
têm como proposta metodológica um levantamento bibliográfico a respeito do tema e a
aplicação de entrevistas semiestruturadas realizadas via Google Meet seguindo os
princípios da História Oral. De acordo com os relatos obtidos concluímos que a estrutura
do PDE deu suporte para que os docentes pudessem, a partir dos momentos de estudo,
inserções na Universidade e reflexões teórico-práticas, repensar sua prática, melhorando
assim, o trabalho desenvolvido em sala de aula.
INTRODUÇÃO
99
Universidade Estadual de Maringá (UEM). rayyyisa.oliveira.raj@gmail.com
100
Universidade Estadual de Maringá (UEM). ra93290@uem.br
101
Universidade Estadual de Maringá (UEM). srdantonio@uem.br
238
O Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) foi um programa
destinado à formação de professores efetivos que atuam nas escolas públicas do
Estado do Paraná. Foi idealizado durante a elaboração do Plano de Carreira do
Magistério por meio da Lei Complementar nº. 103 de 15 de março de 2004 e,
implantado no ano de 2007, com o objetivo de proporcionar a melhoria da qualidade
da educação, a valorização profissional e a progressão de carreira dos docentes
conforme o artigo 20 da Lei Complementar nº103/2004:
239
pudessem ler, mudar o que achassem necessário e, por meio do preenchimento do
termo de consentimento livre e esclarecido - TCLE, autorizar o uso das informações
nelas destacadas.
240
100%. Nesse período, os docentes participavam de formações dentro das
Universidades conveniadas com o programa e, recebiam orientação de um
professor das Instituições Educacionais Superiores (IES) para elaboração de suas
propostas de intervenção na escola, isto é, partindo de uma problemática
identificada pelo docente em sua disciplina ou local de atuação o professor da IES
o orienta com relação a seu objeto de estudo contribuindo com seus conhecimentos
a respeito do referencial teórico e dos encaminhamentos metodológicos mais
pertinentes para essa proposta de intervenção.
No segundo ano, o afastamento era de 25% de sua carga horária docente
sendo este, correspondente às horas destinadas à implementação dessas
propostas no interior das escolas e a elaboração de seu trabalho final orientado
pelos professores das IES. Durante este período, o professor PDE orientava
também um Grupo de Trabalho em Rede (GTR), uma proposta de formação
continuada à distância para os professores do Estado do Paraná, onde socializam
seus estudos e produções, projeto e materiais didáticos, desempenhando o papel
de tutores na implementação do projeto de intervenção na escola.
241
Fonte: Nesi (2016), p.5.
242
para aprimorar o uso de recursos tecnológicos para o desenvolvimento das
atividades previstas no Programa, como a tutoria no Grupo de Trabalho em Rede.
O documento síntese de 2014 do PDE destaca que,
METODOLOGIA DE PESQUISA
243
Segundo D'Ambrosio (2004, p.12) a pesquisa qualitativa “tem como foco
entender e interpretar dados e discursos” o que está sendo feito neste projeto por
meio da interpretação das falas dos professores participantes do PDE.
De acordo com Albert (2011, p. 155) a História Oral é uma metodologia de
pesquisa e de constituição de fontes que consiste na realização de entrevistas
gravadas com indivíduos que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos
e conjunturas do passado e do presente.
A História Oral busca
Ainda Segundo Albert (2011, p.165) “uma das principais riquezas da História
Oral está em permitir o estudo das formas como pessoas ou grupos efetuaram e
elaboraram experiências, incluindo situações de aprendizado e decisões
estratégicas.” Com base nos conceitos apresentados pelos autores percebemos
que a História Oral é de suma importância para o desenvolvimento desse projeto
que tem como objetivo resgatar informações históricas sobre a formação dos
professores de Matemática de Maringá no PDE e de seus apontamentos com
relação a mudança em sua prática docente utilizando entrevistas semiestruturadas.
A entrevista semiestruturada é composta por perguntas elaboradas pelos
entrevistadores mas que não precisam ser feitas obrigatoriamente, deixando o
entrevistado à vontade para que conte a sua história e, caso os entrevistadores
achem necessário, sejam feitas. Escolhemos essa forma de entrevista para que os
professores participantes se sentissem o mais à vontade possível em relatar suas
experiências durante e depois do programa, bem como as influências deste em sua
prática docente posterior. Após os procedimentos realizados, já relatados na
introdução, pudéssemos fazer a análise dos dados que será apresentada a seguir.
244
DANDO VOZ ÀS MEMÓRIAS
Nesta seção temos a intenção de descrever trechos das entrevistas dos
professores e como o PDE contribuiu com a sua atuação, segundo seus
depoimentos. Os dados que aqui constarão serão referentes ao relato de duas
professoras que autorizaram previamente a divulgação de suas entrevistas. Vamos
nos referir a elas como professora A e professora B. Mas antes de trazer trechos
das entrevistas para o diálogo, exibiremos no quadro 1, as perguntas que foram
feitas aos professores nas entrevistas que baseiam a escrita desta seção.
1. Fale um pouco sobre você (quem é - apresentação; qual sua formação, porque
escolheu essa profissão; o que a docência significa para você)
2. Qual foi seu ano de ingresso no programa PDE?
3. Quais critérios avaliativos foram utilizados para compor sua pontuação e classificação
de entrada no programa?
4. Sobre o período de formação no Programa:
❏ Como foi?
❏ Destaque os aspectos relevantes dessa formação.
❏ Destaque os aspectos limitantes dessa formação.
❏ De que forma os conhecimentos teórico metodológicos contribuíram com seu
fazer em sala de aula? E com a elaboração de sua proposta de
implementação?
❏ Como foi o período de construção de sua proposta?
❏ De que forma os encontros de orientação colaboraram com o resultado final
do trabalho a ser desenvolvido em sala de aula e da produção do artigo final?
❏ Sobre os encontros de orientação destaque os aspectos positivos e
limitantes.
❏ Em que escola se deu a implementação de sua proposta pedagógica? Para
que turma?
❏ Quais os aspectos positivos e limitantes da implementação?
❏ Você gostou dos resultados?
❏ O trabalho mudou sua forma de conduzir as aulas nas demais turmas em que
leciona?
❏ O trabalho contribuiu com sua formação?
❏ Quais foram os resultados obtidos com a implementação de sua proposta?
❏ O GTR - grupo de trabalho em rede que você coordenou trouxe algo novo e
significativo para finalização de sua proposta?
❏ A experiência vivenciada teve continuidade pós PDE ou foi apenas utilizada
para a conclusão do programa?
245
❏ Como você avalia a nova proposta de formação do PDE?
❏ Descreva o significado dessa experiência em sua vida profissional.
Fonte: as autoras.
A formação
246
No aspecto da formação tínhamos a intenção de entender como foi para as
professoras voltar para a sala de aula como alunas e, identificar como esse período
contribuiu com a formação delas.
A professora A comparou diversas vezes as aulas do PDE com as aulas do
mestrado e afirmou “aprendi muita coisa no curso para mim foi uma aprendizagem
[...] como se fosse um mestrado mesmo.”
A professora B relatou que no começo sentiu um pouco de dificuldade mas
que entendeu que precisava ser uma coisa de cada vez e, por seu relato mostra
que foi superando essas dificuldades e aprendendo muito: “Sim, de início assim eu
me senti um pouco perdida, tinham muitas informações, muitas mesmo. Eu não
entendia o que era, tinha a parte de artigo, implementação, projeto.” “[...] adquiri
muito conhecimento [...] Melhorei muito na forma de conduzir minhas aulas, a
metodologia, o conhecimento que eu adquiri, as novas metodologias que eu
conheci e poder assim interagir melhor com o aluno que deixou de ser
simplesmente o ouvinte e passou a ser o ator. ”
Por meio dos relatos obtidos podemos perceber pelas falas das docentes
que voltar para a sala de aula fez com que se renovassem, e aprofundassem as
metodologias de ensino para melhorar a sua forma de conduzir as aulas e, além
disso, que as aulas ajudaram na elaboração da produção didático-pedagógica.
A Elaboração da Proposta
Sobre a elaboração das Propostas de Intervenção a professora A relata
que “Quando a gente teve que selecionar o projeto, um tema para a gente
pesquisar, [...] na aula de matemática a gente sabe que a maioria dos alunos têm
muita dificuldade, você explica, explica e eles não entendem. Então eu queria ter
uma metodologia que eu pudesse usá-la na sala de aula, mas que os alunos
tivessem mais facilidade no entendimento do conteúdo. O meu orientador [...] pedia
pra gente ir lá a cada 15 dias, [...] eu ia praticamente quase toda semana porque
o professor falava que tinha que tirar as dúvidas, então tudo que eu fazia que ele
achava que não tava bom eu já arrumava em seguida”.
247
A professora B relata que “[...] primeiramente, eu tive que levantar uma
problemática dentro da escola, dentro da matemática e qual seria o tema e o que
esse tema ia ajudar na resolução daquela problemática. [...] Escolhi a problemática,
trouxe para a professora [...] e a partir daí eu fui orientada qual era a melhor
metodologia para trabalhar com esses alunos, foram traçados os objetivos e todas
as etapas daí.”
A escolha da proposta é para ser algo que as professoras vivenciam em
sala de aula, algo que notam que os alunos têm maior dificuldade e após essa
escolha podemos perceber pela fala das professoras a importância do professor
orientador da IES (Instituição de Ensino Superior) para direcionar o
encaminhamento da proposta escolhida e a melhor forma de trabalhar-lá. Outro
ponto relevante nesta questão foi com relação da fala da professora D que explica
que na primeira edição do PDE foi proposto aos professores elaborarem um folhas
onde deveria interligar três disciplinas, mas que pela dificuldade encontrada pelos
professores, já foi excluído no mesmo ano. Contudo, ressaltamos que essa
proposta parece, também, muito interessante por ser um trabalho interdisciplinar
ligando outras áreas de conhecimento a Matemática.
248
professores adquiriram para sua prática docente o PDE também possibilitou
diferentes reflexões para os alunos por meio dos projetos que influenciam em
diferentes aspectos na vida dos mesmos.
249
a gente coloca lá para eles poderem ter acesso, eles não lêem, tentam responder
sem fazer a leitura e aí as respostas fugiam um pouco do assunto.”
Como afirmam as professoras, os GTRs contribuíram para a troca de
experiências e didática tanto como tutores quanto como professoras da Educação
Básica. Alguns docentes que participavam tentavam responder as questões sem
ler os textos mas, os que realmente participavam, implementavam as propostas em
suas salas mesmo com algumas alterações.
A partir desses relatos podemos concluir que as aulas que os professores
tiveram nas IES durante o PDE proporcionaram um aprofundamento em métodos
e metodologias que, além de ajudarem na elaboração, implementação e finalização
da proposta, fizeram com que os professores mudassem sua conduta de sala de
aula tentando dinamizar as mesmas e proporcionar uma maior interação dos alunos
com os temas trabalhados em sala de aula o que, no geral, contribuiu com o
entendimento e compreensão desses alunos frente aos conteúdos matemáticos
estudados.
CONCLUSÃO
A partir dessa pesquisa podemos concluir que o PDE é um programa de
suma importância na carreira do professor, bem como para a educação, visto que,
proporciona ao docente a possibilidade de se dedicar exclusivamente durante um
ano aos estudos e a se aprofundar em novos métodos e metodologias, refletindo
assim, sobre sua prática docente a partir da implementação de novas proposições
de ensino. O PDE também desafia esses professores a buscarem soluções para
problemas encontrados em sala de aula, ao mesmo tempo que melhora seu salário
a partir da possibilidade de avanço para o nível III da carreira docente.
Outros aspectos relevantes a serem aqui também destacados são com
relação a mudança que ocorre dentro de sala de aula e, as contribuições desta na
formação do aluno promovendo assim, a melhoria da educação desses espaços
escolares. E, o fato de os professores compartilharem esses projetos com outros
docentes por meio das tutorias nos Grupos de trabalho em rede - GTRs e, depois
250
de concluídos os trabalhos finais os mesmos serem disponibilizados no site da
Secretaria de Educação do Estado do Paraná onde podem ser acessados por todos
que tiverem interesse no tema. Tais fatos só reforçam a amplitude e importância do
PDE e ressaltam a necessidade de sua retomada em caráter presencial com a
ligação entre Universidades e a Educação Básica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
251
OS CADERNOS DE MATEMÁTICA DE UMA NORMALISTA DA ESCOLA
NORMAL ASSIS BRASIL EM PELOTAS (1959-1962)
Luciane Luz102
RESUMO
O presente trabalho é um fragmento do projeto de mestrado vinculado ao Programa de
Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL),
no qual investiga a Escola Normal Regional Imaculada Conceição, situada na cidade de
Pelotas, Rio grande do Sul, no período de 1955 a 1974, com o intuito de identificar os
saberes matemáticos integrantes da formação de normalistas. O estudo historiográfico
envolve a análise de diversas fontes, entre elas, um dos quatro cadernos com saberes
matemáticos que pertencem ao acervo pessoal da normalista Ana Maria Dominguez. Entre
os resultados parciais da análise identificou-se os saberes matemáticos referentes às
frações, aos números decimais e ao sistema legal de unidades de medida. Foi possível
observar que os saberes matemáticos a ensinar e para ensinar aparecem juntos nos
cadernos, que as professoras do curso normal se apropriavam das ideias pedagógicas
presentes na Revista do Ensino do Rio Grande do Sul e tinham a influência de autores
como Irene de Albuquerque e Edward Lee Thorndike.
INTRODUÇÃO
252
O estudo está vinculado ao Projeto de Pesquisa Estudar Para Ensinar:
saberes matemáticos e práticas nas Escolas Normais do Rio Grande do Sul (1889-
1970) 103 . A investigação está centrada no âmbito da história da educação
matemática, assunto que é pesquisado pela autora desde a graduação, porém com
outros olhares e abordagens.
Sendo assim, apresenta-se um dos quatro cadernos que foram produzidos
durante a formação da normalista Ana Maria Dominguez, na Escola Normal Assis
Brasil (Pelotas/RS). Dominguez ingressou nesta escola em 1952, no 3º ano
primário, e concluiu o Curso Normal no ano de 1962. Posteriormente, os referidos
cadernos foram utilizados por Ana Maria Dominguez como formadora de
normalistas na Escola Normal Regional Imaculada Conceição (ENRIC), onde foi
professora de didática da matemática, no período de 1965 a 1973.
Os cadernos do acervo pessoal de Ana Maria Dominguez fazem parte do
conjunto de fontes analisadas neste estudo historiográfico. Viñao (2008) diz que os
cadernos escolares “[...] devem ser situados como fonte histórica no contexto das
práticas e pautas escolares, sociais e culturais de sua época, seu uso há de
completar-se e combinar-se com outras fontes históricas [...]” (VIÑAO, 2008, p. 27).
Assim, as escritas dos cadernos analisados são indícios daquilo que era ensinado
na escola normal. Estes registros levam o pesquisador a refletir sobre os possíveis
usos e significado desse objeto (CORDOVA, 2016, p. 212).
A partir da análise das escritas nos cadernos de Ana Maria Dominguez foi
viável fazer uma aproximação com as práticas e saberes matemáticos ocorridos
durante sua formação. Procurou-se conhecer quais e como os saberes
matemáticos a ensinar eram apresentados nos cadernos da normalista. Destaca-
se, também, a contribuição da normalista em entrevista concedida durante a
investigação. Pois, entende-se que cada pessoa traz em sua memória aquilo que a
torna única e essencial. De acordo com Portelli (1997), “a essencialidade do
indivíduo é salientada pelo fato de a história oral dizer respeito a versões do
passado, ou seja, a memória” (PORTELLI, 1997, p.16).
253
Neste sentido, considera-se que as fontes escritas e orais se
complementam, pois elas têm características em comum, uma preenchendo a
outra. Esta forma de coletar informações envolvendo outras fontes que se
complementam umas às outras, vem ao encontro do que Burke (2016) descreve,
seja, “os historiadores também viajam para coletar conhecimento, seja visitando
arquivos ou, no caso da história oral, entrevistando informantes e registrando suas
memórias de eventos e processos passados” (BURKE, 2016, p. 75).
Nesta perspectiva, entende-se que conhecer as práticas e os saberes
matemáticos que circularam durante a trajetória da formação de Ana Maria
Dominguez na Escola Normal Assis Brasil e, posteriormente, como professora na
ENRIC, permitirá ao investigador adquirir novos conhecimentos do passado sobre
a formação em matemática das normalistas.
104
Os quais serão disponibilizados em acervo digital produzido pelo Projeto de Pesquisa Estudar
Para Ensinar: saberes matemáticos e práticas nas Escolas Normais do Rio Grande do Sul (1889-
1970), outros materiais foram doados para a pesquisa.
254
coisas que me marcaram muito e eu disse: eu quero ser professora! Situações
sociais, coisas assim. Quero ser professora para colaborar para que isso não
aconteça! ” (DOMINGUEZ, 2019, p. 1).
A COLEÇÃO DE CADERNOS
255
Foi possível observar que estes exemplares serviram como referência para
a professora da disciplina de Didática da Aprendizagem em Matemática do curso
normal da Escola Normal Assis Brasil, pois foram identificadas atividades iguais as
da RE/RS em um dos cadernos de Ana Maria Dominguez. Isto demonstra o quanto
este material foi importante, tanto para os professores formadores, quanto para as
normalistas que utilizariam esses saberes ao ministrarem suas aulas.
Sobre a importância da RE/RS para o magistério estadual, cabe destacar o
trabalho de Luiz Henrique Ferraz Pereira (2017) que ressalta a relevância da RE/RS
e os discursos sobre as ocorrências matemáticas presentes na revista pedagógica.
O autor menciona que o objetivo do seu estudo era “explicitar e analisar quais foram
os discursos que circularam nos artigos publicados pela RE/RS no período
compreendido entre 1951 e 1978, o que dizem esses discursos e quem fala sobre
matemática” (PEREIRA, 2017, p. 21).
Quanto aos cadernos, ressalta-se que os mesmos estão em perfeito estado
de conservação, o que garantiu sua análise na íntegra. O quadro a seguir apresenta
as características materiais de cada caderno.
256
CADERNO 1: Atividades aritméticas
257
Fonte: Foto da autora.
258
Fonte: Elaborado pela autora.
259
Devemos considerar, não só sua apresentação formal e sistemática
por meio de pontos, contadores, traços, etc. [...], mas também em
associações não formais e incidentais, com as que se podem fazer
com objetos e atos da vida cotidiana. O último tipo de concretização
é muito mais interessante e apresenta, além disto, maiores
probabilidades de contribuir para o entendimento da noção que se
pretende dar (THORNDIKE, 1936, 136).
260
A análise do caderno sugere que os rabiscos e as anotações em suas
páginas sejam indicações da sua utilização, tanto para aprender a matemática,
quanto para aprender a ensinar a matemática. Muitos são os saberes para ensinar,
portanto, este está ligado ao saber a ensinar, ou seja, as normalistas precisavam
aprender como transmitir os saberes que estavam aprendendo.
Pode-se dizer que os saberes que envolvem o objeto de trabalho nestas
atividades abrangem os saberes para ensinar, pois “traduz-se como um saber
capaz de tornar esse objeto constituindo-o como um ensinável, um saber como
instrumento de trabalho” (VALENTE, 2017, p. 216).
A operação de divisão de frações é apresentada na imagem a seguir, com
um exemplo de atividade que demonstra a objetivação da divisão de um número
misto por um número inteiro.
261
as marcações em caneta azul que correspondem ao inteiro formam três grupos
com quatro marcações diferentes.
Quanto aos problemas, eles aparecem com frequência, sendo uma forma
de exemplificar as situações da realidade do aluno, utilizando as diferentes
operações. Entre os problemas encontrados, além do cálculo, foram a
representação das frações com desenhos em forma de círculos, bolinhas ou
barrinhas. A seguir (Figura 5), temos um problema onde percebe-se a objetivação,
para o saber coleção de frações, onde a soma é representada por bolinhas.
262
correspondendo a fração 1/4 que representa um grupo riscado de um total de
quatro. Contando a quantidade de ovos da fração 3/4 encontra-se 18 ovos.
Cabe mencionar o uso incorreto do sinal de igualdade na escrita 1/4 = 6 e
3/4 = 18, pois neste problema 1/4 corresponde a quantidade de 6 ovos e não é igual
a 6 ovos, assim como 3/4 corresponde a 18 ovos, mas a professora escreveu com
o sinal de igualdade. O rigor ao empregar corretamente as sentenças e símbolos é
uma preocupação dos matemáticos; o professor primário algumas vezes não tem
essa preocupação ou esse rigor ao escrever os símbolos matemáticos.
Entende-se que o problema adequado não é aquele longo e complicado,
mas aquele que usa noções matemáticas que estão sendo ensinadas, “uma noção
de matemática só tem valor para a aprendizagem se ajuda a resolver problemas
que a vida oferece, é necessário que essa mesma noção se apresente em
situações diferentes” (ALBUQUERQUE, 1951, p. 45).
Os saberes relacionados ao sistema métrico, presentes no caderno,
começam com a recomendação do que deve ser ensinado em cada ano escolar,
seguidos de instruções sobre como ensinar. Thorndike (1931) apregoava um
ensino das medidas relacionado às situações da vida:
263
O estudo do nosso sistema de pesos e medidas deve começar
levando a criança a compreender a relação e a significação de
termos a que seu ouvido já está acostumado pela vida prática:
metro, litro, meio metro, meio litro, etc. Não será dada, a princípio,
qualquer noção de múltiplos e submúltiplos (ALBUQUERQUE,
1951, p. 164).
264
Observa-se que para alcançar a objetivação, tanto as atividades do caderno
quanto os exemplos, são indicações de que o curso normal estava apoiado nas
orientações pedagógicas daquele período, uma vez que as atividades do caderno
são semelhantes às sugeridas no livro Metodologia da Matemática de Irene
Albuquerque, sustentando que houve apropriação das ideias da referida autora pela
normalista Ana Maria Dominguez.
CONSIDERAÇÕES
265
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BÚRIGO, Elisabete Z.; DALCIN, Andréia; SILVA, Circe Mary S.; RIOS, Diogo F.;
FISCHER, Maria Cecilia B.; PEREIRA, Luiz Henrique F. Estudar para Ensinar:
práticas e saberes matemáticos nas escolas normais do Rio Grande do Sul (1889-
1970). Projeto de Pesquisa. CNPq. Porto Alegre, 2016. 41 f.
266
Os problemas matemáticos no programa “em experiência”: Alda Lodi, Minas
Gerais, 1941.
RESUMO
Em 1941, a Secretaria de Educação de Minas Gerais publicou um programa que se
intitulava “em experiência” (MG, 1941). Voltado para o ensino primário, o programa de
Aritmética e Geometria é de autoria de Alda Lodi, especialista em Metodologia da
Aritmética pelo Teachers College da Universidade de Columbia, que ocupava a cadeira
desta mesma disciplina na Escola de Aperfeiçoamento de Belo Horizonte. Neste trabalho,
nosso objetivo é o de analisar as recomendações de Alda Lodi para o ensino de problemas
matemáticos, suas finalidades e as noções que fundamentavam as afirmações presentes
no programa. A análise do programa de 1941 é parte de um projeto mais amplo, e que
considera a análise dos trabalhos produzidos por Lodi durante sua trajetória profissional
como elemento importante para sua classificação de expert em educação (Hofstetter e
Valente, 2017). Além disso, ele procura estabelecer os elementos de uma matemática a e
para ensinar que contribuíram para a constituição dos saberes profissionais do professor
que ensina matemática no Brasil, e mais particularmente em Minas Gerais nas décadas de
1930 e 1940.
INTRODUÇÃO:
267
da modernização de um sistema ainda em estruturação, que considerava a
formação de professores como fundamental para o sucesso da empreitada.
Este contexto se entrecruzou com o do convite recebido por Ignácia
Guimarães, professora na Escola Normal de BH, para uma temporada de
especialização no Teachers College da Universidade de Columbia, com bolsa
Macy, em 1926. Em troca da licença para a viagem, Guimarães ajudou Campos a
transformar sua temporada em Nova Iorque em uma missão pedagógica composta
por quatro outras professoras: Lúcia Casassanta, Benedicta Valladares Ribeiro,
Amélia Monteiro e Alda Lodi (Fonseca, 2010).
De modo bastante sucinto, estas são as circunstâncias que tiram Alda Lodi
de seu cargo de professora primária nas classes anexas da Escola Normal Modelo
de Belo Horizonte e a colocam na narrativa que queremos enfatizar aqui: a da
especialista em ensino de matemática. Depois de dois anos como aluna do
Teachers College (1927-1929), Alda Lodi retornou ao Brasil como professora da
cadeira de Metodologia da Aritmética da recém criada Escola de Aperfeiçoamento
de Belo Horizonte (EA).
Essa instituição era uma das peças fundamentais do projeto pensado por
Campos: a partir dos cursos ali ministrados, os professores em exercício entrariam
em contato com o debate sobre a renovação do ensino e as experiências já
testadas em outros países. Depois da temporada de formação, a maior parte deles
voltava para as escolas como orientadores de ensino, responsáveis por
implementar as mudanças preconizadas pela reforma (Prates, 1989; Kulesza,
2019).
A experiência de Lodi como aluna no TC e professora na EA é importante
para entender a dinâmica de circulação dos saberes matemáticos no campo da
formação de professores e na constituição dos saberes profissionais do professor
que ensina matemática (Hofstetter e Valente, 2017; Valente, 2020). Ao mesmo
tempo, é também essencial para entender os elementos que qualificam Lodi para
a convocação que recebe: a de elaborar os programas do ensino primário de Minas
Gerais, o primeiro publicado em 1941 e o segundo publicado em 1953.
268
A convocação do Estado para as atividades de formação que
desempenhou e a elaboração dos programas já mencionados são um dos indícios
que fundamentam a hipótese de que Alda Lodi é uma expert da educação, que
atuou no campo do ensino de matemática (Hofstetter e Valente, 2017; Morais,
2018). Neste artigo vamos analisar, portanto, um dos elementos de sua expertise:
o programa de Aritmética e Geometria 1941. Dentro os limites dessa comunicação
nosso objetivo é o de examinar as recomendações deste programa relacionadas
aos problemas matemáticos.
269
A constante interação entre esses saberes fica explícita no caso de Alda
Lodi. Como a análise de sua trajetória nos indica, seu trabalho se concentrou no
debate sobre uma matemática para ensinar, uma vez que esses saberes são
específicos da formação de professores, campo em que ela atuava. Considerando
a documentação encontrada no seu arquivo pessoal, deve-se considerar também
a noção de “matemática para ensinar ensinada” por Lodi para suas alunas da EA e
do IEMG (Bertini, 2019a; Valente, 2018). Ao mesmo tempo, os programas do
ensino primário escritos por Alda Lodi também sinalizam a sistematização de uma
matemática a ensinar, pensada para ser posta em ação nas classes escolares de
Minas Gerais.
O debate sobre o processo de emergência de especialistas em educação e
a valorização e legitimação de sua expertise é também ligado ao debate sobre a
profissionalização a que já nos referimos. Quando Hofstetter, Schneuwly e
Freymond analisam essa emergência partindo do exemplo da Suíça, eles destacam
que este é um “fenômeno concomitante à entrada em cena do Estado, encarregado
da instrução pública e à emergência do campo disciplinar das ‘ciências da
educação’" (Hofstetter e Valente, 2017, p.56). Com um recorte temporal amplo
(séculos XIX e XX), esses pesquisadores acompanham as transformações tanto
em relação aos atores que exercem o papel de experts quanto às atividades que
estes desempenham para atender a máquina estatal. A isto, estes autores chamam
de “modos de expertise” (Hofstetter e Valente, 2017, p.104).
Ainda que o contexto educacional brasileiro tenha em comum o
protagonismo estatal no direcionamento e financiamento da educação, é preciso
considerar a afirmação desses autores de que “a expertise está inextricavelmente
ligada ao sistema escolar e ao Estado, na medida em que este último a molda”
(Hofstetter e Valente, 2017, p.106). Assim, o caso de Alda Lodi nos parece útil para
explorar as particularidades locais desse processo e suas articulações com a
dimensão internacional a que nos referimos quando exploramos o exemplo suíço.
Ao explorar o conceito de expert, Morais (2018, p.29) insere a experiência
de Lodi nos Estados Unidos como parte de um processo que “caracteriza a
emergência de experts da educação” no Brasil, que buscam especialização no
270
exterior e que, neste movimento “produzem novos saberes no campo pedagógico”.
Mais do que o capital simbólico da viagem ao Teachers College, o que coloca Lodi
no mapa que estamos traçando é a apropriação que ela fará dos conteúdos de sua
especialização no campo do ensino da matemática, contribuindo para a
configuração desses saberes profissionais em Minas Gerais. Neste artigo, vamos
explorar um dos recortes possíveis dentro desse amplo quadro de apropriações e
sistematizações dos saberes profissionais ligados ao ensino de matemática feito
por Alda Lodi: o modo como o ensino de problemas matemáticos aparece no
programa de 1941.
A análise que vamos desenvolver aqui é também um desdobramento da
análise que fizemos sobre as articulações entre o local e o internacional, pensadas
a partir das anotações de aula de Lodi sobre o ensino de problemas matemáticos
no seu último semestre no Teachers College da Universidade de Columbia (Rocha
e Valente, 2020). Ali, também consideramos os trabalhos produzidos pelos autores
norte-americanos referenciados no caderno. O debate presente nestas anotações
e artigos sinalizam também dinâmicas de interação entre os saberes da matemática
escolar e os saberes da psicologia da aprendizagem a partir de conceitos como
inteligência e raciocínio. A opção por um exame mais detalhado do debate norte-
americano teve como consequência um exame mais superficial das apropriações
de Lodi no Brasil.
Por isso, além do que viu e ouviu nos Estados Unidos, cabe considerar que,
no programa de 1941, essa educadora também dialogou com essas noções a partir
de autores e obras que circularam no Brasil e que trabalharam com a relação entre
raciocínio e problemas matemáticos. Edward Thorndike, Antonio Faria de
Vasconcelos e Alfredo Miguel Aguayo são exemplos que podem ser mencionados.
Eles ampliam o circuito Brasil-Estados Unidos que investigamos inicialmente
e sinalizam que autores que aparecem nos apontamentos de Alda Lodi, como
Walter Monroe (1918), também eram discutidos em livros como o de Faria de
Vasconcelos sobre raciocínio aritmético (Faria de Vasconcelos, 1934; Marques,
2018). Por sua vez, Faria de Vasconcelos é uma das indicações de leitura do
Programa de Aritmética e Geometria de autoria de Lodi em 1941, assim como
271
Thorndike (MG, 1941). Estes elementos sinalizam o sentido multidirecional do
intercâmbio de ideias ligadas ao ensino de matemática, reafirmando questões
levantadas pelo debate ligado à internacionalização da educação (Droux e
Hofstetter, 2014).
106
Sobre as recomendações sobre o ensino de problemas matemáticos presentes nos cadernos
das alunas de Lodi conferir: Bertini, 2019a e Fonseca et. al., 2014.
272
No caso do programa de 1941, é possível encontrar versões da introdução
deste programa no seu arquivo, ainda datilografado. Alguns deles foram reescritos
e rasurados, mas a versão melhor acabada foi digitalizada por Diogo Reis e é um
dos anexos de sua tese de doutorado (Reis, 2014). A versão é intitulada “Aritmética
e Geometria: considerações sobre o ensino de Aritmética e Geometria no curso
primário”, mesmo título do programa impresso. Este texto, datilografado, incorpora
as alterações feitas à caneta no exemplar de 1941 que encontramos no arquivo de
Lodi. O resultado dessas modificações pode ser visto no programa publicado
posteriormente, já em 1953 (MG, 1957).
Além da introdução e da discriminação dos conteúdos por cada ano escolar
(1º ao 4º anos), o programa também fornece indicações de leitura para os
professores. Além disso, lista tanto os objetivos gerais do ensino da disciplina no
ensino primário, quanto os objetivos a serem alcançados a cada ano. É com base
nesse detalhamento que vamos analisar as recomendações que Lodi faz aos
professores em relação ao uso de problemas matemáticos no ensino primário.
Visto que a questão do interesse é mencionada durante todo o programa,
muitas vezes ao lado da menção aos problemas matemáticos, cabe mencionar que,
embora a virada pedagógica da Escola Nova tenha se centrado fortemente na
criança a partir da psicologia cognitiva, a valorização da experiência infantil não é
um fator inteiramente novo no debate sobre o ensino. Quando olhamos para as
preocupações do método intuitivo, a importância do cotidiano também é evocada
porque esse é um dos elementos que ajudariam a criança a entender conceitos
abstratos a partir de situações concretas. Por isso, os problemas matemáticos
propostos em muitos livros que seguiam o método intuitivo também buscavam
evocar situações que fossem familiares às crianças (Bertini, 2019b).
Deste modo, além de reconhecer a importância de despertar o interesse a
partir dessas experiências, a psicologia oferecia aos educadores a oportunidade de
olhar para a aprendizagem dos problemas sob o ponto de vista da organização do
raciocínio e da graduação dos conteúdos a partir da capacidade de aprendizagem
dos alunos. Aqui, entra em cena a ideia de treino relacionado ao desenvolvimento
de “hábitos mentais ou conexões”, como afirma Thorndike (Santos, 2006, p.173),
273
de um “grupo de hábitos ou habilidades”, como afirma Upton (s.d., p.281) ou ainda
de promover “associações úteis”, como afirma Lodi (MG, 1941, p.90).
Nas palavras dos autores com quem Lodi teve contato em sua temporada
no Teachers College, era preciso separar o “maquinário da aritmética” da
capacidade de operar esse “maquinário” (Upton, s.d.). Dito de outro modo, era
preciso entender que a resolução de problemas era composta por dois conjuntos
de habilidades: a mecânica, do cálculo em si, e a do raciocínio, ligada à capacidade
de resolução. Por isso, mais do que despertar o interesse das crianças a partir de
situações ligadas à experiência, os problemas matemáticos ganham uma dimensão
diferente porque conferem sentido ao “maquinário” dessa disciplina.
A separação entre o domínio das operações e a capacidade de desenvolver
um raciocínio correto, utilizando-as como recurso, é resumida por Lodi no programa
de Aritmética e Geometria de 1941. De acordo com ela:
“Encontram-se facilmente alunos que sabem a técnica das
operações porque se habituaram a fazê-las. Não tão facilmente se
encontram aqueles que sabem “quando” e “como” devem aplicar as
operações porque não lhes foi desenvolvida a capacidade de
compreender e interpretar as diferentes situações, e nem a
habilidade para empregar, selecionando, os seus recursos
aritméticos” (MG, 1941, p. 88, grifos da autora).
274
tarefa de ensinar a operar o “maquinário” recaía principalmente nas séries
posteriores [gramar grades].
Em contrapartida, no programa escrito por Alda Lodi, os problemas
ganhavam uma dimensão significativa também no ensino primário. Aos alunos
deveriam ser apresentados problemas que despertassem o interesse da criança
“de possuir os instrumentos necessários à solução” (MG, 1941, p.91). Era a partir
do apelo ao raciocínio e ao interesse que os professores conseguiriam fazer com
que os alunos aceitassem “de boa vontade, os exercícios formais, necessários à
fixação e à rapidez do processo” (p.89). Também era a partir daí que eles
aprenderiam “a formação dos números pela soma, subtração, multiplicação e
divisão” (p. 89-90).
Se seguimos a lógica de classificação desenvolvida por Bertini (2019b), é
preciso mencionar que os problemas matemáticos tinham aqui uma dupla
finalidade. As recomendações do programa escrito por Alda Lodi sinalizam que eles
não eram apenas estratégicos em relação ao interesse infantil, mas também eram
utilizados para a aplicação dos conteúdos aprendidos durante as aulas, ao final de
cada período. Assim, para as turmas do primeiro ano, é apenas no segundo
semestre (julho, agosto e setembro) que Lodi recomenda o uso de “problemas e
outros exercícios com as medidas aprendidas” (MG, 1941, p.95). Esta
recomendação se repete ao longo de todo o programa, sempre ao final de um grupo
de conteúdos que deve ser ministrado pelo professor.
O desenvolvimento da capacidade de resolução dos problemas
matemáticos dos alunos em sala é observado duplamente: em relação ao domínio
dos conteúdos e ao raciocínio a ser desenvolvido. Neste sentido, os problemas são
ao mesmo tempo, ferramenta para aprendizagem e um “saber a ser ensinado”
(Bertini, 2019a). Isso fica mais claro quando analisamos os objetivos de
aprendizagem de cada ano escolar, listados no programa. No quadro 1
organizamos esses objetivos selecionando os que se referem exclusivamente aos
problemas matemáticos.
275
QUADRO 1: Capacidade de resolver problemas matemáticos, de acordo
com cada ano.
276
Assim, esperava-se que a criança expressasse o desenvolvimento do seu
raciocínio a partir da capacidade de resolver diferentes problemas matemáticos. As
dificuldades são graduadas em relação aos conteúdos, e também em relação a
conexão mais imediata ou não com o universo infantil. Assim, inicialmente estes
problemas estão fortemente vinculados às experiências mais imediatas dos alunos
(chamadas no programa de “atuais”). Ao que parece, a loja escolar é um recurso
importante para suscitar questões motivadoras neste contexto.
No quarto ano, ainda que os problemas sejam trabalhados a partir de
situações concretas, a noção de problemas “práticos” implica a relação com
conteúdos que já não estão diretamente ligados à experiência infantil, como o
cálculo de juros. A isto se chama “os problemas que a prática exige” (MG, 1941,
p.111). Estes objetivos estão conectados aos objetivos mais gerais do programa.
Dentre eles: o de desenvolver um trabalho “qualitativa e quantitativamente dosado”,
o de “desenvolver a capacidade para aplicar os conhecimentos” e o de “desenvolver
a capacidade de raciocinar e o hábito de raciocinar” (MG, 1941, p.93).
As indicações intituladas “bibliografia para o professor” (MG, 1941, p.113),
Lodi menciona os livros que fundamentam o modo como os problemas são
trabalhados ao longo do programa. O entrecruzamento das recomendações ali
mencionadas com o ordenamento do conteúdo a ser ministrado em cada ano
escolar pode indicar relações mais específicas entre programa e manuais voltados
aos professores. O mesmo pode ser dito da relação que se pode ser estabelecida
entre programas e cadernos, como já apontamos anteriormente. Nos limites desta
comunicação, nosso objetivo foi o de abordar as recomendações de Alda Lodi como
indicativo de sua expertise e de sua contribuição para o campo do ensino de
matemática em Minas Gerais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
277
experiência”, publicado pela Secretaria de Educação em Minas Gerais em 1941.
Essa análise é parte de um projeto mais amplo, que procura mapear as
contribuições de Alda Lodi para o ensino de matemática em Minas Gerais, com o
objetivo considerar a pertinência de enquadrá-la dentro da categoria de expert da
educação. Além disso, ele procura estabelecer os elementos de uma matemática a
e para ensinar que contribuíram para a constituição dos saberes profissionais do
professor que ensina matemática no Brasil, e mais particularmente em Minas
Gerais nas décadas de 1930 e 1940.
Neste sentido, nosso artigo se concentrou em sinalizar como as noções de
raciocínio e interesse estavam conectadas com uso de problemas matemáticos
pelos professores. Assim, os problemas aparecem como recurso para o ensino de
outros conteúdos, ao mesmo tempo em que são também um saber a ser ensinado.
O domínio das crianças da capacidade de resolver determinados problemas é
encarado aqui como parte do desenvolvimento do raciocínio matemático desses
alunos. Esse desenvolvimento é medido a partir de diretrizes fornecidas por Lodi
ao final dos conteúdos de cada ano escolar, que indicam o tipo de raciocínio que a
criança já deve ser capaz de desenvolver, a partir de problemas específicos.
Finalmente, é possível afirmar que, embora predominantemente focado nos
saberes a ensinar, as prescrições do Programa de 1941 nos informam também
sobre os saberes necessários ao professor, sinalizando a “constante interação” dos
saberes a e para ensinar a que nos referimos no começo do texto.
AGRADECIMENTOS:
Este trabalho é parte de um amplo projeto de pesquisa conduzido pelos membros
do Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática no Brasil (GHEMAT)
intitulado: “A matemática na formação de professores e no ensino: processos e
dinâmicas de produção de um saber profissional, 1890-1990” (FAPESP, Projeto
Temático n. 2017/15751-2), e é fruto do desenvolvimento do subprojeto intitulado
“Os arquivos da professora Alda Lodi: as apropriações estadunidenses para a
278
constituição de uma nova matemática no ensino e na formação de professores”
(Bolsa FAPESP, Processo n. 2019/04525-7). Também agradeço a Bruna Ramos
Giusti, que me chamou atenção para as recomendações de Alfredo Miguel Aguayo
sobre a resolução de problemas matemáticos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Fonseca, Nelma. Alda Lodi, entre Belo Horizonte e Nova Iorque: um estudo sobre
formação e atuação docentes 1912-1932. Dissertação (mestrado em educação),
UFMG, 2010.
Fonseca, N.; Reis, D.; Gomes, M. L.; Faria Filho, L. M. O caderno de uma
professora aluna e as propostas para o ensino de Aritmética na Escola Ativa
(Minas Gerais, década de 1930). Hist. Educ., v.18, n. 42, pp. 9-35, jan-abr. 2014.
279
Matasci, Damiano. “International Congresses of Education and the Circulation of
Pedagogical Knowledge in Western Europe, 1876–1910”. In: Rodogno, Davide et.
all. (ed.). Shaping the transnational sphere: experts, networks and issues from the
1840s to the 1930s. New York: Berghahn books, 2015.
280
REMY FREIRE: da demissão pela ditadura salazarista à naturalização
brasileira
RESUMO
O presente trabalho se insere nos estudos desenvolvidos em uma pesquisa de
doutoramento finalizada em 2019 pelo Programa de Pós-Graduação em Educação para a
Ciência e a Matemática (PCM) da Universidade Estadual de Maringá (UEM) cujo objetivo
foi compor uma narrativa histórico-biográfica sobre Remy Freire e as suas contribuições
para a Matemática e para a Educação Matemática no Paraná. Para este artigo, temos por
objetivo apresentar aspectos históricos da expulsão de Remy Freire pelo regime ditador
português no governo de António de Oliveira Salazar e da sua imigração para o Brasil.
Remy Freire nasceu em 24 de novembro de 1917 em Lisboa e era filho de Garibaldi Alves
Freire e Laura da Silva Teixeira Freire. Era formado em Ciências Econômicas e Financeiras
pela Universidade de Lisboa, onde também fez seu doutoramento em Ciências
Econômicas. Além disso, era doutor em Estatística pela Universidade de Paris. Foi
assistente de Bento de Jesus Caraça o qual contribuiu para o desenvolvimento do ensino
da Matemática em Portugal. Amparadas por uma pesquisa de estratégia bibliográfica e
documental, nossas análises evidenciaram que Remy Freire foi demitido de suas funções
de professor extraordinário do Instituto Superior de Ciências Econômicas e Financeiras em
18 de junho de 1947. Durante sua permanência em Curitiba, entre 1952 e 1955, em que
foi um dos mobilizadores para a criação da Sociedade Paranaense de Matemática e um
núcleo matemático atualizado para a época, conseguiu sua naturalização brasileira
publicada no Diário Oficial de 20 de novembro de 1953.
INTRODUÇÃO
107
Faculdade de Engenharia e Inovação Técnico Profissional (FEITEP). netopeixotoaraujo@hotmail.com.
108
Universidade Estadual de Maringá (UEM). lmtrivizoli@uem.br.
281
A evolução social, econômica e científica está fortemente vinculada às
decisões políticas. Do mesmo modo, os intercâmbios estiveram presentes no
processo da implantação da atividade científica. Historicamente, o desenvolvimento
matemático no Brasil foi impactado pela vinda de matemáticos estrangeiros em
função de diversos fatores dos seus países de origem (TRIVIZOLI, 2011). Por
exemplo, segundo Silva e Siqueira (2015) o matemático italiano Luigi Fantappiè
(1901-1956) esteve no Brasil na Universidade de São Paulo (USP) entre 1934 e
1939 junto com um grupo de italianos em que liderou o que ficou conhecida como
Missão Italiana, que existiu até 1942, após o rompimento diplomático entre o Brasil
e a Itália nos tempos da 2ª Guerra Mundial e o seu envolvimento com o Partido
Nacional Fascista (PNF) italiano. De acordo com D’Ambrosio (2011) uma das
principais preocupações de Fantappiè ao chegar no Brasil foi modernizar o ensino
de Cálculo Diferencial e Integral com o intuito de o transformar em um curso de
Análise Matemática.
Além dos italianos, podemos citar a presença de franceses, membros do
grupo Bourbaki, no Departamento de Matemática da Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras (FFCL) da USP, entre os anos de 1945 e 1966, o que ficou
marcado como influência francesa na Seção de Matemática (PIRES, 2006).
Nesse sentido, destacamos também a comunidade portuguesa de
matemáticos que veio para o Brasil e contribuiu com o desenvolvimento da
Matemática brasileira. Por exemplo, Gomes (1997) observa a implantação no
Recife de um núcleo de matemáticos portugueses para iniciar e implantar um
Departamento de Matemática na Universidade Federal do Pernambuco (UFPE) na
década de 1950 iniciada por Alfredo Pereira Gomes e Manuel Zaluar Nunes, em
1953, e depois por intermédio dos primeiros, vieram para o Brasil os professores
José Morgado, Ruy Luis Gomes, em 1962, e António Brotas, em 1963, dentre
outros. Segundo Morgado (1997), mais de vinte docentes vieram trabalhar para a
Universidade do Recife expulsos do ensino superior e do exercício de ensino e de
pesquisa pelo governo de António Salazar em Portugal.
Assim como em Recife, outros lugares foram escolhidos como destinos
pelos matemáticos portugueses expulsos pela ditadura Salazarista. Segundo Silva
282
(1997) o professor António Aniceto Ribeiro Monteiro (1907-1980) ficou no Brasil no
período entre 1945 e 1948 e iniciou as suas atividades docentes na Faculdade
Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Além disso,
também trabalhou como pesquisador no Núcleo Técnico Científico de Matemática
da Fundação Getúlio Vargas, criado em 1945. Um de seus importantes trabalhos
no Brasil, intitulado “Filtros e Ideais I”, foi publicado nas Notas de Matemática, em
1948. Durante o tempo em que esteve no Brasil desenvolveu importantes
atividades e influenciou um significativo número de futuros matemáticos no Brasil
como, por exemplo, Leopoldo Nachbin.
Curitiba também foi destino de um dos matemáticos portugueses expulsos
pelo regime ditador. Segundo Rezende (2011), João Remy Teixeira Freire,
popularmente conhecido como Remy Freire, nasceu em Lisboa, Portugal. Era
formado em Ciências Econômicas e Financeiras pela Universidade de Lisboa, onde
também fez seu doutoramento em Ciências Econômicas. Além disso, era doutor
em Estatística pela Universidade de Paris. Foi assistente de Bento de Jesus
Caraça, nome que contribuiu para o desenvolvimento do ensino da Matemática em
Portugal. Remy Freire veio de Portugal para o Brasil em 1952 e foi um dos
idealizadores para a criação da Sociedade Paranaense de Matemática (SPM) e
difusor da Matemática em Curitiba, onde ficou estabelecido, de acordo com as
nossas análises, até 1955 quando foi para o Chile ocupar uma posição na
Organização das Nações Unidas (ONU) (ARAUJO NETO, 2019). Segundo a
publicação Brasil (1953), Remy Freire nasceu em 24 de novembro de 1917. Além
disso, de acordo com Brasil (1953), Remy era filho de Garibaldi Alves Freire e Laura
da Silva Teixeira Freire.
Remy Freire foi objeto de estudo da nossa pesquisa de doutoramento
finalizada em dezembro de 2019 no Programa de Pós-Graduação em Educação
para a Ciência e a Matemática (PCM) da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Na referida pesquisa, o objetivo foi compor uma narrativa histórico-biográfica sobre
Remy Freire e as suas contribuições para a Matemática e para a Educação
Matemática no Paraná (ARAUJO NETO, 2019). Desta forma, para este artigo, que
se insere nas temáticas de interesses do Grupo de Estudos em História da
283
Matemática e Educação Matemática (GHMEM 109 ) vinculado a UEM, temos por
objetivo apresentar aspectos históricos da expulsão de Remy Freire pelo regime
ditador português no governo de António de Oliveira Salazar e da sua imigração
para o Brasil.
A presente pesquisa está inserida no campo da História da Educação
Matemática (HEM) no Brasil. Baroni e Nobre (1999) observam que a História da
Educação Matemática incorpora temas relevantes para a compreensão do
desenvolvimento da Matemática no Brasil e do seu ensino. Dentre estes temas
indicados por Baroni e Nobre (1999, p. 133) destacamos “História de pessoas
significativas ao desenvolvimento da Educação Matemática no país”, subtema da
nossa pesquisa no campo da HEM. Uma justificativa para a realização de
pesquisas biográficas relativas à História da Matemática é observada por Baroni e
Nobre (1999, p. 131-132) quando alertam que “há um campo totalmente aberto e
inexplorado, naquilo que diz respeito à História do desenvolvimento da Matemática
no Brasil”. Uma outra justificativa é defendida por Cavalari (2012) quando observa
que o desenvolvimento de pesquisas que abordam a trajetória acadêmica de
matemáticos que atuaram no cenário nacional, como é o caso de Remy Freire no
Paraná, contribui para a escrita de uma história da Matemática brasileira.
De acordo com Fiorentini e Lorenzato (2009), a biografia ou a história de
vida é um tipo de investigação que objetiva narrar e compreender a evolução de
uma pessoa ou de um grupo de pessoas, dando enfoque à trajetória profissional,
sobretudo às suas práticas sociais e aos seus ideais. Para esses autores, para
compor uma biografia, podem ser utilizados como fontes de informação
autobiografias, cartas, fotografias, diários, anotações, crônicas, publicações, entre
outras. Para este artigo, de estratégias bibliográfica e documental, utilizaremos
como fontes as publicações oficiais que remetem à expulsão de Portugal e a
naturalização brasileira de Remy Freire e a literatura consultada sobre o governo
de António de Oliveira Salazar.
284
Fiorentini e Lorenzato (2009) observam que a pesquisa bibliográfica é
aquela que se faz preferencialmente sobre a documentação escrita e nesse tipo de
pesquisa, a coleta de informações é feita a partir de fichamento das leituras.
Segundo Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009) a principal diferença entre a pesquisa
bibliográfica e a pesquisa documental está na natureza das fontes: a pesquisa
documental é aquela desenvolvida a partir de documentos que não receberam
tratamento analítico, fontes primárias, e a pesquisa bibliográfica é constituída a
partir da literatura existente, fontes secundárias. No caso da presente pesquisa, as
fontes primárias são as publicações oficiais e as fontes secundárias são formadas
pelos textos consultados.
Assim, no que segue, apresentamos um contexto sucinto do Governo de
António de Oliveira Salazar, a propulsão do regime ditador, o contexto da expulsão
de Remy Freire de Portugal, a sua naturalização brasileira e as suas principais
contribuições para a Matemática e a Educação Matemática no Brasil.
De acordo com Martinho (2007), em 1926, um golpe militar pôs fim aos
dezesseis anos da Primeira República portuguesa. Uma das justificativas para o
término do curto período da Primeira República seria a entrada de Portugal na 1.ª
Guerra Mundial e as transições de 45 governos nestes poucos anos. Após a queda
da Primeira República, os modelos Portugal sebastianista e o Portugal
restaurador110 transformaram-se nos principais pilares para a construção de um
110 Segundo Martinho (2007) D. Sebastião foi um jovem rei de Portugal que faleceu em 1578 em uma batalha.
Seu tio, o cardeal D. Henrique, foi o seu sucessor pois ele não teve filhos. O reinado de D. Henrique durou
apenas dois anos, quando este veio também a falecer. Este fato desencadeou uma crise sucessória e deixou
o caminho livre para a União Ibérica. Oriundo da Espanha, Felipe II foi aclamado rei de Portugal em 1581 sob
o nome de Felipe I. Porém, dada a insatisfação com a administração espanhola, principalmente a partir do
reinado de Felipe IV, em 1621, quando adotou uma política de maior integração dos territórios ibéricos, fez
acender o mito de que D. Sebastião, cujo corpo não havia sido encontrado, retornaria para reconquistar a
independência portuguesa. O sebastianismo correspondeu, portanto, à ideia mítica de salvação nacional. A
restauração, ou seja, a separação de Portugal da Espanha se deu, por fim em 1640 com a ascensão de D.
João, duque de Bragança, após uma conspiração de nobres e letrados contra a presença dos representantes
da Espanha em Lisboa
285
novo modelo de governo, opostos ao modelo individualista liberal, centrado no
homem, que era considerado até então.
António de Oliveira Salazar (1889-1970), sob forte influência da doutrina
católica, foi seminarista e tornou-se catedrático em Ciências Econômicas e
Financeiras, em 1919, pela Universidade de Coimbra. Iniciou sua vida política
durante a Primeira República elegendo-se em 1921 como deputado pelo Partido
Centro Católico. Foi convidado para assumir a pasta de finanças após o golpe de
1926. Nos anos seguintes, conseguiu equilibrar as finanças do Estado por meio de
medidas duras, o que causou estranheza por conta do regime republicano vigente
até então. Em 1932, foi nomeado para ser presidente do Conselho de Ministros e
um ano depois conseguiu aprovar uma nova constituição, que ficou conhecida
como Estado Novo, um regime ditatorial, em que se tornou o 1.º Ministro por 36
anos.
O regime do Estado Novo permaneceu ativo entre o período de 1933 e
1974 e possuía duas vertentes, uma tradicionalista e a outra conservadora.
Segundo Martinho (2007), António de Oliveira Salazar foi o principal propulsor do
novo regime e defendia o reestabelecimento dos princípios tradicionalistas
pautados na fé, no resgate da cultura e dos princípios que deveriam ser
rememorados na própria história do país. Para Salazar, ser moderno era voltar no
tempo, reforçando os perfis tradicional e conservador que defendia.
Um dos maiores apoios ao governo ditador veio da Igreja Católica que era
contrária ao regime liberal proposto pela Primeira República, principalmente no
tocante à laicidade. O conservadorismo católico, segundo Martinho (2007), foi
determinante para o novo regime de governo. Considerando seu caráter elitista, o
poder católico foi promovido e divulgado pela comunidade universitária das
Universidades de Coimbra e do Porto.
Pinto (2000) observa que Salazar foi um governante forte que conseguia
impor e defender os seus interesses mas não pode ser considerado um líder
carismático. Centralizava os seus objetivos em um grupo restrito de conselheiros e
se distanciava dos seus Ministros de Governo para as tomadas de decisões.
286
Martinho (2007) relata que Salazar confiava suas decisões a organizações e
instituições como a Igreja Católica e as elites políticas.
Outro aspecto destacado por Martinho (2007) se refere à reestruturação do
ensino escolar, principalmente o primário, durante o regime ditador. Disciplinas de
cunho religioso foram reintroduzidas no currículo das escolas oficiais e uma
reestruturação nacionalista e tradicionalista do que era ensinado sobre a história
de Portugal foi realizada.
Segundo Rollo (2011), após a 2.ª Guerra Mundial as camadas
oposicionistas ao governo ditador fomentaram as discussões para uma abertura à
democracia das forças contrárias ao regime vigente. Como resposta, o governo
Salazarista organizou o afastamento das forças universitárias contrárias, iniciando
com Bento de Jesus Caraça e Mário de Azevedo Gomes, em 1946. Entretanto,
essa medida não foi suficiente para calar a elite cultural e científica do país. Em 14
de junho de 1947, António de Oliveira Salazar por meio de um Decreto no Diário do
Governo de 18 de junho de 1947, afasta de suas funções um grupo de docentes,
dentre eles Remy Freire, que era professor extraordinário do Instituto Superior de
Ciências Econômicas e Financeiras:
287
Transcrição do parágrafo grifado:
288
Dr. João Remy Teixeira Freire, professor extraordinário, interino, do
Instituto Superior de Ciências Econômicas e Financeiras.
289
Transcrição do parágrafo grifado:
João Remy Teixeira Freire
Instituto Superior de Ciências Econômicas e Financeiras
Universidade Técnica de Lisboa
Fonte: Universidade do Porto, grifo dos autores.
290
A NATURALIZAÇÃO BRASILEIRA E AS PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES DE
REMY FREIRE PARA A SPM
291
João Remy Teixeira Freire, natural de Portugal, nascido a 24 de novembro de
1917, filho de Garibaldi Alves Freire e Laura da Silva Teixeira Freire, residente
no Estado do Paraná.
Fonte: Brasil (1953), grifo dos autores.
CONSIDERAÇÕES
292
Os desafios do desenvolvimento de uma pesquisa histórica como esta são
diversos. Sabemos que as eventuais lacunas causadas pela falta de acesso às
informações são inevitáveis. A dificuldade do acesso aos documentos e demais
informações vinculadas ao professor Remy Freire reforçaram a importância da
execução desta pesquisa e as suas contribuições para o entendimento da História
da Matemática no Paraná e, consequentemente, no Brasil.
O objetivo deste artigo de apresentar aspectos históricos da expulsão de
Remy Freire pelo regime ditador português no governo de António de Oliveira
Salazar e da sua imigração para o Brasil foi atendido na medida em que mostramos
o seu decreto de demissão em decorrência das suas ideologias serem contrárias
às do Governo, que eram embasadas na vanguarda dos princípios da Igreja
Católica quanto ao conservadorismo e ao tradicionalismo. A saída de Remy Freire
e dos demais professores de Portugal evidenciam a fragilidade do desenvolvimento
científico português frente a um regime político ditatorial, com um ensino limitado
pela crença na fé católica e nos princípios militares.
Por outro lado, a chegada da comunidade matemática portuguesa no
Brasil, marcou um novo momento para o núcleo matemático no Recife e em
Curitiba, sendo nesta última, possibilitada a criação da Sociedade Paranaense de
Matemática, considerada um divisor de águas na cultura matemática curitibana.
REFERÊNCIAS
293
BRASIL. Decreto de 17 de novembro de 1953. Conceder a naturalização que
pediram a fim de que possam gozar dos direitos outorgados pela Constituição e
Leis do Brasil. Diário Oficial: Seção I. Brasília, 20 nov. 1953. Ministério da Justiça
e Negócios Interiores.
294
REZENDE, J. António Aniceto Monteiro. 2011. Blog da Internet. Disponível em:
<http://antonioanicetomonteiro.blogspot.com.br/2011/04/joao-remy-teixeira-freire-
remy-freire.html>. Acesso em: 16 ago. 2016.
295
UMA PROPOSTA PARA O ENSINO DE CONJUNTO NO LIVRO “HORA
ALEGRE NA MATEMÁTICA”, 1.º GRAU
RESUMO
Neste artigo busca-se caracterizar elementos de um saber profissional do professor que
ensina matemática, por meio da análise do livro intitulado Hora Alegre na Matemática, de
autoria Romilda Araujo. O texto se ampara em autores que colocam o saber profissional
como tema para análise do ensino e da formação em contexto histórico. A questão que
norteou o estudo foi: “que matemática para ensinar surge ao analisar as orientações da
autora, no livro Hora Alegre na Matemática, ao introduzir o ensino de conjunto?”. A análise
desta obra revelou que, neste período, os professores necessitavam se apropriar das
noções deste conteúdo para tornar o ensino intuitivo e elementar. Além disso, se deveria
fazer uso de recursos materiais como por exemplo o flanelógrafo, de situações do dia a dia
e da utilização de objetos como dispositivo intuitivo para que a matemática pudesse se
tornar mais significativa.
INTRODUÇÃO
296
apresentando na formação de professores que ensinam matemática nas primeiras
séries do 1.º grau, entre os anos de 1960 e 1990, na cidade de São Paulo.
Para analisar a constituição dos saberes profissionais, elegemos como
ferramental teórico-metodológico conceitos advindos da História Cultural, da
História da Educação e da História da Educação Matemática. Dentre eles, faz-se
destaque: Chartier (1990), com as noções de representação e apropriação; Certeau
(2011), estratégias, táticas e discursos históricos; Hofstetter, Scheneuwly (2017),
saberes; e mais próximo do nosso objeto teórico Bertini, Morais e Valente (2017),
com os conceitos de matemática a ensinar e matemática para ensinar.
Neste estudo optamos pela matemática para ensinar, partindo da análise
do livro supracitado em linhas anteriores. O referido material tinha a intenção de
atender tanto as necessidades dos alunos, quanto as dos professores que ensinam
matemática nas primeiras séries do 1.º grau.
Concentramo-nos nas orientações da autora para o ensino de conjunto na
primeira série do 1.º grau, com vistas o questionamento que matemática para
ensinar surge ao analisar as orientações da autora, no livro Hora Alegre na
Matemática, ao introduzir o ensino de conjunto?
113A Comissão do Livro Técnico e Didático (COLTED), localizava-se no Rio de Janeiro, foi criada
em 1966 e extinta em 1971. Tinha como objetivo coordenar as ações referentes à produção, edição
e distribuição do livro didático.” (BATISTA; SANTOS; SOUZA, 2016, p. 1027).
297
FIGURA 1: Capa do livro Hora Alegre na Matemática114
114 A capa aqui apresentada refere-se à edição que possuímos, no entanto, na internet foi possível
encontrar uma capa diferente da que é apresentada aqui.
115 Para este artigo foi feita a opção por trabalhar apenas com o livro do primeiro ano primário.
298
QUADRO 1: Conteúdo trabalhado em cada plano de aula
Plano de O que deve ser trabalhado?
Aula
- Levar as crianças à ideia do conjunto.
- Corresponder um a um os elementos dos conjuntos.
- Ver conjuntos sem nenhum elemento.
N.º 2
- Desenvolver a discriminação visual.
- Desenvolver o vocabulário matemático: muito, pouco, mais, menos,
etc. (quantidade); maior, menor, etc. (tamanho).
- Usar o vocabulário, em cima, embaixo, antes, primeiro, à direita, à
N.º 3 esquerda, etc. (posição)
- Desenvolver a discriminação visual.
- Correspondência um a um entre os elementos dos conjuntos.
- Conjuntos formados de um só elemento.
N.º 4 - Conjuntos formados de nenhum elemento.
- Enumeração de 1 a 4.
- Identificação de 1 a 4.
- Enumerar de 1 a 4.
- Corresponder o nome do número à quantidade enumerada.
N.º 5 - Identificar rapidamente.
- Ler e escrever os numerais 1 e 2.
- Reproduzir as quantidades enumeradas.
- Corresponder um a um os elementos dos conjuntos.
- Enumerar, identificar e reproduzir conjuntos de 5 e 6 elementos.
N.º 6
- Escrever os numerais 3 e 4.
- Unir o símbolo numérico à quantidade correspondente.
- Comparar conjuntos e completar quantidades.
N.º 7 - Agrupar os elementos dos conjuntos do total 3 e 4.
- Usar os numerais 1, 2, 3 e 4.
- Enumerar até 7.
- Reproduzir quantidades.
N.º 8
- Escrever os números 5 e 6.
- Unir os símbolos às quantidades.
- Comparar conjuntos.
- Usar o símbolo de igualdade (=)
N.º 9
- Escrever a sentença matemática correspondente.
- Concluir se a sentença matemática é verdadeira ou não.
- Comparar quantidades.
- Completar conjuntos, deixando-os com a mesma quantidade de
N.º 10
elementos.
- Agrupar conjuntos de 5 elementos.
- Enumerar conjuntos de 8 e 9 elementos.
N.º 11 - Reproduzir quantidades.
- Escrever o numeral 7.
N.º 12 - Agrupar conjuntos de 6 elementos
- Comparar conjuntos.
- Usar o símbolo diferente
N.º 13
- Escrever a sentença matemática.
- Concluir se a sentença matemática é verdadeira ou não.
- Unir os símbolos às quantidades correspondentes.
- Completar conjuntos, deixando-os com o mesmo número de
N.º 14
elementos.
- Escrever os numerais 8 e 9.
N.º 15 - Agrupar conjuntos de 7 elementos.
N.º 16 - Agrupar conjuntos de 8 elementos.
299
N.º 17 - Agrupar conjuntos de 9 elementos.
Fonte: Elaborado pelo autor
116O flanelógrafo é um recurso didático. É uma placa coberta por uma flanela ou material
semelhante, no qual se fixa figuras diversas.
300
A partir desta imagem o professor poderá solicitar que os alunos liguem os
elementos de um conjunto, com os elementos do outro conjunto. Em seguida, ele
pode questionar se sobrou patinho que não teve ligação com outro, em algum
conjunto, ou ainda, se o aluno conseguiu alguma outra relação.
Para além do uso do flanelógrafo, outros materiais sugeridos pela autora
para serem utilizados são: lousa, caixa com tampinhas, palitos, material da
criança117, contador, etc. Um exemplo de uso de alguns destes materiais pode ser
encontrado em uma atividade no plano de aula n.º 6. Com o uso da lousa, orienta-
se o professor a construir uma estrela e perguntar aos alunos quantas são
observadas. Em seguida deve-se aumentar o número até quatro, sempre de modo
progressivo, fazendo com que o aluno possa dizer a quantidade. Depois, solicita-
se que eles coloquem sobre a carteira 3 tampinhas. Neste novo movimento o
professor poderá solicitar que os alunos representem de forma escrita a quantidade
de tampinhas que ele possui na carteira. Por fim, solicita que o aluno escreva em
numeral a quantidade quatro.
Por meio desta atividade, é possível perceber que o professor pode ir
construindo de modo gradual as etapas, primeiro utilizando uma representação
oral, a qual é obtida a partir da identificação de imagens. Após esse
reconhecimento, eles (os alunos) podem ir construindo compreensões sobre
aquela quantidade, passando para uma representação escrita do número que
significa a quantidade de tampinhas que há sobre a mesa. Na última etapa deste
ciclo, o aluno deve conseguir representar de forma simbólica o número quatro.
Percebe-se que nesse livro, orientava-se o uso de materiais, de modo que
o professor pudesse utilizá-los como suporte para o desenvolvimento das aulas. O
foco parecia estar no percurso que levaria à aprendizagem do aluno. Percebe-se
uma linearidade e uma sequência lógica para se desenvolver o conteúdo.
É certo que a vertente epistemológica e didática se manifesta na condução
dos planos de aula, enunciados pela autora, para conduzir o ensino de matemática.
Embora isso aconteça, percebe-se que a cultura escolar deste momento estava
117 Em nenhum local é explicado o que seria esse material da criança. Pelo modo que é utilizado na
atividade fica evidente que seja o caderno do aluno e lápis.
301
impregnada por uma vertente em que o professor inseria o aluno em uma prática e
um conhecimento mais voltado as suas ações cotidianas. Por esse motivo André
Chervel, nos garante que a disciplina escolar associada às práticas, deriva da
semelhança entre o trabalho docente e as condições ditadas pela sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O livro de Romilda Araujo, traz que o professor pode propor aulas que
agreguem a participação do aluno, de modo ativo, aproximando-o com o ensino de
matemática. Ademais, o modo que a autora conduz os planos de aula, possibilita
aos professores levarem o ensino a se aproximar mais do dia a dia dos alunos,
admitindo uma conjuntura mais moderna para ensinar.
Ao longo do livro Hora Alegre na matemática, percebe-se que o mesmo
atribui uma sequência metodológica “prática” para o desenvolvimento do trabalho
docente, uma vez que fornece ao professor planos de aula que favorecem um
trabalho com maiores experiências pelo aluno. Uma das ideias centrais é a de que
o aluno sempre deve construir a ideia do que está sendo trabalhado, a partir de sua
experimentação. As necessidades deles vão se materializando ao passo que o
professor se utiliza de recursos materiais que perfazem a observação e a
sistematização de um ensino mais participativo entre professor-aluno e aluno-
professor.
O processo de ensinar matemática proposto no livro de Romilda Araujo, de
certo modo, já empregava elementos do Movimento da Matemática Moderna, assim
como destacado na capa do livro de que “era para escola moderna”. As
informações aqui discutidas evidenciam contribuições da nova proposta dada pelo
Movimento da Matemática Moderna, as quais manifestam aportes teóricos
suficientes para oferecer condições para uma maior interação com a matemática.
Em Araujo (s.d), a matemática para ensinar já estaria posta desde a
sequência estabelecida pelos estágios que compreende os planos de aula. Em se
tratando do ensino de conjuntos, no livro podemos perceber, que a autora teve
cuidado ao propor que cada conceito fosse trabalhado em momentos adequados,
302
de modo progressivo: primeiro a compreensão do que era um conjunto, depois
correspondência, agrupamento, e por fim sentença matemática.
Ademais, a autora propõe que o professor construa a ideia de conjunto,
valendo-se de materiais concretos, para auxiliar o aluno a encontrar soluções para
questões propostas pelo professor.
Vemos que a dinâmica dada ao ensino de conjunto induz o aluno a
compreender o que estava sendo ensinado pelo professor, e essa percepção pode
ser verificada nas solicitações recorrentes do professor para que o aluno fizesse
representações ou observasse as representações que um conjunto pode tomar.
Retomando a nossa questão de investigação: Que matemática para
ensinar surge nas orientações da autora, no livro Hora alegre na Matemática, ao
introduzir o ensino de conjunto? Podemos indicar que a matemática para ensinar
estava presente na construção e no desenvolvimento da obra, que parte de uma
experimentação e das práticas da autora para melhor conduzir o desenvolvimento
dos alunos nas diversas escolas. Por fim, é possível dizer que o livro Hora Alegre
na Matemática, ao propor o estudo de conjunto, se revela como um documento
importante que objetivava uma matemática para ensinar em tempos do Movimento
da Matemática Moderna.
REFERÊNCIAS
303
CERTEAU, M. de. A Escrita da História. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense-
Universitária, 2011.
304
305
A ANTIGUIDADE DA MATEMÁTICA RECREATIVA COMO ATIVIDADE
HUMANA DE ENTRETENIMENTO
RESUMO
A Matemática Recreativa (MR) envolve jogos matemáticos, quebra-cabeças matemáticos,
problemas históricos, Problemas Recreativos, curiosidades topológicas, magia, arte, além
de outras tarefas de caráter lúdico e pedagógico. Quanto à origem histórica da Matemática
Recreativa, é impossível saber com exatidão. Para isso, destacamos antigos problemas de
natureza recreativa que servem como marcadores históricos úteis. O objetivo deste artigo
é apresentar antigos indícios de atividades com Matemática Recreativa à professores da
Educação Básica e estudantes do curso de Licenciatura em Matemática. Desse modo,
realizamos um mapeamento de pesquisa que versam sobre a Matemática Recreativa a
partir de Teses e Dissertações produzidas por pesquisadores brasileiros e estrangeiros.
Após esse mapeamento, nos trouxe como resultado, o entendimento da Matemática
Recreativa como uma abordagem metodológica que pode proporcionar motivação,
diversão, alegria, entretenimento e pode tornar a Matemática séria mais compreensível ou
prazerosa. Por fim, o nosso trabalho contribui para apresentar a Matemática Recreativa
aos professores de Matemática em formação.
INTRODUÇÃO
118
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). mcabst@hotmail.com
119
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). marllenearaujo@hotmail.com
306
propósitos mais comumente reconhecidos como promover o aprendizado de
Matemática, promover uma ligação da Matemática de sala de aula com a História
da Matemática, proporcionar um certo entretenimento, entusiasmo, e fora da sala
de aula, ser como meio de popularização da Matemática. No entanto, queremos
destacar algumas potencialidades que a Matemática Recreativa pode promover: o
prazer, a alegria, a diversão e outras dimensões positivas em sala de aula e, com
isto promover o desenvolvimento dos estudantes (SUMPTER, 2015).
Dessa forma, a Matemática Recreativa é uma abordagem metodológica,
importante para o ensino de Matemática, pois pode ser vista como uma forma lúdica
de apresentar problemas históricos, Problemas Recreativos, jogos matemáticos,
quebra-cabeças matemáticos, curiosidades topológicas, magia, arte, além de
outras tarefas de caráter lúdico e pedagógico, e não só para a diversão, mas para
despertar a curiosidade, desafiar, para desenvolver o raciocinio lógico e
matemático. Sendo assim, o uso da MR no ensino de Matemática pode contribuir
para tornar as aulas mais dinâmicas, divertidas, lúdicas e instigantes com os
conteúdos matemáticos.
Mas afinal, por que expor sobre a antiguidade da Matemática Recreativa
como atividade humana de entretenimento?
Nosso projeto de pesquisa maior versa sobre aspectos conceituais,
didáticos-pedagógicos e os tipos de tarefas mais frequentes em Matemática
Recreativa, a saber: jogos matemáticos, quebra-cabeças matemáticos e Problemas
Recreativos. No presente artigo, nosso objetivo é apresentar antigos indícios de
atividades com Matemática Recreativa e antigos problemas (clássicos) de natureza
recreativa. Além disso, apresentamos de modo sucinto definições e os aspectos de
MR, considerando os estudos de autores no campo da Educação Matemática em
âmbito nacional e internacional.
PERCURSO METODOLÓGICO
307
Este trabalho é caracterizado por uma abordagem metodológica de pesquisa
qualitativa. Inicialmente, realizamos um mapeamento de pesquisa (FIORENTINI,
PASSOS, LIMA, 2016) envolvendo Matemática Recreativa a partir de Teses e
Dissertações produzidas por pesquisadores brasileiros e estrangeiros publicadas
na área nos últimos 24 anos (1994 a 2018). Para o levantamento das Teses e
Dissertações foi realizada uma pesquisa que teve como fonte de consulta o Banco
de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), na base nacional da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD),
e na plataforma de Portal Periódicos Capes para busca de literatura internacional.
Posteriormente, realizamos uma análise nas Teses e Dissertações que
consideramos de maior relevância para nosso estudo. Após a análise, obtivemos
as concepções e aspectos da MR, as vantagens e desvantagens de introduzir essa
ferramenta em sala de aula, as principais tarefas em MR, matemáticos, obras e
autores que contribuíram para a divulgação da MR no Brasil e no exterior. Esses
resultados serão apresentados em publicações posteriores.
Veremos a seguir antigos indícios de atividades com MR, bem como antigos
problemas (clássicos) de natureza recreativa, e assim, enfatizar a importância
desses trabalhos para o fortalecimento da Matemática Recreativa e História da
Matemática.
308
uma classe enigmática de objetos projetados para manipulação e parecem datar
do período neolítico tardio (3000 – 2500 a.C.). Os objetos constituem-se de pedras
de arenito ou granito. Todos as pedras têm, aproximadamente, o mesmo tamanho
e são decoradas com padrões de saliências esculpidas em espaçamento uniforme
sobre botões circulares em torno da superfície da esfera (Figura 1).
309
problema computacional é o Quadrado Mágico (Figura 2). Supõe-se que o
Quadrado Mágico tenha sido construído durante o reinado do imperador Yu que
era conhecido pelos matemáticos chineses em torno de 2200 a.C.
310
principais classificações e os métodos de construção dos Quadrados Mágicos
(MENEZES, 2004).
Por entender que a compreensão da MR é central na nossa investigação, a
seguir apresentamos e discutimos alguns antigos problemas (clássicos) de
natureza recreativa, além de definições e os aspectos da MR.
311
tese de
Gonçalves (2011).
3. O Problema Hélio, o Deus do Sol, tinha bois e Para mais
do Gado vacas, divididas em quatro informações
rebanhos de diferentes cores: sobre as versões
branca, preta, malhada e castanha deste problema, e
e, cada parte, tinha bois e vacas. Os as soluções
bois: o número de bois brancos era históricas
um meio mais um terço dos bois consultar as teses
pretos mais o de castanhos; o de Bártlová (2016)
número de bois pretos era um e Gonçalves
quarto mais um quinto dos bois (2011).
malhados mais o de castanhos; o
número de bois malhados era um
sexto mais um sétimo do de bois
brancos mais o de castanhos. As
vacas: o número de vacas brancas
era um terço mais um quarto do
total de animais pretos; o número
de vacas pretas era um quarto mais
um quinto do total de animais
malhados; o número de vacas
malhadas era um quinto mais um
sexto do total de animais
castanhos; o número de vacas
castanhas era um sexto mais um
sétimo do total de animais brancos.
Quantos animais existiam ao todo
de cada tipo?
4. O Problema A princesa Dido solicitou ao rei Para mais
da Princesa Berbere Iarbas um pequeno pedaço informações
Dido de terra para um refúgio temporário
sobre os
até que ela pudesse continuar suaaspectos
jornada. Ela pediu a quantidade de
históricos da
terra que poderia ser englobada Lenda de Dido e
pelo couro de apenas um touro, o as soluções,
rei concordou. A inteligente Elisa,
consultar a tese
cortou a pele do touro em tiras bem
de Bártlová
finas, de modo que ela conseguiu o
(2016), a
suficiente para cercar toda uma dissertação de
colina. Souza (2014) e o
vídeo sobre a
Lenda de Dido.
5. O Problema Josefo e seus companheiros (40 O problema, as
de Josefo soldados) foram presos em uma versões da lenda
caverna, cuja saída foi bloqueada e as soluções
312
pelos romanos. Eles preferiram históricas
suicidar-se a serem capturados e encontram-se na
decidiram que iriam formar um tese de Bártlová
círculo e começar a matar-se (2016) e no artigo
pulando de três em três. Existe a de Ezquerra
possibilidade de alguém ocupar (2012).
uma posição em que seja possível
escapar da morte?
6. O Problema Um homem se encontra na margem O problema, as
de travessia – de um rio com um lobo, uma cabra variações dos
o lobo, a e uma couve. Para atravessar o rio enunciados e as
cabra e a existe apenas um barco pequeno, soluções
couve que cabe apenas o homem e um de encontram-se na
seus pertences. Como pode tese de Menezes,
atravessar em segurança o homem (2004, p. 15-23) e
junto com seus pertences? no artigo de
Lopes (2017, p.
73-90).
7. O Problema Quantos pares de coelhos serão O problema
dos Coelhos produzidos ao fim de um ano, aparece na obra
começando com um só par se, em Liber Abaci
cada mês, cada par gera um novo proposto por
par que se torna produtivo a partir Leonardo de Pisa
do segundo mês? (Fibonacci) e as
soluções
encontram-se na
tese de
Gonçalves (2011,
p. 430-437).
8. O Problema O problema consistia em saber se Para uma
das pontes era possível percorrer as pontes discussão mais
de que ligavam uma ilha no rio Pregel, detalhada sobre o
Königsberg em Königsberg (atual Kalinigrado, enunciado e a
na Rússia), ao restante da cidade, resolução do
sem passar pela mesma ponte problema
duas vezes. consultar o artigo
de Lopes e
Táboas (2015, p.
23-32).
9. O Problema Um problema de herança de 35 O problema foi
dos 35 camelos deve ser repartido, pelos extraído da obra
Camelos três herdeiros, da seguinte forma: o O Homem que
mais velho deveria receber a Calculava de
metade da herança; o segundo Malba Tahan
deveria receber um terço da (2017, p. 21-22) –
edição
313
herança; e o terceiro um nono da comemorativa de
herança. Como fazer a partilha? 120 anos do
nascimento do
autor e da
dissertação de
Segantini (2015).
Fonte: Produzido pelas autoras com informações disponíveis em Bartlová (2016) e
Segantini (2015).
314
às margens do Mediterrâneo, localizada onde hoje localiza-se o Líbano. A princesa
fenícia Dido fundou uma nova cidade que ficou conhecida como Cartago que hoje
pertence a Tunísia, menor país do norte da África.
Dido resolveu, de forma intuitiva, o que hoje é chamado de problema
isoperimétrico e que é enunciado da seguinte forma: Entre todas as curvas
fechadas simples no plano, de comprimento dado L, encontre aquela que engloba
maior área. A primeira demonstração do problema isoperimétrico amplamente
aceita surgiu em 1870 como consequência do trabalho do matemático alemão Karl
Weierstrass (1815 – 1897) em Cálculo das Variações. Depois de Weierstrass,
outros matemáticos obtiveram demonstrações do problema isoperimétrico usando
Geometria, Cálculo Diferencial e Integral e Séries de Fourier (BÁRTLOVÁ, 2016).
Para uma discussão mais detalhada sobre os aspectos históricos do
problema isoperimétrico sugerimos a Dissertação de autoria de Fabio Fiuza de
Souza (2014) intitulada A Lenda de Dido como motivação para o estudo de figuras
isoperímetro na educação matemática: explorando a dedução-lógica.
Recomendamos também o vídeo da série Matemática na Escola que aborda
conteúdos de Matemática do Ensino Médio sobre a Lenda de Dido
(http://www.youtube.com/watch?v=SSaOcnmYt6I).
Segundo Bártlová (2016), outro problema da antiguidade é O problema de
Josefo, uma lenda de Flávio Josefo (em latim, Flavius Josephus), historiador
romano-judaico que viveu no século I, primeiro século da Era Cristã (37 ou 38 d.C),
e autor do livro Bellum Judaicum – A Guerra dos Judeus). O famoso Problema de
Josefo, um clássico na MR, pode ser encontrado no artigo escrito por Pedro Alegría
Ezquerra (2012), intitulado Entre la matemática y la magia: la leyenda de Josefo y
la mezcla australiana.
Bártlová (2016) destaca também os Problemas de travessia – o lobo, a cabra
e a couve. Para este problema destacamos as contribuições da Tese de Menezes
(2004) que fez um estudo sobre a história de algumas Recreações Matemáticas. A
autora, traz a história, as versões e respectivas variações ao longo do tempo de um
problema de travessia da obra de Propositiones Ad Acuendos Juvenes de Alcuíno
de York (735 – 804), em português, Problemas para estimular os jovens.
315
Menezes (2004) evidencia um famoso problema de lógica que pertence a
uma classe de problemas conhecida como problemas de travessia – O problema
do lobo, a cabra e a couve – (problema número 18 de Alcuíno). Outra contribuição
sobre os problemas propostos por Alcuíno de York encontram-se no artigo de
Frederico José Andries Lopes (2017, p. 79-90) intitulado Propositiones Ad
Acuendos Juvenes, de Alcuíno de York – Tradução.
Bártlová (2016) aponta na obra Liber Abaci (O Livro do Ábaco, em 1202)
Problemas Recreativos e históricos do maior matemático italiano da Idade Média,
Leonardo de Pisa (1170 – 1250), mais conhecido como Fibonacci. O Liber Abaci é
um tratado sobre métodos e problemas algébricos em que o uso de numerais indo-
arábicos é fortemente recomendado. Fibonacci introduziu no Capítulo XII o
problema 37 que lhe deu fama, O problema célebre dos coelhos, e originou a
conhecida sucessão de Fibonacci.
Uma sequência numérica é dita recursiva quando um determinado termo
pode ser calculado, em função de termos antecessores. Para Bártlová (2016), a
sequência de Fibonacci foi a primeira dessas sequências recursivas conhecidas na
Europa. Para saber mais informações sobre Fibonacci, a sua obra Liber Abaci, o
problema dos coelhos e a sucessão de Fibonacci pode-se consultar a Tese de
Gonçalves (2011, p. 423-437).
Outro exemplo que merece destaque é apontado por Bártlová (2016) na
origem da Topologia ou, mais especificamente, da Teoria dos Grafos. A origem
dessa teoria está relacionada a um problema proposto por Leonhard Euler (1707 –
1783) sobre a possibilidade de percorrer as sete pontes da cidade de Königsberg
(atual Kalinigrado, Rússia) sem passar pela mesma ponte duas vezes. Bártlová
(2016) afirma que Euler fez um modelo simples da realidade que ele estava
estudando, o qual foi considerado por trabalhadores, posteriormente, um modelo
útil em outras situações.
Dessa forma, a MR surge como uma importante fonte de modelos
matemáticos que são a matéria prima para a pesquisa matemática. Outra
contribuição importante sobre o Problema das pontes de Königsberg é de autoria
316
dos pesquisadores Frederico José Andries Lopes e Plínio Zornoff Táboas (2015, p.
23-32) no artigo intitulado Euler e as Pontes de Königsberg.
Por fim, O Problema dos 35 Camelos extraído da obra O Homem que
Calculava, de Malba Tahan (2017) narra as aventuras e proezas matemáticas de
um calculista Persa – Beremiz Samir – na Bagdá (Capital do Iraque, situada à
margem do Rio Tigre) do século XIII. Ainda nessa linha sobre a referida obra,
destacamos a Dissertação intitulada Problemas recreativos na obra O Homem que
calculava, de Malba Tahan e a Resolução de Problemas da autoria de Clarice
Segantini (2015). Para a autora, o problema traz aspectos históricos e curiosos,
além de despertar a curiosidade e imaginação de quem os lê.
Bártlová (2016), afirma que não há uma definição clara sobre o que pertence
ou não à MR, mas o mais importante é chamar atenção para os Problemas
Recreativos e históricos que influenciaram a Matemática séria. Nesse sentido, é
importante destacar que nem todo problema matemático é um Problema
Recreativo.
Os problemas apresentados no Quadro 1 ilustram um tipo de tarefa
normalmente usada na MR. É importante destacar que certos Problemas
Recreativos não têm autoria conhecida por serem muito antigos enquanto outros
são de autoria de algum personagem de renome na Matemática.
De uma forma ou de outra, os problemas carregam historicidade, foram
criados com finalidade de entretenimento (espontaneamente ou não). Além disso,
os Problemas Recreativos têm potencialidade para divulgação científica ou para
uso pedagógico. Se, a este tipo de problemas, acrescentamos jogos e quebra-
cabeças matemáticos temos o que se costuma chamar de Matemática Recreativa.
Como argumenta Bártlová (2016), o que conhecemos hoje como MR tem
uma longa história e está intimamente ligada à própria Matemática. Além dos
exemplos anteriores (Quadro 1), é importante destacar que, nos séculos passados,
os grandes matemáticos se ocupavam da MR por interesse, curiosidade ou hobby.
Atualmente, a Educação Matemática procura usar a MR para fins pedagógicos.
Com base em Bártlová (2016), Nunes (2019) elaborou a seguinte definição
de MR:
317
Matemática Recreativa (MR) é uma parte da matemática de
sempre, a matemática “séria”, que carrega um traço de diversão.
Nela se entrelaçam quatro aspectos de fronteiras indefinidas que
podem ser assim nomeados: aspecto científico-popular; aspecto de
entretenimento, diversão; aspecto pedagógico e aspecto histórico
(NUNES, 2019, p. 23).
318
A MR pode servir de ponte para a elaboração de conceitos matemáticos e
sua abrangência vai além de jogos matemáticos, quebra-cabeças matemáticos,
Problemas Recreativos, desafios, competições, dentre outros, pois a MR é muito
ampla no campo da Matemática.
Desse modo, após o mapeamento de Teses e Dissertações produzidas por
pesquisadores brasileiros e estrangeiros que versam sobre MR nos trouxe
contribuições para o entendimento da MR como uma abordagem metodológica que
pode trazer um pouco de leveza, entretenimento, entusiasmo, aprendizado de
aspectos inesperados e não tradicionais da Matemática.
Como resultado do nosso estudo, apresentamos alguns aspectos da MR aos
professores de Matemática em formação inicial e/ou continuada para que eles
possam conhecer melhor sobre a MR e a posicionarem-se sobre o tema. Portanto,
esperamos que este trabalho possa contribuir para a introdução da MR em sala de
aula em diferentes níveis de ensino.
REFERÊNCIAS
319
GONÇALVES, I. M. F. L. Os Problemas da Matemática: o seu Papel na
Matemática e nas aulas de Matemática. Doutorado em Matemática – Ensino da
Matemática, Universidade da Madeira, Portugal, 2011.
320
A ANUNCIAÇÃO, DE LEONARDO DA VINCI:
uma prática matemática de artífices no século XV
Midiã Barbosa120
Gustavo Barbosa121
RESUMO
O objetivo desse estudo é explorar as relações entre arte e matemática no Renascimento
Italiano. O foco do trabalho concentra-se no quadro A Anunciação, pintado pelo jovem
Leonardo da Vinci em meados de 1470, quando ainda convivia no ateliê de Andrea de
Verrochio. Empregando uma metodologia de pesquisa histórico-bibliográfica, a análise do
quadro conta com uma interpretação em chave arquitetônica. Verifica-se a influência de
outra figura eminente do Renascimento, Leon Battista Alberti, que em homenagem a
Vitrúvio incorpora e aprofunda elementos da harmonia musical na construção de espaços.
Destaca-se o papel de Alberti como liame entre as culturas universitária e artística que
delimitava o ambiente em diversas regiões da Itália na época, Florença inclusive. A
exemplo de Alberti, Leonardo foi também um polímata que entrelaçava diferentes
interesses e não impunha divisão às formas de conhecimento. Entre os elementos
matemáticos presente no quadro A Anunciação está a sequência numérica de Fibonacci.
A convergência de significados, ocultos e explícitos, contribui para o esclarecimento dos
usos que pintores e outros artistas faziam da matemática como adornamento para sua arte.
INTRODUÇÃO
120
Universidade Federal da Integração Latino Americana (UNILA). E-mail:
midiajbarbosa@gmail.com.
121
Universidade Federal da Integração Latino Americana (UNILA). E-mail: gvbarbosa@gmail.com.
321
relações matemáticas são pouco exploradas. A partir de sua análise compositiva,
verificamos elementos matemáticos presentes na obra que seriam resultado da
influência de Leon Battista Alberti (1404-1472) sobre o jovem aprendiz Leonardo.
Desde suas proporções, o quadro da Anunciação apresenta medidas não
usuais às encontradas em outras obras da época. A saber, diferentes registros
reportam 100 x 221,5 m ou 98 x 217 m (VALLI, 2012, p. 39). Sua perspectiva
deslocada também é digna de nota, no caso o observador precisa se posicionar à
direita do centro do quadro. Contudo, são nos componentes ocultos a uma primeira
e descuidada vista que o engenho de Leonardo se revela.
Entre os números e figuras simbólicos, nos deparamos em nosso percurso
com a “extrema e média razão”, conceito definido no Livro VI dos Elementos de
Euclides (2009, p. 231). Amplamente difundido a partir do início do século XVI por
Luca Pacioli (1447-1517) em seu tratado A Divina Proporção, como “razão ou
proporção áurea”. A construção geométrica do retângulo áureo evolui para outro
retângulo, este mais alongado, cuja relação pode ser traduzida como √𝟓.
A medida que a pesquisa avançou, analisamos a terna 4, 6 e 9 disposta no
perímetro do quadro, e que divide os espaços da composição. Esses números, por
sua vez, revelam uma correlação entre música e espaço construído, uma aplicação
da harmonia musical à construções arquitetônicas e, por conseguinte, às suas
representações pictóricas. Por fim, a disposição dos blocos posicionados no canto
do muro da habitação da Virgem oculta a unidade de medida do quadro – a pedra
do construtor – e sua relação com a famosa sequência de Leonardo de Pisa (1170-
1250).
Para compreender os elementos presentes na Anunciação foi necessário
recorrermos a uma análise pictórica em chave arquitetônica, como a utilizada por
Franca Manenti Valli em seu livro Leonardo: il comporre armonico nella tavola
dell’Annunciazione, de 2012. Esta é, portanto, a nossa fonte primária. De outra
parte, na qualidade de pesquisa em História da Matemática, exploramos como a
conjuntura da sociedade e cultura contribuíram para a compreensão e
desenvolvimento dos vínculos entre arte e matemática no período que envolve a
composição da Anunciação. Para tanto, servimo-nos dos estudos do historiador
322
inglês Peter Burke, que em sua obra O Renascimento Italiano (2010) nos fornece
uma base histórica cultural e social da Itália do século XV. Um tal enquadramento
contextual ganha traços mais bem definidos sob a figura de Leon Battista Alberti.
Partimos do pressuposto de que o grupo cultural definido por pintores e
escultores diferencia-se socialmente daquele composto por escritores e
humanistas. Uma vez concebidos como espaços distintos e disjuntos – o
estúdio/oficina dos artistas e a universidade – nota-se um movimento de
aproximação promovido e estimulado por Alberti. Vale lembrar que uma das
características pelas quais Leonardo é lembrado é justamente “a habilidade de
conectar disciplinas – artes e ciências, humanidades e tecnologia” (ISAACSON,
2017, p. 21). A existência desse duplo sistema nos fez questionar como os artífices
adquiriam, compartilhavam e reinterpretavam os saberes da Antiguidade Clássica.
E ainda, como esses saberes poderiam estar disponíveis ao jovem Leonardo
durante o seu aprendizado na oficina de Andrea de Verrochio (1435-1488).
ELITE CRIATIVA
Burke (2010, p.57) utiliza a expressão “elite criativa” para se referir ao grupo
composto por 600 indivíduos majoritariamente masculino de pintores, escultores,
humanistas, escritores de medicina, de física, músicos, compositores, arquitetos,
entre outros. Os filhos de artesãos e donos de oficinas somam 114 membros, e
desses 96 são também artífices, escultores, isto é, trabalhadores manuais.
Simultaneamente, 40 profissionais liberais ou comerciantes e nobres abarcam os
pais conhecidos de humanistas, escritores de física, ou seja, profissionais
intelectuais.
Sendo assim, a elite criativa dividia-se em dois grupos: um literário
constituído por aristocratas e nobres, que investiam na educação universitária de
seus filhos, almejando melhores cargos nas cortes; e outro artístico formado por
artesãos, cujos filhos desde cedo começavam a trabalhar nas oficinas (o que
reduzia a possibilidade de seu letramento formal)122. Na ausência de uma formação
122
Ibidem, p. 63.
323
em latim os artesãos não eram considerados parte da elite cultural (ISAACSON,
2017, p. 53).
Uma explicação para o fenômeno está relacionada à diferença entre
treinamento e custeio, uma vez que a primeira categoria iniciava a preparação de
seus filhos em torno dos 16 anos, em média. Para esses, as artes liberais:
gramática, retórica e lógica (o trivium); astronomia, música, aritmética e geometria
(o quadrivium), formavam a base de estudos para que prosseguissem para um dos
três níveis mais altos: medicina, teologia e leis. Os filhos dos artesãos, por sua vez,
além das facilidades de observações precoces no ambiente do estúdio, tinham
também o incentivo fiscal das guildas (BURKE, 2010, p. 66-70).
Um forte ponto de convergência entre essas duas culturas era uma rígida –
porém não intransponível – hereditariedade da profissão do pai para o filho. O que
poderia ser considerado um infortúnio por nossa sociedade atual foi, para
Leonardo, sua salvação: o fato de ser filho ilegítimo. Vale ressaltar que a Florença
do século XV tinha valores diferentes dos nossos: “Outro ingrediente era o quanto
ele se sentia confortável com o fato de ser um tanto desajustado: filho ilegítimo,
gay, vegetariano, canhoto, muito disperso e, às vezes, herético”. (ISAACSON,
2017, p. 27-28)
Evidencia Isaacson (2017, p. 50) que uma vez nascido fora de um
casamento foi concedido a Leonardo escapar de uma corrente de pelo menos cinco
gerações de tabeliões na família. Apesar de não manifestar o interesse em legitimar
seu filho, “Ser” Piero da Vinci (1427-1504) providenciou-lhe alguma educação
formal, ainda que rudimentar, como foi o caso de uma escola de ábaco. Porém,
tendo percebido que o menino tinha mais interesse em desenhar do que por
qualquer outra coisa, aproveitou-se do contato com Andrea del Verrochio que dirigia
um dos melhores ateliês de Florença, para direcionar as habilidades do menino.
Inserido nesse ambiente, Leonardo engajou-se no programa de estudos de
Verrochio, que envolvia anatomia, música, filosofia e geometria, além de técnicas
para escultura e efeitos de luz e sombra na pintura, como o panejamento, o
“chiaroscuro” e o “sfumato”. Outra das funções dos mestres de ateliês de Florença
era “trabalhar nos festivais e espetáculos públicos dos Médici” (ISAACSON, 2017,
324
p. 64), cuja experiência ensinaria Leonardo a perspectiva e motivaria seus
posteriores mecanismos engenhosos.
Especificamente no caso dos artífices, o ateliê era ocupado por assistentes,
aprendizes e outros pintores, em um ambiente altamente colaborativo.
123
Ibid., p. 87.
325
intelectuais e viu na publicação uma forma de acelerar a geração de conhecimentos
(ISAACSON, p. 49-50).
ENCARNAÇÃO DIVINA
FIGURA 1: A ANUNCIAÇÃO
326
a Leonardo foi muito discutida”. De outra parte, segundo David A. Brown, a obra
“foi concebida e executada com espírito de pesquisa científica, e que para Leonardo
ela deveria ter a mesma eficiência da estrutura arquitetônica que a contém,
construída segundo as regras da geometria” (apud VALLI, 2012, p. 21).
O quadro pode causar estranhamento a um observador desatento por causa
da técnica chamada anamorfose utilizada por Leonardo, “que sugere que o ponto
de vista ideal para se olhar a imagem seja por uma de suas laterais” (ISAACSON,
2017, p. 78). No caso, a lateral direita. Certamente, os elementos evidentes já
tornam o quadro digno de admiração, contudo, o nosso foco está nos componentes
ocultos à uma breve vista.
327
Fonte: Valli, 2012, p. 59
O processo de construção geométrica inicia-se com um quadrado, a partir
do qual pode-se construir o retângulo áureo, e, posteriormente, pelo mesmo
processo chega ao retângulo √𝟓.
328
Euclides na Proposição 11 do Livro II dos Elementos (2009, p. 146-147). Isto é,
toma-se o ponto médio do lado 𝑳 do quadrado, depois, com a ponta seca do
compasso em 𝑳⁄𝟐 e a outra no vértice, obtém-se o comprimento 𝑳 ∗ 𝝋 sobre a
extensão do lado 𝑳 , a partir do qual irá se construir o retângulo. Por fim,
empregando o mesmo processo com o compasso a partir da diagonal do retângulo
áureo chega-se ao retângulo √𝟓.
Observa-se o fato que de que tal proporção não é exata se cotejarmos as
medidas mencionadas anteriormente. Das medições do quadro reportadas acima
temos: 𝟐𝟐𝟏, 𝟓⁄𝟏𝟎𝟎 = 𝟐, 𝟐𝟏𝟓 e 𝟐𝟏𝟕⁄𝟗𝟖 ≈ 𝟐, 𝟐𝟏𝟒𝟐 … , ao passo que √𝟓 ≈ 𝟐, 𝟐𝟑𝟔 … .
Não obstante, o tipo de exatidão a que estamos acostumados não era uma
pretensão renascentista.
No entanto, o “percurso geométrico” (VALLI, 2012, p. 60) para a construção
do retângulo √𝟓 passa por um itinerário diferente, como mostrado abaixo:
329
Fonte: Valli, 2012, p. 60-61.
330
por Vitrúvio. Suas reflexões a respeito dos intervalos musicais concentram-se nos
Capítulos IV e V do Livro Quinto de seu tratado Da Arquitetura (Polião, 1999, p.
124-128), em que trata da organização dos espaços em edifícios públicos. Quanto
a Alberti, o exame das áreas mais convenientes para o dimensionamento de obras
arquitetônicas encontra-se nos Livros V, VI e IX de Da Arte de Construir. Interessa-
nos aqui em específico as relações harmônicas de origem musical descritas por
Alberti que definem a construção do perímetro d’A Anunciação.
A consonância diapente ou sesquiáltera, que significa basicamente uma
parte mais a sua metade (1 + 1/2) compreende, portanto, a proporção 2 : 3, e
caracteriza o intervalo musical de quinta. Sua representação geométrica é um
retângulo cuja razão entre as dimensões é de dois para três.
331
Fonte: Valli, 2012, p. 55
A PEDRA FUNDAMENTAL
A análise pictórica realizada por Valli (2012) nos permite identificar uma
unidade fundamental no quadro, algo difícil posto que suas dimensões não
condizem com as medidas florentinas em voga na época da composição d’A
Anunciação. O ponto de convergência das linhas ortogonais que divide a cena
evidencia um bloco na aresta da residência. Do mesmo modo, nos cinco blocos
que compõem o canto da casa também observa-se que tanto o rosto do anjo como
o da Virgem seguem a mesma proporção e estão posicionados na altura do
primeiro e terceiro bloco, respectivamente.
332
Fonte: VALLI, 2012, p. 100.
333
Fonte: Valli, 2012, p. 121 e 124, respectivamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
334
do jardim, aposento da Virgem e a paisagem e, portanto, são úteis à delimitação e
à colocação. Permitem, dessa forma, apreciar a obra em uma harmonia racional.
Burke (2010) põe atenção nos termos utilizados na época para descrever as
pinturas, entre eles estão: natureza, ordem, riqueza, expressividade e habilidade.
Haviam duas ideias de natureza no período: a do mundo físico e da força criativa.
Alberti pressupõe que os artífices devem empregar a segunda concepção pois “a
natureza raramente atinge a perfeição, e os artistas devem visar a beleza, como
faz a natureza” (BURKE, 2010, p.173).
Uma pista para o uso das proporções na pintura, arquitetura, pode estar nos
valores compartilhados por alguns membros da elite criativa, como era o caso de
Lorenzo Ghiberti (1378-1455) e Piero de la Francesca (1415-1492) (BURKE, 2010,
p. 174). As analogias entre as proporções dos edifícios com as do corpo humano e
entre harmonia visual e musical foi comum no século XV; uma implicação é a de
que a beleza segue regras racionais, de fato regras matemáticas. Tal concepção
se confunde no espaço do ateliê pois tem a capacidade de proporcionar regras para
a beleza, mas também pode ter sido utilizada pelos mestres enquanto ferramenta
de ensino.
É de nosso conhecimento que Leonardo foi um eminente observador da
natureza e buscou durante sua vida conjuga-la com a teoria e a prática, e mesmo
jovem demonstrou compreender a pintura como uma premissa intelectual.
Acreditamos que suas escolhas parecem estar ordenadas mediante um processo
mensural onde cada linha é traçada com o intento de lograr uma perfeita
coordenação das partes. O mais interessante para nós é reconhecer as práticas
artísticas e matemáticas como pertencentes ao espaço de ateliê.
Na condição de uma iniciação científica, o propósito desse trabalho não é
determinar relações esotéricas na obra juvenil de Leonardo da Vinci, mas propor
um diálogo a partir da interpretação proposta pela arquiteta italiana Franca Manenti
Valli. Em vez de discutir as possíveis intenções de Leonardo, julgamos ser mais
proveitoso verificar os usos que artistas poderiam fazer da matemática. Como se
vê no trabalho que ora se apresenta, a matemática subsumida à arte lhe conferia
legitimidade, ordem e medida. Interessa-nos, sobretudo o resultado dos
335
intercâmbios entre cultura universitária e artística, que teve em Leon Battista Alberti
um de seus maiores representantes. A extensão de sua influência é tema que
merece aprofundamentos.
Por fim, ressaltamos que há ainda outras relações a serem exploradas n’A
Anunciação de da Vinci, e que esta trata-se de uma primeira abordagem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
336
VALLI, F. M. Leonardo: il comporre armonico nella tavola dell’Annunciazione.
Milano: Silvana Editoriale S.p.A., 2012.
337
A AXIOMÁTICA DE EUCLIDES E HILBERT:
Apontamentos históricos e considerações
RESUMO
O presente trabalho deriva-se de uma proposta de dissertação de mestrado que se
encontra em fase inicial e está sendo desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em
Ensino (PPGEn), vinculado à Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).
Nesse artigo, apresentamos um recorte do desenvolvimento da geometria euclidiana,
tendo como personagens principais aqui citados, Euclides de Alexandria (c. 300 a.C.) e
David Hilbert (1862-1943). Nosso objetivo é buscar na História da Matemática, na
geometria especificamente, a contextualização de como se deu o desenvolvimento dos
conceitos geométricos abordados no ensino de geometria referenciados nos currículos de
cursos de Licenciatura em Matemática das universidades estaduais públicas do Paraná,
na tentativa de melhor compreender o impacto da apresentação axiomatizada da geometria
na formação inicial do professor. A metodologia utilizada neste trabalho foi a pesquisa
bibliográfica. Concluímos que tanto o sistema axiomático de Euclides quanto de Hilbert,
cada um com suas particularidades, apresentam proposições da Geometria Euclidiana que
trabalhamos hoje, entretanto se estruturaram sobre perspectivas científicas distintas:
enquanto Euclides se apoia numa geometria mais pragmática, ocupando-se de expor as
propriedades do espaço idealizado pelos gregos, Hilbert constrói sua geometria de forma
abstrata. Ademais, ao estudar a História da Matemática, seus personagens e desfechos,
entendemos o processo que levou às descobertas de temas, mostrando nuances que
poderiam passar despercebidas, o que contribui para o enriquecimento da aprendizagem
e para compreensão da ordem estabelecida em algumas sequências de conteúdos.
INTRODUÇÃO
124
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). E-mail: gabrieladaianedefreitas@hotmail.com.
125
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). E-mail: kellyrobertaml@gmail.com.
338
Esse artigo trata-se de uma investigação em andamento, versando sobre
história da geometria e o sistema axiomático, tendo como Euclides e Hilbert as
personagens principais. Destaca-se que essa pesquisa é parte de uma proposta de
dissertação de mestrado que está sendo desenvolvida no Programa de Pós-
Graduação em Ensino (PPGEn), vinculado à Universidade Estadual do Oeste do
Paraná, campus de foz do Iguaçu (UNIOESTE/Foz).
O estudo aqui, inserido na linha da História da Matemática (HM), tem como
objetivo apresentar um recorte do desenvolvimento da geometria de Euclides de
Alexandria e David Hilbert, perscrutando a evolução do sistema axiomático
geométrico. Nesse sentido, trataremos de forma breve como o método axiomático
grego evoluiu até aos padrões que ensinamos hoje em dia. Por questão de
exequibilidade, não traçaremos aqui todo o percurso histórico do desenvolvimento
da geometria, desde o seu início até a atualidade, mas faremos um recorte,
destacando as ideias de Euclides e Hilbert, que corrobora como um dos objetivos
de nossa dissertação, que é realizar uma contextualização histórica de como se
deu o desenvolvimento dos conceitos geométricos abordados no ensino de
geometria referenciados nos currículos de cursos de Licenciatura em Matemática
das universidades públicas estaduais do Paraná. Para melhor compreensão do
cenário das duas épocas, elencamos um pouco do contexto sociocultural das
mesmas, seguido pela apresentação de aspectos do desenvolvimento da
geometria destes atores.
339
(338 a.C.), onde Felipe II da Macedônia (382-336 a.C.) derrotou o exército formado
pela liga das cidades gregas, e assim, a Grécia tornou-se parte do Império
Macedônio (FUNARI, 2002).
Em 336 a.C., dois anos após a queda dos estados gregos, Filipe II foi
sucedido por seu filho, Alexandre o Grande (356-323 a.C.), que deu início à uma
carreira de conquistas militares ímpar, através da Ásia e nordeste da África. Essa
expansão foi responsável pela disseminação da cultura grega pelo Oriente, na qual
Alexandre fundou diversas cidades que levavam o seu nome, com destaque para
cidade de Alexandria, no Egito.
Segundo Funari (2002, p. 74-75), com o falecimento de Alexandre, em 323
a.C., seu vasto império dividiu-se entre seus principais comandantes militares,
resultando na formação de monarquias na Macedônia, Egito e na Síria. O reino
Ptolomeu I (c. 367-283 a.C.) incluía o Egito e as regiões adjacentes. Ainda, segundo
Eves (2011, p. 166), este escolheu Alexandria como sua capital, onde construiu a
famosa Universidade de Alexandria, instituição religiosa e científica que dispunha
de salas de aula, laboratórios, jardins, bibliotecas bem aparelhadas e habitações.
340
109). Assim, ainda perdura por vários séculos a importância ao pensamento lógico
e dedutivo e o poder da argumentação nos grandes centros de cultura, tal como a
Universidade de Alexandria.
EUCLIDES E OS ELEMENTOS
341
dos irracionais e seguindo as contribuições que Aristóteles propusera através das
cuidadosas distinções que sempre deveriam ser feitas entre número e magnitude.
Foi, portanto, “completo” e bem organizado (KATZ, 2009).
Segundo Fernandes (2017, p. 18), Aristóteles faz uma distinção muito
pertinente relacionada à questão dos incomensuráveis e a impossibilidade de sua
representação aritmética, onde embora argumentando que aritmos, conceito grego
de número, mais estrito que os números naturais por não abranger o zero e o um,
e magnitude pertençam a mesma categoria de quantidade, são de espécie distinta:
aritmos é discreto e magnitude é contínua, sendo essa distinção efetuada da
seguinte maneira: é discreto aquilo cujas partes não têm limite comum.
De acordo com Bicudo (2009, p. 41), quando se pensa na dificuldade que
era a confecção de cópias manuscritas na época, se um tratado trouxesse algo
excelente e bem organizado, passava-se a copiar este em detrimento de outrem e
tendo escrito seu trabalho a cerca de 2.300 anos, não há cópias autografas ou
mesmo provenientes daquela época. Os fragmentos mais antigos foram
descobertos no Egito datados de aproximadamente 225 a.C., nas quais parecem
estar escritas notas de duas proposições do Livro XIII, e pedaços de papiro que
contém partes do Livro II datados de cerca de 100 a.C. (KATZ, 2009, p. 52).
Os Elementos é um trabalho constituído por treze livros, que tratam não
somente da geometria, mas contém teoria dos números e álgebra elementar
(geométrica). O tratado se compõe de 465 proposições distribuídas nos trezes
livros. Seus primeiros seis livros formam um tratamento relativamente completo de
magnitudes geométricas bidimensionais enquanto os livros VII-IX tratam com a
teoria dos números, de acordo com a instrução de Aristóteles para separar o estudo
de magnitude e número.
De fato, Euclides incluiu dois tratamentos inteiramente separados da teoria
da proporção, no Livro V para magnitudes e no Livro VII para números. O Livro X
então fornece a ligação entre os dois conceitos, porque é onde Euclides introduz
as noções de comensurabilidade e incomensurabilidade, mostrando que, no que
diz respeito às proporções, magnitudes comensuráveis podem ser tratadas como
números. O livro continua apresentando uma classificação de algumas grandezas
342
incomensuráveis. O livro XI trata do estudo das figuras tridimensionais e no Livro
XII com método da exaustão aplicada a objetos bidimensionais e tridimensionais.
Finalmente, no Livro XIII, ele estuda poliedros regulares e poliedros inscritos em
uma esfera (KATZ, 2009).
343
solução, bem conveniente, aliás, é acolher que alguns termos devem ser aceitos
sem definição. Essas afirmações assumidas inicialmente se denominam
postulados ou axiomas.
Conforme Katz (2009, p. 53), Euclides prefaciou vários dos treze livros com
definições dos objetos matemáticos discutidos, em consonância com a visão
aristotélica de que um trabalho científico necessita começar com definições e
axiomas. Dessa forma, Euclides toma seu trabalho no pano de fundo de seus
axiomas e postulados, e assim, passa a provar um resultado após o outro, baseado
em resultados ou axiomas anteriores.
Eves (2011), aponta, que devido a mudanças e acréscimos feitos por
editores subsequentes, não se sabe com precisão quantas ou quais afirmações ele
assumiu como seus postulados e quais assumiu como axiomas. Euclides faz a
diferenciação entre axioma e postulado, onde os postulados são verdades
geométricas, dão significado ao objeto em estudo, no caso a geometria, enquanto
os axiomas (ou noções comuns) constituem verdades comuns a qualquer área e
possuem validade geral. Seguem os axiomas,
344
1. Fique postulado traçar uma reta a partir de todo ponto até todo
ponto.
2. Também prolongar uma reta limitada, continuamente, sobre uma
reta.
3. E, com todo centro e distância, descrever um círculo.
4. E serem iguais entre si todos os ângulos retos.
5. E, caso uma reta, caindo sobre duas retas, faça os ângulos
interiores e do mesmo lado menores do que dois retos, sendo
prolongadas as duas retas, ilimitadamente, encontrarem-se no lado
no qual estão os menores do que dois retos. (EUCLIDES, 2009, p.
98)
345
axiomas foram desenvolvidos para o conjunto de inteiros positivos, e um grande
esforço foi realizado para a definição precisa da ideia de um número real.
A teoria geral dos conjuntos produziu alguns paradoxos tão profundos e
inquietadores que se impôs um tratamento urgente. A própria lógica, como
instrumento usado pela matemática para obter conclusões a partir de hipóteses
aceitas, foi aprofundada minuciosamente. É claro, o mais antigo sistema de
axiomas que existia era o de Euclides para o estudo da geometria, e, como os
matemáticos tinham noção, ele possuía diversas falhas lógicas (KATZ, 2009)
(EVES, 2011, p. 655).
346
Será que os axiomas da geometria euclidiana eram consistentes?
Ou estavam enterrados na enchente obscura de suas
consequentes proposições que, junto com suas negações, podiam
ambas ser demonstradas? (BERLINSKI, 2018, p. 101)
347
Hilbert viveu entre o final do século XIX e início do século XX, que são
marcados por vários acontecimentos históricos que influenciaram em muito o
desenvolvimento de todas as áreas da ciência, desencadeando uma época de
investigações científicas sem precedentes. A Revolução Industrial, que começou
no século XVIII na Inglaterra e durante o século XIX se espalha pelo continente
europeu e América, impulsionou o crescimento econômico e tecnológico numa
velocidade espantosa, marcando assim o início de mudanças radicais na estrutura
da sociedade (EVES, 2011, p. 516-517).
No campo da matemática, na segunda metade do período oitocentista, é
indiscutível a excelência em tratados de álgebra, análise e teoria dos números, a
formulação dos conceitos das grandes estruturas sobre as quais podemos
caracterizar comportamentos das operações matemáticas e do nascimento da
álgebra abstrata moderna. É nesse período que sob o desenvolvimento de várias
geometrias não euclidianas, permanecia uma questão em aberto no meio
acadêmico, que era a existência ou não de uma contradição interna na geometria.
348
com isso Hilbert se dedicou a uma expansão e por consequente reforma da lista
original dos cinco postulados, transformando-os em vinte.
Hilbert desejava elaborar o enunciado de um sistema de axiomas completo
e tão simples quanto possível para a geometria, e deduzir deles os teoremas
geométricos mais importantes de tal forma a trazer o mais claramente possível o
significado dos diferentes grupos de axiomas e a projeção de cada um dos axiomas
nas consequências que deles se retiram (HILBERT, 1950, p. 1).
De acordo com Martins (2011, p. 154), esta abordagem marca a transição
para o método axiomático moderno, onde os axiomas agora não são mais vistos
como verdades auto evidentes.
349
Demonstra assim, um teorema a partir da estrutura ou das propriedades que os
elementos admitem dentro da estrutura.
Euclides começa seu primeiro livro tentando definir os entes geométricos,
onde coloca, “ponto é aquilo que nada é parte” (EUCLIDES, 2009, p. 97). Esta é a
primeira coisa que ele diz e a primeira coisa que é contestada, pois qual é o
significado de partes? Veja que é uma definição que significa pouco, pois se
axiomas podem ser aceitos sem prova, também alguns termos deveriam ser aceitos
sem definição.
Eis o que Hilbert escreve sobre os elementos da geometria, logo ao iniciar
o primeiro capítulo de Fundamentos da Geometria,
350
anunciou o seu Primeiro Teorema da Incompletude que [...] mostra
que o Programa de Hilbert é inexequível. (GASPAR, 2018, p. 7)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
351
instrução mais pragmática para uma área do ensino básico que essencialmente se
apoia no concreto?
Estas são algumas questões que queremos discutir e acreditamos que
entender a história em que se concretizaram tais descobertas referentes a
geometria irá nos ajudar a elucidá-las.
Por fim, ao estudar a História da Matemática, seus personagens e
desfechos, entendemos o processo que levou à descoberta de temas e conteúdos,
mostrando nuances que poderiam passar despercebidas. Com este trabalho,
espera-se incentivar novas produções na área, de modo a contribuir, também, para
o entendimento do contexto em que as ideias matemáticas surgem, estimulando a
aprendizagem e a pesquisa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
352
HILBERT, David. The Foundations of Geometry. The Open Court Publishing
Company, 1950.
NOVA CULTURAL. Vida e Obra. In: PLATÃO. Diálogos. São Paulo: Nova
Cultural, 1999, 5-7.
353
A EVOLUÇÃO DA NOÇÃO DE CONTINUIDADE E REFLEXÕES SOBRE A
RELAÇÃO ENTRE DISCRETO E CONTÍNUO
RESUMO
As fontes históricas conhecidas levam a crer que a compreensão ou elaboração da noção
de continuidade, bem como sua oposição à ideia de discretude – ou propriedade de ser
discreto – surgiu na Grécia Antiga. Um dos belos exemplos foi Zenão, que com seus
paradoxos apresentou ao mundo intelectual da época tal contradição com enorme clareza.
Até o surgimento da Revolução Científica e da noção de função, a continuidade era
relacionada ao movimento de um objeto de um ponto a outro. Com a modernidade essa
visão muda, sobretudo a partir da obra de Descartes e da plena incorporação dos estudos
dos números e operações à matemática teórica, bem como à relação que se estabelece
entre geometria e análise a partir daí, que o mesmo realiza. Newton e Leibniz abordam de
maneira nova, a partir dos conceitos do cálculo que desenvolvem, a noção de continuidade
e da matemática discreta a partir do estudo de séries e do movimento, mas ainda passaria
mais de um século até o momento em que Bolzano e Cauchy, inicialmente, e Weierstrass
e Dedekind, posteriormente, criassem as definições de continuidade que são usadas até
os dias atuais, que resultaram na unificação entre o discreto e o contínuo. No presente
artigo, realizado de acordo com a metodologia documental-bibliográfica, mostraremos
aspectos dessa história buscando compreender como se deu, ao longo da história, a
relação entre contínuo e discreto, e sua relação com a questão do formal e intuitivo.
OS INÍCIOS DA CONTINUIDADE
Mais de 2000 anos antes de surgir uma definição formal da continuidade
de funções, se costumava atribuir a propriedade de ser contínua a uma grandeza
126
Universidade Federal de Goiás (UFG). ironeijunior@discente.ufg.br 1.
127
Universidade Federal de Goiás (UFG). humberto_climaco@ufg.br 2.
354
ou fenômeno da natureza quando este era constituído de um todo ininterrupto, sem
furos, como é o segmento de reta, ou como se supõe que seja o tempo ou o
movimento. Em geral, a continuidade estava associada à noção de movimento e
de relação.
Um dos grandes exemplos dessa noção é o paradoxo de Zenão que retrata
uma corrida entre a tartaruga e o herói de guerra Aquiles, a relação consistia em
algo parecido com a organização dos pontos na reta, que remete a uma concepção
discreta.
O mais conhecido dos paradoxos formulados por Zenão é o chamado “de
Aquiles e a Tartaruga”, e pode ser enunciado da seguinte forma: numa corrida em
entre Aquiles e a Tartaruga em que esta última sai na frente, cada vez que Aquiles
alcança o local exato em que se encontrava a Tartaruga, ela já percorreu certa
distância e se encontra em outro ponto; isso ocorre sucessivamente, numa
quantidade indefinida de vezes, de modo que, por mais que Aquiles corra, ele
nunca encontrará a Tartaruga.
Em oposição à continuidade se encontra o atributo de ser discreto: diz-se
que algo é discreto quando é separável, como se costumam considerar os
números.
355
Os atomistas conceberam, ao contrário de Aristóteles, um universo
discreto, formado por partes indivisíveis isoladas, e usaram estes conceitos para
calcular o volume de sólidos e a área de figuras geométricas.
A busca, por parte dos gregos, de construir uma matemática que se
adequasse a seus ideais estéticos e metafísicos fez com que – apesar de suas
grandes contribuições – houvesse uma desvalorização da noção de número, o que
os afastou da busca de uma definição numérica, discreta e estática, da
continuidade.
É por isso que as soluções dadas por Eudoxo, Aristóteles, Teeteto e
Euclides para a crise dos fundamentos priorizou a fundamentação dos conceitos
matemáticos na geometria, cujos objetos são contínuos; em detrimento do discreto,
do número. Prevaleceu na matemática grega, uma concepção geométrica contínua
de matemática e não aritmética ou discreta.
A CONTINUIDADE NA MODERNIDADE
356
explorar outros aspectos da matemática – em particular curvas que expressavam
movimento e os aspectos operacionais dos números e das contas.
No entanto, conhecedores das obras dos gregos e utilizando-as, houve no
período da Revolução Científica uma forte união entre os aspectos discreto e
contínuo: a valorização dos números não se deu apenas como fonte de cálculos
práticos, mas como valorização teórica dos mesmos, o que levou à fundação da
álgebra (ver BOUTROUX (1992)) e à criação da geometria analítica.
Descartes usou coordenadas, desenvolveu uma álgebra de fácil operação,
revalorizou os números e aceitou na geometria uma série de curvas que os gregos
não admitiam. Kepler retomou concepções atomistas para cálculo de áreas e
volumes.
Mas o surgimento da noção de função no século XVII ainda não colocou
para os matemáticos, de imediato, a questão de definir funções contínuas, e a
noção de continuidade só viria a ser tratada de maneira separada da noção de
movimento ou transformação de fenômenos da natureza no século XIX.
Embora Newton tenha realizado importantes estudos sobre séries
numéricas, sua obra Principia Mathematica Philosophiae Naturalis ainda está
repleta de demonstrações geométricas.
Newton concebeu quantidades contínuas por meio do movimento contínuo,
rejeitando explicitamente a definição de curvas como formadas por pontos, mas as
compreendeu como sendo geradas pelo movimento de pontos. A falta de definição
adequada de conceitos fundamentais do Cálculo, como limites e continuidade (e,
portanto, também de convergência, derivação e integração), o levou a algumas
contradições, como Berkeley (2010) viria a mostrar.
Leibniz tratou da noção de continuidade em diversas obras e também em
suas correspondências. Em 1702, em carta a Varignon, ele afirma que “se alguma
transição contínua se supõe como terminando num certo limite, então é possível
formar um raciocínio geral que abarca também o limite final” (Leibniz, 1859, p. 93).
Em outra publicação, aparece a afirmação de que “A natureza ... nunca dá saltos”
(LEIBNIZ, 1890, p. 567). Outra ainda afirma que “Nenhuma mudança se faz por
meio de saltos” (LEIBNIZ, 1879, p. 168).
357
Em uma carta endereçada a Bayle de 1687, Leibniz apresenta de uma
maneira ainda diferente a lei da continuidade: como um “princípio de ordem geral”,
cuja origem se assenta no infinito e é de fundamental importância na geometria e
na física:
Quando a diferença entre dois casos dados numa série dada [ou
que] se pressupõe que pode diminuir até se tornar menor do que
qualquer quantidade dada, a diferença correspondente encontrada
ou nos seus resultados deve ser necessariamente também
diminuída ou tornar-se menor do que qualquer quantidade dada.
Ou, para dizer isso de maneira mais comum, quando dois casos ou
dados se aproximam um do outro continuamente, de maneira que
um pelo menos passa pelo outro, é necessário para suas
consequências ou resultados (ou o desconhecido) que façam o
mesmo. Isso depende de um princípio mais geral, que, conforme
os dados são ordenados, também os desconhecidos são
ordenados [Datis ordinatis etiam quaesita sunt ordinata] (LEIBNIZ,
1969, p. 37; orig.: LEIBNIZ, 1887, p. 52).
358
Mas, enunciada dessa forma, a lei da continuidade tornava-se equivalente
ao Teorema do Valor Intermediário, o que colocou tal teorema como algo
fundamental (equivalente a um princípio) para a Matemática, pela primeira vez. (cf.
SCHUBRING, 1993).
É no século XVIII que a matemática começa a tomar a forma que ela tem
hoje, e os tratados matemáticos, e mesmo os de mecânica, passaram a conter cada
vez menos desenhos e cada vez mais fórmulas, funções e séries.
Critérios de convergência de séries, essenciais para a definição de limite,
não eram estudados a fundo. Prosseguiram explicações que ora recorrem a
analogias com a natureza, ora a argumentos metafísicos.
As contradições nas tentativas de definir os conceitos básicos do cálculo
continuavam sem solução, e somente D'Alembert tentou definir seus conceitos em
termos de limite, mas ainda com certas dubiedades.
A consequência prática disso é que as séries infinitas, que apareciam com
cada vez mais frequência na resolução de equações diferenciais, chegavam a
resultados totalmente absurdos, mesmo nas mãos de grandes matemáticos.
Como consequência da interpretação da lei da continuidade leibniziana,
Bernoulli, posteriormente, postulou o Teorema do Valor Intermediário como um
conceito físico, e não matemático:
359
A ideia de linhas curvas em primeiro lugar leva à sua divisão em
curvas contínuas e descontínuas. Chama-se uma linha curva de
contínua quando sua natureza é determinada por uma função
específica de x; ao contrário, ela é chamada de descontínua ou mista
e irregular quando diferentes partes dela, BM, MD, DM etc., são
determinadas por diferentes funções de x (EULER, 1748).
ARITMETIZAÇÃO
Chama-se aritmetização o processo pelo qual a matemática passou a
basear seus conceitos mais importantes na noção de aritmética, mais exatamente,
na noção de número real. Este processo revolucionou a matemática, na medida em
que inverteu a relação contínuo-discreta. Se antes o número era visto como
expressão de grandezas físicas contínuas, ou como princípio metafísico cuja
validade era confirmada e legitimada pelo funcionamento da natureza, com a
aritmetização o número passou a fundamentar o próprio conceito de continuidade
(isso se deu por meio das séries numéricas e pela definição da noção de
continuidade em termos aritméticos, portanto estáticos).
Bolzano e Cauchy foram os matemáticos da primeira metade do século XIX
que mais avançaram nesse sentido. Bolzano formulou de uma maneira mais
fundamentada a necessidade de reescrever os fundamentos do cálculo sobre
bases “puras”, mas sua obra não foi tão conhecida nem teve o mesmo impacto que
a de Cauchy, que também desenvolveu tais princípios em mais áreas da
matemática do que Bolzano.
Com a definição de continuidade a seguir – que seria formulada poucos
anos depois em termos semelhantes por Cauchy, e tornada ainda mais analítica
por Weierstrass na segunda metade do século – a continuidade passa a ser tratada
de maneira aritmética e estática.
360
Bolzano também enunciou um critério de convergência de séries hoje
conhecido como “Critério de Convergência de Cauchy” (anterior à de Cauchy) e fez
a prova da existência do maior limite inferior (ou menor limite superior) para
conjuntos limitados, que chamamos hoje de ínfimo (e supremo). Esta foi reescrita
por Weierstrass como “toda sequência limitada (de números reais, sabe-se hoje)
tem uma subsequência que converge” e desde o final do século XIX passou a ser
chamada de “Teorema de Bolzano-Weierstrass”.
Cauchy deu ainda a seguinte definição de continuidade, muito semelhante
à de Bolzano, poucos anos depois:
361
todos os valores neste intervalo a diferença f(x)-f(x0) é, em valores absolutos, menor
do que 𝜺” (BOYER, 1949, p. 287).
362
ponto irracional é completamente descrito por uma sequência de intervalos
racionais encaixados de comprimentos tendendo a zero” (COURANT & HERBERT,
2000, p.82), também não é mais que uma forma de postulação explícita de algo
que intuímos da noção de continuidade espaço-temporal. Isso porque, concebida
desta forma, “a existência sobre a reta numérica (considerada como uma reta) de
um ponto contido em cada sequência de intervalos encaixados com pontos
extremos racionais” (2000, p.82) é considerada como
363
funções, a versão de Leibniz diz respeito a quantidades de variáveis
geométricas (SCHUBRING, 1993, p. 176; itálico do autor).
364
Do ponto de vista do historiador, o fundamental não deve ser a subjetiva
questão de saber se Euler e outros acreditavam ou não que seu trabalho era
rigoroso, mas sim de compreender a natureza do trabalho matemático que
desenvolviam, o quanto se dedicavam às questões de fundamentos, o valor que
davam a estas questões e o que entendiam por rigor e fundamentos.
Grabiner, estudiosa da história de Cauchy e do processo de aritmetização,
tem dados históricos que corroboram nossa visão, ao mostrar que, no século XVIII,
365
demais ciências e preparou a grande expansão e especialização matemática do
século XX. Afinal, com a transformação ocorrida no século XIX, a matemática
deixou de ser ciência das quantidades, grandezas e cálculos (no sentido de contas)
para ter em seu centro a noção de demonstração dos resultados conhecidos; além
disso, a criação dos conceitos que os matemáticos criaram para demonstrar tais
resultados (em particular os conceitos de limite, derivada e convergência)
transformaram completamente a matemática, chegando ao que nos dias atuais se
conhece como matemática pura (o que Roque (2012, p. 404-408) reconhece).
366
da mesma, o século XVII inicia uma conciliação entre o discreto e o contínuo que
vieram a ter um ápice na definição de número de Dedekind, que resolve, por assim
dizer, o que ele chama de “mistério da continuidade”, que é o mistério desse
conceito matemático tão pouco intuitivo que é a reta numérica, e que assombrou
pela primeira vez os gregos com o paradoxo de Aquiles e a Tartaruga, mas que até
matemáticos como Bolzano, Cauchy e Weierstrass não conseguiram compreender
de maneira plena.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOLZANO, Bernard. Rein analytischer Beweis des Lehrsatzes, dass zwischen zwei
Werten, die ein entgegengesetztes Resultat gewaehren, wenigstens eine reelle
Wurzel der Gleichung liege. Praga: Gottloeb Hass, 1817. Ostwald’s Klassiker der
exacten Wissenschaften, Leipzig, v. 153, p. 343-395, 1905.
___. Purely analytic proof of the theorem that between any two values which give
results of opposite sign, there lies at least one real root of the equation. In: RUSS,
S. The mathematical works of Bernard Bolzano. Oxford: OUP, 2004b.
BOYER, Carl Benjamin. The history of the calculus and its conceptuais
development. New York: Dover, 1949.
367
CLÍMACO, Humberto de Assis. Geometria e Aritmetização da Grécia Antiga à
Matemática Moderna. Seminário Nacional de História da Matemática, v. 1, p. 111-
122, 2011.
DEDEKIND, Richard. Was sind und was sollen die Zahlen? Tradução inglesa de W.
Beman. Courier Dover Publications, 1963.
LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm von. Meditations on Knowledge, Truth and Ideas. In:
_____: Philosophical Papers and Letters. 2. ed. Tradução para o inglês e
organização de L. Loemker Dordrecht: Reidel, 1969.
Newton Reprograf. Nachdr. der Ausg. Berlin 1849: Hildesheim 1962. Band III/2:
Reprint Hildesheim 1962.
Gerhardt. Zweiter Band (Halle 1879), Reprint Hildesheim: Olms, 1960; Dritter
Band (Halle 1887), Reprint 1960; Siebenter Band (Halle 1890), Reprint 1961.
1989).
368
LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm, Philosophical papers, and letters.
___. Rein analytischer Beweis des Lehrsatzes, dass zwischen zwei Werten, die ein
entgegengesetztes Resultat gewaehren, wenigstens eine reelle Wurzel der
Gleichung liege. Praga: Gottloeb Hass, 1817. Ostwald’s Klassiker der exacten
Wissenschaften, Leipzig, v. 153, p. 343-395, 1905.
369
A NEUROCIÊNCIA E A INTRODUÇÃO DA MEDIDA NA GEOMETRIA
RESUMO
Preâmbulo
370
Lei de Weber-Fechner
logarítmica.
Uma consequência da Lei de Weber-Fechner é que a habilidade para
discriminar entre dois valores de estímulo depende mais na sua razão do que dos
seus valores absolutos. Essa fração, conhecida como fração de Weber, relaciona
S, um estímulo em um instante considerado, com 𝑆0 , um estímulo inicial. Portanto,
a sensação subjetiva é proporcional à fração 𝑆, ou melhor, ao logaritmo dessa
𝑆0
371
Sistemas de representação de valores numéricos129
Cabe relembrar que o uso das frações decimais somente se tornou habitual
tardiamente na História da Matemática. Apenas após a publicação da obra “La
129
Para uma apresentação mais extensa sobre a evolução histórica do conceito de número sugere-
se compulsar Almeida (2019); para detalhes sobre a Pré-História e a Neurociência da Geometria
indica-se Almeida (2020 a).
372
Disme” (1585), de Simon Stevin (1548-1620) o seu emprego se universalizou.
Todavia, as primeiras frações que a história registra foram as sexagesimais, ainda
hoje de uso extenso em computações de tempo e de ângulos. O sistema
sexagesimal já estava em uso pelos sumerianos, os inventores da escrita, antes de
2100 a.C. Os gregos mantiveram a tradição do emprego de frações sexagesimais,
que até hoje é empregada. Já os egípcios preferiam operar com frações unitárias.
Por exemplo, quando hoje nós escrevemos 2h 20min 45s isso equivale a
373
onde são processadas constituíam mistérios arcanos. Recentes estudos,
realizados por Simon Jacob e Andreas Nieder começam a desvendar os véus que
os encobrem (Jacob, 2009; Nieder, 2004, 2006, 2019).
A habilidade de codificar magnitudes, de quaisquer espécies, é um pré-
requisito imprescindível para o desenvolvimento da matemática. O surgimento da
linguagem, a emergência do pensamento simbólico, a invenção da escrita e sua
capacidade para armazenar externamente símbolos, tornaram possível que o ser
humano pudesse evoluir de uma aproximada representação de magnitudes
absolutas, em seus estágios iniciais, para um conceito de número sofisticado.
A introdução de frações comuns, como a razão de dos números inteiros, foi
um passo conceitual fundamental avante, ampliando os limites do campo dos
números inteiros para tratar com magnitudes. Embora o conceito de números
inteiros seja intuitivo e adequado à contagem e à ordenação, apenas com a
introdução das frações o sistema numérico tornou-se mais flexível e ganhou em
precisão. Porém, questões essenciais permaneciam, tais como: o cérebro humano
processa frações automaticamente ou, alternativamente, acessa numerador e
denominador em separado?
Sabia-se que magnitudes absolutas eram codificadas por neurônios
individuais, os quais emitem picos (pulsos) de descargas elétricas em resposta a
determinados números. Contudo, não era conhecido se como a razão de dois
números era codificada, se processando o numerador e o denominador em
separado, ou pela extensão da codificação de magnitudes às quantidades relativas.
Os resultados de suas pesquisas mostram que frações não são apenas
construtos mentais, resultados de considerá-las como a razão entre dois números
inteiros, mas sim são dadas intuitivamente, ou seja, são representações inatas.
Os experimentos por eles realizados mostraram que populações de
neurônios no córtex parietal, ao redor do sulco interparietal (IPS) anterior e
horizontal, são sintonizadas para determinadas frações, independentemente do
formato de sua representação. Isso quer dizer que não importa se as frações são
representadas como numerais, ou seja, simbolicamente: 1:6, 3:6, 5/7,..., ou são
apresentadas em uma forma verbal (1/6 um sexto: sechstel, em alemão; ¼ um
374
quarto: viertel, etc.). Isso significa que razões simbólicas são representadas como
uma categoria de magnitudes abstratas no cérebro humano. Portanto, o córtex
interparietal representa frações comuns de um modo independente de sua notação
(Kadosh, 2007, 2009; Nieder, 2004, 2006, 2019; et. al.)
Desse modo, constatou-se que as regiões do cérebro com populações
neuronais ativadas por mudanças nas frações que lhe são apresentadas, tanto
simbolicamente como verbalmente, são o sulco interparietal e o córtex pré-frontal.
Esses estudos demonstram que o cérebro humano não executa uma
simples divisão para criar um número real, p. ex. 1/4 = 0,25, processando então
números reais ao invés de frações ou proporções, mas sim constituem uma
categoria própria de magnitudes abstratas, específica, inata.
Seria de se esperar que resultados similares fossem obtidos quando
fossem apresentados como estímulos razões de magnitudes não simbólicas e não
verbais; analógicas, portanto. Dados obtidos com primatas não humanos sugerem
que macacos também compartilham o conceito de proporcionalidade (frações)
quando treinados a discernir entre as razões de dois comprimentos de linha
(Nieder, 2004, 2006; Bongard, 2010; Cantlon, 2006).
Estudos eletrofisiológicos subsequentes do córtex pré-frontal mostraram
fortes similaridades na codificação de quantidades absolutas e relativas; a atividade
neuronal decresce gradualmente quando a distância entre um estímulo pré-
determinado e um estímulo apresentado aumenta, devido ao efeito SNARC.
Aparentemente, na cultura ocidental tanto o alfabeto como os números
parecem ser representados em uma “linha mental” horizontal orientada da
esquerda para a direita (o efeito SNARC: Spatial-Numerical Association of
Response Codes). Já os chineses letrados associam números a um eixo vertical, o
que mostra que fatores outros, como a direção da escrita adotada, podem influir
nessa percepção. É interessante observar como a cultura pode influir nesse efeito
cognitivo.
Na maioria dos adultos, a mera apresentação de um numeral arábico já
levanta preconceitos na orientação da sua atenção e na sua resposta motora.
Mesmo quando executando uma tarefa simples como decidir se um número é par
375
ou ímpar, ou se é maior ou menor que cinco, números pequenos são
automaticamente colocados no lado esquerdo do espaço, enquanto que números
maiores são mapeados no lado direito. Isso é uma consequência do efeito SNARC
(Almeida, 2018).
Numerosas evidências mostram, portanto, que as mesmas áreas do
cérebro que processam numerosidades estão também sintonizadas no
processamento de frações.
Essa nova compreensão sobre como o cérebro interpreta frações comuns
contribui para esclarecer a importância das frações de Weber no tratamento de
numerosidades. Como elas são representações inatas, uma categoria própria de
magnitudes abstratas, as frações de Weber se constituem em um elemento chave
na compreensão de como o cérebro processa numerosidades e do porque ele
percebe números em uma escala logarítmica, conhecida como efeito SNARC, pois
a percepção é proporcional a essas frações.
376
de distância como indicador do processamento de proporções relacionado à
magnitudes.
A maior ativação cerebral para o processamento simbólico, quando
comparada ao não simbólico, foi encontrada no giro supramarginal direito, no sulco
intraparietal e no giro angular esquerdo. Essas regiões são reputadas como
importantes durante cálculos exatos e na recuperação de fatos aritméticos, p.ex.,
durante a adição.
Seus resultados indicaram ativação conjunta de áreas específicas occipito-
parietal, incluindo o sulco intraparietal direito (IPS), durante o processamento de
proporções de magnitude. Mais especificamente, os resultados indicam que o IPS,
que é comumente associado ao processamento de magnitude absoluta (números
inteiros), está também envolvido no processamento de informações de magnitude
relativa (frações), independentemente do formato de apresentação, seja ele
simbólico ou não simbólico, o que confirma parcialmente as suposições levantadas
pelos autores anteriormente.
Isso significa que há um substrato neural comum para o processamento
tanto de magnitudes relativas, ou seja, de frações, como de números inteiros. No
entanto, também encontraram padrões distintos de ativação para o processamento
de magnitude de diferentes formatos de apresentação,
Concluíram que seus resultados sugerem que o processamento para
formatos de apresentação separados não está associado apenas a manipulações
de magnitude no IPS, mas também ao aumento das demandas sobre funções
executivas e uso de estratégias, associadas com regiões cerebrais frontais, bem
como atenção visual e codificação em regiões occipitais.
Assim, o processamento de proporções (frações) de magnitude pode não
refletir exclusivamente o processamento de informações de magnitude numérica,
mas também de informações de domínio geral (Mock, 2018).
Isso esclarece que esse mecanismo cognitivo poderia também, além de
processar proporções (frações) numéricas, igualmente processar proporções não
simbólicas de outras grandezas continuas, como área, tamanho, densidade, etc.
Lembramos que números são apenas símbolos que expressam quantidades, dessa
377
forma esse mecanismo cognitivo que processa proporções (frações) relativas seria
importante parcela estruturante tanto da mente humana como dos animais,
confirmando assim a tese de que conceitos matemáticos constituem tijolos
fundamentais para construção da mente (Almeida, 2020 a, b).
378
tanto plana como espacial. Teríamos, pela primeira vez, noções sobre o tratamento
neural dessa parte da matemática.
Contudo, cabe uma observação. Isso não significa que temos em nosso
cérebro um sistema de eixos coordenados, seja ele cartesiano ou não, mas sim que
temos a capacidade neural de avaliar quantitativamente as três dimensões do
nosso espaço: comprimento, largura e altura. Estímulos provenientes de pistas
sensórias, visuais, auditivas ou outras podem, por meio desse sistema, serem
avaliados quantitativamente permitindo assim reconstruir a noção de um espaço
tridimensional regrado.
Os estímulos visuais são produzidos pela projeção pelo cristalino dos
objetos, formando imagens bidimensionais no fundo da retina, sendo daí
conduzidos pelo nervo ótico para as áreas de processamento visual no cérebro.
A combinação dessas imagens bidimensionais com uma terceira dimensão,
por meio desse espaço numérico tridimensional neural, possibilitaria criar uma
representação neural do espaço envolvente. Contudo, esse mecanismo ainda
necessita ser melhor investigado.
O fato de que muitas magnitudes contínuas, como peso, densidade, etc.,
seguirem a lei de Weber-Fetchner significa que nosso cérebro pode processar
avaliações de proporcionalidades entre os constituintes dessas categorias, as
quais, se eventualmente dispostas em uma linha numérica, que siga o efeito
SNARC, e simbolizadas por números (ou frações), constituiria o mecanismo
cognitivo que processaria tanto as magnitudes geométricas como outras
magnitudes igualmente contínuas.
O processamento de frações não simbólicas pelo cérebro permite
avaliações de magnitudes tais como as necessárias à prática de atividades
esportivas, ou do caminho a ser percorrido quando em fuga do ataque de algum
animal, ou segurar um corpo em queda livre acidental, ou ultrapassar uma rua em
meio ao trânsito, sem as quais nossa vida cotidiana seria impossível.
379
Como os princípios dos processos neurais envolvidos em mensurações
começam a serem esclarecidos, cabe indagar quando na história as medidas
quantitativas começaram a ser necessárias. Devido ao modo de vida extremamente
simples dos povos do Paleolítico, voltado exclusivamente para a sobrevivência,
elas não eram essenciais. Processos simples de contagem lhes eram suficientes;
bastava uma simples avaliação visual para a produção de padrões geométricos,
como o ocre de Blombos ou os fragmentos de casca de ovos de avestruz de
Diepkoloof. Medidas não eram indispensáveis para a produção desses padrões, a
prática levava à perfeição. Para denotar uma medida, necessitamos de números,
pois eles são símbolos para quantidades. Um número simboliza o resultado de uma
medida.
No Neolítico, com a introdução da agricultura e do pastoreio, em torno de 12
Ka130, a mensuração de conceitos geométricos, tais como comprimento, área e
volume, começou a ser imprescindível. Os povos deixaram de serem nômades,
para se concentrarem em vilas ou verdadeiras cidades, cuja população necessitava
ser alimentada. As cidades de Jericó (>10 Ka) e de Çatal Höyük (c.9 Ka) talvez
sejam as mais antigas conhecidas. A própria sobrevivência dessas populações
neolíticas estava vinculada à área plantada, ao volume da colheita,
A introdução desses Lebensmittel ocasionou o que Childe (1975) denominou
de Revolução Neolítica e à concentração em povoados chamou Revolução Urbana
(Almeida, 2011, 2020 a).
Controles eram fundamentais, uma contabilidade arcaica foi estabelecida.
Sistemas metrológicos foram desenvolvidos. Fundamental para mensurações é o
estabelecimento de unidades padrões, Um sistema métrico compreende múltiplos
e submúltiplos de uma determinada unidade, ou seja, múltiplos e frações desta
(Nissen, 1993; Almeida 2011, 2020 a). Por isso é importante conhecermos como o
cérebro processa conceitos como “unidade” e “frações”.
380
Para o controle de quantidades manipuláveis, multitudes, desenvolveram
sistemas de metrológicos de contagem por meio de tokens, pequenos artefatos de
argila de diversos formatos (id.).
Três foram os principais fatores para a introdução de medidas geométricas
no Neolítico: 1) a necessidade do cálculo das áreas cultivadas e controle do volume
das colheitas, exigências de uma contabilidade arcaica; 2) a transição de uma
arquitetura curvilinear do Paleolítico para um retilinear no Neolítico; 3) construção
de centros cúlticos, megalíticos ou não.
Os abrigos Paleolíticos eram curvilineares, circulares, ovoides ou tendas
alongadas, circundados por pedras ou ossos de mamíferos, como mamutes,
recobertos por peles, galhos ou folhas (Jelinek, 1976). No Neolítico principou-se a
construir o que se pode considerar como casas verdadeiras, retilineares, quadradas
ou retangulares. Em Nevali Çori (c.12 Ka) foram encontradas 29 casas retangulares
que tinham subdivisões internas, construídas com pedaços de pedras unidas por
camadas de argila (Almeida, 2017).
O cálculo das áreas cultivadas era fundamental, tanto para o controle da
produção, avaliação das taxas devidas aos governantes pelo fruto das colheitas,
como para a titulação da propriedade da terra. O conceito de propriedade individual
da terra é inexistente para os povos caçadores-coletores, pois, para eles, é um bem
natural, propriedade coletiva do povo. Além disso, as melhores áreas para cultivo
eram as circundantes dos rios, os quais frequentemente inundavam, tanto na
Mesopotâmia como no Egito, apagando as divisas, que necessitavam ser
reconstruídas.
Desde cedo se descobriu que a mais simples maneira de recobrir (ladrilhar)
o plano era por meio de figuras geométricas retilineares elementares, como
triângulos, quadrados e retângulos, cujos procedimentos de cálculo de suas áreas
respectivas, além de serem os mais fáceis, provavelmente foram os primeiros
descobertos.
A medição de comprimentos era fundamental, tanto para o cálculo de áreas
como na construção de casas ou centros cúlticos. O mais antigo centro cúltico
conhecido é o de Göbekli Tepe, no sul da Anatólia, na Turquia, com uma idade de
381
c. 11 Ka. Gil Haklay e Avi Ghopher (2020) estudaram a arquitetura e a geometria
desse sítio, concluindo que três das suas estruturas monumentais
aproximadamente redondas, a maior com um diâmetro de c. 20 m, foram
inicialmente planejadas como um projeto único, envolvendo noções geométricas
insuspeitadas para esse período. Afirmam que os centros dos três círculos de pedra
estão colocados aproximadamente no meio dos pilares centrais, bem como se
estes três pontos forem ligados obtém-se um triângulo equilátero, com uma
aproximação de c. 25 cm nos seus lados de c.19 m.
Contudo, esses resultados devem ser encarados cum grano salis. Não é
muito crível que primeiro lançaram esse triângulo para depois construírem os
círculos. Todavia, essas construções mostram que esses povos já intuíam que o
plano não pode ser recoberto por círculos tangentes, pois restam espaços vazios
inaproveitados entre eles, Por isso se dedicaram a empregar figuras retilineares em
sua geometria prática.
Números, portanto, constituiem uma estratégia arquitetada pelo homem para
avaliar proporções relativas de quantidades, sejam elas discretas ou contínuas.
Isso confirma a tese de D’Ambrosio, quando afirmou que a Matemática é uma das
estratégias elaborada pelo homem em busca da sobrevivência de sua espécie
(D’Ambrosio & Almeida, 2017; Almeida, 2017).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
382
ALMEIDA, Manoel de Campos. A Neurociência e a História das Frações. In:
Revista Brasileira de História da Matemática, 2020 b, aceito em maio/2020, a
aparecer.
ANOBILE, Giovanni; BURR, David C.; IAIA, Marika; MARINELLI, Chiara V.;
ANGELELLI, Paola; TURI, Marco. Independent adaptation mechanisms for
numerosity and size perception provide evidence against a common sense
of magnitude. In: Nature: Scientific Reports| (2018) 8:13571.
383
KADOSH, Roi Cohen; et alii. Notation-Dependent and – Independent
Representations of Numbers in the Parietal Lobes. In: Neuron 53, 307-314,
January 18, 2007.
384
AL-BIRUNI, UM REPRESENTANTE DA MATEMÁTICA ISLÂMICA
MEDIEVAL VIA HISTÓRIA EM QUADRINHOS
RESUMO
Com o intuito de incrementar o contexto educacional, a proposta de uma história em
quadrinhos (HQ) vem para introduzir um pouco da história da matemática islâmica
medieval a partir do personagem de al-Biruni (973-1048), de seus diversos trabalhos e das
suas contribuições em várias áreas do conhecimento, em especial da matemática. Para
tanto, a fundamentação está pautada no uso da História da Matemática (HM) no ensino
atrelado às Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) a partir da
caracterização de aliança trazida por Sousa (2020). A presente pesquisa é de cunho
metodológico qualitativo com uma exploração da revisão literária sobre história em
quadrinhos no ensino, bem como, a respeito de al-Biruni e seu trabalho no contexto da
matemática islâmica da idade média. Como resultado, chegamos a criação e
desenvolvimento de uma HQ por meio dos recursos da plataforma Pixton como uma
proposta cujo intuito é trazer a história da matemática para sala de aula a partir dos dados
bibliográficos existentes sobre al-Biruni e sua produção.
INTRODUÇÃO
131
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). peroladiana@gmail.com.
132
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). gisellecsousa@hotmail.com.
385
da contribuição islâmica medieval para essa produção do conhecimento, em
especial, da matemática. Propomos apresentar sua história via HQ com o uso de
estudo histórico relacionado ao tema. Dessa forma, nos utilizamos de uma pesquisa
bibliográfica qualitativa cujo referencial está atrelado à HM e à HQ.
Numa perspectiva de possibilitar aos alunos a conhecerem aspectos da
história da matemática islâmica medieval elencamos acontecimentos ligados à al-
Biruni e sua produção de maneira que fossem apresentados por meio de uma HQ.
Assim, diante do leque de características favoráveis à inserção na sala de aula, a
produção de uma HQ veio para estabelecer uma maior relação dos alunos com a
história da matemática islâmica medieval a partir da figura de al-Biruni e de sua
produção.
FUNDAMENTOS DA PROPOSTA: HM E HQ
386
Logo, percebemos que a história da matemática não está apenas atrelada
ao conhecimento, mas também a interação com outras disciplinas de modo que
haja uma contextualização entre elas.
A história da matemática é cativante e de acordo com Sousa (2020),
percebemos que é importante:
387
investigatórias, aumentando seu interesse pela matemática. (FOSSA, MENDES,
VALDÉS, 2006, p. 90)
Partindo do objetivo de apresentar a história de al-Biruni e sua matemática
de maneira a levar aos alunos uma leitura textual unida a imagens, assim como
encontrar uma leitura mais usual e acessível a todos, optamos por usarmos um
gênero textual específico.
Diante de um leque de gêneros textuais, destacamos alguns como: bilhete,
conto de fadas, diário, editorial, e-mail, encarte, fábula, história em quadrinhos,
poema, reportagem, resenha, romance, telefonema. Percebemos que cada um
deles possui a sua marca, peculiaridade, especificidades, bem como uma
caracterização própria. Partindo dos pontos levantados, achamos por bem que a
escolha como gênero textual adequado para a nossa pesquisa fosse: história em
quadrinhos haja vista diversos argumentos e características. De fato, de acordo
com Eguiti (2001), as histórias em quadrinhos reproduzem uma conversação
natural, na qual os personagens interagem face a face, comunicando-se por
palavras e expressões faciais e corporais. Consequentemente, esse gênero ajuda
o leitor/aluno a manter sua atenção presa ao enredo por possuir elementos como
expressões faciais e linguagem acessível o que torna a compreensão mais clara e
simples.
Por meio de sua iconicidade, a história em quadrinhos pode oferecer ao
leitor elementos que o texto literário apenas descreve ou não apresenta: na mesma
adaptação, podem ser vistos o vestuário, o mobiliário, a decoração das casas e o
estilo arquitetônico daquele período. Cabe ao professor ressaltar esses aspectos
presentes em narrativas quadrinhísticas, para que a leitura extrapole os limites do
aspecto verbal e seja enriquecida pelo visual. (SANTOS, VEGUEIRO, 2012).
Portanto, diante da contribuição pela matemática islâmica medieval, por
meio do legado deixado por al-Biruni, além da importância de introduzirmos
atividades voltadas a inserção da história da matemática na sala de aula,
desenvolvemos uma história em quadrinhos que trate dessas demandas e que
apresentamos adiante.
388
AL-BIRUNI NO CONTEXTO DA MATEMÁTICA ISLÂMICA EM HQ
389
matemático islâmico. Na HQ, o jovem al-Biruni se dirige a biblioteca de sua escola
para obter mais informações sobre quem foi o al-Biruni que deu origem a seu nome.
Seguem imagens da HQ que retratam esse momento.
390
Fonte: Elaborado pela autora com o Pixton, 2020.
391
nome completo de al-Biruni é Abu Raihan Muhammad ibn Ahmad al-Biruni,
descrição que fornece informações sobre a sua linhagem ancestral, por exemplo,
Biruni é uma palavra persa e foi dada a sua família quando eles emigraram do
Tajiquistão.
Além disso, o encontro dos personagens ocorreu em uma casa de
sabedoria, de maneira que o leitor tenha contato com a existência desse local tão
importante no contexto em estudo, pois é considerado um dos primeiros centros de
ensino e pesquisa do mundo árabe. Pode-se ressaltar que haviam outras
instituições similares na região e qual sua relação com o conhecimento produzido
na época.
392
Fonte: Elaborado pela autora com o Pixton, 2020.
393
Fonte: Elaborado pela autora com o Pixton, 2020.
394
Fonte: Elaborado pela autora com o Pixton, 2020.
395
Fonte: Elaborado pela autora com o Pixton, 2020.
396
Fonte: Elaborado pela autora com o Pixton, 2020.
397
Para encerrar essa sequência narrativa, o jovem al-Biruni retorna para casa
e expõe aos pais sua felicidade em tomar conhecimento da origem de seu nome,
bem como descobrir o quanto al-Biruni realizou estudos em diversas áreas do
conhecimento, em especial a matemática. Assim como, do quanto ele contribuiu
para humanidade e de como a influência de seu contexto colaborou para a
produção de conhecimento que vai além do que entendemos hoje como sendo a
matemática.
RESULTADOS
398
No âmbito geral, a produção e também exploração da HQ é uma ferramenta
cujo potencial didático é relevante podendo ainda estar atrelada à cursos de
formação de professores, pois tem um apelo visual ligado ao gênero textual e às
suas características, bem como possui argumentos sobre a utilização da HM ao
inserir vários temas em seu enredo.
No âmbito universitário, em especial nos cursos de licenciatura em
matemática, a HQ exposta anteriormente pode ser apresentada em disciplinas
como a de História da Matemática com o intuito de fazer com o que os alunos
compreendam de maneira mais clara sobre a história da matemática islâmica.
Além disso, a HQ produzida possibilita a abordagem de um outro
segmento: a produção de uma HQ, por parte dos alunos, após terem sido
apresentados a um tema específico como, por exemplo, a matemática islâmica
medieval. Assim, a exploração da HQ produzida pelos alunos pretende ainda
resultar em um roteiro de atividades exploratórias e investigativas que contemple
pontos a serem aprofundados e que incluem aspectos matemáticos. Nessa
perspectiva, segundo Alves (2015, p.30) uma história é usada em atividades de
ensino e de aprendizagem que permitem aos alunos levantarem hipóteses e
interpreta-las, aguçando assim, a sua intuição, o raciocínio-lógico, a capacidade de
argumentação e a tomada de decisões. Portanto, a presente atividade desenvolvida
tem por objetivo ensinar a matemática a partir da aliança firmada entre HM, TDIC
e IM.
Essa aliança é constituída por meio da utilização da História da Matemática
em conjunto com os respaldos gerados pelas Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação a partir da Investigação Matemática.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
399
BORBA, M. C. A pesquisa qualitativa em Educação Matemática. 2004.
Disponível em: http://www.rc.unesp.br/gpimem/downloads/artigos/borba/borba-
minicurso_a-pesquisa-qualitativa-em-pdf. Acesso em 05 jun. 2020.
SOUZA, Francisco Neto Lima de; SOUSA, Giselle Costa de. AL-BIRUNI E SUA
MATEMÁTICA. In: Boletim Cearense de Educação e História da Matemática -
Volume 05, Número 14, 253 – 263 (2018) DOI: 10.30938/bocehm.v5i14.232.
400
Álgebra e geometria na primeira metade do século XIX:
Alguns exemplos da matemática britânica
RESUMO
Após um longo período de isolamento em relação ao continente, os ingleses se afastam
da abordagem puramente sintética, herdada de Newton, para uma mais analítica, com a
inserção dos termos usados pelo cálculo diferencial leibniziano. Na mesma medida,
seguindo o movimento iniciado pela Sociedade Analítica, surgem matemáticos abertos a
pesquisa internacional, dos quais se destacaram Arthur Cayley, J. J. Sylvester e George
Salmon. Estes, seguidos por vários outros, utilizaram as várias técnicas algébricas
aplicadas a geometria, como por exemplo o uso das transformações lineares para as
mudanças dos eixos coordenados. Ao ler estes trabalhos ficam as questões: como ocorreu
o interesse inglês pela álgebra aplicada à geometria? Como participa a teoria dos
invariantes? Quais são seus interesses geométricos? Como ocorre a influência desta
relação entre álgebra e geometria sobre os futuros trabalhos de Cayley? Para responder
estas questões, analisamos os principais artigos sobre o tema de matemáticos como:
Henry Parr Hamilton, De Morgan, Arthur Cayley e George Boole. Entre estes, destaca-se
a influência de Boole sobre Cayley, sobre o uso das transformações lineares aplicada a
geometria. Percebeu-se o quanto foi importante o crescente uso da álgebra aplicada à
geometria, pois abriu novos caminhos de pesquisa. Além da importância desta relação,
álgebra e geometria, para o desenvolvimento da teoria dos invariantes, a partir do artigo
de 1841 de Boole que culminaram nos importantes trabalhos de Cayley sobre esta teoria,
dos quais se destacam as memórias sobre os quantics.
133
Programa de Pós-graduação em Ensino de Matemática UFRJ (PEMAT). leandro.dias@ifrj.edu.br.
134
Programa de Pós-graduação em Ensino de Matemática UFRJ (PEMAT). gerard.emile@terra.com.br.
401
Introdução
A primeira metade do século XIX foi marcada por importantes fatos que
influenciaram a pesquisa matemática britânica. A influência dos trabalhos de
Newton, do qual geometria euclidiana era a base de toda pesquisa matemática, fez
com que os britânicos criassem resistência a todo desenvolvimento da análise e do
cálculo diferencial que ocorreu nos demais países europeus. Tal estado de
afastamento em relação à matemática europeia perdurou até o final do século XVIII.
A partir de Robert Woodhouse, iniciou-se um grupo de matemáticos
interessados em introduzir as inovações analíticas e do cálculo diferencial, que
permeavam a pesquisa matemática europeia. A escola analítica, formada por
matemáticos seguidores das ideias de Woodhouse, procurou retirar a matemática
britânica do isolamento provocado pela tradição de Newton.
Além do ganho obtido com as novas notações do cálculo diferencial, houve
uma abertura para pesquisas em geometria analítica, com destaque para a álgebra
com aplicações geométricas. Além da álgebra de Peacock, concorrem para esse
avanço os desenvolvimentos analíticos de Hamilton e De Morgan. A criação de um
periódico inglês específico para publicações de artigos matemáticos, com a
presença de diversos artigos relacionados à geometria analítica e álgebra com
aplicações geométricas, nos dá a clara noção das mudanças que ocorreram nos
anos iniciais da primeira metade do século XIX.
Dentro deste contexto, a nossa pesquisa procura analisar como se deu a
relação entre álgebra e geometria em alguns textos matemáticos britânicos da
primeira metade do século XIX. Assim, nos perguntamos: como ocorreu o interesse
inglês pela álgebra aplicada à geometria? Como participa a teoria dos invariantes?
Quais são seus interesses geométricos? Como ocorre a influência desta relação
entre álgebra e geometria sobre os futuros trabalhos de Cayley?
Tendo em vista nossos questionamentos, apresentaremos alguns aspectos
geométricos que permearam o ambiente de pesquisa inglês da primeira metade do
século XIX, bem como a sua relação com a teoria dos invariantes. Serão
apresentadas características da geometria analítica britânica, porém não temos a
402
intenção de esgotar as considerações, mas sim de apresentar as mais relevantes
aos nossos questionamentos.
Em seguida, veremos o interesse inicial de Cayley por geometria analítica
em seu primeiro artigo de 1841, do Cambridge Mathematical Journal, que nos
sinaliza alguns aspectos importantes da álgebra aplicada à geometria. O início da
teoria dos invariantes, como afirmado por historiadores como Tony Crilly e Karen
Parshall, pode ser tomado a partir do artigo de George Boole de 1841, Exposition
of a General Theory of Linear Transformations, apresentado em duas partes no
Cambridge Mathematical Journal. Também sem a intenção de esgotar o assunto,
apresentaremos a teoria de Boole e os aspectos geométricos presentes em seu
artigo. Boole, através de seu artigo de 1841, influenciou os trabalhos de Cayley que
desenvolveram a teoria dos invariantes. Cayley contou com a parceria de Sylvester
e Salmon, o qual também se interessa pelo assunto posteriormente.
403
os matemáticos britânicos não realizaram um esforço semelhante, colocando-se
em situação de distanciamento em relação aos seus vizinhos (BALL, 1889, p.98).
Somado a isso, temos o fato da escola de Newton insistir no uso de
demonstrações geométricas, mesmo após os princípios do cálculo diferencial já
terem se tornados universais. Com isso, empregavam os métodos mais criativos
possíveis para inserir tais demonstrações sempre que podiam. Daí uma resistência
à análise e o fato de o critério de rigor britânico estar firmado na geometria sintética.
George Peacock foi o mais influente dos membros da escola analítica, que
foi responsável por retirar os matemáticos britânicos desta situação de isolamento
em relação ao restante da Europa. Isso chegou a ser um fato preocupante para tais
matemáticos, uma vez que o isolamento perdurava desde a última metade do
século XVIII.
O principal obstáculo para as inovações dos métodos analíticos e do
cálculo diferencial vinha dos principais docentes e membros do senado, que
consideravam qualquer tentativa de inovação como um pecado contra a memória
de Newton (BALL, 1889, p.117).
Esse novo movimento, identificado como escola analítica, teve início com
Robert Woodhouse, primeiro a publicar um trabalho que introduzia as novas
notações do cálculo diferencial. Com título Principles of analytical calculation, sua
obra foi publicada em 1803, em Cambridge, porém foi severamente criticada pela
adoção dos novos métodos (BALL, 1889, p.118).
Em 1812, Peacock, Herschel e Babbage, seguindo a influência das
observações de Woodhouse, concordaram em formar a Sociedade Analítica, com
o objetivo de defender o uso dos métodos analíticos e da nova notação do cálculo
diferencial na universidade, no lugar da antiga notação de Newton (BALL, 1889,
p.120).
A primeira das duas conquistas marcantes dessa sociedade foi, em 1816,
a publicação da tradução do livro texto Elementary differential calculus, de Lacroix;
e, a segunda, em 1817, foi a introdução por Peacock dos símbolos do cálculo
diferencial no conjunto dos documentos do exame do senate-house (Ball, 1889,
p.120).
404
Guicciardini (1989, p.136) destaca que, apesar da importância da
Sociedade Analítica, há de se considerar o trabalho anterior de Woodhouse, em
Cambridge, bem como de muitos outros centros de reforma igualmente
importantes, desde academias militares como a Royal Military Academy at
Woolwich, até universidades, como Oxford, Edinburgh, Glasgow, Dublin, dentre
outras.
Além disso, Guicciardini afirma:
405
A geometria analítica de Henry Parr Hamilton
406
A transformação linear das variáveis era abordada de forma clara com a
interpretação geométrica de mudança dos eixos coordenados. Hamilton acrescenta
em sua observação, feita após desenvolver alguns de seus corolários:
Contribuições de De Morgan
407
O objetivo deste trabalho é chamar a atenção para algumas
propriedades das Curvas de Segundo Grau, por meio das quais a
redução de suas equações de um conjunto de eixos para outro é
materialmente facilitado. (DE MORGAN, 1833, p.71, tradução nossa).
Ele considera uma curva qualquer do segundo grau na qual os eixos formem
um ângulo θ, logo 𝒙𝒚
̂ = 𝜽 , e que a origem seja movida para um ponto de
coordenadas m e n nas direções de x e y. Também considera que os novos eixos
̂ =
possuem as seguintes inclinações, em comparação com os eixos originais, 𝒙′𝒙
̂ = 𝝍, sendo 𝒙’ e 𝒚’ os novos eixos coordenados, então 𝒙′𝒚′
𝝓 e 𝒚′𝒙 ̂ = 𝝍 − 𝝓 = 𝜽′.
A partir daí, apresenta as equações da curva, no primeiro e no segundo sistema de
eixos coordenados, respectivamente:
𝑎𝑦 2 + 𝑏𝑥𝑦 + 𝑐𝑥 2 + 𝑑𝑦 + 𝑒𝑥 + 𝑓 = 0,
2 2
𝑎′𝑦 ′ + 𝑏′𝑥′𝑦′ + 𝑐′𝑥 ′ + 𝑑′𝑦′ + 𝑒′𝑥′ + 𝑓′ = 0.
Com estas considerações, De Morgan encontra as relações abaixo, que
representam x e y em função dos novos eixos coordenados:
sin(𝜃−𝜙) ′ sin(𝜃−𝜓) ′
𝑥= 𝑥 + 𝑦 + 𝑚,
sin 𝜃 sin 𝜃
sin 𝜙 sin 𝜓
𝑦 = sin 𝜃 𝑥 ′ + sin 𝜃 𝑦 ′ + 𝑛.
Substituindo, na primeira equação do segundo grau esses valores de 𝒙 e 𝒚,
os resultados dos coeficientes de 𝒚′ 𝟐 , 𝒙′𝒚′, 𝒙′ 𝟐 , etc. devem ser proporcionais a 𝒂′,
408
A partir dos desenvolvimentos de Gauss e Lagrange em substituições
lineares, surgem, na primeira metade do século XIX, pesquisadores ingleses
interessados em desenvolver as propriedades dessas substituições e de suas
aplicações à geometria e, consequentemente, às demais áreas das ciências físicas,
como a mecânica. Nesses dois artigos, De Morgan demonstra estar entre esses
pesquisadores, o que nos sinaliza o interesse crescente em se aplicar à álgebra
uma interpretação geométrica.
Logo, conforme a escola analítica vencia as barreiras impostas pela tradição
de Newton, não houve somente um ganho nos métodos analíticos e do cálculo
diferencial, mas também ocorreu uma abertura para todo trabalho continental,
inclusive para esses métodos de aplicações da álgebra para geometria.
A seguir, destacaremos o primeiro trabalho de Cayley em que revela seu
interesse por geometria analítica.
409
Neste artigo de 1841, Cayley se propôs a encontrar a relação existente entre
cinco pontos colocados no espaço arbitrariamente. Usando para isto recursos
algébricos, dentre os quais propriedades dos determinantes e uso das equações
da circunferência e da esfera (CAYLEY, 1841, p. 268).
Crilly (2006, p. 55) destaca alguns fatos importantes deste primeiro artigo de
Cayley, a começar pelo fato desse problema da relação entre pontos no espaço já
ter sido tratado por J. L. Lagrange, Lazare Carnot e Jacques Binet (amigo de
Cauchy). Isso mostra a capacidade de Cayley em reconhecer problemas e
interpretá-los, trazendo para a realidade inglesa e expressando relações algébricas
por meio de determinantes. Outro destaque de Crilly (2006, p. 55), consiste no fato
curioso de o problema recair novamente na “moderna teoria dos invariantes” na
segunda metade do século XIX, ou seja, de certa forma, sua primeira investigação
possui relação com a teoria que ajudaria a fundar a partir de 1845.
Esse trabalho inicial demonstra o grande interesse de Cayley pela álgebra
aplicada à geometria. O fato condiz com as possíveis influências recebidas por seu
primeiro tutor, George Peacock, e pelo ambiente propício criado pela escola
analítica e por suas leituras, enquanto iniciava seus estudos em Cambridge.
410
(𝒂
𝒅 𝒅 𝒅
+𝒃 +𝒄 )𝜽(𝑸) (𝒂′
𝒅 𝒅 𝒅
+𝒃′ ′ +𝒄′ )𝜽(𝑹) , (04)
𝒅𝑨 𝒅𝑩 𝒅𝑪 𝒅𝑨′ 𝒅𝑩 𝒅𝑪′
=
𝜽(𝒒) 𝜽(𝒓)
nossa)
411
Se 𝑸𝒏 é uma função homogênea de grau 𝒏, com 𝒎 variáveis que,
pelos teoremas lineares (80)135 é transformado em 𝑹𝒏 , uma similar
função homogênea; e se 𝜸 representa o grau de 𝜽(𝑸𝒏 ) e 𝜽(𝑹𝒏 ) ,
então
𝜽(𝑹𝒏 ) ,
𝜽(𝑸 ) = 𝒏 𝜸𝒏
𝑬𝒎
𝑬 sendo o resultado obtido pela eliminação das variáveis dos
segundos membros dos teoremas lineares (80), igualado a 0.
(BOOLE, 1841a, p. 19, tradução nossa)
Parshall (1989, p. 162) afirma que Boole acerta nesse teorema aquilo que
se tornaria a definição de invariante. Pode se constatar que Boole disse, em outras
palavras, que 𝜽(𝑸𝒏 ) e 𝜽(𝑹𝒏 ) são iguais a menos de uma potência do determinante
formado pelos coeficientes da transformação linear.
A segunda parte do artigo destina-se a exibir novos resultados, exemplos
que ilustram a efetividade de suas técnicas, além da aplicabilidade dos teoremas.
Boole novamente utiliza o fato de essas transformações serem interpretadas
geometricamente como uma mudança do sistema de eixos coordenados. Aplica
inclusive o caso de coordenadas ortogonais (ele chama de “retangulares”) que
reduz a equações mais simples (BOOLE, 1841b, p. 118).
Ainda na segunda parte de seu artigo, aplica seus métodos à solução de
equações algébricas, dando um claro exemplo da forma cúbica (BOOLE, 1841b, p.
118).
No final da segunda parte de seu artigo, faz duas considerações
importantes. A primeira, que considera importante a conexão entre transformações
lineares e extensivas classes de teoremas, dependendo de equações diferenciais
parciais, particularmente aquelas que são encontradas em geometria analítica. A
segunda consideração ele encoraja futuras investigações, dizendo acreditar ser um
amplo campo de pesquisa e descoberta (BOOLE, 1841b, p. 119).
Essas considerações nos mostram dois fatores importantes e claramente
percebíveis em nossa leitura dos artigos de Boole. Primeiro, seu forte caráter
412
geométrico que não foi apenas acidental, mas sim uma visão clara desde os seus
artigos anteriores. Segundo, ele abre um novo campo de pesquisa grandioso, algo
que o próprio matemático considera e, apesar de dizer que não pretende explorar,
escreve outros artigos neste campo de pesquisa, principalmente em 1851.
Considerações finais
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BALL, W. W. R. A History of the Study of Mathematics at Cambridge. [S.l.]: University
Press, 1889.
413
CAYLEY, A. On a theorem in the geometry of position. Cambridge Mathematical
Journal, v. 2, p. 267–271, 1841.
414
ALGUNS BREVES APONTAMENTOS SOBRE A NOÇÃO DE FRAÇÃO
EM THE GROUND OF ARTES, DE ROBERT RECORDE
RESUMO
Este trabalho faz parte de uma pesquisa de doutorado em desenvolvimento, que está
estudando a obra The Ground of Artes, de Robert Recorde. Apresentamos aqui alguns
apontamentos sobre a noção de fração, abordada na segunda parte do tratado. Publicado
pela primeira vez em 1543, esse tratado aborda os conhecimentos relacionados à
aritmética prática, que transitavam em território inglês no período renascentista. Para este
estudo, foi utilizada a edição de 1648. Nela, Recorde não só apresenta a noção de fração,
relacionando-a a questões de ordem prática, voltadas para a conversão de moedas, pesos
e medidas, como também discorre sobre a redução de frações, que é uma operação que
visa representar diferentes frações de uma unidade em uma mesma denominação,
facilitando a expressão da proporção da unidade que elas representam. Por meio deste
estudo, pôde-se apresentar, brevemente, a noção de fração apresentada por Recorde,
assim como alguns de seus termos e operações, norteando futuras investigações sobre a
segunda parte dessa obra.
INTRODUÇÃO
415
Esse tratado teve ampla repercussão, visto que, segundo Easton (1967),
até o ano de 1600, sobreviveram 15 edições. A sua notoriedade estava relacionada
não só ao idioma em que o tratado foi escrito, mas também ao prestígio de seu
autor e ao círculo de pessoas interessadas no conteúdo por ele expresso. The
Ground of Artes foi um dos primeiros textos sobre aritmética publicado na Inglaterra
em língua vernácula e recebeu grande atenção de figuras renomadas daquela
época, como, por exemplo, John Dee (1527-1608).
No que diz respeito aos assuntos contemplados no tratado, originalmente,
The Ground of Artes tratava apenas de aritmética com números inteiros. De acordo
com Easton (1967), a primeira versão, publicada em 1543, apresentava a aritmética
a partir de operações e regras que continham exemplos e aplicações usuais com
números inteiros. Foi somente, na edição de 1552, que Recorde adicionou uma
segunda parte que incluía o estudo das frações. Essa versão composta de duas
partes foi, posteriormente, corrigida e editada diversas vezes por diferentes
estudiosos, recebendo ainda uma terceira parte, em que trazia um conjunto de
regras práticas para o comércio de mercadorias, acrescentada por John Mellis138
em 1582139.
Para este trabalho, consultamos a edição de 1648, que foi corrigida e
ampliada por Robert Hartwell 140 (fl. 1636), tendo por base a versão publicada
anteriormente por Dee e Mellis. Apresentamos aqui alguns apontamentos sobre a
noção de fração, abordada na segunda parte do tratado. Para tanto, discorremos,
inicialmente, sobre a noção de fração e denominação e, em seguida, sobre a adição
de frações e a redução à mesma denominação.
138 Não temos muitas notícias sobre John Mellis. Segundo Harkness (2007, p. 120-122), Mellis foi
contemporâneo de John Dee e era diretor de uma escola em Southwark. Tinha uma visão mais
pragmática do conhecimento e interessava-se pela aplicação prática das matemáticas,
notoriamente, da aritmética e da geometria.
139 Vide Silva e Saito (2020) para mais informações sobre a obra e sua organização.
140 Não temos muitas notícias sobre Robert Hartwell. Segundo Taylor (1954, p. 218), Hartwell estava
vivo e ativo por volta de 1636. Lecionava em sua residência e dava aulas particulares de aritmética,
geometria, astronomia, cosmografia, geografia, navegação, arquitetura, fortificação, horologiografia,
agrimensura, trigonometria e logaritmos.
416
FRAÇÃO E DENOMINAÇÃO
cannot as yet completely end the Treatise of Fractions Arithmeticall, which you have prepared […]
Yet in the mean season, I cannot stay my most earnest desire, but importunely crave of you some
briefe preparation toward the use of Fractions, whereby at the least I may be able perfectly to
understand the common works of them, and the vulgar use of those rules, which without them cannot
well be wrought” (RECORDE, 1648, p. 261-262).
417
supervisor das minas na Irlanda, em 1551 144 . Essas ocupações e os diversos
negócios teriam levado Recorde a cancelar a publicação de um tratado,
exclusivamente, dedicado às frações e a adicionar uma versão resumida dele ao
seu tratado de aritmética, compondo, assim, a segunda parte de The Ground of
Artes.
Organizada em onze seções, essa segunda parte trata da noção de fração
e de suas operações orientadas para aplicações práticas. As operações de adição,
subtração, multiplicação e divisão são apresentadas por meio de problemas que
lidam com questões de ordem prática, especialmente, aqueles ligados a pesos e
medidas. Assim, da mesma forma que é tratada na primeira parte, isto é, sobre as
operações com números inteiros, essa segunda parte introduz primeiro a operação
de adição, que é seguida das outras três: subtração, multiplicação e divisão.
Contudo, diferentemente da primeira parte, em que a redução é tratada depois da
operação de divisão, nesta segunda parte, ela é abordada primeiro, antes de
introduzir a adição de frações.
A redução é tratada primeiro porque, antes de proceder à adição de
frações, é necessário, conforme Recorde, saber se as frações a serem adicionadas
pertencem a uma mesma denominação: “Sempre que você tiver quaisquer frações
a serem adicionadas, você deve considerar se elas são de uma denominação ou
não [...]” (RECORDE, 1648, p. 293, tradução nossa145).
Por denominação, Recorde quer significar aquilo que é designado, isto é, a
coisa designada. Isso é notório na primeira parte do tratado em que Recorde, na
voz do master, explica, ao scholar, que tentava adicionar um número de ovelhas a
um número de outros animais diversos, que não se pode adicionar duas coisas com
denominações diferentes, pois, nesse caso, o resultado não seria expresso nem
em número de ovelhas, nem de outros animais diversos 146 . Ou seja, não era
possível adicionar, por exemplo, quatro ovelhas a sete bois, uma vez que o
resultado não poderia ser expresso nem em número de ovelhas, nem de bois.
418
De acordo com Recorde, só é possível adicionar quantidades com
diferentes denominações no caso em que “[...] uma denominação é tal que contém
a outra certas [quantidades de] vezes [...]” (RECORDE, 1648, p. 38, tradução
nossa 147 ). Em outras palavras, isso é possível quando a denominação de uma
quantidade é um múltiplo da outra, como, por exemplo, proceder-se-ia na contagem
de moedas, em que o pound (li) pode ser expresso em shillings (s) e pence148 (d),
como na seguinte situação: “Primeiro, um homem me deve 22l. 6s. 8d. e outro me
deve 5l. 16s. 6d. e um outro me deve 4l. 3s. Eu queria saber o que isso é junto [...]”
(RECORDE, 1648, p. 39, tradução nossa149).
Nesse exemplo, Recorde quer saber qual é o valor total da dívida de três
homens, sabendo-se que eles lhe devem, respectivamente, 22 pounds 6 shillings
e 8 pence; 5 pounds 16 shillings e 6 pence; e 16 shillings e 6 pence.
Notemos aqui que há três denominações: pounds, shillings e pence. Cada
uma dessas denominações pode ser reduzida a uma ou a outra, uma vez que 12
pence equivalem a 1 shilling, e 20 shillings, a 1 pound. Desse modo, para somar o
total da dívida, Recorde observa que é necessário que as quantidades referentes
a cada denominação sejam escritas uma abaixo da outra da seguinte forma (Figura
01):
147 “[...] the one Denomination is such that it containeth the other certain times […]” (RECORDE,
1648, p. 38).
148 Pence é o plural de penny.
149 “First, one man oweth me 22l. 6s. 8d. and other oweth me 5l. 16s. 6d. and another oweth me 4l.
3s. I would know what this is all together [...]” (RECORDE, 1648, p. 39).
419
Dessa forma, seguindo as regras de adição de números inteiros,
previamente estabelecidas no tratado, a soma é feita por colunas seguindo uma
ordem que vai da direita para a esquerda. Primeiro, somam-se as quantidades de
pence, depois as de shillings e, em seguida, as de pounds. Assim, o resultado da
terceira coluna será 14 pence (8d+6d =14d), mas, como 12 pence equivalem a 1
shilling, a soma encontrada é reduzida à denominação de 1 shilling e 2 pence
(1s.2d.). Operando do mesmo modo, o resultado da segunda coluna será 25
shillings (6s+16s+3s=25s), porém, como 20 shillings equivalem a 1 pound, o
resultado será reduzido à denominação de 1 pound e 5 shillings, aos quais deve
ainda ser adicionado 1 shilling e 2 pence (resultado da terceira coluna), perfazendo,
portanto, 1 pound 6 shillings e 2 pence (1li. 6s. 2d.). Novamente, da mesma
maneira, o resultado da primeira coluna será 31 pounds (22li+5li+4li=31li), aos
quais deve ser adicionado 1 pound 6 shillings e 2 pence (resultado da segunda
coluna), dando o resultado final: 32 pounds 6 shillings e 2 pence (32li. 6s. 2d.).
Notemos que, nesse caso, o pence é “parte” do shilling e o shilling, do
pound, de tal modo que 1 pound equivale a 20 shillings e 1 shilling, a 12 pence.
Essa mesma ideia, em que uma quantidade pode ser dividida em outras partes, é
encontrada na noção de fração que expressa a parte de algo.
Recorde definiu fração como “[...] um número quebrado e, desse modo,
consequentemente, [como] a parte de outro número”, observando, entretanto, que
“[...] isso deve ser entendido tal como um outro número que não pode ser dividido
em nenhuma outra parte além das Frações” (RECORDE, 1648, p. 262, tradução
nossa150). Por essa definição, a fração expressa a “partição” de uma quantidade
(que é compreendida como uma unidade).
Em outros termos, uma fração não é uma operação de divisão de
quantidades, mas de partição de uma quantidade. Para elucidar a esse respeito,
Recorde propõe um problema que consiste em dividir o número de dias do ano (isto
é, 365 dias) pelo número de dias de um mês comum (isto é, 28 dias). Recorde
observa que o resultado dessa operação corresponde a 13, com resto (remainer)
150“A Fraction indeed is a broken number, and so consequently the part of another number: but that
must be understood as such another number as cannot be divided into any other parts then
Fractions” (RECORDE, 1648, p. 262).
420
1. Ele explica que, na divisão de 365 por 28, o resto (remainer) 1 não poderia ser
dividido por 28, visto que não resulta em um número inteiro. Entretanto, 1 poderia
ser fracionado em 28 partes, ou seja, caso fosse utilizada uma partição de 1
quantidade. À vista disso, Recorde observa que a quantidade restante (remainer)
não pode ser dividida em nenhuma outra parte, todavia pode ser fracionada em
quantas partes se queira.
Desse modo, a fração é expressa por um numerador e um denominador.
Recorde afirma, assim, que "[...] o Denominador declara o número de partes, em
que a unidade é dividida [...]”(1648, p. 265, tradução nossa 151 ) e o numerador
expressa a numeração da fração, ou seja, ele é a “[...] expressão de uma fração
[...]“ (1648, p. 264, tradução nossa152). O numerador, portanto, expressa quantas
partes daquela denominação estão sendo consideradas naquela fração, de
maneira que o numerador numera e o denominador denomina o que está sendo
numerado. Isso significa que, quando uma unidade é dividida, o número de
partições que são realizadas é representado pelo denominador. Por exemplo, na
fração 1/3, foram realizadas 3 partições, de forma que a fração 𝟐 expressa 2 dessas
𝟑
3 partes.
Para que seja esclarecida a diferença entre os termos da fração (o
numerador e o denominador), bem como a relação entre eles, Recorde (1648)
apresenta um problema que consiste em dividir uma quantidade de ouro, expressa
em pounds, entre quatro homens, tal que o primeiro receba 𝟐 desse ouro, o
𝟏𝟓
segundo 𝟑 , o terceiro 𝟒 e o quarto 𝟔 . A solução, para esse problema, é dada por
𝟏𝟓 𝟏𝟓 𝟏𝟓
ele da seguinte forma:
151 "[...] the Denominator doth declare the number of parts, into which the unite is divided [...]”
(RECORDE, 1648, p. 265).
152 “[...] expressing of a Fraction [...]” (RECORDE, 1648, p. 264).
421
pode ver os vários papéis (por assim dizer) desses dois números,
quero dizer, do Numerador e do Denominador (RECORDE, 1648,
p. 265-266, tradução nossa153).
153”Now do you perceive that by the Denominator (which is one in all foure fractions) it is intended
that the pound weight should be divided into so many parts, I meane 15, and by the foure several
Numerators, is limited the divers portion that each man should have, that is, that when the whole is
parted into 15, the first man shall have two of those 15 parts: the second man three of them: the third
man foure: and the fourth man six. And so may you see the severall offices (as it were) of those two
numbers, I meane of the Numerator and the Denominator” (RECORDE, 1648, p. 265-266).
422
número cuja denominação não é alterada, tal como 3 pence e 5 pence fazem 8
pence” (p. 293, tradução nossa154).
Como mencionamos anteriormente, pence é parte de shilling, de modo que
12 pence equivalem a 1 shilling. Isso significa que o shilling pode ser dividido em
12 partes, de tal modo que um penny equivale a 𝟏 de shilling. À vista disso, quando
𝟏𝟐
somamos 3 pence e 5 pence, estamos somando as frações 𝟑 e 𝟓 . O resultado
𝟏𝟐 𝟏𝟐
dessa adição expressa quantas partes das 12, em que o shilling foi, inicialmente,
dividido, estão sendo tomadas. Dessa forma, o resultado representa 8 das 12
partes em que o shilling foi particionado, ou seja, 𝟖 de shilling e, quando escrito na
𝟏𝟐
denominação pence, equivale a 8 pence.
Em outros termos, Recorde observa que, nessa situação, a denominação
não é alterada, porque 3 e 5 possuem o mesmo denominador, que representa o
número de partições em que o todo (shilling) foi dividido. Assim, o denominador não
precisa ser alterado, bastando apenas somar as duas quantidades dessas partes.
Entretanto, no segundo caso da adição, Recorde (1648) observa que
154 “The reason is, because that such differ little in the Addition or Subtraction from the worke of
vulgar denominations, where the denominators be of one number, as 3 pence and 5 pence, make 8
pence, where the denomination is not altered” (RECORDE, 1648, p. 293).
155 ”But if the fractions be not of one denomination, or any of them be mixt of whole numbers and
fractions, then must you first reduce them to one denomination, and after adde them. And if they be
many, then adde first two of them, and so the summe that doth amount of the Addition, and the third,
and then the fourth, & c. if you have so many” (RECORDE, p. 1648, p. 293).
423
qual a proporção da unidade que elas expressam, Recorde recomenda que elas
sejam reduzidas da seguinte maneira:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir desse breve apontamento, podemos notar que The Ground of Artes
trata da redução e da adição de frações como duas operações distintas. Isso pode
ser notado quando ele indica que primeiro deve ser realizada uma redução e, em
156
”Multiply first the denominators together, and the totall thereof you shall set twice down under two
severall lines for two new denominators, or rather for one common denominator. Then multiply the
numerator of the first fraction, by the denominator of the second, and set the totall thereof for the
Numerator over the first line. Likewise multiply the Numerator of the second fraction by the
denominator of the first, and set that totall over the second line for the Numerator of that fraction […]”
(RECORDE, 1648, p. 273-274).
424
seguida, que se proceda com a adição. Além disso, ele afirma que há seis
operações referentes a frações, que devem ser ensinadas na seguinte ordem:
numeração; redução; adição; subtração; multiplicação e divisão. Ou seja, a redução
pode ser operada sem a necessidade de uma adição, uma vez que elas são duas
operações distintas. Isso é diferente daquilo que é ensinado atualmente, em que
encontrar um denominador comum para duas frações é uma etapa da operação de
adição. Assim, Recorde mostra que a redução está relacionada com a
representação de diferentes frações de uma unidade em uma mesma
denominação, de tal forma a facilitar a expressão da proporção da unidade que elas
representam.
Por fim, ainda, há alguns pontos que precisam ser discutidos nessa seção
da obra, como os números mistos e a abreviação da fração. Essas e outras
questões integram uma pesquisa de doutorado, que está sendo realizada sobre a
segunda parte de The Ground of Artes, que visa tratar do ensino de frações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
425
America, Chicago, v. 26, n. 1/2, p. 143-171, 1932. Disponível em:
http://www.jstor.org/stable/24293008. Acesso em: 04 jan. 2021.
WILLIAMS, J. The lives and works of Robert Recorde. In: ROBERTS, G.; SMITH,
F. (ed.). Robert Recorde: the life and times of a tutor Mathematician. Cardiff:
University of Wales Press, 2012. Cap. 1. p. 8-24.
426
AL-KHWARIZMI E OMAR KHAYYAM:
similaridades e diferenças entre álgebra e geometria
RESUMO
A época do império islâmico medieval entre os séculos IX e XV marcou a história da álgebra
com diversos expoentes fundamentais para o futuro da matemática. Entre eles, destacam-
se os tratados: O livro sobre o cálculo de álgebra e al-muqabala de al-Khwarizmi e o
Tratado sobre as Demonstrações dos Problemas de Álgebra e al-Muqabala de Omar
Khayyam. Neste sentido, o presente trabalho visa realizar um estudo preliminar entre os
dois tratados algébricos buscando similaridades e diferenças entre eles e, se possível,
estabelecer comparações entre os tratamentos algébricos e geométricos na resolução de
equações polinomiais de segundo grau. Para a realização do estudo investigativo
tomaremos as ideias de Gil (2008) usando o método comparativo dentro da perspectiva de
pesquisa documental e bibliográfica. Utilizamos para comparação um exemplo, que apesar
das similaridades na resolução da equação apresentada, as diferenças apontam que
enquanto al-Khwarizmi apresenta a resolução para o caso particular, Omar Khayyam se
concentra na forma geral de resolução.
INTRODUÇÃO
157
Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) / Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN):
rosangela.silva@ifrn.edu.br.
158
Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN): severocarlosgomes@gmail.com.
159
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN): bernadetemorey@gmail.com.
427
A matemática islâmica durante a idade média propiciou diversos avanços
em várias áreas do conhecimento, e em particular o desenvolvimento da álgebra.
Em se tratando de álgebra, é imprescindível registrar os estudos de al-Khwarizmi
(780-850) com seu tratado algébrico intitulado Al-Kitab al-muhtasar fi hisab al-jabr
wa-l-muqabala (O livro sobre o cálculo de álgebra e al-muqabala) que nomeou a
álgebra. Ainda no tocante aos primórdios da álgebra convém destacar os estudos
de Omar Khayyam (1048-1131), que em seu tratado algébrico intitulado Al-Risala
fi-l-barahin ‘ala masa’il al-jabr wa-l-muqabala (Tratado sobre as Demonstrações dos
Problemas de Álgebra e al-Muqabala) classifica por tipos equações polinomiais e
desenvolve novas contribuições principalmente com relação às equações de
terceiro grau.
Nesse contexto, faz-se relevante algumas questões decorrentes dos
estudos dos dois tratados mencionados, tais como: Quais as similaridades e as
diferenças entre os estudos algébricos de al-Khwarizmi e de Omar Khayyam? É
possível estabelecer comparações entre esses estudos?
Dessa forma, o presente trabalho tem o objetivo de realizar um estudo
preliminar entre os tratados algébricos de al-Khwarizmi e de Omar Khayyam,
evidenciando similaridades e diferenças entre seus estudos algébricos. O tratado
algébrico de Omar Khayyam é objeto de trabalho doutoral, na qual estudos
preliminares sugerem uma averiguação das similaridades e diferenças com o
trabalho algébrico de al-Khwarizmi.
Assim, esse texto se apresenta, além dessa breve introdução, com uma
fundamentação teórica delineando a investigação, os aspectos metodológicos da
pesquisa, alguns aspectos relevantes dos estudos de al-Khwarizmi e Omar
Khayyam com apresentação de caso particular para ilustrar os resultados
preliminares.
FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
428
No início do século VII, na península arábica teve início um movimento
religioso, que envolveu os judeus, os cristãos e as vilas tradicionais beduínas.
Surgia com o profeta Maomé o Islã, como nova religião, que em árabe significa
submissão. Após a morte do profeta, inicia-se as conquistas e forma-se um império.
Os árabes eram povos conquistadores que se interessavam pela cultura dos povos
conquistados, com o intuito de assimilar, transmitir e ensinar. Um dos notáveis
interesses foi sobre o sistema de numeração posicional de base dez e as equações
algébricas que trouxeram da Índia (CASTILLO, 2009).
No início do império islâmico o centro político era Damasco, cujos líderes
após a morte de Maomé foram os califas (sucessores), esse primeiro califado
pertencia a família Omíada. Entretanto, o califado em 750 foi passado para uma
nova família os Abássidas. Durante o califado abássida de al-Mansur, ele ordenou
a construção de Bagdá como sua nova capital, sob os auspícios de seus astrólogos,
o trabalho começou em 30 de julho de 762. E realmente Bagdá prosperou. Entre
813 e 833 aconteceu o reinado do califa al-Mamun. Ele fundou ‘A Casa de
Sabedoria’ em Bagdá, uma instituição de tradução e estudos que reunia diversos
sábios da época (BERGREN, 2003).
Na efervescência cultural de Bagdá de al-Mamun surgiram os estudos de
al-Khwarizmi (780-850). De acordo com Youschkevitch (1976), o seu tratado
algébrico intitulado Al-Kitab al-muhtasar fi hisab al-jabr wa-l-muqabala, foi o
precursor e nomeou a álgebra, tornando-a uma disciplina autônoma. O arabista
russo ainda afirma que
429
que são puramente algébricos, sejam eles: o desconhecido, designado sem
distinção: raiz, coisa, e seu quadrado: mal.
Nesse trabalho usaremos como texto principal do tratado de al-Khwarizmi,
uma tradução para o espanhol feita por Ricardo Moreno Castillo, intitulada El libro
del Álgebra. Na introdução da obra Castillo expõe o título completo do tratado al-
Mujtasar fi hisab al-jabr wa-l-muqabala e continua descrevendo-o dividido em três
partes
430
Para desenvolvermos este estudo usaremos o método comparativo, que
segundo Gil (2008) investiga indivíduos, classes, fenômenos ou fatos, com o intuito
de ressaltar as diferenças e similaridades entre eles. Dessa forma, esse método irá
possibilitar o estudo comparativo de fatos, separados pelo espaço e pelo tempo.
Para tanto iremos usar também a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental.
Nesse contexto, Gil (2008, p. 50) afirma que a “pesquisa bibliográfica é
desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros
e artigos científicos.” E “a pesquisa documental vale-se de materiais que não
receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de
acordo com os objetivos da pesquisa.”
Os estudos de al-Khwarizmi
431
TIPO LINGUAGEM RETÓRICA NOTAÇÃO MODERNA
1 Quadrados equivalem a raízes ax2 = bx
2 Quadrados equivalem a números ax2 = c
3 Raízes equivalem a números bx = c
2
4 Quadrados e raízes equivalem a números ax + bx = c
5 Quadrados e números equivalem a raízes ax2 + c = bx
6 Raízes e números equivalem a bx + c = ax2
quadrados
Fonte: Castillo (2009).
432
Nesse sentido, afirma Van Der Warden (1985), a álgebra de Omar
Khayyam é estritamente geométrica. Ele primeiro resolve equações lineares e
quadráticas pelos métodos geométricos explicados nos Elementos de Euclides, e
a seguir mostra que as equações cúbicas podem ser resolvidas por meio de
interseções de cônicas. Porém, o estudo de equações cúbicas foge
momentaneamente do escopo do nosso trabalho. Ele será explorado em futuras
oportunidades.
Voltemos nossos esforços para as equações quadráticas e para efeito de
melhor compreensão, iremos exemplificar a resolução de equações do tipo 5 do
Quadro 1.
Para esse caso particular, vamos usar o tipo quadrados e números iguais
a raízes, e apresentar as propostas de resolução de al-Khwarizmi e Omar
Khayyam.
Consideraremos primeiro o problema como listado em Al-Jwarizmi160
(2009, p. 29): “un cuadrado más veintiún dirhams es igual a diez de sus raíces”, em
notação moderna, x2 + 21 = 10x. Vale salientar que à época somente raízes
positivas da equação eram consideradas, pois os matemáticos islâmicos não
conheciam números negativos nem o zero.
433
de raíces (que es cinco) y da siete, y ésa es la raíz del cuadrado sobre
el cual se suma, y el cuadrado es cuarnta y nueve. (AL-JWARIZMI,
2009, p. 29)
434
Fonte: Adaptado de Al-Jwarizmi (2009).
435
Fonte: Adaptado de Al-Jwarizmi (2009).
436
Fonte: Adaptado de Al-Khayyam (2008).
437
Utilizando o mesmo procedimento como ilustrado da Figura 1 a Figura 3,
observa-se agora que o quadrado de lado 5 encontra-se no interior do retângulo
área 10x. Além disso, na Figura 5, de x2 + 21 = 10x, tem-se que 21 = x(10 – x) =
5(10 – x) + (x – 5)(10 – x). Segue então, 52 = (x – 5)2 + 5(10 – x) + (x – 5)(10 – x).
Ou seja, 25 = (x – 5)2 + 21. De onde surge x = 7.
É importante ressaltar que há diferenças nas maneiras de al-Khwarizmi e
Omar Khayyam apresentarem as resoluções algébricas para o tipo quadrados e
números iguais a raízes. Al-Khwarizmi mostra o exemplo/método e afirma que pode
ser usado para casos semelhantes, e posteriormente, ele informa:
E você deve saber que se, neste caso, ao dividir o número de raízes
por dois e multiplicá-lo por si mesmo resultar em um número menor
do que o de dirhams que estão com o quadrado, então o problema é
impossível, e se for o mesmo para o número de dirhans, então a raiz
quadrada é igual a metade do número de raízes, sem adicionar ou
subtrair nada (AL-JWARIZMI, 2009, p. 29, tradução nossa).
RESULTADOS PRELIMINARES
438
Khayyam (1953) afirma que seu tratado somente será entendido pelos que
conhecem os Elementos e os dois primeiros livros de Dados161 de Euclides.
Ainda, sobre a importância dos Elementos de Euclides para os
matemáticos islâmicos medievais, segundo Katz (2010), o processo geométrico
dos primeiros algebristas árabes medievais é devido exclusivamente a Euclides.
Neste sentido, vale ressaltar que Abd al-Hamid Ibn Turk, contemporâneo de al-
Khwarizmi, fazia uso de fatos geométricos euclidianos em estudos algébricos
(OAKS, 2011). Em resultado de pesquisa, Muniz (2020, p. 49) afirma que
161
Escrito como um suplemento aos Livros I ao VI dos Elementos (KATZ, 2010).
439
similaridades ao aplicar o processo de resolução da equação proposta, e as
diferenças ao mostrar que Al-Khwarizmi apresenta o exemplo ou o método de
resolução enquanto Omar Khayyam apresenta a forma genérica de resolução.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AL-KHAYYAM, O. An Essay by the Uniquely Wise ‘Abel Fath Omar Bin Al-
Khayyam on Algebra and Equations: Algebra wa Al-Muqabala. Tradução de
Roshdi Khalil. Lebanon: Garnet Publishing Limited, 2008.
440
ROSENFELD, B. A.; YOUSCHKEVITCH, A. P. Al-Khayyām - Complete
Dictionary of Scientific Biography. 2008. Disponível em: https://mathshistory.st-
andrews.ac.uk/DSB/Khayyam.pdf. Acesso em: 16 out. 2020.
441
BENTO DE JESUS CARAÇA (1901-1948) –
HUMANISTA, MATEMÁTICO E PEDAGOGO
Luis Saraiva
(CIUHCT/CMAFCIO/DM da FCUL)
lmsaraiva@fc.ul.pt
RESUMO
Neste artigo daremos uma visão de conjunto sobre a actuação e obra de Bento de Jesus
Caraça no contexto da situação política e social vivida em Portugal e no mundo na primeira
metade do século XX, e muito em particular durante a Ditadura instaurada em Portugal em
1926. Salientaremos a importância do 2º Congresso Internacional de História da Ciência,
realizado em 1931, na consciencialização da comunidade científica da dimensão social do
cientista, dando alguns exemplos de cientistas influenciados por estes acontecimentos.
Entre as publicações de Bento de Jesus Caraça daremos especial relevo à sua conferência
“A Cultura Integral do Indivíduo, problema central do nosso tempo”, que ainda hoje mantém
a sua actualidade, e da qual analisaremos aspetos importantes. Será igualmente salientado
o marco que significou a publicação entre 1941 e 1948 da Biblioteca Cosmos, uma obra
ímpar na divulgação científica e cultural em Portugal, por contraponto à política
obscurantista da Ditadura. A abordagem metodológica é a que é usual em qualquer artigo
de pesquisa de História da Matemática, utilizando fontes primárias sempre que possível.
Foram também consultadas fontes secundárias sobre esta época difícil do século XX.
442
impérios russo, alemão, austro-húngaro e otomano, vai continuar a instabilidade e
a luta armada até 1923. O Tratado de Versalhes, em 1919, que formalmente coloca
um termo à 1ª Guerra Mundial, estabelece condições duríssimas de exigência de
reparações aos vencidos, que são impossíveis de satisfazer. A Sociedade das
Nações é criada em Janeiro de 1920, tendo como um dos seus principais objetivos
manter a paz mundial, propondo-se evitar as guerras entre nações por arbitragen
sua. Contudo a sua eficácia foi quase nula, indo sucessivamente acontecendo
guerras entre países, e culminando no início da 2ª Guerra Mundial em 1939.
Em Portugal, o regime, para além das forças repressivas que tinha a seu
dispor para tentar silenciar as vozes discordantes, criou instrumentos legais para
instituir a arbitrariedade e a subjetividade como critérios das suas decisões,
elaborando articulados que impediam qualquer arbítrio imparcial de situações
443
contenciosas. O Decreto 25317, de 13 de Maio de 1935, por exemplo, nos seus
artigos 1, 2 e 4, afirma (sublinhados nossos):
Com base neste decreto, três dias após a sua publicação, são afastadas do
serviço público 33 personalidades civis e militares, entre os quais seis docentes
universitários, três deles professores catedráticos.
444
Entre o articulado do Decreto, merece especial referência o artigo 4, que
estimula a delação com a ameaça de consequências para quem não o fizer:
445
raízes sociais e económicas dos Principia de Newton” (HESSEN, 1971), incidindo
sobre as ligações entre ciência e sociedade, tiveram um enorme impacto.
446
Ser investigador é um dever de todo o cidadão consciente das suas
responsabilidades perante a sociedade, porque ser investigador é
adoptar uma attitude crítica, perante a vida e o conhecimento, para
chegar a novas conclusões. (MONTEIRO, 1944; p. 82)
447
Maurice Fréchet, com várias tentativas de dinamizar a pesquisa e estudo da ciência
em Portugal, e simultaneamente procurando criar condições para que pudesse
haver actividade de pesquisa estruturada e contínua em Portugal.
Bento de Jesus Caraça foi um dos mais notáveis expoentes deste grupo de
intelectuais. A sua influência esteve muito para além da ciência e do ensino, marcou
profundamente todos o que com ele contactaram e a sua memória passou para as
gerações seguintes.
A aura de Bento Caraça era tal que às suas aulas no ISCEF vinham assistir
alunos de outras faculdades, sabendo que o que iriam ouvir não era apenas uma
exposição de matéria relativa ao curso que Caraça leccionava, mas tinha
448
implicações que transcendiam esse âmbito e se reflectiam no modo de encarar a
vida, a cidadania, e a cultura.
Eu nunca fui tão feliz na minha vida como quando estava com
aquelas pessoas, a ouvir o que elas diziam. Quero dizer, quando o
Bento Caraça falava, mas depois outros, o Manuel da Fonseca, por
exemplo, o Sidónio Muralha [...] (idem)
449
da Bandeira, em Santarém. A sua protetora faleceu quando estava prestes a
terminar o ensino secundário, pelo que, para continuar os seus estudos, teve de
aumentar o número de explicações particulares que dava para complementar a sua
mesada.
450
Esta conferência foi feita em 1933, a convite da colectividade União
Cultural “Mocidade Livre”, para marcar o início da sua actividade, e realizou-se na
sede da UPP, com uma assistência de 192 pessoas, largamente ultrapassando a
capacidade da sala. É talvez o escrito mais conhecido e falado de Bento Caraça,
pela actualidade permanente do seu tema e pela análise que dele faz. Nessa altura
– a conferência foi proferida em Maio- havia meses que os nazistas tinham
assumido o poder na Alemanha e a Europa estava num impasse bastante
inquietante. Em Portugal a Ditadura controlava os meios de comunicação e utilizava
a censura para limitar ao máximo a liberdade de expressão. Para poder fazer
passar a sua mensagem, sem cortes de censura, Caraça tinha de seguir um modo
não explícito. Faz uma análise de tipo marxista do desenvolvimento da história, mas
sem nunca mencionar fontes, apenas exprime o seu discurso como um
pensamento lógico. Certamente como meio de tentar rodear a censura, cita um
discurso do ditador António Oliveira Salazar (1889-1970) pronunciado dois meses
antes e transcrito no jornal O Século de 13 de Março de 1933 para defender uma
conclusão que lhe poderia levantar problemas de censura se não fosse
fundamentada nas palavras do ditador. Vejamos as palavras de Salazar citadas por
Caraça:
Conclusão de Caraça:
Pois muito bem. É para sustentar isto que se cria e desenvolve, por
toda a parte, um aparelho repressivo de cuja actuação brutal todos
os dias temos novas afirmações. (idem, p. 46)
451
Vê-se o cuidado nas palavras que utiliza logo desde o início desta
conferência, quando elogia os organizadores da sessão: ao referir o nome da
colectividade, omite voluntariamente a palavra “livre”, uma palavra problemática
para o regime, apenas mencionando “mocidade” e “cultura”, passando a
mensagem da necessidade de uma renovação espiritual na nova geração (que não
era a do poder) para se poderem ultrapassar os dias “menos bons” que estão a
viver, e poder realizar as ideias (e ideais) para uma vida melhor:
[...] a junção feliz, no seu próprio nome, das duas palavras “cultura”
e “mocidade” abre horizontes rasgados para a esperança daqueles
que, não tendo desesperado de viver melhores dias, vêem
precisamente numa renovação espiritual da geração nova a
condição indispensável para a realização das ideias que lhe são
caras. (idem, p.33)
Adverte que o caminho não é fácil, não é apenas a sua geração que está
implicada, é necessário que a nova geração tenha fidelidade em relação aos
princípios que se defendem:
452
[...] o seu labor [ da geração nova] será fecundo na medida da força
e poder de sinceridade que puserem, através ainda das maiores
dificuldades, em que se conservarem iguais a si mesmos, fiéis a si
mesmos.(idem, p.33)
453
1º Tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular, na
sociedade a que pertence;
Lembra que não há qualquer equivalência entre ser culto e ser sábio, pode
ser-se culto sem ser sábio e vice-versa, mas acrescenta que ser culto implica algum
saber, um mínimo para garantir os três requisitos que enunciou.
454
assim como um condicionador e correctivo da marcha da
civilização. (idem, pp. 52-53)
Equaciona o problema das elites: elas são necessárias, mas não podem
monopolizar a cultura: esta é de toda a colectividade, é pela cultura que a
humanidade há-de chegar a um estado superior. Para Caraça, de outra forma, o
problema central que se coloca é o despertar a alma colectiva das massas:
455
ALGUNS DADOS SOBRE BENTO DE JESUS CARAÇA: PERÍODO
1934—1948
456
Economia. É o único centro que não tem a participação de António Monteiro. O
Centro, por decisão governamental, foi extinto no início do ano lectivo de 1946/47.
Em 1940 há uma intensa actividade: é elemento fundador da Gazeta de
Matemática, com António Monteiro, Hugo Ribeiro, Manuel Zaluar Nunes e José da
Silva Paulo, participa na criação da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM),
e sai o segundo volume das suas Lições de Álgebra e Análise.
457
exprimir, rigor máximo na forma de expor. Obra de vulgarização,
[...] aquela vulgarização que não abaixa nem deturpa, que traz ao
nível do homem comum o património cultural comum [...] Em cada
ramo do conhecimento há o que é do domínio do especialista e o
que é do domínio geral [...] O que se pretende vulgarizar é,
precisamente, o que pertence ao domínio comum, e aí não há nada
que não possa ser aprendido pelo comum dos homens. É a eles
que é dirigida esta Biblioteca. [...] Há, em suma, que dar ao homem
uma visão optimista de si próprio; [...] e derrotas só existem aquelas
que se aceitam [... ] que o homem, sentindo que a cultura é de
todos, participe, por ela, no conjunto de valores colectivos que há-
de levar à criação da Cidade Nova. A Biblioteca Cosmos pretende
ser uma pequena pedra desse edifício luminoso por
construir.(ILINE, 1941; Prefácio)
458
os seus fundamentos mergulham tanto como os de outro qualquer
ramo da ciência, na vida real [...] (CARAÇA, 1941)
459
e da Comissão Distrital de Lisboa. Caraça é colocado em prisão domiciliária pela
PIDE, pois não podia sair de casa por se encontrar já bastante doente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Bento de Jesus Caraça foi uma das luzes brilhantes que teimosamente
brilhou na noite escura da ditadura que durante 48 anos controlou Portugal. A sua
firme atitude moral foi sempre o guia das suas acções. Considerou que a cultura
era um elemento essencial para a democracia e o progresso para uma sociedade
melhor, mais justa e mais rica, e por ela batalhou durante toda a sua vida, desde a
sua acção na UPP, no ISC, e depois no ISCEF, e nas múltiplas acções culturais em
que se envolveu, e que aqui apenas aflorámos, onde se destaca a obra única que
foi a Biblioteca Cosmos. Teve papel importante na matemática portuguesa: foi um
dos fundadores da SPM e promoveu a investigação na matemática ligada à
economia. Foi uma pessoa que abriu perspectivas novas e transformou o destino
de quem com ele conviveu e com ele privou. Pelo seu exemplo e palavra, formou
gerações, mostrando como se pode agir com retidão sob um regime ditatorial.
AGRADECIMENTOS
460
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Luis Crespo de. Biblioteca Cosmos. Política e Cultura, in Nova Síntese.
Cultura Científica e Neo Realismo (coordenação: FITAS, Augusto), pp. 75-107.
Lisboa: Edições Colibri, 2019.
461
CROWTHER, James Gerald. The Social Relations of Science. London: The
Cresset Press, 1941.
LOURO, Maria Lucília Estanco. Entrevista por Luis Saraiva (não publicada), 2018.
462
SARAIVA, Luis M. R..The beginnings of the Portuguese Society of Mathematics
(1936-1945), Archives Internationales d’Histoire des Sciences, 66, nº 175, pp.
171-199, 2016.
463
BREVE APONTAMENTO SOBRE THE METHOD OF FLUXIONS AND
INFINITE SERIES, DE ISAAC NEWTON
RESUMO
Este trabalho apresenta alguns breves apontamentos preliminares que pertencem a uma
pesquisa de mestrado em Educação Matemática que está em andamento cujo objetivo é
estudar o cálculo de fluxões de Isaac Newton. A obra de Newton escolhida para este
trabalho é intitulada The Method of Fluxions and Infinite Series; with its Application to the
Geometry of Curve-Lines, que foi publicada em 1736. O presente tratado traz consigo
registros de aplicações do Cálculo de Séries Infinitas e do seu Cálculo de Fluxões em
problemas referentes a curvaturas e quadraturas, assuntos que estavam presentes em
debates no século XVII. Uma análise mais delineada do conteúdo dessa obra e
considerando o contexto matemático de sua época, identificamos que o cálculo de fluxões
se mostrava presente em um grupo com conotações de físico-matemática. Dessa forma,
expomos aqui a organização da obra, cujo entendimento foi importante para termos uma
compreensão mais clara dos assuntos e temas abordados por Newton para dar seguimento
à nossa pesquisa.
INTRODUÇÃO
163
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). jorgeluiz.edu@hotmail.com.
164
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). fsaito@pucsp.br.
464
Um dos estudiosos que se debruçou sobre esse assunto foi Isaac Newton
(1642-1727) que elaborou, a partir daí, o cálculo de fluxões. Foi provavelmente
depois de se dedicar ao estudo das séries infinitas em 1664, época em que também
investigava o desenvolvimento do binômio, que Newton teve as primeiras ideias
sobre as fluxões e as utilizou para encontrar a tangente e o raio da curvatura de um
ponto numa curva por volta de 1665.
A aplicação mais sistemática da ideia de fluxões aparece enunciada,
implicitamente, em Philosophiae naturalis principia mathematica165 de 1687, e de
forma muito mais explícita em seus ensaios e estudos sobre equações, De analysi
per aequationes numero terminorum infinitas166, escrito em 1669, mas publicado
em 1711, The Method of Fluxions and Infinite Series; with its Application to the
Geometry of Curve-Lines167, redigido em latim em 1671, porém traduzido para a
língua inglesa e impresso neste idioma em 1736, e em Tractatus de quadratura
curvarum, elaborado por volta de 1676, mas publicado em 1704 como apêndice do
seu tratado de óptica, intitulado Opticks.168
Neste trabalho apresentamos alguns apontamentos sobre a obra intitulada
The Method of Fluxions and Infinite Series de 1736 onde Isaac Newton apresenta
seu cálculo de fluxões dando especial ênfase na sua organização com o foco nos
problemas de curvatura e quadratura.
165
Vide, especialmente: Seção I e II, Livro I, em Newton (2008, p. 71-99).
166
Doravante indicada neste texto por De analysi per aequationes infinitas.
167
A versão em latim foi intitulada Methodus fluxionum et serierum initinitarum. Para este
trabalho utilizamos a tradução inglesa que, doravante, será indicada por The Methods of
Fluxions.
168
A esse respeito, consulte Guicciardini (2016, p. 389-394), outras considerações a respeito deste
recorte temporal, podem ser consultadas em Smith (1923, v. I, p. 398-404); sobre a relação
entre as investigações sobre o cálculo de fluxões e a filosofia natural, vide: Westfall (1995, p. 37-
84) e Cohen (2007, p. 1986-2021).
465
parcialmente resumidos em correspondências, e só foram publicados tardiamente.
Dos escritos relacionados ao cálculo de fluxões encontram-se dois que ganham
destaque: De analysi per aequationes infinitas, e The Method of Fluxions.
O primeiro deles foi enviado, em 1699, a Isaac Barrow (1630-1677), que o
encaminhou a John Collins (1625-1683), que lhe deu ampla divulgação. Segundo
Panza (2010), o manuscrito foi composto, provavelmente, com o propósito de
assegurar a sua prioridade sobre a invenção de um método geral de séries infinitas.
De acordo com Whiteside (1968), De analysi per aequationes infinitas foi
impresso tardiamente em 1711 por William Jones (1675-1749) de modo que ele
circulou em forma manuscrita entre um seleto grupo de estudiosos de matemática.
A esse respeito, Cohen (2007) observa que, naquela época, Newton não teve
interesse de imprimi-lo e incorporou as principais partes dele em outro escrito,
intitulado Methodus fluxionum et serierum initinitarum. Compilado por volta de 1671,
esse segundo tratado também não foi impresso até ser traduzido para a língua
inglesa por John Colson (1680-1760) e ser publicado em 1736.
Como podemos depreender pelo frontispício de The Method of Fluxions
and Infinite Series (Figura 1), este tratado foi organizado e publicado por Colson
com o objetivo de utilizá-lo para instruir não só jovens estudantes, mas também
estudiosos de matemática que se dedicavam ao estudo de curvaturas.
466
FIGURA 1: The Method of Fluxions
169
Apenas a primeira parte de The Methods of Fluxions é de autoria de Newton. Desse modo, para evitar
confusões, referenciamos o conteúdo expresso da primeira parte por Newton (1736) e a dedicatória a
William Jones, o prefácio e a segunda parte por Colson (1736).
467
The Introduction, or the Method of refolding complex Quantities p. 1
into Infinite Series of Simple Terms.
Prob. 1 From the given Fluents to find the Fluxions. p. 21
Prob. 2 From the given Fluxions to find the Fluents. p. 25
Prob. 3 To determine the Maxima and Minima of Quantities p. 44
Prob. 4 To draw Tangents to Curves. p. 46
Prob. 5 To find the Quantity of Curvature in any Curve. p. 59
Prob. 6 To find the Quality of Curvature in any Curve. p. 75
Prob. 7 To find any number of Quadrable Curves. p. 80
Prob. 8 To find Curves whose Areas may be compared to those p. 81
of the Conic Sections.
Prob. 9 To find the Quadrature of any Curve affing’d. p. 86
Prob. 10 To find any number of rectifiable Curves. p. 124
Prob. 11 To find Curves whose Lines may be compared with any p. 129
Curve-lines affign’d.
Prob. 12 To rectify any Curve-lines affign’d. p. 134
A PERPETUAL COMMENT upon the foregoing TREATISE. p. 141
I. Annotations on the Introduction; or the Resolution of Equations p. 143
by Infinite Series. (Sect I, Sect II, Sect III, Sect IV, Sect V, Sect VI)
II. Annotations on Prob. 1. or, the Relation of the flowing p. 241
Quantities being given, to determine the Relation of their
Fluxions.
(Sect I, Sect II, Sect III)
III. Annotations on Prob. 2. or, the Relation of the Fluxions being p. 277
given, to determine the Relation of the Fluents.
(Sect I, Sect II, Sect III, Sect IV, Sect V, Sect VI, Sect VII)
Fonte: Colson (1736)
468
Na primeira parte, Newton apresenta e desenvolve a técnica das séries
infinitas. 170 Na segunda, introduz o conceito de fluxão, resolve problemas dos
máximos e mínimos de uma dada curva e da tangente a uma curva, e outros
relativos à curvatura de uma linha.171 E, na terceira, trata do cálculo de áreas das
regiões planas de uma curva e da medida do comprimento de uma curva.172
Colson (1736) observa, em suas anotações ao Problema 2, que Newton
considerava que a aritmética e a álgebra eram a mesma ciência, “possuindo uma
estrita analogia entre si, tanto em anotações quanto nas operações” (COLSON,
1736, p. 330), de tal modo que a (aritmética) designava o cálculo de uma maneira
definida e particular, e a (álgebra), geral e indefinida, assim juntas, compunham
uma única ciência do cálculo. Em outros termos, para Newton, segundo Colson
(1736), a aritmética e álgebra possuíam forte conexão:
170
Vide: “Introduction”, Newton (1736, p. 1-21).
171
Vide: Prob. I a Prob. VI, em Newton (1736, p. 21-80).
172
Vide: Prob. VII a Prob. XII, em Newton (1736, p. 80-140).
469
curvaturas e quadraturas. Denominada de “Transição para o Método de Fluxos”,
essa passagem foi expressa por Newton da seguinte maneira:
470
seu movimento ou fluxo. Assim, as fluxões são as velocidades que são adquiridas
por um corpo através de seu movimento. 173 A relação entre fluentes e fluxões
possibilita, dessa maneira, expressar a natureza de uma curvatura:
[...] Uma linha certa (reta), ou uma linha curva, é descrita pelo
movimento de um ponto, uma superfície pelo movimento de uma
linha, um sólido pelo movimento de uma superfície, um ângulo pela
rotação de um raio; todos os movimentos que podemos conceber
que sejam executados de acordo com qualquer lei declarada,
conforme a ocasião exigir. (COLSON, 1736, p. 235, tradução
nossa)
173
A esse respeito, consulte também: M. E. Baron, H. J. M. Bos (1985, p. 28).
174
A esse respeito, vide também: Roque (2012, p. 337).
175
Newton considera a velocidade como (quantidades matemáticas), isso porque, alguns estudiosos da
época consideravam a velocidade como qualidade relativa ao espaço tempo. A esse respeito vide: Roque
(2012, p. 287-288).
176
A esse respeito vide: M. E. Baron, H. J. M. Bos (1985, p. 34).
471
Uma vez posto e explicitado o método, como podemos observar no quadro
1, os dez problemas subsequentes tratam de sua aplicação ao estudo de
curvaturas, com vistas a determinar os máximos e mínimos, a traçar a tangente e
retificar curvas e quadraturas de curvas. Enfim, as sete seções, distribuídas em três
partes, apresentam anotações em que Colson tece comentários à introdução e aos
dois primeiros problemas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
177
A esse respeito vide: (DEAR, 2001, p. 162).
472
COHEN, I. B. Newton, Isaac. In: GILLIESPIE, C. C. (ed.). Dicionário de
biografias científicas. Trad. De C. A. P. et al. Rio de Janeiro: Contraponto, 2007.
v. III, p. 1983-2044.
NEWTON, I. The Method of Fluxions and Infinite Series: Wirth its application to
the geometry of curve-lines. Tradução de JOHN COLSON. Londres: Cambridge,
1736. Disponivel em:
<https://archive.org/details/methodoffluxions00newt/page/n4/mode/2up.>. Acesso
em: 7 mar. 2021.
473
CONCEPÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE OS QUATERNIONS
HAMILTONIANOS
RESUMO
Este trabalho tem, em seu escopo, a descrição das concepções fundamentais dos
quaternions hamiltonianos. Dessa forma, foi desenvolvida uma historiografia dos
quaternions numa abordagem atualizada da História da Matemática. Essa história foi
derivada de um contexto e uma temporalidade marcada pela discussão da estabilidade dos
fundamentos da Álgebra Clássica e da conceituação dos números negativo e imaginário
considerando, nesse processo, elementos de ordem epistemológica, axiológica, filosófica,
social, dentre outros aspectos. Para isso, foi assumida a seguinte questão norteadora:
quais aspectos preliminares e heurísticos influenciaram o desenvolvimento dos
quaternions hamiltonianos? Diante disso, primeiramente, foram apresentados os aspectos
preliminares pertinentes ao desenvolvimento histórico dos quaternions. Em seguida, foi
feita uma descrição do percurso heurístico realizado por Hamilton durante a construção
dos quaternions. E, finalmente, foi discutida sobre a constituição algébrica quaterniônica e
sua representação institucionalizada. Portanto, compreende-se que os aspectos
contextuais e temporais influenciam na formação do perfil heurístico de um matemático e
no sentido que o corpo científico se institucionaliza. Embora, os tripletos não tenham
alcançado sucesso na tradição extensiva algébrica, a criação dos quaternions traduziu um
estágio de transição na Álgebra possibilitando, assim, o desenvolvimento de outras
álgebras como a não-comutativa. E, a investigação histórica dos quaternions, por meio de
uma releitura e reinterpretação numa perspectiva historiográfica atualizada, oportunizou
explorar os campos epistêmicos do seu desenvolvimento histórico, até então,
desvalorizados.
INTRODUÇÃO
178
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: ranny.math.06@gmail.com
179
Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza (SME). E-mail: helenaeducadoramat@gmail.com
474
Este trabalho tem o propósito de descrever as concepções fundamentais
dos quaternions hamiltonianos. Para isso, buscou-se aqui discorrer sobre os
quaternions numa abordagem historiográfica atualizada da História da Matemática.
Baseado em Saito (2018), essa perspectiva metodológica-historiográfica atualizada
tem o objetivo de destacar os cenários e contextos, nos quais, ocorreu o
desenvolvimento e a expansão do conhecimento matemático. Assim, será
apresentada uma história dos quaternions oriunda de um contexto e uma
temporalidade evidenciada pela discussão da estabilidade dos fundamentos da
Álgebra Clássica e da conceituação dos números negativo e imaginário
considerando, nesse processo, elementos de ordem epistemológica, axiológica,
filosófica, social, dentre outros aspectos.
Para isso, foi assumida a seguinte questão norteadora: quais aspectos
preliminares e heurísticos influenciaram o desenvolvimento dos quaternions
hamiltonianos? Nesse sentido, vale salientar que, neste artigo, a descrição do
percurso heurístico hamiltoniano foi feita a partir da análise biográfica de William
Rowan Hamilton (1805-1865) baseada no estudo do Dicionário de Biografias
Científicas de Pereira (2007). A realização da historiografia descritiva e
representacional dos quaternions teve como fundamentação os estudos das obras
de Hamilton (1837) e Smith (1929).
Isto posto, este trabalho foi organizado em três seções intermediárias. A
primeira seção versará sobre os aspectos preliminares pertinentes ao
desenvolvimento histórico dos quaternions, marcado pelas ideias revolucionárias
que questionavam a base da Álgebra Clássica estabelecida como única e
verdadeira naquele período. A segunda seção abrangerá a descrição do percurso
heurístico realizado por Hamilton durante a construção dos quaternions. E, a
terceira seção discutirá sobre a constituição algébrica quaterniônica até sua
institucionalização representacional como é conhecida atualmente.
ASPECTOS PRELIMINARES
475
Nesta seção, serão apresentados alguns aspectos preliminares pertinentes
ao contexto relacionado ao surgimento dos quaternions. Vale salientar que
Hamilton, ao desenvolver os quaternions, pretendia romper com os fundamentos
da Álgebra Clássica, para isso, realizando uma extensão algébrica dos números
complexos bidimensionais a dimensões superiores. Esse processo extensivo
causou uma perda das propriedades da Álgebra Clássica oportunizando, assim, a
constituição de outras álgebras. Vale apontar também que, de acordo com Pereira
(2007), o matemático Gauss estudou as estruturas quaterniônicas muito antes de
Hamilton, mas não publicou essas pesquisas. Diferentemente de Gauss, Hamilton
compartilhou seus cálculos quaterniônicos e, por isso, a Álgebra dos Quaternions
faz referência ao seu nome.
No final do século XVIII, a Álgebra era vista como uma aritmética simbólica
que, assim como uma tipologia de linguagem, representava números e suas
operações. Assim sendo, era considerada como uma ciência das magnitudes (das
quantidades). Dessa forma, acreditava-se que a Álgebra era a ciência que
investigava a solução de equações algébricas numa perspectiva de universalidade
aritmética. Além disso, predominava a tradição euclidiana de se diferenciar número
de razão entre grandezas. Não tinha uma definição fechada para os números
negativos e os números imaginários. Numa abordagem resolutiva das equações
algébricas, esses tipos de números geraram resultados relevantes para a ciência,
contudo, representavam um entrave epistemológico na Álgebra surgido a partir da
reflexão: como justificar a existência de objetos algébricos menores do que nada
e/ou que assumam um quadrado algébrico negativo?! (NEVES, 2008).
A extensão conceitual de número foi bastante discutida durante a
construção do corpo teórico da Matemática Pura na Alemanha. Na França, durante
os séculos XVIII e XIX, somente os números absolutos eram entendidos como
objetos matemáticos, todavia, já se vislumbrava a constituição de números
negativos e complexos. Cauchy assumia um conceito de número fundamentado na
diferenciação entre essa conceituação de número e a noção de quantidade. E
Ampère defendia que os números negativos não são essencialmente números
(com significados próprios) e sim quantidades, dessa maneira, quando se associa
476
um sinal a um número absoluto, ele deve ser compreendido como uma quantidade,
de modo que as duas quantidades são iguais quando possuem sinais e valores
numéricos iguais. E as quantidades são opostas quando possuem mesmo valor
numérico e sinais diferentes. (ROQUE, 2012).
Nesse viés, no início do século XIX na Alemanha, alguns matemáticos
acreditavam que o conceito de número deveria ser avaliado sob duas vertentes:
uma relacionada à natureza de número e outra referente à noção de quantidade.
Nesse contexto, destacou-se o astrônomo Gauss que defendia que os números
negativos só podiam ser corretamente interpretados quando se considerava que os
objetos contados podiam ser opostos. O astrônomo explicava que os números não
devem ser estudados apenas pela sua natureza, mas também por estarem
relacionados a outros objetos. (ROQUE, 2012).
Diante do exposto, vale esclarecer que o matemático Gauss foi um dos
principais colaboradores do desenvolvimento da Geometria não-euclidiana e da
Álgebra não-comutativa, as quais marcaram o século XIX como sendo duas
concepções matemáticas revolucionárias, pois questionavam a veracidade dos
fundamentos da Álgebra e Geometria. Contudo, não se pode ignorar a contribuição,
nesse sentido, de Hamilton que, posteriormente a Gauss, defendeu que a
conceituação dos números negativo e imaginário assumiu, a priori, como parâmetro
a concepção da Ciência de Ordem (temporal e espacial) e, portanto, não se
restringiu à Ciência da Magnitude. Essa concepção hamiltoniana impulsionou o
desenvolvimento dos quaternions. (HAMILTON, 1837 & SMITH, 1929).
477
desencadeando, assim, um conjunto de pesquisas sobre sistemas de linhas retas
em um plano. Hamilton ingressou no Trinity College de Dublin em 1823. Em 1827,
foi nomeado Astrônomo Real do Observatório de Dunsink e Professor de
Astronomia da Trinity College.
As duas principais contribuições de Hamilton para a comunidade científica
foram a determinação da função característica, no âmbito da Física com
aplicabilidade na óptica e dinâmica, e a definição dos números hipercomplexos
quaterniônicos que tiveram grande repercussão no contexto da Matemática
Acadêmica. Em 1828, em diversos diálogos com seu amigo John T. Graves,
Hamilton questionava a estabilidade dos fundamentos da Álgebra, em particular, o
que diz respeitava à concepção dos números negativos e imaginários considerados
como elementos essenciais para Álgebra. Contudo, Hamilton defendia a
necessidade de reescrever os princípios lógicos da Álgebra.
Em 1828, foi publicado um trabalho (Treatise on the Geometrical
Representation of the Square Roots of Negative Quantities) de John Warren sobre
quantidades negativas a partir de representações geométricas de raízes
quadradas. Incentivado por Graves, em 1829, Hamilton estudou essa obra, na qual
havia uma descrição do diagrama de Argand, que consistia em um sistema de dois
eixos retangulares, de maneira que, um eixo representava a parte real do número
complexo e outro eixo sua parte imaginária.
Essa representação gráfica designou Hamilton a dois questionamentos: (i)
Seria possível conceber outra representação algébrica de números complexos que
explicitasse todas as suas operações válidas? (ii) Seria possível definir um número
hipercomplexo que esteja associado ao espaço tridimensional assim como o
número complexo usual se relaciona com o plano bidimensional? Hamilton
imaginava que se isso fosse possível, esse número complexo tridimensional
deveria ser uma representação algébrica natural do espaço, em contraposição à
representação arbitrária de coordenadas. (PEREIRA, 2007).
Em busca de respostas, em novembro de 1833, Hamilton desenvolveu na
Real Academia Irlandesa estudos sobre pares algébricos, onde obteve resposta a
sua primeira interrogativa. Esses pares algébricos eram, de fato, pares de números
478
reais, para os quais ele definiu as operações de adição e multiplicação.
Posteriormente, Hamilton demonstrou que esses pares numéricos permitiam a
composição de uma álgebra de divisão associativa e comutativa que obedecia às
regras operacionais dos números complexos.
Em junho de 1835, foi divulgado o segundo trabalho de Hamilton que
também discursava sobre os pares algébricos. Esse trabalho (Preliminary and
elementary essay on álgebra as the Science of pure time) apresentava noções
preliminares e elementares inerentes à álgebra, considerando-a como uma ciência
do “tempo puro”, de modo que os pares eram reconhecidos como as etapas no
tempo. Em 1837, Hamilton reuniu os seus dois primeiros trabalhos em uma única
obra, acrescentando-lhes comentários pormenorizados e a publicou nos
Proceedings of the Royal Irish Academy.
A concepção dos complexos sofreu uma influência filosófica kantiana. Isso
pode ser percebido nas pesquisas gaussianas em 1800, quando Gauss assumiu
um conceito mais independente de número, de maneira que definiu os números
negativos e complexos a partir dos pressupostos defendidos pelo professor
Förstemann, o qual norteava-se pelas ideias propostas por Kant em 1763.
(ROQUE, 2012). De modo semelhante, a concepção hamiltoniana de número
também apresentava traços kantianos. Contudo, em 1830 e 1831, antes de estudar
a ideias de Kant, Hamilton já defendia que a base algébrica deveria estar firmada
no aspecto ordinal dos números e essa ordenação assumia uma fundamentação
intuitiva no tempo. Em 1837, Hamilton concentrou seus estudos na álgebra dos
pares numéricos e na filosofia idealista de Kant. Acredita-se que essa vertente
filosófica reforçou as concepções de Hamilton. (PEREIRA, 2007).
Hamilton pretendia corrigir a instabilidade dos fundamentos lógicos da
Álgebra através do conceito de tempo. Para isso, ele destacava a existência de três
escolas algébricas: prática, filológica e teórica. A primeira compreendia a álgebra
como uma ferramenta para a solução de problemas desenvolvendo, assim, uma
Matemática Aplicada. A segunda tratava a álgebra como uma linguagem peculiar
expressa sob a forma de símbolos matemáticos, sendo assim, uma tipologia de
Lógica Matemática. A terceira escola entendia a álgebra como um conjunto de
479
definições e teoremas sobre os quais se podia refletir e, assim, constituindo a
Matemática Acadêmica.
Hamilton trabalhava no viés da Escola Algébrica Teórica, pois acreditava
que era necessário compreender os significados dos objetos matemáticos e, para
isso, devia analisar além dos signos do formalismo. Assim sendo, usar a intuição
para compreender os números permitiria à Álgebra conquistar um status de ciência.
Numa perspectiva crítica da razão pura, Kant declarou que a ordenação dos
fenômenos no espaço era uma função da mente e, portanto, devia fazer parte do
modo como se percebe os objetos. Todavia, a Geometria era vista como uma
ciência que enxergava a percepção sendo chamada de “ciência do espaço puro”.
Além disso, Hamilton defendia que a intuição da ordem no tempo é muito mais
evidente na mente humana do que a intuição da ordem no espaço. (PEREIRA,
2007).
Pode-se entender que há um conceito intuitivo de tempo puro (matemático),
que é mais significativo do que a organização cronológica de fenômenos
específicos. Essa intuição de tempo matemático é o paradigma do simbolismo
algébrico. Essa concepção intuitiva é extensiva e idêntica à álgebra, conforme a
álgebra se constitui como uma ciência. Hamilton compartilhou essas suas acepções
filosóficas, de que a intuição do tempo era a base da álgebra, com Graves e De
Morgan, porém, recebeu uma reação adversativa. Assim, em 1835, através de uma
carta. Continuou defendendo sua convicção.
Retornando ao segundo questionamento referente à concepção dos
números complexos tridimensionais também chamados de ternos, Hamilton não
obteve sucesso. Pois, ele conseguiu escrever uma representação algébrica para
os números complexos tridimensionais e realizar a operação de adição com eles,
porém, não conseguiu definir a operação de multiplicação entre eles. Com efeito,
13 anos depois que Hamilton morreu, G. Frobenius provou essa impossibilidade
verificando que a álgebra de divisão associativa somente era possível sobre os
números reais, como por exemplo, os próprios números reais, os números
complexos reais e os quaternions reais.
480
Contudo, Hamilton tentou provar que os tripletos satisfaziam à lei dos
módulos, pois para ser considerada como uma álgebra de divisão, os tripletos
deveriam satisfazer a essa lei modular. Hamilton explicava que o módulo de um
número complexo era gerado pela multiplicação entre o número complexo e seu
conjugado. Semelhante à representação algébrica dos números complexos
bidimensionais, os tripletos foram escritos na seguinte forma: x + iy + jz com i² = j²
= –1 e seu módulo como sendo x² + y² + z². Porém, como Hamilton encontrou em
seus cálculos, referentes ao módulo do produto, a soma de quatro quadrados,
então, ele decidiu explorar as propriedades algébricas com representações
quaterniônicas (a + bi + cj + kd) verificando se elas satisfaziam à lei modular.
Nos cálculos dos quaternions, foi constatado que eles não conservam a
propriedade comutativa. Hamilton definiu um produto quaterniônico da seguinte
maneira ij = - ji e, mesmo assim, conseguiu constituir uma Álgebra. O quaternion é
compreendido como uma composição de duas partes: uma real e outra complexa
(vetorial). A multiplicação de dois vetores gera outro número hipercomplexo
composto, também, por duas partes: uma escalar e outra complexa. A parte escalar
do quaternion dificultava a sua representação geométrica, pois necessitava de uma
visualização quadrimensional que assumisse a quarta dimensão como uma
unidade imaginária espacial.
481
como uma extensão ao conjunto dos números Reais e os Biquaternions, com
números complexos, como uma ampliação do conjunto dos números Complexos.
Isto é, o conjunto dos Quaternions é um subconjunto dos Biquaternions
(quaternions complexificados).
A representação inicial de Hamilton para os quaternions era de pares
ordenados de números reais que podiam ser representados geometricamente.
Essa ideia foi inspirada no fato de que os números complexos bidimensionais
podem ser estudados geometricamente com aporte no plano de Argand-Gauss.
Seguindo esse raciocínio de extensão algébrica, Menon (2009, p. 2305-4) explicou
que Hamilton tentou generalizar os números complexos (z=a+bi) em três
dimensões através dos tripletos, porém, não obteve êxito. Os tripletos
complexificados, conhecidos como hipercomplexos, possuem a seguinte forma
algébrica: t=a+bi+cj com a, b, c sendo números reais, sendo i e j as unidades
imaginárias, de modo que satisfazem: i ² = j ² = –1.
O fracasso de Hamilton com os tripletos surgiu diante de um obstáculo
epistemológico oriundo das condições essenciais que fundamentam a Álgebra
Clássica. Nesse caso, essa barreira surgiu no fato de os tripletos não possuírem a
propriedade de fechamento na operação de multiplicação. Diante disso, Hamilton
inseriu uma terceira unidade imaginária em seus cálculos e obteve uma estrutura
matemática com quatro componentes deixando, dessa forma, de ser uma
representação tridimensional para vislumbrar uma representação quadrimensional.
Essa nova estrutura foi denominada por Hamilton de quaternions, os quais
admitiam uma estrutura algébrica fechada (MENON, 2009, p. 2305-4). Pode-se
compreender que os tripletos foram, praticamente, esquecidos durante o processo
de generalização e complexificação algébrica.
Nessa perspectiva de generalização em dimensões superiores, vale saber
que os números complexos bidimensionais são escritos na seguinte forma z=a+bi
onde a, b são números reais. Além disso, eles podem ser organizados em duas
porções: parte real Re(z)= a e parte imaginária Im(z)=b. O conjugado do número
complexo é definido como Zc= a–bi. De modo análogo, para o tripleto t=a+bi+cj
tem-se: parte escalar S(t)=a e parte vetorial V(t)=bi+cj. Seu conjugado seria Tc=a–
482
bi–cj. De acordo com Horadam (1963, 1993) e Sangwine, Ell & Biham (2011), um
quaternion do tipo q=q0.1+q1.i+q2.j+q3.k, onde i, j, k são as unidades imaginárias,
também, pode ser estruturado em dois conjuntos: parte escalar S(q)=q0.1 e parte
vetorial V(q)= q1.i+q2.j+q3.k. Seu conjugado é Qc=q0.1–q1.i–q2.j–q3.k.
Pode-se ver que os números complexos são estudados considerando
sempre suas duas partes (real e imaginária). De modo semelhante, os quaternions
também recebem um tratamento nesse sentido. Halici (2012, 2013) e Oliveira &
Alves (2018) destacam essa descrição reconhecendo essas duas partes como
parte escalar (real) composta por (q0, q1, q2, q3) e parte vetorial constituída pela
base (1, i, j, k) onde i, j, k pertencem ao conjunto dos números Complexos e
satisfazem à (i)²=(j)²=(k)² = i.j.k = –1. Ninahuanca (2015, p.19) explicou que um
quaternion é gerado a partir da soma direta de dois subespaços, ou seja, o
quaternion é a soma de dois conjuntos: conjunto real mais o conjunto vetorial (com
três dimensões). Ou ainda, pode-se compreender que um quaternion é gerado pela
base canônica (1, i, j, k), onde 1=(1,0,0,0), i=(0,1,0,0), j=(0,0,1,0) e k=(0,0,0,1).
483
vetorial, ou seja, com um subespaço vetorial com três dimensões. De modo geral,
os quaternions são somas obtidas entre escalares e vetores usuais de um
subespaço tridimensional. Nesse viés, pode-se imaginar uma representação
quadrimensional para os quaternions, de maneira que, a parte escalar seria uma
quarta dimensão (auxiliar).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se compreender que este trabalho apresentou as principais acepções
que fundamentou o desenvolvimento dos quaternions. Nesse sentido, foram
destacados os aspectos preliminares referentes ao campo da Matemática, marcado
pelas ideias revolucionárias que contestavam os fundamentados da Álgebra
Clássica estabelecida como única e verdadeira naquele período. Além disso, foi
descrito o percurso heurístico de Hamilton em busca dos quaternions. E, por último,
foi descrita a constituição da representação algébrica dos quaternions. Hamilton
pretendia ultrapassar os limites da álgebra clássica e isso efetivou-se quando ele
concentrou suas pesquisas em generalizar a dimensões superiores os números
complexos bidimensionais.
Ademais, pode-se salientar que os aspectos contextuais e temporais
influenciam na formação do perfil heurístico de um matemático e no sentido que o
corpo científico se institucionaliza. Apesar dos números tridimensionais não terem
obtido sucesso na tradição extensiva algébrica, a concepção dos quaternions
representou uma fase transitiva na Álgebra permitindo, assim, o desenvolvimento
de outras álgebras como, por exemplo, a não-comutativa. E, a investigação da
história dos quaternions, através de uma releitura e reinterpretação numa
perspectiva historiográfica atualizada, possibilitou explorar os campos epistêmicos
de seu desenvolvimento histórico, até então, desvalorizados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
484
HALICI, S. On Fibonacci Quaternions. Adv. Appl. Clifford Algebras, 22(2), p.
321-327, 2012.
485
SANGWINE, S. J.; ELL, T. A.; BIHAN, N. L. Fundamental Represantations and
Algebraic Properties of Biquaternions or Complexified Quaternions. Adv. Appl.
Clifford Algebras, 21, p. 607-636, 2011.
486
CONTRIBUIÇÕES DA ÁLGEBRA DE AL-KHWARIZMI PARA O
ENSINO: um produto educacional
RESUMO
A Matemática Islâmica vem ganhando destaque, nos últimos tempos, em pesquisas
acadêmicas. Nesta perspectiva, a Álgebra de Al-Khwarizmi enquadra-se como objeto de
pesquisa. Este trabalho tem a pretensão de apresentar um produto educacional
desenvolvido em um Mestrado em Ensino de Ciências Naturais e Matemática, intitulado
por E se o berço da Álgebra fosse islâmico, ela seria terrorista? Este artigo enquadra-se
em uma pesquisa bibliográfica e documental, de caráter qualitativo. Para tanto, são
expostos, ao longo do artigo, os aspectos teóricos que fundamentaram a escrita desse
produto educacional, a descrição das atividades que o compõe, bem como algumas
considerações e orientações acerca da aplicação desse produto educacional. Desse modo,
pode-se constatar o importante papel que o estudo da História da Matemática, bem como
do entendimento que a Álgebra de al-Khwarizmi, traz para o ensino de nível básico e
superior. Por fim, considera-se que o produto educacional ofertou elementos para novas
reflexões acerca da matemática islâmica medieval e da Álgebra de al-Khwarizmi. Além
disso, contribuiu para a discussão e divulgação da Teoria da Objetivação por meio do
princípio do Labor conjunto.
INTRODUÇÃO
180
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). marllenearaujo@hotmail.com.
181
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). mcabst@hotmail.com
487
Nível Superior (CAPES). No entanto, pode-se dizer que esse corpo de
conhecimento produzido nessas pesquisas ainda não chegou ao chão da escola,
nem tão pouco impactou, significativamente, o sistema escolar (MOREIRA, 2004).
Uma das ações da CAPES que oportunizou a evolução da pesquisa em
educação no Brasil foi a criação dos Mestrados Profissionais, na modalidade stricto
sensu, em 1995, por meio da Portaria n° 47 que fora, posteriormente,
regulamentada pela Portaria n° 80, do ano de 1998, pelo Ministério da Educação
(LEITE, 2018).
Os Mestrados Profissionais em Ensino surgiram no início dos anos 2000 e
tinham como objetivo preparar o profissional da área docente para o ensino, a
aprendizagem, o currículo e a avaliação, ou seja, para a atuação na escola e no
sistema escolar como um todo, oportunizando, assim, uma evolução do sistema de
ensino, nos diversos níveis de educação do país (MOREIRA, 2004). Desse modo,
a principal característica do Mestrado Profissional em Ensino é capacitar o
profissional da educação para atuar em sala de aula e no sistema educacional,
priorizando os altos padrões técnicos e científicos (MOREIRA, 2004).
Para tanto, ao final do curso de Mestrado Profissional em Ensino, o
mestrando deve apresentar um produto educacional (mídia educacional,
material/protótipo para atividades experimentais, material textual, material interativo
e atividade de extensão) para uso em escolas, preferencialmente públicas, do país,
além de dissertações e artigos de todas as produções ao longo do mestrado.
Ante o exposto, o presente artigo tem como objetivo apresentar um produto
educacional desenvolvido em um Mestrado em Ensino de Ciências Naturais e
Matemática e enquadra-se em uma pesquisa qualitativa, uma vez que busca
priorizar procedimentos descritivos (BORBA, 2004). Para tanto, durante o percurso
metodológico, a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental foram adotadas,
tendo em vista se adequam perfeitamente ao objetivo a ser alcançado.
Destarte, no âmbito das pesquisas com a temática voltada à produtos
educacionais e à Álgebra de al-Khwarizmi, será exposto, no decorrer desse artigo,
os aspectos teóricos que fundamentaram a escrita desse produto educacional, bem
488
como a descrição das atividades que o compõe. Por fim, serão dadas algumas
considerações e orientações acerca da aplicação deste produto educacional.
489
O saber como definido anteriormente, não se dá a perceber. É uma forma,
uma entidade geral, com formato ideal que habita a esfera da cultura. O saber se
atualiza e se torna perceptível por meio da atividade humana, ou seja, é por meio
da atividade que se produzem subjetividades. Já o conhecimento é o saber que foi
atualizado e que adquiriu uma de suas realizações específicas (ARAÚJO, 2019).
Uma das peculiaridades da TO é que o saber (knowledge) e conhecimento
(knowing) são categorias distintas e não devem ser confundidas, uma vez que
possuem definições diferentes. O saber é uma forma ideal que habita na esfera da
cultura, enquanto que o conhecimento é o saber atualizado que, mediado pela
atividade, assumiu a forma de uma de suas realizações. Radford (2017b) chamou
a atividade em sala de Labor conjunto (ARAÚJO, 2019).
Durante o Labor conjunto o saber se materializa e é apresentado à
consciência. A esse processo de dar-se conta, de tornar-se consciente do saber
em sua forma materializada (conhecimento) é que chamamos de objetivação. O
aprendizado na TO é teorizado em termos de processos de objetivação (ARAÚJO,
2019).
O Labor conjunto é potencializado no trabalho de sala de aula com alunos
em pequenos grupos, nos quais se respeita a ética comunitária e a(o) professora(o)
percorre os grupos e dialoga com aqueles que sentirem ou apresentarem
dificuldade.
Diferente de outras teorias, na Teoria da Objetivação, a aprendizagem
inclui o componente afetivo e emocional. Como posto por Radford (2018, p. 9),
490
Isso implica que, em vez de considerar o aprendizado como, puramente,
um esforço mental, a TO enxerga que o aprendizado envolve afeições e emoções
de maneiras que afetam profundamente os indivíduos, como seres humanos.
Desse modo, Radford (2018, p. 9) afirma que “é por isso que as salas de aula não
apenas produzem conhecimento, mas também subjetividades”.
A subjetividade, para Radford (2017c), é a atualização ou materialização
em progresso do ser. Por meio da atualização ou materialização, sempre em
andamento, o sujeito torna-se único, concreto, cuja especificidade resulta em um
sujeito reflexivo, que sente e age, sempre tornando-se; um projeto inacabado e sem
fim de vida (ARAÚJO, 2019).
Para a investigação da produção da subjetividade dos alunos em sala de
aula, “a TO recorre à construção teórica de processos de subjetivação: os
processos em que, coproduzindo-se no contexto da cultura e da história,
professores e alunos tornam-se presenças no mundo” (RADFORD, p. 143, 2017c).
Em outras palavras, é por meio da subjetivação que nos afirmamos “como projetos
únicos de vida, como subjetividades em curso (subjects in the making)”
(RADFORD, p. 147, 2017c).
O ser que é enfatizado na TO gira em torno de uma Ética Comunitária, que
é direcionada pela responsabilidade, compromisso e cuidado com o outro. As
formas éticas de colaboração humana
491
indivíduos particulares no mundo, que se preocupam uns com os outros, que se
envolvem e mutuamente se transformam, sonham, aprendem, sofrem e esperam
juntos (RADFORD, 2018).
A responsabilidade, o compromisso e o cuidado com o outro são três
atributos indispensáveis para a Ética Comunitária; tais atributos moldam o Labor
conjunto no qual a aprendizagem acontece e delineia o modo de ser que tenta “se
opor à forma utilitarista em que o indivíduo é promovido nas formas capitalistas de
produção transpostas para a escola, que concebe o estudante como proprietário
privado e produtor de seu próprio conhecimento” (RADFORD, 2017c, p. 160-161).
Para organização do Labor conjunto, os alunos trabalham em pequenos grupos de
três.
Em síntese, a TO baseia-se na ideia fundamental de que o aprendizado é
conhecer (objetivação) e tornar-se (subjetivação). Por isso, o aprendizado não pode
ser limitado ao eixo do conhecimento, devendo abordar o eixo do ser: o eixo dos
sujeitos. A Teoria da Objetivação considera o objetivo da Educação Matemática
como um esforço dinâmico, histórico, social, político e cultural que busca a criação
dialética de assuntos reflexivos e éticos que estão, criticamente, posicionados em
discursos e práticas matemáticas constituídas historicamente e culturalmente,
discursos e práticas que estão em constante evolução (ARAÚJO, 2019).
492
ao professor um texto mais circunstanciado que dê cabo das informações sobre o
contexto histórico, político e social em que viveu al-Khwarizmi, sobre o lugar onde
ele produziu suas obras, assim como sobre sua obra matemática propriamente dita.
O produto educacional é uma proposta interativa e por isso, foi elaborado
em formato de e-book. Nessa perspectiva, o e-book foi dividido em três capítulos.
A primeira parte destina-se a apresentação do contexto histórico, político e social
do mundo islâmico. A segunda parte propõe-se a apresentar aos leitores o
estudioso islâmico al-Khwarizmi. Por fim, a terceira parte refere-se à descrição da
Álgebra de al-Khwarizmi.
O e-book possui 29 páginas, as quais estão distribuídas entre textos sobre
a temática, mapas, figuras, atividades, tarefas e sugestões de leituras
complementares. A configuração do material está organizada dessa forma com
intuito de promover a interatividade almejada.
De modo geral, o quadro 1 apresenta uma síntese da estrutura desse
produto educacional em uma abordagem histórica.
493
Fonte: Elaborado pelas autoras (2020).
494
ênfase a Maomé, aos três primeiros califados – o Califado Ortodoxo, o Califado
Omíada e o Califado Abássida – e as principais produções intelectuais
desenvolvidas durante esses três califados. Para a realização das tarefas
relacionadas a esse texto, dois mapas são necessários. O primeiro mapa diagrama
a expansão do Islã entre os anos de 632 a 750 e segundo retrata a expansão do
Islã durante os anos de 750 a 1700. Desse modo, a segunda tarefa do capítulo
consiste em localizar, nos mapas apresentados, os lugares expostos ao longo do
texto dois, usar o Google Maps para encontrar as coordenadas geográficas dos
lugares descritos do texto e conhecer melhor a cidade de Meca a partir da sua
coordenada (21° 25' 35 N 39° 49' 32 E), cidade esta que é considerada sagrada do
Islã.
A atividade do segundo capítulo consiste na realização da leitura do texto
três, O sábio islâmico al-Khwarizmi. Este texto objetiva apresentar al-Khwarizmi e
suas duas principais obras. A tarefa três, referente a esse texto, busca explicar os
termos abu, ibn e al que estão presentes no nome de al-Khwarizmi (Abu Jafar
Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi). Além disso, a tarefa busca fazer uma reflexão
a partir do termo estudioso árabe empregado à al-Khwarizmi, objetivando fechar a
conclusão de que esse termo é empregado de forma incorreta uma vez que esse
estudioso não é árabe e sim islâmico. Por fim, a última parte dessa terceira tarefa
abarca uma reflexão sobre as diferentes formas de se escrever o nome al-
Khwarizmi.
Para finalizar, a terceira atividade, referente ao capítulo três refere-se a
leitura de mais dois textos e recortes do livro Álgebra de al-Khwarizmi. Destarte, o
texto quatro, a Álgebra de al-Khwarizmi, objetiva expor o conteúdo apresentado
nesse tratado algébrico. Como forma de exercitar o exposto nesse texto, a tarefa
quatro foi idealizada. Desse modo, essa tarefa busca fazer uma reflexão a respeito
do motivo pelo qual al-Khwarizmi escreveu esse tratado e o termo al-jabr presente
ao longo dele. Além disso, essa tarefa tem o intuito de descobrir se o leitor/aluno já
havia estudado ou ouvido falar sobre essa obra matemática.
O texto cinco, intitulado Um exemplar do livro Álgebra de al-Khwarizmi,
presente na terceira atividade, tem por objetivo apresentar o exemplar, El libro de
495
Álgebra de Mohammed Ibn-Musa al-Jwarizmi, que foi utilizado para produção desse
produto educacional. Esse livro apresenta uma tradução da Álgebra de al-
Khwarizmi e fora traduzido por Ricardo Moreno Castillo (2009). A última parte dessa
atividade destina-se a leitura de algumas páginas da Álgebra de al-Khwarizmi
traduzida por Castillo (2009). O objetivo dessa leitura é identificar algumas
características e particularidades da escrita de al-Khwarizmi.
Como forma de conclusão à atividade três, a quinta e última tarefa é
lançada. Para realização dessa tarefa, a leitura das páginas 23, 25, 27, 29 e 31 do
livro de Castillo (2009) é imprescindível. Desse modo, a quinta tarefa pretende fazer
com que o leitor/aluno identifique os motivos pelos quais al-Khwarizmi escreveu
esse tratado, quais as principais características apresentadas na escrita de al-
Khwarizmi, como era a linguagem utilizada naquela época e como as ideias eram
expressadas por esse autor.
Diante do exposto, se faz necessário ressaltar que no início de todas as
atividades são apresentadas leituras complementares. Além disso, é informado que
os leitores/alunos estão livres para buscarem fontes de referências como internet,
livros e dicionários.
O e-book foi elaborado, como posto anteriormente, para ser uma proposta
interativa, permitindo uma leitura individualizada desse material. Todavia, ao ser
usado em uma sala de aula, seria mais recomendável sua leitura e discussão sob
a forma de Labor conjunto, que é a proposta didática da Teoria da Objetivação,
teoria essa que defende a ruptura do ensino individualista.
Para aplicação desse produto o Labor conjunto se faz necessário pois, por
meio dessa metodologia, os indivíduos produzem conhecimento e se coproduzem,
de maneira que não há uma hierarquia entre alunos e professores (RADFORD,
496
2014). Sendo assim, os alunos e professores trabalham em conjunto, com a
finalidade de conseguirem produzir e reproduzir conhecimento.
Objetivando que o Labor conjunto aconteça de forma eficaz, quando o
produto for aplicado em sala de aula, algumas orientações fazem-se necessárias:
1 – As atividades e tarefas devem ser, preferencialmente, desenvolvidas em
pequenos grupos, para que todos os integrantes participar dos debates/discussões
que possam gerar, evitando assim o individualismo;
2 – Os textos devem ser lidos em grupo, incentivando o trabalho colaborativo
e a ajuda mútua entre seus integrantes;
3 – Primeiramente, as tarefas devem ser discutidas em seus pequenos
grupos. Depois disso, é orientado que a discussão seja aberta para o grande grupo,
com a intenção de que todas as ideias extraídas dos textos, mapas e figuras sejam
conhecidas; e
4 – Antes de iniciar a aplicação do produto é importante que o professor
mediador dessa aplicação oriente que todos os integrantes, em todos os momentos
das atividades e tarefas, respeitem a ética comunitária, de modo que todos se
escutem e se respeitem, independentemente da ocorrência de divergência de
ideias.
Dadas as recomendações, é importante frisar que o produto educacional E
se o berço da Álgebra fosse islâmico, ela seria terrorista? está disponível no site do
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática,
podendo ser acessado através do seguinte endereço eletrônico:
http://www.posgraduacao.ufrn.br/ppgecnm. Por meio desse acesso, o interessado
tem a opção de fazer o download do e-book ou realizar a impressão do mesmo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
497
desde 2002. Programa esse, que por sinal, foi o primeiro programa em ensino do
Nordeste do Brasil.
Os resultados obtidos ao longo do estudo para elaboração deste produto
educacional e da dissertação ao qual ele está vinculado mostram o importante
papel que o estudo da História da Matemática, bem como do entendimento que a
Álgebra de al-Khwarizmi, traz para o ensino de nível básico e superior.
Por conseguinte, o produto educacional aqui apresentado possui o
potencial de disseminar a história islâmica medieval, estando centrado no
personagem islâmico al-Khwarizmi e em seu trabalho, importantíssimo, para o
desenvolvimento algébrico, a Álgebra de al-Khwarizmi (ARAÚJO, 2019).
Por meio desse produto, pôde-se desconstruir algumas ideias a respeito da
utilização da História da Matemática em cursos de formação inicial e continuada,
uma vez que, alguns cursos sobre essa temática, focam, apenas, na matemática
propriamente dita. No entanto, de acordo com a historiografia atualizada e com as
ideias de Radford (2008, 2016), o contexto em que a matemática estava inserida
deve ser valorizado (ARAÚJO, 2019).
Considera-se que o produto educacional ofertou elementos para novas
reflexões acerca da matemática islâmica medieval e da Álgebra de al-Khwarizmi.
Além disso, contribuiu para a discussão e divulgação da Teoria da Objetivação por
meio do princípio do Labor conjunto, prática educativa essa que considera a
participação ativa do estudante, por meio de debates e discussões (ARAÚJO,
2019).
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Marlene Gorete de. ABU JA'FAR MUHAMMAD IBN MUSA AL-
KHWARIZMI: contribuições da álgebra para o ensino. 2019. 141 f. Dissertação
(Mestrado) - Curso de Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências
Naturais e Matemática, Centro de Ciências Exatas e da Terra, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019. Disponível em:
https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/27790/1/Abuja%27farmuham
mad_Ara%c3%bajo_2019.pdf. Acesso em: 22 nov. 2020.
498
BORBA, Marcelo de Carvalho. A Pesquisa Qualitativa em Educação Matemática.
In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 27., 2004, Caxambu. Anais... Caxambu, 2004.
p. 1-18. Disponível em:
http://www.rc.unesp.br/gpimem/downloads/artigos/borba/borbaminicurso_apesqui
sa-qualitativa-em-em.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2019.
499
RADFORD, Luis. Ser, subjetividad y alienación. In: D’AMORE, Bruno; RADFORD,
Luis. Enseñanza y aprendizaje de las matemáticas: problemas semióticos,
epistemológicos y prácticos. Bogotá: Universidad Distrital Francisco José de
Caldas, 2017c. Cap. 6. p. 137-165.
500
INSTRUMENTOS MATEMÁTICOS CONTIDOS NO TRATADO DE EDMUND
GUNTER (1623)182
RESUMO
No século XVII, na Inglaterra, foram elaborados diversos tratados que continham
instrumentos matemáticos. Um dos tratados produzidos, nessa época, foi intitulado como
The description and vse of the Sector, the Crosse-staffe, and other instruments…, de
autoria de Edmund Gunter (1581 - 1626), publicado, em sua primeira versão, em 1623, em
Londres. Este estudo contém quatro instrumentos: o Setor, o Cross-staff, o Cross-bow e o
Quadrante, em que o autor descreve sobre suas construções e usos. Assim, este artigo
toma como foco esse documento original de Edmund Gunter e objetiva apresentar o tratado
no que se refere à sua constituição e os instrumentos que estão inseridos nele. Dessa
maneira, como base metodológica, o artigo se sustenta em uma pesquisa documental. O
corpo deste estudo está dividido em duas partes: a primeira retrata a estrutura do tratado
e a segunda aborda os instrumentos que estão contidos nele. Desse modo, são expostos
os aspectos da obra, no que diz respeito à sua estrutura e uma breve descrição sobre os
instrumentos que estão dispostos nela.
INTRODUÇÃO
O estudo de tratados matemáticos está presente em diversas pesquisas
nos últimos anos184. Isso decorre de pesquisas realizadas no âmbito de interface
entre história e ensino, em uma perspectiva historiográfica atualizada, que tem
182
Estudo orientado pela professora doutora Ana Carolina Costa Pereira, docente da Universidade
Estadual do Ceará (UECE).
183 Instituo Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE).
andressa.gomes.santos06@aluno.ifce.edu.br.
184Batista (2018); Pereira e Saito (2019); Alves (2019); Albuquerque (2019) e Santos e Pereira
(2020).
501
como opção utilizar um documento histórico para estudar possibilidades que
possam ser incorporadas ao ensino de matemática.
Vistas a importância e a expressividade de pesquisas no âmbito de aliança
entre história e ensino de matemática, por meio de um documento histórico, é
abordado, neste artigo, o tratado The description and vse of the Sector, the Crosse-
staffe, and other instruments…, de autoria de Edmund Gunter185, publicado no ano
de 1623, em Londres.
Esse tratado é voltado para os estudiosos de matemática prática do século
XVII. Dessa forma, conta com quatro instrumentos: Setor, Cross-staff, Cross-bow e
Quadrante, os quais serão abordados neste estudo, assim como a estrutura do
documento histórico.
Assim, neste trabalho, objetiva-se apresentar o tratado no que se refere à
sua constituição e os instrumentos que estão inseridos nele. Para isso, utiliza-se
uma pesquisa documental que se apropria de “[...] documentos que não sofreram
tratamento analítico, ou seja, que não foram analisados ou sistematizados”
(KRIPKA; SCHELLER; BONOTTO, 2015, p.57).
Destarte, a próxima sessão apresenta o tratado que está sendo estudado,
suas partes e uma breve descrição delas. Em seguida, são expostos os
instrumentos contidos na obra e é feito um breve panorama sobre eles.
O tratado de Edmund Gunter, The description and vse of the Sector, the
Crosse-Staffe, and other instruments, for such as are studious of Mathematicall
practise, teve sua primeira edição publicada em Londres, no início do século XVII,
especificamente, no ano de 1623, impresso por William Jones e vendido por
Edmund Weaver. Outras edições foram publicadas em 1624 e 1636, por exemplo.
185
Para mais informações sobre o autor, consulte os estudos de Pepper (1981) e Ward (1740).
502
Entretanto, manuscritos, em latim, sobre o Setor já circulavam na Inglaterra 16 anos
antes da publicação de 1623186.
Nesse tratado, Gunter (1623) traz a descrição de quatro instrumentos: o
Setor, o Cross-staff, o Cross-bow e o Quadrante, que incorporam conceitos
matemáticos e eram utilizados para resolução de problemas práticos. Esse fato
pode ser notoriamente observado no frontispício (Figura 1) do documento, no qual
encontram-se os instrumentos estudados e a indicação do público-alvo, ou seja,
“para aqueles que são estudiosos de matemática prática” (GUNTER, 1623,
Frontispício).
CROSS-STAFF
SETOR
CROSS-BOW
QUADRANTE
503
A primeira parte do tratado está dividida em três livros, cujo primeiro livro
trata da descrição do Setor, da fabricação e do uso geral do instrumento. No
segundo livro do Setor, é apresentado o uso de algumas escalas específicas,
chamadas de escalas circulares. No último livro desse instrumento, o autor traz o
uso das escalas particulares do Setor.
A segunda parte do tratado está dividida em três livros, a qual trata do
instrumento Cross-staff. No primeiro livro, Gunter (1623) descreve as partes que
compõem o Cross-staff, a construção das escalas que estão inscritas no
instrumento e seus usos. No segundo livro, são apresentados usos diversos para
as escalas das proporções e o autor traz um apêndice com outro instrumento
chamado Cross-bow. No último livro, o autor faz um aprofundamento do uso das
escalas das proporções para desenhar as linhas das horas em todo tipo de plano.
Nesse livro, também é mostrado outro instrumento, o Quadrante, trazido como
apêndice.
A seguir, é apresentada uma breve descrição dos quatro instrumentos
contidos no tradado: o Setor; o Cross-Staff; o Cross-bow e o Quadrante. O intuito é
mostrar um estudo preliminar sobre esses instrumentos.
Setor
504
O primeiro instrumento matemático, apresentado por Gunter (1623), é o
Setor, cujo autor traz sua descrição e seu uso em três livros da primeira parte,
estando localizado nas páginas 1 a 143. Por definição,
“These instruments are wrought in brasse by Elias Allen dwelling without Tempel barre over
187
against St Claments Church:and in wood by John Thompson dwelling in Hosiar lane” (GUNTER,
1623, s/p).
505
No primeiro livro, Gunter (1623) traz a descrição do Setor, composto por 12
escalas dispostas nas hastes móveis, das quais sete são escalas gerais e as outras
cinco são particulares (Quadro 1).
506
arestas no Setor, em uma coloquei uma escala de polegadas, que corresponde a
doze partes de um pé inglês. Na outra, uma escala menor de tangentes, na qual o
gnômon é raio” (GUNTER, 1623, p. 3, tradução nossa).
É importante mencionar que Gunter (1623) somente indica o material
utilizado para a confecção do Setor, ou seja, de latão ou de madeira, ele não
esclarece as medidas do Setor, entretanto, o texto deixa subtendido, pois afirma
que “[...] isso é bem conhecido do artesão” (GUNTER, 1623, p. 3, tradução nossa).
Em seguida, ainda, no primeiro livro sobre o Setor, ele faz um apanhado de
como desenhar cada escala que compõe o instrumento e como utilizá-lo de acordo
com algumas escalas. Ressalta-se que o manuseio do Setor requer o uso do
compasso para a efetuação das operações matemáticas envolvidas.
No segundo e terceiro livro sobre esse instrumento, Gunter (1623) descreve
o manuseio de todas as escalas distribuídas no Setor e especifica o uso de cada
uma, trazendo exemplos de situações para a utilização de todas as escalas. Logo
depois, Gunter (1623) apresenta outro instrumento, denominado Cross-Staff.
Cross-staff
FIGURA 3: CROSS-STAFF
507
Fonte: Gunter, 1623, p. 9.
Gunter (1623) fez um staff para seu próprio uso com o comprimento de uma
jarda completa, para que esta possa servir de medida. E o cross, desse staff, ele
construiu com o comprimento de 26 polegadas e um quinto entre as duas miras
externas.
Já no que se refere às escalas, as que estão inscritas no staff são de quatro
tipos (Quadro 2): “uma delas serve para medir e prolongar, uma para observação
de ângulos, uma para o mapa do mar e as quatro outras para trabalhar proporções
de vários tipos” (GUNTER, 1623, p.1, tradução nossa). O autor divide cada escala
de acordo com sua finalidade e construção no staff.
508
Quadro 2: Escalas inscritas no staff
Local de
Tipo de escala Escalas inscrição no
instrumento
Medir e prolongar Escala das polegadas Staff
Observação de
Escala das tangentes Staff
ângulos
Mapa do mar Escala do meridiano Staff
Escala dos números
Escala das tangentes
Proporções artificiais Staff
Escala dos senos artificiais
Escala dos senos versados
Fonte: Elaborado pela autora (2020).
Gunter (1623) não classifica as escalas que são inscritas no cross, ele
apenas ressalta que são cinco escalas, algumas usadas juntamente com as
escalas que estão inscritas no staff (Quadro 3).
509
Gunter, inscritas no staff, posteriormente, passaram a ser chamadas de escalas de
Gunter, muito abordadas em tratados do século XVII.
Depois da descrição das escalas, ainda no primeiro livro, Gunter (1623)
relata como utilizar cada uma delas. Já no segundo livro do Cross-staff, o autor
enfatiza a manipulação das escalas das proporções, focando em usos específicos.
O autor também traz um apêndice, nesse livro, que descreve outro instrumento,
chamado de Cross-bow e indica como fazer a utilização desse artefato.
Cross-bow
FIGURA 4: CROSS-BOW
510
arco, então todo o arco conterá 120 graus a terceira parte de um
círculo. Portanto, seja dividido em tantos graus e cada grau
subdividido em seis partes, para que cada parte possa durar 10
minutos, mas deixe que os números definidos sejam de 5, 10, 15 a
90 graus e então seja novamente de 5, 10, 15 a 25, para que 55
caiam no meio, como na Figura [4].
Quadrante
511
FIGURA 5: QUADRANTE
CONCLUSÕES
512
and vse of the Sector, the Crosse-staffe, and other instruments…, de Edmund
Gunter, publicado em 1623, torna-se importante para ser uma opção a ser inserida
no ensino de matemática, mediante um estudo mais aprofundado no que se refere
aos instrumentos e aos conhecimentos que eles mobilizam.
Dessa maneira, foi apresentada a estrutura do tratado quanto às partes que
o compõem e um panorama a respeito dos instrumentos Setor, Cross-staff, Cross-
bow e Quadrante, que estão inseridos na obra.
Assim, os documentos provenientes da história podem carregar muitos
conhecimentos matemáticos que, se explorados em seus aspectos contextuais,
historiográficos e epistemológicos, podem ser aliados ao ensino. Para isso, é
preciso fazer um estudo geral sobre esses tratados, como o realizado neste artigo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
513
GUNTER, Edmund. The description and vse of the Sector, the Crosse-staffe,
and other instruments… London: William Jones, 1623.
GUNTER, Edmund. The Description and vse of the Sector. The Crosse-staffe
and other instruments. For such as are studious of Mathematicall practise.
London: William Jones, 1624.
514
NOTAS BIOGRÁFICAS DO PROFESSOR DOUTOR TIBIRIÇÁ
RESUMO
Este trabalho biográfico está inserido dentro de um projeto de pesquisa iniciado em 2015
no qual se investiga a História da (Educação) Matemática na Escola de Minas de Ouro
Preto. A vida e as obras do professor Doutor Altamiro Tibiriçá Dias que é ex-aluno, da turma
de 1937, e foi professor da instituição nas décadas de 1950 a 1990. As fontes utilizadas
são provenientes de notícias de jornais disponíveis na Hemeroteca Digital e do acervo da
família do professor. Além de professor ele é autor de diversos livros e materiais de
matemática. Dentre eles, o livro de Cálculo Infinitesimal considerado o primeiro dessa
natureza escrito no Brasil, por brasileiro, que não é cópia de livros estrangeiros. Organizou,
também, o Boletim de Matemática do Departamento de Matemática no qual diversos
tópicos de cálculo eram disponíveis aos estudantes. Podemos notar o importante papel do
Dr. Tibiriçá na cidade de Ouro Preto e no restante Brasil. No entanto, mais questões devem
ser aprofundadas, como os depoimentos dos familiares e de outras pessoas que
conviveram com o biografado que ainda não foram analisados e acrescentados para
compor a escrita biográfica. Além disso, uma análise do material produzido por ele não foi
publicada, mas está sendo realizada.
INTRODUÇÃO
515
vida e das obras do ex aluno e professor da EMOP, Dr. Altamiro Tibiriçá Dias (1911
– 1993), engenheiro, professor de matemática e autor de textos de matemática nas
décadas de 1950 a 1990 no Brasil.
Iniciamos esta pesquisa com a mesma questão que Borges (2019, p.212)
levantou para estudos biográficos e que ele mesmo direciona como pode ser
investigada a vida de uma pessoa.
516
ocasiões algumas historietas do Dr. Tibiriçá, bem como a importância acadêmica
que ele representa para a Região dos Inconfidentes e para o Brasil.
517
Fonte: Acervo da família
518
funções de uma variável, antes de entrar no segundo livro com o
cálculo diferencial (SCHUBRING, 2015, p.123).
519
Fonte: Correio da Manhã (1954)
520
Fonte: Grupo de Facebook de ex-alunos da ETFOP
ALGUMAS OBRAS
521
– seja por incutir-lhes entusiasmo pelo penoso porém atraente
trabalho de pesquisa, seja por anular-lhes inatos sentimentos de
modéstia e timidez – tanto bastará para que se justifique
plenamente o sentido exato desta iniciativa (CALAES, DIAS, 1951,
s p).
𝑷 ≡ ( 𝒙𝒎 − 𝟏)(𝒙𝒎−𝟏 − 𝟏) … (𝒙 𝒎−𝒑+𝟏
− 𝟏) ≡ ∏(𝒙𝒎−𝟏 − 𝟏)
522
FIGURA 4: CAPA DE BOLETINS DE MATEMÁTICA
(a) (b)
523
Nobre (2020) o leitor pode ver uma descrição de parte da documentação referente
à Matemática no final do século XIX.
De acordo com Pereira (2017) esta obra tem uma abordagem moderna e
apresenta a construção dos números reais por cortes de Dedekind, são
apresentados também o método dos limites e teoria dos infinitésimos tratando de
Cálculo Diferencial e Integral.
A importância deste livro também pode ser notada no anúncio do Correio
da Manhã de 1953. Ele anuncia a ida do professor Tibiriçá para a Escola de
Engenharia de São Carlos e destaca que é autor da obra de cálculo infinitesimal.
Uma cópia desta noticia encontra-se na figura 6, a seguir.
524
FIGURA 6: TIBIRIÇÁ VAI A SÃO CARLOS
O último livro escrito pelo professor Dr. Tibiriçá foi Funções Circulares
editado pela Editora da UFOP em 1993, ano de seu falecimento. O livro é composto
por 153 páginas e tem uma capa preta com o título escrito em branco e colorido em
forma de círculo. O lançamento do livro foi realizado no salão nobre da UFOP e
uma foto do autor escrevendo uma dedicatória pode ser vista na figura 7, a seguir.
525
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
526
SCHUBRING, Gert. Tentativas de estabelecer o conceito de número como
fundamento para cursos de Análise. Caminhos da Educação Matemática em
Revista/On line – v.3, n.1, p.111- 125. 2015.
527
SOBRE OS CONHECIMENTOS INCORPORADOS NOS
REPORTÓRIOS DOS TEMPOS ENTRE OS SÉCULOS XVI E XVII191
RESUMO
Durante a antiguidade muitos documentos foram constituídos mediante diferentes
contingências e passaram a ser produzidos como forma de registrar e disseminar
determinados conhecimentos que estavam em destaque em uma época, visando que eles
não fossem esquecidos. Algumas dessas obras são chamadas de Reportório dos tempos
que se tornaram importantes para seu período de propagação, porque congregavam
distintos conhecimentos ligados a vários setores que estavam em pleno desenvolvimento
no século XVI e XVII. Desta forma busca-se responder quais conhecimentos emergem
desses Reportórios dos tempos? E qual a relação entre esses Reportórios dos Tempos e
os instrumentos históricos contido em alguns deles? Assim, esse estudo visa conhecer
quais aspectos do conhecimento relacionados as matemáticas estavam incorporadas no
uso desses Reportórios dos tempos e sua relação com os instrumentos históricos. Esses
instrumentos estiveram presentes entre os séculos XVI e XVIII, e eram destinados para
medir distâncias angulares ou lineares em diferentes campos, como, na astronomia, na
navegação ou na agrimensura. Assim, esse estudo se caracteriza como uma pesquisa
qualitativa, de caráter exploratório, fundamentada em um estudo bibliográfico e
documental. Essa investigação partiu de um levantamento realizado em três locais, na
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, na Biblioteca Nacional de Portugal, e no
repositório da Universidade de Évora, no qual encontramos cinco documentos, sendo eles,
Reportórios dos tempos, publicados entre os séculos XVI e XVII. Todos tratando de
assuntos semelhantes, reunindo aspectos da astronomia, astrologia, medicina, navegação,
geografia, entre outras. Mas somente alguns trazem aspectos do conhecimento
matemático e, a produção e uso de instrumentos matemáticos.
INTRODUÇÃO
Durante os séculos XV e XVI viu-se o renascimento de diferentes
interesses na Europa, entre eles, nas artes, no ensino, entre outros. Dentre vários
aspectos que marcaram esse período, tem-se o movimento humanístico, que
191
Pesquisa orientada pela professora e doutora Ana Carolina Costa Pereira. Universidade Estadual do
Ceará (UECE). carolina.pereira@uece.br
192
Universidade Estadual do Ceará (UECE). antonia.naiara@aluno.uece.br
528
procurou venerar e recuperar antigos textos como forma de confrontar as traduções
e comentários realizados sobre eles (SAITO, 2015).
Esses textos ou tratados, em especial, aqueles que traziam em sua
composição astrolábios, esfera armilar, quadrante, estavam sendo produzidos por
volta do século XVI e XVII, período no qual muitas oficinas de instrumentos
matemáticos estavam em ascensão em distintas regiões, entre elas, em Louvain,
Nuremberg, Florença e Londres (SAITO, 2015). De acordo com o autor, parte
desses tratados eram compilações sobre instrumentos que teriam sido abordados
em outras obras ou comentários de aulas.
Esses tratados, são denominados de materiais originais, pois segundo
Beltran, Saito e Trindade (2014, p. 18), “podem ser textos, imagens ou documentos
da cultura material (objetos físicos) que chegaram a nossos dias trazendo registros
de conhecimentos elaborados, transmitidos, adaptados em outros tempos e
culturas”. Esses documentos originais se tornam ricos porque nos apresentam
diferentes conhecimentos que estavam sendo mobilizados em distintas épocas.
Dentre esses documentos originais pode-se encontrar os Reportórios dos
tempos, que estavam sendo propagados na segunda metade do século XVI até por
volta do século XVII, pois representavam o modelo geocêntrico do universo que
aos poucos foi assumindo o modelo heliocêntrico (VALÁZQUEZ, 2012). Embora
alguns documentos venham acompanhados com a palavra “chronographia” no
início e outros não, ambos não se diferenciam entre sim, tendo a mesma finalidade
para o período.
Essa palavra “chronographia” passa a ser inserida mais nos tratados que
estão sendo publicados a partir da segunda metade do século XVI. Segundo
Figueiredo (1913), a palavra Chronographia significa um substantivo feminino que
se deriva da palavra chronologia, que designa “tratado das divisões do tempo” ou
“tratado das datas históricas”.
Esses tratados ao serem contemplados a luz de uma rede de
conhecimentos reunidos no passado possibilitam a compreensão do contexto em
que estavam inseridos, além de permitir o acesso a diferentes conhecimentos que
529
estavam sendo produzidos e disseminados por meio deles. De acordo com Martín
(2012, p. 330),
Este conjunto homogêneo de Repertorios coleta o conhecimento refletido
nas enciclopédias medievais, fontes que são repetidamente citadas na
exposição descritiva dos conteúdos de que tratam. Portanto, a
conceituação do tempo e sua divisão verificável nos autores
renascentistas dá continuidade ao sistema estabelecido e transmitido por
essas fontes medievais. Este fato acarreta necessariamente uma
distribuição idêntica dos conteúdos em todas as obras analisadas, e
mesmo a cópia literal de trechos completos no caso de um dos
Repertórios, conforme pode verificado.
193Na antiguidade, não se tinha um corpo unificado denominado por matemática como temos no
século XXI. Conhecimentos como, a geometria, a música, a astronomia, a aritmética, entre outros,
eram denominados por matemáticas. Para mais informações vide Saito (2015).
530
voltados para diferentes setores como, a agrimensura, a navegação ou a
astronomia (ALVES; BATISTA, 2016). Parte deles permearam diferentes campos
como citado anteriormente e tinham a finalidade de medir distância, lineares ou
angulares, dependendo do contexto no qual estavam inseridos e para qual
finalidade eram destinados. Assim, no próximo tópico irá-se-a tratar sobre o
desenvolvimento desse estudo.
531
Nesse levantamento não delimitamos um intervalo de tempo para a busca.
Ela foi realizada em bibliotecas e repositórios de Portugal devido o estudo inicial ter
partido da pesquisa de Batista (2018), com a Chronographia, Reportorio dos
tempos..., de Figueiredo, publicada nessa localidade. Ao final reunimos no total
cinco Reportórios dos tempos, como pode-se ver a seguir.
532
Fonte: Ly (1528, 1552, frontispícios).
As obras são acompanhadas por um prólogo, não possuindo sumário e
adentrando diretamente ao conteúdo de que tratam sobre: as partes que contém
um dia; repartições do ano (meses); dos tipos de céus; dos céus e dos planetas
regem eles; os signos do Zodíaco; regimento da declinação do sol; dos polos do
céu; regimento da estrela do Norte; linhas equinociais (trópico de câncer; trópico de
capricórnio; etc.); as quatro compreensões gerais do ser humano relacionadas ao
seu humor (sanguínea, colerica, flemarica, melancólica); regras astronômicas e
medicinais para a sangria; a relação dos signos com as partes do corpo; uma
tabuada com as cidades de Portugal; das fases da lua; coisas para se saber sobre
um ano bissexto; segue se o regimento para se puder encontrar pelo quadrante ou
astrolábio a altura do Norte. São amplos os conteúdos abrangentes por elas,
porém, outros documentos originais nesse século compartilham dessas mesmas
características.
A Chronographia, o reportório de los tiempos, el mas copioso y preciso
que hasta agra a salido a luz foi escrita por Hieronymo de Chaves (1523-1574),
sendo publicada em 1576, porém não tendo o registro do local de sua publicação,
constando apenas que teve suas liberações para a impressão realizada em Lisboa,
todavia está escrita em espanhol (FIGURA 2).
Em alguns documentos encontramos a variação entre Hieronymo
Chaves ou Jerônimo de Chaves, sendo ambos a mesma pessoa. Hieronymo foi
533
astrólogo e cosmógrafo nesse período. Essa versão é mais nova, todavia existe
outras duas edições de 1580 e 1584, sendo as três publicadas após sua morte.
534
Pamplona, por Thomas Porràlis de Sauoya, sendo esse lugar localizado na
Espanha, cuja língua é a que prevalece no documento.
535
diferentes dos demais faz menção as setes artes liberais, a filosofia e a outras
ciências, como a medicina e sua intensa relação com a astrologia.
Se encaminhado para século XVII, encontramos a Chronographia
Reportorio dos tempos...., de Manoel de Figueiredo (1568-1622), publicada em
1603, e impressa por Jorge Rodriguez em Lisboa (Figura 4). Figueiredo foi mestre
de matemáticas, cosmografia, e navegação, tendo assim, o domínio não só da
matemática, mas da física, química, da hidrostática, entre outras que subsidiavam
essas classes mais específicas.
Além disso, foi autor de diversas obras que dentre elas pode-se citar:
Roteiro e navegação das Indias Occidentais, ilhas, Antilhas do mar, oceano
occidental, com suas derrotas, sondas, fundos, & conhecenças, publicada em 1609;
Hidrographia, exame de pilotos no qual se contém as regras que todo piloto deve
guardar em suas navegações..., que foi divulgada em 1614; prognostico do cometa
de Septembro, de 1604; tratado da prática da Arismetica, de Gaspar Nicolas
(SILVA, 1860).
FIGURA 4: CHRONOGRAPHIA, REPORTORIO DOS TEMPOS....
536
autoridade no Reino da Espanha, que era um interessado e apoiador, como outros
soberanos do seu período, no desenvolvimento da ciência da esfera e dos diversos
tipos de matemáticas presentes na época.
Dando sequência temos o prefacio e a Taboa com todos os capítulos,
que é constituída por seis partes, reunindo diferentes campos do saber, dentre eles,
a astronomia, a geografia, a astrologia, cosmografia, entre outros. Sendo a sexta
parte, denominada de Livro Sexto, que apresenta dois instrumentos a balhestilha
ou radio astronômico, voltado para o campo da navegação e da astronomia,
respectivamente, e o quadrante geométrico destinado para o uso na agrimensura.
Além disso, no Livro Sexto, está inserido um Tratado dos Relógios
horizontais, verticais, laterais, declinantes e universais ou polares, que tratam da
construção de diversos tipos de relógios baseados nos meridianos, nos equinócios,
no zênite, nos círculos máximos, no círculo polar etc.
Ademais, é exposto algumas definições, que o autor chama de
proposições, como exemplo, o que é um ponto, uma linha, uma superfície, um
corpo, entre outras. Também aparecem outras “proposições” assim denominadas
pelo autor, que no século XXI, chamamos de construções geométricas, por
exemplo, como traçar uma reta perpendicular formando um ângulo de 90° graus
sobre um ponto dado em outra reta, ou como dividir um círculo em dois
semicírculos, ou dividir um quarto de círculo em 90 partes iguais, entre outras.
Para fechar esse ciclo, uma outra obra permeou os séculos XVI e XVII
foi a Chronographia ou Reportorio dos Tempos o mais copioso que te agora sayo
a luz.., de André de Avellar (1546 – 16[?]), publicada em duas edições, a esquerda
a edição de 1594 e a direita a de 1602 (FIGURA 5). Ambos os documentos
possuem os mesmos conteúdos e quantidades de capítulos, sendo divididos em
seis partes, no entanto, mudam apenas a imagem que consta no frontispício.
537
Fonte: Avellar (1594, 1602, frontispícios).
Os documentos possuem uma capa, frontispício, licença para a
impressão, uma apresentação sobre a obra, a dedicatória ao excelentíssimo Dom
Álvaro de Lencastre duque de Aveiro, uma carta ao leitor, o proemio (prefácio),
seguido da taboa de capítulos. Assim, como os demais também aborda questões
voltadas para a divisão do tempo, ano, meses e dias, envolvendo aspectos da
astronomia, astrologia, medicina voltados para a saúde humana.
Além disso, traz partes tratando sobre os eclypses e calendários, e
catálogo dos reis de Portugal. Nessa parte tentou-se ao máximo preservar a forma
de escrita presente em cada Reportório dos tempos, inclusive preservando os
títulos e descrições, pois fazem parte da linguagem da própria época em que foram
redigidos.
538
presença de regimentos da declinação do sol e da estrela do Norte, como uma
forma de possível orientação para localização, voltando-se para a navegação
astronômica. Um outro aspecto importante é que parte deles contêm instrumentos
históricos, acompanhados de orientações para sua fabricação e uso, voltado para
diferentes finalidades.
Um exemplo desse pode-se encontrar no Reportorio dos tempos em
lingoagem Portugues com as estrellas dos signos, de André de Ly, em ambas as
versões se encontra um tópico que contém o regimento que pode ser utilizado junto
ao quadrante ou astrolábio para medir a altura do polo Norte, nessa parte encontra-
se exemplos de uso de ambos os instrumentos para a navegação em Lisboa.
FIGURA 6: QUADRANTE
FIGURA 7: ASTROLÁBIO
539
Fonte: Tornamira (1585, p. 77).
Nesse tópico o autor descreve alguns passos para a confecção do
astrolábio e seu uso tomando como orientação as estrelas e os raios do sol para
tomar a altura do polo. Mais à frente trata de algumas dificuldades enfrentadas para
se utilizar a balhestilha, mas explica de maneira breve como ela pode ser utilizada
nessas medições durante a noite.
Um outro documento é a Chronographia, Reportorio dos tempos...
(1603), de Manoel de Figueiredo, na qual aparecem os seguintes instrumentos, a
balhestilha, o radio astronômico e o quadrante geométrico, voltados para a
navegação, astronomia e agrimensura, respectivamente. Além disso, contém um
tratado para a construção de diferentes tipos de relógios com base em aspectos da
geografia.
540
Fonte: Figueiredo (1603, f. 268 - 279).
De acordo com a Figura 8 temos o radio astronômico voltado para a
medição da distância angular entre dois astros, abaixo temos um relógio horizontal
e no lado direito temos o quadrante geométrico (no quarto de círculo) que realiza
medições de altura, e que no próprio documento é acompanhado por regras que
orientam a usá-lo em diferentes ambientes com obstáculos ou não.
Um outro aspecto interessante nessa Chronographia Reportorio dos
tempos, e a presença no Livro Sexto, com definições e proposições realizadas por
meio de régua e compasso, que são de fundamental importância para a construção
não só dos relógios, mas dos instrumentos apresentados anteriormente.
Todavia é importante ressaltar que esses documentos não eram
manuais de construções ou de uso desses instrumentos, eram na verdade,
destinados para aqueles que estava inseridos no ofício e tinha conhecimentos tanto
prático como matemático para executá-los.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim esses Reportório dos tempos reúnem conhecimentos não só
voltados a contagem do tempo e o regimento do universo, mas alguns deles voltam-
se para as grandes navegações, produzindo conteúdos que envolvem a construção
e/ou uso de instrumentos históricos. Esses instrumentos históricos são
fundamentais para esse período, pois como estavam em destaque as grandes
navegações e a conquista por novas terras, a necessidade de se lançar em alto
541
mar exprimiam o quanto esses campos precisavam se desenvolver auxiliados por
esses instrumentos.
Esses instrumentos históricos são de extrema relevância, pois para
manuseá-los era necessário ter incorporado o saber-fazer dessa época, que
envolve não só conhecimentos matemáticos, mas as práticas desse ofício, para
que as construções e as medições fossem realizadas com êxito nas diferentes
situações renascentista. Outros instrumentos, como os relógios voltavam-se para
outras finalidades, como, medir o tempo de modo a registrá-lo por exemplo, por
meio da confecção de calendários, entre outros, com vista a manter informado
aqueles que viajavam em alto mar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Verusca Batista; BATISTA, Antonia Naiara de Sousa. Uma breve
discussão teórica acerca do uso de instrumentos matemáticos históricos no ensino
da matemática. Boletim Cearense de Educação e História da Matemática,
Fortaleza, v. 9, n. 3, p. 47-58, 2016.
BELTRAN, Maria Helena Roxo; SAITO, Fumikazu; TRINDADE, Lais dos Santos
Pinto. História da Ciência para formação de professores. São Paulo: Livraria da
Física, 2014.
542
astrologia rustica, e dos tempos, e pronosticação dos eclipses, cometas, e
sementeiras. O calendario Romano, com os eclypses ate 630. E no fim o uso, a
fabrica da balhestilha, e quadrante gyometrico, com hum tratado dos relogios.
Lisboa. 1603.
GIL, Antonia Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo:
Atlas, 2002.
MARTÍN, Francisco Javier Sánchez. Las divisiones menores del tiempo: aspectos
terminológicos y lexicográficos. Verba, Espanha, v. XX, n. 1, p. 325-345, 2012.
543
VELÁZQUEZ, Martha Tappan. La representación del tiempo en un género de
escritura del siglo XVI: los repertorios de los tiempos. Fuentes Humanísticas,
México, v. 24, n. 45, p. 33-49, 2012.
544
TEMAS PARA ATIVIDADES-HISTÓRICAS-COM-TECNOLOGIAS
RESUMO
Esse trabalho é resultado parcial de uma pesquisa de iniciação científica, fruto de um
projeto intitulado “Conexões potenciais entre HM e TDIC para o Ensino da Matemática”, e
busca realizar levantamento de temas a serem tratados em atividades-históricas-com-
tecnologias, definidas como atividades que estudam problemas históricos investigados
com o apoio de tecnologias digitais, baseado na ideia da aliança entre História da
Matemática (HM) e Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) via
Investigação Matemática (IM). Para tanto, fundamentando-se nos trabalhos de Miguel e
Miorim (2008); Ponte, Brocado e Oliveira (2009), bem como, Borba e Penteado (2007) e
utiliza metodologia qualitativa bibliográfica para fazer uma seleção de tópicos de História
da Matemática focados em Geometria. Tal campo da matemática consiste em foco dos
temas investigados tendo em vista resultados de pesquisas anteriores do referido projeto
de IC e que apontam para a Geometria como tema histórico mais frequente entre trabalhos
que tratam de HM e TDIC. Para isto, foi realizada uma busca utilizando, inicialmente, o site
Mactutor History of Mathematics como base e ainda apoiando-se em livros de História da
Matemática e História da Ciência, entre outras fontes, de modo que os dados coletados
foram organizados em quadros/planilhas que apresentam as seguintes informações: nome
do personagem da história, período em que viveram, nome das principais obras
relacionadas a temas de Geometria e onde tais documentos podem ser encontrados ou
estão disponíveis. De posso de tais informações almeja-se dar continuidade ao aporte e
fomento das atividades supracitadas compilando tal levantamento em uma plataforma
como linha do tempo interativa.
INTRODUÇÃO
194
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). gomesbeatriz.anna@gmail.com.
545
O presente trabalho é fruto de uma pesquisa de iniciação científica (IC) em
andamento, estando vinculado ao projeto CONEXÕES POTENCIAIS ENTRE
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E TDIC: APORTE PARA FOMENTO DE
ATIVIDADES-HISTÓRICAS-COM-TECNOLOGIAS (PROPESQ/UFRN) que
respalda a possibilidade da aliança entre História da Matemática (HM) e
Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) por meio da
Investigação Matemática (IM), fundamentando-se nas propostas de Miguel e
Miorim (2008) para o uso de HM em sala de aula, Borba e Penteado (2007) na
inserção de tecnologias no ensino de Matemática, e Ponte, Brocado e Oliveira
(2009) nas ponderações sobre a IM como agente auxiliador no processo de ensino-
aprendizagem. Além disso, toma como base as pesquisas de Sousa (2020a e
2020b) quanto a aliança.
Em uma das edições anteriores do projeto de pesquisa, o artigo Investigando
a Conjunção entre História da Matemática e Tecnologias de Informação e
Comunicação, por meio de um Levantamento Bibliográfico em Eventos
Internacionais de Educação Matemática (COSTA; SOUSA, 2017), realizou busca
por trabalhos presentes em Anais de eventos de Educação Matemática nacionais
e internacionais a fim de catalogar estudos que apresentassem a aliança entre HM
e TDIC. Como resultado, percebeu-se que existem trabalhos nessa temática,
entretanto, mesmo apontando resultados relevantes, ainda haviam poucos estudos
que apresentem essa aliança. Desse modo, com intuito inicial de apresentar um
aporte para o fomento de atividades como essa foram definidos critérios em comum
em cada estudo obtido e estabelecidos parâmetros que se fizeram presentes com
mais frequência nos trabalhos analisados. No parâmetro metodologia, a mais
utilizada foi a qualitativa, o parâmetro tema mais frequente na aliança revelou ser
Geometria, o software mais utilizado foi o GeoGebra e o cunho educacional
presente nos trabalhos que aliavam HM e TDIC apontou para produtos
educacionais do tipo sequências didáticas, de atividades ou tarefas.
A fim de melhor compreender a proposta de aliança entre HM, TDIC via IM em
prol do ensino de matemática e fomentar trabalhos nessa direção, posteriormente,
numa pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico intitulada Aporte para a promoção
546
de atividades-históricas-com-tecnologias (SOUSA; GOMES, 2019), foi feito um
estudo de dissertações orientados pela professora Giselle Costa de Sousa no
período de 2011 a 2019, considerando os parâmetros estabelecido em pesquisas
anteriores, com o objetivo de definir o que são atividades-históricas-com-
tecnologias e quais são os elementos que as compõem. Em consequência, definiu-
se atividades-históricas-com-tecnologias como sendo as que trabalham problemas
históricos apoiando-se nas tecnologias por meio da Investigação Matemática sendo
composta pelos elementos estruturantes: Elementos pré-textuais, Informações
básicas, Desenvolvimento e Avaliação.
Prosseguindo com o objetivo dar o aporte para produção de atividades que
propõem a aliança entre HM e TDIC, procurou-se apontar possibilidades de
temáticas voltadas para o campo da Geometria de modo a propiciar estudos no
tocante a referida conjunção. Nesse sentido, observou-se uma linha do tempo posta
no site MacTutor e foi iniciada uma varredura por tais assuntos da História da
Matemática ligados a referida temática. Assim, a pesquisa Aporte para fomento de
atividades-históricas-com-tecnologia: essência e encaminhamentos para produção
da linha do tempo em geometria (GOMES; SOUSA, 2019) fez uma seleção
preliminar de alguns tópicos de história da Geometria, tendo como base o primeiro
período do MacTutor (grego – conforme o site) de modo a produzir um protótipo de
linha do tempo parcial com matemáticos/estudiosos que produziram trabalhos em
Geometria no período selecionado. Contudo, constatou-se a necessidade de
ampliar esse levantamento inicial e ainda reformular a disposição dos períodos
históricos tendo em vista a incorporação de novas fontes, bem como, e extensão
de espectro historiográfico.
Decorrente disso, o presente trabalho busca continuar o fomento proposto
objetivando retomar a seleção de tópicos de História da Matemática focado na
Geometria, organizando temas potenciais para a aliança entre HM e TDIC, em
quadros que apresentam informações relevantes para estudos futuros e que podem
alimentar uma linha do tempo interativa posterior a ser elaborada com base na
coleta e organização dos dados obtidos. Desse modo, a pesquisa agora se
estendeu para além do que o Mactutor chama de período grego e compilou as
547
informações cronológicas tomando como referência o período da antiguidade,
idade média e período moderno com contribuições de diferentes civilizações. Os
quadros propostos trazem as seguintes informações: o período, anos em que o
personagem viveu, nome do personagem histórico, tópico de história referente a
contribuição para Geometria, suas obras e onde ela está disponível. Além disso,
outras informações relevantes tem sido catalogadas, contudo, não serão objeto de
apreciação no presente artigo.
Além da seleção dos tópicos de HM, que consiste em resultados parciais da
pesquisa IC em andamento, como dito, também pretende-se produzir uma linha do
tempo interativa, por meio de recursos tecnológicos. Esta, por sua vez, pretende
ser alimentada pelo referido levantamento a partir das informações presentes nos
quadros ora apresentados, permitindo, posteriormente, a realização de ensaio de
atividade-histórica-com-tecnologia, baseando-se nos parâmetros já apreciados,
elementos estruturantes e tópicos de HM da Geometria analisados durante todo o
projeto.
A fim de apresentar os caminhos trilhados por esta investigação tecemos,
adiante, ponderações quanto aos aspectos metodológicos da pesquisa.
METODOLOGIA
548
pesquisa, permitindo que ele analise a fundo sobre o tema estudado e confronte
resultados, a fim de chegar a suas próprias conclusões.
No artigo Pesquisa documental: considerações sobre conceitos e
características na pesquisa qualitativa, as autoras afirmam que:
549
Uma visão crítica, desfazendo mitos e lendas, da Tatiana Roque (2012); História
da Matemática e suas (re)construções conceituais, do Fumikazu Saito (2015), A
Concise History of Mathematics, do D. J. Struik (1954), Lecciones de Historia de las
Matemáticas, de Hans Wussing (1998), Companion Encyclopedia of the History and
Philosophy of the Mathematical Sciences, de Ivor Grattan-Guinnes (1994), a
coleção de livros História da Ciências, de Carlos Augusto Rosa (2012), e entre
outros.
Diante dessas informações trazemos na sequência os resultados até o
momento.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
550
a Idade Moderna, começa com o matemático Scipione del Ferro (1465-1526) e, não
concluído, pausa em René Descartes (1595-1650). Vale salientar que temos
consciência que as possibilidades de nomes e trabalhos nos referidos períodos,
aqui apresentada, não se esgota com este levantamento e, além disso, que fizemos
escolhas apontar um inicial e final de cada período, mas que podem haver outros
anteriores e posteriores, sobretudo, a depender de novos parâmetros de escolhas.
Como uma forma de tratamento dos resultados para apresentação no artigo,
tendo em vista as limitações de formatação do documento, foram selecionados
alguns fragmentos dos quadros a fim de mostrar partes do trabalho realizado
restringindo-os apenas informações como: o período, o personagem, suas
principais obras e onde é possível localizá-las. Entretanto, os quadros com mais
informações poderão ser consultados pelo link195 apresentado. O link permite
acesso a uma pasta que contém um documento em formato de planilha eletrônica
com mais informações catalogadas, este por sua vez, se pretende usar para
alimentar a linha do tempo interativa posterior. Inicialmente será aberto o primeiro
período, porém, abaixo do quadro terão mais duas abas referentes ao que tem sido
produzido até agora.
Para a seleção dos seguintes estudiosos, procuramos opções para um futuro
ensaio de material didático e estudo de um personagem histórico para ser
trabalhado em pesquisas seguintes de mestrado e/ou doutorado, baseando-se na
proposta do não-acontecimental, como coloca Saito (2015).
No primeiro quadro 1, denominado de Recortes do quadro da Idade Antiga,
foram selecionados, para o presente texto, uma amostra de quatro estudiosos
dentre os postos no levantamento.
551
Manava's
750 a.C. -
Manava Sulbasutra (data Obra perdida.
690 a.C.
desconhecida)
135 A.C. - 51 Posidónio de
Nome desconhecido. Obra perdida.
A.C Rodes
Metrica (data
desconhecida)
10 d.C. - 75 Heron de Definitiones (data
Não encontrado.
d.C. Alexandria desconhecida)
Stereometrica (data
desconhecida)
Pappus de Mathematicae
290 – 350 https://bit.ly/35mpP5b
Alexandria collectiones (1609)
Fonte: Elaborado pelas autoras em word, 2020.
O Manava (750 a.C. – 690 a.C) produziu a obra Manava's Sulbasutra (data
desconhecida) que apresenta construções aproximadas de círculos de retângulos
e quadrados de círculos usando um número aproximado para pi. Sua obra
encontra-se perdida. Já Posidónio de Rodes (135 a.C. - 51 a.C) usou Geometria
para calcular o tamanho da circunferência terrestre, lua, sol e suas distâncias. O
nome da sua obra é desconhecida e encontra-se perdida. Nos casos em que não
se sabe o nome da obra e/ou está perdida, têm-se conhecimento sobre ela a partir
de citações feitas em trabalhos e documentos de outros estudiosos.
O terceiro estudioso apresentado é Heron de Alexandria (10 d.C – 75 d.C.).
Sua contribuição mais famosa é a fórmula para a área de um triângulo em termos
de comprimentos dos seus lados. Há registros de três obras que tratam de
Geometria: Metricam, Definitiones e Stereometria (datas desconhecidas). No
quadro, é citado que a obra não foi encontrada visto que não se tem certeza se a
obra está perdida, mas também não foram encontrados registros delas pelas
pesquisas até o momento. Planejamos refinar mais a busca no decorrer deste
projeto, tanto com este como com outros personagens. O último estudioso presente
552
nesse recorte é Pappus de Alexandria (290 – 350) que estudou sobre como
inscrever uma esfera em cinco poliedros regulares. Sua obra se chama
Mathematicae collectiones (1609).
No quadro referente a Idade Antiga, nota-se que não se sabe a maioria dos
nomes ou a localização das obras, visto que, por ser uma época mais distante,
muitos textos e documentos foram perdidos. Há poucas obras que podem ser
encontradas online e algumas só são encontradas numa versão já traduzida e/ou
comentada, e não a original.
O segundo quadro 2, Recortes do quadro da Idade Média, contém mais
quatro estudiosos que viveram nesta época.
553
https://ismi.mpiwg-
1364 - Qadi Zada al- Tuḥfat al-Raʾīs Sharḥ
berlin.mpg.de/digital
1436 Rumi ashkāl al-tasīs (1413)
ization/285613
Fonte: Elaborado pelas autoras em word, 2020.
554
Libro de algebra en
1502 - Pedro
Nunes arithmetica y https://bit.ly/37wvCHV
1578
Salaciense geometria (1567)
1546 - Thomas
Obra desconhecida Não encontrado
1595 Digges
Gregorius Opus geometricum
1584 -
Saint- quadraturae circuli https://bit.ly/2ISkr25
1667
Vincent sectionum coni (1647)
versão comentada:
1595 - René
La géométrie (1637) http://www.gutenberg.org/ebook
1650 Descartes
s/26400
555
período mais próximo, já havia certas preocupações com a conservação desses
documentos e até mesmo quanto ao tipo de materiais desenvolvido para registro e
que apresenta mais resistência ao tempo.
Além da finalização dos quadros, como desdobramento deste projeto, com
já mencionado, planeja-se também produzir uma linha do tempo interativa por meio
de um site alimentado por esse levantamento. A ideia é que ao entrar na aba do
personagem histórico selecionado, possa ser visualizado o período em que viveu,
o tópico histórico referente ao seu trabalho, suas obras particularmente ligadas a
assuntos de Geometria, onde podem ser encontradas tais obras e ainda imagens
que tenham relação com o mesmo (documento/personagem).
Tendo em vista o exposto até então, proferimos adiante nossas
considerações finais do presente trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
556
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOYER, Carl B.; MERZBACH, Uta C.. História da Matemática. 3. ed. Brasil:
Blucher, 2012.
COSTA, Allyson Emanuel Januário da; SOUSA, Giselle Costa de. Investigando a
Conjunção entre História da Matemática e Tecnologias de Informação e
Comunicação, por meio de um Levantamento Bibliográfico em Eventos
Internacionais de Educação Matemática. Revista Boletim Cearense de
Educação e História da Matemática, Ceará, v.04, n.11, 06 – 21. (2017).
GOMES, Anna Beatriz de Andrade; SOUSA, Giselle Costa de. Aporte Para
Fomento De Atividades-Históricas-Com-Tecnlogia. Boletim Cearense de
Educação e História da Matemática, v. 7, n. 20, p. 117–125, 2020.
557
ROQUE, Tatiana Martins. História da Matemática: Uma visão crítica, desfazendo
mitos e lendas. Brasil: Zahar, 2012.
SOUSA, Giselle Costa de. Aliança entre HM, TDIC e IM: fundamentos e
aplicações. In: REMATEC: Revista de Matemática, Ensino e Cultura, Ano 15,
Fluxo Contínuo, 2020a, p.117-136. Disponível em:
<http://www.rematec.net.br/index.php/rematec/article/view/239>. Acesso em: 27
ago. 2020.
SOUSA, Giselle Costa De; GOMES, Anna Beatriz De Andrade. Aporte para a
promoção de atividades-históricas-com-tecnologia. Research, Society and
Development, v. 9, n. 5, p. 1689–1699, 2020.
558
THABIT IBN QURRA (836-901) E A GENERALIZAÇÃO DO TEOREMA DE
PITÁGORAS
Pesquisa histórica para uma proposta de aliança entre a História da
Matemática e as Tecnologias Digitais para o ensino de Matemática
RESUMO
Tomando como base os resultados obtidos em pesquisa de Iniciação Científica (IC), o
presente trabalho é um desdobramento das atividades de IC que culminam numa pesquisa
de mestrado em andamento vinculada ao Programa de Pós-graduação em Ensino de
Ciências Naturais e Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Este
trabalho se concentra na área de História da Matemática (HM), mais precisamente sobrea
Matemática Islâmica Medieval, e no apoio que as Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação (TDIC) podem fornecer à compreensão dessa História, via Investigação
Matemática (IM) em prol do ensino de Matemática. A contribuição islâmica para
Matemática é fundamental para se compreender os percursos tomados por essa ciência
ao longo da história, assim como a sua influência no desenvolvimento da Matemática
Ocidental, na qual estão inseridos nossos estudantes. Sendo assim, esse trabalho se
configura com a apresentação de texto histórico bibliográfico que será usado na elaboração
de uma proposta de aliança entre HM e TDIC, tomando-se como referência o matemático
Thabit ibn Qurra e sua contribuição para Matemática, particularmente com a Generalização
do Teorema de Pitágoras desenvolvida por ele no século IX. Essa proposta se desdobrará
no desenvolvimento de um produto educacional composto de sequências de atividades,
que efetive essa aliança entre HM e TDIC. Para tanto, o referido artigo se apoia na
metodologia de pesquisa qualitativa bibliográfica gerando como fruto discussões sobre uso
da HM aliada às TDIC via IM em favor do ensino de Matemática. Consideramos relevante
o estudo histórico realizado, pois, além de disponibilizar literatura em português sobre o
assunto, pudemos vislumbrar possibilidades que este estudo pode trazer para o ensino de
Matemática, mais precisamente a partir da Generalização do Teorema de Pitágoras
produzindo Thabit em seu contexto, culminando na aliança que almejamos.
INTRODUÇÃO
559
Este trabalho é um desdobramento de minhas atividades como bolsista de
Iniciação Científica (IC), desenvolvidas na graduação, do ano de 2016 a 2018.
Considerando o estudo realizado, a pesquisa de IC apontou que a conexão entre
HM e TDIC ocorre via investigação de problemas históricos frequentemente ligados
ao tema Geometria usando como recurso tecnológico mais recorrente o GeoGebra
e com cunho educacional mais marcado por sequências de atividades. Tendo em
vista tais aspectos, foi delineada uma pesquisa de mestrado que se concentra na
área de História da Matemática, mais precisamente sobre a Matemática Islâmica
medieval, particularmente mediante o estudo da Generalização do Teorema de
Pitágoras proposto por Thabit ibn Qurra (836-901), bem como no apoio que as
Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) podem fornecer a
compreenção deste tema e da própria Matemática no contexto atual da sala de aula
à luz da Investigação Matemática (IM).
O interesse por investigar sobre a Matemática Islâmica Medieval se iniciou
a partir da minha participação no III Seminário Cearense de História da Matemática,
que ocorreu entre os dias 26 e 28 de março de 2018, na cidade de Juazeiro do
Norte – CE. Neste evento pude assistir à palestra de abertura da Profª. Drª.
Bernadete Barbosa Morey, intitulada História da Matemática Islâmica Medieval,
questões abertas para estudos, disponível publicamente na plataforma YouTube,
através do canal de veiculação GPEHM UECE. Desse modo, ao observar as
colocações da palestrante quanto ao pouco estudo que se tem sobre a Matemática
Islâmica deste período e ainda que, quando se encontra, não há muitas produções
destinadas a professores, licenciandos em Matemática ou até mesmo para alunos
de pós-graduação, pude notar um campo profícuo para pesquisa. Assim,
procurando articular esta observação aos resultados da pesquisa de IC, partimos
para pesquisar possíveis temas/trabalhos/obras de Geometria inerentes a
Matemática Islâmica Medieval até encontrar o trabalho supracitado de Thabit.
De acordo com Berggren (1986), é importante trazer a Matemática Islâmica
Medieval para os dias atuais, pois a contribuição islâmica para Matemática é
fundamental para se compreender os percursos tomados pela Matemática ao longo
560
da história, bem como a sua influência no desenvolvimento da Matemática
ocidental.
Desde a sua primeira edição, o projeto de pesquisa de IC, buscou a
possível conjunção entre HM e TDIC, em prol do ensino de Matemática. Costa e
Sousa (2018) determinam a partir disso parâmetros que consideramos serem os
norteadores para quando se quer pesquisar a conjunção entre HM e TDIC. Vale
ressaltar que os usamos para o desenvolvimento desse artigo, por exemplo, o
resultado, presente em Costa e Sousa (2018), do parâmetro Tema Histórico que
apontou como mais recorrente o tema Geometria e ainda que no parâmetro Cunho
Educacional obtivemos maior frequência a sequência de atividades, como
destacam. Mediante pesquisa bibliográfica chegamos à Generalização do Teorema
de Pitágoras, desenvolvida por Thabit ibn Qurra, no século IX. De fato, percebemos
que podemos usar o parâmetro metodológico qualitativo, com tema histórico ligado
à Geometria sendo a referida Generalização visualizada e compreendida, no
contexto da Educação Básica, com o apoio de softwares de matemática dinâmica
como o GeoGebra, via produto educacional composto de sequências de atividades.
Na intenção de usar posteriormente esse tema histórico articulado com as
TDIC via IM em prol do ensino para desenvolver proposta futura de aliança de modo
a atender aos parâmetros supracitados, produzimos o presente artigo que adentrou
numa pesquisa bibliográfica cujo percurso segue.
PERCURSO METODOLÓGICO
561
pesquisa. Para este momento, destacamos, dentro desse levantamento inicial, o
artigo Thabit ibn Qurra’s generalization of the Pythagorean theorem (que
traduzimos como: A Generalização do Teorema de Pitágoras de Thabit ibn Qurra),
de Aydin Sayili, 1960. Tomamos como base Sayili (1960), considerando as
motivações explicadas inicialmente e os resultados da pesquisa de IC, já que nesse
trabalho Sayili (1960) aborda a Generalização do Teorema de Pitágoras
desenvolvida por Thabit, apresentando brevemente algumas notas biográficas e
históricas sobre o referido personagem islâmico, mas trazendo com mais afinco o
conhecimento epistemológico que deriva dessa generalização, inclusive a
demonstração dessa generalização, mas sem muitos detalhes e aprofundamento.
Com a continuação do levantamento, destacamos o artigo: Thabit ibn Qurra and
the Pythagorean Theorem (que traduzimos como: Thabit ibn Qurra e o Teorema de
Pitágoras), de Shloming (1970). Consideramos este trabalho importante para o
entendimento da relação de Thabit com o Teorema de Pitágoras, complementando
inclusive Sayili (1960).
Observamos uma nota de rodapé no artigo de Sayili (1960) e
redirecionamos nossa pesquisa a fim de identificar outras fontes sobre o tema, ou
até mesmo alguma relação deste trabalho citado com o manuscrito a que Sayili
(1960) faz referência. Neste sentido chegamos ao trabalho Sâbit ibn
Kurra'nin Pitagor Teoremini Tamimi (que traduzimos como: O Completo Teorema
de Pitágoras feito por Thabit ibn Qurra), de Thabit (1958) e Sayili (1958). De acordo
com Sayili (1960), o texto traz o manuscrito de Thabit em árabe juntamente com a
tradução turca do documento, feita por Sayili (1958). Indícios de que esse
documento é a fonte que procurávamos podem ser constatados a partir da tradução
de um trecho que traz a seguinte afirmação: “o manuscrito, cujo texto e tradução
são apresentados abaixo[...]”, o que de fato remete que Sayili (1958, p. 527,
tradução nossa) se refere à apresentação do texto original e sua respectiva
tradução em turco, tomamos este artigo então como base de nossa pesquisa. No
trabalho Sâbit ibn Kurra'nin Pitagor Teoremini Tamimi há comentários de Sayili,
além da tradução. Então, a título de esclarecimento, quando estivermos citando os
comentários de Sayili, usaremos Sayili (1958), porém quando apresentarmos o
562
texto de Thabit traduzido por Sayili, usaremos Thabit (1958). Tanto Sayili (1958),
Sayili (1960) quanto Shloming (1970) trazem que o Tratado da Prova atribuída a
Sócrates sobre o Quadrado e suas Diagonais, feito por Thabit ibn Qurra, que
tomamos como documento de análise, está muito bem preservado na Biblioteca
Museu de AyaSofya 199 , em Istambul na Turquia, em um Codex 200 AyaSofya,
registrado sob o número 4832. Este codex reúne manuscritos sobre Matemática,
Astronomia, Meteorologia e Filosofia, escritos por vários estudiosos, além de
Thabit, como al-Kindi (801 d. C. – 873), al-Qabisi (falecido em 967 d. C.), al-Kuhi
(940 d. C. – 1000), entre outros, sob a responsabilidade do Instituto de História das
Ciências Árabes e Islâmicas201, da Universidade de Frankfurt, na Alemanha, sob a
edição de Fuat Sezgin, 2010. Com esse documento, em conjunto com demais
fontes supracitadas, delineamos a investigação histórica posta no presente artigo
de modo a evidenciar Thabit e sua produção (com) o texto.
Tendo em vista esse conjunto de fontes, dados e possibilidades de análise
historiográfica, Gil (2008) reforça o quanto é indispensável a pesquisa bibliográfica
em estudos históricos porque, em boa parte dos casos, a busca por fatos do
passado necessita da análise de documentos secundários, isto é, de documentos
que já tiveram um tratamento analítico anterior. Contudo, sem deixar de lado a
importância das fontes primárias. Nesse sentido, lançamos mão de ambas as
fontes. Consideramos que a pesquisa bibliográfica contribui para estudos futuros,
inclusive para o desenvolvimento de outras pesquisas, como destacam Lima e
Mioto (2007). No nosso caso, tal pesquisa delineará a produção de texto histórico
usado num produto educacional no formato de sequência de atividades pautadas
na aliança entre HM e TDIC via IM e aplicado na formação inicial de professores de
Matemática na disciplina de Tópicos de História da Matemática.
199 Não foi encontrado o site oficial do Museu, mas veja mais em: https://kvmgm.ktb.gov.tr/TR-
44094/istanbul-ayasofya-muze-mudurlugu.html
200 Em português, Códices, eram coleção de manuscritos antigos, mais informações:
https://conceitos.com/codice/
201
https://www.uni-
frankfurt.de/58601604/Institut_f%C3%BCr_Geschichte_der_Arabisch_Islamischen_Wissenschafte
n
563
Como fruto do estudo histórico posto, trazemos na próxima seção um
ensaio dos resultados obtidos.
202
https://www.bnf.fr/fr/francois-mitterrand
564
Fonte: Sezgin (2010)
De acordo com Sayili (1960), Thabit analisa a prova socrática e, então, apresenta
duas provas para o caso geral desse teorema. De nosso estudo histórico
observamos que a prova socrática mencionada é a descrita por Platão no livro
Menon do teorema de Pitágoras para um triângulo retângulo isósceles, justamente
derivado do quadrado e suas diagonais. Contudo, da análise do documento de
Thabit observamos que ele não menciona especificamente essa obra de Platão em
seu tratado. Com relação a menção de Sayili (1960) da apresentação de Thabit de
duas provas para o caso geral do teorema, a análise do documento nos permite
constatar que há um forte indicativo de que essas provas sejam geométricas,
inclusive pela presença dos desenhos que Thabit utilizou (como observado na
Figura 02), mas também sejam retóricas, ao passo que Thabit descreve a prova.
565
Fonte: Sezgin (2010)
Que Allah lhe agrade, você diz que acha esta prova falha [a Prova
Socrática] por causa de sua natureza, que não deveria ser
admirada, uma vez que representa um estado especial e só é
essencialmente verdadeira para um triângulo isósceles e não
contém triângulos retângulos além de isósceles que deveriam ser
incluídos neste teorema, e esta prova não o satisfaz, e você quer
que eu informe se eu fiz uma prova geral disso. (THABIT,1958, p.
543, tradução nossa)
566
Sayili (1958) apresenta desenhos semelhantes aos observados na Figura 02 que
estão presentes no Codex de AyaSofya, sob o número 4832 em que o trabalho de
Thabit está conservado.
Analisando o tratado, pode-se observar ainda indícios da estreita relação
de Thabit com o conhecimento grego, inclusive quando apresenta as provas para
o Teorema de Pitágoras, mas também quando baseia a Generalização do Teorema
de Pitágoras nos Elementos de Euclides, quando Thabit (1958) afirma que a prova
pode ser facilmente obtida com o auxílio da obra fundamental de Geometria de
Euclides. Essa relação de Thabit com a cultura helenística vai ser de suma
importância para nortear o entendimento do contexto, inclusive pelo fato de Thabit
está inserido no Califado Abássida (751 – 1258). Para Doak (1963), os abássidas
reforçaram essa relação da produção científica islâmica com o conhecimento grego
na época. De acordo com Giordani (1976), o califa al-Mamun promoveu em seu
reinado o apogeu da civilização abássida e favoreceu, fortemente, o progresso das
atividades intelectuais, nesse contexto, surge, no século IX, Thabit ibn Qurra (ver a
caricatura dele na Figura 03). Thabit ibn Qurra nasceu em Harran, antiga e
importante cidade da Mesopotâmia e que atualmente está localizada no sul da
Turquia com fronteira com a Síria (ver Figura 03), no ano de 836 d. C. e faleceu em
901 d. C.
FIGURA 03: Thabit ibn Qurra (836-901) e a localização atual de Harran (Turquia)
567
Os três irmãos, conhecidos em árabe como Banu Musa, se tornaram os
patronos de Thabit, sobretudo ao reconhecerem sua habilidade linguística.
Segundo Sarton (1927), Banu Musa são: Jafar Muhammad Banu Musa (800 d.C.
- 873); Ahmad Banu Musa (805 d.C. - 873) e al-Hasan Banu Musa (810 d.C. - 873),
grandes patronos da ciência, pois possuiam grandes riquezas, além de desenvolver
também estudos nas áreas da Matemática e Astronomia, por exemplo. Os Banu
Musa destinaram boa parte de sua riqueza na obtenção de manuscritos gregos,
investindo assim em tradutores, como Thabit, que, por sua vez, era fluente em
Grego, Síriaco e Árabe.Thabit ao ser levado para Bagdá começou a traduzir, revisar
e restaurar obras gregas para o Árabe e Síriaco, a fim de contribuir para o
desenvolvimento de estudos dos Banu Musa. Como alguns desses trabalhos de
Thabit, destacamos: Almagesto de Ptolomeu; Cônicas de Apolônio; Data e Os
Elementos de Euclides; Sobre as Medidas do Círculo de Arquimedes, entre outros
(SHLOMING, 1970). A relação de Thabit com o conhecimento grego, seja na
tradução ou até mesmo na complementação da obra grega, como ocorreu na
restauração do Livro Data de Euclides, reforça ainda mais o quanto os estudiosos
islâmicos estavam voltados para produção científica dos gregos, seja com o intuito
de melhorar o que se tinha até o momento, seja com o intuito de resgatar e
conservar os estudos produzidos anteriormentes pelos gregos.
Encontramos fortes indícios dessa relação na religião de Thabit: Sabians.
Esta teve, para nós, um papel fundamental no reconhecimento de Thabit, seja no
campo científico, como no campo político. Quanto à religião de Thabit, temos:
568
mencionada em califados anteriores a sua existência e vigentes em sua região.
Fauzan e Fata (2018) destacam que os califas abássidas travaram diálogos,
inclusive com não mulçumanos, com o intuito de obter contribuições reais da cultura
grega e utilizá-la nas mais variadas áreas, inclusive no que se refere à
administração, finanças e organização governamental.
Thabit apresenta a Generalização do Teorema de Pitágoras, que segundo
Sayili (1960), configura-se como uma das contribuições mais importantes de Thabit.
Sayili (1958) menciona que, no manuscrito presente no Codex AyaSofya, em
Sezgin (2010), há oito desenhos que Thabit se utilizou para estudar os casos
específicos para Generalização do Teorema de Pitágoras (Figura 04).
FIGURA 04: Recorte dos 8 desenhos presentes no tratado em que Thabit aborda
a Generalização do Teorema de Pitágoras e os casos especiais a ela vinculados
Ainda de acordo com Sayili (1960), há referência de vários casos especiais que
Thabit explora no tratado, inclusive quando traz os oito desenhos em Sezgin (2010).
São os casos especiais: a) quando B é ângulo reto; b) quando o ângulo B é menor
que 60º e c) o caso em que o ângulo B é maior que 90º. Vale salientar que estes
casos especiais notados por Thabit e com evidências pelos desenhos apresentados
em Sezgin (2010), não foram tratados diretamente e nem assim chamados por
Thabit (1958), sobre os tais casos, estamos partindo de Sayili (1960).
Importante destacar que quando Thabit faz referência aos desenhos da
Figura 04 (primeiro desenho e desenhos restantes), é preciso visualizar o desenho
com os oito triângulos presentes na Figura 04, considerando a ordem de
visualização sendo da direita para a esquerda. Para acompanhar a Generalização
569
do Teorema de Pitágoras como descrita por Thabit, tomemos a tradução turca feita
do tratado que é nosso objeto de estudo:
De acordo com Thabit (1958, p.546, tradução nossa), temos que “assim, a soma
dos quadrados dos lados AB e BC é a área retangular de AC multiplicada pela soma
de AD e DC no caso que o primeiro desenho representa, e a soma de AA’ e CC’ no
caso dos desenhos restantes.”. Investigaremos a Generalização feita por Thabit
para os casos diferentes do primeiro desenho da Figura 04, isto é, quando traçamos
dois segmentos BA’ e BC’, os ângulos formados entre os segmentos BA’ e BC’ com
o segmento AC são diferentes de 90 graus, justamente porque o primeiro desenho
da Figura 04, quando o ângulo formado pelo segmento de reta BD com o segmento
AC for reto, resulta no caso particular do Teorema de Pitágoras. A partir disso,
Thabit discorre sobre a Generalização do Teorema de Pitágoras, concluindo que:
Em consonância a isso, Sayili (1960) destaca que Thabit afirma que na instrução a
abrangência deve caminhar com o particular. De fato, Thabit, após mencionar a
Generalização do Teorema de Pitágoras, faz algumas discussões sobre a relação
do geral e do particular. Inclusive, Thabit elogia seu amigo por buscar uma
generalização, por estar insatisfeito com casos particulares. Desse modo, segundo
570
Thabit (1958), muito possivelmente, Sócrates trouxe um caso particular (o Teorema
de Pitágoras aplicado a triângulos retângulos isósceles, partindo do quadrado e
suas diagonais) justamente pelo fato de a quem Sócrates ensinava, segundo o
relato de Platão, ser alguém iniciante no assunto, não um aluno avançado. Neste
sentido, Thabit afirma que:
É importante a reflexão que Thabit faz, inclusive porque ele compara a relação do
alimento para o corpo com o conhecimento para a alma. Ele não só compara a título
de um melhor entendimento do seu amigo, incomodado com o caso particular, mas
também por estabelecer uma relação direta: conhecimento e alimento; alma e
corpo.
Tomaremos as reflexões feitas aqui para estruturar o Produto Educacional,
que será aplicado com intuito de compor uma proposta de aliança entre HM e TDIC,
à luz da IM em prol do ensino de Matemática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
571
considerações de Borba e Penteado (2007) acerca da Informática e Educação
Matemática.
Na compreensão e utilização da História da Matemática como recurso
pedagógico, faz-se necessário destacar que ao longo dos tempos e em diferentes
sociedades, o conhecimento matemático ganha uma reorganização das
informações, assim como uma ressignificação do que essa Matemática
representou no passado e o que representa no presente (MENDES, 2009).
Por pensarmos numa aproximação com a escrita histórica mais atualizada
e levando isso ao nosso Produto Educacional, torna-se fundamental a reflexão
sobre o papel da HM no ensino de Matemática, inclusive porque essas reflexões
estão cada vez mais crescentes nas discussões entre historiadores e educadores
da Matemática. Saito e Dias (2013) entendem essa articulação dá maior destaque
ao contexto em que esses conhecimentos matemáticos foram desenvolvidos, tendo
em vista que o processo histórico de desenvolvimento da Matemática dá suporte
ao processo de ensino e aprendizagem dessa ciência.
Segundo Miguel e Miorim (2008), há desvantagens no uso da História no
ensino de Matemática, como a ausência de literatura adequada, já que a maior
parte da literatura de HM é dos últimos dois séculos. Nesse sentido, essa
desvantagem do uso dessa tendência isoladamente também pode consequências
na aliança, inclusive nesta pesquisa, que estamos nos aproximando de uma
vertente historiográfica mais atualizada e a HM apresentada nos livros geralmente
se referem a uma Matemática linear e progressista, dificultando ainda a análise, na
perspectiva mais atualizada, de documentos mais antigos (até por não ter acesso)
e restringindo as potencialidades didáticas destes documentos. Ainda dentro
dessas reflexões quanto às desvantagens, mesmo de forma isolada das
tendências, quanto as TDIC, podemos observar a dificuldade de se encontrar temas
históricos que podem ser tratados por meio de softwares, por exemplo, ou até
mesmo o uso das tecnologias digitais como reprodução de passos, preocupado
com o produto, com o resultado e não com o processo, como destacam Borba e
Penteado (2007)
572
Tendo em vista o documento analisado, percebe-se que Thabit propôs a
Generalização, complementando o estudo grego que ele tinha acesso, mas usando
provas (usando desenhos e descrevendo retoricamente) que se baseiam ainda no
conhecimento grego, como dito, que por sua vez ele acessou e se apropriou devido,
em nosso entendimento, a sua relação com a cultura helenística imersa em seu
aspecto teológico. Embora este trabalho se configure pela apresentação dos
resultados parciais de uma pesquisa de mestrado em andamento, seja sobre os
traços biográficos de Thabit ibn Qurra e suas contribuições para Matemática no
século IX, seja sobre a inclusão da História da Matemática Islâmica na Formação
de Professores, consideramos relevante o estudo histórico realizado, pois, além de
disponibilizar literatura em português sobre o assunto, pudemos vislumbrar
possibilidades que este estudo pode trazer para o ensino de Matemática, mais
precisamente a partir da Generalização do Teorema de Pitágoras produzindo
Thabit em seu contexto, culminando na aliança que almejamos.
REFERÊNCIAS
COSTA, Allyson Emanuel Januário da; SOUSA, Giselle Costa de. Investigando a
Conjunção entre História da Matemática e Tecnologias Digitais de
Informação e Comunicação, através de um Levantamento Bibliográfico no
Banco de Teses & Dissertações da Capes (2013 – 2016). In: Seminário
Cearense de História da Matemática, 3., 2018, Juazeiro do Norte. Anais. Juazeiro
do Norte: IFCE, 2018. p. 10.
FAUZAN, Pepen Irpan. FATA, Ahmad Khoirul. Hellenism in Islam: the influence
of Greek in Islam Scientific Tradition. Epistemé, Vol. 13, n. 2, 408-432, dez/2018
GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6 ed. São Paulo:
Editora Atlas S.A., 2008.
573
LIMA, Telma Cristiane Sasso de; MIOTO, Regina Célia Tamaso. Procedimentos
metodológicos na construção do conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica.
Revista Katál, Florianópolis, v. 10 n. esp. p. 37-45, 2007.
SAYILI, Ayidin. Sâbit ibn Kurra'nin Pitagor Teoremini Tamimi. Belleten, 22: 527-
549, 1958.
SHLOMING, Robert. Thabit ibn Qurra and the Pythagorean Theorem. The
Mathematic Teacher. 1970. Disponível em:
https://www.jstor.org/stable/27958444?Search=yes&resultItemClick=true&searchT
ext=sAYILI&searchUri=%2Faction%2FdoBasicSearch%3FQuery%3DsAYILI%26a
mp%3Bfilter%3D&ab_segments=0%2Fbasic_SYC-
574
4800%2Ftest&refreqid=search%3Aa1aa054c9663acdf755b83bb232de1bd&seq=7
#metadata_info_tab_contents. Acesso em: 02 nov. 2019.
THABIT, ibn Qurra. Trad. Ayidin Sayili. In: Sâbit ibn Kurra'nin Pitagor Teoremini
Tamimi. Belleten, 22: 527-549, 1958.
575
UM BREVE PERCURSO HISTÓRICO DESDE A GEOMETRIA EUCLIDIANA
ATÉ AS GEOMETRIAS NÃO-EUCLIDIANAS
RESUMO
Este trabalho traz uma narrativa acerca da geometria euclidiana, cuja sistematização foi
atribuída a Euclides de Alexandria, na Grécia Antiga e alguns questionamentos advindos
relativos ao quinto postulado que está descrito em sua obra Os Elementos e, além disso,
enfatizamos, sobretudo às dificuldades (que perduraram vários séculos) que os
matemáticos e/ou estudiosos tinham em compreendê-lo. Até que, no século XIX, três
matemáticos: Lobachevsky (1793 – 1856), Bolyai (1775 – 1856) e Gauss (1777-1855)
mostraram que tal axioma era correto e que existia uma outra geometria tão consistente
quanto a de Euclides, mas que não se enquadrava em seus parâmetros. É atribuída a
esses três o advento da geometria não-euclidiana. O objetivo deste artigo é apresentar
uma breve cronologia desde a possibilidade da existência de Euclides de Alexandria
perpassando pelos questionamentos gerados pelo quinto postulado enunciado em sua
obra Os Elementos, que contribuíram com o surgimento das geometrias não-euclidianas
respondendo assim, o problema que parecia estar em aberto. Para o percurso
metodológico foi feita uma revisão de literatura em que pontuaram algumas definições e
conceitos sobre as geometrias euclidiana e não-euclidianas (Geometria Hiperbólica e
Geometria Esférica) para que as similaridades e diferenças sejam evidenciadas.
INTRODUÇÃO
Este artigo aborda um recorte histórico sobre Euclides (por volta do século
IV a.C.) e a sistematização de sua geometria com a publicação de Os elementos,
enfatizando os cinco postulados. Dos cinco, evidenciou-se o quinto (equivalente ao
axioma das paralelas) que foi motivação para discussões entre matemáticos de
203
Universidade Federal do Cariri (UFCA). E-mail do autor: karla.nascimento@ufca.edu.br
576
diversos séculos por não possuir o mesmo grau de evidência que os outros
axiomas.
Em seguida, serão apresentadas as geometrias não-euclidianas (GNE)
cuja descoberta foi atribuída a Lobachevsky (1793 – 1856), Bolyai (1775 – 1856)
e Gauss (1777-1855) que concluíram definições e propriedades lógicas e
analíticas.
Posteriormente, serão mostradas algumas geometrias não-euclidianas e
as especificações que as caracterizam, além da apreciação histórica com o
intuito da apropriação dessas discussões que ampliam conceitos de geometria.
Temos, neste trabalho o intuito de apresentar uma breve cronologia desde
a possibilidade da existência de Euclides de Alexandria perpassando pelos
questionamentos gerados pelo quinto postulado enunciado em sua obra Os
Elementos, que contribuíram com o surgimento das geometrias não-euclidianas
que responderam esses problemas que pareciam estar em aberto.
O percurso metodológico foi realizada uma revisão de literatura em que
pontuaram algumas definições e conceitos sobre as geometrias euclidiana e
não- euclidianas (Geometria Hiperbólica e Geometria Esférica) para que as
similaridades e diferenças sejam evidenciadas.
A seguir será detalhado um pouco sobre Euclides e sua obra os
Elementos.
577
estudiosos do período e sendo considerada o primeiro instituto estatal de
pesquisas do mundo, como afirma Mlodinow (2004).
204
Obra publicada originalmente por Euclides, por volta do século IV, importante para o estudo da geometria
euclidiana e que foi traduzida por diversos séculos e discorreremos sobre suas versões e seu conteúdo,
sucintamente, neste capítulo
578
ou seja, poliedros regulares, em sua obra Os Elementos (EUCLIDES, 2009).
Foi nesse período, segundo a história, o Período Helenístico (século IV
a.C.), que Alexandre Magno, conhecido também como Alexandre O Grande, foi
Imperador por parte dessa época e seu exército invadiu a Ásia Menor, a Fenícia,
o Egito e derrotou os Persas. De fato, Alexandre constituiu um império muito
grande conhecido como o Império de Alexandre. De acordo com Ferreira (2010),
Alexandre, quando criança, fora aluno de Aristóteles, nesse período helenístico
houve uma aproximação do Ocidente com o Oriente, contribuindo para um
avanço cultural, crescimento tecnológico e descobertas científicas dos povos
orientais. O imperador iniciou a construção da cidade de Alexandria, no Egito,
uma cidade com estrutura para tornar-se “centro cultural, comercial e
governamental”, como afirma Mlodinow (2004, p.49), anos depois, Alexandre
faleceu e a cidade foi fundada por Ptolomeu I (cerca de 305 a. C.).
Euclides, como professor da Biblioteca e pesquisador, foi o autor do texto
matemático mais bem-sucedido de toda geração que continua sendo estudado
até os dias de hoje, chamado de Os Elementos, esta coleção é considerada,
atualmente, como uma obra especialmente de valor histórico já que foi escrita
durante a Antiguidade em um período muito rico para o progresso da cultura
grega e antiga em geral. Em Euclides (2009, p.16) tem-se que “a história de Os
Elementos confunde-se, em larga escala, com a história da matemática grega”.
De fato, a ênfase dada a esta obra foi muito grande uma vez que continha todo
o arcabouço grego da época.
Não há registros que sejam capazes de datar a verdadeira época que Os
Elementos foram escritos, porém creditamos a sua escrita no século IV a.C. pois
foi o presumível período vivido por Euclides, o responsável por sua publicação.
Esta obra foi publicada em várias versões e a mais antiga a ser noticiada teria
sido publicada por Théon de Alexandria − um estudioso do século IV que traduziu
a obra e editou a proposição XXXIII do livro VI. Todas as traduções anteriores as
de 1814 eram baseadas pela tradução de Théon, afirma Euclides (2009). Porém,
no século XIX, segundo Eves (2004), quando Napoleão Bonaparte ordenou que
fossem tomadas as bibliotecas italianas e enviadas à Paris os manuscritos de
579
valor, encontraram uma edição anterior àquela obra publicada por Théon.
Antes da publicação de Os Elementos, existiram outras publicações
parecidas com a obra de Euclides, mas não tiveram tanto êxito quanto o célebre
Os Elementos. Segundo Eves (2004), a primeira obra escrita com o mesmo
objetivo foi publicada por Hipócrates de Quio. Conforme o mesmo autor, Lêon
também escreveu uma obra similar à de Hipócrates, porém considerada mais
completa, uma vez que possuía mais proposições a serem analisadas. Teúdio
também escreveu suas proposições e alguns autores consideram-no como o
precursor de Os Elementos de Euclides.
Além de Os Elementos também foi atribuída a Euclides a publicação de
outras obras com conteúdo matemático, como Os dados, Divisão de figuras,
Pseudaria, Porísmas, Cônicas além da escrita de livros sobre matemática
aplicada como Os Fenômenos e a Óptica, dentre outros trabalhos.
Embora muitos pensem que nesta coleção, Os Elementos, a produção seja
apenas Geometria, estão enganados, pois os 13 volumes, contemplam também
Álgebra e Aritmética, contudo, dentre eles, a geometria contida é maioria e foi
capaz de ajustar todo o estudo matemático para aquela época. Esclarecendo,
esta coleção é composta por 465 proposições e treze volumes divididos da
seguinte forma:
• os volumes I, III, IV, VI, XI, XII e XIII tratam sobre a geometria plana e
espacial;
• o volume II traz algumas transformações de áreas e a álgebra
geométrica da escola pitagórica;
• o volume V, segundo Eves (2004, p.173) “é uma exposição magistral da
teoria das proporções de Eudoxo” e essa teoria das proporções
cooperou com a descoberta dos números irracionais pelos pitagóricos;
• os volumes VII e VIII têm uma abordagem focada na Teoria dos
Números, traz o conhecido algoritmo euclidiano, progressões
geométricas e o importante Teorema Fundamental da Aritmética;
• no volume IX, Euclides provou, elegantemente, a infinitude dos
números primos por meio da redução ao absurdo e
580
• o volume X trata dos irracionais com os créditos dados a Teteeto, mas
com uma considerável colaboração de Euclides.
Como pode ser observada nessa síntese, a obra de Euclides de Alexandria
era muito mais que geometria em si, já que, conforme posto, aborda vários
assuntos voltados à Matemática, como a álgebra e a aritmética. Tal produção
fez com que Euclides se transformasse em uma das pessoas mais influentes
da história, pois axiomatizou a geometria e formulou os famosos cinco
postulados que serão citados na seção seguinte.
Desse modo, Euclides deu a base para o desenvolvimento da geometria que
temos hoje, e, nesse sentido, sua obra perdurou e/ou perdura como referência
ao longo dos tempos como espécie de Bíblia que, inclusive, dita o conhecimento
geométrico escolar, uma vez que os livros didáticos remetem-se,
exclusivamente, a geometria euclidiana.
Euclides e seus predecessores reconheceram o que, nos dias de
hoje, todo estudante de Filosofia sabe: que não se pode provar
tudo. Na construção de uma estrutura lógica, uma ou mais
proposições devem sempre ser admitidas como axiomas a partir
dos quais todas as outras são deduzidas (CASTRO, 2011, p. 302).
581
Vale destacar que as demonstrações matemáticas deste período grego não
eram aritmetizadas como temos atualmente, eram totalmente geométricas. Por
exemplo, a demonstração do Teorema de Pitágoras, antes da álgebra era toda
geometrizada.
Assim, diante da força euclidiana, toda essa geometrização perdurou no
ocidente por mais de um milênio após o declínio da civilização helenística.
Dentro dessa estruturação lógica, Euclides escreveu cinco postulados e
diferentemente de Aristóteles que tinha definições distintas para axiomas e
postulados, não via variação e tratando-os como se fossem a mesma coisa. Desses
cinco axiomas, quatro eram diretos e claros, tanto é que não eram questionados e
nem questionáveis dentro da “comunidade científica” da época, entretanto o quinto
postulado foi motivo de muitas inquietações e dúvidas que perduraram por diversos
séculos da história porque não era compreensível e nem simples de ser verificado.
Mlodinow (2004, p.46) diz que o postulado “não era suficientemente simples para
um postulado, e deveria ser demonstrável como um teorema”, essa falta de
simplicidade incomodou estudiosos por diversos séculos, e falaremos sobre isto
mais à frente.
A seguir, estão descritos os cinco postulados de Euclides (2009, p. 98):
1. Fique postulado traçar uma reta a partir de todo ponto até todo ponto.
2. Também prolongar uma reta limitada, continuamente, sobre uma reta.
3. E, com todo centro e distância, descrever um círculo.
4. E serem iguais entre si todos os ângulos retos.
5. E, caso uma reta, caindo sobre duas retas, faça os ângulos interiores
e do mesmo lado menores do que dois retos, sendo prolongadas as duas
retas, ilimitadamente, encontrarem-se no lado no qual estão os menores do
que dois retos.
Os matemáticos/geômetras e filósofos não aceitavam que o postulado das
paralelas não fosse passível de prova, eles queriam e tentavam, de qualquer
forma, mostrar que se tratava de um teorema e não um postulado205, como
205
De acordo com o Dicionário: Postulado ˗ “S.m. (1813)1 o que se considera como fato reconhecido e
582
afirmara Euclides em sua obra. Neste sentido, queriam mostrar que havia um
equívoco em um dos volumes de Os Elementos. Um exemplo deste
questionamento foi feito por Saccheri (1667- 1733), que será discutido
posteriormente e que culminaram no surgimento de uma nova geometria.
ponto de partida, implícito ou explícito, de uma argumentação; premissa; 2 afirmação ou fato admitido
sem necessidade de demonstração” (HOUAISS, 2001, p. 1532). Teorema ˗ “S.m. (1685) proposição que
procede ser demonstrada por meio de um processo lógico [...]” (HOUAISS, 2001, p. 1829).
583
no século XVII, e teve a oportunidade de ler Os Elementos, de Euclides. A partir
dessa leitura ele se interessou pelo método da redução ao absurdo e, com isso,
começou a escrever sobre lógica. Saccheri escrevia textos matemáticos voltados
para o método de redução ao absurdo até que, em um determinado período de
sua carreira acadêmica, decidiu aplicar este método ao 5º Postulado, sendo mais
um a querer demonstrá-lo, porém não obtendo o sucesso esperado. Mas, de
acordo com Eves (2004, p. 540), sua hipótese era válida e consistente para
provar a existência da geometria não-euclidiana, contudo, por algum motivo não
conseguiu verificar tal feito.
O suíço Joahnn Heinrich Lambert (1729-1777) também usou o método da
redução ao absurdo e escreveu algo parecido com o que seu antecessor
Saccheri. De acordo com Eves (2004) sua investigação foi intitulada Die Theorie
Parallellinien que só veio a ser publicada após sua morte. Lambert não obteve
êxito, pois suas conclusões foram imprecisas e insatisfatórias.
Legendre (1752-1833) foi outro que tentou demonstrar, também sem
sucesso, na sua pesquisa. Dados históricos contidos em Eves (2004) afirmam
que este francês foi o último a tentar demonstrar o 5º postulado crendo que
poderia conseguir provar que se tratava de uma proposição, pois no mesmo
século nasceram os matemáticos, os quais aceitaram em suas hipóteses
concordaram com a veracidade do axioma e chegaram a um resultado
revolucionário e de extrema valia ao descobrimento e desenvolvimento desta
nova geometria, a geometria não-euclidiana.
Os créditos para o seu surgimento foram dados a três respeitados
pesquisadores, são eles: Bolyai (1802-1860), Lobachevsky (1793-1856) e Gauss
(1777-1855). A seguir, serão detalhadas as contribuições desses pensadores
sobre só terem questionado o 5º postulado, mas a partir de tal questionamento
terem visto que existia uma nova geometria.
Janos Bolyai foi um oficial do exército húngaro, filho do matemático Farkas
Bolyai (professor universitário e contemporâneo de Gauss). Conta-se que
Farkas, passou tanto tempo tentando demonstrar esse postulado, que ao ver o
seu filho trabalhar sobre a mesma coisa, decidiu escrever-lhe uma carta (em
584
1820) pedindo-lhe que não continuasse a trabalhar sobre esse assunto e fosse
pesquisar outros temas. Um trecho da carta é citado por Struik (1989, p.270).
Devias detestar tanto isso como as coisas perversas, que te podem
privar de todo lazer, da tua saúde, do teu descanso e de toda a
alegria da tua vida. Esta escuridão insondável podia talvez destruir
um milhar de poderosos Newtons, sem nunca haver luz na Terra
[...]. (Carta de 1820) (STRUIK, 1989, p. 270).
Eves (2004, p.542), afirma que Janos entendeu a coerência que havia no
axioma e ficou entusiasmado comentando, em 1829, ao pai que havia criado um
“universo novo e estranho”. Após isso, Farkas insistiu para que seu trabalho
fosse publicado como um apêndice de sua obra, enfim, no ano de 1832 o
trabalho foi publicado com sucesso. Esse foi o único trabalho notório de Janos,
embora tivesse escrito diversos manuscritos que caracterizavam a GNE
(geometria não-euclidiana).
Outro matemático que, por sinal, era contemporâneo de Janos, foi Nicolai
Lobachevski, um professor universitário russo que se tornou reitor da Universidade
de Kazan. Lobachevsky publicou seu primeiro artigo sobre GNE em 1829, antes de
Bolyai, que só conseguiu três anos depois. Segundo Eves (2004), seu trabalho não
teve a atenção que lhe era merecida, talvez por causa do idioma em que fora escrito,
o russo. Onze anos mais tarde, após sua primeira publicação sobre as GNE,
Lobachevski publicou um livro, esta feita escrito em alemão, cujo título traduzido
para o português é Investigações Geométricas Sobre a Teoria das Paralelas.
Depois, em 1855, antes do seu falecimento, escreveu outro em francês, chamado
de Pangeometria.
As informações existentes naquele século sobre as GNE eram poucas e
seu conhecimento se espalhava lentamente, por isso, Lobachevsky não
conseguiu usufruir dos méritos de suas descobertas, cujo reconhecimento veio
depois de sua morte.
O terceiro matemático a quem foi atribuída a descoberta das GNE foi Carl
Friederich Gauss, um alemão que desde criança considerado inteligente, Eves
(2004), devido seus feitos, professor Universitário, escreveu aos mais diversos
ramos da Matemática como a geometria, a álgebra e aritmética. Quando Bolyai
585
descobriu que tinha criado uma nova geometria, seu pai, Farkas que era amigo
de Gauss, enviou-lhe uma carta falando sobre o grande feito de seu filho, mas
Gauss lhe respondera informando que já tinha pesquisado sobre o assunto,
porém não havia publicado por causa do pensamento de Kant que ia de encontro
com a ideia da geometria não-euclidiana para sua época.
Vale ressaltar que, qualquer geometria que não satisfaça o axioma das
paralelas é considerada geometria não-euclidiana, por isso alguns não a
chamam de geometria não-euclidiana e sim as geometrias não-euclidianas.
A descoberta das geometrias não-euclidianas é um capítulo
fascinante da história da Matemática, que se inicia no próprio
momento em que Euclides trouxe a público os Elementos, em que
apresentava a Geometria Euclidiana numa forma axiomática. As
tentativas de provar o quinto postulado a partir dos outros, ao longo
dos outros, ao longo de tantos séculos, transformaram-se, ao final,
no estudo da Geometria e permitiram o entendimento de que havia
de fato da uma família de proposições equivalentes ao quinto
postulado (CASTRO, 2011, p. 2).
586
De modo geral, os conceitos na nova geometria são mantidos como o de
circunferência e triângulo, mas o referencial é outro e as formas mudam
(deformação). Ao observar a história, nota-se que a geometria desenvolvida por
Euclides não era única.
587
P.”206
Figura 01‒ Axioma hiperbólico
Fonte: (O autor)
206
“Na geometria hiperbólica existe uma reta r e um ponto P fora da reta, tal que, pelo menos duas retas
paralelas a r distintas passam por P” (GREENBERG, 2003, p. 187, tradução nossa ).
588
3.1.2 A geometria elíptica e a geometria esférica
589
Figura 19 - Esfera1 Figura 20 ‒ Esfera 2
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
590
em: 23 nov. 2011.
591
UM ESTUDO SOBRE OS CONHECIMENTOS MATEMÁTICOS
INCORPORADOS NA ESTRUTURA DO ÁBACO DE GERBERT207
RESUMO
O presente trabalho traz um estudo histórico sobre o Ábaco de Gerbert instrumento de
cálculo para a multiplicação e divisão dos números em uso na transição entre os séculos
X e XI no Ocidente Latino no Reino da França. Nesse sentido, delineou-se como objetivo
geral conhecer os conhecimentos matemáticos sintetizados na estrutura física do referido
aparato. Para tanto, foram acessados documentos históricos, sendo a fonte primária o
Traité de Gerbert na versão de 1843, na qual o texto original data da segunda metade do
ségulo X. A partir da obra de Gerbert foram acessados escritos de contemporâneos desse
intelectual, como do seu discípulo Richer de Reims e uma imagem em pergaminho de um
ábaco semelhante ao descrito por esses textos. Essas fontes forneceram subsídios para a
reconstrução do instrumento realizada nessa pesquisa. Fato que tornou possível,
considerando as regras para uso do instrumento, compreender que a estrutura do ábaco
incorpora em si as propriedades do sistema decimal, em destaque para a característica do
valor posicional dos números explicitada pela disposição das colunas do ábaco, dentre
outras.
INTRODUÇÃO:
A inserção de elementos da história no ensino de matemática conduz à
articulação entre essas duas áreas de conhecimentos, tendo em vista que as
mesmas possuem objetos de pesquisa diferente. Enquanto a história se volta para
o estudo das formas de elaboração, transmissão e transformação do conhecimento
matemático, a Educação Matemática, por sua vez, se interessa pelas questões
voltadas ao ensino e à aprendizagem (SAITO, 2015; KILPATRICK, 1996).
207
Este estudo é um recorte da dissertação de mestrado da autora, orientada pela professora Dra.
Ana Carolina Costa Pereira (UECE), defendida no ano de 2019 no Instituto Federal de Educação
Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE).
208
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: suziealbuquerque@ufrn.edu.br.
592
Diante dessa especificidade de cada um desses campos, qual o ponto de
partida para uma investigação na interação entre a história e o ensino de
matemática? Segundo Pereira e Saito (2019), essa partida se dá com a escolha de
um documento histórico. Vale considerar que por documento histórico se tem textos
escritos, imagens, esculturas, instrumentos ou qualquer outro objeto que forneça
informações sobre o conjunto de conhecimentos matemáticos em vigor em uma
determinada sociedade do passado (SAITO, 2015).
Nessa perspectiva, selecionou-se o Traité de Gerbert na versão traduzida
por Michael Chasles209 no ano de 1843, um texto original do século X, no ocidente
latino, que contém regras de multiplicação e divisão para o uso do Ábaco de
Gerbert. Considerando que este tratado remetia ao uso dos símbolos hindu-
arábicos, representando uma inovação para o ocidente cristão, tendo em vista que
o sistema para representação dos números em vigor era o romano.
A compreensão do contexto em que essas operações aritméticas foram
desenvolvidas demandou um estudo histórico inicial sobre a atuação de Gerbert
(946-1003) na comunidade de intelectuais nesse período, suas contribuições.
Conhecer a sua influência como monge beneditino responsável pela reestruturação
do quadrivium210 na escola de Reimes (989-999) e posteriormente como Pontífice
da Igreja Católica, recebendo o nome de Papa Silvester II, aliados ao seu interesse
pelas artes liberais justifica o investimento em aquisição e produção de cópias de
textos antigos gregos que são citados no Traité de Gerbert.
Esse movimento de recuperação de textos antigos foi responsável por
preservar textos que poderiam ter sido perdidos, contrariando a ideia de que não
houve circulação de conhecimentos na idade das trevas (ALBUQUERQUE, 2019).
Outra característica marcante nessa época é o uso de instrumentos para
demonstração de fenômenos astronômicos (astrolábio, esferas para simulação dos
movimentos celestes), instrumentos musicais (monocórdio), medidas de longas
distâncias (bastão geométrico) e cálculo aritmético, para auxílio no uso do bastão
geométrico (ábaco de Gerbert).
209 Professor da École Polytechnique em Paris e membro da Royal Societyem Londres, estudioso
de temas em história da matemática (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, 2018).
210 Conjunto das artes liberais composto pelas áreas da aritmética, astronomia, geometria e música.
593
Esses instrumentos foram citados por um dos discípulos de Gerbert, Richer
de Reims 211 (940-998) como facilitadores da compreensão dos fenômenos
estudados, pois sabendo utilizar os mesmos não havia necessidade da presença
do mestre (quem ensina). De fato, tais objetos são mencionados em tratados com
as regras de uso e em alguns casos, descrição da estrutura física desses
instrumentos, revelando assim indícios dos conhecimentos matemáticos
(especialmente astronômicos, aritméticos, geométricos e da música) incorporados
nesses instrumentos (RICHER, 1847).
Ao que cabe no presente estudo, partindo desta breve introdução, se
voltará à exploração minuciosa do ábaco de Gerbert inicialmente com o esboço do
contexto histórico da existência desse instrumento e posteriormente com a
identificação dos conceitos matemáticos do passado com o intuito de desvelar a
seguinte questão de pesquisa: quais os conhecimentos matemáticos estão
sintetizados na estrutura física do ábaco de Gerbert?
594
A caracterização de um instrumento da geometria, utilizado para a realização
de cálculos aritméticos, pode ser melhor compreendida ao passo que se conhece
o processo desde a construção ao seu uso. Richer (1847, p. 61, tradução nossa)
diz que Gerbert “[...] tinha um escultor construindo um ábaco, isto é, uma tábua
adequada para receber compartimentos” 212
. Ou seja, existia uma pessoa
encarregada na construção de instrumentos, nesse caso, o material utilizado não
foi explicitado, mas, por ser esculpido em formato de tábua, poderia ser construído
na madeira que precisaria ter determinadas características para ser dividida nos
espaços propostos.
A forma geométrica, determinada pela área do ábaco, foi especificada ao ser
indicada a divisão dessa tábua em “[...] vinte e sete partes, nas quais ele tinha nove
sinais expressando todos os números” 213 (RICHER, 1847, p. 61-63, tradução
nossa)214. Nessa passagem, o autor não deixa clara a disposição desses espaços
a serem determinados na madeira, se seriam horizontais, transversais, por
exemplo, o que poderia evidenciar o formato geral do instrumento.
Entretanto, segundo Burnett (2010), Bernelinus apresenta uma descrição
mais detalhada sobre o ábaco e seu funcionamento. Nesse modelo, o instrumento
continha 30 colunas, sendo que as três primeiras eram destinadas às frações. Esse
discípulo parisiense de Gerbert informa, ainda, que as colunas estavam agrupadas
de três em três, separadas por arcos em sua parte superior. Havia um arco na
primeira coluna do grupo de três, outro arco cobrindo a segunda e a terceira coluna
desse conjunto e outro arco maior contemplando as três colunas.
As partes em que foram divididas certo comprimento, em Richer (1847),
começam a ganhar forma pela explicação de Bernelinus, que ressalta a
verticalidade dos compartimentos esculpidos na madeira, pois se referem a
divisões longitudinais, determinando colunas, formando, assim, uma espécie de
mesa de madeira retangular.
212Vide “[...] Il fit préalablement constuire par um ouvrier ciseleur des compartiments” (RICHER,
1847, p.61).
213 Vide “[...] vingt-sept parties, sur lesquelles il disposa neuf signes, experimant tous les nombres.”
595
Além dos espaços em forma de coluna, esses autores citam os símbolos ou
figuras que eram inseridos no ábaco. Nesse sentido, Gerbert “[...]fez os mesmos
mil caracteres em chifre que foram organizados nos vinte e sete compartimentos
do ábaco [...]215” (RICHER, 1847, p. 63, tradução nossa). Pela descrição exposta,
os nove símbolos foram reproduzidos em grande quantidade, formando espécies
de fichas com as quais era possível representar diversos e infinitos números, como
ressaltou o discípulo de Gerbert. Vale considerar que o sistema de numeração, em
vigor no Ocidente Latino, por volta do ano mil, era o romano. Essa forma de
representar os números era decimal e continha o princípio da cardinalidade, ou
seja, o número como uma expressão de quantidade. Porém, não ordinal, pois os
números não atendiam a uma sequência natural de ordem.
Esses fatores dificultavam a realização de cálculos aritméticos, inclusive no
manuseio dos instrumentos de cálculo do período, como o ábaco romano (Figura
3), que se utilizava de fichas para representar as quantidades, nas quais cada uma
correspondia a apenas uma unidade da coluna que estaria inserida (MILLES,
1999).
215Vide “Il fit de même mille caracteres em corne, qui, disposés dans les vingt-sept compartimentes
de l’abaque [...]” (RICHER, 1847, p. 63).
596
dezenas de milhar, uma ficha na unidade de milhar, seis fichas nas centenas, duas
fichas nas dezenas e uma ficha nas unidades, totalizando dezessete fichas. Ao se
tratar de operações com números maiores, sobretudo na multiplicação e divisão,
essa forma de escrever os números dificultava os cálculos.
Enquanto com o sistema proposto por Gerbert, para a representação do
número apresentado, requeria apenas o uso de seis fichas. Ao adaptar esse
sistema das fichas para o ábaco romano (Figura 4), utiliza-se apenas uma ficha
com o número dois inscrito na coluna das unidades de milhão, outra tendo o número
seis nas dezenas de milhares, uma com o um nas unidades de milhares, o cinco
nas centenas, o dois nas dezenas e, por fim, com o número um nas unidades.
Richer (1847) ressalta que esse mecanismo otimiza a realização dos cálculos,
abreviando o tempo demandado para a realização das operações.
597
cálculo realizado previamente. Por isso, esse era compreendido antes de ser
expresso, ou seja, registrado no instrumento.
Eis a evidência de que o ábaco, utilizado por Gerbert e seus discípulos, não
correspondia a uma espécie de calculadora, mas continha espaços para a inserção
dos valores obtidos a partir do cálculo mental. O instrumento armazenava esses
dados para que o calculista não se perdesse durante as contas, levando ao erro.
As considerações expostas pelos discípulos de Gerbert sobre o ábaco,
apesar de bem descritas, ainda deixavam dúvidas com relação à estrutura do
referido instrumento e de que conhecimentos matemáticos, de fato, estariam
incorporados nesse aparato. Com efeito, não foram preservadas réplicas originais
construídas na madeira, como nos tempos de Gerbert.
CAMINHO METODOLÓGICO
O desenvolvimento do presente estudo se efetivou por meio de uma
pesquisa documental, pois se explorou materiais que ainda não receberam um
tratamento, podendo ser reelaborados na pesquisa (GIL, 2008, p. 50). Mas de fato,
o que seria um documento? De acordo com Saito (2015, p.27), esses tipos de
recursos "[...] não só livros e tratados, mas também cartas, manuscritos, minutas e
outros documentos não só escritos, mas também aqueles da cultura material, tais
como instrumentos, monumentos, máquinas, etc."
Diante disso, selecionou-se o Traité de Gerbert, na versão de 1843, como
documento histórico que contém as regras para uso do instrumento denominado
nesse estudo de ábaco de Gerbert. Entretanto, esse texto não descreve o
instrumento, permanecendo lacunas para a compreensão do seu funcionamento
no passado.
Assim, para se esboçar a estrutura física desse ábaco foi necessário recorrer
a outros dois documentos históricos, nas proximidades do tempo histórico em que
viver Gerbert (entre os séculos X e XI), que são: “Histoire de son temps” de Richer
na versão de 1847 e a imagem Abacus de Trier que continha em anexo as regras
idênticas às propostas por Gerbert (1843). Este último documento, dedicado a um
598
religioso no século XI, correspondia ao descrito sobre a estrutura do ábaco pelo
discípulo de Gerbert, Richer no primeiro texto secundário.
Com base nos textos referenciados, foi realizada a reconstrução de forma
digital do ábaco de Gerbert, a partir das descrições e composição do ábaco
encontradas nas fontes de pesquisa. Evidenciando-se assim seus elementos,
identificando os princípios matemáticos que são percebidos na construção do
instrumento e em seu uso, de acordo com a análise das esferas contextual,
historiográfica e epistemológica pautas em Alfonso-Goldfarb, Ferraz e Waisse
(2013).
599
matemáticas do agrupamento numérico nas colunas seria determinante para a
agilidade na resolução dos cálculos.
Além do exposto, uma imagem do instrumento (Figura 5) foi apresentada por
Burnett (2010), ao se referir a um exemplar do ábaco medieval, datado do ano de
1081, que foi encontrado na biblioteca da cidade de Trier217, por volta da segunda
metade do século XX, dentro de uma bíblia gigante que pertencia ao abade de Trier,
Regimbertus (1051-1081). Esse manuscrito teria sido escrito em Echternach,
Luxemburgo. Vale ressaltar que, junto do instrumento, estavam anexas as regras
de multiplicação e divisão semelhantes às de Gerbert. Esse material corresponde
a uma placa de pergaminho 218 em formato de pôster (Figura 6) dividida em
exatamente 27 colunas, como indicado por Richer (1847).
217 Uma
das mais antigas cidades Alemãs.
218Vide
Brown (2010), o processo de produção de pergaminhos medievais e a produção de
manuscritos.
600
delimita a unidade das classes, havia um dos nove símbolos mencionados
anteriormente.
A partir da visualização do ábaco de Echternach foi realizada uma
reconstrução do instrumento (Figura 6), utilizando ferramentas computacionais, o
que permitiu ampliar a visualização de sua estrutura, bem como oportunizar o
manuseio do instrumento após a impressão. Esse modelo foi escolhido para ser
reproduzido, pois a imagem do ábaco de Echternach foi localizada, nessa pesquisa,
anteriormente à imagem do ábaco no tratado anônimo, no estudo contextual do
Traité de Gebert (1843). Entretanto, a fins explicativos, nessa discussão, optou-se
por apresentar primeiro o instrumento contido no tratado anônimo mencionado por
Chasles (1843b).
Assim, posteriormente à realização da reconstrução, veio ao conhecimento
o ábaco com as duas representações para os valores das colunas (1, 10,
100,1000...) e a explicitação das unidades, dezenas e centenas de cada classe
numérica. Essas características podem ser visualizadas na Figura 6, na qual se
torna nítida a parte superior do Ábaco de Gerbert. Além disso, para o estudo
pretendido, a exploração dessa estrutura é suficiente para alcançar os objetivos
propostos.
601
Figura 6— Reconstrução do ábaco de Echternach.
602
Número Valor da coluna Representação no
da coluna ábaco de
Echternach
1 1 (100) I
2 10 (101) X
3 100 (102) C
4 1.000 (103) I
5 10.000 (104) X
... ... ...
100.000.000.000.000.000.000.000.000
27 CMIMIMIM
(1026)
Fonte: Adaptado de Burnett (2010, p. 98).
603
números sugeridos no manuscrito medieval de Trier, assim como no texto anônimo,
com algumas variações. É possível relacionar esses ápices (símbolos indicados no
topo das unidades de cada classe de números) com os algarismos utilizados
atualmente, a saber:
604
ábaco, o zero não fazia falta, tinha um representante, “o espaço vazio” identificado.
Ademais, as outras propriedades do sistema do ábaco como o agrupamento de 10
em 10, o aspecto posicional, são correspondentes ao sistema decimal de
numeração adotado no ensino da multiplicação moderno.
Os caracteres antigos apresentados (Figuras 7) se diferenciam apenas em
formato, dados poucos detalhes, mas no sentido não há divergência, pois existem
os correspondentes para os números de 1 a 9. Chasles (1843a) mostra essas
figuras com seus nomes: Igin, Andras, Ormis, Arbas, Quimas, Calcus, Zenis,
Themenias e Celentis. Essas palavras eram associadas ainda a nove letras do
alfabeto grego (CHASLES, 1843b).
Logo, é enfatizado que os gregos utilizavam letras para representar os
números. Dessa maneira, o estudo dos manuscritos medievais sobre o ábaco
conduz ao entendimento de que o sistema de numeração decimal com a inserção
dos nove caracteres era conhecido desde a antiguidade pelos estudiosos gregos.
Dos gregos aos árabes e, como mencionado no segundo capítulo, muitos
conhecimentos matemáticos foram recuperados pelos estudiosos latinos entre os
séculos VIII e X. Isso coloca em questão a afirmação da história oficial de que foi
apenas no século XIII, com Leonardo Fibonacci (1170 – 1250?), que os algarismos
chamados de arábicos foram disseminados em terras ocidentais.
De fato, nos tempos de Gerbert, esses ensinamentos estavam restritos a um
grupo específico de intelectuais, pois não foram encontrados vestígios de aplicação
e uso do ábaco medieval utilizando os ápices pagãos no comércio, por exemplo.
Apesar de autores como Allen (1842) atribuir a criação do ábaco a Gerbert,
a partir da discussão se conjectura que ele não criou algo novo, mas que teve
significativa participação na preservação dos conhecimentos gregos, bem como na
disseminação das ideias contidas no quadrivium. Com sua morte em 1003, seus
discípulos continuaram produzindo textos sobre o assunto, inclusive referenciando
Gerbert e aconselhando para otimizar o entendimento dos temas estudados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
605
Este estudo se constituiu como um suporte histórico direcionado a
educadores matemáticos apresentando os conhecimentos incorporados no ábaco
de Gerbert, fazendo uso de elementos advindos da história para conhecer como a
matemática do passado se expressava. Essa constatação foi possível devido ao
cruzamento de informações contidas nos textos históricos mencionados, tendo o
Traité de Gerbert como ponto de partida.
Diante do exposto, foram evidenciados indícios das propriedades
matemáticas do sistema de numeração decimais na estrutura física do referido
ábaco, visando à elaboração futura de atividades voltadas para o ensino das
operações de multiplicação e divisão dos números a partir dessa composição física.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE, S. M. de.Um estudo sobre a articulação contida no Traité de
Gerbert (1843) e o ensino na formação de professores de matemática.
Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática,
Instituto Federação de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, Fortaleza, 2019.
ALLEN, R. Gerbert, Pope Silvester II. The English Historical Review. vol. 7, n.
28. p. 625-668, 1892.
606
publiés... par MM. les secrétaires. Imprimerie de Bachelier: Paris, 1843b, p. 1 -
28. Disponível em: <https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k62063k?rk=21459;2>.
Acesso em: 25 jan. 2021.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
607
UM PRIMEIRO OLHAR DE ASPECTOS GERAIS DO TRATADO A ARTE DE
NAVEGAR (1606) DE SIMÃO D’ OLIVEIRA219
RESUMO
Esse artigo realiza um estudo pautado na apresentação de um primeiro olhar de aspectos
gerais da obra a arte de navegar (1606) de Simão d’Oliveira, verificando as características
peculiares ao tratado, do século XVII, sobre a navegação. Nessa perspectiva, adotou-se
como objetivo geral, conhecer aspectos gerais da obra a arte de navegar de (1606) de
Simão d’Oliveira. Assim, o percurso metodológico se caracterizou, conforme uma
abordagem qualitativa, capaz de captar o subjetivo identificado no texto original
selecionado, através das relações visualizadas na narrativa e conforme critérios
facilitadores da compreensão das características impressas neste, em que, em
continuidade, esse estudo é documental, por fazer uso de documentos históricos, que
foram submetidos a tratamento didático, com o intuito de possibilitar a compreensão da
identidade fundante relatada. E, dessa maneira, observou-se a partir dessa mostra geral
do tratado, que o tratamento didático de textos presentes na história da Matemática, podem
contribuir para a inserção destes no ensino de Matemática em práticas no ambiente
escolar. Portanto, o uso do tratado a arte de navegar, demonstrou-nos a evidente
aplicabilidade das matemáticas do século XVII nos tratados de navegação, que ao serem
articuladas, forneciam aprendizagens significativas de saberes do conhecimento
matemático.
INTRODUÇÃO
219
Estudo orientada pela professora e doutora Ana Carolina Costa Pereira. Universidade Estadual do Ceará
(UECE). E-mail: carolina.pereira@uece.br
220
Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: gisele.oliveira@aluno.uece.br
608
período, que pudesse posteriormente, dialogar com pesquisas futuras rumo a
utilização destas informações.
Para selecionar um tratado para estudo, que fizesse uso de instrumentos
presentes na HM, realizou-se pesquisas em plataformas nacionais e internacionais,
que permitissem selecionar um dos encontrados, que contemplassem o uso de tais
recursos. Podendo desse modo, oportunizar assim, o exercício da construção e
reconhecimento de aspectos gerais do tratado.
Nessa percepção, destaca-se a necessidade de se estabelecer cautela
para identificar os aspectos pontuais, que possuam natureza epistemológica,
contextual e/ou historiográfica de um determinado período pesquisado, evitando
com isso, o risco de sermos anacrônicos e/ou progressistas, isto é, conforme Saito
(2015), refere-se ao fato de olhar para o passado com os olhos do presente,
percebendo e julgando circunstâncias diferentes com concepções do presente.
Com isso, visitou-se, a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD),
Banco de Teses e Dissertações da Coordenadoria de Pessoal e Aperfeiçoamento
de Nível Superior (CAPES), a Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) digital e
JSTOR, com intencionalidade de investigar materiais em plataformas nacionais e
internacionais, que possuísse possíveis produções que correspondem-se a
temática de interesse deste.
Diante das pesquisas levantadas nestas plataformas, identificou-se
dissertações, teses e outras categorias de produções, que fizeram a utilização de
tratados históricos. Nessa direção, buscou-se por produções, que apontassem o
uso de instrumentos matemáticos na HM e, também, que permitissem a
experimentação da reconstrução de aspectos epistemológicos, contextuais e
históricos propostos por Beltran e Saito (2014).
Nesse intuito, pautou-se nos critérios ofertados por Silva (2018), avaliando-
se a circunstância, na expectativa de estabelecer uma justificativa, que auxiliasse
no respaldo científico, que se baseou esse processo de seleção do texto original,
isto é, a fonte primário, no caso o tratado.
Dessa maneira, selecionou-se um texto original, que consoante a Beltran e
Saito (2014, p. 18), referem-se à “textos, imagens ou documentos da cultura
609
material (objetos físicos) que chegaram a nossos dias trazendo registros de
conhecimentos elaborados, transmitidos, adaptados em outros tempos e culturas”.
E, diante disso, optou-se pela escolha do tratado histórico “A arte de
Navegar”, de 1606, de Simão d’Oliveira, por perceber possíveis potenciais a serem
explorados, após tratamento didático de elementos contidos neste. Esse processo,
viabiliza a reconstituição de elementos pontuais da episteme do século XVII, no que
diz respeito a arte de navegar e o uso das matemáticas para o exercício deste ofício
realizado para estabelecer relações comerciais.
E, segundo Saito (2015), as matemáticas eram capazes de explicar como
os fenômenos físicos ocorriam, mas não atendiam a destreza de apontar o porquê
destes acontecimentos e, ainda, manipulavam e se articulavam em torno daquilo
que Aristóteles denominou por “quantidades”, como por exemplo, a astronomia,
música, aritmética e geometria.
Para facilitar o estudo, estabeleceu-se a pergunta diretriz de “Quais
aspectos gerais podem ser identificados no tratado de Simão d’Oliveira à arte de
navegar (1606)?” E, como objetivo geral, temos o de “conhecer aspectos do tratado
a arte de navegar de Simão d’Oliveira (1606).
Esse estudo, caracteriza-se como uma abordagem qualitativa, em que
Araújo e Borba (2004, p.106) apontam que “o qualitativo engloba a ideia do
subjetivo, passível de expor sensações e opiniões”. E, ainda, como um estudo
documental, por Gil (2010, p.63) que afirma que “o documental assemelham a
levantamentos com dados disponíveis e não obtidos diretamente das pessoas [...]”,
que permitem desenvolver um plano de ação, através de um tratamento didático
das fontes e problema idealizado.
610
Esse tratado, consoante ao visto em Oliveira (1606), possui capa,
contracapa, frontispício, prefácio reconhecido por proemio, carta ao leitor,
dedicatória e ao final deste uma taboada, que se assemelha ao que denominamos
por sumário. Além disso, identificou-se que é dividido em quatro livros, em que o
primeiro, possui 16 capítulos, o segundo sete, o terceiro 26 e o quarto 53.
Nessa direção, verificou-se possuir imagens que apresentam instrumentos
náuticos, taboadas que se assemelham a tabelas, e, ao final, a errata referente a
algumas informações presentes no corpo do texto, ressaltando alguns fatos
pontuais, não se tratando de todo o conteúdo apresentado nas páginas apontadas.
A seguir, ver-se o frontispício do tratado estudado, que contém uma
imagem, que aparentemente representa um brasão de algum reino, constando um
carimbo, ou timbre, ou ainda, um selo real. Destaca também a identidade de quem
compôs a obra, juntamente com sua naturalidade e informa conforme Oliveira
(1606), que este foi dirigido à Dom Pedro de Castilho, bispo de Leiria, apresentando
que possui licença da inquisição e ordinário, em Lisboa, por Pedro Crasbeeck,
1606, que possuía privilégios real, tendo ainda ao final da página, uma rubrica.
611
Fonte: Retirado de Oliveira (1606, s/p)
[...] reuni ânimo para escrever este breve tratado, intitulado Arte de
navegar, por não achar autor algum sobre está matéria em forma
assim escrito, sendo assim que é muito importante haver nas
Repúblicas, quem saiba, pois dela dependem os tratos, comércios
e navegações, que enobrecem os estados e enriquecem os reinos
[...].
Nessa direção, observou-se que foi destacado pelo autor, que seu
interesse em o produzir, ocorreu pelo fato de não possuir conhecimento de outros
tratados que tenham realizado tal abordagem, reconhecendo também, a importante
das informações presentes nesta, para as relações comerciais e para enriquecer e
enobrecer os reinos e estados.
Em seguida, Oliveira (1606, s/p, tradução nossa) orienta aos prudentes
leitores, mediante à um proemio, que se assemelha à um prefácio, que “trataremos
das mais admiráveis ciências que as matemáticas tem [...]”, fazendo ainda um
esclarecimento de todo o cenário visualizado nesta obra, por meio de elementos
fundamentais na astronomia, como planetas e estrelas e do conhecimento de
cartas hidrográficas, conhecidas neste por cartas de marear e os instrumentos
usados para favorecer e facilitar o oficio da navegação.
Em continuidade, Oliveira (1606, s/p, tradução nossa) apresenta aos
leitores, alguns nomes de autores, segundo ele “antigos e modernos, dos quais se
tirou a doutrina desse tratado”, isto é, destacou-se uma espécie de referencial
teórico aos quais se pautaram as informações articuladas nesse texto original.
A obra, destaca um tópico de licenças, que se entende como autorizações
para a liberação da impressão do tratado, em que por ordem de Pedro Castilho foi
612
realizada uma avaliação do caráter do conteúdo deste, sendo declarado pelo
avaliador, que refere-se a um documento, segundo Oliveira (1606, s/p, tradução
nossa), “muito digno de lhe dar licença, pois não se tenta contra a fé e bons
costumes, mas mostra utilidade aos navegantes, como estudiosos das ciências
matemáticas”.
E, nessa compreensão, visualiza-se, que a arte de navegar, conforme
destacado por Oliveira (1606) faz uso das matemáticas, como saberes norteadores
e facilitadores do bom exercício que este ofício exige, por exemplo, na ocasião de
produção e manuseio de instrumentos matemáticos utilizados para atender as
finalidades e objetivos da navegação, tal como a importância de conhecer noções
astronômicas, que permitam aos sujeitos desta arte, conhecer os astros e inferir
informações sobre estes, além de saber sobre conhecimentos geométricos do
espaço navegado e de sua localização marítima, podendo mediante a esses, evitar
o acesso a terras perigosas ao navegante.
Assim, percebe-se na obra, uma necessidade evidente no uso de um tripé
fundamental para as navegações, que eram, a agulha, os instrumentos
matemáticos e as cartas de marear, em que Oliveira (1606) apresentou como
ferramentas fundantes para a navegação deste período.
A agulha, correspondia a uma caixa que possuía em seu interior um relógio
universal, orientador para os pilotos da navegação221; os instrumentos
matemáticos, tratavam-se de recursos que para Saito (2015) manipulavam o que
Aristóteles caracterizou por quantidades e as cartas de marear, correspondiam a
documentos norteadores dos trajetos, percursos e outros saberes da navegação.
Como literatura secundária, selecionou outro tratado, que relatava
assuntos correspondentes a obra discutida, em que Pimentel (1819), declarou que
"a arte de navegar” comumente se dividia em duas partes, numa científica e outra
experimental, em que a primeira tratava-se de regras, instrumentos para observar
a altura do Polo e a variação das agulhas, da fábrica e uso das Cartas de Marear
ou coisas semelhantes, sendo fundamentados nas ciências matemáticas,
221
Para Oliveira (1606) referia –se aqueles que possuíam o conhecimento para exercer a arte de navegar.
613
destacadas por Randles (1985, p. 235) como "astrologia, astronomia, cartografia e
navegação".
Já a segunda parte se inclinavam para as derrotas, que surgiam no ato de
navegar de um lugar para outro, descrevendo as distâncias, os baixos e outras
informações observadas pelos pilotos, levando-nos a refletir, que além de todos os
conhecimentos científicos e práticos, a observação se tornou para a navegação, o
recurso mais importante.
Com isso, visualizou-se que nem todos os pilotos concordavam com as
mesmas informações e notícias que eram divulgadas, pois segundo Pimentel
(1819), percebia-se que havia falta de exatidão no que costumava ser relatado
pelos pilotos, conduzindo-nos a confabular, que essa falta de validação destes
conhecimentos entre estes, poderiam ser decorrentes da ausência de formação
que possuíam sobre os elementos observados no exercício da navegação.
Além disso, um dos problemas identificados nos documentos elaborados
para navegação, poderiam ser decorrentes da ausência de esforços dos
Cosmógrafos Mór222, que segundo Pimentel (1819) recebiam informações de
distintos pilotos, mas que na maioria das vezes não se debruçavam a analisar estas
em prol da navegação, apenas reproduziam e não publicavam novos roteiros,
seguindo o que já era conhecido por errôneos nesse processo.
Vale ressaltar, que Pimentel (1819) destacou, que Manoel de Figueiredo,
foi o primeiro a publicar estes roteiros para esclarecimentos, mas que após este, os
outros cosmógrafos mór não deram continuidade a essa ação, o que na maioria
das vezes, só reproduziam tais roteiros, contendo muitos erros, pouca clareza e
desordem nas orientações para os pilotos que faziam uso destes.
Nesse contexto, visualizando a falta de precisão das Cartas de Marear e os
variados prejuízos causados por isto, Pimentel (1819, p. 11), relatou, que Pedro
Nunes, refutou informações das Cartas de Marear em um de seus tratados,
dedicados a Dom Luiz, destacando-se no documento, que não julguem erradas as
notícias relatadas neste, por ser diferentes de alguns outros roteiros conhecidos,
222
Cosmógrafos Mór referia-se ao maior cargo público do Reino de Portugal, que exigia para seu ofício a
dedicação a cosmografia. Ver mais em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cosm%C3%B3grafo-mor
614
mas que entendam que ele "só escreve, pois crer conseguir a verdade em relação
ao diligente exame de tais ensinamentos e notícias".
E, em continuidade a estás compreensões, Simão d' Oliveira (1606)
destaca a importância de se ensinar a calcular a altura do polo e a largura dos
lugares, não só por meio do sol, pois existem dias e períodos do dia, que não se
podem realizar essa prática, logo, é preciso também por meio das estrelas,
aprender tais ofícios, que não são fáceis.
E, consoante a Randles (1985), o português Simão d' Oliveira e o espanhol
Garcia de Cespedes, nos seus manuais de navegação, ambos são enfáticos, que
os métodos astronômicos são muitas vezes inúteis, pela falta de taboadas 223
suficientemente precisas por conta da impraticabilidade e do conhecido dos
saberes contidos nestas.
Essa escassez de recursos e informações corretas quanto a navegação,
resulta em vários problemas, derrotas, perigos e desordem; sendo preciso ensinar
aos pilotos, os conhecimentos referentes as estrelas, pois é possível navegar e se
orientar por estás, mas Pimentel (1819) apontou, que muitos não conseguem e não
se aventuravam, pela falta de conhecimento das duas estrelas de referências,
sendo, a estrela Polar e outras estrelas fixas, conhecida como estrela notável fixa,
presentes nas taboadas e pouco conhecidas por estes sujeitos, para um cálculo
correto de suas latitudes e longitudes.
223
Taboadas correspondiam ao agrupamento de informações relevantes a determinado assunto, podendo ser
organizados em tabelas, quadros ou de outras maneiras orientadoras para divulgação dos conhecimentos.
615
Fonte: Retirado de Oliveira (1606, s/p)
616
Fonte: Elaborado pela autora.
617
localização, em que para isto, a maioria destes, conforme visualizado em Oliveira
(1606) e Pimentel (1819), dependiam do sol para realizar cálculos de distância entre
os locais e a altura ao polo, compreendendo assim sua latitude e longitude.
Por isso, ademais, foi também orientado, que conhecessem as estrelas,
pois através desses saberes, poderiam navegar com segurança à noite também,
sendo isto favorável para as rotas do comércio, pois otimizaria navegar em destino
ao que Oliveira (1606) relatou por terras das riquezas.
618
Fonte: Oliveira (1606, p. 57-77)
619
por indivíduos em um contexto social e histórico a partir de
questões científicas: ele é personalizado e contextualizados.
DISCUSSÃO DE DADOS
620
assinala a importância de conforme Oliveira (1606) fazer uso do sol, isto é, era
necessário o dia como recurso facilitador e, instrumentos, que permitissem saber
durante o dia a altura do polo, ou ainda, o cálculo da largura entre os lugares e a
posição de localização do navegante a sua “nao”, ou seja, sua embarcação.
No entanto, destacou-se Oliveira (1606), que haviam dias perdidos por
conta das nuvens que encobriam o sol, levando-os a verificar, a necessidade de
aprenderem a realizar os mesmos procedimentos durante a noite, usando assim as
estrelas como referência que os amparassem e que otimizassem suas rotas
marítimas rumo as relações comerciais.
621
E, portanto, o primeiro olhar do tratado “arte de navegar” de Simão
d’Oliveira, visualizou-se uma variedade de informações sobre a caracterização
desse estudo, em que segundo Saito (2016) é potente para ser usado em uma
interface entre história e ensino de Matemática, verificando que o tratamento
didático deste, pode favorecer o uso das matemáticas do século XVII, que ainda
não haviam sido consolidadas em uma área autônoma, neste século XXI,
reconhecida por Matemática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
622
REFERÊNCIAS
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
623
SILVA, I. C. Um estudo da incorporação de textos originais para a educação
matemática: buscando critérios na articulação entre história e ensino. 2018.
93 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática) – Instituto
Federal do Ceará, Fortaleza, 2018.
624
UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS TÉCNICAS DA TRANSFORMADA
INTEGRAL CLÁSSICA (CITT) E GENERALIZADA (GITT) – COMUNICAÇÕES:
Aspectos Iniciais
RESUMO
Estes resultados parciais de uma pesquisa de doutorado do Programa de Pós-Graduação
em Educação Matemática da UNESP – Rio Claro tem como objetivo descrever a evolução
histórica que culmina na concepção da Técnica da Transformada Integral Clássica, e as
motivações que levaram a sistematização do seu modelo generalizado. As técnicas têm
como foco resolver Equações Diferenciais Parciais (EDP) a princípio não tratáveis pelas
teorias clássicas, como o conhecido método da separação de variáveis. Pretendemos fazer
uma construção histórica, considerando o contexto do seu surgimento e desenvolvimento,
passando pelas diversas modificações sofridas até se tornar uma técnica analítica e,
posteriormente analítico-numérica, que acompanha a velocidade das abordagens
puramente numéricas e os avanços do mundo tecnológico. Para atingir esse objetivo,
descrevemos a Transformada Integral por N.S. Koshlyakov e os estudos detalhados
realizados por G.A. Grinberg (1948) e M.D. Mikhailov (1972). Para assim, podermos
entender e apresentar a Técnica da Transformada Integral Clássica (CITT – Classical
Integral Transform Technique) de Özisik e Murray (1974). E, por fim, mostramos os
conceitos que surgiram com o formalismo da Técnica Transformada Integral Generalizada
(GITT - Generalized Integral Transform Technique), proposta por Özisik e Mikhailov (1984).
Nesses resultados parciais de pesquisa, apresentamos os passos descritos acima até a
contribuição de Mikhailov (1972), que serão finalizados com a análise dos escritos que
fundamentam a CITT e GITT.
INTRODUÇÃO
224
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). reynaldo.dalessandro@gmail.com
625
aplicavam aos problemas, as Técnicas da Transformada Integral Clássica (CITT) e
Generalizada (GITT) eram as mais estudadas.
E durante o processo da escrita da dissertação, percebemos a necessidade
de um estudo histórico sobre a teoria, devido a dificuldade de se encontrar
informações relativas ao tema. Assim, iniciamos um levantamento e verificamos a
originalidade de tal estudo.
Segundo o professor Renato Machado Cotta, no seu artigo de 2012,
intitulado The Unified Integral Transforms (UNIT) algorithim with total and partial
transformation: A tribute to Prof. Mikhail D. Mikhailov, e o professor Aleksei Luikov,
no seu livro Heat and Mass Transfer de 1972, as ideias precursoras que culminaram
na concepção da CITT foram sugeridas por N.S. Koshlyakov em seu livro Basic
Differential Equations of Mathematical Physics, de 1936.
Nesse livro, Koshlyakov define um tipo de transformação integral que ficou
conhecida posteriormente como Transformada Integral Finita.
Depois das primeiras ideias, G.A. Grinberg fez um desenvolvimento mais
detalhado das transformações integrais no livro Selected Problems of Mathematical
Theory of Electrical and Magnetic Effects, de 1948.
Mas foi o artigo escrito por M.D. Mikhailov em 1972 intitulado General
Solution of the Heat Equation in Finite Regions, que deu uma contribuição
extremamente significativa para a consolidação da técnica de Koshlyakov. No
estudo, o autor elabora uma proposta de um núcleo de processamento geral que
unificou as várias transformações ao obter uma solução geral para a equação da
difusão linear em regiões finitas.
Finalmente, M.N. Özisik e R.L. Murray em 1974 no artigo On the Solution
of Linear Diffusion Problems With Variable Boundary Condition Parameters,
utilizaram as ideias dos autores citados anteriormente e, aplicaram pela primeira
vez uma nova técnica para a resolução de sistemas de Equações Diferenciais
Parciais (EDP), chamada posteriormente de Técnica da Transformada Integral
Clássica (CITT – Classical Integral Transform Technique).
Em 1984, Özisik e Mikhailov, no livro Unified Analysys and Solution of Heat
and Mass Difusion, apresentaram uma maneira sistemática de aplicação da
626
Técnica da Transformada Integral para a solução de diversos problemas lineares
de difusão, divididos em sete grandes classes que foram definidas partindo de
inúmeros problemas de transferência de calor e massa disponíveis na literatura.
Desse trabalho surgiram os formalismos da GITT.
Essas evoluções, segundo Cotta (2012), ocorreram devido ao período da
corrida tecnológica espacial, onde diversos países do Leste Europeu como a URSS
e Bulgária, tiveram suas pesquisas concentradas no desenvolvimento de
ferramentas analíticas. Concomitantemente, os Estados Unidos e Europa
concentravam-se no desenvolvimento aos métodos puramente numéricos, que se
tornaram viáveis com o advento do computador.
E assim, durante a década de 1980, vários pesquisadores norte-
americanos, soviéticos e búlgaros trabalharam conjuntamente, visando
desenvolver técnicas híbridas analítico-numéricas, que conseguissem unir as
características positivas de cada tipo de abordagem do problema.
Como iremos apresentar um resultado parcial da nossa pesquisa, este
texto conterá o que foi melhor desenvolvido na pesquisa até o presente momento.
Com isso, traremos os passos descritos acima até a contribuição de Mikhailov
(1972).
627
séries infinitas de funções onde o produto entre elas é zero (condição de
ortogonalidade). Foi aí que a teoria desenvolvida pelos dois matemáticos franceses
entre 1829 e 1837, Sturm-Liouville, obteve uma grande aplicação.
Desse modo, foi aberto um novo caminho para uma metodologia de
solução analítica mais abrangente, que ficou conhecida como o método da
Transformada Integral. Essa técnica de resolução possui diversas abordagens
desenvolvidas ao longo da história, dentre as mais conhecidas estão a
Transformada de Laplace e de Fourier.
Nesse caminho, Cotta (2012) explica que o Trabalho de N.S. Koshlyakov
(1936) nos forneceu uma primeira ideia ao lidar com equações de difusão não
homogêneas e condições de contorno pelo método das Transformações Integrais
Finitas.
No livro de 1936, intitulado Basic Differential Equations of Mathematical
Physics, do russo, Osnovnye Differentsial’nye Uravneniya Matematicheskoi Fiziki,
N.S. Koshlyakov, estuda uma série de problemas físicos que envolvem EDP.
Com o auxílio do Prof. Renato Cotta, encontramos o exemplar original em
Russo de 1936 e comparamos com a publicação de 1964 intitulada Differential
Equations of Mathematical Physics, escrita por N.S. Koshlyakov, M.M. Smirnov e
E.B. Gliner. Com a análise das duas obras, verificamos que a presença da
Transformada na publicação de 1936 está de forma diluída no texto, durante a
solução de cada problema proposto pelo autor. Já no livro de 1964, vemos um
capítulo inteiro dedicado ao trato da Transformada Integral, de um modo didático e
compreensível. Assim, escolhemos a obra de 1964 para a realização do nosso
estudo.
O objeto de nosso estudo está presente na parte IV desse livro. No primeiro
capítulo dessa seção e XXXI do livro, vemos o título: The use of integral operators
in solving problems in mathematical physics.
No início do item 1 desse capítulo, Koshlyakov define "operador integral" e
explica que esses termos são aplicados aos resultados de uma transformação.
Assim, para Koshlyakov, a transformação da forma:
628
̅ = (𝜸𝟏 , 𝜸𝟐 , 𝜸𝟑 , … , 𝜸𝒎 ; 𝒙𝒎+𝟏 , … , 𝒙𝒏 )
𝒖
𝒖 = ∑𝒖 ̅ 𝜸 (𝒙𝒊 )
̅ (𝜸) 𝑲
𝜸=𝟏
629
DESENVOLVIMENTO DAS TRANSFORMAÇÕES INTEGRAIS DE G.A.
GRINBERG (1948)
630
Após o desenvolvimento de Grinberg (1948), foi a obra intitulada: General
Solution of the Heat Equation in Finite Regions, publicada como artigo em 1972,
por M.D. Mikhailov no International Journal Engineering Sciences, que deu uma
contribuição extremamente significativa para consolidação a técnica.
Segundo Cotta (2012), a concepção da GITT sofreu uma grande influência
das publicações de M.D. Mikhailov, em um período extremamente produtivo. Dentre
essas produções, inclui-se o seu trabalho de 1972.
Mikhailov, no seu trabalho, propõe um núcleo de núcleo de processamento
geral que unificou as várias transformações desenvolvidas até então, obtendo a
solução geral para a equação da difusão linear em regiões finitas.
O objetivo do estudo de Milhailov será solucionar um problema de valor de
contorno, ou seja, resolver a Equação Diferencial Parcial:
𝝏𝑻(𝑴, 𝝉)
𝝋(𝝉)𝒘(𝑴)
𝝏𝝉
= 𝒅𝒊𝒗[(𝑲(𝑴) 𝒈𝒓𝒂𝒅 𝑻(𝑴, 𝝉)]
+ [𝜷(𝝉)𝒘(𝑴) − 𝝆(𝑴)]𝑻(𝑴, 𝝉) + 𝑷(𝑴, 𝝉)
Onde 𝑑𝑖𝑣 é divergente e 𝑔𝑟𝑎𝑑 o gradiente no espaço 𝑀. Com condição
inicial:
𝑻(𝑴, 𝟎) = 𝒇𝟎 (𝑴)
E condição de contorno geral:
𝝏𝑻(𝑵, 𝝉)
𝑨(𝑵) + 𝑩(𝑵)𝑻(𝑵, 𝝉) = 𝒇(𝑵, 𝝉)
𝝏𝒏
Para resolver a equação nas condições dadas, segue a proposta de
Transformada Integral Finita de Mikhailov:
631
ideias da Transformada Integral Finita de Koshlyakov (1936), com um núcleo de
transformada parecido com a sugestão de Grinberg (1948), propõe uma evolução
que será de especial interesse para os pesquisadores de fenômenos difusivos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
COTTA, R. M. The Unified Integral Transforms (UNIT) Algorithm With Total and
Partial Transformation: A Tribute to prof. Mikhail D. Mikhailov. 14th Brazilian
Congress of Thermal Sciences and Engineering, Rio de Janeiro, RJ. 2012.
FOURIER, J.B. (1822) Théorie Analytique de la Chaleur. Firmin Didot Père & Fils,
Paris. Transl. “The analytical theory of heat (unabridged)”. Cosimo, New York. 2007.
632
KOSHLYAKOV, N.S.; SMIRNOV, M.M.; GLINER, E.B. Differential Equations of
Mathematical Physics. Translated by Scripta Techinca, Inc. North-Holand
Publishing Company, New York. 1964.
LUIKOV, A.V. Heat and Mass Transfer. Mir Publishers. Moscow. 1972.
ÖZISIK, M.N.; MIKHAILOV, M.D. Unified Analysis and Solutions of Heat and Mass
Diffusion. John Wiley, New York. 1984.
ÖZISIK, M.N.; MURRAY, R.L. On the solution of linear diffusion problems with
variable boundary condition parameters. Journal of Heat Transfer, 96c:48–51. 1974.
633
634
ANTÊMIO E A ELIPSE:
uma visão histórica sobre um método de construção da elipse
RESUMO
O principal objetivo deste trabalho foi investigar a maneira pela qual Antêmio, um
matemático bizantino, resolveu o problema apresentado a ele de iluminar com luz do sol a
basílica de Santa Sofia durante o ano todo. A importância deste problema é tal que até hoje
é estudado na área de arquitetura. Utilizando a pesquisa documental em fontes primárias
e especialmente secundárias obtivemos a tradução, em inglês, da resposta dada por
Antêmio para o problema e, com o auxílio dos conhecimentos de Geometria, Física,
Geografia e Astronomia, conseguimos compreender a resposta, que se utiliza de espelhos
elípticos. Elaboramos para a solução um passo a passo, feito por meio do aplicativo
GeoGebra, de modo a evidenciar os processos de construção e com isso entendermos
como o conhecimento é interligado, passando pelas ideias dos indivisíveis, lei da reflexão
da luz, incidência dos raios solares durante o ano todo, a posição geográfica da cidade e
mais outras ideias, demonstrando assim a indissociabilidade do conhecimento.
INTRODUÇÃO:
225
Universidade Federal do Triângulo Mineiro. domingos.cezar@gmail.com.
226
Universidade Federal do Triângulo Mineiro. d201610551@uftm.edu.br.
227
Profª Drª Mônica de Cássia Siqueira Martines.
635
busca, nos deparamos com a resolução de Antêmio de Trales (474 E.C. - 534 E.C.)
para o problema de conseguir iluminar a Basílica de Santa Sofia, localizada na
cidade de Constantinopla, com luz solar durante o ano todo. Assim, buscamos
responder a seguinte pergunta: Como Antêmio projetou um espelho na Basílica de
Santa Sofia a fim de permitir a entrada da luz solar durante o ano todo? O objetivo
principal foi compreender a solução de Antêmio e ilustrá-la utilizando o aplicativo
GeoGebra.
A metodologia utilizada foi a análise documental em fontes históricas. Para
isso, utilizamos como referência o trabalho de Heath, A History of Greek
Mathematics, que embora antigo (de acordo com O’Connor e Robertson (2003),
teria sido publicado na década de 1920) nos foi de muita serventia, pois
apresentava uma tradução da solução apresentada por Antêmio. Durante a
pesquisa nos deparamos com a fonte original; entretanto, não fomos capazes de
interpretá-la pois encontra-se escrita em grego antigo. Utilizamos também o
trabalho de O’Connor e Robertson para pesquisar sobre a vida de Antêmio, bem
como outros trabalhos para trazer um pouco de contexto histórico ao nosso
trabalho.
Em seguida, utilizamos o GeoGebra para transcrever o passo-a-passo da
solução geométrica do problema dado, interpretando essa solução. Nos apoiamos,
também, em livros de Geografia, pois o problema está intrinsecamente ligado à
essa área do conhecimento, bem como procurar proposições geométricas que
justificassem os meios utilizados para se desenvolver o problema, bem como
propriedades físicas de reflexão. Por fim, concluímos que Antêmio, utilizando como
ferramentas as proposições geométricas gregas e conhecimentos sobre Geografia,
Física e Astronomia, foi capaz de solucionar um problema que se apresentou de
forma arquitetônica, mostrando assim a indissociabilidade das áreas do
conhecimento.
METODOLOGIA
636
Sobre a pesquisa em História da Matemática, podemos dizer que um dos
mais importantes aspectos é a utilização de documentos. De acordo com Silva e
Silva:
637
Não devemos estranhar a solução de Antêmio por não utilizar diretamente
régua e compasso, embora possa ser efetuada a partir destes. Segundo Roque
(2012), embora haja uma crença de que as únicas ferramentas permitidas pelos
geômetras da Antiguidade seriam régua e compasso, isso não era verdadeiro. Um
argumento muito utilizado para sustentar essa tese é o livro Os Elementos, cujas
construções contidas nele utilizam somente régua e compasso; entretanto, tal livro
parece ser a exceção e não a regra, já que outros autores da mesma época não se
restringiam a tais métodos.
Utilizamos como metodologia a pesquisa documental em fontes históricas.
Citando Phillips apud André e Lüdke (1986, p.38), podemos dizer que documentos
são “quaisquer materiais escritos que possam ser usados como fonte de
informação sobre o comportamento humano”. De acordo com Guba e Lincoln apud
André e Ludke (1986, p. 39), há diversas vantagens em se trabalhar com
documentos. Dentre estas vantagens, podemos citar a possibilidade de revisita-los
quantas vezes forem necessárias e a inalterabilidade de seu conteúdo.
Neste trabalho utilizamos somente fontes secundárias e terciárias, embora
tenhamos encontrado fontes primárias. As razões para essa escolha se deram
tanto pela questão do prazo definido para entrega do trabalho quanto pela
dificuldade dos autores em trabalhar com o idioma da fonte primária, no caso o
grego antigo. A fonte primária foi encontrada no site da biblioteca nacional da
França, que apontava Antêmio como um dos autores. No livro, identificamos sua
construção da elipse.
Como fontes secundárias, utilizamos um artigo do site Mactutor para que
pudéssemos compreender mais sobre a vida de Antêmio e o livro A History of Greek
Mathematics, para que pudéssemos compreender a construção da elipse proposta,
na forma do problema da construção do teto da igreja. Utilizamos também textos
que falassem sobre o contexto em que ele viveu, além de um para que
conseguíssemos assimilar certos conceitos geográficos utilizados na resolução do
problema.
DESENVOLVIMENTO
638
Um Breve Contexto Histórico e Resumo da Vida de Antêmio de Trales
639
O'Connor e Robertson (1999) dizem que Antêmio descreveu um método de
construção para a elipse a partir de uma corda presa em seus dois focos. O
problema que o levou a formular tal construção, de acordo com Heath apud
O'Connor e Robertson (1999), é “conseguir que um raio de sol (admitido através de
um pequeno buraco ou janela) caia em um determinado local, sem se afastar a
qualquer hora e estação do ano.” Iremos, posteriormente, mostrar como Antêmio
foi capaz de resolver tal problema.
640
utilizando somente régua e compasso. Podemos então prosseguir para o estudo
de espelhos.
O estudo de espelhos com a propriedade de concentrar em determinado
ponto os raios luminosos vem desde o século III a.E.C., como exemplo temos
Arquimedes de Siracusa (287 a.E.C. - 212 a.E.C.) que em sua obra perdida
Catoptrica, trabalha as propriedades dos espelhos. Sabemos da existência de tal
obra graças a uma citação feita por Téon de Alexandria (335 E.C. - 395 E.C.)
referenciando tal texto, como explicado por Heath (1921, p. 24-25).
De acordo com Heath (1921, p. 541), Antêmio era um hábil matemático,
tendo escrito o livro Sobre Espelhos Ustórios, que foi notável na história das seções
cônicas. Nele aparece o problema, que consistia em, dado um determinado ponto
por onde a luz do sol deveria passar (os raios de sol eram tratados como retas),
como refleti-la para um segundo ponto de modo que a luz solar fosse constante
neste durante todo o ano.
Segundo Heath (1921, p. 541-542), Antêmio provém a seguinte solução:
Seja 𝐵 a abertura, 𝐴 o ponto em que a reflexão deve sempre
ocorrer, 𝐵𝐴 estando no meridiano e paralelo ao horizonte. Que 𝐵𝐶
forme um ângulo reto com 𝐵𝐴 , de modo que 𝐶𝐵 seja um raio
equinocial; seja 𝐵𝐷 o raio no solstício de verão, 𝐵𝐸 um raio de
inverno.
Tome 𝐹 a uma distância conveniente em 𝐵𝐸 e tome 𝐹𝑄 igual à 𝐹𝐴.
Trace 𝐻𝐹𝐺 através de 𝐹 bissectando o ângulo 𝐴𝐹𝑄 ̂ , e seja 𝐵𝐺 a
linha reta bissectando o ângulo 𝐸𝐵𝐶 ̂ entre os raios de inverno e
equinocial. Então claramente, já que 𝐹𝐺 bissecta o ângulo 𝑄𝐹𝐴 ̂, se
tivermos um espelho plano na posição 𝐻𝐹𝐺 , o raio 𝐵𝐹𝐸 entrando
em 𝐵 será refletido para 𝐴.
Para obter o raio equinocial refletido de maneira semelhante a 𝑨,
tome 𝑮𝑨 com 𝑮 como centro e ̅̅̅̅ 𝑮𝑨 como raio trace um círculo que
intercepta 𝑩𝑪 em 𝑲. Bissectar o ângulo 𝑲𝑮𝑨 ̂ com a linha reta 𝑮𝑳𝑴
que encontra 𝑩𝑲 em 𝑳 e termina em 𝑴, um ponto na bissetriz do
ângulo 𝑪𝑩𝑫̂ . Então 𝑳𝑴 ̂ , e 𝑲𝑳
̅̅̅̅̅ também bissecta o ângulo 𝑲𝑳𝑨 ̅̅̅̅,
̅̅̅̅ ≡ 𝑳𝑨
̅̅̅̅̅. Então se 𝑮𝑳𝑴 é um espelho plano, o raio 𝑩𝑳 será
̅̅̅̅̅ ≡ 𝑴𝑨
e 𝑲𝑴
refletido para 𝑨.
Tomando o ponto 𝑵 em 𝑩𝑫 tal que ̅̅̅̅̅ 𝑴𝑵 ≡ ̅̅̅̅̅
𝑴𝑨, e bissectando o
̂
ângulo 𝑵𝑴𝑨 pela linha reta 𝑴𝑶𝑷 que intercepta 𝑩𝑫 em O,
descobrimos que, se 𝑴𝑶𝑷 é um espelho plano, o raio 𝑩𝑶 é refletido
para A (HEATH, 1921, p. 541-542, [tradução nossa]).
641
Optamos por utilizar a grafia bissectar, já que o texto original de Heath, na
língua inglesa, utiliza o verbo bisect.
Segundo Alves (2009, p. 33) o equinócio ocorre duas vezes ao ano, uma
aproximadamente em 21 de março e a outra em 23 de setembro, sendo a
característica principal do equinócio que a noite e o dia duram cerca de 12 horas,
em todos os lugares da terra, e os raios solares incidem perpendicularmente sobre
a linha do equador.
642
Figura 8: Representação dos raios solares durante o equinócio
643
Figura 10: os raios de sol durante o solstício de verão
644
Figura 12: Os segmentos 𝐻𝐹𝐺 e 𝐵𝐺
6. ̂, se tivermos um espelho
Então claramente, já que 𝐹𝐺 bissecta o ângulo 𝑄𝐹𝐴
plano na posição 𝐻𝐹𝐺 , o raio 𝐵𝐹𝐸 entrando em 𝐵 será refletido para 𝐴.
645
Figura 14: O círculo GA que intercepta 𝐵𝐶 em 𝐾
̂
Figura 15: O segmento 𝐺𝐿𝑀 onde 𝑀 é um ponto na bissetriz de 𝐶𝐵𝐷
646
Figura 16: o espelho em 𝐺𝐿𝑀 refletindo o raio de sol entrando em 𝐵𝐿 para 𝐴
Ao final temos a seguinte imagem e ao seu lado a ilustração feita por Antêmio.
647
Figura 18: a) construção de Antêmio evidenciada por Heath, e b) a construção original no manuscrito
Fonte 13:
a) Heath, 1921, p.542
b) https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b10723815x.r=anthemius?rk=64378;0
648
qualquer ponto fazem ângulos iguais com a tangente do ponto escolhido e também
de uma proposição não encontrada em Apolônio, que o segmento de reta que une
o foco à intersecção de duas tangentes bissecta o ângulo entre os segmentos de
reta que unem o foco aos dois pontos de contato, respectivamente.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
649
ALVES, Sérgio. A Geometria do Globo Terrestre. In: ALVES, Sérgio;
CARVALHO, João Pitombeira de; MILIES, Francisco César Polcino. Programa de
Iniciação Científica OBMEP. Rio de Janeiro: Sbm, 2009. Vol. 6. p. 1-81.
BOS, Henk J. M. . Redefining Geometrical Exactness: Descartes’
transformation of the early modern concept of construction. Nova York:
Springer-Verlag New York, 2001. 472 p.
HEATH, Sir Thomas. A history of Greek Mathematics. [S. L.]: Oxford, 1921.
650
APROXIMAÇÃO DE √𝟑 EM “A MEDIDA DO CÍRCULO”:
possíveis métodos usados por Arquimedes
RESUMO
Este trabalho apresenta reflexões sobre a aproximação de √3 utilizada por Arquimedes na
obra “A medida do círculo”. O objetivo deste tratado é a obtenção da quadratura do círculo
e, em uma etapa intermediária importantíssima, o matemático de Siracusa deduz uma
1
aproximação para a razão entre o perímetro e diâmetro do círculo: o intervalo entre 3 e
7
10
3 71, valores que indicam limites inferior e superior para 𝜋 e são conseguidos após a escolha
de números racionais para expressar uma aproximação de √3. O matemático grego, no
entanto, não descreve os procedimentos realizados para aproximar √3 ou qualquer
justificativa para a escolha desses números, questão que despertou o interesse de diversos
estudiosos da obra arquimediana e, a partir de seus trabalhos, é possível traçar algumas
possibilidades para a obtenção dos resultados utilizados por Arquimedes. Apesar da
incerteza sobre o procedimento específico escolhido pelo matemático grego, podemos
encontrar diversas evidências sobre métodos aritméticos utilizados por matemáticos
contemporâneos no cálculo de raízes quadradas. Entre os métodos aritméticos,
apresentamos três possibilidades distintas, sendo um procedimento relacionado à escola
pitagórica, outro a Herão de Alexandria e outro utilizado pelos babilônios.
228
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP). siboaugusto@gmail.com
229
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP). gustavoluis.costa@hotmail.com
230
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP). hmarins@ifsp.edu.br
651
lhe garantem indicar os limites inferior e superior da razão entre o perímetro e o
1 10
diâmetro de um círculo. O resultado célebre obtido é: 3 <𝜋<3 . Como teria
7 71
652
Fonte: Heath, 1987.
Infelizmente, como ainda diz Cantor (1984), de todos esses escritos aos
quais Eutocius se refere, apenas resta preservado, o comentário de Téon sobre o
Almagesto e, contrariando a sugestão do matemático de Ascalão, a investigação
sobre esse assunto permanece. Acompanhamos Dijksterhuis em sua percepção do
problema, quando diz que:
653
[n]ow the question remains to be discussed how Archimedes
can in general have proceeded for the rational approximation
to square roots, and how in particular he can have found the
two rational limits for √3 which formed the starting points for
the two parts of the calculation. We here touch upon a cluster
of problems which, more than any other point in Greek
mathematics, has given rise to historical investigation and
mathematical reconstruction. The literature on this subject is
so vast that we have to refrain from a complete critical
discussion; we therefore confine ourselves to an exposition of
some solutions of the problem which are particularly
trustworthy because of their close affiliation with genuinely
Greek calculating methods. (DIJKSTERHUIS, 1987, p. 229)
654
que os dois primeiros deste grupo também se valem do método de frações
contínuas.
Com o intuito de apresentar métodos que poderiam ter sido empregados por
matemáticos da mesma época de Arquimedes, nas seções seguintes exploramos
alguns procedimentos matemáticos associados à questão levantada, a saber:
métodos de cálculo aproximado da raiz quadrada na tableta babilônica YBC 7289,
na escola pitagórica e na obra de Heron.
quadrada dessa fração não é um desafio mais simples que o anterior, afinal, 50 não
é um quadrado perfeito; no entanto, conseguimos encontrar um valor próximo de
50 que seja um quadrado perfeito, por exemplo 49.
(50−1)
Tendo isso em mente, podemos calcular a raiz de . Assim, uma
25
7 7
primeira aproximação para √2 é 5 . Há, certamente, um erro ao aproximar √2 por 5
e, se for desejado um valor mais preciso, pode ser buscada outra fração que seja
suficientemente próxima de 2, e cujo numerador e denominador sejam quadrados
17 (288+1)
perfeitos, por exemplo 12, pois é um número racional mais próximo de 2 que
144
49
.
25
655
49
sendo uma razão de quadrados perfeitos, é 16 e, nesse caso, a diferença, em valor
51 49
absoluto, é 17 − 16 = 0,0625.
vez, é um quadrado perfeito, pode ser utilizado o método pitagórico para aproximar
(70227−2) 265
um valor de raiz de 3 extraindo a raiz de , que é 153.
23409
70225 70227 265
Ressaltamos que, como < = 3, então é menor que √3. De
23409 23409 153
39
maneira análoga, podemos partir da fração 13 para encontrar a outra aproximação.
1521 1521
Elevando ao quadrado, obtemos e, multiplicando por 13, resulta em , que
169 507
39
é uma fração equivalente a 13.
1825201 1351
O erro relativo é de cerca de 1%. Assim, √ 608400 = é uma aproximação
780
1825201 1825200
de √3 sendo, nesse caso, por excesso, pois > . Reunindo os dois
608400 608400
265 1351
resultados, temos: 153 < √3 < .
780
656
Qurra, no século IX, tendo havido diversas adaptações e comentários feitos por
Banû Mûsâ, Abu ’l-Rashîd abd al-Hâdî (século XII) e Nasîr al-Dîn al-Tûsî (século
XIII). Especificamente, na versão de al-Hâdî há uma evidência relacionada ao
265
emprego da fração como aproximação da raiz quadrada de 3, que
153
Then let there be a circle, over which ABGK, and its diameter GK,
and its center D, and we draw GE at right angles from the diameter,
and we draw KE until the angle which is over line KG is a third of a
right angle. Then the ratio K E to EG is as the ratio 306 to 153. Then
line KG in power is three times line GE. And like that is the ratio KG
to GE greater than the ratio of 265 because the square of 265 is
70225, and the square of 153 multiplied into three is 70227, and if a
thing is set in ratio to two things, then its ratio to the first is greater,
this Euclid has proved is to 153. But KE is double GE, so the ratio
of KG, KE together to GE is greater than the ratio of 571 to 153.
(KNORR, 1989, p. 557 - grifo nosso)
Knorr indica, como identificamos na figura a seguir, que todo o trecho “70225
... Euclid has proved" (em itálico, na citação acima) foi riscado e que acima dessas
duas linhas desconsideradas encontra-se escrito comentário o que significa que
provavelmente a parte excluída pertencia a um scholium, inserido pelo copista em
um lugar equivocado do texto.
657
Fonte: Knorr, 1989.
658
(𝐴 = √(𝑝(𝑝 − 𝑎)(𝑝 − 𝑏)(𝑝 − 𝑐) ), sendo 𝑝 o semiperímetro do triângulo, fórmula
conhecida exatamente pelo nome deste matemático. Apesar da importância desta
proposição, aqui nos interessa o comentário que é feito por Heron logo após o
referido exemplo, quando se nota a necessidade de calcular o "lado de 720", isto
é, a raiz quadrada de 720:
E então, dado que 720 não tem seu lado como racional, nós
tomaremos o lado com a menor diferença desta maneira. Como um
quadrado perto de 720 é 729 e tem lado 27, dividimos 720 por 27.
Isto dá 26 e dois terços. Some-se a 27. Obtém-se 53 e dois terços.
A metade disso é 26 ½ ⅓. Temos que 26 ½ ⅓ vezes ele mesmo dá
720 ⅟₃₆. Assim, a diferença é ⅟₃₆. Se nós quisermos que a diferença
seja menor que ⅟₃₆, ao invés de 729, nós tomamos o valor
encontrado de 720 ⅟₃₆, e fazendo as mesmas coisas,
encontraremos a diferença sendo muito menor que ⅟₃₆. (HÉRON
D’ALEXANDRIE, 2014, p. 165 - tradução livre)
659
2
1 𝑛 1 𝑛2 1
Isto se verifica, pois, (2 (𝑎0 + 𝑎 )) = (𝑎20 + 2𝑛 + 𝑎2 ), levando a (2 (𝑎0 +
0 4 0
2
2
𝑛 1 𝑛 1
)) − 𝑛 = (𝑎0 − 𝑎 ) < (𝑎20 − 𝑛), como indica Mendell (2016). Então, supondo
𝑎0 4 0 2
𝑛 1 𝑛 2
que a primeira aproximação é tal que 𝑎02 > 𝑛, temos que 𝑎0 > e (𝑎0 − 𝑎 ) <
𝑎0 4 0
1
(𝑎02 − 𝑛).
2
MÉTODO BABILÔNICO
660
Na tableta babilônica YBC7289, vista na figura 2 foi reconhecido o registro
de um valor dado em notação sexagesimal que corresponde, na notação moderna,
a 1,41421. A sugestão de Joseph (1991) é que este valor corresponde a uma
aproximação de √2, obtido pelo seguinte processo:
1) Deseja-se uma aproximação do valor de √𝑥.
2) Se considerarmos 𝑥 = (𝑎 + 𝑐)2 = 𝑎2 + 𝑒, do que se obtém: 2𝑎𝑐 + 𝑐 2 = 𝑒.
Considerando, ainda, que 𝑐 é um acréscimo, implica que 𝑐 2 é muito menor
𝑒
que 2𝑎𝑐, o que permite utilizar a relação 𝑐 = 2𝑎.
A nova aproximação 𝑎𝑖+1 é dada por é dada por 𝑎𝑖 + 𝑐𝑖 e o valor 𝑒𝑖+1 é dado
por 𝑒𝑖+1 = 𝑥 − 𝑎𝑖2 .
Valor
Etapa aproximado Erro Acréscimo Novo valor aproximado
atual
𝑒𝑖
i 𝑎𝑖 𝑒𝑖 = 𝑥 − 𝑎𝑖−1 2 ci = a 𝑖+1 = 𝑎𝑖 + 𝑐𝑖
2𝑎𝑖
661
1 3
0 1 1 = 1,5
2 2
3 3 1 7
1 = 1,75
2 4 2 4
7 1 1 97
2 − − ≅ 1,7321
4 16 56 56
97 1 1 18817
3 − − ≅ 1,73205
56 3136 10864 10864
18817 1 1 708158977
4 − − ≅ 1,732050807568877295
10864 118026496 408855776 408855776
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
662
HÉRON D’ALEXANDRIE. Metrica: Introduction, texte critique, traduction française
et notes de commentaire. ACERBI, Fabio VITRAC, Bernard (eds.). Roma: Fabrizio
Serra Editore, 2014.
NETZ, Reviel. Ludic Proof. Greek Mathematics and the Alexandrian Aesthetic.
Cambridge: Cambridge University Press, 2009.
663
AS TRANSFORMAÇÕES DA GEOMETRIA DESCRITIVA:
do coupe de las pierres à disciplina principal no ensino superior e técnico
RESUMO
O presente artigo é parte da pesquisa desenvolvida para uma tese de doutorado que busca
o processo de ascensão, transformação e queda da Geometria Descritiva como disciplina.
A Geometria Descritiva nasce como disciplina com Gaspard Monge, justamente no
movimento de organização do ensino após a Revolução Francesa. São consideradas três
dimensões como norteadoras do estudo: o entendimento conceitual da disciplina, as
mudanças sofridas no seu processo de ensino e o processo de disciplinarização no Brasil.
A pesquisa dessa disciplinarização se faz segundo os métodos da história social da
matemática. Com isso, o objetivo deste artigo é apresentar os resultados parciais de como
se deu o processo de elementarização do ensino de Geometria Descritiva na França e o
seu desenvolvimento, como disciplina, no Brasil. Observa-se que a concepção da
Geometria Descritiva praticada por Monge em suas Lições vai sofrendo mudanças, seja na
utilização dos problemas inaugurais, rigor e generalidade, seja na ordem de simplicidade
das ideias. No Brasil, com a chegada da Corte Portuguesa, foram criadas instituições de
ensino superior, e a primeira delas foi a Academia Real Militar. O Decreto Real de criação
também estipulou os livros a serem usados e, dentre eles, o livro Géométrie descriptive,
de Gaspard Monge. Apesar disso, os estudos apontam que teria sido o livro de Lacroix o
mais utilizado no Brasil no século XIX.
INTRODUÇÃO
231
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)/Instituto Federal Fluminense (IFF). anamary@iff.edu.br.
232
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). gert.schubring@limc.ufrj.br.
664
Graduação em Ensino de Matemática (PEMAT) na Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). A presente pesquisa busca o processo de ascensão,
transformação e queda da Geometria Descritiva, levando em consideração três
dimensões: o entendimento conceitual da disciplina, as mudanças sofridas no seu
processo de ensino e o processo de disciplinarização no Brasil. A pesquisa dessa
disciplinarização se faz segundo os métodos da história social da matemática.
Após a Revolução Francesa, há um movimento de organização de um
sistema de ensino público, com destaque para as escolas para engenheiros civis e
militares, para professores e trabalhadores. Gaspard Monge (1746 – 1818) esteve
envolvido no projeto de criação dessas escolas e propôs o ensino do que chamou
“Geometria Descritiva”. Embora seu surgimento como disciplina esteja associado
com a École Polytechnique e com a instrução de engenheiros, Barbin (2019a, p. 4)
afirma que o método das projeções já vinha sendo desenvolvido na École royale du
génie de Mézières, desde 1764, sem essa denominação. O termo “Geometria
Descritiva” foi usado pela primeira vez em um texto de 1793 e foi publicamente
conhecido em 1794, quando aparece no projeto da École normale de l’an III
(BARBIN, 2019a, p. 4).
Em cerca de 1760, o fundador da École royale du génie de Mézières,
Nicolas de Chastillon, considerou que o ensino de estereotomia tinha que ser
tomado como base para todos os outros ensinos que requeriam visão espacial,
como era o caso de projetos de fortificações. Isso consistia em representar um
sólido por duas projeções em dois planos perpendiculares. Monge, quando foi
professor de matemática, de desenho e estereotomia nesta escola, desde 1764,
sistematizou esse conceito para unificar e generalizar práticas de representações
inventadas pelos artesãos, arquitetos e engenheiros. Em um artigo de 1785,
introduziu a ideia de projeção para seus estudantes, por meio de sombras,
explicando que se devem construir projeções em dois planos perpendiculares, um
horizontal e o outro vertical (BARBIN, 2019a, p. 4).
Com isso, torna-se necessário investigar a originalidade no
desenvolvimento dos métodos geométricos de resolução dos problemas de
estereotomia e a história dos modos de representação do espaço. Essa
665
investigação remonta-se ao principal texto de Girard Desargues (1591 – 1661), o
Brouillon Project d’une atteinte aux evenements des rencontres du Cône avec un
Plan. Esse texto continha muitos termos novos e, com isso, foi mal compreendido
e quase ignorado por seus contemporâneos, inclusive por René Descartes e Pierre
de Fermat, os dois maiores matemáticos da época (SAKAROVITCH, 2010, p. 121-
122). Contudo, Blaise Pascal (1623 – 1662) o entende e se inspira em suas ideias,
bem como o professor da Academia de Arquitetura e amigo de Desargues Philippe
de La Hire (1640 – 1718), que também adota o ponto de vista arguesiano em seu
tratado sobre as cônicas de 1673, baseado nos projetos projetivos de Desargues e
Pascal. Mas, ao longo do século XVIII, esse ponto de vista é ofuscado pela
geometria analítica fundada por Descartes, e as obras de Desargues, muito pouco
difundidas na origem, caem no esquecimento quase total, afirma Sakarovitch (2010,
p. 122). Contudo, é com interesse renovado em geometria e nos ensinamentos
praticados por Gaspard Monge na École Polytechnique que os matemáticos do
século XIX redescobrem as obras de Desargues.
Este artigo, portanto, apresenta o desenvolvimento dessa pesquisa e, para
isso, está organizado em três seções, além das considerações finais: o
entendimento conceitual da Geometria Descritiva, as mudanças sofridas no seu
processo de ensino e o processo de disciplinarização no Brasil.
666
em 1562; e Philibert de l’Orme, publicado em 1567, dentre outros, cujas
características são destacadas no Quadro 1.
667
As projeções duplas para representação de capitéis de colunas, presentes
nos tratados de Philibert de l’Orme e de Alberti, não são coincidência, mas sim fruto
da necessidade de representação por serem superfícies mais complexas na
construção das colunas (Fig. 1).
O final do século XVI até o século XVIII foi marcado pela expansão das
construções na Europa tornando assim o trabalho do arquiteto ainda mais preciso.
Nesse momento, o projeto arquitetônico passa a ser afetado pelo uso mais
sistemático da geometria, uma vez que a trilogia planta-seção-elevação não é
suficiente para dar as medidas reais de ângulos e distâncias. Com isso, o rigor e a
precisão da arquitetura clássica são refletidos no uso de modos de representação
do espaço como forma de obter a definição completa dos objetos (SAKAROVITCH,
1998, p. 81, 83).
O rigor geométrico dos desenhos arquitetônicos dos séculos XVII e XVIII
se reflete pelo uso das sombras - complemento essencial à representação
668
geométrica nos tratados de arquitetura do período. No século XVII, o desenho das
sombras é objeto do livro Traité des pratiques géométrales et perspectives de
Abraham Bosse, publicado em 1665. Cabe ressaltar que Bosse foi entalhador,
desenhista e pintor e, por trabalhar em relevo, essa representação geométrica foi
muito usada, justamente por seu entendimento da necessidade de encontrar as
formas e situações dos vários sólidos (SAKAROVITCH, 1998, p. 83). Como um dos
raros defensores de Girard Desargues e seus métodos do corte de pedras, o tratado
de Bosse torna conhecido o método arguesiano, expondo-o de forma mais clara e
com ajuda de figuras explicativas. Isso ocorre porque a construção gráfica proposta
no livreto de corte de pedra de Desargues, publicado em 1640, é simples, mas
confusa.
Os métodos de Girard Desargues trazem a originalidade da ideia de que é
possível “sair do plano” para resolver um problema de geometria plana por meio de
uma representação em perspectiva. Algumas operações são semelhantes à
mudança de plano na Geometria Descritiva (SAKAROVITCH, 2010, p. 122).
O desenho das sombras vai ser objeto do tratado publicado em 1763, por
Nicolas de Chastillon - fundador da École royale du génie de Mézières. Esse tratado
foi escrito, para os estudantes de engenharia da referida escola, um ano antes de
Monge chegar a ela. Segundo Sakarovitch (1998, p. 89), o tratado de Chastillon
traz uma série de problemas relativos ao desenho de sombras e seus métodos de
desenho das figuras se aproximam de um curso de Geometria Descritiva.
FIGURA 2: Lequeu: ombre propre d’um chapiteau toscan. Architecture civile, 1782
669
Fonte: Sakarovitch, 1998, p. 94.
O traçado das sombras nos desenhos de arquitetura também aparece nas
placas dos manuscritos de Jean-Jacques Lequeu (Fig. 2), datadas entre 1782 e
1789. Sakarovitch (1998, p. 89) aponta que os desenhos de Lequeu não são
acompanhados por curso explicativo ou teorização, mas eles provam o passo a
passo dos problemas de construção de curvas e suas sombras, com alto grau de
abstração e domínio notável dos traçados.
As pranchas de desenho eram técnicas inaplicáveis até os séculos XVI e
XVII e, portanto, fatores como organização do local da obra, tamanho, produção do
edifício ou o próprio status social do arquiteto podem levá-lo a adotar os métodos e
aperfeiçoamentos gráficos. Segundo Sakarovitch (1998, p. 91), a falta de gráficos
exigia uma presença contínua no local de obra. Assim, talvez essa exigência dos
desenhos seja um desejo de supervisionar vários locais diferentes
simultaneamente, ou seja, um desejo de se libertar dos canteiros de obras.
670
Há, assim, uma segregação de funções - que começou lentamente a partir
do século XIII, entre o arquiteto e o mestre pedreiro -, na qual a arte se divide na
invenção e execução (SAKAROVITCH, 1998, p. 93). Perspectivas e modelos
acompanham o projeto, pois permite responder "o desejo de quem gosta de ver e
compreender todas as coisas que serão desenhadas”, assim como o desenho das
sombras facilita a leitura dos volumes. É, portanto, a extensão lógica da
representação em dupla projeção.
671
O espírito das lições dadas por Monge na École Normale foi diferente
porque: foi voltado para futuros professores; as aulas eram em um anfiteatro para
cerca de 1400 estudantes, com nível mais ou menos avançado em matemática; o
ensino tinha que estar reduzido a um período de quatro meses, por conta do
contexto histórico; o ensino não tinha de ser lido de um texto já pronto, mas
improvisado, de modo que as Lições fossem apresentadas como uma invenção e;
o ensino tinha que ser “elementar”. Barbin (2019a, p. 7) ressalta que havia dois
tipos de sessões: a lição nas ciências e as discussões – com questões dos alunos,
sendo este último um aspecto inovador.
A concepção da elementarização do ensino se inspira nas concepções do
Iluminismo, no que se refere a tornar as ciências ensináveis e a difundir o saber na
sociedade (SCHUBRING, 2014, p. 41).
Para Monge, a Geometria Descritiva tem dois objetivos: representar, com
exatidão, objetos tridimensionais em desenhos com duas dimensões apenas; e
deduzir da exata descrição de todos os corpos que necessariamente seguem de
suas formas e respectivas posições. Do ponto de vista de Monge, a Geometria
Descritiva nasce da necessidade de uma linguagem para conceber projetos - tanto
para aqueles que supervisionam quanto para os próprios artesãos que executam
as diferentes partes -, mas também serve de instrumento na construção da
verdade, oferecendo passagem do conhecido para o desconhecido. Essa
concepção vai trazer também uma tensão entre matemática teórica e prática
(BARBIN, 2019a, p. 7).
A leitura das Lições de Monge indica que a Geometria Descritiva requer
novidades, no que diz respeito aos elementos comuns da geometria, em ao menos
dois pontos: na prioridade dada aos objetos do espaço pelo “método das projeções”
e na introdução do movimento na geometria. O primeiro ponto trata imediatamente
da geometria espacial e o segundo corresponde ao novo modo de associar
geometria e análise. Em toda parte, Monge seguiu uma “ordem de invenção” que
oferece importante regra para a resolução de problemas no ensino (BARBIN,
2019a).
672
Em 1798, Monge deixa a França por Roma e depois pelo Egito. Seus
sucessores, Sylvestre-François Lacroix e Jean-Nicolas Pierre Hachette, foram
“assistentes” de Monge para as Lições na École normale. Sylvestre-François
Lacroix e Jean-Nicolas Pierre Hachette publicaram seus próprios livros-texto sobre
a nova área: Lacroix já em 1795 e Hachette duas obras, uma em 1817 e outra em
1822. Os dois autores tinham experiências distintas e objetivos distintos, o que os
levou a implementações distintas no processo educacional (BARBIN, 2015, p. 45).
A elementarização de Lacroix e Hachette é diferente em relação às duas
concepções essenciais de Monge: Lacroix mantém uma ordem de simplicidade das
figuras e Hachette segue Monge na decomposição de ideias. Mas uma
característica mais importante opõe Monge e seus alunos a seus antecessores: é
o papel dado aos problemas. Eles adotaram uma "ordem de invenção". Em
particular, deve-se observar a presença de um problema inaugural para motivar o
método de projeção. A ordem dos problemas não é a mesma. A intenção da
generalidade guiou a de Monge, enquanto a simplicidade organizou a de Lacroix,
e Hachette isolou problemas simples, dos quais os outros podem ser decompostos.
O ensino de Geometria Descritiva diminuiu rapidamente na École
Polytechnique, mas apareceu no programa de entrada para esta escola em 1813.
Desde a sua criação, existia um exame para entrar na École Polytechnique, que
tinha mais e mais candidatos ao longo dos anos. A introdução da Geometria
Descritiva no programa de entrada levou à publicação de muitos livros
explicitamente dedicados aos candidatos à École Polytechnique, mas também para
as outras escolas do governo (BARBIN, 2019b, p. 20-21).
Esses pequenos livros-texto dedicados à Geometria Descritiva e os livros-
texto de geometria contendo as noções descritivas retomam o projeto de Monge de
introduzir uma nova geometria no ensino secundário. A Geometria Descritiva se
tornou uma parte do ensino secundário nas matrizes das “matemáticas
elementares” dos cursos intermediários preparatórios, em 1865 (BARBIN, 2015, p.
70).
A Geometria Descritiva foi ensinada na matemática elementar até a década
de 1960. Entre 1902 e 1962, o ensino de Geometria Descritiva e Geometria tornou-
673
se mais próximo a cada reforma. Em 1962, a Geometria Descritiva tornou-se
apenas uma parte do programa de geometria no último ano dos Lycées, do qual
desapareceu em 1966. A Geometria Descritiva permaneceu como uma matéria
para o ensino em níveis preparatórios, até que desapareceu do exame de admissão
às “Grandes Écoles” e escolas de engenheiros em 1970 (BARBIN, 2019b, p. 36).
674
Embora o livro-texto de Monge tenha sido o prescrito no Decreto Real,
traduzido e republicado pelo próprio professor, o livro-texto utilizado foi o de Lacroix,
Essais de géométrie sur les plans et les surfaces courbes (1795). A partir de análise
de documentos, Schubring, Mendes e Oliveira (2019, p. 381) apresentam
evidências que o livro do Lacroix tenha sido o livro-texto oficial da disciplina de
Geometria Descritiva por um período extenso no seu ensino e não só no período
de Vitorino (Fig. 3).
675
1842, foi eliminada do currículo, tendo retornado em 1845, novamente no segundo
ano, e denominada Geometria Descritiva, e suas aplicações à Estereometria, e à
Perspectiva. No currículo da Escola Central de 1858, a disciplina aparece como
Geometria Descritiva, permanecendo no segundo ano (SCHUBRING; MENDES;
OLIVEIRA, 2019, p. 383).
Embora o ensino superior em matemática estivesse concentrado na capital
do Rio de Janeiro desde 1810, em 1876, foi aberta a primeira escola com cursos
de matemática superior – a Escola de Minas, em Ouro Preto, no estado federal de
Minas Gerais. No ano seguinte, 1877, devido à preparação insuficiente dos alunos
pelas escolas secundárias, principalmente em matemática, foi introduzido um
Curso Preparatório que incluía Geometria Descritiva, uma vez que ela era exigida
nos exames para admissão na escola (SCHUBRING; MENDES; OLIVEIRA, 2019,
p. 386). Há evidências do ensino de Geometria Descritiva em escolas secundárias
desde 1894, ainda que o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, tivesse introduzido
essa disciplina apenas em 1895. Como principal escola de ensino médio no Brasil,
sabe-se que o currículo do Colégio Pedro II deveria ser aplicado por todos os outros
colégios a serem reconhecidos pelo governo (SCHUBRING; MENDES; OLIVEIRA,
2019, p. 388-389).
A busca pelo processo de elementarização do ensino Geometria Descritiva
e o seu desenvolvimento no Brasil suscita questionamentos sobre como era o
ensino dessa disciplina no Brasil. Nessa perspectiva, é válido refletir sobre o início
do uso do quadro-negro no país.
A pesquisa revela que em 1823, por decreto de 1.º de março, foi criada no
Rio de Janeiro uma escola que deveria trabalhar segundo o método Lancaster, ou
seja, do ensino mútuo. Conforme esse método, baseado na obra de Joseph
Lancaster (sistema monitorial, 1798), visando a ampliar o acesso à educação,
haveria apenas um professor por escola e, para grupo de dez alunos (decúria), um
aluno com mais aptidão (decurião) transmitiria aos demais os conhecimentos
recebidos pelo professor. O ensino mútuo/monitorial inaugura uma arquitetura do
espaço escolar, em que mobiliário e material passam a ser dispositivos
fundamentais para o sucesso do método. Os quadros-negros são sistematicamente
676
utilizados, especialmente, para o desenho linear e para a aritmética. Para escrever,
os estudantes fazem uso de tabuinha com areia, onde escreviam com o dedo.
Pequenas lousas em pedra ou tábuas de mármores também foram usadas como
superfícies próprias à escrita. Para ler, os alunos se agrupam em semicírculo na
frente de grandes lousas ou “quadros”, pendurados nas paredes.
Embora o uso do quadro-negro tivesse sido estabelecido pelo Decreto do
início do século XIX, constata-se que é só no final do século que o objeto se instala
nas escolas e começa a ocupar espaço central na sala de aula, período em que
paulatinamente consolidam-se os sistemas públicos de instrução elementar e,
paralelamente, crescem as exigências de um mínimo de mobiliário e material
escolar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o objetivo de apresentar como se deu o processo de elementarização
do ensino de Geometria Descritiva na França e o seu processo de disciplinarização
no Brasil, foi feita uma análise do surgimento da Geometria Descritiva como objeto
de ensino, além da sua disseminação. A disciplina ora era vista como objeto em si
ou como parte da geometria clássica.
O propósito das lições de Monge era unir a Geometria Descritiva e a
análise, trazendo a obviedade, o rigor e a generalidade, a partir da representação
de objetos tridimensionais em desenhos em duas dimensões e pesquisando a
verdade na geometria. Suas lições eram iniciadas a partir de problemas inaugurais
e, talvez, sob grande influência de Condillac e d’Alembert. A ordem de simplicidade
na apresentação das ideias de Monge não era a mesma da geometria, pois ele
partia do geral para o particular. Observa-se que esse processo não se dá da
mesma forma no período de disseminação da Geometria Descritiva. Esta
corresponde aos novos processos de elementarização em relação ao manual de
textos de Monge. Os autores em seus textos, num momento, voltam-se para
iniciantes e, em outro, para quem já possui familiaridade. Eles também propõem o
estudo a partir de problemas inaugurais, mas, para outros, os problemas
praticamente desaparecem.
677
O ensino da Geometria Descritiva no Brasil tem predominância de
abordagens a partir de livros didáticos franceses. No período entre 1812 e 1843, os
livros franceses característicos foram os de Lacroix e Hachette (1822) que,
diferentemente de Monge, trazem as noções preliminares estendidas, de modo que
mais e mais considerações são introduzidas para ajudar os alunos na resolução
dos problemas. Contudo, autores como Louis Leger Vallée e Joseph Adhémar
tiveram bastante influência nos programas brasileiros desde 1823, uma vez que
estes apresentavam características semelhantes, propondo decomposição
completa das projeções de pontos, retas e planos. Um padrão característico
observado foi o estudo dos objetos da Geometria Descritiva por meio de casos
particulares (SCHUBRING; MENDES; OLIVEIRA, 2019, p. 396).
A busca pelo primeiro livro de Geometria Descritiva publicado no Brasil por
Pedro de Alcântara Niemeyer Bellegarde é um passo na descoberta do
desenvolvimento da disciplina na escola de architetos e medidores, onde hoje
funciona o Liceu Nilo Peçanha em Niterói. Na busca do processo de
contextualização da publicação do referido livro, chega-se à interessante biografia
de João Bellegarde, cujo nascimento, em 13 de dezembro de 1807, ocorrera na
nau que transportava a Rainha D. Maria I, o Príncipe Regente D. João e o Príncipe
da Beira (D. Pedro de Alcântara) ao Brasil. O menino tinha por genitores Dona Maria
Antônia de Niemeyer Bellegarde e o Capitão da Brigada Real da Marinha - Cândido
Norberto Jorge de Bellegarde (1781-1810). O Príncipe Regente D. João indica o
filho D. Pedro – com apenas 10 anos de idade - para padrinho do bebê, que recebe
a honraria de ser chamado pelos dois primeiros nomes do futuro imperador: Pedro
de Alcântara (LOS RIOS FILHO, 1964, p. 194-195).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBIN, Évelyne. Descriptive Geometry in France: History of élémentation of a
method (1795 – 1865). The International Journal for the History of Mathematics
Education. Vol. 10, N. 2, 2015, p. 39-77.
BARBIN, Évelyne. Monge’s Descriptive Geometry: his Lessons and the Teaching
Given by Lacroix and Hachette. In: BARBIN, Évelyne; MENGHINI, Marta;
VOLKERT, Klaus. Descriptive geometry, the spread of a polytechnic art: the legacy
of Gaspard Monge. Cham: Springer, 2019a, p. 3-18.
678
BARBIN, Évelyne. Descriptive Geometry in France: circulation, transformation,
recognition (1795-1905). In: BARBIN, Évelyne; MENGHINI, Marta; VOLKERT,
Klaus. Descriptive geometry, the spread of a polytechnic art: the legacy of Gaspard
Monge. Cham: Springer, 2019b, p. 19-38.
679
O SISTEMA DE MEDIDAS EM UM ANTIGO TRATADO ISLÂMICO
MEDIEVAL
RESUMO
Este artigo é um estudo de um trecho da terceira parte do Tratado da Circunferência (al-
Risāla al-Muhītīyya) concluído em 1424, escrito pelo astrônomo e matemático islâmico
Ghiyāth al-Dīn Jamshīd ibn Mas'ūd ibn Mahmūd al-Tabı̄ b al-Kāshī (1380-1429). Nossa
principal fonte de pesquisa é a tradução do árabe para o russo Rosenfeld e Youschkevitch
(1954). O objetivo de al-Kāshī era obter uma melhor aproximação para a circunferência de
um círculo, comparada com as obtidas por seus predecessores - Arquimedes (287-212),
Abu’l-Wafā Būzjānī (940-998) e Abu Rayhān al-Bīrūnī (973-1048) - de tal maneira que, para
a medição da circunferência seiscentas mil vezes maior que a circunferência da Terra, a
precisão fosse menor que a largura de um fio de cabelo de cavalo. Assim, neste artigo,
apresentamos quem foi al-Kāshī, descrevemos o contexto da elaboração do seu Tratado
da Circunferência e apresentamos nosso estudo sobre as unidades de medida envolvidas
na aproximação para a circunferência do círculo obtida por al-Kāshī. Considerando que a
análise do Tratado da Circunferência faz parte de nossos estudos doutorais, os resultados
deste trabalho poderão sofrer modificações.
INTRODUÇÃO
Este artigo, faz parte dos nossos estudos doutorais sobre o Tratado da
Circunferência de al-Kāshī. Tratamos de um trecho específico da terceira parte do
tratado que muito nos chamou atenção devido às unidades de medida tão
233
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN).
kaline.andrade@ifrn.edu.br
680
diferentes das que usamos atualmente, que são: farsang, cúbito, dedo, grão de
cevada e fio de cabelo de cavalo. Vamos entender suas origens, a relação entre
elas e o seu papel no objetivo de al-Kāshī no Tratado da Circunferência. Este artigo
foi dividido em quatro partes: Introdução, Contexto de elaboração do Tratado da
Circunferência, O Tratado da Circunferência e o seu sistema de medidas e
Conclusão.
681
da Transoxiana, mas também era astrônomo e matemático, gostava de arte,
música e era mulçumano devoto e estudioso do Corão.
De acordo com Dold-Samplonius (1992, p.194), o primeiro marco da vida
científica de al-Kāshī que podemos datar com precisão, foi no dia 02 de junho de
1406 em Kashān quando ele observou um eclipse lunar, ele também escreveu
diversos trabalhos antes de finalmente ir para Samarcanda em 1421 (figura 1), a
convite do governante Ulugh Beg para trabalhar na sua madrassa (figura 2), um
centro de estudos astronômicos e religiosos.
682
Fonte: https://www.nhc.no/en/uzbekistan/. Acesso em 12 de outubro de 2020.
683
sexagesimais, operações com sexagesimais, números decimais e também faz
referência ao Almagesto de Ptolomeu.
Pelo fato de estar escrito em árabe, a nossa fonte primária é a tradução
russa Rosenfeld e Youschkevitch (1954) baseado no manuscrito de Istambul que
está no Museu do Exército de Istambul sob o nº 756.
Para calcular a sua aproximação, al-Kāshī utilizou um método semelhante
ao usado por Arquimedes, Heath (1897), calculando os perímetros dos polígonos
regulares inscrito e circunscrito semelhantes a um círculo com 3 𝑥 228 =
805 306 368 lados e depois fez a média aritmética. O mais impressionante é que
ele estabelece antecipadamente a margem de erro relativa ao valor exato e que
essa margem seja tão menor quanto menor for o comprimento da circunferência.
Assim, al-Kāshī calcula a mais precisa aproximação da relação entre o
comprimento da circunferência e o seu diâmetro desde os gregos, até o século XVII,
com uma precisão de dezesseis casas decimais ou nove casas sexagesimais.
684
este seja ainda menor.234 (ROSENFELD & YOUSCHKEVITCH, 1954,
p.329, tradução nossa)
234
мы хотим так определить окружность круга в частях, в которых выражен диаметр, чтобы
мы были уверены, что в круге, диаметр которого равен шестистам тысячам диаметров земли,
разница между ней [полученной величиной окружности] и истинной была не больше волоса,
т.е. одной шестой ширины среднего ячменного зерна, так что разность для круга, меньшего
чем этот, была бы меньше.
235AI-Kāshī phrases his requirement for accuracy by stating that he wants the value to be so accurate
that, when it is used to calculate the circumference of the universe according to the ancient
dimensions, the result would not differ from the true value by more than the width of a horse's hair.
685
Rosenfeld e Youschkevitch (1954, p.332).
686
medidas dos graus, minutos, segundos, etc., da circunferência 600 mil vezes maior
que a circunferência da Terra. Mas antes disso, vamos falar um pouco sobre o
sistema de numeração sexagesimal.
O sistema de numeração sexagesimal era conhecido como a numeração
dos astrônomos, herança dos antigos babilônios que exerceu grande influência por
muito tempo, provavelmente foi adotada por interesse de se fazer medições, pois
uma grandeza de sessenta unidades pode ser dividida em: metade, terço, quarto,
quinto, sexto, décimo, décima segunda parte, décima quinta parte, vigésima,
trigésima. Segundo Boyer (1974, p.121), no tratado astronômico de Ptolomeu (séc.
I) conhecido com Almagesto (do árabe, “o maior”), uma das obras mais influentes
da astronomia, seu autor associa valores numéricos às cordas através de regras
para subdividir a circunferência e para subdividir o diâmetro e esta regra consiste
em subdividir a circunferência em 360 partes ou graus, algo que já era praticado na
Grécia, possivelmente por influência dos signos do zodíaco. Um ciclo de quatro
estações, aproximadamente 360 dias, cada signo cobrindo um período de 30 dias.
Assim, pela facilidade do uso desse sistema Ptolomeu subdividiu a circunferência
de 360 graus em minutos (minutae primae), segundos (minutae secundae), etc.,
obtendo assim suas frações. Também considerou a circunferência de raio 60
unidades.
Para al-Kāshī, um estudioso de seu tempo só poderia ser considerado
astrônomo se dominasse o Almagesto de Ptolomeu, ele faz referência a esta obra
na décima parte do Tratado da Circunferência e utiliza o sistema sexagesimal em
todos os seus cálculos. Como mostramos agora (figura 3), esta contém as medidas
dos comprimentos dos arcos correspondentes ao grau, minuto, segundo, etc., da
circunferência 600 mil vezes maior que a circunferência da Terra no sistema
sexagesimal. Assim, primeiro ele obtém o equivalente a um grau dessa
circunferência dividindo 600 mil vezes a circunferência da Terra por 360, sendo o
2
comprimento desse arco igual 1666 3 da circunferência da Terra. Para um minuto,
3
ele divide esse resultado por 60, obtendo o valor de 27 4 da circunferência da Terra.
687
QUADRO 1: Tabela correspondente a tabela de al-Kāshī da terceira parte do Tratado da
Circunferência.
FRAÇÕES PARA A CIRCUNFERÊNCIA 600 MIL VEZES
SEXAGESIMAIS MAIOR QUE A CIRCUNFERÊNCIA DA TERRA
(C)
GRAU 600000 600000 1 2
1 1° = ( )𝐶 = ( . ) 𝐶 = 1666 𝐶
( 0) 360 6 60 3
60
MINUTO 1 600000 1 600000 1 3
1 1′ = ( . )𝐶 = ( . 2 ) 𝐶 = 27 𝐶
( ) 60 6 60 6 60 4
60
SEGUNDO 1 600000 1 600000 1
1 1′′ = ( . 2) 𝐶 = ( . 3) 𝐶 =
( 2) 60 6 60 6 60
60 600000 1
( . 3 ) . 8000 ≅ 3704 farsangs
6 60
TERÇO 600000 1
1 1′′′ = ( . 4 ) . 8000 ≅ 62 farsangs
( 3) 6 60
60
QUARTO 600000 1
Fonte: 1 1𝑖𝑣 = ( . 5 ) . 8000 ≅ 1,03 farsangs Acervo
( 4) 6 60
da 60 (Verificamos que não é 1 farsang e três décimos como autora.
afirma al-Kāshī, mas três centésimos)
QUINTO 600000 1
1 1𝑣 = ( . 6 ) . 8000 ≅ 206 cúbitos
( 5) 6 60
60
SEXTO 600000 1
1𝑣𝑖 = ( . ) . 8000 .12000 ≅ 3 e 1/3 de cúbito
1 6 607
( 6)
60
SÉTIMO 600000 1
1𝑣𝑖𝑖 = ( . ) . 8000 . 12000 . 24 ≅ 1 e 1/3 de
1 6 608
( 7) dedo
60
Ou
600000 1
1𝑣𝑖𝑖 = ( . 8) . 8000 . 12000 . 24. 6 . 6 ≅ 48
6 60
cabelos de crina de cavalo (na verdade 49,38272)
OITAVO 600000 1
1 1𝑣𝑖𝑖𝑖 = ( . 9 ) . 8000 . 12000 . 24. 6 . 6 =
( 8) 6 60
60 1
(100000 . 8000 . 12000 . 24 . 6 . 6 ). 9 ≅
60
4
de cabelo de crina de cavalo = 0,0823045267489712
5
688
al-Kāshī não traz nenhuma informação sobre a origem dessas unidades nem
porque considera a circunferência da Terra igual a 8000 farsangs.
Segundo Houtum-Schindler (1888), o cúbito era a unidade de todas as
medidas de comprimento na Ásia e passou a ser também da Pérsia; o cúbito persa
era o mesmo que o cúbito babilônico, possivelmente adotado no período pré-
histórico, teve diversas variações assim como o farsang. As primeiras menções ao
cúbito remontam a 2600 A.C., em escavações das ruínas da Antiga Babilônia. O
cúbito na Pérsia era chamado de gez que significa “a régua de medição”; em árabe
é dharâ’ e representa “o braço, do cotovelo até a ponta do dedo médio”, também
conhecido como cúbito real de Heródoto; o termo dhar’ em árabe significava
7
“medindo com um cúbito”. Havia dois tipos de cúbito, o real e o comum que era 8
do cúbito real.
O farsang é parasang em árabe, uma antiga unidade de medida persa para
rotas usada em todo o antigo Oriente Médio e Mediterrâneo, algumas de suas
definições são a distância que um pedestre robusto pode percorrer em uma hora;
outra, é o caminho percorrido por um cavalo em uma hora que equivale à metade
percorrida por um homem. Segundo Doursther,
689
Em Houtum-Schindler (1888) também temos a medição de um grau
2
terrestre em relação ao equador igual a 25 farsangs para Ptolomeu e, 22 9 farsangs
8 2
e 18 9, para outros estudiosos. Certamente al-Kāshī adotou 22 9 farsangs para um
2
grau terrestre, pois 22 9 𝑥 360 = 8000 𝑓𝑎𝑟𝑠𝑎𝑛𝑔𝑠, ele faz alusão a este valor na
600000 1
𝑥8000𝑥 9 𝑥12000𝑥24𝑥36 = 0,823045267 …
360 60
Em todo caso, este cálculo é menor que 1 𝑓𝑖𝑜 𝑑𝑒 𝑐𝑎𝑏𝑒𝑙𝑜 𝑑𝑒 𝑐𝑎𝑣𝑎𝑙𝑜. Assim,
conclui al-Kāshī:
237CRIN DE CHEVAL, Poil de chameau. Ancienne mesure linéaire des Arabes. Le crin de cheval
ou lo poil de chameau, 36º parte du doigt ou assbaa, = 0,556 millimètre.
690
Portanto, para que al-Kāshī consiga atingir a precisão desejada, a diferença
entre o valor calculado da circunferência 600 mil vezes a circunferência da Terra e
o valor real, que é menor que a largura de um cabelo de cavalo, a diferença entre
1
eles não deve atingir uma oitava (608 ) da circunferência 600 mil vezes da
circunferência da Terra.
Considerando um farsang aproximadamente igual a seis quilômetros,
Youschkevitch (1976, p.151) e, relacionando essas unidades de medida temos:
Para nós tais unidades de medida são bastante estranhas, mas eram as
disponíveis na época e relacionadas ao cotidiano da sociedade islâmica, ainda não
existiam os épsilons e deltas da matemática atual. Desta forma, al-Kāshī consegue
obter numericamente o que chamamos hoje de parâmetro de erro para o
comprimento da circunferência 600 mil vezes maior que a circunferência da Terra,
assim, tal parâmetro será ainda menor para circunferências menores, como ele
tinha proposto.
CONCLUSÃO
691
comprimento da circunferência e o seu diâmetro. Destacamos as unidades de
medida nele envolvidos, suas origens e relações entre elas e o seu papel no
alcance do objetivo geral de al-Kāshī no Tratado da Circunferência.
REFERÊNCIAS
HEATH, T.L. The Works of Archimedes: On the sphere and cylinder. Book 1.
p.1-90. Cambridge University Press.1897.
692
ROSENFELD B.; YOUSCHKEVITCH A. Al-Kashanı. Istorico-Matematicheskie
Issledovaniya, Moscow, n.7, p.11-449, 1954.
693
OS NÚMEROS NEGATIVOS NOS PRINCIPIOS MATHEMATICOS DE
JOSÉ ANASTÁCIO DA CUNHA
RESUMO
A vida e obra do português José Anastácio da Cunha (1744-1787) têm servido de tema
para diversas pesquisas em História da Matemática, destacando-se nestes estudos o livro
Principios Mathematicos, publicado postumamente em 1790 e considerado sua obra-
prima. O citado texto trata de diversos tópicos da Matemática que, atualmente, podem ser
denominados por: geometria euclidiana, geometria analítica, aritmética, análise
matemática, álgebra e outros. Neste trabalho, o problema de pesquisa tratado é a
abordagem dos números negativos presente no capítulo (livro) VIII do livro Principios
Mathematicos. Com vistas a atacar o problema citado, o objetivo delineado foi
compreender a forma como números negativos foram apresentados e utilizados no capítulo
VIII da obra citada anteriormente. Para tanto, foi realizado um estudo bibliográfico e
documental seguindo a perspectiva historiográfica atualizada situando José Anastácio da
Cunha e os seus escritos no contexto das discussões que ocorreram nos séculos XVII e
XVIII sobre os números. Escolheu-se a versão digitalizada, pela Biblioteca Nacional de
Portugal, dos Principios Mathematicos. O percurso metodológico seguido levou à
construção de uma pesquisa descritiva e bibliográfico-documental. O resultado percebido
é a ausência de discussão sobre o conceito de número negativo, também foi observada,
por estudo em outras fontes, a recusa na aceitação dos números negativos com o mesmo
estatuto que os positivos, no entanto, o autor aceita as regras de sinais e realiza operações
algébricas sem maiores restrições.
INTRODUÇÃO
238
Universidade Estadual do Ceará (UECE). antonio.queiroz@uece.br.
694
RODRIGUES; SARAIVA, 1990). Felizmente tal situação se reverteu, e atualmente
existe uma quantidade razoável de estudos sobre diversos aspectos da atividade
profissional, científica e poética de Anastácio da Cunha.
Textos como os de Vieira (1990); Guerreiro (1990); Rodrigues (2008);
Santos, Lima e Ralha (2018) e Santos (2018) destacam o contexto geral e
matemático, bem como atuação profissional docente de Anastácio da Cunha. Em
outros estudos como Giusti (1990); Silva e Duarte (1990); Baroni (2001); Vieira
(2006) e Sad (2007) encontram-se uma ênfase em partes dos seus escritos,
principalmente, do livro Principios Mathematicos e também pesquisas que abordam
a sua concepção de números negativos (Schubring, 2001; Santos, 2018).
Algumas das pesquisas citadas anteriormente discutem, de forma
competente, os aspectos da análise matemática presentes em Cunha (1790) ou
outros textos do autor. A partir do estudo de tais referências, de leitura preliminar
dos Principios, que tratam de diversos tópicos da Matemática, e com o estímulo da
excelente análise de Schubring (2005) sobre a discussão em torno do conceito de
número e operações algébricas com os números negativos, surgiu a seguinte
indagação, como José Anastácio da Cunha apresenta o conceito de número
negativo e realiza operações algébricas com estes objetos nos Principios
Mathematicos?
Em conformidade com a questão de pesquisa, o objetivo deste trabalho foi
compreender a forma como números negativos e suas operações algébricas são
abordadas no capítulo VIII dos Principios Mathematicos. A escolha deste capítulo
deve-se ao conteúdo que o preenche, uma vez que, apresenta grandezas
afirmativas e subtrativas, em denominação atual, números positivos e negativos e
suas operações. Esse conteúdo, naquele período, era considerado uma introdução
à álgebra.
Este estudo trilhou os caminhos de uma pesquisa histórica, cujas
informações foram coletadas de fontes documentais e bibliográficas. Por
documento compreende-se não serem apenas livros e tratados, mas também
cartas, manuscritos, monumentos, máquinas e outros itens. (SAITO, 2015). O
principal documento utilizado neste texto foi o livro Principios Mathematicos de José
695
Anastácio da Cunha, publicado em 1790 em Lisboa, porém por facilidade de
acesso, a versão adquirida foi a digitalizada pela Biblioteca Nacional de Portugal,
disponível no portal da Biblioteca Nacional Digital.
A investigação buscou sempre a leitura dos Principios associada ao diálogo
com o referencial teórico para compreender a obra e seu autor em seu tempo, o
século XVIII. Sobre este ponto, Saito (2015) esclarece que na historiografia
atualizada busca-se partir do passado para compreender o presente e não o
contrário, também faz o destaque, “[...] na medida que o conhecimento matemático
do passado é contextualizado no “passado”, o historiador passa a ter acesso ao
seu processo de construção.” (SAITO, 2015, p. 27). As referências mais utilizadas
para esta conversa com a fonte primária foram Schubring (2005, 2018), Katz (2009)
e Roque (2012), pois traz bem delineado o contexto dos acontecimentos
relacionados aos números, seus estatutos e operações algébricas nos séculos XVII
e XVIII.
Este artigo divide-se em quatro seções: introdução; Anastácio da Cunha e
os Principios Mathematicos; os números negativos nos Principios Mathematicos;
considerações finais.
696
Em relação aos números negativos, Bélidor, na obra Cours de
Mathématiques, os compreende como tão reais quanto os positivos, inclusive aceita
soluções negativas de equações, porém ainda distingue seis tipos de equações do
2º grau com coeficientes positivos apenas. Também se percebe o uso do termo
quantidades239, ou seja, números compreendidos como grandezas, sendo essa
associação comum no século XVIII. (SCHUBRING, 2005). Não foi possível
conseguir referências que comprovem o contato de Anastácio da Cunha com este
livro, mas percebe-se que é uma obra que pode ter circulado em seu regimento.
Santos (2018) indica que, mesmo antes de suas atividades militares,
Anastácio da Cunha teve contato com obras matemáticas de André Tacquet (1612-
1660), Tomás Vicente Tosca e Masco (1657-1723) e Alexis Claude de Clairaut
(1713-1765). Nota-se que Clairaut, assim como Bélidor, aceita e opera com
números negativos, utiliza como soluções de equações quadráticas e discute a
possibilidade de sua existência isolada240. (SCHUBRING, 2005). No entanto,
Curado (2012) lembra que não se sabe qual texto de Clairaut foi lido por Cunha, ou
seja, existe a possibilidade de contato com o pensamento do francês sobre os
números negativos.
Por fim, de forma comprovada, constata-se o contato de Anastácio da
Cunha com obras de Isaac Newton (1643-1727) e Thomas Simpson (1710-1761)
no regimento de artilharia. Do primeiro autor ele teve acesso aos Principia
Mathematica e Arithmetica Universalis, do segundo, ele estudou o Tratado de
Álgebra. (Santos, 2018). Vale ressaltar a relevante oportunidade em acessar obras
estrangeiras no regimento em que Cunha foi militar, situação propiciada pela
presença de militares estrangeiros, colaborando, inclusive, para as trocas de
experiências culturais. Santos, Lima e Ralha (2018) confirmam sobre o acesso a
obras literárias, filosóficas e matemáticas de propriedades destes oficiais.
De acordo com Katz (2009), na Arithmetica Newton trata da regra de sinais
para quantidades negativas, porém não entra em maiores discussões sobre estes
239
Ao longo do texto serão utilizados, várias vezes, os termos quantidades negativas e grandezas
negativas, em referência a forma como os estudiosos citados as tratavam.
240
Algumas discussões sobre a regra de sinais para a multiplicação utilizava quantidades
compostas, são as que tem a forma (a-b), quantidades negativas isoladas seriam da forma -b.
697
termos e nem há tentativa de demonstração da regra. Já no Tratado de Álgebra de
Simpson, o estudioso estabelece as quantidades negativas, opera com as mesmas,
apresenta as regras de sinais para multiplicação destes objetos, porém o faz com
quantidades compostas. Além disso, na discussão sobre quantidades negativas
isoladas, deixa claro sua repulsa em relação a existência de números menores que
zero. Ou seja, não há aceitação de quantidades negativas para além da utilização
em operações algébricas. (SCHUBRING, 2005).
A partir dessa breve apresentação de alguns autores, cujas obras ou parte
delas foram lidas por Anastácio da Cunha, percebe-se o contato com concepções
sobre os números negativos, uma vez que, as fontes não deixam dúvidas em
afirmar seu estudo da Arithmetica de Newton e do Tratado de Simpson, este último
o influenciou no entendimento do assunto, como será visto posteriormente.
Ainda no Regimento de Artilharia do Porto, Cunha escreveu a Carta Fisico-
Mathematica241, o Ensaio sobre as minas, a pedido de seus superiores militares, e
iniciou a escrita dos Principios Mathematicos. (SANTOS; LIMA; RALHA, 2018).
A partir de 1773, José Anastácio da Cunha é destinado para lente
(professor) da Cátedra de Geometria, 1º ano da Faculdade de Matemática da
Universidade de Coimbra. Tal nomeação veio junto com a titulação de doutor,
ambas atribuídas pelo marquês de Pombal242, que soube de suas façanhas
matemáticas no regimento de artilharia e o indicou para a instituição recém criada.
(SANTOS; LIMA; RALHA, 2018).
Albuquerque (1990) conta que a Universidade de Coimbra havia passado
por reforma dos estatutos em 1772, em tal evento foi criada a citada Faculdade de
Matemática, cujas normas regulatórias previam a desvinculação do ensino
escolástico, valorização da prática nas diversas cadeiras e adoção de bibliografia
variada e atualizada. Tudo sugere que o objetivo era deixar o ensino sincronizado
com os desenvolvimentos matemáticos do século XVIII.
241
O título completo é Carta Fisico-Mathematica sobre a theorica da polvora em geral, e a
determinação do melhor comprimento das peças em particular.
242
Secretário de estado no reinado de D. José I, seu nome completo era Sebastião José de
Carvalho e Melo.
698
Ainda ancorado em Albuquerque (1990) percebe-se que a cátedra sob
responsabilidade de Anastácio da Cunha tratava de assuntos da aritmética,
classificação dos números, operações, potências e raízes, proporções,
progressões, regras de três e logaritmos, também contava com conteúdos de
geometria, referenciados nos Elementos de Euclides, em trabalhos de Arquimedes
e de Proclo.
O intervalo em que Cunha foi professor em Coimbra parece ter sido
produtivo, pois, Silva e Duarte (1990) mencionam a apresentação à congregação
da Faculdade de Matemática de parte dos Principios Matthematicos, para ser
utilizada como texto indicado do curso. Vale lembrar que a mudança periódica de
livros era indicada pelos estatutos da universidade, com o objetivo de difundir
teorias recentes. É lícito pensar que a versão dos Principios citada anteriormente,
e que nunca recebeu resposta da solicitação, corresponda aos primeiros capítulos
da publicação de 1790, uma vez que, a porção inicial do livro trata de assuntos
ensinados na cátedra de responsabilidade de Cunha. Além deste trabalho, Santos
(2018, p. 45) afirma que também “[...] redigiu em inglês o texto Logarithms & powers
e deu prosseguimento aos Principios mathematicos [...].”
Ainda sobre as atividades em Coimbra, Santos, Lima e Ralha (2018) citam
a querela entre Anastácio da Cunha e José Monteiro da Rocha (1734-1819) sobre
o método de ensinar do primeiro, a questão ocorreu porque Cunha não seguia os
métodos tradicionais de ensino da instituição, que se resumiam a expor o conteúdo
e, em aula seguinte, escutar a repetição pelos alunos. Ele propunha demonstrar
proposições e outras afirmações e inserir a prática pelos alunos, questão prevista
nos estatutos, a proposta não foi bem aceita e Cunha recebeu críticas de Monteiro
da Rocha.
Encerrando esta etapa da vida de Anastácio da Cunha veio o processo
inquisitório. Em 1777, o marquês de Pombal foi destituído do cargo e,
consequentemente, como traz Queiró (1992, p. 8) “[...] os setores sociais e políticos
que ele tinha reprimido tão violentamente depressa foram reabilitados[...]”, entre
estes, a inquisição, pela qual Cunha foi preso e condenado em 1778. Dois pontos
devem ser destacados dos relatos, o primeiro é afirmação de Anastácio da Cunha
699
já ter concluído os Principios Mathematicos, ou seja, a obra já estava escrita em
1778. O segundo ponto é a lista de livros da biblioteca de José Anastácio da Cunha,
inventariada no processo citado e que de acordo com Giusti (1990) relata obras de
Euclides, Newton, d’Alembert243, Muller244, Bézout245, Bossut246, Tosca e Euler247.
É importante enfatizar, brevemente, a compreensão de algumas destas
figuras sobre os números negativos para a visualização da teia em torno deste
conceito e de Anastácio da Cunha. D’Alembert foi o estudioso francês que reforçou
uma ruptura com o cenário que estava se construindo para aceitação das
quantidades negativas, uma discussão ampla e profunda se faz em Schubring
(2005) ou Schubring (2018). Os textos de d’Alembert trazem: aceitação das
operações com quantidades negativas; contestação da generalidade da álgebra;
repulsa às grandezas negativas isoladas; a compreensão de um zero absoluto e a
indicação que solução negativa de uma equação implicaria a necessidade de
reformular o problema, posição mais severa que aquela defendida por Clairaut, de
reinterpretar soluções negativas. (SCHUBRING, 2018).
As ideias de d’Alembert tiveram ampla difusão, no entanto, os livros de
Bézout foram, nas palavras de Schubring (2018, p.73), “[...] o manual dominante,
se não exclusivo, nas escolas militares na França.” E, assim, Bézout difundiu e
ampliou a defesa da aceitação de operações com quantidades negativas e a visão
de que estas eram reais como as positivas, no entanto quando tratava de soluções
negativas de equações, propunha a reinterpretação do problema, ou seja, em
d’Alembert e Bézout percebe-se que não há questionamento ou recusa para
utilização das operações algébricas com os negativos, o que existe é a não
aceitação das quantidades negativas isoladas e admitindo que elas não tivessem
as mesmas funções que as positivas.
Observa-se que Anastácio da Cunha tinha acesso a obras e autores que
estiveram no centro das discussões sobre o estatuto dos números negativos. Giusti
(1990) lembra que o livro de Bézout catalogado na biblioteca de Cunha parece ser
243
Jean le Rond d’Alembert (1717-1783) estudioso francês.
244
John Muller (1699-1784) estudioso alemão que viveu na inglaterra.
245
Étienne Bézout (1730-1783) estudioso francês.
246
Abbé Charles Bossut (1730-1814) estudioso e professor de Matemática francês.
247
Leonhard Euler (1707-1783) estudioso suiço que viveu na Rússia e Alemanha.
700
o de geometria e não a obra completa que continha álgebra, porém é preciso
lembrar que, enquanto esteve em Coimbra, o livro adotado na cátedra de álgebra
era o de Bézout, ou seja, também foi possível o contato com tal texto na
universidade. Já Santos (2018) traz a afirmação de uma carta, atribuída a
Brunelli248, que Cunha tinha conhecimento de obras de d’Alembert.
Outro autor citado acima, Euler, “[...] já via a álgebra como a ciência dos
números, e não das quantidades.”(ROQUE, 2012, p. 442). Também compreendia
que a base da Matemática deveria ser constituída de números que poderiam
representar todas as grandezas, os positivos seriam construídos com adições
sucessivas e os negativos com subtrações, no entanto seus escritos não tiveram
grande influência no século XVIII. (ROQUE, 2012). Katz (2009) afirma que Euler
tratou das quantidades negativas e descreveu a regra de sinais sem maiores
detalhes, bem como discorreu que os números poderiam ser maiores, menores ou
iguais a zero. Anastácio da Cunha foi crítico de Euler, Giusti (1990) cita tal fato e,
em uma carta de 1785, percebe-se o tom irônico de Cunha (1990) ao tratar o autor
suíço como deus de Coimbra e José Monteiro da Rocha como seu profeta, além de
relatar a postura radical de Euler em favor da álgebra.
Por fim, um dos livros citados no processo de inquisição é de Bossut.
Anastácio da Cunha tinha as publicações de 1772 e 1773, ou seja, o Tratado
elementar de aritmética e Tratado elementar de álgebra. (GIUSTI, 1990;
SCHUBRING, 2005). Novamente, levando em consideração a questão das
quantidades negativas, tem-se que este autor francês ancora a compreensão de
tais objetos a partir da concepção de oposição às quantidades positivas, vale
também o relato da aceitação das operações algébricas, da multiplicidade de
raízes, forma normal de equação do 2º grau e solução geral para tal equação.
Compreende-se que Cunha lidou com textos de autores, em sua maioria
franceses, com algumas concepções diferentes sobre os números negativos, tais
estudiosos utilizavam estes objetos em operações algébricas e aceitavam as regras
de sinais, porém havia discordância sobre o estatuto dos números negativos, de
248
João Ângelo Brunelli (1722-1804), estudioso italiano, foi professor do Colégio dos Nobres em
Portugal. (Santos, 2018).
701
seu uso como quantidades isoladas e de soluções negativas de equações, enfim,
observa-se uma riqueza de concepções característica do século XVIII.
Após o período de condenação pela inquisição, que manteve Cunha
recluso por 3 anos, tem-se notícia de suas atividades na Casa Pia de Lisboa.
Rodrigues (2008) e Santos (2018) salientam suas atividades na construção do
plano de estudos científicos do Colégio de São Lucas da Casa Pia, uma vez que,
eram oferecidos ensinos de ciências matemáticas e físicas, História Natural,
Química e até Farmácia. Cada curso contava com docente e alguns de seus alunos
seguiram estudos científicos, tanto na Universidade de Coimbra como na Academia
da Marinha.
Enquanto esteve na Casa Pia, um fato relevante para a narração da relação
entre José Anastácio e os números negativos é a solicitação da aquisição do
Tratado de Álgebra de Simpson, citado anteriormente, visando à utilização no
ensino do Colégio São Lucas. (SANTOS, 2018). Isto mostra o valor atribuído à obra
do inglês.
Schubring (2005, p. 605) realça a escolha de Anastácio da Cunha pela
concepção de Thomas Simpson sobre as quantidades negativas ao afirmar que
“[...] recebeu e propagou a rejeição inglesa das quantidades negativas [...]”. E ainda
pode-se observar a preferência pelo texto de Simpson em Cunha (1990, p. 360) ao
referir-se a “[...] sua excellente Algebra[...]” para tratar da impossibilidade de
solução negativa em determinado exemplo de equação. É perceptível a
proximidade entre Anastácio da Cunha e o escrito citado, o possível primeiro
contato ainda no regimento de artilharia, a citação em carta, a indicação como
referência no ensino da Casa Pia são evidências interessantes.
A próxima seção apresenta partes do capítulo VIII dos Principios
Mathematicos que se relacionam com conceitos de números negativos e dão
indícios do juízo que Cunha fazia de tais objetos matemáticos.
702
O texto dos Principios Mathematicos utilizado nesta pesquisa é o que foi
publicado em 1790, o qual foi digitalizado e disponibilizado na internet pela
Biblioteca Nacional de Portugal através da Biblioteca Nacional Digital. A obra é
formada por 21 capítulos, tratados como livros, uma errata e uma sequência de
figuras ao fim do livro. Este estudo abordou o capítulo VIII, que traz conceitos
relativos a grandezas negativas e positivas e assuntos relacionados a operações
algébricas.
Já na primeira página do referido capítulo, Cunha (1790, p.100) faz duas
suposições que se relacionam com a sua concepção de grandezas negativas e
positivas, pois propõe a aquelas com sinal positivo, “para se juntar a alguma
grandeza” e às precedidas de sinal negativo, “para se tirar de alguma grandeza.”
Visualiza-se a associação do sinal com as operações de adição e subtração e não
como representante de uma qualidade, ou característica da grandeza, outra
evidência disso é a nomenclatura, sendo que as grandezas com sinal positivo são
chamadas aditivas e as com sinal negativo de subtrativas.
Na sequência, Anastácio da Cunha define grandezas contrárias como
aquelas com sinais diferentes e utiliza a definição para escrever sobre o resultado
de uma soma com grandezas contrárias e diferentes que seria “[...] a grandeza que
se chamaria differença dellas, se se naõ suposessem contrarias, e é contraria à
menor.” (CUNHA, 1790, p. 101). Esta afirmação, atualmente, é a regra da soma e
preserva o sinal do maior número, que sempre se escuta nas escolas de educação
básica.
Digno de observação é sua opinião do zero como representante do nada,
Cunha (1790, p. 101) escreve, “Por somma de duas grandezas iguaes e contrarias,
entende-se o mesmo que pela palavra, nada, ou pelo caracter 0 [...]”. Vê-se pela
citação anterior uma evidência da visão de um zero absoluto, em concordância com
Simpson e d’Alembert que não acolhiam a ideia de grandezas menores que zero e,
divergindo de estudiosos como Newton, que aderiu a convicção de grandezas
positivas maiores que zero e negativas menores que zero. (SCHUBRING, 2005).
703
Na suposição V, Anastácio da Cunha aborda um ponto que gerou uma
controvérsia duradoura no século XVII, a proporcionalidade entre grandezas
contrárias, segue seu juízo sobre o assunto.
Grandezas proporcionaes [...] supporse-haõ sempre proporcionaes,
excepto se huma antecedente e a sua consequente forem contrarias entre
si, não sendo outra antecedente e sua consequente contrarias entre si.
(CUNHA, 1790, p. 101).
Assim, é possível visualizar que Cunha acata a possibilidade de
proporcionalidade entre números com sinais distintos, diferentemente de
estudiosos como Antoine Arnauld (1612-1694) que se envolveu em uma longa
discussão com Jean Prestet (1648-1691) sobre a dita proporcionalidade, uma vez
que esta situação contradiz relações entre os termos da proporção, esse
acontecimento é relatado por Schubring (2005).
A suposição de Cunha também difere de outro influente estudioso, Colin
MacLaurin (1698-1746). MacLaurin defendia a igualdade entre razões do tipo a:b e
a:-b, uma vez que para a proporção deveria importar apenas o valor absoluto, não
teria relevância as qualidades, compreendendo os sinais como representantes de
qualidades que dão direção às grandezas. D’Alembert foi outro estudioso que
abordou o tema, no entanto com a concepção da impossibilidade de tais razões
com termos negativos e utilizou o argumento da teoria geométrica das proporções.
(SCHUBRING, 2005).
Como consequência da suposição V, citada anteriormente, Anastácio da
Cunha enuncia, sem demonstração, três corolários importantes para o trato com
números negativos. O primeiro deles é o “Producto de dois factores contrarios he
negativo; de dois factores naõ contrarios, positivos.” (CUNHA, 1790, p. 102). Esse
corolário se refere a regra de sinais para a multiplicação. Uma vez que o autor a
percebe como deduzida da suposição V, portanto ele deve ter utilizado o seguinte
resultado referente às proporções, 1:a :: b:ab, ou seja, a unidade está para um fator,
assim como, o outro fator está para o produto, para concluir a afirmação do
corolário.
É relevante mencionar que as regras de sinais foram amplamente
abordadas nos séculos XVII e XVIII. Thomas Simpson, por exemplo, as concebia e
utilizava para quantidades compostas, porém, como rebatia o uso de quantidades
704
negativas isoladas, não acolheu o produto das mesmas por uma ausência de
significado. (SCHUBRING, 2005). Ainda vale destacar que, no capítulo VIII, Cunha
também não multiplica quantidades negativas isoladas, existe apenas a menção da
operação no primeiro corolário.
Os outros dois corolários referem-se à regra de sinais na divisão e a
ausência de raiz quadrada para números negativos, também como consequência
da suposição V. Acredita-se que o estudioso deve ter visualizado o mesmo
argumento anterior para tirar estas conclusões.
Na sequência, Cunha (1790, p. 102) traz a “Praxe de multiplicaçaõ de
sommas indicadas”, uma seção com dois exemplos de multiplicação de
quantidades compostas, ou seja, quantidades literais somadas ou subtraídas de
outras. Na operação de multiplicação fica evidente a ênfase às regras de sinais,
uma vez que, na primeira situação de multiplicação de um termo positivo e outro
negativo, Cunha refere-se ao corolário que se discutiu anteriormente. Vale citar o
caráter aparentemente pedagógico do primeiro exemplo, uma vez que, Anastácio
da Cunha realiza as operações algébricas, passo a passo, indicando as
multiplicações e os sinais que serão utilizados. As adições e subtrações não são
realizadas, apenas se indica o resultado final. No segundo exemplo, o autor realiza
a sequência de multiplicações e adições sem detalhamento. Observe-se que o
estudioso não multiplica quantidades negativas isoladas, mas sempre adicionadas
a outros termos.
Na última seção do capítulo VIII dos Principios, Anastácio da Cunha traz a
divisão de quantidades compostas com a ressalva de “[...] quando nos termos do
dividendo e divisor [...] está repetido diversas vezes como factor hum mesmo
numero.” (CUNHA, 1790 p. 103). Assim, os termos do quociente devem conter
potências. Observa-se que estas não foram representadas com os expoentes, mas
apenas pela repetição das letras em cada situação, diferentemente do capítulo X
em que os expoentes se fazem presentes.
Cunha opera a divisão detalhadamente em um exemplo, apresentando os
diversos passos. Vale citar que a utilização das regras de sinais e as operações
com quantidades negativas ocorrem sem restrições, por exemplo, quando Cunha
705
(1790, p.104) diz “[...] de -2ayyy a +0 vai +2ayyy [...]”, referindo-se à subtração de -
2ayyy do zero. Ainda neste trecho, percebe-se o zero acompanhado de sinal
positivo, no entanto Anastácio da Cunha havia comparado o zero ao nada, em
seção anterior do capítulo, então é possível que este sinal tenha relação com a
ausência da concepção de zero como termo neutro que agrega os números
positivos em uma direção e os negativos em outra.
Por fim, chama a atenção o último axioma do capítulo VIII, “A experiencia
tem provado que estas praxes saõ seguras.” (CUNHA, 1790 p. 105). Esta afirmação
é curiosa pelo fato de as praxes da multiplicação e divisão serem consequências,
principalmente, das regras de sinais. Tais regras, por sua vez, são corolários da
suposição V, então, existia dúvida na referida suposição? Se a resposta for
afirmativa, não é surpresa, no ambiente do século XVIII em que os estudiosos do
tema se dividiam em relação ao assunto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
706
Anastácio da Cunha sobre estes objetos e associá-los ao que a literatura já
indicava. Por fim, indica-se uma direção para o prosseguimento do trabalho, a
saber, compreender e analisar questões análogas em relação aos números
irracionais e complexos, além de estudar tais números como raízes de polinômios
nos Principios Mathematicos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GIUSTI, E. Quelques réflexions sur les Principios de da Cunha. In: José Anastácio
da Cunha (1744-1747): o matemático e o poeta. Colóquio Internacional, 1987,
Lisboa. Actas… Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1990. p. 33-52.
707
GUERREIRO, J. S. Anastácio da Cunha e as matemáticas em Portugal. In: José
Anastácio da Cunha (1744-1747): o matemático e o poeta. Colóquio Internacional,
1987, Lisboa. Actas… Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1990. p. 27-
30.
708
SCHUBRING, G. Conflicts between generalization, rigor and intuition. New
York: Springer, 2005.
709
710
A Geometria projetiva a partir de imagens de um tratado renascentista
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo apresentar os aspectos matemáticos presentes em
imagens de um tratado renascentista, a fim de estabelecer um percurso histórico que
remete ao uso da perspectiva e seu desenvolvimento, ressaltando a história da matemática
e o mundo das artes visuais. O ensino de conceitos elementares da Geometria Projetiva
pode se dar a partir de relações de interdisciplinaridade entre Matemática e Arte, tendo
como suporte a História da Matemática. A partir da pesquisa bibliográfica pudemos
identificar o tratado Della Pittura, de Leon Battista Alberti (1404-1472) como o início da
sistematização matemática dos conceitos hoje conhecidos como geometria projetiva e
sobre algumas imagens contidas nesse tratado se concentra o nosso olhar.
Apresentaremos algumas referências teóricas sobre a leitura de imagem; as imagens e
seu contexto de produção; o desenvolvimento da geometria projetiva em seus primórdios
e as relações entre história da Matemática, arte e o ensino da geometria projetiva que
podem emergir a partir da leitura dessas imagens, bem como nossas considerações.
INTRODUÇÃO
249
UEM; igorpolho@gmail.com
250
UEM; mv.cardas@hotmail.com
251
UNICESUMAR; marisaraquelmelo@gmail.com
711
imagens e às conexões com a história da Matemática que podem ser estabelecidas
a partir dessas leituras.
Este trabalho tem como objetivo destacar como a leitura de imagens
contidas em um tratado renascentista pode ser utilizado para ressaltar aspectos
matemáticos e históricos do surgimento da Geometria Projetiva.
A fim de justificar nosso trabalho, apresentamos a orientação que é
indicada pelas Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná
(DCE-PR), ao sugerir o tratamento da geometria não-euclidiana no Ensino
Fundamental através das noções de ponto de fuga e linha do horizonte (PARANÁ,
2008).
Além disso, o mesmo documento traz a importância que é dada à História
da Matemática (HM) na prática escolar. Este documento assegura que a “História
Matemática é um elemento orientador na elaboração de atividades, na criação das
situações-problema, na busca de referências para compreender melhor os
conceitos matemáticos”, uma vez que proporciona aos estudantes a compreensão
“da natureza da matemática e sua relevância na vida da humanidade.” (PARANÁ,
2008. p. 66).
A escolha das imagens se justifica a partir de nossas leituras referentes ao
surgimento da geometria projetiva, a partir da indicação de Leon Battista Alberti
(1404-1472) como autor do primeiro tratado que sistematizou matematicamente o
conceito de perspectiva na arte de pintar e desenhar. (HEFEZ, 1985; BOYER,
2012). E, portanto, as imagens as quais nos referimos neste trabalho, tratam-se de
ilustrações contidas no tratado Della pittura, de Leon Battista Alberti. Tivemos
acesso, a partir do portal E-rara no qual são disponibilizadas digitalizações de
impressos dos acervos das bibliotecas suíças desde o século XV, ao tratado Della
architettura Della pittura e Della statua impresso pelo Instituto de Ciências de
Bolonha em 1782, que traz compilados três tratados de Leon Battista Alberti, dentre
eles Della Pittura.
No que tange às nossas observações sobre as imagens, buscamos nos
pautar nas obras de Burke (2017), Santaella (2012) e nas relações entre leitura de
imagens e história da Matemática apontadas por Pereira e Trivizoli (2020).
712
Para o desenvolvimento deste texto, apresentaremos a imagem e seu
contexto de produção; o desenvolvimento da geometria projetiva em seus
primórdios e as relações entre história da Matemática e o ensino da geometria
projetiva que podem emergir a partir da leitura da imagem, bem como nossas
considerações.
713
discutiremos aspectos relacionados ao conceito que o autor procurou elucidar por
meio das ilustrações, as figuras 3 e 4.
Figura 1: Ilustração - página 292 da obra Della Pittura
714
Figura 2: Ilustrações - página 304 da obra Della Pittura
715
O tratado Della Pittura é dividido em três livros: Libro Primo, Libro Secondo
e Libro Terzo. De acordo com Zanchetta (2014) a primeira versão foi produzida em
Florença entre 1435 e 1436 escrita em dois idiomas. Primeiro na língua toscana e
depois na língua latina. Segundo Grayson e Sinisgalli (apud) Zanchetta (2014), a
versão toscana é mais “apta para expressar o pensamento do autor” uma vez que
é sua língua materna, já a versão latina “seria um texto mais preciso e esmerado,
por estar na linguagem culta, própria de um discurso dessa natureza”. Zanchetta
(2014) apresenta a tradução comentada do primeiro livro da obra nas duas línguas,
de acordo com o mesmo, o primeiro livro pode ser considerado uma cartilha voltada
ao pintor, com o intuito de lhe instruir a pintar e/ou desenhar.
De acordo com Boyer (2012, p. 207) “Alberti começa com uma discussão
geral dos princípios da redução (em perspectiva), depois descreve um método que
tinha inventado para representar em um ‘plano de figura’ vertical uma coleção de
quadrados em um ‘plano de terra’ horizontal.”
Segundo Ströher (2006) Leon Battista Alberti era o segundo filho de Lorenzo
Alberti, membro de uma rica família de Florença, e de Bianca Fieschi que faleceu
dois anos após o seu nascimento, em 1406. Ele não passou por privações
financeiras, e após a morte do seu pai, em 1421, teve seus estudos garantidos pela
família Alberti.
Ströher (2006) aponta que as contribuições de Alberti na pintura e escultura
são mais teóricas, ao passo que na arquitetura ela passa da teoria à prática. Na
arquitetura Alberti é referência, um dos seus projetos mais conhecidos é da
Catedral de Santo André, em Mântua, Itália.
Todavia, ainda que as contribuições de Alberti na área da pintura tenham
sido teóricas, não podemos deixar de considerá-las, tendo em vista que o período
no qual Alberti viveu, o Renascimento, é marcado pelo retorno ao estudo dos
saberes teóricos da Grécia Antiga. (ROQUE, 2012; SAITO, 2015)
716
período de grandes mudanças, principalmente devido ao desenvolvimento da
ciência, a valorização e a evolução da medicina, da música, da literatura e das artes
visuais e plásticas, como a arquitetura, escultura, pintura e o desenho.
A autora comenta que uma vez libertos dos valores religiosos da Idade
Média, a arte da Renascença concedeu privilégios pessoais aos artistas e eles
passaram a retratar a natureza e, consequentemente, a evolução da razão e da
matemática. A partir daí, a arte da pintura se soltou dos afrescos e das paredes das
Igrejas, mudou-se para a tela e tornou-se portátil. As obras de arte tornaram-se um
item portátil e precisavam fornecer um local para seu armazenamento,
preservação, manutenção e exposição. Começaram a surgir, naquele período, a
consciência dos museus e das pessoas sobre a necessidade dos documentos
escritos e espaços que reunissem essas artes, e assim começa-se a se constituir
a História da Arte ocidental (SANTAELLA, 2012)
717
profundidade, tais como: ponto de vista, ponto de fuga, linha de horizonte, linha de
nível de visão,dentre outros.
Vale destacar, conforme assinala Saito (2015) que perspectiva linear não
fazia parte das matemáticas no período medieval, era considerada uma arte
pictórica e começou a ser observada pelos pintores a partir do Renascimento. Até
então, a perspectiva era um ramo de estudo da óptica, inclusive o termo perspectiva
era a tradução da palavra grega optikè. A geometria projetiva seria desenvolvida
com mais intensidade nos finais do século XVII.
De acordo com Hefez (1985), Girard Desargues (1591 - 1661) foi o primeiro
que introduziu o método projetivo na geometria ao tentar sistematizar o trabalho de
Apolônio sobre cônicas. Outra contribuição de Desargues foi a introdução do plano
projetivo real. No entanto, o autor destaca que apesar do trabalho de Desargues
ser apreciado por alguns matemáticos contemporâneos ao seu tempo, ele não foi
totalmente compreendido. De acordo com Eves (2004) o desenvolvimento da
geometria projetiva como um campo de estudo em Matemática só ocorreu no
século XIX com os estudos de Jean Victor Poncelet (1788 - 1867), na Escola
Politécnica de Paris.
718
Apresentamos, no tópico seguinte, algumas relações que podemos
perceber sobre a geometria projetiva a partir da leitura das imagens do tratado de
Alberti e salientando aspectos que possibilitam uma discussão com alunos do
Ensino Fundamental acerca da história e natureza da Matemática.
719
convergem para um único ponto, definido por ele como ponto do infinito.
(ZANCHETTA, 2014).
Alberti (1782)
720
linha da terra, essa construção dá origem a um triângulo central, formado por um
número finito de triângulos parecidos, com um vértice comum a todos, o ponto do
infinito.
Na ilustração F.4. Alberti continua com a construção de uma malha sobre o
triângulo central, a malha é construída traçando linhas contidas no retângulo
inferior determinado pelas linhas do infinito e da terra, paralelas à ambas as linhas,
além disso, a distância entres as linhas diminuem à medida que se aproximam do
ponto do infinito formando assim uma malha dentro do triângulo central. Uma vez
traçadas tais linhas obtemos os pontos B, C, D, E, F, G, H e K, a partir de cada
ponto são traçadas outras linhas de tal modo que cada nova linha traçada toca dois
vértices opostos de cada (retângulo) células da malha, obtidos da construção
anterior, feito isso, cada célula da malha dá origem a dois triângulos congruentes.
Vale ressaltar que na ilustração em questão Alberti apresenta apenas o triângulo
central com a malha construída.
Alberti (1782)
721
Na figura 4 temos um recorte do triângulo central da figura 3, nela vemos
dois prismas retangulares, ambos possuem tamanhos diferentes na imagem, no
entanto nos proporciona ilusão de profundidade, como se ambos os prismas
tivessem os mesmo tamanho e apenas estão a uma distância diferente com relação
ao observador, o prisma A está mais próximo do observador ao ponto que o prisma
B está mais distante, é esta percepção que Albert chama de perspectiva, e sua
construção tem o intuito de proporcionar ao pintor um recurso suficiente para a
produção de um desenho ou pintura em perspectiva, perceba que cada prisma está
em uma célula, e ambos os prismas são superfícies colineares, como definido pelo
autor.
Apesar do desenvolvimento da perspectiva na pintura ter iniciado a partir do
século XV com a obra de Alberti, e nos anos seguintes a técnica da perspectiva ter
sido difundida ampliada por outros pintores, a compreensão da existência de uma
nova geometria para além da geometria euclidiana é mais tardia, e mesmo tendo
evidências que indicam o matemático Desargues como precursor da geometria
projetiva, ao final do século XVII, é somente no século XIX que este campo da
Matemática é reconhecido pela comunidade Matemática (CALDAS, 2010; EVES,
2004; SANTAELLA, 2012).
A partir do exposto podemos notar como é sinuoso o percurso traçado pelo
desenvolvimento do conhecimento matemático, e não linear, ao contrário do que
comumente pensamos, portanto, acreditamos que o ensino deste, assim como de
outros conhecimentos matemáticos, não deve ser apresentados aos alunos
dissociados da realidade, tampouco do seu contexto histórico e utilitário.
CONSIDERAÇÕES
722
material aqui apresentado, concluímos que é possível elaborar propostas de ensino
da Matemática, tendo como amparo a própria História da Matemática.
Podemos observar que a matemática atrelada à arte e à pintura utilizou-se
de relações geométricas para expressar o princípio de uma perspectiva para
retratar paisagens de forma mais realista no período renascentista, em que os
elementos nas pinturas passaram a ter uma dimensão coerente e adequada às
proporções e ao uso humano.
Explorar essas conexões com outras áreas de saber, amplia as
potencialidades didáticas que o professor pode desenvolver em sala de aula, além
de destacar o aspecto humano do desenvolvimento matemático, configurando uma
Matemática útil e com significado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
723
PARANÁ. Secretaria De Estado Da Educação do Paraná. Diretrizes
Curriculares da Educação Básica: Matemática. Paraná 2008.
724
A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM DISCIPLINAS DOS CURSOS DE
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA DAS
UNIVERSIDADES FEDERAIS LOCALIZADAS NA REGIÃO CENTRO OESTE
DO BRASIL
RESUMO
A presente pesquisa se dá como recorte do projeto intitulado “A História da Matemática na
formação inicial de professores de matemática nas universidades federais brasileiras”,
financiado pelo CNPq, e teve como objetivo identificar as disciplinas que abordam aspectos
da História da Matemática (HM) presentes nas disciplinas dos cursos presenciais de
Licenciatura em Matemática oferecidos pelas Universidades Federais (UF) localizadas na
região Centro Oeste do Brasil. Nota-se que pesquisas no campo da Educação Matemática
têm indicado a relevância da inclusão da HM no ensino de Matemática, em especial, na
Educação Básica e neste contexto, têm sido realizadas investigações que mostram a
relevância de serem trabalhados aspectos da HM na formação de professores, fato que
motivou esta investigação. Para tanto, realizamos uma busca no e-MEC dos cursos
presenciais de Licenciatura em Matemática que são ofertados por estas universidades e,
assim, identificamos 18 cursos pertencentes a região Centro-Oeste, incluindo o Distrito
Federal. Após esta etapa, localizamos os projetos políticos pedagógicos destes cursos,
com exceção de dois (2) que até o momento de fechamento dos dados não conseguimos
informações. Identificamos, nestes documentos, que 15 cursos preveem disciplinas
específicas da HM (incluímos nestas, a disciplina que trata de Tópicos em HM e HM, na
matriz curricular. Também apuramos que nos cursos analisados encontram-se disciplinas
que apresentam de acordo com sua ementa temáticas relativas a HM, HM no ensino
e História da Ciência. Destas, 6, 8 e 1 cursos respectivamente tiveram estes elementos
identificados em sua ementa. Com base nestes dados podemos afirmar que grande parte
dos cursos analisados preveem em sua matriz curricular pelo menos uma disciplina que
aborda aspectos da HM e a relação entre HM e o ensino de Matemática é presente nas
ementas de disciplinas de 13 cursos.
INTRODUÇÃO:
252
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). sabrina_helenabonfim@yahoo.com.br
725
Nota-se que pesquisas no campo da Educação Matemática têm indicado a
importância da inclusão da História da Matemática (HM) no ensino de Matemática,
em especial, na Educação Básica e neste contexto, têm sido realizadas
investigações que mostram a relevância de serem trabalhados aspectos da HM na
formação de professores, fato que motivou esta investigação. Neste sentido, a
presente pesquisa se dá como ramificação do projeto intitulado “A História da
Matemática na formação inicial de professores de matemática nas universidades
federais brasileiras”253, financiado pelo CNPq, e teve como objetivo identificar,
utilizando os Projetos Políticos-Pedagógicos (PPP) dos cursos e/ou seus
ementários, as disciplinas que abordam aspectos da HM e das articulações entre
HM e a Educação Matemática, que estão presentes nas disciplinas dos cursos
presenciais de Licenciatura em Matemática oferecidos pelas Universidades
Federais (UF) localizadas na região Centro Oeste do Brasil. O recorte dado ao
Centro-Oeste foi trabalhado por meio de Iniciação Científica254.
253 Projeto de pesquisa que vem sendo realizado em parceria com as profas. Dras. Mariana Feiteiro
Cavalari (UNIFEI), Angélica Raiz Calabria (UNIARARAS) e o prof. Dr. Sergio Roberto Nobre
(UNESP).
254 Iniciação científica intitulada A História da Matemática na formação inicial de professores de
726
abordam temáticas relativas à HM nos cursos que formam professores de
Matemática em território nacional. Veja por exemplo os apontamentos feitos em
CAVALARI, BONFIM e CALABRIA (2019).
727
Universidade Federal da Dourados – 10/03/1987 (Lic. em Mat.)
Grande Dourados - MS/Dourados
UFGD
Aquidauana – 10/01/1997 (Lic. em Mat.)
MS/Aquidauana
Universidade Federal de Campo Grande –MS/ 10/03/1981 (Lic. em Mat.)
Mato Grosso do Sul – Campo Grande
UFMS Corumbá – 10/03/1987 (Lic. em Mat.)
MS/Pantanal
Paranaíba – 15/07/2001 (Lic. em Mat.)
MS/Paranaíba
Ponta Porã-MS/Ponta 02/03/2009 (Lic. em Mat.)
Porã
Três Lagoas-MS/Três 10/02/1987 (Lic. em Mat.)
Lagoas
Universidade Federal de Sinop-MT/Sinop 16/01/2006 [Ciências Naturais e Mat. –
Mato Grosso – UFMT habilitação em Mat.]
Cuiabá-MT/Cuiabá 24/10/1985 (Lic. em Mat.)
Rondonópolis- 01/07/1988 (Lic. em Mat.)
MT/Rondonópolis Ciências Naturais e Mat. – Habilitação em
Mat. [Em desativação]
Pontal do Araguaia- 01/09/1987 (Lic. em Mat.)
MT/Pontal do
Araguaia
Fonte: Elaborado pela autora com base em dados do Ministério da Educação – sistema e-MEC.
255ABI: Área Básica de Ingresso – Para graduação em Matemática o estudante após a conclusão
de um conjunto básico de disciplinas realiza a opção por prosseguir em uma opção que lhe dará a
formação sendo está Bacharelado ou Licenciatura.
728
1 PPP de um curso ABI. Desta forma, foram analisados 14 PPP e 1 currículo,
totalizando 15 cursos analisados dos 16 cursos identificados na presente pesquisa.
729
apresentam elementos voltados à utilização da HM para o ensino
dos conteúdos matemáticos na Educação Básica. Estas foram
agrupadas em disciplinas específicas de “História da Matemática”
e em disciplinas de “Prática de Ensino”. Além disso, elaboramos
considerações sobre a forma que estas disciplinas que abordam
temáticas relativas à HM e à HM no ensino estão inseridas na matriz
curricular dos cursos analisados. (MORAES e CAVALARI, 2019, p.
130)
Período Natureza
Código do Carga
Nome da disciplina
Curso Horária
(semestre) (optativa/obrigatória)
256 Destaca-se que esta é a primeira parte da pesquisa que no momento de redação deste artigo
passava a aprofundar as informações obtidas no PPP por meio de questionários destinados aos
coordenadores dos cursos e dos professores que nos anos de 2016 e 2017, haviam lecionado
disciplinas específicas de História da Matemática; disciplinas que abordam a História da Matemática
no Ensino e disciplinas que, embora não fossem específicas de HM, abordavam essa temática.
730
Tópicos em história da A partir do
C2 64h Optativa
matemática 6º semestre
A partir do
História da matemática 64h Optativa
7º semestre
C3
Tópicos em história da A partir do
64h Optativa
matemática 7º semestre
A partir do
C4 História da matemática 64h Optativa
1º semestre
História da matemática
Informação
C5 para o ensino de 72h Obrigatória
indisponível
matemática
Informação
C6 História da matemática 68h Optativa
indisponível
C8
Tópicos em história da A partir do
51h Optativa
matemática 7º semestre
História e filosofia da
68h 8º semestre Obrigatória
matemática
C9
História da matemática no A partir do
68h Optativa
Brasil 7º semestre
História da matemática e
C10 68h 1º semestre Obrigatória
da educação matemática
731
História da matemática IV 30h 8º semestre Obrigatória
História e filosofia da
C13 60h 7º semestre Obrigatória
matemática
História e filosofia da
C15 matemática e da educação 64h 8º semestre Obrigatória
matemática
C17 História da Matemática - - Optativa
Fonte: Autoria própria com base nos dados obtidos nos PPP dos cursos analisados.
732
Disciplinas de “História da C12 História da Ciência
Ciência”
Fonte: Autoria própria com base nos dados obtidos nos PPP dos cursos analisados.
Com base nas ementas das disciplinas acima selecionadas foi possível construir a
seguinte análise:
733
tecnológicos, modelagem
matemática, dentre outros) para o
ensino de Matemática com vistas
ao planejamento de unidades
didáticas. Implementação por meio
de aulas simuladas das aulas
preparadas.
Metodologias de ensino de
matemática: Resolução de
Problemas, História da Matemática,
Modelagem Matemática, Jogos,
Etnomatemática, Tecnologias de Laboratório de Ensino de Matemática e C15
Informação e Comunicação na Estatística
Matemática. Análise, construção e
testagem de materiais didáticos
para o ensino de Matemática e
Estatística. Elementos de prática
para o ensino fundamental e
médio.
Fonte: Autoria própria com base nos dados obtidos nos PPP dos cursos analisados.
734
No tocante as disciplinas classificadas como “História da Ciência”, observamos:
Parte da ementa que trata das formas de como são abordadas Curso
as temáticas relativas a HM nos cursos analisados conforme a
obrigatoriedade da disciplina de HM.
Uma disciplina obrigatória de “História da Matemática”. C1, C5, C7, C8, C9,
C9
735
Uma disciplina obrigatória de “História da Matemática”, uma *único curso a
disciplina optativa de “História da Matemática no Brasil”, uma apresentar HM no
disciplina obrigatória com elementos de HM no Ensino. Brasil, ainda que
como disciplina
optativa
Uma disciplina obrigatória de “História da Matemática” e pelo menos C7, C8, C12, C15
uma disciplina de Matemática.
Uma disciplina obrigatória de “História da Matemática” e pelo menos C7, C8, C9, C10,
uma disciplina obrigatória com elementos de HM no Ensino. C14, C15
Fonte: Autoria própria com base nos dados obtidos nos PPP dos cursos analisados.
Alguns cursos foram detalhados abaixo devido sua especificidade para realizar a
classificação. No tocante a C12 apresenta uma disciplina obrigatória de “História
da Matemática”; duas disciplinas obrigatórias de Matemática, além de uma
disciplina obrigatória de “História da Ciência”. C7 possui uma disciplina obrigatória
de “História da Matemática”, uma disciplina obrigatória de Matemática e uma
disciplina obrigatória de Prática de Ensino. Em C3 uma disciplina obrigatória de
“História da Matemática”, uma disciplina optativa de “História da Matemática” e uma
disciplina obrigatória de Prática de ensino. Observamos que o curso possui
Licenciatura em Matemática modalidade ABI em turno vespertino e licenciatura em
turno noturno. No período vespertino são ofertadas disciplinas de “História da
Matemática” como obrigatória e “Tópicos de História da Matemática” como optativa,
além de “Didática da Matemática III”, conteúdo relacionado a prática de ensino,
como disciplina obrigatória que apresentam em sua ementa elementos de história
da matemática. O curso C4 também dispõe de curso de Licenciatura em
Matemática nas modalidades ABI (diurno) e licenciatura (noturno). O curso diurno
apresenta a disciplina “História da Matemática” como optativa e uma disciplina
matemática (“Introdução à Álgebra Linear e Geometria Analítica”) cujas ementas
apresentam elementos de história da matemática. O Curso noturno não possui
disciplina específica de “História da Matemática” e os elementos desta temática são
encontrados nas ementas de três disciplinas obrigatórias da grade. São elas:
Álgebra para o ensino 1, Álgebra para o ensino 2 e Geometria para o ensino 1. C5
possui curso de Licenciatura em Matemática ofertados em turno matutino e noturno,
ambos com mesmo PPC e a disciplina “História da Matemática para o Ensino de
736
Matemática” como obrigatória. Observa-se que no PPC anterior ela se chamava
“História da Matemática”. No tocante ao curso C8, este foi o que mais apresentou
disciplinas com elementos de história da matemática em suas ementas. “História
da Matemática” como disciplina obrigatória, além de “Trigonometria e números
complexos” e “Ensino e Aprendizagem em Matemática”. As optativas nas áreas de
Matemática e de Prática de Ensino são: Cálculo na educação básica; Curiosidades,
Jogos e recreações matemáticas; Geometria na Educação Básica; Números
irracionais e transcendentes; Tópicos de História da Matemática.
Considerações finais:
737
abordada nos cursos de formação de professores em algumas disciplinas com o
objetivo de que o licenciando aprendesse Matemática por meio de um viés histórico
e, em pelo menos uma disciplina específica de História da Matemática. Além disto,
é relevante a abordagem de questões relativas a História da Educação Matemática
e a utilização da História de Matemática em sala de aula. Neste caso, entendemos
que a inclusão de tópicos, nos currículos dos cursos de licenciatura, relativos a HM
e as relações entre HM e a Educação Matemática estaria contribuindo, dependendo
da abordagem, para a formação matemática e pedagógica do futuro professor.
Olhando a frente, diante dos dados e considerações esta pesquisa caminha agora
no tocante a ampliar o questionamento inicial para que aspectos da História da
Matemática e que articulações entre História da Matemática e a Educação
Matemática são contemplados nos cursos de formação de professores de
Matemática oferecidos pelas Universidades Federais brasileiras localizadas na
região Centro Oeste do Brasil?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
738
MIGUEL, A.; BRITO, A. J.A história da Matemática na formação do professor de
Matemática. Cadernos CEDES. n. 40, p. 47-61, 1996.
739
AL-BIRUNI (973-1050) E O CASO DA LEI DOS SENOS NA TRIGONOMETRIA
TRIANGULAR ESFÉRICA: vislumbrando uma proposta de atividade-
histórica-com-tecnologia direcionada ao ensino superior
RESUMO
O presente trabalho se concentra na área de História da Matemática (HM), mais
precisamente a HM do Islã medieval. Buscamos a partir de uma metodologia qualitativa
apresentar uma intenção de pesquisa a ser desenvolvida no contexto do Mestrado
profissional em Ensino de Ciências Naturais e Matemática do Programa de Pós-Graduação
em Ensino de Ciências Naturais e Matemática (PPGECNM) da UFRN. O projeto tem por
objetivo principal realizar um estudo histórico-matemático de uma carta escrita por Al-biruni
(973-1048), a fim de construir um produto educacional, na forma de um caderno de
atividades, que conecte a HM e as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação
(TDIC) por meio da Investigação Matemática (IM) com o apoio de um software de geometria
dinâmica. No que diz respeito ao conteúdo da carta, ela contém cinco casos da lei dos
senos aplicados a trigonometria esférica. Para análise do referido documento usamos uma
tradução inglesa encontrada no livro Beyruni’ye Armagan publicado em 1974 que também
apresenta a versão digitalizada do documento original em árabe. Como resultados iniciais
apresentamos informações sobre a situação do documento original, fazemos uma
apreciação preliminar do conteúdo da carta, bem como, a apresentação de informações
relativas à versão da tradução do documento histórico base dessa pesquisa.
INTRODUÇÃO
257
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). 20121053060294@ufrn.edu.br
258
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). gisellecsousa@hotmail.com
740
História da Matemática e TDIC: aporte para o fomento de atividades-históricas-
com-tecnologia. Se concentra na área de História da Matemática (HM) e, mais
precisamente, na História da Matemática Islâmica Medieval, bem como no apoio
que as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) podem fornecer
à compreensão desse conteúdo, aplicado ao contexto da sala de aula com respaldo
na Investigação Matemática (IM) proposta por Ponte, Brocado e Oliveira (2009).
Fundamenta-se ainda nas ponderações de uso da informática na Educação
Matemática como de Borba e Penteado (2007) e sobretudo, nos argumentos de
uso da HM no ensino trazidos, por exemplo, por Miguel e Miorim (2008).
Como bem coloca Scheppler (2006), cuja ideia vai ao encontro com alguns
pressupostos colocados anteriormente por Berggren (1986), é de grande
importância trazer à tona as contruibuições da civilização Islâmica para o
desenvolvimento da Matemática ocidental, bem como entender os percursos
tomados para tal desenvolvimento. Dessa forma, ver-se a contribuição científica
dessa civilização para o desenvolvimento de várias áreas, inclusive, da Matemática.
De fato, a região da penísula arábica, durante a Idade Média, contou com a
contruibuição de muitos islâmicos com um desejo de produzir conhecimento. Entre
eles surge uma personalidade que marca esse cenário, contando com produções
nas áreas de Astronomia, Matemática, Geografia, Religião, Farmacologia e Ciência
em geral (NASR, 1987).
Essa personalidade, nascida em 15 de setembro de 973, nos arredores de
Kath, em uma região adjacente ao Mar de Aral, recebeu o nome Abu Raihan
Muhammad ibn Ahmad Al-Biruni ou, simplesmente, Al-Biruni. Hoje, depois do
reconhecimento de seu trabalho, a cidade onde ele nasceu é chamada de Biruni,
em sua homenagem. Al-Biruni vem de uma família muçulmana xiita, originalmente
do Tajiquistão na Ásia Central a oeste da China (GAFUROV, 1974; SCHEPPLER,
2006).
A matemática desenvolvida por Al-Biruni está principalmente ligada ao
desenvolvimento de uma ferramenta que possibilitasse o estudo de sua principal
área de interesse, a Astronomia, visto ser impossível mapear e rastrear os céus
sem entender matemática. Assim, para começar a entender a Astronomia, ele teve
741
que se tornar especialista em campos como Aritmética, Álgebra e Geometria, o que
o tornou um polímata e deu sua Matemática um caráter experimental e utilitarista
importante dentro do seu vasto trabalho (GAFUROV, 1974; SCHEPPLER, 2006).
Tendo em vista o grande volume de produções do Al-Biruni em várias áreas
do conhecimento, organizamos o um estado da arte dos trabalhos de Al-Biruni.
Parte desse corpus se encontra no trabalho de Souza e Sousa (2018). Desta
varredura preliminar, como posto, chegamos a uma versão inglesa de uma carta
de Al-Biruni para Abû Said. Essa carta trata de uma geometria não-euclidiana, mais
especificamente, a Trigonometria Triangular Esférica (TTE).
As contribuições dos matemáticos islâmicos servem de alicerce para grande
parte da Matemática Ocidental, porém se observa poucos registros desta
contribuição no rol de assuntos da História da Matemática, quando se nota que,
geralmente, não são detalhadas tais contribuições (BERGGREN, 1986). De acordo
com levantamento bibliográfico feito por Souza e Sousa (2018), existe uma
escassez quanto a livros de História da Matemática em português que tratem
dessas contribuições islâmicas para o desenvolvimento da Matemática.
Segundo Scheppler (2006, p. 10, tradução nossa),
742
podendo, por isso, ser considerado um dos grandes pensadores da história, tendo
destaque no desenvolvimento da Matemática Islâmica.
Desse modo, este erudito, exemplifica os avanços no conhecimento humano
e na compreensão do universo e do mundo, nas suas dimensões natural e humana.
A visão de Al-Biruni é indicativo de que o Islã pode inspirar avanços no
conhecimento científico das ciências naturais, humanas e exatas. Até hoje, muitos
de seus livros existentes não foram (totalmente) traduzidos e estudados..
(SCHEPPLER, 2006).
No mais, pensar a Matemática apresentada por Al-Biruni, conjuntamente e
sob a perspectiva das TDIC, via apoio da IM, em prol do ensino-aprendizagem da
Matemática, é um fator de base para a proposta aqui apresentada. Conforme já
salientado, a historicidade aliada às TDIC é uma proposta didática para abordagem
dos conteúdos matemáticos mediante investigação e reconstrução histórica,
possibilitando o entendimento da matemática, como é visto nos trabalhos de
Andrade (2017), Alves (2015) e Oliveira (2014), bem como, Sousa (2020a) e Sousa
(2020b).
Como sinaliza Brasil (2018), é preciso trabalhar as TDIC e a HM em uma
perspectiva conjunta, com o intuito de fornecer uma aprendizagem mais efetiva da
Matemática. Pelo que foi colocado, tem-se um caminho interessante para lançar
um olhar científico e também pedagógico, sobre o tratado escrito por Al-Biruni, a
fim de que ele se torne mais acessível à comunidade científica, sobretudo, para a
comunidade de alunos do meio acadêmico, tendo em vista que é o ambiente onde
esse conhecimento pode ser mais amplamente estudado, particularmente, quanto
a importância na formação inicial de professores de matemática.
Tendo em vista esses anseios, para que a proposta de atividade-histórica-
com-tecnologia apoiada no trabalho de Al-Biruni com a TTE se efetive há
necessidade de realizar uma apreciação histórica do documento, carta, que consta
tal trabalho e em paralelo conhecer Al-Biruni e sua produção (com) o texto. Desse
modo, o presente artigo se destina a apresentar, conforme segue, os primeiros
resultados da análise historiográfica em andamento. Para tanto, na sequência
apontamos os aspectos metodológicos adotados.
743
METODOLOGIA
744
5. Após conclusão de estudo histórico, usar tais informações em um produto
educacional que articule HM, TDIC via IM tendo como objeto a TTE produzida por
Al-Biruni na carta analisada.
6. Por fim aplicar e analisar o referido produto na formação inicial de
professores de matemática.
Vale salientar que parte desse percurso compõe o presente artigo, ou
seja, no trabalho aqui apresentado fizemos a ampliação do estado da arte,
cruzamos informações sobre o documento, criamos uma versão de tradução e
seguimos no caminho de pensar a atividade-histórica-com-tecnologia. Para tanto,
nos respaldamos no referencial posto sumariamente adiante.
REFERENCIAL TEÓRICO
745
no uso da HM no ensino de Matemática, com uma abordagem que se aproxima de
temas/episódios/problemas que possam ser tratados por essa ótica.
Assim sendo, o passo inicial parte do estudo histórico, particularmente,
nessa proposta, do documento que consta numa carta de Al-Biruni a Abû Said onde
trata do caso da lei dos senos na Trigonometria Triangular Esférica. Dessa forma,
trazemos adiante os resultados obtidos nessa direção e tendo em vista o anseio de
produção posterior de atividade-histórica-com-tecnologia.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
746
juntamente com comentários do autor se encontram no livro Beyruni'ye Armagan
no capítulo intitulado Al Beyruni's Letter on Abu Nasr Mansur's Demonstration of
the Sine Law que ocupa as páginas 183 a 197 (ver figura 01).
Fonte: Franz Rosenthal. BEYRUNİ'YE ARMAGAN. Ed. 68. Michigan: Turk Tarih Kurumu
Basımevi, 1974. 301 p.
747
FIGURA 02: LOCALIZANDO O CAPÍTULO DO TRATADO NO SUMÁRIO
DO LIVRO
Fonte: Franz Rosenthal. BEYRUNİ'YE ARMAGAN. Ed. 68. Michigan: Turk Tarih Kurumu Basımevi,
1974. 301 p.
No que diz respeito as versões do texto, o autor do livro deixa claro que o
manuscrito está desgastado em algumas partes, no entanto, o contexto permite que
palavras e/ou letras sejam adicionadas. As partes ilegíveis se encontram
destacadas entre parágrafos na versão árabe da tradução. Ele ainda acrescenta
que,
Rosenthal (1974) menciona que existem duas alterações feitas com relação
ao manuscrito original. A saber:
748
i) Em quatro lugares a palavra seno está faltando no manuscrito, e não há dúvida de que
não tendo sido deixado de fora por engano. Estes foram adicionados, portanto, para o texto
e inserido em chaves. (ROSENTHAL, 1974, tradução nossa)
ii) Da mesma forma, no final do manuscrito algo como uma linha completa foi ignorada
pelo copista. Isto é bastante óbvio a partir do contexto. (ROSENTHAL, 1974, tradução
nossa)
Fonte: Franz Rosenthal. BEYRUNİ'YE ARMAGAN. Ed. 68. Michigan: Turk Tarih Kurumu Basımevi,
1974. 301 p.
749
De ante mão, apesar de nossa limitação quanto ao árabe, podemos intuir
que as partes destacadas na figura 03 são os senos que Suter (1974) menciona ter
acrescentado, tendo em vista duas evidências conclusivas: a primeira delas é que
as palavras são notadamente as mesmas e não existe em outro parágrafo com tal
demarcação quatro vezes consecutivas na mesma palavra, além disso, uma outra
modificação notada é que a medida que se avança na leitura da tradução o autor
faz referência a um conjunto de figuras (primeira e última marcação em vermelho
da figura 03) criadas por ele, que juntas, ajudam no entendimento das provas
colocadas. Dessa forma, vale apreciar na figura 04 esses outros destaques.
750
Fonte: Franz Rosenthal. BEYRUNİ'YE ARMAGAN. Ed. 68. Michigan: Turk Tarih Kurumu Basımevi,
1974. 301 p
751
Medieval e com o avanço da pesquisa alude-se explorar potencialidades didáticas
desses conhecimentos.
Frente ao exposto, tecemos nossas considerações finais do presente artigo
adiante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
752
BRASIL. Secretaria da Educação Básica: Base Nacional Comum Curricular.
Brasília, DF, 2016. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio. Acesso em: 22 jul. 2018.
COSTA, Allyson Emanuel Januário da; SOUSA, Giselle Costa de. Investigando a
Conjunção entre História da Matemática e Tecnologias de Informação e
Comunicação, por meio de um Levantamento Bibliográfico em Eventos
Internacionais de Educação Matemática. Revista Boletim Cearense de
Educação e História da Matemática, Ceará, v.04, n.11, 06–21. (2017).
Franz Rosenthal. BEYRUNİ'YE ARMAGAN. Ed. 68. Michigan: Turk Tarih Kurumu
Basımevi, 1974. 301 p.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2017.
OLIVEIRA, Maria Marly de. Como fazer pesquisa qualitativa. 7 ed. Rio de
Janeiro: Vozes, 2016.
753
SHAH, Zia H; TSCHANNEN, Rafig A.; VIRK, Zakaria. The Muslim Times:
Fostering Universal Brotherhoob in Our Global Village. Disponível em: <
https://themuslimtimes.info/>. Acesso em: 27/07/2020.
SOUSA, Gisele Costa de; GOMES, Ana Beatriz de A. Support for the promotion of
historic-with-technology activities. Research, Society and Development, v. 9, n.
5 (2020).
SOUSA, Giselle Costa de. Aliança entre HM, TDIC e IM: fundamentos e
aplicações. REMATEC: Revista de Matemática, Ensino e Cultura, Ano 15, Fluxo
Contínuo, p. 117-136. (2020a)
SOUSA, Giselle Costa de. Aliança entre História da Matemática e Tecnologias via
Investigação Matemática: reflexões e práticas. São Paulo: Editora Livraria da
Física, 2020b.
SOUZA, Francisco Neto Lima de Souza; SOUSA, Giselle Costa de. AL-BIRUNI E
SUA MATEMÁTICA. In: Seminário Cearense de História da Matemática, 3., 2018,
Juazeiro do Norte. Anais... Juazeiro do Norte: IFCE, 2018. p. 253-263.
754
A MATEMÁTICA PRESENTE NA PEÇA DE ROSVITA DE
GANDERSHEIM
RESUMO
Neste trabalho apresentaremos parte de uma pesquisa em andamento, a qual visa propor
atividades usando a história da matemática como recurso pedagógico. Aqui abordaremos
uma história de vida de Rosvita de Gandersheim, contextualizando o momento histórico de
sua existência, assim como, o local onde viveu. Em seguida traremos a matemática
presente numa das obras de Rosvita, intitulada Sabedoria e, por último, mostraremos uma
das atividades elaboradas para a sala de aula. A metodologia usada nesta pesquisa é de
cunho histórico bibliográfica, a qual nos forneceu subsídios para levar uma obra de fonte
secundária, uma vez que se trata de uma tradução do latim para o português, para a sala
de aula. Concluímos que o uso da história da Matemática no âmbito do ensino nos permite
a reelaboração e organização de abordagens pedagógicas que podem contribuir no
processo de ensino e aprendizagem da Matemática.
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo apresentar uma atividade, dividida em três
momentos, que usa a história da matemática como recurso pedagógico. Esta
atividade faz parte de uma pesquisa que se encontra em andamento, a qual trata
da possibilidade do uso da peça de Rosvita de Gandersheim para ensinar critérios
de divisibilidade, par ou ímpar e múltiplos para alunos do 6º ano do ensino
fundamental.
A obra escolhida foi a peça “Sabedoria” que tem por título original Sapientia.
A escolhemos devido ser uma peça que vemos com clareza conceitos matemáticos
259
Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). driellypassos0@gmail.com
755
sendo abordados, diferente de outras obras, da mesma autora, nas quais apresenta
outras questões, como a religiosa por exemplo. Como nosso foco é propor uma
atividade para ensinar matemática aliada a história da matemática, a peça que se
encaixa em nosso objetivo é justamente a mencionada. Para tanto, utilizamos a
tradução do latim para o português da peça “Sabedoria” realizada por Luiz Jean
Lauand em parceria com Prof. Dr Ruy Nunes. Os textos se referem ao contexto
inicial da Idade Média. E encontra-se em Patrologiae Cursus Completus, Series
Latin, uma edição Migne260 da peça que possui um glossário latim, explicando o
significado de diversos temas típicos do século X.
Ao utilizar a peça Sabedoria, buscamos trazer como recurso didático o uso
da história da matemática no ensino, a partir de um resgate histórico realizado pelos
próprios discentes, transformando informações históricas em conhecimento.
A utilização de atividades históricas segundo Mendes (2008) tem por
objetivo dar significado a matemática escolar, pois ele afirma que assim é possível
resgatar, a partir de textos históricos, sejam eles de fontes primárias ou
secundárias, no nosso caso de fontes secundárias e terciárias, o contexto
sociocultural para que propicie uma melhor compreensão da matemática, que o
aluno perceba a evolução da ciência e a compreenda como construção humana. O
uso dessas atividades pressupõe a participação efetiva do aluno na construção de
seu conhecimento em sala de aula e constitui-se como um fator essencial e
predominante no processo de ensino e aprendizagem
260
O nome de Migne está vinculado à edição de duas grandes coleções de textos cristãos, assim
como à publicação de dicionários. Das coleções de textos e obras resta-nos o sua monumental
Patrologia Latina (PL), um conjunto de escritores eclesiásticos latinos que chegou até Inocêncio III
no século XIII.
756
levantamentos bibliográficos, e não é somente verificar trabalhos que descrevem o
conteúdo matemático, como a tradução da obra referida, mas também trabalhos
que trazem o contexto histórico, a educação desse período. Também se torna
importante estudar os documentos oficiais sobre a educação básica, como a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), onde uma de suas competências da
Matemática para o ensino fundamental consiste em:
757
beneditinas. Para as jovens mulheres tornar-se canonisa representava a
oportunidade de participar da luta a favor do cristianismo ou de manter uma boa
condição social sem precisar se casar.
Enquanto poucos na Europa sabiam ler, Rosvita escrevia em latim,
conhecia o grego e dominava as disciplinas do currículo carolíngio, formado pelo
“quadrívium”, que reunia aritmética, geometria, música e astronomia, e pelo
“trivium”, lógica, gramática e retórica, relacionadas ao estudo do texto (Regino
2020).
O contexto histórico de Rosvita nos mostra que com a desestruturação do
Império Carolíngio um novo modo de vida alterou o comportamento da família
feudal. Essa alteração trouxe “a preocupação com a formação cultural e intelectual
dos homens, o que despertou nas mulheres a preocupação com a aquisição e a
transmissão de conhecimento” (Bovolim, 2005, p.83).
Bovolim (2005, p.83) afirma ainda que
261
Traduzido de forma literal do latim para o português como “ave rara.”
758
sobre o poder e a sedução e de comédias morais tais como: Gallicanus (Galicano),
Dulcitius (Dulcício), Callimachus (Calímaco), Abraham (Abraão), Paphnutius
(Pafnúcio) e Sapientia (Sabedoria). COSTA (2017)
Não se sabe se tais esboços dramáticos foram alguma vez representados,
se ela os escreveu apenas como exercício literário, utilizado apenas para a
distração de suas companheiras do convento ou se tiveram um público maior, com
uma encenação propriamente dita.
No entanto, Goulert (2000, p.17 apud Bovolim, 2005, p. 83) afirma que:
A peça “Sabedoria” é composta por nove cenas e 277 falas, no qual trata
da história de Santa Sabedoria e suas três filhas: Fé, Esperança e Caridade.
Segundo Lauand (1986) não foi criado por Rosvita, mas adaptado por ela para o
teatro em comemoração a festa das santas Sabedoria, Fé, Esperança e Caridade
que acontecia no dia 1 de agosto, em forma de relato feito por um contemporâneo
Simeão Metafraste. A obra de Rosvita teve como pontos originais a escolha das
759
idades das filhas em doze, dez e oito, na cena III e nas falas de 30 a 50. Para esse
estudo foi utilizada a tradução da peça “Sapientia” feita por Luiz Jean Lauand
encontrado na obra “patrologiae cursus completus, séries latina” 137, 10451062.
FIGURA 1: Patrologiae cursus completus,137
Fonte: https://archive.org/details/patrologiaecurs49unkngoog
262
A peça “sabedoria “ na íntegra se encontra na obra de LAUAND, Jean Luiz. Educação, teatro
e matemática medievais. São Paulo: Perspectiva, 1986.
760
Adr: Tal resposta me deixou na mesma: não sei que números são!
Sab: Não admira, pois, tal como respondi, podem ser diversos
números e não uma única resposta.
Adr: Explica de modo mais claro, senão não entendo.
Sab: Caridade já completou 2 olimpíadas; Esperança, 2 lustros; Fé,
3 olimpíadas.
Adr: E por que o número 8, que é 2 olimpíadas, e o 10, que é 2
lustros são números deficientes? E por que o 12 que completa 3
olimpíadas se diz número excedente?
Sab: Porque todo número cuja soma de suas partes (isto é, seus
divisores) dá menor que esse número se chama deficiente, como é
o caso do 8. Pois os divisores de 8 são: sua metade - 4, sua quarta
parte - 2, e sua oitava parte - 1; que somados dão 7. Assim também
o 10, cuja metade é 5; sua quinta parte é 2; e sua décima parte - 1.
A soma das partes do 10 é, portanto, 8, que é menor que 10. Já o
contrário, se diz número excedente, como é o caso do 12. Pois sua
metade é 6; sua terça parte - 4; a quarta parte -3; a sexta parte -2;
e sua duodécima parte -1. Somadas as partes dão 16. Quando,
porém, o número não é excedido, nem inferior a soma de suas
partes, então esse número é chamado perfeito. É o caso de 6, cujas
partes- 3,2,1 somadas dão o próprio 6. Do mesmo modo, o 28, 496
e 8128 também são chamados números perfeitos. (LAUAND, 1986,
p.50-51 )
761
conhecimentos na administração do mesmo, que eram dirigidos por elas, ou em
seus feudos, quando da ausência de seus maridos.
A contribuição das peças de Rosvita nos serve como resgate da educação
no período medieval e nos mostra domínio e conhecimento matemático ao citar
critérios de se obter números perfeitos, além das abordagens conceituais de
divisores, múltiplos e números primos.
762
✓ resolver os problemas propostos;
✓ elaborar enigmas com a idade de cada aluno assim como Sabedoria fez
com a idade de suas filhas.
Habilidades de acordo com a BNCC:
763
Após a leitura, cada aluno irá elaborar um enigma com a sua idade usando
os conceitos trabalhados e a peça de Rosvita.
1. Você sabia que Rosvita criou peças de teatro? Qual delas apresenta
conceitos matemáticos?
764
2. Agora que você conhece Rosvita, leia a peça “Sabedoria” e destaque os
termos “parmente par”, “parmente ímpar” e indivisibilidade. O que significa cada
um destes termos?
3. Rosvita fala na peça “Sabedoria” que os números parmente par são os
múltiplos de 2; parmente ímpar é o dobro de um número ímpar, considerando
esses termos usados por Rosvita. Responda:
a) Você sabe o que é um múltiplo de um número? Como encontrar múltiplos
de um número? Dê exemplos.
b) O que é um número par? Como encontrar números pares? Dê exemplos.
c) O que é um número ímpar? Como encontrar um número ímpar? Dê
exemplos.
d) O que são divisores? Como encontrar os divisores de um número? Dê
exemplos.
e) Você já ouviu falar de números primos? Como encontrar números primos?
Dê exemplos.
765
3. Você acha que conhecer a história sobre Rosvita, conhecer o Teatro dela e
como era a Matemática dessa época te ajudou a entender os conceitos aritméticos
e elaborar seu enigma? Justifique.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
766
Portanto, percebe-se que é possível criar atividades a partir do uso da obra
de Rosvita como recurso pedagógico e usando a metodologia da Historia da
Matemática aliada a Base Nacional Curricular Comum. O trabalho continua com
aplicação das atividades na educação básica e a recolha de dados.
Fonte Financiadora: BIC/FAPEMIG
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOVOLIM, Zenaide Zago Campos Polido; OLIVEIRA, Terezinha. Os escritos de
Rosvita de Gandersheim no século X. Disponível em:
¡https://www.yumpu.com/pt/document/view/ escritos-de-rosvita-de-gandersheim-
no-seculo-x-facedufu¿ Acesso em : 26 Fev 2020.
767
PATERLINI, R. R., Aritmética dos números inteiros. (Último acesso em
20/09/20).
768
A TEMPORALIDADE ENTRE PARECERES E A APRECIAÇÃO DOS PCN
PELO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO: UMA REFLEXÃO
PERTINENTE
RESUMO
A investigação tem caráter histórico e sua problemática está relacionada com a elaboração
de pareceres relacionados com a primeira versão dos PCN com o objetivo de entender
como se deu o processo de elaboração de tais documentos na área de matemática no que
se refere a temporalidade de sua estruturação. A pesquisa limita-se a analisar dois
pareceres organizados por profissionais que atuam na educação pública superior do
estado do Paraná revelando suas posições e o tempo estimado em suas elaborações.
Também, fez-se uma análise no parecer emitido pelo Conselho Nacional de Educação a
cerca de tal documento. Apóia-se teórico-metodologicamente em Barros (2017), Chartier
(2002), Ginzburg (1989) e Burke (2008; 2016) no que envolve a relevância e a escrita da
pesquisa histórica e seus procedimentos metodológicos. Os resultados preliminares
revelam que o documento elaborado pelo Ministério da Educação é inovador para a
melhoria da educação pública porém, a escassez de tempo na elaboração de pareceres
e discussões sobre tal documento podem ter afetado qualitativamente a versão final
publicada em 1997.
INTRODUÇÃO:
263
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). E-mail: lauroigormetz@gmail.com.
769
repercutem no meio acadêmico até os dias atuais. Apoiando-se em fatos históricos
a problemática da investigação está relacionada com a elaboração de pareceres
por diferentes profissionais em relação a primeira versão dos PCN para os dois
primeiros ciclos da educação básica e tem como objetivo entender como ocorreu o
processo de elaboração de pareceres na área de matemática no que se refere a
temporalidade de sua estruturação. Dentre os objetivos específicos busca-se
entender o processo que precedeu a determinação da organização dos PCN,
verificar a temporalidade que representantes paranaenses vivenciaram para
elaborar pareceres relacionados com o documento que seria publicado
posteriormente pelo Ministério da Educação, colaborar na construção da história da
Educação Matemática brasileira. A investigação apresenta dados parciais de um
tese de doutorado em desenvolvimento que busca descobrir quais foram as
contribuições dos pareceres da área de Matemática elaborados em torno da
primeira versão dos Parâmetros Curriculares Nacionais na constituição dos
saberes profissionais sistematizados em tal documento. O trabalho justifica-se por
colaborar em esclarecimentos de fatos relacionados com o ensino da matemática
e a formação de professores. Trata-se de uma investigação histórica que
fundamenta-se teórico-metodologicamente em Barros (2017), Chartier (2002),
Ginzburg (1989) e Burke (2008; 2016) no que se refere ao entendimento e
procedimentos de uma pesquisa histórica. Metodologicamente foi realizada uma
análise documental em dois pareceres elaborados por professoras representantes
de Instituições de Ensino Superior Paranaense em relação a versão preliminar dos
Parâmetros Curriculares Nacionais dos dois primeiros ciclos do Ensino
Fundamental. O primeiro emitido pela professora Ettiène Cordeiro Guérios
representante do Departamento de Educação da Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e outro, elaborado pela professora Regina Maria Pavanello, representante
do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de
Maringá (UEM). Para a compreensão de argumentos apresentados em tais
pareceres também foi feito um estudo no Parecer No 3/97 emitido pelo Conselho
Nacional de Educação sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais.
770
A PESQUISA HISTÓRICA
771
evidenciando que é fundamental atentar-se na variedade ou à especificidade das
culturas locais salientando que o historiador precisa interagir com suas fontes no
sentido de criticá-las quanto a sua existência e seus propósitos, não deve tratar
textos e imagens de um certo período como reflexos não problemáticos de seu
tempo (Burke, 2008).
A potencialidade do olhar minucioso caracterizado por Burke (2008) é
firmada pelo historiador italiano Carlo Ginzburg em "O queijo e os vermes" (1996),
na qual a postura do protagonista Menocchio revela que nem sempre a
argumentação é consistente mas necessariamente instiga o pensamento e
também, no trabalho "Sinais raízes de um paradigma indiciário" (1989) o qual
remete o leitor a reflexões a cerca de saberes e conduções metodológicas em
pesquisas da História da Educação Matemática. No que se refere a aspectos
metodológicos o autor destaca por meio de metáforas a importância do historiador
ir em busca das fontes primárias, compreende-se a importância de todo historiador
valorizar e analisar fontes primárias e não deixar ludibriar por impressões frágeis e
manipuladoras. Na atividade de análise de fatos históricos é essencial "examinar
os pormenores mais negligenciáveis, e menos influenciados" (GINZBURG, 1989,
p.144) para descobrir a veracidade e as finalidades do objeto observado. O
historiador necessita se basear em indícios que as vezes são imperceptíveis.
772
discussões pedagógicas, planejamento, análise material didático e elaboração de
projetos educativos (BRASIL, 1997).
773
em tal documento e geraram uma série de discussões sobre sua real finalidade.
Dentre os impasses está a capacidade técnica de pessoas envolvidas na sua
elaboração, questões voltadas a competências entre Conselho Nacional de
Educação e o próprio Ministério da Educação, situações envolvendo
posicionamentos de profissionais, Instituições e Entidades Organizacionais sobre a
forma e procedimentos de elaboração, entre outras.
774
matemática evoca que o bloco Tratamento de Informação precisa ser reestruturado
considerando sua incorporação nos demais.
Já, a professora Regina Maria Pavanello, graduada em Matemática, mestre
e doutora pela Universidade Estadual de Campinas, atua desde 1985 como
professora da Universidade Estadual de Maringá. Na época da elaboração dos
PCN era membro representante do Departamento de Teoria e Prática da Educação
no Colegiado do Curso de Matemática e coordenava um projeto financiado pela
Instituição que tinha como objetivo investigar as dificuldades dos alunos das séries
iniciais do ensino fundamental na resolução de situações problema que envolvem
noções geométricas. A solicitação da elaboração de um parecer técnico sob
responsabilidade da professora Pavanello foi endereçado a Fundação
Universidade de Maringá em 13 de julho de 1996. No corpo do mesmo a autora
descreve que houve apenas 10 dias para a realização de tal tarefa o que impediu
um trabalho aprofundado.
775
específico a área de matemática sugere que se evidencie nas orientações didáticas
a existência de diferentes maneiras de resolver um mesmo problema para que os
docentes não confundam tais estratégias metodológicas.
No parecer no. 3/97, emitido pelo Conselho Nacional de Educação, verificou-
se que o então ministro da educação da época, Paulo Renato de Souza, solicitou
a apreciação do documento intitulado Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) -
versão agosto 1996 no dia 10 de setembro de 1996 e na sessão realizada em 12
de março de 1997 a decisão da Câmara da Educação Básica coordenada pelo
presidente - conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury acompanhou o relatório
elaborado pelo relatores/conselheiros Edla de Araújo Lira Soares, Fábio Luiz
Marinho Aidar, Hermengarda Alves Ludke, Regina Alcântara de Assis no sentido
favorável pelo documento. Dentre o posicionamento dos conselheiros destaca-se
que o PCN visa a melhoria da qualidade do ensino fundamental e o
desenvolvimento profissional do professor porém, trata-se de uma proposição
pedagógica sem caráter obrigatório. O documento evidencia a ciência dos
conselheiros que no final de 1995, antes da constituição do CNE, a Secretaria de
Educação Fundamental já havia divulgado a primeira versão dos PCN elaborada
por equipes contratadas pelo MEC destacando que aquele Conselho acompanhara
o movimento em torno dos PCN desde março de 1996 antes de ser oficialmente
convidado a fazê-lo pelo ministro da educação. Revela-se também que
conselheiros já tinham acesso a versão preliminar dos documentos por terem sido
convidados a emitir pareceres na qualidade de consultores. No âmbito da
aproximação entre CNE e professores realizaram-se seminários regionais na
região nordeste, centro-oeste, sudeste e norte do país. Na região sul não houve o
seminário regional com a justificativa que na região haviam sido promovidas
reuniões pelo MEC e pela SEE para o mesmo fim.
CONSIDERAÇÕES:
776
e econômicos, como também a pressão internacional em relação a elaboração de
tais documentos. As análises dos documentos elaborados pelas professoras
especialistas revelam que o parecer emitido pela representante da UFPR foi
elaborado em apenas 31 dias e o parecer emitido por representante da UEM foi
organizado em apenas 10 dias. Em ambos os Pareceres não é possível identificar
se houve encontros com outros profissionais da área ou discussões com a
comunidade em suas elaborações como destaca a versão introdutória dos PCN. O
Parecer n. 3/97 revela que houve uma aceleração no envio da versão final
elaborada pelo MEC ao CNE ao verificar, que a versão final foi elaborada a menos
de 60 dias de recebido do Parecer emitido pela professora Pavanello. Diante da
revelação dos fatos conclui-se que tal documento tem sua relevância na
organização curricular do ensino de matemática nas primeiras séries da Educação
Básica e na formação de professores que ensinam matemática mas, que a
escassez de tempo prejudicou a qualidade dos pareceres elaborados pelas duas
especialistas e coloca-se em questão se os pareceres produzidos foram ou não
considerados em discussões na elaboração da versão final publicada dos PCN.
REFERÊNCIAS:
777
BURKE, P. O que é História Cultural? Trad. Sérgio Goes de Paula. Rio de
Janeiro: Zahar, 2008.
778
ELEMENTOS PARA UM TRATAMENTO DIDÁTICO SOBRE A DESCRIÇÃO DO
INSTRUMENTO JACENTE NO PLANO264
RESUMO
O esforço dedicado neste estudo está atrelado a proposta de construção de interface entre
história e ensino de matemática, sob uma perspectiva historiográfica atualizada, em
particular, a etapa de tratamento didático do texto, vislumbrando uma possível
incorporação do instrumento jacente no plano em uma atividade em sala de aula de
matemática. Especificamente, o objetivo com esse trabalho é apresentar elementos para
favorecer um tratamento didático sobre o texto de descrição do instrumento jacente no
plano. Para tanto, como forma de sustentar/guiar metodologicamente a pesquisa é
assumido um estudo do tipo qualitativo documental e bibliográfico. Aqui, os excertos em
que Pedro Nunes descreve o aparato são observados em De arte atqui ratione navigandi
(2008). Dentre os temas incorporados no texto de descrição do instrumento jacente no
plano, notam-se Astronomia, Matemática e Navegação, entre outros que circulavam no
século XVI. Também se pode notar a existência de alguns termos não mais usuais na
modernidade. Diante desses fatos, são apresentados elementos que ajudam a
compreender o texto de descrição do instrumento jacente no plano.
INTRODUÇÃO
264
O presente trabalho tem relação com a pesquisa de mestrado de Oliveira (2019), a qual teve como orientadora a
professora Ana Carolina Costa Pereira - Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: carolina.pereira@uece.br.
265
Grupo de Pesquisa em Educação e História da Matemática (GPEHM/UECE). E-mail:franciscowagner2007@gmail.com.
779
conceito matemático” e o “contexto no qual os conceitos matemáticos foram
desenvolvidos” (SAITO, 2016a, 2016b; SAITO, DIAS, 2013).
No processo de construção da interface não existe uma ordem pré-
estabelecida para o desenvolvimento desses movimentos, pois se entende que o
pesquisador pode conduzir o estudo a partir de suas necessidades e/ou
concepções. Para o caso em que o estudioso seja um educador matemático, as
informações da malha histórica possibilitaram estabelecer um diálogo entre história
e ensino. Dessa conversa entre as áreas vão emergir algumas questões, a
exemplo, epistemológicas e matemáticas (conceituais), as quais podem se
apresentar como potencialmente didáticas ou pedagógicas para o ensino de
matemática (PEREIRA, SAITO, 2019).
O diálogo dessas questões na interface, “[...] fazem emergir um novo objeto
que, retirado da malha histórica, é orientado para o ensino de matemática”
(PEREIRA, SAITO, 2019, p. 5). Diante dele, o educador poderá propor atividades
para trabalho com estudantes, as quais busquem “[...] refletir o processo da
produção do conhecimento que, dependendo da intencionalidade do educador,
poderá ser orientada para diferentes propostas de ensino” (SAITO, DIAS, 2013, p.
11).
Conforme Saito e Dias (2013) a proposta de atividade deve contemplar três
etapas inter-relacionadas, são elas: intencionalidade e plano de ação; tratamento
didático; e desenvolvimento. Como o foco nesse estudo é a etapa de tratamento
didático, deve-se ter em conta que quando aqui se referir a tratamento didático,
cabe destacar que se está falando de todo o processo de decodificação do:
780
nas imagens, no material para confecção do instrumento, nos
elementos discursivos, etc (SAITO; DIAS, 2011, p. 26).
781
O TEXTO DE DESCRIÇÃO DO INSTRUMENTO JACENTE NO PLANO
782
A demonstração é a seguinte: Imagine-se que a superfície do
círculo abcd, que está paralela ao horizonte, é prolongada para
o lado em que as sombras se projectam, e seja o triângulo ake
a sombra do triângulo rectângulo afe, perpendicular a esse plano
e projectada no mesmo plano; que a recta af projecte a sombra
ak, e seja ek a sombra da recta ef, cortando 1 o quadrante ab.
Visto que os raios solares à superfície da terra são tidos como
paralelos, a linha recta ak e a sombra do estilete projectada na
reta eb serão paralelas. Sabemos que o ângulo aeb é recto;
portanto será recto o ângulo eak, assim como é recto eaf, e por
consequência será recto o ângulo fak, pela terceira definição do
livro 11º de Euclides. Portanto, nos dois triângulos ake e afk,
como o lado ae de um é igual ao lado af do outro, e ak é lado
comum, os dois ângulos contidos pelos lados iguais são iguais,
ou seja rectos, e por isso os dois ângulos afk e aek serão iguais
entre si pela quarta proposição do primeiro livro de Euclides. Por
outro lado, o ângulo afk é oposto ao ângulo de vértice em f que
subtende o arco da distância entre o Sol e o zénite, pelo que o
ângulo aek subtenderá de modo idêntico o arco a1 no quadrante
ab. O restante b1 será semelhante ao arco da altura do Sol
acima do horizonte, que era o que se pretendia demonstrar.
A partir desta demonstração pode ver-se, se este tipo de
instrumento tiver forma quadrada, de modo a que nele se possa
traçar a recta ak tangente ao círculo no ponto a, não será
necessário um estilete ou uma haste cuja sombra se projecte na
reta bd. Basta rodar o próprio instrumento até que a sombra da
recta af se projecte sobre a recta ak, pois assim a sombra da
recta ef indicará o arco da altura do Sol acima do horizonte. Se
se duplicarem os lados do triângulo fgh, de maneira a que o lado
gh seja igual ao diâmetro ac e se ajuste perfeitamente a ele,
poder-se-á dividir o semicírculo abc em noventa partes iguais e
então os graus da altura do Sol serão duplamente maiores.
Se o instrumento assim construído for colocado
perpendicularmente ao plano do horizonte, e posto diante do Sol
de maneira que a sombra da recta af, que já não será recta, mas
versa, se projecte na reta ak, será a1 o arco da altura do Sol
acima do horizonte, e o restante b1 será o arco da distância entre
o Sol e o zénite. Por esta razão, a sombra recta e a versa
permutam-se, por forma que, tomadas duas alturas do Sol que
perfaçam 90 graus, será tanta a sombra recta de um mesmo
gnómon, para uma desta alturas, quando a versa que
corresponde à outra. Para uma mesma altura do Sol acima do
horizonte, quer os gnómones sejam iguais, quer desiguais, a
sombra recta estará em relação ao seu gnómon como qualquer
outro [gnómon] estará em relação à sua sombra versa. A
demonstração disto é fácil, pela quarta proposição do sexto livro
de Euclides. Portanto, pela regra usual das proporções,
783
conhecereis a sombra versa a partir da recta e, por sua vez, a
recta partir da versa (NUNES, 2008, p. 358-360).
784
alguns elementos da construção geométrica, por exemplo, para a divisão de um
quadrante, instrui que, “divida-se cada quadrante superior em 3. Partes iguaes,
cada hūa das quaes se repartirá em outras 3. & seraõ 9. & destas cada hūa pelo
meyo sayraõ 18. Que divididas cada hūa em 5. Ficará o quadrãte dividido em 90
(OLIVEIRA, 1606, p. 55).
Em seu trabalho de dissertação, Oliveira (2019) traz uma discussão
entorno dos conhecimentos geométricos mobilizados no decorrer dos
procedimentos de construção indicados por Simão de Oliveira em sua Arte de
Navegar. Ainda sobre o referido costume, Oliveira e Pereira (2020) expõem
alguns indícios e informações em torno do contexto.
Da descrição do instrumento jacente no plano, ainda merece atenção o
significado de alguns termos. É preferível que se busque significado para eles
no próprio texto em estudo, em fontes secundárias do autor ou em último caso
em literatura secundária. Horizonte, por exemplo, conforme expresso em fonte
secundária, Tratado da Sphera Nunes (2014), pode ser definido como “[...] o
círculo maior que separa a parte visível do mundo da que se não ver, pois um
hemisfério está acima da terra, o outro debaixo da terra, sendo um mesmo
hemisfério e metade da esfera” (NUNES, 2014, p. 213).
A função do instrumento jacente no plano é fornecer a “altura” do Sol
acima do horizonte, à luz do próprio texto, entende-se que esse termo técnico,
nada mais é do que o ângulo entre o horizonte e onde está o Sol. É possível
definir a altura dessa forma, visto que ela é dada por meio de um arco formado
na circunferência graduada sobre a tábua do aparato.
Dentre as partes do aparato, tem-se a instrução de se colocar um
estilete. Segundo Figueiredo (1913), esse termo está a se referir a um aparato
de aço, fino e pontiagudo. De forma similar, também se pode ouvir falar em estilo,
o qual, em termo antigo, é definido como um “ponteiro ou pequeno instrumento,
com que os antigos escreviam em tábuas enceradas (Lat. stilus)” (Figueiredo,
1913, p. 820). Na modernidade, compreende-se que seria parecido com um
prego (OLIVEIRA, 2019).
785
Outro termo que merece destaque é a palavra zênite, que pode ser
definido como “[...] o ponto mais alto da esfera celeste, correspondente à
extremidade superior de uma linha imaginária que se projeta na vertical acima
da cabeça de um observador” (OLIVEIRA, 2019, p. 53).
Também carece de uma definição os termos, sombra reta e sombra
versa. Sobre eles cabe destacar que:
A definição de sombra recta (também denominada por vezes de
direta, ou tendida) e sombra versa (às vezes também chamada
diversa, ou conversa), pode recolher-se das notas de aulas, por
um professor anónimo do século XVII: ‹‹Sombra direita ou
estendida se chama toda a que lança alguma cousa alevantada a
ângulos rectos sobre a superfície do orizonte ou de qualquer plano
a ela paralelo como seria a sombra de huma cana[?] fabricada a
perpendiculo, ou de corpo semelhante. Sombra diversa he a que
faz qualquer corpo paralelo ao orizonte no plano onde ele esta
posto que he perpendicular ao mesmo orizonte como he a sombra
de hum estilo pegado na parede a ângulos rectos›› (LEITÃO, 2008,
p. 689).
786
aparato, uma delas em uma tábua circular e outra em uma tábua quadrada
(LEITÃO, 2008; OLIVEIRA, 2019). Sobre elas, cabe destacar que “i) numa tábua
redonda, com um triângulo colocado perpendicularmente a esse tábua, e
também com um estilete vertical; ii) numa tábua quadrada, apenas com um
triângulo colocado perpendicularmente” (LEITÃO, 2008, p. 688).
Sobre essas duas configurações, tem-se (figura 1):
787
Fonte: Oliveira (2019, p. 51)
788
Fonte: BPE, Manizola, Cod. 27 (Séc. XVII, fl. 13r, apud Almeida, 2011)
NOTAS FINAIS
789
significado de alguns termos, como também reconhecer as partes e
configurações do aparato, pois esse trabalho, será responsável por potencializar
a obtenção da intencionalidade e plano de ação do educador matemático.
A construção do instrumento jacente no plano, assim como o seu uso,
tem incorporado uma gama de conhecimentos geométricos (OLIVEIRA, 2019).
Quanto à construção, pode-se explorar conceitos mobilizados em construções
geométricas (trissecção de ângulos, bissetriz, divisão de um ângulo em n partes
e traço de reta tangente, etc.). Sobre o uso, cabem discussões matemáticas
entorno do posicionamento do instrumento e de sua validade em qualquer uma
das configurações que pode receber.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LAVANHA, João Baptista, Tratado del arte de navegar. Ms. 2317, fols. 20r-
790
45v, 1588. Disponível em: <https://repositorio.ul.pt/handle/10451/6140>.
Acesso em: 15 maio 2018.
NUNES, Pedro. Obras: De Arte Atque Ratione Navigandi. vol. IV, Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.
791
SAITO, Fumikazu; DIAS, Marisa da Silva. Interface entre história da
matemática e ensino: uma atividade desenvolvida com base num documento
do século XVI. Ciências & Educação (Bauru), São Paulo, vol. 19, n. 1, p.89-
111, 2013.
792
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E TECNOLOGIAS DIGITAIS:
do que tratam as dissertações e teses (de 1990 a 2019)?
RESUMO
Neste artigo se descrevem resultados parciais de uma pesquisa ligada a um
macroprojeto intitulado História para o Ensino de Matemática na Formação de
Professores e na Educação Básica: uma Análise da Produção Brasileira (1990 – 2017).
O projeto foi aprovado e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) sob a coordenação do Prof. Dr. Iran Abreu Mendes.
Neste desdobramento, temos o intuito de indagar qual o panorama de pesquisas que
apresentam uma possível aliança entre a história da matemática e as tecnologias
digitais para o ensino da matemática. A abordagem metodológica nesta pesquisa é de
tipo bibliográfica, pois o objeto de estudo são as teses e dissertações disponíveis no
acervo do Centro Brasileiro de Referência em Pesquisa sobre História da Matemática
(CREPHIMat), nas modalidades de pesquisa em História da Matemática (HM), as quais
são História e Epistemologia da Matemática (HEpM), História da Educação Matemática
(HEdM) e História para o ensino da Matemática (HEnM). Das 728 produções
acadêmicas-científicas foram filtradas apenas 24, que tiveram presença de tecnologias
digitais no corpus do trabalho. O panorama esboçado neste mapeamento permitiu
constatar que as tecnologias digitais mais usadas são os softwares de Geometria
Dinâmica, dentre eles, o GeoGebra é o mais destacado nas pesquisas. Consideramos
que se deve continuar promovendo o desenvolvimento de mais propostas que nutram a
aliança entre história da matemática e as tecnologias digitais pelo fato de apenas o 3%
das 728 produções tiver presença deste tipo de recurso digital.
266
Aprender en Red. ivonne.s.1812@gmail.com.
267
Aprender en Red. luiscastleb@gmail.com.
268
Universidade Federal do Pará (UFPA). iamendes1@gmail.com.
793
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
794
informações históricas e tecnologias digitais, de modo que se tenham condições
para responder o seguinte questionamento de pesquisa: Qual o panorama de
pesquisas que apresentam uma possível aliança entre a história da matemática
e as tecnologias digitais para o ensino da matemática?
Na seguinte seção descrevemos como foram os procedimentos
metodológicos sobre a organização, catalogação e filtragem das produções de
teses e dissertações para atingir o objetivo e responder à questão da pesquisa.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
795
produzidas após 2010, pelo fato desse pesquisador, junto com outro grupo de
orientandos e colaboradores que fizeram parte das pesquisas anteriormente
desenvolvidas por Mendes (2010; 2014), constituir o acervo de teses e
dissertações no período de 1990 a 2010. A Tabela 1 ilustra a distribuição
realizada por Mendes das teses e dissertações no período 1990 – 2018.
796
Mestrado
73 245 65 383
Acadêmico
Mestrado
5 53 76 134
Profissional
Total 133 434 161 728
Fonte: Elaborada segundo as produções disponíveis no CREPHIMat (2021)
797
trabalhos que fazem menção ao uso das tecnologias digitais, pelo que podemos
dizer que isso era um resultado a priori, já que as produções nesta modalidade
estão ligadas tanto à vida quanto à obra de matemáticos, bem como ao
desenvolvimento das suas ideias matemáticas e ao desenvolvimento de
conceitos matemáticos ao longo do tempo.
No caso de zero (0) produções em História da Educação Matemática –
HEdM com uso das tecnologias digitais era de esperar porque estes tipos de
produções geralmente abordam estudos com relação à história de instituições,
(auto) biografias de professores de matemática, para a melhoria do ensino, bem
como o que contribuem com a coleta de documentos, memórias e o patrimônio
da Educação Matemática.
Bem destacado é o número de produções em História para o Ensino da
Matemática (HEnM) que apresentam o uso das tecnologias digitais, tal vez pelo
fato de as produções nesta modalidade de pesquisa da HM serem
caracterizadas pelas propostas e ações centradas nos usos das informações
históricas com fins pedagógicos, como uma estratégia para o ensino da
Matemática, bem como a elaboração de materiais didáticos para ensinar
Matemática, baseadas em fontes históricas.
Com o propósito de indagar um pouco mais sobre outros aspectos destas
produções, organizamos na Tabela 4 as 13 Instituições de Ensino Superior (IES)
nas quais estas produções de pesquisa foram defendidas.
798
UFPel 1
UFPR 1
UFRN 8
UFSCar 1
UNICSUL 1
URI 1
USP 3
Total 24
Fonte: Elaborada segundo as produções disponíveis no CREPHIMat (2021)
799
TABELA 5: DISTRIBUIÇÃO DAS PRODUÇÕES DA TABELA 3 NAS IES
IES Produções
GeoGebra 13
Régua e
1
Compasso
Compasso
1
Eletrônico
Meplot free e
Mathlab 1
Calculator
Winplot 1
Recursos
3
Audiovisuais
Excel 1
Prezi 1
Videogames 1
Blog
1
(Homepage)
Total 24
Fonte: Elaborada pelos autores
800
recursos digitais que fazem presença como Excel, Prezi, Videogames, Blog
(Homepage), Winplot, entre outros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
801
AGRADECIMENTOS
Este artigo tem o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior – Brasil (CAPES) código de financiamento 001, e se classifica
como uma produção gerada nos projetos de pesquisas vinculados a programas
de pós-graduação em níveis de mestrado e doutorado aprovados e financiados
pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
REFERÊNCIAS
BARROS, Rafael José; MENDES, Iran Abreu. Dissertações e teses em História
e Epistemologia da Matemática: contribuições para a abordagem da Geometria
Espacial no Ensino Médio. Principia, n. 37, p. 139–150, 2017.
802
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NAS COLEÇÕES DO PNLD 2018:
um estudo preliminar
Cleber Haubrichs269
Marcello Amadeo270
RESUMO
Os livros didáticos são um veículo importante na universalização do acesso a materiais
didáticos e a principal referência de alunos e professores. Através deles que se fazem
circular algumas histórias da matemática na comunidade escolar. Assim, temos como
objetivo identificar como e qual história da matemática (HdM) que chega até os
estudantes e professores pelos livros do PNLD de 2018. O Coletivo de História no
Ensino de Matemática (CHEMat) elaborou um instrumento para descrever as inserções
de HdM contidas nos livros didáticos. Por inserção histórica, entendemos qualquer tipo
de informação que remeta ao passado, tomando o cuidado de evitar contextualizações
deliberadamente ficcionais. O instrumento, no formato de um formulário para efetuar a
coleta de dados, está organizado em seis blocos de perguntas: uma para identificar
formalmente a inserção, seguida de quatro partes que descrevem os episódios
históricos em relação aos personagens citados, o período histórico, as figuras utilizadas,
a relação da inserção com os demais conteúdos do livro e as referências ali contidas. A
última parte analisa as inserções de HdM em livros didáticos segundo suas funções
didáticas. O presente texto traz um relato dos dados coletadas num estudo preliminar
envolvendo três livros, comentários de algumas tendências nas respostas obtidas,
dificuldades observadas na tarefa da coleta e algumas reflexões levantadas após a
conclusão do estudo preliminar.
INTRODUÇÃO
269
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ).
cleber.santos@ifrj.edu.br
270
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). marcello.amadeo@gmail.com
803
Desde a criação do PNLD (Programa Nacional do Livro e do Material
Didático) em 1985, os livros didáticos se tornaram gradualmente obrigatórios nas
redes públicas de ensino. Hoje, eles constituem um veículo importante para a
universalização do acesso a materiais didáticos e a principal referência de alunos
e professores. É através dos livros didáticos que se fazem circular algumas
histórias da matemática entre estudantes e educadores. Sejam elas curiosidades
históricas, anedotas exageradas, informações biográficas ou reconstruções
históricas, algumas coleções didáticas têm se dedicado a incorporar elementos
históricos aos seus textos. Sendo assim, podemos nos perguntar quais as
funções pedagógicas podemos identificar da HdM nos livros textos? Ela é usada
como motivacional, como elemento disparador de conteúdo? Como
contextualização de conceitos matemáticos? Como formação geral dos leitores?
Como um recurso pedagógico para se explorar uma propriedade matemática?
Por outro lado, a historiografia da matemática possui diversos aspectos,
muitas vezes incompatíveis entre si, como, por exemplo, a dualidade entre
historiografia tradicional versus historiografia atualizada – evocada com
frequência nos últimos eventos de HdM. Portanto, podemos nos perguntar qual
historiografia os autores de livros didáticos se baseiam? Ela parte de textos
ultrapassados271 ou privilegia as discussões recentes? As coleções contemplam
algum resultado histórico dos últimos 50 anos? Quais implicações isso tem para
a formação inicial do estudante em matemática? Qual imagem que o estudante
sai do ensino médio sobre o ofício do matemático a partir dessas leituras
históricas?
Pensando assim, temos como objetivo inicial, dentro de um projeto de
pesquisa mais amplo, identificar qual é a HdM que chega até os estudantes e
professores. Compreender qual HdM circula entre os alunos é importante para
271 Aqui nos referimos especificamente aos livros de história da matemática de H. Eves e de C.
Boyer publicados originalmente em 1953 e 1968, respectivamente. São as principais referências
nos cursos universitários e, ainda hoje, se mantêm com ampla divulgação dentro da comunidade
matemática brasileira. Para uma leitura crítica dessas obras recomendamos o artigo de Abreu et
al. (2021).
804
nós, pois entendemos que ela reflete muitos estigmas que a matemática carrega
na escola básica. Não existe neutralidade nas narrativas históricas (SAITO,
2018). Essas leituras históricas já foram duramente criticadas nas últimas
décadas. Elas são discussões fundamentais se quisermos reconstruir a imagem
de que a matemática é uma ciência humana como qualquer outra, sujeita a erros
e acertos, não tão diferente das demais como se quer acreditar. Elas necessitam
ir além do conteúdo matemático e considerar, também, o contexto cultural na
qual a fonte se insere (Grattan-Guinness, 2004). Esse novo olhar sobre a HdM
é um passo importante se quisermos ultrapassar os preconceitos e respeitar a
diversidade no fazer matemático, e no fazer pedagógico. Ele pode ajudar os
professores a ter uma visão crítica diferente sobre sua própria disciplina.
Os livros aprovados pelo PNLD (Programa Nacional do Livro Didático)
têm um alcance nacional e universal, isto é, qualquer escola pública,
independente da sua região ou especificidade, tem direito ao acesso às mesmas
coleções. Portanto, os livros de matemática aprovados pelo PNLD nos
apresentam como um bom parâmetro para identificar como a HdM é tratada nos
materiais didáticos brasileiros. O edital do PNLD mais recente para a disciplina
de matemática no ensino médio foi o de 2018. Foram 8 coleções aprovadas,
cada uma com três volumes, correspondendo três anos do ensino médio, ou
seja, no total, foram 24 livros aprovados para serem utilizados no triênio 2018-
2020. A avaliação desse ciclo culminou com a publicação do Guia de Livros
Didáticos de Ensino Médio do PNLD 2018 (BRASIL, 2017), que nos serviu como
uma importante referência para nossa análise. Assim, a escolha dos livros
didáticos desse edital de 2018 foi feita por se tratar das coleções em vigor nas
escolas públicas quando se iniciou essa pesquisa.
A restrição por coleções de ensino médio foi feita por se tratar dos anos
finais da educação básica. Boa parte dos estudantes nessa etapa são jovens
entre 14 e 18 anos e estão descobrindo o mundo com um olhar um pouco menos
ingênuo do que tinham no ensino fundamental. Nessa etapa, os estudantes já
possuem algum nível de discernimento sobre o que é a matemática escolar.
805
A partir dessas considerações, nós do CHEMat (Coletivo de História no
Ensino de Matemática) iniciamos um projeto de pesquisa sobre as inserções de
história em livros didáticos de matemática. Por inserção histórica, entendemos
qualquer tipo de informação que remeta ao passado, a qual pode abordar
momentos do desenvolvimento histórico dos conceitos, informações biográficas
de matemáticos, livros ou outra publicação importante, datas de acontecimentos,
dentre outras informações, tomando o cuidado de evitar contextualizações
deliberadamente ficcionais que sejam inspiradas em situações históricas. O
nosso projeto tem como objetivo fazer uma leitura completa sobre o uso de HdM
em todas as coleções aprovadas no PNLD de 2018. Elas podem nos oferecer
um bom panorama de qual é a HdM que os estudantes da educação básica das
escolas públicas têm acesso atualmente. O presente texto traz algumas
reflexões preliminares desse estudo.
806
consequentemente, um número muito maior de inserções para se analisar. Essa
foi a maneira que encontramos para diminuir a subjetividade da leitura de cada
participante e, portanto, tornar nossa interpretação mais objetiva.
Para avaliar o uso, a adequação e a versatilidade do instrumento no
processo de coleta de dados, o grupo se engajou num estudo piloto entre agosto
e setembro de 2020. Nesse estudo, foram analisadas as inserções de 3 livros
didáticos, tomados um de cada ano letivo do ensino médio. Para que a amostra
pudesse ser diversificada quanto à forma das inserções, o grupo optou por
escolher os três livros de diferentes coleções. Os livros, selecionados
arbitrariamente, foram os seguintes: (a) Matemática: Contexto e Aplicações,
volume 1, de Luiz Roberto Dante, (b) Quadrante Matemática, volume 2, de
Eduardo Chavante e Diego Prestes (c) Matemática: Ciência e Aplicações,
volume 3, de Gelson Iezzi e outros quatro autores.
No fim dessa etapa contabilizamos 52 inserções. Nos dois meses
seguintes, nos debruçamos sobre os dados coletados. Essa etapa da pesquisa
teve dois objetivos específicos: tanto aprender a ler e interpretar os dados do
modo como são tabulados e apresentados pelo Google Forms, quanto rever e
atualizar o instrumento de coleta de dados, o que se revelou necessário.
A seguir, apresentamos um relato dos dados coletadas. Comentamos
algumas tendências nas respostas obtidas; as dificuldades observadas na tarefa
da coleta; e apontamos as modificações necessárias para o aperfeiçoamento do
instrumento de coleta com vista na próxima etapa deste projeto.
807
inserções no início do ensino médio ou se essa grande quantidade é uma
característica da coleção do autor Dante, que foi selecionado para o estudo
piloto. São aspectos interessantes para serem investigados nas próximas etapas
do projeto.
Parte I do instrumento de coleta de dados das inserções: o primeiro bloco
de perguntas levanta os principais elementos históricos. O questionário começa
situando as coordenadas de espaço e tempo em que os episódios narrados
acontecem. Os dados coletados nessa pergunta revelam a ênfase dada aos
episódios ocorridos em dois períodos/territórios bem específicos. Primeiramente,
a maior quantidade, 33 em 77 (que corresponde a 43%), são de episódios
ocorridos na Europa central (em países como Alemanha, França, Grã Bretanha,
Inglaterra ou Itália) no período do século XVI ao XIX. Depois, seguem-se 18
ocorrências (23%), na Grécia Antiga e seu entorno, no Período Helenístico, que
cobre desde o século VI a.E.C. até o século IV da nossa Era. Ressalta-se que
há 9 menções a episódios ocorridos no século XX. As demais 17 menções são
distribuídas em outros oito itens que contemplam povos e culturas não ocidentais
como Mesopotâmia Antiga, Babilônia, Oriente Médio ou Egito Antigo, por
exemplo. Nota-se a ausência total de menção ao Brasil, e mesmo de Portugal,
país europeu cuja história se aproxima mais da nossa.
33
18 17
808
É notório observar que 2 a cada 3 inserções concentram a história da
Europa (Antiga ou Moderna), e esses dados nos revelam o quanto a HdM
presente nesses livros didáticos refletem uma historiografia eurocêntrica.
Conhecemos e valorizamos a matemática produzida na Europa, mas não temos
o mesmo tratamento para a matemática produzida em outras regiões do mundo.
Os livros didáticos podem induzir o estudante a acreditar que a matemática é
uma produção majoritariamente europeia. Esse número desproporcional de
inserções está longe de incluir os estudos da etnomatemática ou as críticas a
essa história centralizada a partir de um único continente.
De fato, se incluirmos as inserções do século XX e olharmos sob uma
lente ocidente/não-ocidente, veremos que esses três grupos Europa Moderna,
Grécia Antiga e Século XX se referem à história do ocidente, o que representam
89% das inserções. Em outros termos, 9 em cada 10 inserções se referem ao
mundo ocidental. A HdM contada nesses livros nos indicam que a matemática é
uma produção ocidental e que o resto do globo tem pouca relevância no
desenvolvimento da matemática.
A pergunta seguinte registra os personagens que aparecem nas
inserções. Em 52 inserções houve 42 que mencionam um ou mais personagens
pelo nome, totalizando 84 nomeados. Os mais evocados são Carl Friedrich
Gauss e Gottfried Wilhelm Leibniz (ambos são mencionados 4 vezes), Aristarco
de Samos, Galileu Galilei e Isaac Newton (3 vezes). Com 2 menções apareceram
Apolônio de Perga, Tycho Brahe, Girolamo Cardano, René Descartes, Pierre de
Fermat, Fibonacci, Christiaan Huygens, Blaise Pascal e Claudius Ptolomeu.
Observamos que na lista há matemáticos, obviamente, bem como cientistas
naturais (por exemplo, Gregor Johann Mendel), inventores (Alexander Graham
Bell e Leonardo Da Vinci), historiadores (Heródoto) e líderes políticos antigos
(Júlio César e Xerxes).
Em que pese o excesso de personagens europeus, alguns personagens
de outras culturas são mencionados (por exemplo, Ahmes do Egito Antigo, Al-
Khowarizmi e Ibn Yunus, do Islã Medieval). Entretanto, um fato marcante é a
total ausência de mulheres nessa lista de 84 nomes. A falta de
809
representatividade feminina na matemática é um tema que merece a nossa
atenção. Diversas ações que fazemos dentro e fora da sala de aula contribuem
para uma construção nos estudantes de que matemática não é para meninas
(BOALER, 2018; BARROW-GREEN, 2019; LESLIE et al, 2015). Nesse sentido,
acreditamos que a HdM possa ter seu papel tanto para romper com alguns
estereótipos como para reforçá-los – como foi observado nessa lista de 84
nomes masculinos.
Também neste bloco de perguntas, alistamos os nomes de livros,
documentos históricos, tratados, periódicos ou publicações mencionadas na
inserção. Identificamos 18 títulos de obras. Aqui ainda persiste uma vantagem
quantitativa na contagem de menções a obras produzidas no território europeu
moderno (11 títulos) e as demais obras (7 títulos), embora dessa vez a diferença
não seja tão contundente quanto na lista de personagens. No primeiro grupo
aparecem Ars Magna de Cardano, La Géométrie de Descartes e Liber Abaci de
Fibonacci. Já no segundo grupo há, entre outros, Al-jabr W’al-Mugabala de Al-
Khowarizmi, o Papiro de Rhind (de fato, redigido pelo escriba egípcio antigo
Ahmes) e o Chiu-Chang Suan-Shu (Nove capítulos sobre a arte matemática).
Apesar das nossas críticas até aqui parecerem um tanto duras – ainda
que necessárias –, devemos reconhecer que há uma tentativa dos livros
didáticos procurarem incluir contribuições matemáticas de outras culturas não-
ocidentais. Vemos referências às matemáticas egípcia,
babilônica/mesopotâmica, islâmica, hindu e chinesa, o que nos mostra algum
nível de preocupação em mostrar que diferentes civilizações têm também
contribuições na matemática. Assumimos, então, que há algum grau de
progresso no sentido de reconhecer outras produções matemáticas ao redor do
mundo, embora ainda tenhamos um longo caminho pela frente.
Parte II do instrumento de coleta de dados das inserções: o segundo
bloco de perguntas registra as figuras na inserção, quando há. Apareceram
figuras em 39 das 52 inserções. O que está em jogo nessa parte do instrumento
de coleta de dados é a formação de um repertório iconográfico para a HdM no
810
imaginário dos leitores dos livros didáticos. Entretanto pela exiguidade de espaço
no presente trabalho, omitimos aqui nossas analisa sobre esses dados.
Parte III do instrumento de coleta de dados das inserções: este bloco de
perguntas investiga as relações da inserção com os demais conteúdos do livro
didático. Trata-se da parte mais longa do instrumento.
Na primeira pergunta, nós alistamos alguns dos conteúdos trabalhados
no ensino médio adaptado do que está apresentado pelo Guia do PNLD 2018.
Alistamos trinta e dois conteúdos específicos agrupados em quatro conjuntos de
“conteúdos geral”, a saber: Números e Operações, Álgebra, Geometria e
Estatística e Probabilidade.
Identificamos que alguns dos participantes preencheram a pergunta
observando os conteúdos dos trechos do livro didático (o assunto da unidade,
capítulo ou seção) em que aparece a inserção. É como pensar que a história foi
colocada “dentro” do conteúdo. Outros entenderam que o “movimento” se dá no
sentido contrário: assinalou-se quais os conteúdos são mencionados na
inserção. É como pensar no conteúdo que está “dentro” da história. Em todo
caso, tanto os que interpretaram de um jeito ou de outro”, perceberam que a lista
apresentada no Guia do PNLD não contempla todos os conteúdos matemáticos
que são mobilizados pelas inserções de HdM.
Esse conjunto de perguntas, relacionando inserções e conteúdo, são
perguntas objetivas. Nós as preenchemos sem distinguir as delimitações que
podiam existir. Assim, devido à mistura de intenções do que agora entendemos
ser investigações diferentes, concluímos que os dados coletados no estudo
piloto para esta pergunta estão demais distorcidos para uma boa interpretação.
Apesar dos dados deturpados não nos permitirem apontar para uma
tendência, essa divergência de interpretação não foi prejudicial para a pesquisa.
O debate posterior à coleta permitiu ao CHEMat repensar, reescrever e
aperfeiçoar o instrumento de modo que se possa responder com mais precisão
a essas novas duas perguntas de pesquisas, agora devidamente postas: (a) Em
quais conteúdos do ensino médio, os autores de livros didáticos recorrem à
HdM? (b) Quais são os conteúdos mobilizados pela inserção histórica?
811
Nas perguntas seguintes são registradas a posição da inserção dentro
da estrutura do livro, que pode ser no início ou no fim de alguma unidade, capítulo
ou seção, ou pode aparecer ao longo do texto corrente. Registra-se ainda um
possível destaque da inserção dentro da página em que aparece, podendo ser
em box separado/específico para conteúdos de apoio ao texto principal ou
“misturada” com outros conteúdos do livro didático.
Quase metade das inserções, 25 em 52, aparecem no meio da seção,
misturada com o texto expositivo. Esse resultado parece esperançoso, porque
aponta um esforço dos autores de livros didáticos em mesclar os dois conteúdos
de naturezas distintas: o matemático e o histórico. Há ainda um número
significativo de inserções, 11 em 52, que são alocadas no final da seção,
pretendendo ser uma leitura complementar para o conteúdo já feito. Outra
informação interessante é que a maioria das inserções de história da matemática
são longas e bem destacadas, visto que contabilizamos 23 delas ocupando uma
página inteira ou mais. Isso nos aponta que a HdM é bem-vinda nos livros
didáticos analisados.
Uma pergunta que se revelou complexa no momento da coleta de dados
investigava se havia a presença explícita de elementos que tipicamente
compõem as redações de textos matemáticos: definições, teoremas ou
propriedades de objetos matemáticos enunciados completamente, cálculos
completos ou demonstrações, exemplos ou exercícios resolvidos. Mais do que
isso, em sua continuação, a pergunta demandava saber se os elementos
matemáticos faziam sentido em si mesmo e poderiam dispensar as demais
informações presentes na inserção ou se esses elementos matemáticos
efetivamente precisavam das informações registradas na inserção para fazer
sentido.
Para a primeira parte da pergunta não houve dificuldades na coleta de
dados, que revelou que das 52 inserções, apenas 25 têm elementos
matemáticos explícitos em seu texto. A segunda parte, porém, causou
dificuldades de interpretação, delimitação e objetividade. Ao compor essa
pergunta, a intenção do CHEMat era compreender o quanto o discurso
812
“puramente matemático” e o discurso “puramente histórico” são indissociáveis
ou, pelo contrário, se eles podem ser separáveis. Devido a uma falta de
consenso entre o grupo, não conseguimos saber se a pergunta do modo como
está posta atingiu o objetivo intencionado. Além disso, cometemos uma falha de
não colocarmos “fórmulas” como uma das opções.
Na versão aperfeiçoada do questionário, construída após os debates do
estudo piloto, pretendemos reescrever essa pergunta de maneira mais clara e
objetiva. Uma vez identificados os elementos que tipicamente compõem as
redações de textos matemáticos, uma redação possível para a pergunta seria a
seguinte: “qual é a relação dos elementos matemáticos que aparecem na
inserção com o texto da inserção?”, oferecendo como opções de respostas: a)
Sendo excluídos os elementos matemáticos, a narrativa histórica ainda faz
sentido; b) Sendo excluídos os elementos históricos, a redação matemática
ainda faz sentido; e c) Nesta inserção os elementos matemáticos e os elementos
históricos são indissociáveis.
Uma discussão de igual teor aconteceu para a pergunta seguinte, que
investigava se na inserção havia a presença explícita de atividades ou exercícios
propostos: exercícios, problemas ou questões de matemáticas, perguntas,
problemas ou reflexões sobre história, sugestões de consultas a outras fontes
para saber mais ou sugestões de outras tarefas. Na sequência, a pergunta
solicitava a informação se os exercícios, problemas ou questões de matemática
precisavam das informações registradas na inserção para serem propostos ou
respondidos; ou se poderiam dispensar as informações registradas na inserção
para serem propostos ou respondidos. Semelhantemente ao caso anterior, a
primeira parte foi computada sem dificuldades e registrou apenas 9 inserções
contendo atividades propostas aos estudantes. E igualmente semelhante ao
caso anterior, a versão aperfeiçoada do instrumento de coleta de dados deve
reescrever a segunda parte dessa pergunta de maneira mais objetiva.
Parte IV do instrumento de coleta de dados das inserções: nesta parte,
uma única pergunta verifica quais são as referências historiográficas utilizadas
pelos autores dos livros didáticos nas inserções de HdM. Outra vez, respeitando
813
os limites de espaço do presente trabalho, omitimos aqui nossas análises dos
dados coletados neste trecho do instrumento.
Parte V do instrumento de coleta de dados das inserções: este bloco
contém três perguntas que apontam para algumas categorias de análise da
inserção de HdM no livro didático. Tais perguntas nos permitirão começar um
aprofundamento na interpretação qualitativa das inserções, bem como a fazer
nossa pesquisa dialogar com outras que relacionam história e educação
matemática. Das três perguntas originais deste bloco, analisaremos apenas a
que investiga a função didática da inserção histórica nos livros didáticos.
A pesquisadora Elisângela Pereira, em seu trabalho de 2016, classifica
as inserções de HdM em livros didáticos, segundo suas funções didáticas, em
quatro categorias: (a) a inserção de HdM no livro didático serve como estratégia
didática, quando a história possibilita desenvolver algum raciocínio matemático;
(b) a HdM funciona como elucidação dos porquês, quando a história mostra
como, por que e em que circunstâncias certos conhecimentos matemáticos
surgiram; (c) a HdM contribui na elucidação do para quê, quando a história
mostra a utilidade ou as aplicações de certos conteúdos matemáticos (na própria
matemática ou em outras áreas) ao longo do tempo ou num período específico;
(d) a HdM se presta à formação cultural geral, quando as informações históricas
trazem conhecimentos gerais ligados à matemática, e que não contribuem para
a aprendizagem de conteúdos matemáticos (PEREIRA, 2016, pp. 49-50).
Gostaríamos de esclarecer que nem todas as inserções foram
classificadas em algumas dessas categorias, porque houve divergências de
interpretação metodológica sobre o que é (ou o que deveria ser) uma “pergunta
de pré-análise” num contexto de coleta de dados. Naturalmente os debates
posteriores à coleta permitiram ao CHEMat uma compreensão melhor do papel
desse tipo de pergunta na próxima etapa de coleta de dados da pesquisa mais
ampla. Em todo caso, houve 37 inserções classificadas nas categorias
elaboradas por Pereira e os resultados obtidos por nós neste estudo piloto, estão
apresentados no quadro 1 abaixo.
814
Quadro 1: Resultados das categorias de análise da função pedagógica.
Categoria Quantidade
a) História da matemática e estratégia didática 3 inserções
b) História da matemática e elucidação dos 14 inserções
porquês
c) História da matemática e elucidação dos para 6 inserções
quê
d) História da matemática e formação cultural 14 inserções
geral
Fonte: dados coletados pelos autores.
815
A terceira categoria, sobre a elucidação dos para quê, parece estar
dentro das nossas expectativas. Posto que as inserções nessa categoria
dialogam muito com alguns resultados recentes dentro das ciências, a HdM
valorizada nos livros tradicionais tem pouco diálogo com os resultados recentes
na matemática e nas suas áreas afins. À vista disso, parece razoável elas
representarem cerca de 16% das 37 inserções classificadas.
Um pouco mais de um terço dessas inserções, mobilizam a formação
geral do estudante. A princípio, essa parece ser a categoria que tem um impacto
menos direto no ensino-aprendizagem. Enquanto as três primeiras categorias
são norteadas diretamente pelos conteúdos matemáticos expostos, seja como
recurso didático, ou para justificar seu papel na matemática ou para além dela,
a categoria de formação cultural geral é voltada para uma formação que não se
justifica somente no conteúdo matemático. Entendemos que essa categoria, de
alguma maneira, contribui para uma formação matemática do estudante que vai
além dos conteúdos restritos pelo currículo. Ela pode incluir um olhar formativo
mais geral para a disciplina. Como reconhecemos e apreciamos o papel de
formação geral nas aulas de matemática como algo bastante relevante para uma
formação mais ampla do estudante, as inserções nessa última categoria nos
pareceram bem interessantes.
Como comentário final desse breve relato dos dados coletados,
observamos que o livro do autor Dante (volume 1) é, para nós, aquele que mais
se aproxima de um esforço de integrar HdM ao ensino. Primeiro, por conta da
quantidade de inserções. Ela foi bem expressiva, 36 inserções contra 8 inserções
em cada um dos outros dois livros. Em segundo e mais importante, por causa da
qualidade: muito além das minibiografias – que já consideramos uma praxe em
materiais didáticos – o livro do Dante traz abordagens de conceitos em diferentes
momentos no tempo histórico, traz informações de contextos de publicações e
instituições e ainda dialoga com conteúdos do ensino superior. Embora
identifiquemos que a historiografia na qual ele se baseia ainda é a tradicional,
isso não diminui a boa impressão inicial que suas inserções causaram ao
CHEMat. Pareceu-nos o autor Dante faz um esforço – à sua maneira – de
816
aproveitar a HdM em sua disposição para favorecer um ensino de matemática
mais humanizado.
817
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Livia; ALMEIRA, Ana Mary de; FERREIRA, Magno Luiz; OLIVEIRA,
Carlos Antonio de; SCHUBRING, Gert. A história da matemática nos livros-texto
de Cajori, Eves, Boyer e Struik: um ensaio de revisão. Revista Brasileira de
História da Ciência, n. 1, 2021.
818
LESLIE, Sarah-Jane; CIMPIAN, Andrei; MEYER, Meredith; FREELAND,
Edward. Expectations of brilliance underlie gender distributions across academic
disciplines. Science, vol. 347, issue 6219, pp. 262-265, 16 jan. 2015.
819
IMPLEMENTAÇÕES ENVOLVENDO HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: um olhar
para os artigos do XIII SNHM
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo verificar nos anais do XIII SNHM comunicações
científicas referentes a implementações envolvendo história da matemática, a fim de
identificar como esta tem sido utilizada no contexto de sala de aula. Com esse intuito,
este texto se caracteriza como de natureza qualitativa, e adota a pesquisa bibliográfica
como procedimento metodológico, apoiado em processos de leitura informativa,
segundo Cervo, Bervian e Silva (2007). No processo de busca pelos trabalhos correlatos
ao objetivo deste texto, foram encontrados quatro trabalhos, dentre 111 publicados nos
anais da 13ª edição do evento. Apesar dos poucos trabalhos encontrados, ao analisá-
los foi possível notar abordagens envolvendo instrumentos matemáticos históricos e
utilização de fontes primárias e secundárias, bem como alguns benefícios da utilização
da história da matemática, a saber: motivação dos alunos, compreensão da matemática
como construção humana, participação ativa dos discentes e mobilização de
conhecimentos matemáticos. Os resultados revelam a necessidade de realização de
mais pesquisas que abordem implementações envolvendo a utilização da história da
matemática como recurso pedagógico.
INTRODUÇÃO
820
O presente trabalho se insere nas discussões mobilizadas pelo Grupo
de Estudos em História da Matemática e Educação Matemática (GHMEM) da
Universidade Estadual de Maringá (UEM), o qual possui, como um de seus
objetivos, desenvolver estudos sobre as possibilidades da história da
matemática em sala de aula.
A utilização da história da matemática como recurso para o ensino de
matemática é um tema que é bastante discutido no meio acadêmico. Ao encontro
dessa afirmação, Mendes e Chaquiam (2016, p. 12) discorrem que “atualmente
tem se ampliado os estudos sobre possíveis abordagens didáticas que podem
ser propostas para o ensino da matemática com base na história desta
disciplina”.
Estudos dessa natureza estão relacionados à História na Educação
Matemática, sendo esta uma das classificações propostas por Miguel e Miorim
(2004) quanto aos campos de investigação da História da Matemática. Este
campo abrange estudos voltados à incorporação da história na formação inicial
ou continuada de professores, na formação matemática de estudantes, nos
programas de ensino, livros de matemática, dentre outros; ou seja, preocupa-se
em como a história da matemática pode contribuir para alunos e professores de
matemática (MIGUEL; MIORIM, 2004; TRIVIZOLI, 2016).
Para o campo mencionado, discorre-se que “embora haja boa
quantidade de literatura que pode ser consultada atualmente, o campo ainda
precisa de muito mais pesquisa empírica sobre o ensino e a aprendizagem
relacionada à história.” (TRIVIZOLI, 2016, p. 202), pois esse tipo de pesquisa
pode auxiliar na utilização da história da matemática como recurso para o ensino,
visto que tende a apresentar o “como”, ou seja, o caminho a ser seguido para
realizar tal utilização.
Com base nessas informações, e considerando que as pesquisas já
realizadas devem ser amplamente divulgadas, ressalta-se que os eventos
científicos se constituem como meios potenciais para contribuir com esse
propósito. Essa ideia é corroborada por Campello (2000) quando afirma que
821
dentre algumas funções dos eventos, têm-se: aperfeiçoamento dos trabalhos,
reflexos do estado da arte e comunicação informal.
Dessa forma, tendo em vista a importância de eventos científicos e a
necessidade de mais pesquisas que relatem experiências envolvendo a história
da matemática para o ensino, entende-se que o evento Seminário Nacional de
História da Matemática (SNHM) constitui-se como um importante meio para
investigar pesquisas já realizadas. O SNHM foi originado há mais de duas
décadas por pesquisadores interessados em estudos sobre história da
matemática, e “[...] tornou-se o momento maior, em nível nacional, para a
congregação desses interessados que passaram a poder discutir e divulgar para
a comunidade as distintas investigações científicas inerentes à História da
Matemática”. O referido evento ocorre a cada dois anos, e em 2019 completou
sua 13ª edição, sendo a mais recente e foco deste trabalho (SNHM, 2019,
online).
Nesse sentido, diante da relevância desse evento e partindo de
preocupações quanto à pesquisas que relatem experiências envolvendo a
utilização da história da matemática, tem-se a seguinte problemática de
pesquisa: o que as comunicações científicas, presentes nos anais do XIII SNHM,
revelam sobre implementações275 envolvendo a história da matemática em sala
de aula?
Com base na problemática elencada, tem-se como objetivo verificar nos
anais do XIII SNHM comunicações científicas referentes a implementações
envolvendo história da matemática, a fim de identificar como esta tem sido
utilizada no contexto de sala de aula. Para cumprir com esse objetivo, foi adotado
como procedimento metodológico a pesquisa bibliográfica, respaldada pelas
etapas da leitura informativa, segundo Cervo, Bervian e Silva (2007).
Isto posto, nas próximas seções apresentam-se os encaminhamentos
metodológicos utilizados no delineamento da pesquisa, as descrições e
275
Neste trabalho, entende-se a palavra implementação como práticas realizadas em sala
de aula.
822
discussões dos trabalhos selecionados relativos ao XIII SNHM, que estão em
conformidade com o objetivo deste texto, e por fim, as considerações com
relação à pesquisa realizada.
METODOLOGIA
823
De acordo com informações presentes nos anais dessa edição, tem-se
que foram realizadas 5 conferências, 1 painel, 4 mesas de discussões temáticas
e 1 exposição permanente, como também 111 trabalhos aprovados para
apresentação em modalidade de comunicação científica e 20 em modalidade de
pôster; dentre o rol de trabalhos da primeira modalidade, 78 pertencem ao eixo
História da Matemática e 33 ao da História da Educação Matemática (SNHM,
2019).
Com a intenção de identificar os artigos que contemplam
implementações em sala de aula envolvendo a história da matemática como
recurso para o ensino, foram utilizadas algumas etapas da leitura informativa
apresentadas em Cervo, Bervian e Silva (2007), a saber: pré-leitura, leitura
seletiva e leitura reflexiva dos dados.
A etapa de pré-leitura ocorreu com a leitura dos resumos dos 111
trabalhos publicados na 13ª edição do SNHM, pois com essa ação foi possível
identificar a existência de informações concernentes ao propósito da pesquisa,
o que é característica dessa etapa, segundo Cervo, Bervian e Silva (2007). Para
sua realização, buscou-se por artigos em que nos resumos havia menção à
utilização da história da matemática nos mais distintos níveis e etapas de ensino.
Com essa ação foram selecionados 11 trabalhos, que correspondem a apenas
10% do total de trabalhos publicados.
Na etapa de leitura seletiva “somente os dados que possam fornecer
alguma luz sobre o problema, constituindo um elemento de resposta ou de
solução, é que serão selecionados” (CERVO; BERVIAN; SILVA, 2007, p. 85).
Sendo assim, ao ler por completo os 11 artigos selecionados na etapa anterior
foram desconsiderados aqueles que, em um primeiro momento, davam a
entender aproximação com o objetivo deste trabalho, mas que em seu cerne não
se aproximavam, de fato, seja por motivos de não ocorrer implementações
quanto à utilização da história da matemática, ou por serem recortes de partes
de um trabalho maior com intenção futura de implementar, dentre outros. Assim,
a partir da ação resultante dessa etapa foram selecionados quatro trabalhos,
conforme apresentado no Quadro 1.
824
QUADRO 1: Trabalhos selecionados a partir do XIII SNHM
Título Autores Instituição Eixo
1. O estudo de
conhecimentos
matemáticos
incorporados no Antonia Naiara de
Universidade
manuseio da Sousa Batista e Ana História da
Estadual do Ceará
balhestilha inserida Carolina Costa Matemática
- UECE
no documento Pereira
Chronographia,
reportorio dos
tempos...(1603)
2. Prática de ensino
Universidade
de matemática- a
Regional do Cariri
história da Denise Aparecida
- URCA e História da
matemática como Enes Ribeiro e José
Universidade Matemática
opção metodológica Lamartine Barbosa
Estadual da
no ensino de
Paraíba - UEPB
geometria
3. Uma experiência
de trabalho
cooperativo
recorrendo à história Elisângela Pereira Universidade
História da
da matemática e à Barbosa e Andressa Federal do Espírito
Matemática
pedagogia do texto Cesana Santo - UFES
como caminhos
para ensinar
multiplicação
4. História como
Jessica Alves
mediadora na
Ribeiro, João Pedro Universidade
educação História da
Marques Oliveira e Estadual de Goiás
matemática: ensino Matemática
Luciano Feliciano de - UEG
e a aprendizagem
Lima
de funções
Fonte: as autoras.
825
DESCRIÇÃO DOS TRABALHOS SELECIONADOS
276
A balhestilha é um instrumento matemático, destinado para medir distâncias angulares
e que foi bastante usado entre os séculos XIV e XVIII, para diversas finalidades (BATISTA;
PEREIRA, 2019, p. 755).
277
A palavra Chronographia [...] significa, de acordo com Figueiredo (1913), um
substantivo feminino que deriva da palavra chronologia, que designa “tratado das
divisões do tempo” ou “tratado das datas históricas” (BATISTA, 2020, p. 126).
826
foi iniciada a realização da atividade proposta, a qual foi desenvolvida em três
momentos (nos três dias restantes).
No primeiro momento, os participantes receberam uma balhestilha
construída e um texto que descrevia sobre como utilizá-la, para que pudessem
elencar os conhecimentos matemáticos que deveriam ser mobilizados para fazer
uso desse instrumento. No segundo momento, os participantes foram
convidados a fazer a medição de um astro segundo a linha do horizonte,
conforme instruções presentes no documento Cronographia, e por fim, no
terceiro momento se deslocaram para fazer observações e medições
considerando como astro a lua.
Como resultado, as autoras apontam que ao manipular a balhestilha os
alunos tiveram dificuldade em posicionar seus elementos corretamente, no
entanto, identificaram conceitos de ângulos, triângulos, retas perpendiculares,
evidenciando que o objetivo da atividade foi alcançado.
Com relação ao trabalho de Ribeiro e Barbosa (2019), foram
apresentados dois objetivos, no entanto, somente um deles está relacionado
mais diretamente à história da matemática, a saber: verificar as possibilidades
pedagógicas de atividades com figuras geométricas, por meios algébricos e
geométricos, para demonstração do Teorema de Pitágoras, a partir da História
da Matemática, numa perspectiva interdisciplinar.
A atividade proposta foi desenvolvida com 20 alunos das disciplinas
Práticas de Ensino III e IV de um curso de licenciatura em Matemática, e consistiu
em solicitar que os alunos fizessem algumas manipulações direcionadas com
um quadrado de medida c e quatro triângulos retângulos com hipotenusa
medindo c e catetos medindo a e b, com o intuito de discutir sobre a
demonstração da fórmula do Teorema de Pitágoras. A partir dessa ação, foi
apresentado um texto sobre quem foi Pitágoras e sua importância para a
Matemática, sobre a história do triângulo retângulo, bem como do Teorema de
Pitágoras. Em seguida, foi proposta a demonstração do teorema de Pitágoras
por meio da semelhança de triângulos. Os autores explicam que as atividades
propostas foram baseadas em Mendes e Chaquiam (2016).
827
Os resultados apontados pelos autores indicam que a história da
matemática foi utilizada como meio para compreensão dos alunos acerca de que
a matemática não está desvinculada do contexto social, mas que ela é resultante
de uma construção histórica e cultural.
Barbosa e Cesana (2019) apresentam uma pesquisa, inserida em um
trabalho de conclusão de curso, a qual foi realizada com a cooperação de uma
professora das séries iniciais do Ensino Fundamental. Esse estudo apresenta
como objetivo analisar a prática da sala de aula de uma professora regente do
5º ano do Ensino Fundamental I numa experiência de construção e aplicação de
uma atividade estruturada de ensino, sobre a multiplicação, recorrendo à História
da Matemática e à Pedagogia do Texto278 como caminhos para ensinar.
Nesse texto é explicitado que houve cinco encontros com a professora
para discussão e planejamento das ações para, em seguida, as atividades serem
aplicadas a duas turmas de 5º ano, com quatro horas/aula para cada uma,
distribuídas em dois dias com aulas geminadas.
Os encaminhamentos das atividades propostas para essas turmas foram
os mesmos, em que no primeiro dia, inicialmente foi apresentado sobre John
Napier (1550-1617) e suas contribuições para a matemática, bem como a
representação construída em madeira dos “Ossos de Napier”279 . No segundo
dia, foi relembrado o que foi discutido na aula anterior por meio da apresentação
de um folder sobre John Napier, e em seguida, o tempo restante foi destinado à
realização de atividades estruturadas envolvendo os “Ossos de Napier”, que
tinham como foco a operação de multiplicação por meio desse instrumento, e a
resolução de situações-problema que foram elaboradas tendo em vista os
pressupostos da Pedagogia do Texto.
278
“[...] o objetivo dessa metodologia é propiciar, pela linguagem escrita, a apropriação e
compreensão de novas ideias, conceitos ou teorias que permitam que o aluno faça a sua
leitura de mundo” (SILVA; LOURENÇO; CÔGO, 2004, p. 17, apud BARBOSA; CESANA,
2019, p. 1029).
279
Os “Ossos de Napier”, também conhecido como “barras/varas de Napier”, é uma
invenção de John Napier (1550-1617), o qual se classifica com um dispositivo mecânico
de cálculo (SWETZ, 1994).
828
Conforme indicado pelas autoras, as ações desenvolvidas com a
professora e a realização das atividades pelos alunos mostraram que a
cooperação contribuiu com a formação da professora no sentido de conhecer
novas formas de ensinar; em relação aos alunos, eles conheciam pouco sobre a
história da matemática e o contato com ela foi enriquecedor, motivando-os para
uma participação ativa no desenvolvimento das atividades.
Em relação ao trabalho de Ribeiro, Oliveira e Lima (2019), os autores
buscaram refletir a importância da história no contexto escolar e como ela pode
ser trabalhada na sala de aula de matemática como fonte de incentivo e,
consequentemente, como motivação para o envolvimento dos alunos na
aprendizagem da matemática. O conteúdo matemático levado em consideração
nesse trabalho foi o de funções.
As atividades desenvolvidas foram aplicadas com alunos do 1º ano do
Ensino Médio, as quais consistiram em um primeiro momento na apresentação
de uma tarefa envolvendo duas sequências de números que estão relacionadas
por meio de uma lei de formação, em que os alunos deveriam identificar as
variáveis dependentes e independentes e expressar a lei de formação de dois
modos: expressão (matemática) e frase escrita; em um segundo momento, foram
distribuídas listas de exercícios. Em meio às discussões referentes a essas
listas, foram apresentadas, por meio de uma tabela, as diferentes modificações
da definição de função ao longo do tempo.
Embora os resultados da implementação realizada não tenham sido
apresentados de forma explícita, as considerações dos autores apontam que a
história da matemática pode contribuir como fonte de incentivo e motivação para
o aprendizado e também pode favorecer o estabelecimento de relações com o
cotidiano.
829
Inicialmente, considera-se importante enfatizar que foram encontrados
poucos trabalhos relacionados ao objetivo deste estudo. Esse resultado está de
acordo com outras pesquisas já realizadas, cita-se por exemplo, o trabalho de
Souto (2010), que aborda sobre a História na Educação Matemática presente no
Seminário de História da Matemática (SNHM) e no Encontro Luso-Brasileiro de
História da Matemática, datados de 2003 a 2007. A autora indica que “apenas
13% dos estudos publicados tratam da participação da História da Matemática
em situações de ensino e, apenas uma parcela desses discute propostas
efetivas de inserções históricas em sala de aula.” (2008, p. 534).
Outro trabalho que também tem relação com o objeto de estudo deste
texto é o de Martins e Silva Neto (2018), donde os autores fizeram um
levantamento dos trabalhos publicados no Encontro Nacional de Educação
Matemática (ENEM) dos anos de 1987 a 2017, e encontraram que dentre 71
comunicações contidas no eixo da História para o ensino de Matemática, apenas
15 discorreram sobre atividades de ensino.
Para mais, destaca-se que o trabalho de Machado e Araújo Neto (2019)
também estão correlatos ao objeto de estudo deste texto, donde os autores
buscaram analisar 10 trabalhos publicados no Simpósio Temático intitulado “A
investigação científica em História da Matemática no Brasil”, presente no 16º
Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia, e dentre os
resultados apresentados, indicaram que apenas 1 trabalho foi classificado como
pertencente ao campo da História na Educação Matemática.
Diante desse cenário, tem-se ciência de que são poucos os trabalhos
relacionados ao objetivo deste texto, bem como aqueles encontrados na busca
que foi realizada nos anais da última edição do SNHM, todavia, considerando a
representatividade desse evento, entende-se ser pertinente apresentar alguns
aspectos dos trabalhos selecionados, os quais indicam como a história tem sido
utilizada na sala de aula, tais como: tipos de fontes históricas utilizadas, os
conteúdos que foram abordados e as contribuições elencadas pelos autores.
De acordo com a descrição apresentada na seção anterior, verifica-se
que os trabalhos apresentam algumas aproximações e distanciamentos. Nesse
830
sentido, destaca-se que os trabalhos de Batista e Pereira (2019) e Barbosa e
Cesana (2019) se aproximam no que se refere ao tipo de atividade, pois os dois
se pautam na utilização de instrumentos antigos para a condução dos conteúdos
propostos, sendo que o primeiro trabalho focaliza no estudo de conteúdos
relacionados à geometria, tais como triângulos, ângulos e perpendicularismo; e
o segundo, por sua vez, se relaciona com estudos de conteúdos da aritmética,
como multiplicação e adição.
Além disso, constata-se que somente o trabalho de Batista e Pereira
(2019) se apropria de fontes primárias, enquanto que os trabalhos de Ribeiro e
Barbosa (2019), Barbosa e Cesana (2019) e Ribeiro, Oliveira e Lima (2019) se
apoiam em fontes secundárias para a produção das atividades propostas e
implementadas. Isto pode ser corroborado com o que é exposto por Sad e Silva
(2008), de que muitas fontes primárias apresentam um estado ruim de
conservação, outras se encontram em locais de difícil localização e acesso,
como também linguagem desconhecida, o que dificulta sua utilização como
recurso para o ensino, enquanto que as fontes secundárias são mais utilizadas
por serem mais fácil o seu acesso.
No que se refere aos resultados apresentados nos trabalhos descritos,
observa-se que a história propiciou a motivação dos alunos (RIBEIRO;
OLIVEIRA; LIMA, 2019), a compreensão da matemática como construção
humana (RIBEIRO; BARBOSA, 2019), a participação ativa dos discentes
(BARBOSA; CESANA, 2019), e mobilização de conhecimentos matemáticos
(BATISTA; PEREIRA, 2019). Tais resultados estão em consonância com alguns
dos argumentos reforçadores quanto às potencialidades da história da
matemática (MIGUEL; MIORIM, 2004).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve por objetivo verificar nos anais do XIII SNHM
comunicações científicas referentes a implementações envolvendo história da
831
matemática, a fim de identificar como esta tem sido utilizada no contexto de sala
de aula. Para atender a esse objetivo, foram realizadas buscas nos anais da
última edição do evento mencionado, em que foram encontrados 4 trabalhos
correlatos ao objetivo deste texto.
Os trabalhos selecionados direcionam-se para implementações
envolvendo a história da matemática, cada qual com suas particularidades
quanto ao tipo de atividade e abordagens realizadas, em que foi possível
identificar como a história foi utilizada nos contextos de sala de aula. Mediante a
descrição e discussão dos quatro trabalhos encontrados, foi possível notar
abordagens envolvendo instrumentos matemáticos históricos e utilização de
fontes primárias e secundárias, como também alguns benefícios da utilização da
história da matemática elencados pelos autores dos trabalhos identificados, a
saber: motivação dos alunos, compreensão da matemática como construção
humana, participação ativa dos discentes e mobilização de conhecimentos
matemáticos.
Todavia, conforme apontado no texto, verifica-se que na edição
escolhida são poucos os trabalhos direcionados para o objetivo deste texto. Esse
fato está em consonância com resultados de outras pesquisas e revela a
necessidade da realização de mais investigações que abordem implementações
envolvendo a utilização da história da matemática como recurso pedagógico, e
que possam, consequentemente, fortalecer o campo da História na Educação
Matemática.
Este fato se mostra como uma possível limitação do estudo, pela
questão do rol de trabalhos, no entanto, apresenta-se também como indicativo
para futuras investigações que cooperem cada vez mais com estudos e
pesquisas relacionados à História na Educação Matemática.
REFERÊNCIAS
832
para ensinar multiplicação. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA
MATEMÁTICA, 13, 2019, Fortaleza. Anais [...]. Fortaleza: SBHMat, 2019, p.
1024-1037.
833
RIBEIRO, D. A. E.; BARBOSA; J. L. Prática de ensino de matemática - a
história da matemática como opção metodológica no ensino de geometria. In:
SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA, 13, 2019,
Fortaleza. Anais [...]. Fortaleza: SBHMat, 2019, p. 866-876.
834
LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE: concepções e práticas
voltadas ao ensino de matemática (1911 – 1924)
RESUMO
Este texto é um recorte de uma pesquisa de Doutorado, que entre outros objetivos,
buscou entender as concepções educacionais da Liga de Ensino do Rio Grande do
Norte - LERN, em específico, como os membros desta instituição compreendiam e
influenciavam a implementação de práticas voltadas ao ensino de matemática no RN.
As respostas, aos nossos questionamentos, foram sendo construídas ao longo da
pesquisa, por meio dos documentos analisados e, interpretados em arquivos
catalogados, entre estes: boletins, atas, diário de professores, Relatório da
Instrução Pública, em revistas, e, artigos do jornal A Republica. Evidenciamos, no
presente estudo, que os intelectuais ligados a LERN participavam diretamente na
elaboração das diretrizes educacionais do RN, de modo a determinarem as práticas
formativas essenciais aos professores, vislumbradas em cursos direcionados aos
docentes com temáticas que reforçavam a compreensão que tinham em relação as
inovações didáticas, à época. As metodologias voltadas as salas de aulas, os recursos
didáticos, o modo como os registros nos diários de classe era realizados, e os conteúdos
a serem abordados, dentre estes, os referentes a matemática.
INTRODUÇÃO
280
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). marolopes@gmail.com
835
buscavam, entre outras iniciativas, a erradicação do analfabetismo, tendo na
educação a expectativa de mudanças sociais no país. É nessa direção que a
Liga de Ensino do Rio Grande do Norte – LERN foi fundada em julho
de 1911, funcionando até os dias atuais, atuando como órgão regulador do
Complexo Educacional Noilde Ramalho, o qual é composto por duas escolas de
educação básica.
Idealizada e implementada por Henrique Castriciano de Souza281, com o
apoio educacional, cultural, logístico e financeiro de lideranças políticas,
religiosas, educacionais, empresariais, militares, agrícolas e de funcionários
públicos, elite social e cultural que pensava a educação do Rio Grande do Norte
à época. Inspirado nos ideais republicanos, Henrique Castriciano, ao retornar de
uma viagem à Europa, passou a publicar, em periódicos locais, por vezes
regionais e nacionais, as impressões a respeito da educação europeia.
Evidenciou-se que em sua estada pela Europa, dedicou-se a estudar sobre as
escolas voltadas à formação da mulher, em específico as escolas profissionais
e de economia domésticas, principalmente em países como Suíça, França,
Alemanha, Holanda e Bélgica. Expôs, assim, suas ideias por meio de
publicações em periódicos do estado e, em especial, no Jornal A República282.
Compreendemos igualmente ao pesquisador Jean-François Sirinelli (2003),
quando este ressalta que: “o meio intelectual constitui, ao menos para seu núcleo
central, um ‘pequeno mundo estreito’, onde os laços se atam, por exemplo, em
torno da redação de uma revista ou do conselho editorial de uma editora” Sirinelli
(2003, p. 248). Nesta perspectiva, Catriciano discutiu com amigos próximos,
grupo com os quais dialogava, imbuídos das mesmas convicções, a
possibilidade de organizar uma sociedade de homens com a finalidade de
trabalharem em prol da melhoria da educação norte-rio-grandense.
836
Com base nos textos analisados, compreendemos que os integrantes da
referida liga vislumbravam um projeto educacional que trouxesse mudanças
significativas a Natal e, em larga escala, ao estado. Assim, em julho de 1911 a
LERN foi criada, tendo como justificativa em seus regulamentos e, reforçado nos
discursos dos membros, a contribuição, em tudo que dissesse respeito a
instrução pública do estado do Rio Grande do Norte.
Nessa direção, em nosso estudo, buscou-se entender como a LERN
influenciava a educação norte-rio-grandense, em específico, as compreensões
em relação ao ensino de matemática e as práticas a ele relacionadas. As
respostas, aos nossos questionamentos, foram sendo construídas ao longo da
pesquisa, por meio dos documentos analisados nos arquivos inventariados,
principalmente, no Arquivo Público Estadual do Rio Grande do Norte, no acervo
do Museu da Escola Doméstica e no Repositório do Laboratório de Imagens da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, entre estes: boletins, Atas,
Ofícios, Relatórios dos Diretores da Instrução Pública; em Leis, Decretos, além
de artigos de jornais e revistas.
Para tanto, estudamos suas ações em diversos âmbitos da Educação a
partir de seus escritos e práticas publicadas na imprensa e imprensa pedagógica,
principalmente as atividades que desenvolveram em prol de assuntos
direcionados ao ensino de matemática, nas primeiras décadas do século XX.
837
da revista Pedagogium283, e arquivos do Repositório do laboratório de
imagens da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – LABIM/UFRN.
O uso da imprensa como fonte historiográfica nas pesquisas em
história da educação e educação matemática vem sendo incorporado na
medida em que novos métodos de análise de dados vão sendo utilizados aos
estudos apoiados em argumentos teóricos de outras áreas, proporcionando
uma variedade de fontes de informação e documentação. No entendimento
de Hernandez Dias (2013) a imprensa pedagógica tem sua identidade
construída no contexto informativo e hermenêutico dos problemas dos
professores, de suas associações, dos sindicatos de professores, nos
avanços e retrocessos do sistema educacional, na informação e análises de
outras instituições educativas diferentes das instituições escolares,
movimentos estudantis, em associações de apoio à criança e ao adolescente,
em movimentos sindicais, dentre outros. Outros esses, que possam estar
ligados de modo direto ou indireto ao processo educativo.
Desse modo, a imprensa pedagógica apresenta uma identidade própria.
Ao passo que se aproxima dos documentos formais dos problemas
educacionais, se apresenta também como questionadora, tendo em vista as
publicações de associações de professores, sindicatos, associações de alunos,
jornais de movimentos de bairros, de pais de alunos: “La prensa pedagógica se
convierte em un capítulo diferenciado de la historia de los sistemas educativos,
de la difusión de las ideas y del pensamento pedagógico, de las practicas y
métodos de ensinanza” (HERNADEZ DIAZ, 2015, p.10). Nessa direção,
destacamos, nos quadros 01 e 02, textos que foram selecionados no periódico
A Republica por contribuíram com nossa pesquisa.
283
Revista da Associação de Professores do Rio Grande do Norte, teve o primeiro número publicado em
julho de 1921, sob a direção de Nestor dos Santos Lima, Diretor da Escola Normal, à época.
838
156/ página 04/ 26 julho de 1911 Lição de Coisas: sua importância,
princípios e métodos.
Breve descrição
A Narrativa do autor é construída mediante explicações sobre o que é o
ensino de lição de coisas, o qual compreende como sendo rudimentos de
ciências e história natural, ministrado de forma concreta nas escolas
primárias. Tendo como objetivo fornecer a criança representações nítidas,
vivas, completas, por meio da percepção a intuição imediata, possibilitando
uma soma de conhecimentos elementares, com base no meio local. Estimula
a percepção sobre as partes dos objetos, e suas propriedades, ao mesmo
tempo que os educandos aprendem a denominar os objetos, a falar sobre
eles. Pondera sobre a sua importância educativa em virtude de estimular a
percepção a observação, o raciocínio, a abstração e a generalização.
Fonte: Jornal A REPUBLICA, 1911
839
o cálculo. De modo a possibilitar o aluno observar e escolher as formas, as
cores, além de manipular objetos, os quais consiste em cortar, dobrar,
confeccionar sólidos e objetos usuais, fazer a modelagem de objetos em
barro, gesso e moldagem de outros, por meio de modelos. O autor ressalta
que existe duas escolas que debatem o trabalho manual, uma embasada nas
concepções francesas que entende este como um preparo especial para os
diversos ofícios, “é o método dos elementos técnicos” (DANTAS, 1911, p.4).
A outra praticada na Bélgica que compreende como um simples exercício
manual, o qual se restringe a confecção de objetos usuais, sem visar uma
dada profissão, sendo ministrado pelos próprios professores das escolas
primárias.
840
propriamente dito. O qual compreendia as seguintes disciplinas: português;
Francês; Aritmética; Geometria teórica e prática; Geografia geral e particular
do Brasil; Educação moral e cívica; Noções de física e Química aplicada à
vida prática; História Natural aplicada a agricultura e à criação dos animais;
história da educação; economia e leis escolares; pedagogia; higiene escolar;
desenho; princípios de música e cantos escolares; trabalhos manuais;
economia e artes domésticas, para o sexo feminino, educação física e
exercícios infantis. A prática escolar ocorria no Grupo escolar modelo Augusto
Severo.
Não obstante, os documentos analisados, em 1921, trazem as
orientações dos conteúdos a serem estudados em cada disciplina das
instituições de ensino primário, públicas e privadas, das escolas
complementares, e da Escola Normal de Natal. No que se refere ao ensino
das matemáticas consta no programa das escolas primárias:
841
inteiros decimais, e das frações ordinárias. Sólidos
geométricos: paralelepípedo. Sistema métrico decimal. Sólidos
geométricos: prisma triangular. Razões e proporções,
propriedades fundamentais e consequências, sólidos
geométricos: prisma triangular. Razões e proporções.
Propriedades fundamentais e consequências, sólidos
geométricos: prisma quadrangular e pentagonal. Grandezas
proporcionais, regra de juros, sólidos geométricos, pirâmide
truncada. Grandezas proporcionais, regra de descontos,
corpos redondos e cilindros. Regra de companhia, corpos
redondos, o cone. Noções de cambio, principais medidas
nacionais. (RIO GRANDE DO NORTE, 1921, p.12).
284Escola Doméstica de Natal, instituição de modelo suíço, idealizada e mantida pela Liga
de Ensino do Rio Grande do Norte, inaugurada em 1914 funcionando até os dias atuais.
842
fornecer pistas das perspectivas educacionais da época, assim como a
respeito da difusão e implementação das reformas educacionais.
Diário de Classe
843
dos lados; Exemplo de
objetos hexagonais.
9h – 9h e 40 Cálculo Escrita: copiar do Aparece a escrita de
quadro negro contas algumas atividades
de somar, dividir, com operações de
multiplicar somar, dividir e
multiplicar
Cálculo Oral: tabuada de 5 Com o auxílio do
10h – 11 e 40 Escrita: problemas contador A professora
destaca a escrita de
alguns problemas.
Fonte: Laboratório de Imagens, Digitalização de Documentos Históricos –
LABIM/UFRN.
844
2ª) Escrita: somar com
mais de uma parcela
De 9h às 9h Trabalho 1ª sec. Dobras em tiras Triângulos
e 40 s de papel formando
Manuais figuras geométricas.
De 11h e 30 Desenho 1ª e 2ª) Desenharão Do natural
às 11h e 45 uma pirâmide de base
quadrangular – à mão
livre
Fonte: Laboratório de Imagens, Digitalização de Documentos
Históricos – LABIM/UFRN
845
com uma frequência média de 103 participantes, entre estes os professores
da Escola Normal de Natal, professores dos grupos escolares e escolas
subvencionadas, entre outros.
846
Os programas cobrados dos concursos públicos podem nos revelar
alguns vestígios de temáticas, as quais eram priorizados como essenciais
para que o professor estivesse habilitado a ingressar no magistério público.
Encontramos, no Livro dos Atos e Resoluções da Diretoria Geral da Instrução
Pública - 1919 a 1923 algumas listas de temas solicitados nos supracitados
concursos.
847
de matemática, foi realizado um concurso para a cadeira de matemática da
Escola Normal de Natal, tendo a comissão responsável organizado o
programa para as provas escritas, oral e prática. Dentre outros conteúdos
abordados, foram contemplados:
Ideia geral de grandeza, números e suas espécies. Definição
de Aritmética, utilidade do seu estudo. Ideia de geometria:
volume; superfície; linha; ponto; figura geométrica. Objeto da
geometria. Ideia geral da numeração, numeração falada,
ordens e classes de unidades, princípio fundamental da
numeração falada, linhas restas, curvas e quebradas.
Numeração escrita: princípio fundamental; leitura dos números;
numeração decimal; linhas perpendiculares e oblíquas. As
quatro operações sobre os números inteiros. Paralelas.
Divisibilidade. Ângulos. Números primos, decomposição dos
números em fatores primos, máximo comum divisor e mínimo
múltiplo comum. As superfícies planas: triângulos,
quadriláteros, polígono. Frações, operações com números
decimais e as frações decimais, simplificação das frações.
Dízimas periódicas. Raiz quadrada, raiz cúbica. Sistema
métrico decimal. Sólidos geométricos: Prismas, corpos
redondos e cone. Razões e Proporções, câmbios.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
848
elaboração das diretrizes educacionais do RN, de modo a determinarem as
práticas formativas essenciais aos professores, vislumbradas em cursos
voltados aos docentes com temáticas que reforçavam a compreensão de
inovação didática, à época. As metodologias voltadas as salas de aulas, os
recursos didáticos, o modo como os registros nos diários de classe era
realizado, e os conteúdos a serem abordados, dentre estes, os referentes a
matemática.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HERNANDEZ DIAZ, José Maria. Prensa Pedagógica de Castilla y León 1793 – 1936.
Repositório analítico. 2015.
MARQUES NETO, Cosme Ferreira. Da necessidade de uma “nova” escola só para
moças: Henrique Castriciano de Souza e a modernidade pedagógica norte-rio-
grandense (1911 – 1923). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal
de Campina Grande – UFCG. 2016.
RODRIGUES, Andréa Gabriel Francelino. Educar para o lar, educar para a vida:
cultura escolar e modernidade educacional na Escola Doméstica de Natal (1914-1945).
Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal,
2007
849
O ENSINO DE LOGARITMOS A PARTIR DA ARTICULAÇÃO ENTRE
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E ETNOMATEMÁTICA
RESUMO
Com o objetivo de refletir sobre o ensino de Logaritmos a partir da articulação entre
História da Matemática e Etnomatemática, o presente trabalho analisa os efeitos da
realização de uma proposta de ensino com 64 estudantes do Ensino Médio. Para tal,
apresenta as respostas fornecidas pelos participantes ao instrumento de pesquisa
elaborado, a saber, um questionário com respostas abertas, analisando-as
genealogicamente. Fundamenta-se nas relações de poder e saber de Michel Foucault,
no conceito de jogos de linguagem de Ludwig Wittgenstein, na perspectiva
Etnomatemática de Ubiratan D’Ambrosio e na visão de Tatiana Roque sobre a História
da Matemática. Por meio da análise genealógica foucaultiana verificou-se que a
proposta de ensino possibilitou aos estudantes a compreensão de aspectos relevantes
à noção de Logaritmos; aprendizagem de um modo distinto de matematizar, que se deu
a partir do reconhecimento de outros jogos de linguagem diferentes dos presentes na
Matemática Escolar; conhecimento e reflexão sobre métodos de calcular distintos dos
apresentados no livro didático para o cálculo de Logaritmos; reflexão sobre os efeitos
da dependência dos recursos eletrônicos e digitais para os processos de ensino e de
aprendizagem.
INTRODUÇÃO
285
Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul (SEDUC-RS). juhbpereira@gmail.com.
286
Pontifícia Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PUC-RS). isabellara@pucrs.br.
850
de pesquisa e fundamentações teóricas distintos, entretanto, a questão de
pesquisa que conduz este texto é: quais os efeitos, na formação de estudantes
de 2º ano do Ensino Médio, da aplicação de uma proposta de ensino construída
a partir da articulação entre a História da Matemática e a Etnomatemática, sobre
os Logaritmos?
Assim, o objetivo do texto é refletir sobre o ensino de Logaritmos a partir
da articulação entre História da Matemática e Etnomatemática. Em termos
metodológicos, o texto apresenta e analisa, por meio da análise genealógica
foucaultiana, as respostas fornecidas por 64 estudantes após a participação em
uma proposta de ensino sobre o estudo dos Logaritmos. Com idades entre 15 e
17 anos, os participantes eram estudantes do 2° ano do Ensino Médio, da cidade
da Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul, quando o estudo foi realizado.
A reflexão proposta está embasada na filosofia pós-estruturalista,
especialmente nos conceitos de poder e saber, de Michel Foucault, bem como
nos conceitos de formas de vida e jogos de linguagem, de Ludwig Wittgenstein.
A combinação desses filósofos possibilita olhar para a História da Matemática e
a Etnomatemática com outras lentes, favorecendo sua articulação. Nas seções
a seguir, os fundamentos teórico-metodológicos são apresentados, bem como,
o desenvolvimento da proposta de ensino, que ocorre simultaneamente à análise
dos resultados. Por fim, são apresentados e discutidos os efeitos da proposta de
ensino na formação dos estudantes participantes.
FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
851
Wittgenstein propõe que a linguagem seja entendida como um jogo que
segue determinadas regras sancionadas coletivamente pelo grupo que dela
partilha, ou seja, as formas de vida. Essas são delimitadas mais por questões
culturais do que biológicas, ao passo que cada forma de vida apresenta suas
próprias regras para a significação da linguagem. Nesse sentido, “[...] a
significação de uma palavra é seu uso na linguagem.” (WITTGENSTEIN, 1979,
p. 28, §43) e, por isso, o autor defende que se é na práxis que se estabelece o
uso da linguagem, então não há uma linguagem universal, mas um conjunto de
linguagens que variam de acordo com o grupo que dela partilha e com o
significado, por ele atribuído, à palavra.
Para o filósofo: “O termo ‘jogo de linguagem’ deve aqui salientar que o
falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida.”
(WITTGENSTEIN, 1979, p. 18, §23, grifos do autor). Portanto, os jogos de
linguagem são “[...] o conjunto da linguagem e das atividades com as quais está
interligada.” (WITTGENSTEIN, 1979, p. 12, §7), evidenciando assim que mais
do que palavras, os jogos de linguagem são constituídos por atividades e ações.
Ao longo da história da humanidade, algumas regras, presentes em
determinadas formas de vida, receberam um status de verdade sobre outras,
que foram marginalizadas. Entretanto, como destaca Foucault (1979): “A
verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele
produz efeitos regulamentados de poder.” (p.12). Para o filósofo, o poder se
exerce mais do que se possui, ou seja, ele não existe em determinado lugar, mas
“[...] é um feixe de relações mais ou menos organizado, mais ou menos
piramidalizado, mais ou menos coordenado.” (FOUCAULT, 1979, p.248).
Observa-se que seu entendimento acerca do poder se diferencia do
sentido habitual atribuído ao termo, que ele chamou de sentido jurídico do poder,
que carrega consigo a ideia de que o poder “[..] ‘exclui’, ‘reprime’, ‘recalca’,
‘censura’, ‘abstrai’, ‘mascara’, ‘esconde’. (FOUCAULT, 1991, p. 172). Para
Foucault é preciso abandonar esse entendimento e passar a enxergar o poder
pela sua positividade e pela sua capacidade de ser produtivo por meio de táticas
e técnicas sutis, que agem diretamente sobre o corpo e o formam. O conceito de
852
poder está extremamente relacionado ao conceito de saber, pois “[...] não há
relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber
que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder.”
(FOUCAULT, 1991, p. 30).
Assim, em uma proposta de ensino para o estudo dos Logaritmos,
recorre-se a essas teorizações com a intenção de possibilitar aos estudantes,
entre outros, a compreensão de que: os jogos de linguagem presentes na
Matemática Escolar foram constituídos historicamente por meio de relações de
poder e saber, tornando-se hegemônicos; outros jogos de linguagem, que foram
deixados à margem durante os processos de organização dos saberes e
conhecimentos matemáticos, podem ser suficientes para a compreensão de
algumas noções matemáticas.
Tais ideias vão ao encontro da História da Matemática e da
Etnomatemática, possibilitando que ambas se articulem. Para D’Ambrosio
(2007), a Etnomatemática são os “[...] modos, estilos, artes, técnicas, de explicar,
aprender, conhecer, lidar com o ambiente natural, social, cultural e imaginário.”
(D’AMBROSIO, 2007, p. 2). Essas diversas formas de matematizar, conhecer,
explicar, propor, solucionar um problema ou uma situação, são jogos de
linguagem, que possuem regras específicas, de acordo com as formas de vida
às quais pertencem, sejam distintos povos, civilizações ou grupos sociais ou
laborais.
Nesse sentido, segundo Roque (2014), as perspectivas recentes
relacionadas à História da Matemática defendem que a Matemática não se
desenvolveu de modo linear e contínuo, visto que, ao longo da história da
humanidade diversos povos e civilizações contribuíram para o desenvolvimento
do que hoje conhecemos por Matemática. Logo, a História da Matemática é
constituída desses diversos jogos, que no decorrer de seus processos de
geração, organização e difusão enfrentaram relações de poder e saber. Os jogos
de linguagem presentes na Matemática Acadêmica superaram tais relações e se
afirmaram como ciência, construindo uma hegemonia matemática e,
consequentemente, outros modos de matematizar, outros jogos de linguagem,
853
acabam por ser marginalizados. Adicionado a isso, é possível vislumbrar uma
proposta de ensino com essa articulação, entre História da Matemática e
Etnomatemática, a partir da perspectiva apresentada por Lara (2019), que ao
utilizar-se de pressupostos d’ambrosianos e wittgensteinianos define a
Etnomatemática “[...] como um método de pesquisa e de ensino que possibilita
analisar os diferentes jogos de linguagem presentes nas práticas discursivas de
distintos grupos culturais.” (p. 47).
Com essas lentes, este texto apresenta e analisa parte de uma proposta
de ensino que se realizou no ano de 2018, com 64 estudantes do 2° ano do
Ensino Médio de uma escola pública da cidade de Porto Alegre. Com duração
aproximada de cinco aulas de 60 minutos, a proposta foi elaborada em 10
momentos distintos, sendo 2 momentos relatados e analisados com maior
detalhamento na seção a seguir. Após a realização da proposta, os estudantes
responderam um questionário com respostas abertas, as quais foram analisadas
a partir da Análise Genealógica ou Análise de Discurso na perspectiva
foucaultiana. Essa ferramenta analítica se atenta aos discursos, com o intuito
de compreender quais as condições de existência de seus enunciados, quais
suas regras de formação. Mais do que isso, quais seus efeitos na constituição
dos sujeitos, pois discursos são “[...] práticas que formam sistematicamente os
objetos de que falam.” (FOUCAULT, 1987, p. 56).
854
com qual frequência foram produzidas. Além disso, para omitir a identidade dos
participantes, seus nomes foram substituídos pelo código Ex, em que x
representa um dos 64 estudantes participantes.
No primeiro momento da proposta de ensino, solicitou-se aos estudantes
a realização de uma pesquisa para responder aos seguintes questionamentos:
a) Qual a motivação para a criação dos Logaritmos?; b) Quais nomes de
matemáticos/estudiosos da antiguidade fazem parte da história dos Logaritmos?;
c) Qual a importância da criação dos Logaritmos para o desenvolvimento das
ciências em geral?; d) Quais outras histórias ou fatos interessantes, relacionados
à história dos Logaritmos, foi possível encontrar?. A pesquisa realizou-se fora do
horário da aula, com a intenção de promover aos estudantes um momento de
busca por aspectos históricos relativos aos conceitos que seriam trabalhados.
A escolha por tais questões foi intencional, pois, a partir delas, criam-se
condições para a compreensão dos processos de geração, organização e
difusão do conceito de Logaritmos, indo ao encontro do Programa
Etnomatemática de D’Ambrosio. Em outros termos, ao proporcionar aos
estudantes possibilidades de reflexões e compreensões acerca desses
processos se está articulando História da Matemática e Etnomatemática.
As questões 1, 3 e 4, apresentadas no Quadro 1 abordam a primeira
atividade da proposta.
855
Questão 3: Você julga importante ou desnecessário conhecer tais informações acerca do
conteúdo matemático?
E2, E6, E21, E41,
É importante, pois sabemos a origem da matéria e
E1 E48, E52, E53, E54, 35
por que/ por quem foi criado.
E62.
E8, E14, E17, E18,
E4 Não acho necessário isso para a matéria. <3 15
E19, E24, E27, E60
Desnecessário, em minha opinião é perda de
tempo. Eu consigo entender uma matéria com a
teoria e questões, exercitar é melhor forma de
aprender matemática, e sinto que falta mais
E18 E40 2
exercitar do que saber a história por trás da
matéria. Acho que na hora do Enem ou de um
vestibular não irão perguntar a história da matéria,
mas sim se conseguimos fazer.
Questão 4: Conhecer tais informações modificou de alguma forma a sua aprendizagem
sobre Logaritmos?
E1 Sim, pois sabemos o motivo de ter sido criado. E2, E20, E32, E53 29
E3 Não, pois achei a matéria bem difícil e complicada. E9, E12, E22, E43 32
Não, pois em nenhum momento ela cobrou na
E42 prova esses tipos de questões, mas sim os - 1
problemas para resolvermos usando os métodos.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2020).
856
atribuírem à História apenas um uso instrumental, pautado na exposição de
curiosidades.
Nesse sentido, defende-se que a articulação com a Etnomatemática
possibilita à História da Matemática superar seu uso instrumental, ao passo que
contribui para a compreensão dos processos de geração, organização e difusão
dos conceitos matemáticos, além de possibilitar a reflexão acerca dos processos
de hegemonização, e consequentemente de marginalização, desses conceitos.
Em outros ditos, os estudantes expõem que realizaram suas pesquisas
na internet, como se pode observar em E7, E8, E15, E54 e E55. Para alguns desses,
a ferramenta facilitou as pesquisas, enquanto que para outros, dificultou. Entre
as dificuldades elencadas, percebe-se a preocupação quanto à validade das
informações presentes na rede, compreensível por se tratar de uma pesquisa
histórica. Como destacaram os estudantes, foi preciso realizar pesquisas em
fontes diversas, ser crítico e atento para identificar possíveis informações falsas.
Outra dificuldade mencionada foi relativa à organização e síntese das
informações encontradas na internet, como é possível observar no dito de E 1.
Foi preciso que os estudantes recorressem às suas habilidades de leitura,
interpretação, síntese e reescrita para realizar a tarefa solicitada. Logo, a
atividade de pesquisa mobilizou nos estudantes o uso de diversas habilidades
relevantes para a compreensão de conceitos matemáticos. Contudo nem
sempre trabalhadas pelos professores.
A Questão 3 objetivou inventariar a opinião dos estudantes acerca da
importância da pesquisa histórica. No Quadro 1, observa-se que, de modo geral,
pelo menos 35 estudantes afirmaram com convicção que é importante conhecer
informações históricas sobre o conceito de Logaritmos, enquanto 15 julgam
desnecessário. Para além disso, novamente emergiu como argumento a sua
presença em avaliações, internas ou externas, como, por exemplo, nos ditos de
E18 e E40.
Entre os estudantes que julgaram desnecessária a pesquisa histórica,
observa-se a predominância de justificativas relacionadas à perda de tempo
frente à resolução de exercícios de cálculos. Segundo esses estudantes,
857
conhecer acerca da história não facilitou a aprendizagem dos conceitos
matemáticos, atrasou o desenvolvimento da matéria e é dispensável visto que
não faz parte dos conteúdos exigidos em avaliações externas.
Tais ditos possibilitam concluir que, para esses estudantes, a
Matemática enquanto uma ciência exata requer cálculos, repetição e treino de
modo que, informações diferentes disso, não são relevantes. Sob lentes
foucaultianas pode-se afirmar que esses estudantes foram sujeitados,
regulados, disciplinados, por meio de uma concepção de Matemática Escolar,
visto que não reconhecem em uma prática pedagógica diferente sua eficácia.
Observa-se, portanto, os efeitos do disciplinamento do saber, visto que, para os
estudantes apenas a Matemática Escolar, presente em exames nacionais de
seleção ao ensino superior, é importante.
Entre os estudantes que consideraram importante a realização da
pesquisa histórica, é possível verificar que a atividade proporcionou o
esclarecimento de algumas questões relativas à própria história dos Logaritmos,
como as condições de emergência do conceito. Além disso, facilitou sua
aprendizagem, tornando-a mais prazerosa, significativa e envolvente. Tais ditos
possibilitam concluir que, por meio de uma pesquisa histórica, foi possível
compreender os motivos pelos quais determinados conceitos matemáticos foram
gerados. Segundo os estudantes, tal compreensão atribui mais significado à
aprendizagem, facilitando o entendimento do conceito e motivando a
aprendizagem.
Tal entendimento é reforçado pelas respostas atribuídas à Questão 4,
em que se observa que, apesar da maioria dos estudantes considerar importante
conhecer as informações históricas sobre um conceito, como foi possível
observar na questão 3, 29 estudantes afirmaram que esse conhecimento
modificou sua aprendizagem, ao passo que 32 acreditam que não. Entre os
estudantes que responderam positivamente à questão, E 20, E32 e E53
reconhecem que o conhecimento das informações históricas motivou sua
aprendizagem e facilitou o entendimento do conteúdo e, mais do isso, mudou de
algum modo sua forma de pensar. As enunciações dos estudantes vão ao
858
encontro de Lara (2013) no que tange às contribuições do uso da História da
Matemática no ensino, “[...] estimular o interesse do estudante; tornar as aulas
mais atraentes, instigantes e desafiantes; desenvolver a criatividade do
estudante na resolução de problemas; tornar a aprendizagem mais significativa
[...]” (p. 61). Além disso, o dito de E2 corrobora a defesa de Lara (2013) de que a
presença da História da Matemática nos processos de ensino e de aprendizagem
precisa superar a apresentação de curiosidades pontuais, como nomes e datas.
A partir da articulação com a Etnomatemática pode-se, entre outras coisas,
possibilitar aos estudantes a compreensão dos motivos pelos quais os conceitos
matemáticos emergiram.
Possibilitar o conhecimento das condições de emergência de conceitos
a serem estudados pode ser um movimento de contraconduta frente à
Matemática Escolar. Isso, pois, o um dos objetivos da proposição de pesquisa
histórica é proporcionar outras formas de condução da aprendizagem da
Matemática Escolar, possibilitando aos estudantes sair do sistema convencional
de aprendizagem, baseado na sequência definição, exemplo e exercício.
Em relação aos estudantes que responderam afirmando que o
conhecimento das informações históricas não modificou sua aprendizagem,
destacam-se os ditos de E9, E12, E22 e E43. A enunciação do primeiro estudante
evidencia que, apesar de não modificar algo em sua forma de pensar, a pesquisa
histórica antecedendo a apresentação dos conceitos matemáticos o motivou.
Essa enunciação vai ao encontro dos ditos anteriores, visto que criou condições
que possibilitaram ao estudante motivação e interesse para com os conceitos
matemáticos a serem aprendidos.
Nos demais ditos, observa-se que os estudantes atribuem mais peso aos
cálculos em si, à prática de calcular e efetuar exercícios, do que aos aspectos
históricos. A posição dos estudantes evidencia os efeitos de poder que o
chamado ensino tradicional, baseado na sequência definição, exemplos e
exercícios, tem sobre os estudantes. Em relação ao dito de E 42, novamente
observa-se menção ao fato de que as informações históricas não estiveram
presentes nas avaliações, em especial na prova.
859
Já no sétimo momento da proposta de ensino, após a formalização do
conceito de Logaritmos, os estudantes foram divididos em equipes e receberam
exemplares de livros contendo tábuas logarítmicas, um artefato histórico visto
que não é mais utilizado no ensino. A fim de trabalhar as noções de mantissa e
característica, a instrução dada aos estudantes foi: compreender de que modo
se utiliza a tábua para o cálculo dos Logaritmos. Ao introduzir tais noções se
possibilitam aos estudantes contato com outros jogos de linguagem, distintos
daqueles abordados pela Matemática Escolar. Dessa maneira, novamente é
perceptível a presença da Etnomatemática na proposta de ensino, visto que,
outros modos e técnicas para explicar, conhecer e lidar com o ambiente estão
sendo abordados. Sobre essa atividade foram realizadas três questões,
apresentadas no Quadro 2.
860
Interessante, provavelmente se não
tivéssemos estudado a história, apenas
E12 - 1
teríamos essa “regra”, mas não entendido o
porquê.
Legal porque utilizamos formas diferentes
E15 - 1
para aprender a mesma matéria.
Achei legal usar os métodos antigos, pois
E17 - 1
hoje temos as calculadoras que facilitam.
E18 Não acho muito interessante. E21, E26, E29, E31 5
Fonte: Elaborado pelas autoras (2020).
861
estudantes conhecer e refletir sobre os processos de organização e difusão dos
conhecimentos matemáticos.
Por outro lado, para os estudantes E1, E5, E12, E27, E34 foi complicado
utilizar o artefato histórico, pois foi preciso desenvolver um raciocínio para
compreendê-lo e interpretá-lo, visto que atividades assim ainda não haviam sido
realizadas em sala de aula. Além disso, a atividade foi considerada chata, pois
não auxiliou o estudante na compreensão do conteúdo, e difícil, pois o modo de
pensar dos antigos é diferente do modo de pensar do estudante. Ademais se
observa que, entre as justificativas dos estudantes que desaprovaram a
atividade, está o fato dos livros serem antigos e das pesquisas em livros serem
diferentes das realizadas em sites da internet. É possível relacionar a
emergência desses ditos ao avanço e popularização das tecnologias digitais com
acesso fácil à rede de dados, visto que os estudantes estão cada vez mais
dependentes desses recursos, o que implica em uma geração mais imediatista,
requerendo respostas rápidas aos problemas e situações propostas.
O uso de tecnologias digitais nos processos de ensino e de
aprendizagem, discurso bastante difundido no campo da Educação, traz
vantagens aos processos, assim como desvantagens. Um dos efeitos desse
alargamento tecnológico está no tipo de estudante que se está formando, visto
que quase não há mais tempo para pesquisas, momentos de reflexão e análise,
pois a tecnologia faz com que se tenha acesso a informação e às respostas
prontas. Consequentemente, atividades que transgridam a ordem imposta
podem não ser significativas para os estudantes, além de dificultar os processos
de ensino e de aprendizagem. Portanto, pode-se dizer que o uso dos livros
históricos para o ensino de Logaritmos criou condições que possibilitaram aos
estudantes romper com as tradicionais barreiras ligadas aos processos de
ensino e de aprendizagem, possibilitando aos estudantes serem conduzidos de
outra forma.
A dependência dos estudantes em relação às tecnologias digitais é
reforçada, e torna-se evidente, quando solicitada a sua opinião sobre o uso de
materiais históricos nos processos de ensino e de aprendizagem, como se
862
verifica na questão 8. Das 63 respostas atribuídas à questão, os ditos de doze
estudantes evidenciam que a atividade possibilitou conhecer questões relativas
ao avanço da Matemática ao longo do tempo, refletir acerca dos métodos de
resolução anteriores ao uso de tecnologias e sobre as consequências do seu
uso nos processos de ensino e de aprendizagem. Isso sugere que o uso das
tábuas logarítmicas, presentes nos livros históricos, para a prática de calcular
Logaritmos possibilitou aos estudantes refletir sobre os efeitos da dependência
dos recursos eletrônicos e digitais nos processos de ensino e de aprendizagem.
Portanto, por meio da atividade os estudantes puderam perceber que a
popularização da calculadora facilitou os processos de ensino e de
aprendizagem, em especial porque em grande parte das escolas não é mais
exigido dos estudantes a realização, de fato, desses cálculos. Entretanto, outros
estudantes destacaram que o avanço tecnológico, em especial da calculadora,
pode ter colaborado para que os estudantes deixassem de aprender aspectos
relativos aos conceitos matemáticos, visto que a calculadora substitui o
pensamento do estudante na hora da resolução. Os ditos possibilitam refletir
sobre os impactos que a popularização da calculadora traz ao ensino de
Matemática, uma vez que esses estudantes são usuários frequentes dessa
tecnologia.
A calculadora fornece ao estudante o acesso rápido ao resultado de
determinado cálculo, de modo ágil e preciso, ao mesmo tempo em que retira dele
a necessidade de realizar operações matemáticas fundamentais. Em longo
prazo, os efeitos desse uso frequente podem ser percebidos na dependência
que os estudantes apresentam em relação à calculadora, de modo que, muitas
vezes, seu uso determina o acerto ou o erro da questão. É observável, então,
certa criticidade em relação ao uso da calculadora, visto que reconheceram que
ao utilizá-la deixa-se de aplicar determinados conceitos matemáticos na
resolução dos exercícios.
Para E45, E26, E30 a atividade consumiu muito tempo e se mostrou
desnecessária por tratar-se de um modo antigo para resolução de Logaritmos
decimais. Observa-se, nesses ditos, uma comparação entre os aspectos
863
históricos e a prática matemática mediada pelos cálculos, sendo essa última
considerada mais importante pelos estudantes. Novamente, percebe-se o
disciplinamento do saber ao qual os estudantes estão imersos, evidenciando o
quanto estão sujeitados pelo poder disciplinador da Matemática. Isso por que,
apesar de julgar uma atividade interessante, consideram-na menos necessária
do que aprender técnicas de cálculos.
Na questão 9, os estudantes foram questionados sobre a utilização dos
livros históricos para aprender sobre mantissa e característica. Dos 60
estudantes que responderam à questão, observa que a maioria respondeu
positivamente sobre o uso do material histórico. O dito de E12 evidencia que, para
esse estudante, a utilização dos livros possibilitou que a aprendizagem
superasse a compreensão da regra matemática, possibilitando compreender os
motivos pelos quais o cálculo se dá de determinada forma e não de outra. Para
E15, o acesso ao livro possibilitou ao estudante compreender que existe formas
diferentes para aprender determinado conceito.
Em síntese, a proposta de ensino que abordou o conceito de Logaritmos
por meio da articulação da História da Matemática e da Etnomatemática, ao
solicitar aos estudantes uma pesquisa sobre a história do conceito, possibilitou-
lhes conhecer aspectos da história que contribuíram para a emergência dos
Logaritmos, atribuindo mais significado a sua aprendizagem, facilitando o
entendimento do conceito e motivando-lhes. Sendo a linguagem histórica
constituída por jogos de linguagem de formas de vida históricas, pode-se afirmar
que confrontar os estudantes com outros jogos de linguagem, outros modos de
matematizar, presentes no artefato histórico, possibilitou-lhes conhecer e refletir
sobre métodos distintos dos atuais para o cálculo de Logaritmos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
864
relativos ao conceito de Logaritmos, por meio da pesquisa histórica solicitada,
bem como, do uso do artefato histórico disponibilizado. Mais do que isso, os
dados criaram condições de possibilidade para uma reflexão acerca dos efeitos
das articulações entre Etnomatemática e História da Matemática para o ensino
do conceito de Logaritmos, objetivo deste texto. Desse modo, é possível
responder ao questionamento de pesquisa proposto inicialmente.
Entre os efeitos, verificou-se que a proposta mobilizou nos estudantes
habilidades de leitura, interpretação, reescrita e síntese, para responder às
questões solicitadas na pesquisa, bem como, criticidade, a fim de diferenciar
possíveis informações falsas presentes na internet; possibilitou aos estudantes
a compreensão de aspectos relevantes à noção de Logaritmos; aprendizagem
de um modo distinto de matematizar, que se deu a partir do reconhecimento de
outros jogos de linguagem diferentes dos presentes na Matemática Escolar;
conhecimento e reflexão sobre métodos de calcular distintos dos apresentados
no livro didático para o cálculo de Logaritmos; reflexão sobre os efeitos da
dependência dos recursos eletrônicos e digitais para os processos de ensino e
de aprendizagem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
865
LARA, I. C. M. de. Formas de vida e jogos de linguagem: a Etnomatemática
como método de pesquisa e de ensino. Com a Palavra, O Professor, v. 4, n.
9, p. 36-64, 2019.
866
OPERAÇÕES DE MULTIPLICAÇÃO E DIVISÃO NA BABILÔNIA ANTIGA
Experiências com massa de modelar numa Feira de Matemática
RESUMO
A elaboração desta pesquisa é resultado de estudos e discussões em aulas da disciplina
de História da Matemática em um curso de Licenciatura em Matemática do Instituto
Federal do Espírito Santo – Ifes no ano de 2019. O texto é de autoria de dois estudantes
do curso, com a orientação e participação da professora regente da disciplina. O
trabalho explora as operações de multiplicação e divisão de números reais como
operações inversas e toma como base tabelas da Babilônia Antiga de multiplicação e
de recíprocos de números no sistema de numeração sexagesimal. Discute os métodos
prováveis adotados na época e faz um paralelo com estratégias de cálculo de
multiplicações e divisões no sistema de numeração decimal. Através de um relato de
experiência é apresentada a aplicação desses conhecimentos como recurso
metodológico em uma feira de matemática realizada no Instituto Federal do Espírito
Santo Campus Vitória no ano de 2019.
287
Instituto Federal do Espírito Santo (IFES). lucasmulinaribongiovani@gmail.com.
288
Instituto Federal do Espírito Santo (IFES). jhulia_chick@hotmail.com.
289
Instituto Federal do Espírito Santo (IFES). claudia.araujo@ifes.edu.br.
867
INTRODUÇÃO
868
matemática realizada na nossa instituição (BONGIOVANI; ROCHA;
LORENZONI, 2019).
524551 = 2(603)+25(602)+42(60)+31.
869
Em notação moderna, podemos escrever
(524551)10 = (2;25;42;31)60 .
870
representando o fator 6 (empregado seis vezes, com três símbolos em cima
871
ordem crescente; e como propriedade de potenciação, as potências com
expoentes negativos podem ser escritas em formato de fração.
872
Uma característica interessante do sistema sexagesimal é o fato do número 60
ser divisível por todos os inteiros entre 1 e 6, facilitando a inversão dos números
expressos nessa base.
873
Fonte: Arquivo pessoal dos autores.
874
visto que uma notável diferença entre o nosso sistema e o dos babilônios é que
estes empregavam um sistema aditivo para formar combinações distintas de
símbolos que representam os números de 1 a 59, enquanto o nosso utiliza
símbolos diferentes para os números de 0 a 9 e, em seguida, passa a fazer uso
de um sistema posicional (ROQUE, 2012).
875
Posteriormente à apresentação do trabalho na Feira de Matemática, foi
confeccionada, por um aluno do ensino técnico integrado do IFES, uma cunha
de metal com recursos disponíveis nos laboratórios técnicos do campus
(FIGURA 5), o que permitiu novas apresentações em aulas da disciplina de
História da Matemática lecionada pela professora orientadora deste artigo,
proporcionando maior interação entre diferentes cursos e níveis escolares.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
876
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
877
UBP NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES:
o Sistema de Numeração Indo-Arábico e sua disseminação na Europa
Ocidental
RESUMO
O presente trabalho apresenta parte de uma pesquisa de mestrado profissional, que
teve como objetivo principal a elaboração de uma proposta pedagógica abordando os
significados conceituais das operações fundamentais com os números naturais com o
uso da História da Matemática, direcionado aos professores que ensinam Matemática
nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Estes professores, em sua grande maioria,
licenciados em Pedagogia, não recebem uma formação suficiente em Matemática, visto
que, em geral, os cursos de Pedagogia dão prioridades às questões metodológicas, em
detrimento dos conteúdos específicos às disciplinas. Nossa pesquisa se fundamentou,
principalmente, nos estudos realizados por Curi (2004) e em uma pesquisa recente que
fizemos nas matrizes curriculares de cursos de Pedagogia de algumas universidades
públicas de vários estados brasileiros, a fim de detectar as disciplinas destinadas ao
estudo da Matemática. A partir de nossas pesquisas e reflexões, decidimos que a forma
mais adequada de alcançarmos o nosso objetivo principal era com a utilização das
Unidades Básicas Problematizadoras (UBPs), que são atividades propostas por Miguel
e Mendes (2010), que resgatam práticas histórico-sociais, e a partir delas são
elaborados questionamentos de cunho investigativo e reflexivo. No presente artigo, nos
limitamos a apresentar o resultado da pesquisa bibliográfica e discutir uma Unidade
Básica Problematizadora elaborada para constituir a nossa proposta pedagógica.
INTRODUÇÃO
878
Historicamente, os alunos que não simpatizam ou têm dificuldades nos
conteúdos das ciências exatas, mais especificamente em Matemática, tendem a
ingressar em um curso superior na área de humanas, incluindo o curso de
Pedagogia, que forma professores polivalentes, aptos a lecionarem todas as
disciplinas nos anos iniciais do Ensino Fundamental. O problema recorrente é
que esse curso, em geral, não oferece uma formação suficiente em Matemática
para um futuro professor. Isso é um dos motivos que causam uma falsa
sensação de que para ensinar nos anos iniciais não precisa gostar nem sequer
saber Matemática, gerando um entrave no processo de ensino-aprendizagem da
Matemática, visto que a maioria dos professores não domina os conceitos
elementares dessa disciplina, refletindo na sua prática profissional.
Apresentamos, neste artigo, uma discussão a respeito dessa
problemática e uma alternativa que utiliza a História da Matemática, na tentativa
de sanar um pouco do que foi observado no cenário de formação inicial dos
pedagogos. Para isso, escolhemos o conteúdo de Números, explorando mais
especificamente a disseminação do sistema de numeração indo-arábico pelo
Ocidente e seu caráter decimal e posicional.
Primeiramente, buscando compreender o quadro da formação inicial dos
professores, que constituem o foco de nossa atenção, fizemos uma pesquisa,
essencialmente bibliográfica, examinando documentos oficiais sobre a política
de formação de professores no Brasil, principalmente sobre os que atuam nos
anos iniciais do Ensino Fundamental, e materiais acadêmicos que tratam do
tema. Aprofundamos no exame de matrizes curriculares de cursos de Pedagogia
de instituições públicas do nosso país, bem como as ementas e carga horária
dos componentes curriculares relacionados à Matemática.
Após essa pesquisa, nossas reflexões nos encaminharam para a
elaboração de um material pedagógico voltado à formação continuada dos
pedagogos e que utiliza a História da Matemática como fio condutor. Para isso,
utilizamos as Unidades Temáticas Problematizadoras (UBPs), que são
atividades propostas por Miguel e Mendes (2010), que resgatam práticas
histórico-sociais. E, a partir delas, são elaborados questionamentos de cunho
879
investigativo e reflexivo. Os conteúdos matemáticos tratados foram relacionados
aos Números Naturais, dando um enfoque conceitual aos professores,
necessários à sua prática docente.
880
dos conteúdos sobre os objetos de ensino com os quais o futuro
professor irá trabalhar. (CURI, 2004, p. 20).
• Educação Matemática e
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - Infância – 72h
Florianópolis • Fundamentos e Metodologia da
Matemática - 72h
• Fundamentos Teórico-metodológicos
Universidade de São Paulo (USP) – do Ensino de Matemática – 30h
São Paulo • Projeto Integrado de Estágio em Docência em
Matemática e Ciências – 90h
881
Universidade Federal do Rio de Janeiro
• Didática da Matemática - 60h
(UFRJ) - Rio de janeiro
• Fundamentos e Metodologia do
Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) - Ensino de Matemática I –75h
Cuiabá • Fundamentos e Metodologia do Ensino
de Matemática II - 75h
Universidade de Brasília
• Educação Matemática I - 60h
(UNB) - Brasília
Fonte: Sites desses cursos na internet.
• Fundamentos do Ensino de
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - Matemática I - 75h
Recife • Fundamentos do Ensino de
Matemática II – 45h
882
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) • Ensino de Matemática I – 60h
- Natal • Ensino de Matemática I I– 60h
883
O Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou em 2017 a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), que em sua estrutura divide a educação
básica em etapas, a saber: Ensino Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Atentaremos aqui à disciplina de Matemática nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, mais especificamente ao conteúdo de Números Naturais. O
documento afirma que:
884
ensinam Matemática para os anos iniciais do Ensino Fundamental, tendo em
vista que os cursos de Pedagogia que formam esses professores não oferecem,
em sua grande maioria, uma formação suficiente em Matemática. Fato
constatado pela baixa carga horária destinada às disciplinas relacionadas à
Matemática, presentes nas matrizes curriculares destes cursos, conforme
discutimos anteriormente.
Tivemos a preocupação em considerar que esses professores não são
matemáticos, portanto, não dispõem de conhecimentos teóricos específicos
desta área. Nossa intenção é oferecer um material que contenha um certo rigor
matemático, usando uma linguagem apropriada para o público mencionado.
Nessa perspectiva, vimos nas Unidades Básicas de Problematização, ou
simplesmente UBPs, uma oportunidade de contribuir para o processo de ensino-
aprendizagem em Matemática para os professores que ensinam Matemática nos
anos iniciais do Ensino Fundamental. Segundo Miguel e Mendes (2010):
885
conteúdo trabalhado, seu conhecimento sobre ele e sua prática docente. De
acordo com Tavares e Pereira (2016):
886
aluno, e acreditamos que o ensino dos números naturais e suas operações feito
por professores bem preparados favorecem a construção dessa base.
O processo de construção do conhecimento sobre números naturais e
suas operações básicas vai muito além da memorização dos algoritmos, requer
uma busca por significados, e isso só é possível com professores preparados,
dispondo do conhecimento teórico necessário para favorecer esse processo.
Como os cursos de Pedagogia, em geral não oferecem estes conhecimentos,
propomos que seja feito por meio de formação continuada. Preocupamos-nos
em elaborar um material que possa ser usado nestas formações.
887
O sistema indo-arábico é chamado de decimal, pois sua base é
constituída de dez símbolos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 0, que chamados de
algarismos. Este sistema é também posicional, pois cada algarismo, além de seu
valor absoluto possui um peso relacionado com sua posição. Esse peso é uma
potência de 10 que varia da direita para a esquerda segundo as potências 100=1,
101=10, 102=100, 103=100, e assim sucessivamente. Como um exemplo, o
número 2568, no sistema decimal é representado por 2.10 3 + 5.102 + 6.10 + 8.
Esta é o que chamamos de expansão decimal do número.
Nossa proposta de UBP aborda principalmente temas que tratam da
disseminação do sistema de numeração indo-arábico pelo Ocidente e seu
caráter decimal e posicional. Abordamos fatos históricos e culturais relacionados
a esse sistema, por meio de problematizações que levarão o professor a pensar
de forma reflexiva e adquirir ou aprimorar conhecimentos importantes como a
representação de qualquer número natural na forma decimal posicional que o
ajudará a compreender conceitos até então mecanizados pela educação
tradicional. Introduzimos esta UBP, intitulada “O Sistema de Numeração Indo-
Arábico e sua disseminação na Europa Ocidental”, com o seguinte texto de
nossa autoria:
888
rejeição, principalmente por questões religiosas. Acredita-se que o comércio e
suas necessidades de cálculos, cada vez maiores, foram decisivos na aceitação
do novo sistema.
Todavia os métodos de cálculo desenvolvidos pelos hindus só vulgarizou
amplamente com o trabalho do matemático persa Abu Ja'far Muhammad ibn
Musa al-Khwarizmi (783-850), que escreveu uma obra expondo pela primeira
vez o sistema numérico decimal, que usa dez símbolos, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e
0 para representar qualquer número natural, sendo que a partir do 10 o valor do
símbolo depende da ordem em que ele se encontra. Na obra, chamada de
Tratado Aritmético de al-Khwarizmi, ele também expõe o modo de calcular dos
indianos, que facilitaria bastante as operações com números naturais.”
Baseado no texto de problematização histórica, nós propomos nove
questionamentos que promovam o senso investigativo do professor. Iniciamos
abrindo uma discussão sobre o surgimento da contagem e dos números.
Propomos também investigações históricas, como o surgimento do sistema de
numeração decimal e sua disseminação pela Europa Ocidental e o trabalho do
matemático Al-Khwarizmi, bem como o uso do ábaco para a realização de
operações básicas com os números naturais. Abordamos também
conhecimentos conceituais sobre algarismo, número e expansão decimal e
representações numéricas de povos antigos como os Incas e os Egípcios.
Os objetivos dessa UBP são de discutir e compreender o sistema de
numeração decimal: invenção, disseminação pelo Ocidente e representação dos
números em base 10; fazendo assim uma exploração do sistema de numeração
decimal por meio do processo histórico até a sua representação atual. O público-
alvo são os professores que ensinam Matemática nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Nossa UBP foi estruturada para um minicurso de formação
continuada para professores de Matemática dos anos iniciais e são necessários
os seguintes recursos: lápis, borracha, papel para anotações e dispositivo
eletrônico conectado à internet.
889
CONSIDERAÇÕES FINAIS
890
interessarem em ampliar o conhecimento dos professores que ensinam
matemática.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
891
TAVARES, M. O.; PEREIRA, A. C. C. Um estudo sobre a inserção das práticas
matemáticas históricas por meio de UBP no ensino de Matemática. Boletim
Cearense de Educação e História da Matemática, v. 3, n. 8, p. 59 - 70, 2016.
Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/BOCEHM/article/view/77/30.
Acesso em: 26 ago. 2020.
892
UM ESTUDO SOBRE A REVISTA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA PARA
PROFESSORES
RESUMO
Neste artigo apresentamos um estudo realizado sobre as edições da Revista História
da Matemática para Professores (RHMP), publicada pela Sociedade Brasileira de
História da Matemática (SBHMat), enfatizando conteúdos históricos e matemáticos de
cada um dos exemplares e elencando-os aos possíveis anos do ensino básico em que
os professores podem empregar esse material. Para tanto, nos embasamos em
documentos oficiais, tais como na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e no
Referencial Curricular do Paraná (RCP), e perfazemos isso mediante uma análise
documental e bibliográfica. As edições da respectiva revista foram analisadas
associando seus conteúdos às unidades temáticas e anos escolares, conforme
encaminham esses documentos. Portanto, esperamos com este estudo contribuir com
o ensino de matemática na educação básica, por intermédio da divulgação dessa
importante revista aos professores, promovendo o uso da história nas aulas, o acesso
a esses materiais e suas possibilidades no ensino de matemática.
INTRODUÇÃO
292
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). E-mail: juniorarjrodri3@gmail.com.
293
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). E-mail: marcoslubeck@gmail.com.
893
podem ajudar na solução de demandas como estas. E dentre as possibilidades
emergentes na educação matemática, destacamos a história da matemática.
A história da matemática, segundo asseguram Mendes (2015) e Miguel e
Miorim (2004), é um instrumento de investigação das origens e descobertas, de
métodos e notações matemáticas que foram desenvolvidas ao longo de tempo,
e que expõe a contribuição de diversas civilizações. Ou seja, a matemática que
conhecemos hoje foi desenvolvida ao longo de muitos e muitos anos. Mas para
os alunos essa é uma disciplina que espanta, hora por seus elegantes teoremas,
hora por seus cálculos complexos, ou até mesmo pelo pré-conceito de ser difícil.
Para romper essa barreira, a história da matemática surge como uma das
tendências metodológicas para o ensino de matemática, tendência que permite
compreender a origem das ideias que formam a cultura e o desenvolvimento
humano. Reconhecer esse processo histórico é fundamental para compreender
as origens que deram forma a cultura. D’Ambrósio (1999, p. 97) afirma que “um
dos maiores erros que se prática em educação, em particular na educação
matemática, é desvincular a matemática das outras atividades humanas”. Assim,
por meio da história da matemática o aluno pode relacioná-la com o seu
cotidiano.
A história da matemática pode ajudar alunos e professores a verem essa
disciplina por outro prisma, com um olhar que a torne mais fácil de entender, e
até mais atraente, tornando-a inclusive mais prazerosa de ser estudada. Para
ajudar nesse processo, os conteúdos didáticos e atividades descritas nas
edições da Revista História da Matemática para Professores (RHMP), uma
publicação da Sociedade Brasileira de História da Matemática (SBHMat), serão
associados as suas respectivas unidades temáticas e respectivos anos
escolares, segundo os documentos oficiais, a saber, a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) e o Referencial Curricular do Paraná (RCP), com o objetivo
de organizar um guia para o professor da educação básica, facilitando o acesso
a esses materiais de forma mais rápida e objetiva, ajudando-os, assim, no
planejamento de suas aulas.
894
Vale ressaltar que este artigo é um ensaio sobre parte de uma dissertação
de mestrado que está ainda em desenvolvimento no Programa Pós-Graduação
em Ensino (PPGEn) da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE), campus de Foz do Iguaçu, na qual objetivamos analisar todos os
livros referentes a Coleção História da Matemática para Professores,
organizando seus conteúdos, também, segundo estes documentos oficiais,
como na intenção apresentada aqui.
CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA
895
(1) a Matemática como uma criação humana; (2) as razões pelas
quais as pessoas fazem Matemática; (3) as necessidades
práticas, econômicas e físicas que servem de estímulo ao
desenvolvimento das ideias matemáticas; (4) as conexões
existentes entre Matemática e Filosofia, Matemática e Religião,
Matemática e Lógica, etc.; (5) a curiosidade estritamente
intelectual que pode levar a generalização e extensão de ideias
e teorias; (6) as percepções que os matemáticos têm do próprio
objeto da Matemática, as quais mudam e se desenvolvem ao
longo do tempo; (7) a natureza da uma estrutura, de uma
axiomatização e de uma prova. (MIGUEL; MIORIM, 2004, p. 33)
896
impulsionada e gerada pelas necessidades das pessoas. E para ajudar entender
esse processo e a própria matemática, os professores podem contar com
referências diversas.
Agora, quanto aos documentos oficiais, a Base Nacional Comum
Curricular (BRASIL, 2017a) afirma que a matemática é necessária para todos os
alunos, seja por suas potencialidades para a formação dos cidadãos, assim
como na sua grande aplicação na sociedade contemporânea. Além do mais, a
matemática não se restringe a quantificar fenômenos determinísticos, mas
estuda fenômenos de caráter aleatório, apesar de ser uma ciência hipotético
dedutiva devido a sua excelência, baseada em axiomas e postulados, ela é
crucial na aprendizagem devido ao seu papel heurístico, nomenclatura essa
utilizada para descrever a abordagem feita por alguém para se resolver um
problema.
Nesse sentido, apresentamos um significado para heurística, o qual diz
que
897
Acredita-se que o Ensino Fundamental tenha o papel de desenvolver o
“letramento matemático, definido como as competências e habilidades de
raciocinar, representar, comunicar e argumentar matematicamente” (BRASIL,
2017a, p. 266), e que, por meio deste, o aluno possa desenvolver um raciocínio
lógico e crítico, estimulando assim seu aprendizado.
O desenvolvimento dessas competências e habilidades pode acontecer
no ínterim da aprendizagem matemática por diversos processos de ensino, seja
pela resolução de problemas, na investigação matemática, no desenvolvimento
de projetos, da modelagem e pela própria história da matemática. Esses
processos são potencialmente ricos para o desenvolvimento das competências
e habilidades para o letramento matemático. E dentre as principais, podemos
destacar:
898
Além de mais, a matemática reúne um conjunto de ideias
fundamentais importantíssimas para o desenvolvimento dos alunos,
entrelaçando esta disciplina com outras áreas do conhecimento. Assim,
899
ideias estas que desenvolvem o pensamento matemático. O conhecimento
matemático se torna necessário, seja pela sua aplicação na sociedade ou pelas
suas potencialidades na formação dos cidadãos e, assim, a matemática assume
uma função social.
A matemática deve correlacionar as unidades temáticas entre si, de
acordo com o ano de escolarização e, ainda, sendo proposto um conjunto
progressivo de conhecimento matemático historicamente construído. Para isso,
listamos alguns aspectos destacados na BNCC, como habilidades, e no RCP,
como Objetivos de Aprendizagem, os quais sugerem observar:
900
Como fundamentação teórico-metodológica, assume-se, nesse
documento, a Educação Matemática como uma área de
pesquisa que possibilita ao professor balizar suas práticas
educativas em uma ação que leva em consideração, além dos
conhecimentos matemáticos, aspectos cognitivos, as questões
sociais, culturais, econômicas, políticas, entre outras. As
tendências metodológicas dessa área – por exemplo, a
resolução de problemas, a modelagem matemática, a
etnomatemática, a história da matemática, a investigação
matemática, as mídias tecnológicas, entre outras –, são
estratégias que permitem desenvolver os conhecimentos
matemáticos. (PARANÁ, 2018, p. 810, grifo nosso).
901
a história da matemática, para além dos livros didáticos. Contudo, destacamos
aqui unicamente as edições da Revista História da Matemática para Professores.
902
Quanto a sua estrutura, cada edição da RHMP apresenta as sete sessões
seguintes: 1. Editorial; 2. Diálogo com um educador; 3. Histórias da matemática;
4. Sugestões para sala de aula; 5. Brincadeiras e diversões; 6. Merece ser lido,
visto e divulgado; e, 7. Conversa com o leitor. As submissões são feitas para as
sessões 3, 4, 5 e 6. Uma descrição completa de cada uma dessas seções, bem
como os números, e mais informações acerca da RHMP, podem ser acessadas
pelo seu endereço eletrônico. A Figura 1 apresenta um recorte da sua página.
903
De contagens v.1, 201 A partir Probabilida Noções de (EF06MA30)
empíricas e n.1 4 do atual de e probabilidad
jogos ao 6° ano estatística / e
poder da Tratamento
ciência da
estatística Informação
Alguns v.1, 201 A partir Números Sistema de (EF06MA10)
aspectos n.1 4 do atual numeração
históricos dos 6° ano decimal: (EF06MA11)
números característic
decimais as, leitura,
escrita e
comparação
de números
naturais e de
números
racionais
representad
os na forma
decimal.
As v.1, 201 Atual 9° Álgebra / Equação do (EF09MA09)
potencialidad n.1 4 ano Números e 2.º grau
es Álgebra
pedagógicas
da história da
matemática –
uma
abordagem
com alunos
da 8ª série
Onde está a v.1, 201 A partir Álgebra / Razão e (EF09MA08)
proporção? n.1 4 do atual Números e proporção /
7° ano Álgebra Teorema de (EF09MA14)
Geometria Tales
A beleza da v.1, 201 A partir Geometria Geometria (EF06MA17)
estrela da n.1 4 do atual plana /
felicidade 6° ano Geometria (EF06MA18)
espacial
A v.2, 201 Atuais Geometria Função do (EF09MA06)
contribuição n.1 5 8° e 9 ° 2.º grau
da geometria anos
dinâmica na
resolução
geométrica
de equações
do segundo
grau como
proposto por
Descartes
904
A matemática v.2, 201 A partir Geometria Geometria (EF08MA15)
por trás da n.1 5 do atual plana
balhestilha 8° ano (EF09MA17)
(EF09MA19)
A história da v.2, 201 A partir Álgebra / Sequências (EF08MA10)
matemática n.1 5 do atual Números e recursivas e
subsidiando 8° ano Álgebra não
contextos de recursivas
abordagem
para a
resolução de
problemas: o
caso do
“truque de
Fibonacci”
A perspectiva v.2, 201 A partir Álgebra / Função do (EF09MA06)
sociocultural n.1 5 do atual Números e 1.º grau
da história da 9° ano Álgebra Função do
matemática 2.º grau
como uma
lente
metodológica
para o estudo
de funções
Geometria e v.3, 201 A partir Geometria Geometria (EF07MA21)
estilo gótico: n.1 6 do atual plana
as catedrais 7° ano
medievais /
Construindo
arcos com
régua e
compasso
O Encontro v.3, 201 A partir Geometria Geometria (EF09MA13)
da Álgebra e n.1 6 do atual plana
da Geometria 9° ano
nas Obras de
Descartes e
Hilbert
Do v.3, 201 A partir Álgebra / Equação do (EF09MA09)
“completame n.1 6 do atual Números e 2.º grau
nto” de 9° ano Álgebra
quadrados ao
“completame
nto” de cubos
por Cardano
e Tartaglia
Notação v.3, 201 A partir Números Notação (EF08MA01)
posicional n.1 6 do atual científica
sem zero: 8º ano Potências
905
possibilidade
s lógicas e
realidades
históricas
Gelosia: um v.4, 201 A partir Álgebra / Múltiplos e (EF06MA05)
método de n.1 8 do atual Números e divisores
multiplicação 6º ano Álgebra (EF06MA06)
medieval
A História dos v.4, 201 A partir Números Números (EF06MA04)
números n.1 8 do atual primos e
primos 6º ano compostos
História da v.5, 201 A partir Álgebra / Razão e (EF07MA17)
matemática e n.1 9 do atual Números e proporção
o ensino da 7º ano Álgebra
razão áurea:
uma
sequência de
atividade
A v.5, 201 A partir Geometria Geometria (EF07MA33)
reconstrução n.1 9 do atual Plana
dos círculos 7° ano (Medidas de
de proporção comprimento
no Geogebra Número π)
como uma
atividade
para a
mobilização
de
conhecimento
s
matemáticos
Investigação v.6, 202 Atual 9° Números, Princípio
histórica com n.1 0 ano Probabilida multiplicativo (EF09MA22)
tecnologia de e de contagem
para a Estatística (EF09MA23)
unidade de /
números, Tratamento
probabilidade da
e estatística Informação
no 8° ano: o
caso do
princípio da
casa dos
pombos de
Dirichlet
Números v.6, 202 A partir Números Números (EF07MA03)
inteiros n.1 0 do atual inteiros
chineses da 7° ano (EF07MA04)
Era Shang
906
Fonte: Autores, 2020.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
907
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017a. Disponível em:
https://bit.ly/3hfbmO5. Acesso em: 20 dez. 2020.
BRASIL. Guia de Livros Didáticos - PNLD 2014 - Matemática. Brasília: MEC, 2013.
BRASIL. Guia de Livros Didáticos - PNLD 2017 - Matemática. Brasília: MEC, 2017b.
908
ROQUE, T. História da Matemática: uma visão crítica, desfazendo mitos e lendas.
Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
909
910
A PRESENÇA DA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NAS AVALIAÇÕES DO
ENEM: UMA EXPERIENCIA DE INICIAÇÃO À PESQUISA
RESUMO
O presente relato tem por objetivo socializar uma experiência amadurecida no âmbito
das disciplinas História da Matemática e Prática Docente e Metodologia Científica em
Matemática, ofertadas pelo Departamento de Educação, no curso de Licenciatura em
Matemática da Universidade Federal Rural de Pernambuco, com o intuito de familiarizar
os alunos acerca das etapas de uma pesquisa. Para o caso específico escolhemos o
tema presença da História da Matemática (HM), nos Exames Nacionais do Ensino Médio
(ENEM) nos últimos onze anos. A escolha do referido tema adveio da curiosidade em
identificar a existência de tal abordagem nos ENEM, pois atualmente há uma maior
democratização quanto ao acesso aos conteúdos voltados para a História da
Matemática. De fato, encontra-se com facilidade assuntos de HM em livros didáticos e
em variados formatos de mídias. Ademais, a HM é um tema presente nas indicações
dos documentos oficias como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC). Era de nosso interesse verificar se uma maior
divulgação da HM teria tido repercussão nas avaliações nacionais. A definição do
período deveu-se a mudança ocorrida no exame em 2009, quando deixou de ser uma
prova única constituída por questões interdisciplinares, que não apresentavam
necessariamente articulação direta com os conteúdos do ensino médio e passou a ser
subdividido em quatro áreas, dentre elas “Matemáticas e suas tecnologias”. Tal
subdivisão permitiu uma abordagem focada nos conteúdos ministrados no ensino
médio, podendo ser apresentados de forma interdisciplinar e relacionados com o
cotidiano das pessoas. Do ponto de vista do marco teórico, procuramos confrontar a
realidade pesquisada com o pensamento de matemáticos e educadores matemáticos
como Lakatos (1978), Struik (1985), Matthews (1995), Fossa (1998) e Morais (2013),
que de diversas maneiras advogam o uso da HM nas aulas de matemática. A
metodologia adotada foi uma pesquisa bibliográfica e documental. Utilizamos a tipologia
de Struik (1985) para análise das questões. Como conclusão observamos que apesar
da grande facilidade de acesso aos conteúdos relacionados à HM e de sua prescrição
didática por pesquisadores da área, há uma inserção muito tímida da HM nos exames
analisados. Ao final avaliamos a experiência como exitosa, pelo fato de ter acionado no
seu desenvolvimento, mesmo de forma breve, as etapas clássicas de uma pesquisa,
preparando o aluno envolvido para futuras incursões num eventual projeto de pesquisa
de mestrado.
911
1. INTRODUÇÃO:
912
2. DESENVOLVIMENTO:
913
de Matthews (1995, p.165) por revelar aspectos comuns entre realidades
educacionais tão diferentes.
Para ele a História da ciência em geral:
Pode humanizar as ciências e aproximá-las dos interesses
pessoais éticos, culturais e políticos da comunidade; pode tornar
as aulas de ciências mais desafiadoras e reflexivas, permitindo
desse modo, o desenvolvimento crítico; pode contribuir para o
desenvolvimento mais integral da matéria cientifica, isto é, pode
contribuir para a superação do mar de falta de significação que
se diz ter inundado as salas de aula de ciências, onde fórmulas
e equações são recitadas sem que muitos cheguem a saber o
que significam; pode melhorar a formação do professor
auxiliando o desenvolvimento de uma epistemologia da ciência
mais rica e mais autêntica; ou seja, de uma maior compreensão
da estrutura das ciências; bem como do espaço que ocupa no
sistema intelectual das coisas. (MATTHEWS, 1995, p. 165)
914
matemático e promove uma maior maturidade das capacidades
intelectuais do aluno. (FOSSA, 1998, p. 130-131)
915
dificuldade histórica para a aceitação desse conceito. (MORAIS,
2013, p. 84)
916
passado e do presente, o professor tem a possibilidade de
desenvolver atitudes e valores mais favoráveis do aluno diante
do conhecimento matemático. Além disso, conceitos abordados
em conexão com sua História constituem-se veículo de
informação cultural, sociológica e antropológica de grande valor
formativo. A História da Matemática é, nesse sentido, um
instrumento de resgate da própria identidade cultural. Em muitas
situações, o recurso à História da Matemática pode esclarecer
ideias Matemáticas que estão sendo construídas pelo aluno,
especialmente para dar respostas a alguns “porquês” e, desse
modo, contribuir para a constituição de um olhar mais crítico
sobre os objetos do conhecimento. (PCN, 1997, p. 45)
917
documental. A parte documental foi realizada no banco de dados das provas do
ENEM disponibilizado no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP). A análise foi realizada com base nas
provas realizadas de 2009 a 2019. A escolha para iniciar a pesquisa a partir de
2009 deveu-se ao fato de ser este o ano no qual o ENEM sofreu uma mudança
fundamental. De fato, é a partir de 2009 que a prova deixou de ser constituída
por uma avaliação de 63 questões interdisciplinares, sem apresentar articulação
direta com os assuntos ministrados no ensino médio, para uma avaliação
subdividida em quatro áreas de conhecimento, dentre as quais: “Matemática e
suas tecnologias”.
Com essa nova configuração cada área passou a conter 45 questões de
múltipla escolha, com assuntos ministrados no ensino médio, abordados
geralmente de forma interdisciplinar e relacionados com o cotidiano das
pessoas. Com essa mudança foi aberta uma possibilidade considerável para
utilização da HM.
Para a análise das questões decidimos classificá-las segundo as seis
categorias apresentadas por Struik (1985). Com relação a quantidade de
questões analisadas, em 2009 o exame foi elaborado no formato de uma única
aplicação com um total de 45 questões. No ano seguinte houve uma alteração
quanto à aplicação do exame, sendo instituído também o ENEM PPL, destinado
para pessoas privadas de liberdades, entretanto sem alterar o nível das
questões. Dessa forma, a partir de 2010 nossa analise passa a ser feita com 90
questões. O formato de duas aplicações do exame continua em vigência até o
último ano pesquisado. Vale destacar que no ano de 2016, ocorreram três
aplicações por motivo de fraude na primeira aplicação, portanto, para base na
nossa pesquisa nesse ano analisamos as três aplicações totalizando 135
questões.
918
ENEM regular utilizados como objetos de estudo, foram o da cor amarela e
também os do ENEM PPL do período de 2016 a 2019. Com relação ao ENEM
PPL do período de 2010 a 2015 e à terceira aplicação de 2016, não aconteceram
distinção da cor no exame.
Ano 2009:
Primeiro ano de mudança do exame o qual passou a apresentar 45
questões. Não notamos a utilização de HM na tipologia de Struik em nenhuma
das questões analisadas.
Ano 2010:
Em 2010 tivemos uma mudança, o acréscimo de uma segunda aplicação
anual do exame, o chamado ENEM PPL destinado a pessoas privadas de
liberdade. Contudo os conteúdos e o nível das questões abordadas foram os
mesmos da primeira aplicação, o que resultou num total de 90 questões
analisadas. No ENEM regular notamos a utilização de HM na questão 165,
quanto a classificação de Struik podemos destacar a tipologia 3 por ajudar
entender a herança cultural, tanto pela sua aplicabilidade em outras ciências,
como por suas relações em campos distintos da vida humana e no ENEM PPL
na questão 171 podemos destacar pela classificação de Struik na tipologia 1; ou
seja, satisfazendo a curiosidade e desenvolvimento da matemática.
Ano 2011:
Foram analisadas 90 questões divididas em duas aplicações. Notamos
a utilização da HM apenas na questão 139 do ENEM regular. Quanto à
classificação de Struik, pode ser enquadrada na tipologia 3, ou seja; ajudar
entender a herança cultural, tanto pela sua aplicabilidade em outras ciências,
como por suas relações em campos distintos da vida humana.
Ano 2012:
Foram analisadas 90 questões divididas em duas aplicações. Foi notada
a utilização da HM apenas na questão 150 do ENEM PPL. Quanto a classificação
de Struik pode ser enquadrada destacada na tipologia 1.
Ano 2013:
919
Foram analisadas 90 questões divididas em duas aplicações. Na
primeira foi notada a utilização de HM nas questões 138 e 163, sendo
classificadas respectivamente, segundo Struik, nas tipologias 3 e 1. No ENEM
PPL as questões notadas foram 145 e 168, ambas podem ser classificadas na
tipologia 1.
Ano 2014:
Foram analisadas 90 questões divididas em duas aplicações. Na
primeira foi notada a utilização de HM na questão 177, segundo a classificação
de Struik na tipologia 1 e no ENEM PPL a questão 180 foi classificada na
tipologia 3.
Ano 2015:
Foram analisadas 90 questões divididas em duas aplicações. Na
primeira foi notado a utilização de HM na questão 154, segundo a classificação
de Struik na tipologia 3 e no ENEM PPL a questão 149 foi classificada na
tipologia 1.
Ano 2016:
Em 2016 tivemos uma situação inusitada, a realização do exame por três
vezes em decorrência de fraude no primeiro exame aplicado. Para efeito dessa
pesquisa foram analisados os três exames, num total de 135 questões. No
ENEM regular notamos duas questões utilizando HM, a 158 e a 174;
classificadas segundo Struik, respectivamente nas tipologias 1 e 3. No ENEM
PPL não foi notado à utilização de HM e na terceira notamos a utilização da HM
nas questões 143 e 176, ambas classificadas na tipologia 1.
Ano 2017:
No ano de 2017 retornamos para a situação padrão; ou seja, duas
aplicações do exame totalizando 90 questões. Na primeira foi notado a utilização
de HM na questão 160 e na segunda na questão 139, segundo a classificação
de Struik ambas são da tipologia 3.
Ano 2018:
Foram analisadas 90 questões divididas em duas aplicações. Na
primeira foi notada a utilização de HM na questão 151 e na segunda foram
920
notadas nas questões 146 e 169, segundo a classificação de Struik todas as
questões são da tipologia 3.
Ano 2019:
Foram analisadas 90 questões divididas em duas aplicações. Na
primeira foi notado a utilização de HM na questão 158, segundo a classificação
de Struik na tipologia 3 e na segunda aplicação a questão 156 foi classificada na
tipologia 1.
2.5. Resultados
3. CONCLUSÃO
921
inexiste nas provas do ENEM. Depois de analisarmos 990 questões dos últimos
onze anos do exame na subárea “Matemática e suas tecnologias”, notamos a
presença da HM em 23 questões, que representa uma porcentagem de
aproximadamente 2,32%.
Pela tipologia de Struik (1985) identificamos 11 questões enquadradas
em “satisfazer a curiosidade sobre a origem e desenvolvimento da matemática”
e 12 enquadradas em “ajudar a entender a herança cultural, tanto pela
aplicabilidade em outras ciências, como por suas relações em campos distintos
da vida humana”. Dentre as seis características apresentadas por Struik, era de
se esperar que nem todas poderiam ser encontradas num exame como o ENEM.
Talvez a tipologia 6 pudesse ser explorada. Entretanto, mesmo considerando
apenas as duas tipologias identificadas, a porcentagem da presença da HM é
muito pouca em relação ao potencial didático que a HM carrega em si.
Dessa forma podemos concluir que apesar da grande facilidade de
acesso aos conteúdos relacionados à HM, sua prescrição didática pelos
pesquisadores da área e todos os esforços empregados nos últimos anos, ainda
temos trabalho pela frente para conseguirmos a HM nos exames de avaliação
externa.
Ademais, consideramos exitosa à experiência vivenciada no contexto
das disciplinas História da Matemática e Prática Docente e Metodologia
Científica em Matemática, que teve como escopo familiarizar os alunos acerca
das etapas de uma pesquisa. De fato, ao longo do trabalho vivenciamos mesmo
de forma breve, as etapas clássicas de uma pesquisa, preparando o aluno
envolvido para futuras incursões em eventuais projetos de pesquisa.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
922
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
Desenvolvida pelo Ministério da Educação. Apresenta os serviços oferecidos.
Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/provas-e-gabaritos>. Acesso em: 25
nov. 2020.
LAKATOS, Imre. A Lógica do Descobrimento Matemático: Provas e
Refutações. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
MATTHEWS, M. História, Filosofia e Ensino de Ciências: A Tendência Atual
de Reaproximação. In: Caderno Catarinense de Ensino de Física, 12 (3): 164-
212, 1995.
MORAIS, Auricélio Carneiro de. Tendências Atuais no Ensino de Matemática.
In: Algumas concepções no Ensino da Matemática. Mossoró (RN): EDUFERSA,
2013.
STRUIK, Dirk J. Por Que Estudar A História da Matemática? In: História da
Técnica e da Tecnologia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1985.
923
DESENVOLVENDO A IDEIA DE NÚMEROS INTEIROS E DE ADIÇÃO EM
UMA TURMA DO 7º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL A PARTIR DOS
NUMERAIS CHINESES DA ERA SHANG
RESUMO
Este artigo apresenta um relato de algumas aulas de Matemática de uma turma do
sétimo ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de Belo Horizonte nas quais
a ideia de número inteiro e consequentemente de número negativo foi desenvolvida a
partir dos numerais chineses da era Shang e das tábuas de contagem chinesas.
Discute-se, também, além do processo de desenvolvimento de atividades orientadoras
de ensino que explorem uma situação histórica tendo como inspiração a perspectiva
modules de Jankvist, um pouco do contexto histórico destes numerais. A principal
contribuição que se pretende com esse trabalho para o cenário educacional é a de
possibilitar ao professor a reflexão acerca da utilização de situações históricas nas aulas
de Matemática, além de inspirá-lo na elaboração e no desenvolvimento de atividades
orientadoras de ensino baseadas em situações históricas.
INTRODUÇÃO
296
Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH). edmar.junior@edu.pbh.gov.br.
297
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). dilhermando@ufop.edu.br.
924
consequentemente de número negativo foi desenvolvida a partir dos numerais
chineses da era Shang e das tábuas de contagem chinesas, bem como algumas
reflexões acerca do processo de desenvolvimento de atividades orientadoras de
ensino que explorem uma situação histórica tendo como inspiração a perspectiva
modules de Jankvist O primeiro autor deste trabalho era o professor desta turma
e as atividades foram elaboradas e discutidas entre os dois autores.
Apresentaremos, inicialmente, algumas questões teóricas a respeito do
uso da História da Matemática em sala de aula que ancoram nossa prática, um
pouco do contexto histórico das ideias e dos materiais utilizados para em seguida
relatar como foram as aulas. Para concluir, traremos uma breve reflexão sobre
os possíveis desdobramentos destas aulas, assim como de inquietações nossas
com relação a este tema.
925
aprender) e propõe ações que considerem as condições objetivas da instituição
escolar”. Os autores acreditam também que os professores devem guiar suas
ações de modo que seus alunos se apropriem das experiências histórico-
culturais da humanidade.
Além disso, outro elemento da significação social da atividade
pedagógica é a formação da postura crítica do aluno, que ocorre, segundo Moura
(2001) citado por Asbahr (2005), ao possibilitar que o estudante perceba o
processo de produção do conhecimento. O aluno não é apenas o objeto da
atividade do professor, mas é acima de tudo o sujeito.
Ao encontro desta noção de atividade pedagógica, nos aportamos na
perspectiva modules para o planejamento e o desenvolvimento da atividade
orientadora de ensino. É importante frisar que Jankvist (2009), apresenta, além
deste, outros dois modos dentre os quais a História da Matemática poderia ser
utilizada no processo de ensino de aprendizagem de Matemática como o
ilumination, e o history-based.
O autor classifica uma abordagem como ilumination quando em uma
classe, as aulas expositivas habituais, ou os livros didáticos adotados, são
complementados por informações históricas. Esses complementos seriam
considerados, nessa categoria, independentes da abrangência e do escopo,
podendo ser desde informações isoladas, trechos históricos e anedotas, até
mesmo epílogos/prólogos históricos, onde são apresentados nomes, datas,
problemas históricos, referências a obras originais etc.
Na abordagem modules, o autor categoriza as ações que apresentam
unidades instrucionais devotadas à história e, muitas vezes, baseadas em casos
históricos. O termo modules é tomado do trabalho dos autores Katz e
Michalowicz, de 2004 e pode variar tanto em abrangência quanto em escopo.
Se estabelecermos em uma escala para essa categorização, uma
abordagem que se enquadraria em um dos extremos da categoria é a
denominada por Tzanakis e Arcavi (2000) citados por Jankvist (2009) de
“pacotes históricos”, que seriam materiais prontos para serem utilizados pelos
professores em duas ou três aulas e focado em um pequeno tópico, fortemente
926
vinculado ao currículo . No meio da escala estariam módulos que necessitam de
10 a 20 aulas para serem abordados pelo professor e que precisam estar ligados
aos tópicos do currículo matemático, oferecendo aos estudantes a possibilidade
de explorar ramos da matemática que geralmente não seriam explorados na
escola.
Para Fauvel e van Maanen (2000) citados por Jankvist (2009), as formas
de implementar esta abordagem seriam numerosas. Esses módulos poderiam
ser introduzidos por meio de livros didáticos, de fontes originais, de projetos, de
peças históricas, com o uso da Internet, de planilhas, de problemas históricos,
de instrumentos mecânicos etc. Na outra extremidade da escala estariam os
cursos completos, ou até mesmo os livros, que abordassem a história da
matemática dentro de um programa de matemática.
Diferentemente da categoria modules, a history-based não aborda a
história da matemática diretamente, o desenvolvimento histórico não é discutido,
mas é ele que define a ordem e a forma como os tópicos matemáticos são
apresentados.
Acreditamos que nos inserimos no primeiro extremo apresentado da
categoria modules, pois elaboramos um “pacote histórico” focado no
desenvolvimento da ideia de números inteiros a partir de uma situação histórica.
A Dinastia Shang, de 1750 a.C. até 1040 a.C, foi fundando-se após a
derrubada do imperador Jie da dinastia Xia pelo o primeiro imperador Tong. Eles
dominaram a arte do comércio e por isso a dinastia chama-se “Shang” (商), cujo
significado em língua chinesa é comércio. Os Shang respeitavam o mundo
espiritual e as forças da natureza por isso sempre consultavam os oráculos que
orientavam as ações do governo. A civilização chinesa neste período já possuía
um alto nível de desenvolvimento e evolução além de um grande poder militar.
A antiga capital, Anyang era testemunha do grande poder desta dinastia que era
927
sobretudo baseado na agricultura. Os Shang possuíam inúmeras coleções de
recipientes dos mais variados tipos e funções feitos de bronze. Tais objetos são
normalmente encontrados nas tumbas. A dinastia Shang durou por volta de 600
anos (CHEN, 2010).
Uma das obras mais importantes da matemática chinesa deste período
é o livro Jiuzhang Suanshu (Nove Capítulos da Arte Matemática). Gomes Junior
e Azevedo Oliveira (2020) afirmam que o autor e a data deste trabalho não
podem ser identificados com certeza, mas há indícios que sugerem que tenha
sido escrito por volta de 200 a.C. e circulado, também, no Japão e na Coreia.
A versão original apresentava regras e algoritmos para os cálculos, no
entanto, não haviam demonstrações. Foi em 263 d.C. que o matemático chinês
Liu Hui revisou o trabalho, que continha muitas das matemáticas conhecidas na
China naquela época e acrescentou comentários e justificativas para as técnicas
presentes no livro (Beery et all, 2004).
Além disso, Gomes Junior e Azevedo Oliveira (2020) asseguram haver
registros de inscrições contendo símbolos para numerais em “ossos oraculares”
que datam também da Dinastia Shang (séculos XVI - XI antes da Era Comum)
que registravam o número de dias, prisioneiros capturados ou inimigos mortos
durante uma guerra. Estes símbolos (os numerais Shang) que aparecem nos
ossos dos oráculos foram mais tarde representados por varetas em uma placa
de contagem. A placa de contagem era organizada em quadrados e cada fila de
quadrados poderia representar um número.
Um dado importante apresentado pelos autores é que este sistema,
embora antigo, era um sistema numérico com base decimal. Varetas de
contagem vermelhas eram usadas para os números positivos e varetas pretas
eram usadas para os números negativos. Os chineses, segundo Gomes Junior
e Azevedo Oliveira (2020) não pareciam ter objeções ao conceito de número
negativo em cálculos. Eles pensavam no número negativo como um número a
ser subtraído de outro, uma quantidade a ser paga, como no caso de impostos.
Atualmente utilizamos vermelho para representar um saldo bancário negativo,
mas os chineses utilizavam a cor vermelha para números positivos.
928
Como afirma Schwartz (2008) nenhuma dessas tábuas sobreviveu,
entretanto ele apresenta uma ilustração produzida no Japão no século XVIII para
nos dar uma ideia de como eram (figura 1).
929
A seguir veremos dois exemplos de como a adição de dois números
inteiros era realizada por esse método.
Exemplo 1
Uma vez que todas as hastes de resposta devem estar em uma única
linha, precisamos “pegar emprestado” uma barra vermelha das dezenas e
colocar o equivalente a 10 barras vermelhas no quadrado das unidades. Se
930
representarmos 10 como o numeral para 8 mais 2 hastes adicionais, então
podemos remover essas duas hastes vermelhas juntamente com o duas hastes
pretas restantes, deixando o numeral de 8 no quadrado das unidades. O
resultado é uma fileira de varetas vermelhas representando o número positivo
128 (figura 4).
Exemplo 2
931
AS AULAS
As aulas ocorreram no início do ano letivo. Após duas aulas iniciais, onde
o professor se apresentou à turma bem como apresentou o conteúdo e as
habilidades matemáticas a serem desenvolvidas, houve uma tentativa de
resgate dos sistemas de numeração vistos pelos estudantes no ano anterior na
intenção inseri-los novamente num contexto em que a matemática é vista como
produção da humanidade indissociável de sua história e consequentemente da
invenção de número e numerais para atender a necessidades práticas.
A partir de um exercício de retomada proposto pelo próprio livro didático,
os estudantes viram o sistema de numeração egípcio (muitos pela primeira vez,
como foi possível perceber). Houve muita curiosidade, pois os mesmos fizeram
perguntas como “O que é isso?” (em relação à representação de um calcanhar),
“E o mil? É um desenho de quê? (Em relação à flor de lótus). Um dos estudantes,
neste momento, perguntou o que era uma flor de lótus e um outro estudante o
respondeu: “É aquela que aparece no filme do Percy Jackson”.
Foi desenvolvido com eles também um outro exercício do livro didático
no qual alguns fatos históricos em relação aos sistemas de numeração já
utilizados pela humanidade presentes em um texto deveriam ser organizados em
uma linha temporal.
Na aula seguinte, foi apresentado um breve relato da história dos
números inteiros com o foco no sistema de numeração chinês da era Shang.
Mostramos que, embora matemáticos chineses e gregos do séc. III e
matemáticos indianos do século VII tenham criado regras para trabalhar com
eles, muitos matemáticos europeus famosos que viveram séculos mais tarde
argumentavam que números negativos representariam quantidades inferiores a
zero e, portanto, não poderiam existir. Discutimos que os números negativos
para esses matemáticos poderiam ser usados para representar dívidas ou
indicar a distância quando viajavam em uma direção oposta, mas que eles ainda
não estavam dispostos a aceita-los como soluções para equações (como eles
932
não tinham muito conhecimento sobre álgebra foi preciso explicar o que era uma
equação sem aprofundar, pois não era o foco desta aula) e como parte do
conjunto dos números inteiros.
Em relação à Matemática produzida na China Antiga, foi dito que um dos
mais famosos matemáticos da China Antiga, Liu Hui revisou o Jiuzhang Suanshu
(Nove Capítulos da Arte Matemática), que datava do ano 200 (Antes da Era
Comum) e que continha muitas das matemáticas conhecidas na China naquela
época, atualizando-a e adicionando comentários. Em relação a este livro, foi dito
que ele apresentava, dentre outras coisas, regras para adicionar e subtrair
números positivos e negativos e que Liu Hui é às vezes comparado com
Euclides, um matemático grego que compilou um famoso livro de geometria
chamado Os Elementos por volta do ano 300 (Antes da Era Comum).
Já em relação aos numerais chineses da era Shang, foi apresentado a
eles que inscrições contendo símbolos para numerais foram encontradas em
ossos que datam da dinastia Shang (séculos XVI - XI antes da Era Comum) e
que esses “ossos oraculares” registraram o número de dias, prisioneiros
capturados ou inimigos mortos durante uma guerra. Além disso, foi dito também
que os numerais Shang que aparecem nos ossos dos oráculos foram mais tarde
representados por varetas de contagem em uma placa de contagem. A placa de
contagem foi organizada em quadrados e cada fila de quadrados poderia
representar um número.
Foi dito também que, embora a primeira evidência escrita de que
números negativos foram usados na China remonta ao séc. III, e que varetas de
contagem vermelhas eram usadas para os números positivos e varetas pretas
eram usadas para os números negativos.
Diante disso, foi solicitado que os estudantes representassem no
caderno alguns números (positivos e negativos) no intuito de que, no trabalho
com a tábua, explorássemos efetivamente o cálculo e não houvesse maiores
dificuldades na representação dos números no sistema proposto.
Inicialmente, aguns estudantes apresentaram dificuldades em relação às
palavras “horizontal” e “vertical” que foi sanada diante da sugestão de um outro
933
estudante que sugeriu “deitado”, para horizontal e “em pé” para vertical, termos
que, como foi posssível observar, foram amplamente utilizados pelos estudantes
em todo o processo. Em relação à representação neste sistema, os estudantes
chegaram a algumas constações como, por exemplo: “8 é a mesma coisa aqui
que 5 + 3 não é professor? Uma deitada valendo cinco e 3 em pé.”
934
perceber.
Na terceira aula, os estudantes foram distribuídos em 5 grupos (três com
6 estudantes e dois com 5) e lhes foram entregues uma “tábua de contagem” e
“varetas” nas cores preta e vermelha para que eles pudessem realizar a adição
de alguns números inteiros.
935
Fonte: Arquivo pessoal dos autores.
Os estudantes terminaram a operação e em seguida, houve uma
intervenção no sentido de que, realizando a operação + 514 + (– 1 040) o
resultado obtido estaria correto, porém era solicitado que fizesse a adição de
dois números inteiros positivos, + 514 e + 1 040. Após uma breve discussão,
concluíram que ambos deveriam ser representados na cor vermelha, por se
tratarem de números positivos.
As demais operações que foram solicitadas aos estudantes foram: + 3
752 – 963, + 561 – 89, + 2 777 – 5 050 e + 341 + 586 – 623. Alguns grupos
eventualmente continuaram a apresentar dificuldades com horizontal e vertical e
a indentificar o resultado como um número inteiro positivo ou negativo. As
intervenções ocorreram sempre no sentido de questioná-los em relação à cor do
número obtido e, diante dela, da constatação de positivo ou negativo. Um
estudante, em dado momento, foi além da cor do número obtido e disse que “o
número deu negativo porque dos outros dois de antes o que era maior era
negativo” possivelmente se referindo ao valor absoluto dos números envolvidos
na operação.
936
Fonte: Arquivo pessoal dos autores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
937
inteiros são amplamente utilizados no nosso cotidiano. Tal opinião acerca do uso
da História da Matemática também é compartilhada por D’Ambrosio quando
afirma que:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
938
GOMES JUNIOR, Edmar Luiz; A elaboração e o desenvolvimento de
atividades orientadoras de ensino pautadas em situações históricas: o
sistema hidráulico da Alhambra e o bloco grandezas e medidas. Dissertação
de Mestrado (Educação Matemática). Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro
Preto, p. 135. 2018.
SCHWARTZ, Randy. A Classic from China: The Nine Chapters. The Right
Angle. Vol. 16. N. 2. Outubro, 2008.
939
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM ATIVIDADES SOBRE A RAZÃO
ÁUREA
RESUMO
Este artigo apresenta o relato de uma das atividades desenvolvidas para a dissertação
de mestrado intitulada “História da Matemática em Atividades de Geometria: uma
proposta para a formação inicial de professores” do Programa de Pós-Graduação em
Ensino de Ciências Naturais e Matemática (PPGEN) da Universidade Estadual do
Centro-Oeste (UNICENTRO). A pesquisa buscou investigar quais potencialidades da
História da Matemática se evidenciam no desenvolvimento uma atividade pautada na
razão áurea na formação inicial de professores. Para tanto escolhemos como
encaminhamento metodológico uma abordagem qualitativa, pois nosso interesse
principal foi o desenvolvimento das ações em sala de aula. Realizamos a experiência
com acadêmicos do curso de Licenciatura em Matemática da UNICENTRO. A atividade
permitiu mostrar aos acadêmicos formas de trabalhar os conteúdos de razão e
proporção por meio da História da Matemática. Buscamos observar em nossa
experiência quais das potencialidades pedagógicas da HM, descritas por Fauvel (1991)
apud Miguel et al. (2009) e Miguel e Miorim (2008), se evidenciaram nessa prática.
Pudemos constatar que a História da Matemática se revelou como: uma fonte adequada
de seleção de problemas, metodologia para as aulas de Matemática e um elemento que
favorece o pensamento crítico e o entendimento de que a Matemática foi construída a
partir das necessidades humanas.
INTRODUÇÃO
298
Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). kcelestino@unicentro.br.
940
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática
(PPGEN) da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO).
O interesse pela pesquisa em História da Matemática (HM) relacionada
ao ensino de Matemática surgiu a partir da experiência e das dificuldades
encontradas por esta autora ao ministrar a disciplina de HM no curso de
Licenciatura em Matemática da UNICENTRO. Nesta disciplina, a ementa tratava
do desenvolvimento da Matemática desde as civilizações antigas até a
atualidade, mas, não direcionava os tópicos para o ensino de Matemática.
Dessa forma nasceu a preocupação em mostrar aos acadêmicos que a
HM não é apenas uma disciplina isolada no currículo, mas também um recurso
didático que pode ser usado nas aulas de Matemática, motivando assim a
escolha do tema da pesquisa.
Para Chaquiam (2015), a HM é um elemento que pode melhorar o
processo de ensino e aprendizagem da Matemática. Neste sentido, encontramos
a HM citada em documentos oficiais como os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) e as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (DCE). Estes
documentos apresentam a HM como uma ferramenta para desenvolver os
conteúdos matemáticos do Ensino Básico e favorecer a aprendizagem da
Matemática. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), apesar de não tratar
de encaminhamentos metodológicos, ressalta que “é importante incluir a História
da Matemática como recurso que pode despertar interesse e representar um
contexto significativo para aprender e ensinar Matemática” (BRASIL, 2017,
p.296).
Notamos, no entanto, que muitos professores não usam recursos como a
HM em suas aulas devido, principalmente, à sobrecarga de trabalho e ao número
reduzido de aulas para cumprir um currículo extenso. Acreditamos que isso pode
ser modificado inserindo experiências com HM e outras metodologias na
formação inicial de professores.
Outro fator que pode dificultar a presença da HM nas aulas de
Matemática, segundo Miguel et al. (2009), é a falta de material bibliográfico com
sugestões de atividades que possam ser utilizadas pelos professores.
941
Esta carência de material vem sendo suprida nos últimos anos, o que
pode ser verificado no banco de teses e dissertações da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Na busca com o termo
“História da Matemática” encontramos 331 resultados no período de 2013 a 2018
(este período foi escolhido porque os resumos dos trabalhos anteriores a 2013
não estão disponíveis na plataforma). Na análise desses trabalhos constatamos
que 158 tratam do uso da HM no ensino de Matemática e 55 propõem algum tipo
de atividade pautada na HM.
Também buscamos um panorama das pesquisas que tratam da HM nos
anais do último Seminário Nacional de História da Matemática (SNHM) que foi
realizado no ano de 2019 na cidade de Fortaleza – CE. Para tanto, consideramos
as comunicações científicas (CC) apresentadas no evento. Foram publicados
111 artigos de CC, dos quais destacamos, pelos termos contidos no título de
cada trabalho, 17 que remetiam ao uso da HM para o ensino de Matemática e,
em seguida, fizemos a leitura de cada um destes e constatamos que 10
relatavam atividades com HM que foram ou estão sendo realizadas, pois alguns
artigos tratavam de experiências ainda em andamento.
Então, podemos perceber que os materiais para uso da HM em sala de
aula estão sendo produzidos por pesquisadores da área, mas acreditamos que
além de elaborar propostas é necessário proporcionar aos licenciandos em
Matemática a experiência com as atividades durante sua graduação para que
eles tenham conhecimento das formas de se inserir a HM nas aulas de
Matemática do Ensino Básico.
Diante do exposto, propomos como foco desta investigação a seguinte
questão de pesquisa: O que se mostra da História da Matemática no
desenvolvimento uma atividade pautada na razão áurea na formação inicial de
professores?
Para refletirmos sobre essa questão, nosso objetivo geral foi propor aos
acadêmicos a experiência com uma atividade pautada na HM.
Sendo assim, admitimos um trabalho pautado na pesquisa qualitativa e
interpretativa em Educação, pois nossa preocupação principal é atribuída ao
942
desenvolvimento das ações em sala de aula e não a um resultado final. Ao
oferecer aos acadêmicos a oportunidade de participar dessa atividade pudemos
destacar as potencialidades da HM que se evidenciaram.
943
(BRASIL, 2017, p.297). A BNCC não trata de encaminhamento metodológicos,
apenas cita que a HM pode ser usada nas aulas.
Em consenso com os pressupostos dos PCN e das DCE de que a HM
fornece uma visão mais humanizada dos conteúdos, ou seja, pode ajudar o
estudante a se aproximar dos conteúdos estudados ao fazê-lo perceber que
estes foram criados a partir das necessidades humanas, podemos destacar que:
944
Fonte que possibilita um trabalho pedagógico no sentido de uma
tomada de consciência da unidade da Matemática; Fonte para a
compreensão da natureza e das características distintivas e
específicas do pensamento matemático em relação a outros
tipos de conhecimento; Fonte que possibilita a desmistificação
da Matemática e desalienação do seu ensino; Fonte que
possibilita uma conscientização epistemológica; Fonte que
possibilita um trabalho pedagógico no sentido da conquista da
autonomia intelectual; Fonte que possibilita o desenvolvimento
de um pensamento crítico, de uma qualificação como cidadão e
de uma tomada de consciência e de avaliação de diferentes usos
sociais da Matemática; Fonte que possibilita uma apreciação da
beleza da Matemática e da estética inerente a seus métodos de
produção e validação do conhecimento; Fonte que possibilita a
promoção da inclusão social, via resgate da identidade cultural
de grupos sociais discriminados no (ou excluídos do) contexto
escolar (MIGUEL; MIORIM, 2008, p.62).
945
Neste sentido, Baroni e Nobre (1999) e Vianna (2000) defendem que o
uso da HM nas aulas não seja apenas como um instrumento metodológico
motivador e informativo. Na concepção desses autores a utilização desta
metodologia pode ir muito além disso. A amplitude da HM extrapola o campo da
motivação e engloba elementos cujas naturezas estão voltadas a uma
interligação entre o conteúdo e sua atividade educacional (BARONI; NOBRE,
1999).
No que diz respeito a presença da HM na formação inicial de professores,
Miguel e Brito (1996) afirmam que “a problematização com base na história pode
contribuir para que o futuro professor reflita sobre diferentes concepções que se
tem de aspectos da atividade matemática e do seu ensino” (p.3), outra
contribuição seria:
946
encaminhamento de diversas atividades escolares bem como para aproximar os
conteúdos matemáticos da realidade dos estudantes.
É com esta argumentação que encontramos respaldo para desenvolver
um estudo com foco na HM como recurso para ensinar Matemática e, além disso,
envolver os licenciandos em Matemática nessas atividades.
PERCURSO METODOLÓGICO
947
Para realizar a análise buscamos observar em nossa experiência quais
das potencialidades pedagógicas da HM, descritas por Fauvel (1991) apud
Miguel et al. (2009) e Miguel e Miorim (2008), se evidenciaram nessa prática.
948
Após encontrarem o resultado e perceberem que era sempre o mesmo o
número eles reconheceram o valor como o número de ouro e um grupo também
lembrou da representação utilizada, a letra Φ (pronuncia-se “fi”) do alfabeto
grego.
Partimos então para algumas situações em que a Razão Áurea é
encontrada na HM. Propomos um problema sobre o pentagrama, o símbolo dos
Pitagóricos.
949
Nessas duas construções os grupos acompanharam e reproduziram os
passos no Geogebra, sendo que cada grupo iniciava com uma medida a escolha
deles e ao finalizar as construções eles usaram os recursos do software para
medir os segmentos necessários e calcular as razões e puderam concluir que,
independentemente das medidas iniciais, a razão era sempre próxima do
número de ouro.
Em seguida solicitamos que os participantes pesquisassem onde
encontramos a Razão Áurea e eles encontraram várias respostas: “No Partenon
de Atenas”, “Na Mona Lisa”, “No corpo humano”, “Nas pirâmides”, entre outros.
Isso gerou alguns questionamentos dos acadêmicos: “Nossa! Parece que tem
em tudo que é coisa”, “Mas tá estranho, será que é verdade?”, “Se olhar nas
imagens, tá meio esquisito”, “Encaixaram o retângulo de um jeito aleatório. Tô
desconfiando, acho que não tem em todos esses lugares não!”.
Nestas falas se evidencia uma visão crítica dos participantes em
questionar se as informações encontradas são verdadeiras. Então, com os
apontamentos que partiram dos grupos, observamos as imagens do Partenon e
da Mona Lisa para verificar se era possível justificar a presença da Razão Áurea.
950
FIGURA 4: MONA LISA DE LEONARDO DA VINCI
951
Escolhemos as partes do corpo e as razões a serem calculadas de acordo com
a pesquisa feita pelos grupos.
952
Para concluir falamos do percurso histórico da Razão Áurea, desde as
primeiras aparições até as situações que foram discutidas sobre a razão,
supostamente, aparecer vários objetos e lugares. Ressaltamos que utilizamos o
termo Razão Áurea durante toda esta prática, mas na época dos Pitagóricos e
de Euclides essa nomenclatura não existia. Também perguntamos aos
participantes a opinião deles sobre o tema trabalhado e se eles gostariam de dar
alguma sugestão de melhoria ou modificação para esta atividade:
P6: Eu acho que pros alunos dava pra começar explicando os conceitos de razão
e proporção com alguns exemplos e daí usar a Razão Áurea como aplicação. A
gente já conhecia o conteúdo mas as crianças não sabem, então precisa
explicar.
P8: Eu acho que nessa atividade deu pra aprender bastante coisa, eu aprendi
pelo menos, como dá pra usar a história do conteúdo e fazer isso virar problemas
pra levar pra sala de aula. E o próprio conteúdo mesmo da Razão Áurea, que eu
não lembrava.
P2: É interessante ver essas ideias de como podemos fazer nas nossas aulas e
quando a gente participa assim fazendo as tarefas já dá pra aprende o conteúdo
e saber quais problemas podemos usar, sem precisar elaborar do zero, que isso
é mais difícil pro professor, por isso muitos não fazem, não tem tempo de
pesquisar e preparar um material desses.
P7: Eu gostei, é fácil de aplicar, dá pra fazer dentro da sala mesmo e não precisa
de nenhum material especial.
953
em sala de aula, cumprindo, assim, nosso objetivo de mostrar aos participantes
maneiras de implementar a HM nas aulas de Matemática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
954
utilizando, não apenas o contexto histórico do tema, mas também definições e
construções históricas relacionadas à Razão Áurea.
Acreditamos que oportunizar experiências como esta, aos licenciandos
em Matemática, contribui com a formação inicial e lhes mostra que as
metodologias de ensino estudadas podem, de fato, ser levadas para as aulas,
enriquecendo assim suas práticas futuras e, consequentemente, favorecendo o
processo de ensino e aprendizagem da Matemática no Ensino Básico.
REFERÊNCIAS
955
MIGUEL, A. et al. História da Matemática em Atividades Didáticas. 2 ed. São
Paulo: Livraria da Física, 2009.
956
RAZÃO E PROPORÇÃO:
Possibilidades de utilizar a História da Matemática no ensino
remoto
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi relatar e discutir as possibilidades de aplicação de uma
proposta didática utilizando a História no Ensino da Matemática, bem como suas
possíveis contribuições e obstáculos. O relato desta experiência envolve uma proposta
didática que foi desenvolvida com um 7° ano do Ensino Fundamental, no formato do
Ensino Remoto Emergencial (ERE), envolvendo os conteúdos de razão e proporção, já
estudados pela turma em questão. Composta por seis atividades e dois formulários
online, a intenção com a proposta era relacionar os conteúdos estudados anteriormente
em aula, com relações de razão e proporção conhecidos historicamente, mostrando,
dessa forma, certa contextualização dos conceitos. As interações dos alunos com o
professor, a participação ativa nas aulas, a entrega das fotos referentes às atividades
realizadas em aula e as respostas aos formulários indicam que os alunos se sentiram
motivados a participar, além de não serem apenas “receptores” de conhecimentos, mas
sim agentes no processo de suas aprendizagens. Porém, o trabalho em grupo e o
acompanhamento em tempo real do que os alunos estavam construindo e registrando,
não foi satisfatório, se mostrando um obstáculo nesse formato de ERE.
INTRODUÇÃO
299
UEM; gui14gos2014@gmail.com
300
UEM; lmtrivizoli@uem.br
957
Em 2020, fomos impactados de diversas formas com a pandemia do
novo coronavírus (Sars-Cov-2), decretada pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) em 11 de março de 2020 segundo a UNA-SUS (2020), causador da
Covid-19. Segundo o portal do Ministério da Saúde (2020), o primeiro caso
confirmado no Brasil foi em 26 de fevereiro, no estado de São Paulo. No estado
do Paraná, onde aplicamos nossa proposta, os 6 primeiros casos foram
confirmados todos no dia 12 de março de 2020. Em 16 de março de 2020, o
governo do estado decretou (Decreto n.º 4.230) a suspensão das aulas a nível
de Educação Básica e Ensino Superior.
No dia 17 de março de 2020, o Ministério da Educação (MEC) publicou
as Portarias MEC n.º 343 (alterada pelas portarias n.º 345, de 19 de março de
2020, e n.º 356, de 20 de março de 2020) e no dia 03 de abril de 2020 a
Secretaria de Estado da Educação e do Esporte (Seed) publicou a Resolução
n.º 1.016. Ambos os documentos possuíam definições e direcionamentos para
aulas em meio à pandemia.
Assim, foi implantado o Ensino Remoto Emergencial (ERE) no estado do
Paraná em que as aulas, até então presenciais, passaram a ser não presenciais,
sendo caracterizadas da seguinte forma pela Resolução Seed n.º 1.016 (2020):
958
escolas? Será que as práticas do professor em sala de aula presencial podem
ser utilizadas da mesma forma no ERE? Será que as tendências pedagógicas
no ensino da Matemática podem ser utilizadas também nas plataformas digitais,
sem o contato presencial entre alunos e professor?
Embora não nos propormos a responder esses questionamentos iniciais,
essas preocupações motivaram a produção deste trabalho, cujo objetivo é relatar
e discutir a possibilidade de implementação de uma proposta utilizando
elementos da História da Matemática, bem como suas possíveis contribuições e
obstáculos neste formato de ensino.
Para construir o relato apresentado neste trabalho, compreendemos que
a pesquisa ação caracteriza nossas discussões, uma vez que buscamos tratar
sobre uma implementação em que os pesquisadores estão inseridos na
pesquisa e buscam contribuir com o processo de ensino e aprendizagem
desenvolvido no ERE. Na pesquisa ação “[...] o pesquisador se insere no grupo
com a intencionalidade de exercer uma ação política de transformação do grupo,
com a pesquisa sendo a ferramenta para isto.” (ROSA, 2013, p. 70).
Nas próximas seções apresentaremos uma breve caracterização do
ERE, bem como alguns aspectos da História da Matemática no Ensino da
Matemática. Em seguida, traremos a proposta em si, como também uma breve
descrição de sua aplicação.
Behar (2020) aborda que o ERE veio como uma resposta rápida e prática
para a questão das aulas em meio à quarentena e ao isolamento social,
decretados pela Portaria n.º 356 do Ministério da Saúde em 11 de março de 2020
(a nível nacional) e pelo Decreto n.º 4.230 do Governo do Paraná de 16 de março
de 2020 (a nível estadual). Por esse motivo, os conceitos de Educação a
Distância (EAD) e de ERE acabaram se confundindo.
959
Segundo ela, no ERE “a presença física do professor e do aluno no
espaço da sala de aula presencial é ‘substituída’ por uma presença digital numa
aula online [...]” (BEHAR, 2020, s/p). Já o EAD é uma modalidade em que o uso
de meios e tecnologias de informação e comunicação servem como mediação
entre professores, tutores e alunos, nos processos de ensino e aprendizagem.
Saraiva et al. (2020) afirmam ainda que enquanto as atividades
desenvolvidas na EAD, em sua maior parte, são avaliações, no ERE as
atividades, de modo geral, são de caráter não avaliativas e funcionam como
envio de evidência, juntamente com as webconferências, de cumprimento de
carga horária e de abordagem dos conteúdos por parte da escola e dos
professores.
Ainda segundo os autores, a pandemia e o ERE trouxeram mudanças
significativas para o professor. Além do aumento de carga horária dedicada a
atendimento aos alunos, também coube ao professor preparar, enviar, conferir,
corrigir e cobrar atividades realizadas pelos alunos. Nesse sentido, temos
professores sobrecarregados com deveres e atribuições.
Em relação ao ensino e à aprendizagem da Matemática, para Ramos
(2017) esse processo deve ser elaborado de forma que ocorra junto aos alunos
e não para os alunos, isto é, o professor na posição de provocador de diálogos
deve questionar o aluno com o objetivo de fazê-lo pensar e expor seu
pensamento.
960
Matemática é harmoniosa, de que está pronta e acabada, etc.” (MIGUEL;
MIORIM, 2004, p. 49).
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) destaca que além de
utilizarmos recursos didáticos e materiais como jogos, calculadoras, planilhas e
softwares, incluir a História da Matemática como recurso possibilita “[...]
despertar interesse e representar um contexto significativo para aprender e
ensinar Matemática” (BRASIL, 2018, p. 298). O documento também aborda que
961
Essas potencialidades darão um direcionamento para os nossos
olhares, ao discutir nosso relato a seguir.
QUADRO 1: Proposta
Atividade Objetivo
Formulário Inicial: Ensino Conhecer e identificar a visão dos alunos
Remoto Emergencial (ERE) sobre o ERE
Atividade 0: Pesquisa sobre o Estimular a pesquisa por informações e a
Número de Ouro organização dela em diferentes formas
Discutir sobre as informações obtidas na
Atividade 1: O Número de Ouro
Atividade 0
Observar a presença do Número de Ouro
Atividade 2: O Pentagrama
no Pentagrama
962
Observar a presença do Número de Ouro
Atividade 3: O Retângulo Áureo
no Retângulo Áureo
Atividade 4: Retângulos e Retomar o conceito de retângulos com
Triângulos com lados lados proporcionais e apresentar
proporcionais triângulos com lados proporcionais
Trabalhar um problema envolvendo razão
Atividade 5: Problema da
e proporção e triângulos com lados
Pirâmide
proporcionais.
Conhecer a opinião dos alunos a respeito
Formulário Final: Atividade Final
da proposta implementada.
Fonte: Os autores (2020)
963
▪ “Para as aulas ficarem mais interessantes, poderiam ser usados outros
instrumentos além da apostila... como vídeos, por exemplo; para as aulas
ficarem mais chamativas... [...]” – Resposta 7
▪ “Fazer dinâmicas de acordo com o conteúdo, aulas diferenciadas, vídeos
explicativos menos leituras e mais fala ou até mesmo a leitura como tarefa assim
da aula só discutimos o assunto.” – Resposta 14
▪ “Ser mais dinâmica” – Resposta 17
Encontramos, desta forma, um ambiente propício para a aplicação da
proposta. A primeira atividade, Atividade 0, visava levar os alunos a pesquisar
informações sobre o Número de Ouro e a utilizarem diferentes representações
para registrar essa pesquisa, de forma que fosse mais fácil para eles estudarem,
revisarem e explicarem o que encontraram. Poderiam ser produzidos slides,
vídeos, histórias em quadrinhos, mapas conceituais, texto, entre outros registros.
Essa atividade foi dada como tarefa na aula anterior a que iniciaríamos a
implementação da proposta.
Com relação à Atividade 1, esta ocorreu durante as aulas e envolveu a
discussão da pesquisa feita pelos alunos. Eles apresentaram as informações que
haviam encontrado, enquanto os colegas que obtiveram a mesma informação
confirmavam e os que obtiveram respostas diferentes confrontavam com a sua
pesquisa. Para completar a discussão, apresentamos alguns dados que os
alunos não haviam comentado, como por exemplo a presença do Número de
Ouro no Egito, na Grécia e na Atualidade, o fato dele ser um número irracional,
além de reforçar outras informações encontradas por eles, como as
representações 𝟏, 𝟔𝟏𝟖𝟎𝟑𝟑𝟗𝟖 … e 𝟏+√𝟓.
𝟐
964
Partindo dessa discussão, passamos à Atividade 2, que visava construir
com régua e compasso o Pentagrama. Os alunos foram questionados se
conheciam o Pentagrama e se imaginavam como ele poderia ser construído. Foi
abordado que “os pitagóricos usavam o pentagrama como seu símbolo secreto”
(BARBOZA et al., 2019, p. 14). De maneira breve, explicamos quem foram os
pitagóricos, contextualizando as informações, já como uma justificativa para o
uso da régua e compasso na construção do Pentagrama.
Após a construção do Pentagrama, os alunos foram questionados se o
Número de Ouro estava presente ali ou não. Inicialmente os alunos tentaram
medir os seguimentos e não encontraram um que tivesse medida igual ou
próxima ao Número de Ouro. Com a nossa sugestão de tentarem estabelecer
relações entre alguns segmentos, foi possível concluir que a razão entre uma
das diagonais do pentágono com um dos lados do pentágono resulta na
chamada Razão Áurea, cujo valor numérico é associado ao Número de Ouro.
Na Atividade 3, que aconteceu na terceira aula, utilizamos régua e
compasso para a construção do Retângulo Áureo. Esse retângulo havia sido
discutido na Atividade 1, porém nessa atividade, nos atentamos a observar as
características Matemáticas presente nele. A construção ocorreu inicialmente
em um momento síncrono e foi finalizada como tarefa para a aula seguinte. Para
verificar a presença do Número de Ouro, tanto na Atividade 2 quanto na
Atividade 3, o software GeoGebra foi utilizado como uma verificação, após os
alunos realizarem tentativas no papel.
Após a verificação do Número de Ouro no Retângulo Áureo, um outro
questionamento foi levantado: se a razão entre os lados dos retângulos é igual
em todos. Nesse momento os alunos relembraram de outro conteúdo estudado
previamente: retângulos com lados proporcionais. Fizemos uma breve revisão e
finalizamos a aula questionando: será que somente para o retângulo temos essa
relação de lados proporcionais quando a razão é a mesma?
Iniciamos a Atividade 4 na quarta aula, retomando o questionamento da
aula anterior. Prontamente os alunos responderam que essa relação não se
limitava ao retângulo. Dessa forma, construímos três triângulos de lados
965
proporcionais, a partir da partição de um retângulo. Destaca-se que como o
conteúdo de Semelhança de Triângulos ainda havia sido trabalhado, instruímos
quais lados dos triângulos deveriam ser comparados, de modo a verificar se era
a mesma razão para todos os lados.
Questionamos os alunos se para determinar a razão poderíamos tomar
quaisquer lados dos triângulos. Alguns responderam que não, mas também não
souberam dizer qual seria o critério. Sugerimos então, para que eles pudessem
comparar os lados corretamente, que colocassem os triângulos na “mesma
posição”, isto é, de forma que os ângulos correspondentes ficassem na “mesma
posição” de visualização.
A Atividade 5 consistia em um problema (baseado no problema histórico
que envolve Tales e a medição de pirâmides), no qual Tales visitou o Egito, e
desejava medir a altura de uma pirâmide303. Após questionar um guia local e
receber algumas orientações sobre como fazer a medição, Tales fincou uma
estaca no chão de forma perpendicular e com as informações do tamanho da
sombra da pirâmide, da altura da estaca e do tamanho de sua sombra ele
determina a altura da pirâmide. Foi questionado aos alunos de que forma a
estaca auxiliaria no cálculo da altura da pirâmide, mas não souberam responder.
Dessa forma, os discentes foram organizados em cinco grupos, quatro
grupos compostos de quatro alunos e um grupo composto de três alunos, com o
objetivo de determinar a altura da pirâmide dadas as mesmas informações que
Tales tinha, porém, cada grupo possuía valores numéricos diferentes para o
cálculo da altura de suas pirâmides. Depois, ao menos um representante do
grupo deveria dizer a qual valor chegou para a altura da pirâmide e qual foi o
raciocínio utilizado, iniciando as discussões nessa aula e finalizando na aula
seguinte.
A princípio a ideia era organizar os grupos em diferentes reuniões na
plataforma Google Meet, porém a rede de internet não suportou essa quantidade
de guias abertas, nem o computador. Também não conseguimos acompanhar
303Apresentamos o que é altura de uma pirâmide, uma vez que não haviam estudado esse
conteúdo.
966
os alunos nas reuniões, uma vez que com o sistema travando não houve uma
boa comunicação com os alunos. Acordamos então que os alunos poderiam
conversar por mensagens via WhatsApp ou pelo chat disponível na própria
reunião no Google Meet.
Após a apresentação de todos os grupos no início da aula seguinte,
questionamos o que os alunos achavam das resoluções dos colegas, se havia
alguma que eles consideravam “mais correta” e o porquê. Alguns alunos
afirmaram que a resolução apresentada pelo Grupo 3 estaria correta, pois essa
resolução utilizou, além das informações dadas, os conhecimentos estudados
anteriormente nas aulas e durante a aplicação da proposta.
Indagamos os alunos se poderíamos utilizar da visão lateral para
considerar que a altura da estaca e sua sombra formam um triângulo, assim
como a altura da pirâmide e sua sombra formam um triângulo parecido com o
primeiro, porém maior. Ao visualizarem o problema dessa forma, a maioria dos
alunos percebeu que poderíamos utilizar a relação estudada na aula anterior da
proporção dos lados do triângulo.
Dessa forma, novamente os grupos calcularam a altura da pirâmide, de
acordo com os dados de seu grupo, discutimos em conjunto se as resoluções
estavam coerentes e se os valores faziam sentido e entramos em acordo que
sim. Vale ressaltar que apesar de todos utilizarem a mesma ideia de proporção
entre os lados dos triângulos, os grupos utilizaram diferentes estratégias para
determinar o valor desconhecido (a altura da pirâmide).
Levantamos então um questionamento que não foi levantado pelos
alunos: porque podemos aplicar a ideia de lados proporcionais para esses dois
triângulos? Essa “regra” vale para quaisquer dois triângulos que eu tomar? Uma
aluna respondeu que foi possível utilizar porque os triângulos em questão tinham
o mesmo “formato”, alterando-se apenas o tamanho dos lados.
Perguntamos para os alunos o que define o “formato” de um triângulo e,
após algumas discussões, chegamos à conclusão que os ângulos é que
determina esse formato. Assim, retornamos aos triângulos construídos na
Atividade 4 para observar, verificar e medir seus ângulos, uma vez que já
967
havíamos concluído que seus lados eram proporcionais. Pelas explorações,
pudemos concluir que em triângulos com lados proporcionais os ângulos
correspondentes são iguais. Para finalizar, apresentamos de forma inicial os
conceitos de triângulos semelhantes, triângulos congruentes e do Teorema de
Tales304.
Para finalizar a implementação, os alunos responderam um segundo
formulário, de forma a expressarem sua opinião a respeito da proposta aplicada,
composto por 6 questões: 1) se participaram de toda as aulas; 2) se as atividades
foram chamativas e motivadoras; 3) se consideravam que houve aprendizagem
de novos conhecimentos; 4) se as atividades desenvolvidas ajudaram na
compreensão do conteúdo de razão e proporção; 5) se eles gostariam de mais
aula dessa forma; e 6) aberto para comentários individuais.
Assim como no primeiro formulário, os alunos não precisavam se
identificar e o preenchimento do formulário era facultativo. Ao todo foram 20
respostas, não necessariamente dadas pelas mesmas pessoas do primeiro
formulário. Das respostas, 55% responderam que algumas atividades foram
motivadoras e outras não, enquanto apenas 5% responderam que as atividades
não foram motivadoras.
Quanto aos novos conhecimentos, parte dos alunos indicou conteúdos
como o Número de Ouro, triângulos com lados proporcionais, retângulo áureo,
cálculo da altura da pirâmide e a construção do Pentagrama. Com relação a
compreensão de razão e proporção, a maioria das respostas foi positiva:
▪ “Sim, pois ampliou meu conhecimento sobre esse conteúdo” – Resposta
1
▪ “Sim pois colocou as coisas aprendidas em pratica” – Resposta 6
▪ “Sim pois envolve esse tema” – Resposta 11
▪ “Eu achei que ficou mais chamativo sabe” – Resposta 18
Sobre a aplicação de outras propostas semelhantes a essa, 95% dos
alunos que responderam o formulário afirmaram que gostariam de mais
304 Essesconteúdos foram trabalhados de modo inicial, pois são relativos a séries posteriores e
a intenção é apenas mostrar uma relação entre os conteúdos.
968
atividades assim. A questão aberta para comentários dos alunos também
reforçou que a proposta atingiu, motivou e foi bem recebida pelos alunos.
Evidenciamos, também, que ao longo da proposta, os alunos
participaram ativamente, interagindo com os colegas e com o professor,
respondendo às perguntas e aos questionamentos propostos e enviando as fotos
das atividades ao final das aulas. Por essa participação efetiva e pelas respostas
dadas dos formulários, podemos entender que, para os alunos, de maneira geral,
a proposta representou uma mudança na dinâmica das aulas que os cativou.
Nesse sentido, Miguel e Miorim (2004) abordam que a História pode ser
encarada como “[...] um meio para se promover entre os estudantes a construção
de atitudes e valores de naturezas diversas” (p. 67). Além disso, os autores
também trazem que podemos buscar apoio na História da Matemática para que
os alunos possam perceber a Matemática como criação humana, as motivações
das pessoas em fazer matemática e “[...] a curiosidade estritamente intelectual
que pode levar à generalização e extensão de ideias e teorias” (MIGUEL;
MIORIM, 2004, p. 50).
Dessa forma, podemos concluir que o uso da História no Ensino da
Matemática em meio ao ERE contribuiu para o processo de ensino e
aprendizagem, uma vez que permitiu uma interação entre alunos e professor,
levando os alunos a relacionarem os conteúdos estudados com situações e
contextos históricos, evidenciando aspectos da matemática como uma ciência
que é resultado da produção humana.
Entretanto, é importante ressaltar alguns obstáculos encontrados na
aplicação dessa proposta que foram relativos ao ERE. O primeiro deles é a
dificuldade em acompanhar em tempo real o que os alunos estão produzindo.
Em sala de aula podemos passar pelas carteiras, solicitar idas ao quadro para
representação, porém pelas webconferências, muitos alunos não possuem ou
não utilizam suas câmeras e não perguntam se estão seguindo as instruções
“corretamente”, como ocorre em sala de aula. Só foi possível ver a produção e
os registros dos alunos quando foram enviadas as fotos após o fim da aula.
969
Outro problema foi o momento de realizar a divisão dos alunos em
grupos. Uma possibilidade seria abrir várias chamadas no Google Meet, porém
temos a questão da conexão da internet que não suporta tantos dados sendo
usados ao mesmo tempo, a máquina (computador) que pode também não
suportar tantas abas abertas, além do professor ter que estar gravando305 todas
essas reuniões e acompanhando-as simultaneamente.
CONSIDERAÇÕES
305Exigência da escola para que quem não participou da aula síncrona possa assistir de forma
assíncrona.
970
das discussões assíncronas realizadas pelos grupos, a fim de identificar
dificuldades e organizar seus direcionamentos.
Os obstáculos dificultam um desenvolvimento mais próximo daquilo que
ocorre em sala de aula presencial, porém o professor pode adaptar essas
situações, de forma que esses obstáculos sejam minimizados. Por exemplo, ele
pode solicitar aos alunos que mostrem nas câmeras as considerações, que
compartilhem suas reflexões, representações que estão fazendo, ou solicitar
fotos por meio da plataforma utilizada para acompanhar o processo conforme for
sendo desenvolvido.
É importante lembrar que essa foi apenas uma proposta, e muitos outros
recursos poderiam ter sido utilizados, assim como outras estratégias poderiam
ter sido adotadas em determinados momentos. Essas reflexões podem ser
aplicadas em uma nova implementação da proposta ou de outras que envolvem
a História no Ensino da Matemática, indo ao encontro do objetivo da pesquisa
ação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
971
GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ. Decreto n.º 4.230 de 16 de março de
2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde
pública de importância internacional decorrente do Coronavírus – COVID-19.
Curitiba: Governo do Estado do Paraná, 2020. Disponível em:
https://leisestaduais.com.br/pr/decreto-n-4230-2020-parana-dispoe-sobre-as-
medidas-para-enfrentamento-da-emergencia-de-saude-publica-de-importancia-
internacional-decorrente-do-coronavirus-covid-19. Acesso em: 11/10/2020.
972
SECRETARIA DA SAÚDE DO ESTADO DO PARANÁ. Boletim - Informe
Epidemiológico Coronavírus (COVID-19): 12/03/2020. 2020. Disponível em:
https://www.saude.pr.gov.br/Pagina/Coronavirus-COVID-19. Acesso em:
11/10/2020.
973
ESTRATÉGIA DE ENSINO UTILIZANDO A LEITURA NA
MATEMÁTICA EM TEMPOS DE PANDEMIA
RESUMO
Aborda um trabalho de leitura interpretativa vivenciada por cento e dezessete alunos do
nono período de uma escola da rede municipal de ensino da periferia de Fortaleza, o
qual foi remotamente conduzido na corrente fase da pandemia covid-19. Teve o
propósito de promover uma estratégia de ensino que enseje a leitura interpretativa das
turmas, de modo a possibilitar a melhoria do aprendizado. Em decorrência do
distanciamento social imposto, foi exercitada uma estratégia de ensino com o texto
paradidático As mil e uma equações, que se reporta ao conteúdo “Equações do segundo
grau”, de modo a responder a esta indagação: - Como desenvolver atividades de leitura
interpretativa na disciplina Matemática em tempos de pandemia? A sequência de
condução do estudo ocorreu em quatro etapas: a) abordagem do conteúdo Equação do
segundo grau em aulas pelo meet e/ou notas explicativas enviadas por whatsapp ao
aluno e a coordenação da escola para impressão e posterior acesso aos alunos
impossibilitados virtualmente, acompanhada de exercício de aprendizagem; b) correção
comentada de todas as questões da atividade proposta com apresentação do texto
paradidático acompanhado do direcionamento da leitura e discussões dos capítulos
durante uma semana; c) solicitação de um Podcast, sendo acompanhado por uma
apresentação da definição, objetivo e utilidade da tarefa imposta; e, por último,
d) o envio do Podcast por email. Dessa maneira, com o desenvolvimento da
leitura interpretativa, observou-se que os educandos, de modo geral, iniciaram o
gosto pela leitura e, consequentemente, também pelo conteúdo expresso,
conduzindo-os ao conhecimento.
974
INTRODUÇÃO
975
Portanto, foi pensada e desenvolvida uma estratégia de ensino com um
livro paradidático de Matemática, habilitado a dar suporte ao professor dessa
matéria na condução das atividades domiciliares utilizando o conteúdo “Equação
do segundo grau”. Para que, todavia, a proposta tenha eficácia, impõe-se faz
necessário o docente entender à leitura interpretativa e escrita na Matemática, a
qual será visualizada em seção a posteriori.
976
Malgrado todos esses esforços, o ensino da Matemática está deixando
a desejar, sendo um desafio para todos, principalmente para os professores
dessa disciplina na Educação Básica. Alguns docentes comentam que,
provavelmente, essa situação caótica tem como uma das causas o fato de que
os alunos não conseguem ler matematicamente um texto. E, quando o fazem,
não o interpretam adequadamente. Atentando-se para este aspecto, pergunta-
se: o que é ler, interpretar e escrever matematicamente? Como resolver a
questão o problema do desinteresse pela leitura e escrita em Matemática?
Ler é decodificar os símbolos. E a Matemática, consoante assinala
Mendes (2009), se constitui de uma linguagem revestida por elementos
significantes [...], ou seja, esta por sua vez é recapeada por símbolos, gráficos,
formas geométricas, diagramas e expressões algébricas que lhes são
peculiares, e por um vocabulário que guarda uma relação intrincada com a língua
materna, na qual se faz necessário seu entendimento.
Sendo assim, é fundamental que o educando seja alfabetizado em
Matemática. Para Danyluk (1991 apud KLÜSENER, 2000, p. 177), “[...] ser
alfabetizado em matemática é entender o que se lê e escreve, [...] é buscar o
significado do ato de ler e escrever, presentes na prática cotidiana”. Em
contrapartida, são notórios comentários de professores abordando a ideia –
verdadeira em muitas circunstâncias - de que os alunos detestam estudar essa
Ciência. Então, como se permitir entender aquilo que se repele? Daí, a
importância de fazer a mobilização da leitura em Matemática. No alcance do
entendimento de Gomes (2002), todavia, mencionado por Salmazzo (2005, p.
32), a leitura, atualmente, é enxergada
[...] não mais como um processo de pronunciar o texto, mas como
uma atividade complexa que envolve raciocínio, ou seja, ler é
compreender. A Leitura é um processo interativo e construtivo, no
qual entram em jogo as relações entre as diferentes partes do texto
e os conhecimentos prévios do leitor.
977
prática de sala de aula e necessita ser explorada pelos professores de um modo
geral, inclusive pelos instrutores de Matemática. Carrasco (2000) comenta a
noção de que, além do óbice de leitura, o aluno também possui dificuldade de
escrever em linguagem matemática.
A escrita relativa à Matemática é proposta por Santos (2005) como uma
opção pedagógica de mediação integrativa com as experiências individuais e
grupais de cada sujeito na busca pela apropriação dos conceitos matemáticos
estudados.
Dessa forma, De efeito, Carrasco (2000, p. 192) aponta duas soluções
para combater a dificuldade de ler e escrever nessa linguagem.
A primeira consiste em explicar e escrever, em linguagem usual,
os resultados matemáticos. [...] uma segunda solução seria a de
ajudar as pessoas a dominarem as ferramentas da leitura, ou
seja, a compreender o significado dos símbolos, sinais e
notações.
978
Haja vista essa realidade, a proposta pedagógica das escolas há que ser
modificada, uma vez que, em consequência do distanciamento social oriundo de
uma medida preventiva de combate ao vírus, os professores devem oferecer
atividades domiciliares, semanalmente, de tal modo que os educandos tenham
condições de suscitar hipóteses individualmente e adquirir, todos os dias,
autonomia de resolução.
Nessa perspectiva, as escolas solicitam aos professores as ações
domiciliares da semana, deixando apreensivos os envolvidos (professores, pais
ou responsáveis e alunos). Sendo assim, divisou-se a ideia de ofertar, por via
deste artigo, a oportunidade de desenvolver-se uma situação de ensino que situe
o aprendiz numa investigação. Salienta-se que a sugestão de trabalho há de ser
aplicada pelos professores de Matemática. Inicialmente, para que se efetivasse
a pesquisa, antes, se concordou com a ideia de Skovsmose (1994, p.62), ao
alegar que um tema deve cumprir as seguintes condições:
• ser um tópico conhecido dos alunos ou passível de
discussão de modo que conhecimentos não matemáticos ou da
vida diária dos alunos possam ser utilizados;
• ser passível de discussão e de desenvolvimento num
determinado tempo em um grupo;
• ter um valor em si próprio, não devendo ser meramente
ilustrativo para introduzir um novo tópico matemático teórico;
• ser capaz de criar conceitos matemáticos, ideais sobre
sistematização ou ideias sobre como ou onde se usa a
Matemática;
• privilegiar a concretude social em detrimento da
concretude no sentido físico.
979
proposta em razão da relevância do tema abordado de modo não presencial e
da maneira pela qual as equações são abordadas na história, isto é, mediante
desafios para salvar a vida de um ser humano.
Ademais, foi pensando em dar suporte ao docente para ministrar
atividades domiciliares de conteúdos matemáticos utilizando assuntos que
requerem atenção em decorrência da magnitude no Ensino Médio, como
também para promover a leitura interpretativa e a escrita, podendo, inclusive,
contribuir para o desenvolvimento da competência especifica da Matemática de
número 2. Refletiu-se, também, em “Desenvolver o raciocínio lógico, o espírito
de investigação e a capacidade de produzir argumentos convincentes,
recorrendo aos conhecimentos matemáticos para compreender e atuar no
mundo” (BRASIL, 2017, p. 267), relatado pela Base Nacional Comum Curricular
(BNNC).
Desse modo, a situação de ensino será desenvolvida em formato de
atividades domiciliares direcionadas para estudantes das escolas públicas na
faixa etária de 15 a 16 anos, a qual chegará até os educandos por meio de
informações encaminhadas pelo grupo de Whatsapp e devolvidas por email, da
turma, respectivamente, para envio e devolutiva das atividades.
980
Fonte: Rosa Neto, 2001.
O podcast é um material, ou seja, é uma estratégia de comunicação
entregue no formato de áudio que fica disponível para que o receptor, no caso,
o professor, escute quando quiser. Conforme Schmidt (2008), a palavra podcast
é,
[...] uma junção das palavras "iPod" e "broadcast" (transmissão via
rádio) e surgiu em 2004. Os créditos do conceito desse termo são
atribuídos ao ex-VJ da MTV Adam Curry, que criou o primeiro
agregador de podcasts e disponibilizou o código na internet para
que outros programadores pudessem aperfeiçoá-lo e utilizá-lo.
981
ter a escolha do texto apropriado), escolher um ambiente silencioso e utilizar um
bom microfone. Após produzi-lo, é recomendável escutá-lo e, para envio e/ou
divulgação, fazê-lo pelo Google podcast, Spotify ou Deezer.
A estratégia de ensino foi dividida em quatro etapas. Evidencia-se que a
habilidade viável nessa atividade é (EF08MAXX) Resolver e elaborar, com e sem
uso de tecnologias, problemas que possam ser representados por equações
polinomiais de 2º grau do tipo ax2 + bx + c = 0. Essa habilidade, porém, não
consta na BNCC, daí a escrita do número sequencial da habilidade ser
representado por letras idênticas.
Na primeira fase, o aprendiz, provavelmente, participou das aulas pelo
meet sobre equações do segundo grau, seguindo-se a leitura do livro didático
com aplicação, por meio da resolução, de exercícios propostos. Salienta-se que,
para os educandos sem acesso à internet, foram escritas notas de aula
explicativas e deixadas na Coordenação da escola. Afinal, o objetivo da
Educação Matemática, conforme exprimem Miguel e Miorim (2004, p.70), é fazer
o estudante compreender e se apropriar da Matemática “[...] concebida como um
conjunto de resultados, métodos, procedimentos, algoritmos etc.”
Na segunda parte, o estudante participou, pelo meet ou mesmo por via
de folha xerografada disponível na escola, das correções comentadas da
atividade. Em seguida, tirou as dúvidas. Nesse momento, foi mostrado à turma
o livro paradidático com sete capítulos pequenos. O aluno foi orientado a efetuar
a leitura de dois capítulos por dia, o que corresponde, em média, a dezesseis
páginas com várias ilustrações, objetivando facilitar a interpretação da leitura.
A cada dia eram colocadas algumas perguntas do tipo “Quem ficou
perdido no deserto? Eles estão em qual lugar? Fazendo o quê? Em qual século
acontece a história? Como são as vestimentas? Quem é o matemático das
Arábias? Que conteúdo é abordado? Como o conteúdo é abordado? Quem é
Emir? Quais desafios você não conseguiu resolver? Por quê?” Isto no grupo do
Whatsapp referente aos capítulos para discussão. De acordo com as respostas,
havia um momento de debate, seguido da conclusão referente aos dois capítulos
lidos no dia.
982
Na semana seguinte, na terceira etapa, a professora explicou a definição
e as fases de construção de um podcast, como também sua funcionalidade, ao
grupo de alunos. Entende-se como funcionalidade a finalidade da execução da
tarefa conduzida pela professora, a qual explanou detalhadamente a função da
construção do podcast direcionado ao conteúdo equação do segundo grau,
relatando que se deve: compartilhar o conteúdo, desenvolver a oratória, verificar
a interpretação referente ao conteúdo ministrado, expor o nível de aprendizado
do sujeito, apresentar uma maneira diferente de enxergar a Matemática, verificar
se houve compreensão do assunto abordado, desenvolver o processo de leitura,
interpretação, integração e escrita do aprendiz com a simbologia matemática e
conhecer a aplicabilidade da Matemática em situações cotidianas por meio de
uma aventura. A quarta etapa aconteceu pelo envio do podcast ao docente da
turma via e-mail.
DISCUSSÕES E RESULTADOS
983
estória, uma vez que o discente, ao comentar sobre o que leu, enriquece seu
vocabulário, informa a internalização do conhecimento, nesse caso sobre a
Equação do 2º grau, além de permitir o desenvolvimento do pensamento crítico
abordado na BNCC.
984
Quantitativo de Alunos do nono ano - manhã
9º A M 39 17 08
9º B M 39 29 20
9º C M 39 31 21
985
Devolutiva do Podcast - Nonos da Manhã
9º A M
10,2%
9º C M
53,2%
9º B M
51,2%
986
evidenciar aos estudantes uma maneira divertida de aprender Matemática.
Demais disso, na demanda pelo aprendizado, o discente interagiu virtualmente
com os colegas e consigo próprio, levantou hipóteses, fez conjecturas e,
portanto, atuou ativamente durante o fenômeno da aprendizagem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ROSA NETO, Ernesto. As mil e uma equações. 10 ed. São Paulo: Ática editora,
2001. (Série A Descoberta da Matemática).
987
SCHMIDT, Alana. O que é Podcast? Tecmundo, 2008. Disponível em:
https://www.tecmundo.com.br/internet/1252-o-que-e-podcast-.htm. Acesso em:
21 jan.2021.
988
989
ABORDAGENS GEOMÉTRICAS EM PROBLEMAS ARITMÉTICOS E
ALGÉBRICOS PROPOSTOS EM LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO MÉDIO
RESUMO
Este texto tem como objetivo apresentar abordagens geométricas em problemas
aritméticos e algébricos propostos em livros didáticos (LD) destinados ao Ensino Médio.
Tais abordagens são resultados da pesquisa de iniciação científica Aspectos históricos
da aritmética e álgebra nos LD do Ensino Médio: relações com a geometria do Grupo
de Pesquisa História da Matemática e Educação Matemática da Universidade Federal
de Alagoas. Nessa pesquisa, percorremos uma sequência de estudos relacionados à
História da Matemática e à História da Educação Matemática no Brasil com base em
livros, teses, dissertações, artigos, documentos legislativos e LD. Selecionamos, para
este texto, quatro problemas aritméticos ou algébricos apresentados em LD de 1962,
1997, 2005 e 2016, propondo uma abordagem geométrica proveniente de noções dadas
em uma obra didática mais nova, bem como mais antiga ou proveniente da História da
Matemática. Acreditamos que este trabalho, que relaciona aritmética, álgebra e
geometria por meio de resoluções de problemas, vem somar com práticas diárias do
professor de Matemática, uma vez que pode servir de apoio para estratégias em abordar
conteúdos e problemas em suas aulas, já que é comum alunos serem considerados
bons em álgebra e aritmética e ruins em geometria.
INTRODUÇÃO
309
Universidade Federal de Alagoas (Ufal). nickson.correia@im.ufal.br.
310
Universidade Federal de Alagoas (Ufal). viviane.santos@im.ufal.br.
990
sendo tema de investigação científica relativo à História da Matemática é a
história de problemas e conceitos. Além disso, dentre as diferentes perspectivas
por volta da História da Educação Matemática no Brasil, tem-se as vertentes
“História na Educação Matemática” e “História oral e Educação Matemática”. A
primeira relacionada ao campo didático que usa a história em pesquisas sobre o
Ensino de Matemática. A segunda relacionada à construção de possibilidades
de alternativas diferenciadas para o ensino dessa ciência, colocando o
licenciado/licenciando em Matemática em contato com relatos de práticas
pedagógicas de antigos professores, sistematizações ou recriações. Essas e
outras vertentes travam diálogo com a produção historiográfica, condicionando
necessidades didáticas impostas pela Educação Matemática. (VALENTE, 2014)
Segundo Dassie e Costa (2014), no fazer historiográfico da Educação
Matemática, as fontes possuem um papel importante e, dentre essas fontes,
temos os livros didáticos (LD). Nesse sentido, Chervel (1990), “texto já bem
conhecido e transformado em referência para todo historiador das disciplinas
escolares” (VALENTE, 2008, p. 141), trata o estudo de LD como um grande
revelador da trajetória histórica de uma determinada disciplina escolar. Couto e
Jucá (2019) completam que um estudo utilizando LD como objeto de pesquisa
propicia ao pesquisador construir uma história de determinada disciplina, uma
vez que se pode perceber as modificações que esta sofreu ao longo do tempo.
Outra fonte para a História da Educação Matemática são os documentos
legislativos tais como leis, decretos, resoluções, entre outros. Segundo Mattos e
Abdoumur (2014), os documentos legislativos influenciam os historiadores na
escolha de demais documentos que possibilitem a atribuição de significado ao
âmbito historiográfico.
Consoante a tais considerações, desenvolvemos a pesquisa Aspectos
históricos da aritmética e álgebra nos LD do Ensino Médio: relações com a
geometria pelo Grupo de Pesquisa História da Matemática e Educação
Matemática da Universidade Federal de Alagoas. Nesse estudo de iniciação
científica, o foco principal foi estudar conteúdos e problemas de aritmética e
álgebra dos LD que se relacionam com a geometria. Dentre os resultados
991
oriundos dessa pesquisa, apresentaremos apenas as possíveis abordagens
geométricas em problemas aritméticos e algébricos presentes em LD destinados
ao Ensino Médio.
Dentre diversos trabalhos na linha de LD como objeto de pesquisa,
destacaremos Oliveira (2008) que, em sua dissertação de mestrado, faz alguns
apontamentos sobre estudos de LD dos tipos histórico e pragmático, são eles: o
tipo histórico refere-se aos estudos que utilizam LD para a escrita de uma
história, isto é, estudos do ensino em uma instituição, da matemática escolar
praticada por uma comunidade em um recorte de tempo, da escolarização de
uma disciplina, das mudanças provocadas por documentos legislativos, da
disciplinarização de um conteúdo e como se constituem as diferentes
abordagens para o ensino de um conteúdo matemático no decorrer dos tempos;
o tipo pragmático refere-se aos estudos descritivos/comparativos que
comumente não estabelecem conexões entre os conteúdos apresentados nas
obras com as condições sociais e educacionais; estudos históricos que tratam
as diferentes abordagens para o ensino de um conteúdo matemático propostas
no decorrer dos anos não deixam de ser do tipo pragmático, sendo estes fonte
de recursos didáticos para o ensino atual.
Assim, um trabalho do tipo histórico e pragmático voltado a apresentar
abordagens geométricas em problemas aritméticos e algébricos propostos em
LD destinados ao Ensino Médio, passa a ter uma importância para o estudante
e para o professor de Matemática. Como diz D’Ambrosio (2007), é bastante
comum alunos serem considerados bons na álgebra e nas operações numéricas,
mas terem dificuldades na geometria e isso ocorre, na maioria das vezes, porque
a álgebra e a geometria estão sendo entendidas como ideias isoladas, o que não
acontece ao longo da história. Além disso, uma das práticas diárias do professor
de matemática é fazer análise de estratégia de solução de problemas diversos.
Logo, acreditamos que este trabalho vem a somar com as práticas
diárias do professor podendo servir de apoio para estratégias em abordar
conteúdos e problemas em suas aulas, debates e pesquisas futuras.
992
PROCESSOS METODOLÓGICOS
993
Santa Catarina (RIUFSC) e, também, acervos pessoais de professores de
Matemática que autorizaram o acesso e disponibilização de obras para essa
pesquisa. Encontramos vários LD, contudo para não trabalhar com um número
demasiadamente alto, estabelecemos alguns critérios para uma seleção, foram
eles: a) trabalhar apenas com obras publicadas após o Decreto nº 4.244
(BRASIL, 1942), estabelecido por Gustavo Capanema no comando do Ministério
da Educação e Saúde em 1942, responsável por dividir o Ensino Secundário em
Curso Ginasial e Curso Colegial, sendo este o pontapé inicial da estrutura que
conhecemos hoje como Ensino Médio; b) trabalhar apenas com obras de volume
único ou, no caso da obra ser composta por vários volumes, a coleção completa
independentemente da edição, uma vez que é difícil estudar com precisão os
aspectos da aritmética e álgebra em uma obra didática incompleta.
De posse dos LD, iniciamos a leitura dos conteúdos aritméticos e
algébricos, verificando a apresentação do conteúdo, os problemas propostos, os
métodos de resolução desses conteúdos, e se esses conteúdos ou problemas
eram relacionados com a geometria. Para isso, seguimos uma ordem
cronológica, da coleção mais antiga para a mais nova, a fim de identificar se
houve mudança ou não no modo de abordar a aritmética e a álgebra. Apesar de
constatarmos que a relação de alguns conteúdos e problemas aritméticos e
algébricos com a geometria foi crescente com o passar dos anos, selecionamos
conteúdos e problemas aritméticos e algébricos apresentados nesses LD para
propormos abordagens geométricas, sejam essas abordagens provenientes de
noções dadas em uma obra didática mais nova, bem como mais antiga ou
provenientes da História da Matemática, se remetendo ao estudo inicial dessa
pesquisa.
AS ABORDAGENS GEOMÉTRICAS
994
modo aleatório algumas abordagens. Dentre as obras trabalhadas na pesquisa,
apresentaremos nesse texto problemas das obras Curso de Matemática para os
primeiro, segundo e terceiro anos dos cursos clássico e científico (BEZERRA,
1962); Matemática volume único (IEZZI et al., 1997); Matemática Dante (DANTE,
2005); e Matemática para compreender o mundo (SMOLE; DINIZ, 2016).
Problema 1: “Calcular a soma √𝟐 + √𝟑 + √𝟓, com o menor erro
possível.” (Adaptado de BEZERRA, 1962, p. 22). Trata-se de um problema de
números aproximados proposto no livro de Bezerra (1962) e para resolvê-lo
aritmeticamente, de acordo com a obra, basta utilizar os valores aproximados.
Para resolvermos usando uma abordagem geométrica, nos baseamos
na relação de Pitágoras 𝒂𝟐 = 𝒃𝟐 + 𝒄² em um triângulo retângulo 𝑨𝑩𝑪 e utilizamos
o desenho geométrico, vejamos a resolução a partir da Figura 1.
Figura 1: Resolução da soma √𝟐 + √𝟑 + √𝟓 com o menor erro possível
995
com centro 𝑱, chamando de 𝑲 a interseção desse novo arco com a semirreta,
sendo 𝑲 a soma √𝟐 + √𝟑 + √𝟓 com o menor erro possível.
Problema 2: “Nesta figura, o número de triângulos que se obtém com
vértices nos pontos 𝑫, 𝑬, 𝑭, 𝑮, 𝑯, 𝑰 e 𝑱 é:” (Iezzi et al., 1997, p.436), ver Figura
3.
vez que a ordem dos vértices não irá alterar o resultado, obtendo 31 triângulos,
mas também podemos resolver este problema com noções de geometria,
vejamos:
Resolução: Partindo do pressuposto que para se obter um triângulo,
deve-se ter três pontos distintos e não colineares, temos: 1º caso - com base em
𝑫𝑬 temos os possíveis triângulos 𝑫𝑬𝑮, 𝑫𝑬𝑯, 𝑫𝑬𝑰, 𝑫𝑬𝑱, 𝑫𝑬𝑭, ou seja, 5
triângulos. 2º caso - dois pontos na base 𝑨𝑪 = {𝑮𝑯, 𝑯𝑰, 𝑰𝑱, 𝑮𝑰, 𝑮𝑱, 𝑯𝑱} podemos
obter os triângulos
𝑮𝑯𝑫, 𝑯𝑰𝑫, 𝑰𝑱𝑫, 𝑮𝑰𝑫, 𝑮𝑱𝑫, 𝑯𝑱𝑫, 𝑮𝑯𝑬, 𝑯𝑰𝑬, 𝑰𝑱𝑬, 𝑮𝑰𝑬, 𝑮𝑱𝑬, 𝑯𝑱𝑬, 𝑮𝑯𝑭, 𝑯𝑰𝑭, 𝑰𝑱𝑭, 𝑮𝑰𝑭, 𝑮𝑱𝑭,
𝑯𝑱𝑭, ou seja, 18 triângulos. 3º caso - com base em 𝑬𝑭 temos os possíveis
triângulos 𝑬𝑭𝑮, 𝑬𝑭𝑯, 𝑬𝑭𝑰, 𝑬𝑭𝑱 e com base em 𝑫𝑭 temos 𝑫𝑭𝑮, 𝑫𝑭𝑯, 𝑫𝑭𝑰, 𝑫𝑭𝑱,
ou seja, 8 triângulos. Total de 31 triângulos.
Problema 3: “Calcular o limite da soma dos termos da progressão
𝟏 𝟏 𝟏 𝟏 𝟏
geométrica da soma + 𝟒 + 𝟖 + 𝟏𝟔 + ⋯ + 𝟐𝒏 + ⋯ , 𝒏 ∈ 𝑵∗ ” (Adaptado de Dante,
𝟐
996
2005, p. 149). Trata-se de um problema de progressão geométrica proposto no
livro de Dante (2005) e para resolvê-lo de modo algébrico, o livro propõe utilizar
𝟏 𝒂 𝟏 𝟏
a fórmula 𝑺𝒏 = 𝟏−𝒒 , sendo 𝒂𝟏 = 𝟐 e 𝒒 = 𝟐. Seguindo essa sugestão, obtemos
como resultado o valor 1, mas este problema também pode ser abordado de
modo geométrico, como apresentamos a seguir.
𝟏
Resolução: Consideramos um quadrado de área igual a 1. Pintamos 𝟐
𝟏 𝟏
dessa área. Em seguida, pintamos 𝟒 da área restante, depois 𝟖 da área restante,
𝟏
da área restante, e assim sucessivamente (ver Figura 4).
𝟏𝟔
𝟏 𝟏 𝟏 𝟏 𝟏
Figura 4: Resolução do limite da soma 𝟐 + 𝟒 + 𝟖 + 𝟏𝟔 + ⋯ + 𝟐𝒏 + ⋯ , 𝒏 ∈ 𝑵∗
⋯ , 𝒏 ∈ 𝑵∗ .
Problema 4: (Ver Figura 5) “Dado um quadrado 𝑸 de lado 𝟏𝒄𝒎, são
construídos outros quadrados de modo que, a partir do 2º, os pontos médios dos
lados de cada um deles sejam os vértices do quadrado anterior. Veja o desenho
ao lado. [...] qual é a área do 5º quadrado construído?” (SMOLE; DINIZ, 2016,
p.174).
997
Fonte: Smole; Diniz, 2016, p.174.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
998
Apesar de ser um recorte de abordagens feitas na pesquisa, acreditamos
que as abordagens geométricas dos problemas expostos neste trabalho é uma
fonte de recurso didático para o professor de Matemática, de modo a possibilitar
enxergar que há conteúdos aritméticos e algébricos que podem ser relacionados
com a geometria. Isto ganha mais importância quando pensamos que nem todos
os alunos compreendem facilmente a abordagem algébrica ou aritmética de um
conteúdo ou problema, sendo assim, uma alternativa de compreensão para o
aluno.
Além disso, tais abordagens trazem em questão a importância de
relacionar a aritmética e álgebra com a geometria levando em consideração aos
aspectos históricos da Matemática, bem como da História da Educação
Matemática. No mais, apesar de ser uma pesquisa concluída em ciclo de
iniciação científica, vale considerar que ainda há muito a se pesquisar nesse
mundo dos LD e História da Educação Matemática, deixando aqui o gancho para
pesquisas, debates e trabalhos futuros.
REFERÊNCIAS
999
http://histemat.com.br/index.php/HISTEMAT/article/view/283/234. Acesso em:
10 out. 2020.
DASSIE, B., COSTA, D. A. da. Livros didáticos como fonte: o que dizem as
pesquisas brasileiras do I ENAPHEM. In: VALENTE, W. R. (Org.). História da
educação matemática no Brasil: problemáticas de pesquisa, fontes,
referências teórico-metodológicas e histórias elaboradas. São Paulo: Livraria
da Física, 2014.
1000
OS SABERES PROFISSIONAIS EM DOCUMENTOS OFICIAIS DO ESTADO
DE SÃO PAULO – COMUNICAÇÕES, PÔSTERES
Gisele de Gouvêa311
RESUMO
A proposta objetiva-se estudar, quais saberes profissionais do professor que ensina
matemática em documentos oficiais poderão passar por um processo de
sistematização? Baseada na perspectiva histórica, nosso entendimento é pelo viés da
construção teórica provinda de sistematizações das experiências docentes, num dado
tempo, com intuito de fomentar discussões sobre o saber profissional do professor que
ensina matemática, no ensino de 1º grau. A pesquisa de cunho histórico que estamos
desenvolvendo, aborda discussões acerca da constituição dos saberes elementares
matemáticos e para o desenvolvimento dos saberes de formação de professores que
ensinam matemática. Sendo parte de uma pesquisa doutoral desenvolvida no Programa
de Pós-Graduação da Universidade Federal de São Paulo, com apoio financeiro da
Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. O objeto de análise
que será parte constituinte da caracterização desses saberes é o documento oficial
Proposta Curricular de Matemática do Estado de São Paulo de 1980, referente ao
ensino primário. A metodologia de pesquisa será por meio da pesquisa documental.
INTRODUÇÃO
311
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). gidegrau@hotmail.com.
1001
a produção de saberes para o ensino e para a formação de professores”, o
subprojeto e seus eixos de trabalho fazem parte do “projeto guarda-chuva”
desenvolvido por integrantes do Grupo de Pesquisa em História da Educação
Matemática (GHEMAT) com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP), intitulado por “ A Matemática na Formação de
Professores e no Ensino: processos e dinâmicas de produção de um saber
profissional, 1890-1990”.
A questão de pesquisa que envolve essa proposta é: Quais saberes
profissionais do professor que ensina matemática em documentos oficiais
poderão passar por um processo de sistematização?
A proposta a seguir está dividida pelos seguintes itens: introdução,
metodologia de pesquisa e as Considerações Finais.
1002
possibilidade desse conhecimento ser considerado como
um saber. (VALENTE, 2020, p.904)
1003
sendo sua expertise requisitada pelo governo, após a elaboração do material
que recebemos.
É importante destacarmos, que, os conteúdos contidos nos documentos
oficiais devem ser tomados inicialmente como informações, que serão
convertidas em saber, o processo de análise inicial da documentação é um
desafio metodológico, no sentido de caracterizar os saberes profissionais do
professor. Esse processo é o da sistematização cujo intuito é converter uma
experiência em um objeto de produção de conhecimento, sua finalidade é
objetivar os saberes.
O processo de sistematização pode ser entendido como um movimento
de objetivação, pois o conhecimento inerente ao sujeito por intermédio da
sistematização, passa a circular, depois, é apropriado em diversos contexto dos
que foram produzidos antes do processo.
1004
foram consolidadas nessa referência curricular. Quando ocorre o movimento de
fechamento da caixa-preta, que entendemos aqui como a oficialização de um
novo documento oficial, com intuito de solidificar os saberes para o ensino e
formação de professores.
Há necessidade de uma operação histórica, no que tange o processo de
abertura dessas caixas, nos cabe pesquisar o passado anterior à publicização
do documento analisado. Como estratégia vislumbrando à abertura das caixas-
pretas remete-nos ao estudo dos personagens, os experts, que foram
convocados pelas autoridades do ensino com intenção de elaborar tais
propostas.
1005
Suzana Laino Candido (CENP) e Vinício de Macedo Santos (CENP), para situar
o leitor sua 1ª edição aconteceu no ano de 1986.
Cuja elaboração se deu por meio da equipe técnica de matemática da
Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) da Secretaria de
Educação do Estado de São Paulo, cuja tinha uma ligação direta concernentes
a discussão acerca da qualidade do ensino oferecido pelas escolas públicas.
O foco da proposta era sobre alguns problemas no tocante ao ensino de
Matemática, diagnosticados por professores, dentre eles, preocupação com
treino de habilidades com a mecanização de algoritmos, com a memorização de
regras e esquemas de resolução de problemas, priorização de uma repetição e
a imitação primando por uma aprendizagem que não se dá por meio da
compreensão de conceitos e de propriedades, centrava-se pelos temas
algébricos deixando de lado tópicos de Geometria, e por último, exigência de
uma formalização precoce e um nível de abstração em desacordo com o
amadurecimento do aluno. Assim, esses professores em constantes
questionamentos dos conteúdos dos livros didáticos vinham se reunindo para
discutir novas propostas para o ensino de Matemática.
Sensibilizada, a Secretaria de Educação de São Paulo, a esse estado de coisas
e tendo em vista a política educacional cuja intenção era desenvolver e propiciar
por meio da CENP condições para que novas Propostas fossem elaboradas.
Acerca das reflexões do papel da Matemática no currículo do 1º grau, no tocante
aos problemas detectados no ensino da disciplina nos níveis mencionados e a
respeito dos Guias Curriculares anteriores, então o processo de elaboração das
Propostas teve seu início, com a equipe de Matemática da CENP, professores
da rede estadual, monitores de Matemática e professores da USP, UNICAMP,
UNESP e PUCSP.
Sua estruturação se deu por meio, os assuntos que a compõem são
distribuídos em três grandes temas: Números, Geometria e Medidas, por
intermédio deles buscava-se atingir as seguintes metas para o ensino de
Matemática na escola básica: as aplicações práticas e o desenvolvimento do
raciocínio lógico.
1006
Tendo como base as oitos séries, estes temas eram tratados
simultaneamente, havendo possibilidades para tal, os assuntos não eram
abordados por si só, mas sim com destaque para as ideias fundamentais, por
exemplo, a ideia de proporcionalidade envolve números (razões, proporções) e
Geometria (semelhança de figuras), logo tais assuntos podem ser desenvolvidos
paralelamente. Com isso, a pretensão sobre o conhecimento matemático no 1º
grau, baseado na proposta, era que os alunos tivessem uma visão global destes
temas. Há também ao final de cada série comentários e observações para
nortear o trabalho do professor.
METODOLÓGIA DA PESQUISA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1007
Buscou-se com a proposta algumas discussões acerca dos saberes
profissionais do professor que ensina Matemática, num dado tempo, por
intermédio da perspectiva histórica.
Esse texto é parte da tese de doutoramento da autora, que tem como foco
analisar esses saberes na Proposta Curricular de Matemática do estado de São
Paulo da década de 1980. Se apropriando de uma construção teórica, adquirida
por sistematizações de experiências docentes.
Esse trabalho teve como objetivo compreender os saberes que estão nos
documentos oficiais, que normatizam a formação inicial do Professor que ensina
Matemática.
Utilizamos como referencial teórico Hofstetter e Schneuwly (2017), com
estudos centrado nos saberes objetivados, que em síntese refere-se aos
saberes formalizados, não sendo expresso por algo subjetivo, ou ligados a um
contexto, ou uma situação particular do sujeito. É um saber que vive fora do
sujeito, não tendo dificuldade na sua comunicação e utilização, no que pode ser
chamado de um processo de sistematização.
Estudar os saberes profissionais constitutivo da formação e da ação
docente, por intermédio de uma constituição histórica acerca de elementos que
podem nos trazer uma compreensão sobre os aspectos do ensino e da formação
de professores.
E, por último, a pesquisa de cunho histórico que estamos desenvolvendo,
aborda discussões acerca da constituição dos saberes elementares
matemáticos e para o desenvolvimento dos saberes de formação de professores
que ensinam matemática.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1008
GIL, A.C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4.ed. São Paulo: Atlas,2008.
1009
1010
“Mirifici Logarithmorum Canonis Constructio” de Napier: Uma
descrição inicial
RESUMO
Em 1614, John Napier publicou a obra Mirifici Logarithmorum Canonis Descriptio, na
qual apresentava seus logaritmos. Este trabalho foi rapidamente difundido e Napier
iniciou a elaboração de outra obra na qual apresentaria como foram calculados seus
logartimos. Entretanto, Napier faleceu em 1617 antes de finalizar tal material e coube
ao seu filho Robert Napier concluir este trabalho. Assim, a obra intitulada “Mirifici
Logarithmorum Canonis Constructio” (conhecida como Constructio) foi publicada, em
latim, em 1619. Neste contexto, entendemos que esta obra é relevante para a história
da Matemática, pois por meio dela é possível entender o raciocínio utilizado por Napier
para a construção de suas tabelas Logarítmicas, assim, realizamos o presente estudo
que busca descrever, de forma sucinta, a obra Constructio de autoria de Napier. Para
tanto, tomamos como base a primeira tradução desta obra para o inglês realizada por
William Rae Macdonald em 1889 e consultamos a obra Constructio, em Latim publicada
em 1619, na qual são apresentados comentários em inglês elaborados por E. Tomash
e M. R. Williams. Nesta descrição inicial da obra Constructio apresentamos sua estrutura
e destacamos sete proposições.
INTRODUÇÃO:
312
Discente do curso de Matemática da UNIFEI. vitor_eduardo_85@hotmail.com.
313
Discente do curso de Matemática da UNIFEI. lgustavo_bueno@unifei.edu.br.
314
Docente do Instituto de Matemática e Computação da UNIFEI. mfcavalari@unifei.edu.br.
1011
aritméticas e geométricas. Embora esta ideia remonte da antiguidade, os
trabalhos decisivos para o início dos logaritmos foram realizados muito séculos
depois por Jobst Bürgi (1552 - 1632), Henry Brigss (1561 - 1631) e John Napier
(1550 - 1617) (WUSSING, 1989).
Napier, em 1614, publicou a obra Mirifici Logarithmorum Canonis
Descriptio, (conhecida como Descriptio) na qual apresentava seus logaritmos e
“[...] sua intenção era publicar um livro descrevendo como eles haviam sido
calculados”315 (TOMASH, WILLIAMS, 2009, p. 02, tradução nossa). Entretanto,
Napier faleceu em 1617 antes de finalizar a obra na qual descreveria a
construção dos seus logaritmos, de modo que seu filho Robert Napier se dedicou
a finalizá-la e a publicá-la. Desta forma, a obra “Mirifici Logarithmorum Canonis
Constructio” (conhecida como Constructio) foi publicada em latim em 1619.
315
Oferecemos ao leitor o trecho original “[...] his intention was to publish a book describing how
they had been calculated.”
316
Oferecemos ao leitor o trecho original: “While the Descriptio was reprinted many times, the
Constructio, lacking any tables of logarithms, was of interest only to mathematicians and table
makers and thus had far less attention paid to it. The Descriptio was translated into other
languages almost as soon as it appeared, while the Constructio had to wait until 1889 before an
English version was produced [...]”
1012
logaritmo elaborada por Napier e o raciocínio utilizado por ele para a construção
de suas tabelas Logarítmicas, assim, realizamos este estudo que busca
descrever, de forma sucinta, a obra Constructio de autoria de Napier.
Para tanto, tomamos como base a primeira tradução desta obra para o
inglês realizada por Macdonald. Já a obra Constructio, em Latim publicada em
1619, na qual são apresentados comentários em inglês elaborados por Tomash
e Williams317 foi utilizada para compreender, sobretudo, aspectos que foram
incluídos na tradução e algumas proposições.
Para apresentação dos resultados deste estudo inicial, dividimos o
presente trabalho em duas partes, sendo que na primeira apresentamos dados
biográficos de John Napier, para situar a elaboração da obra a ser descrita e,
posteriormente, na segunda parte apresentamos uma breve descrição da obra.
317
A localização destas duas obras foi realizada pelo primeiro autor durante sua Iniciação
Científica intitulada “Contribuições da História da Matemática para o ensino de Logaritmos”. Após
a localização destas obras, decidimos realizar um estudo especificamente voltado a elas, que se
refere ao presente estudo.
1013
vivo, ele era famoso por seus estudos sobre teologia e se interessava por
questões políticas.
Em 1593, publicou um livro no qual afirmava que o papa era anticristo e
o que o fim do mundo ocorreria entre os anos 1688 e 1700, esta obra, de acordo
com Eves (2011, p. 342), “[...] atingiu 21 edições, pelo menos dez ainda em vida
do autor, e Napier acreditava piamente que sua reputação com a posteridade
repousaria sobre esse livro”. Além disso, Napier imaginou a possibilidade de
criação de algumas máquinas de guerra, que vieram a se concretizar na Primeira
Guerra Mundial (EVES, 2011).
Na área da Matemática, foi o principal responsável por introduzir a
notação de frações decimais (KATZ, 2009) e inventou o instrumento conhecido
como Barras ou Ossos de Napier, que são pequenas barras que auxiliariam a
realização de operações.
Além disto, Napier é amplamente conhecido pelos seus trabalhos acerca
dos logaritmos. O conceito de logaritmo fora elaborado com o intuito de
simplificar e facilitar os cálculos com números grandes, em especial ligados a
cálculos astronômicos. Este objetivo acabou se concretizando, afinal para o
estudioso Pierre-Simon Laplace (1749 – 1827) o logaritmo “[...] ao encurtar o
trabalho, dobrou a vida do astrônomo”. (O'CONNOR, ROBERTSON, 1998,
documento online sem página).
A primeira obra de Napier sobre os logaritmos, conforme já explicitado,
foi Descriptio e após a publicação desta, Napier foi procurado por Henry Briggs
que propôs uma nova tábua de logaritmos, que utilizasse a base 10, pois esta
seria mais conveniente para os cálculos. Devido à idade avançada, Napier não
pôde se dedicar a este trabalho, de modo que estas tabelas foram publicadas
por Briggs em 1624 (EVES, 2011).
Enquanto produzia o seu segundo livro sobre logaritmos, Constructio,
Napier faleceu em 1617, na Escócia. Conforme já apontado, esta obra foi
finalizada e publicada em 1619 por seu filho Robert Napier e sua primeira
tradução para o inglês, foi divulgada apenas em 1889 por William Rae
1014
Macdonald. Destacamos que é esta obra que se configura como foco de nosso
estudo.
1015
Fonte: Napier (1889) Fonte: Napier (1889)
318
Em inglês: “The Construction of Logarithms, by John Napier”
319
Oferecemos o título em inglês: “To The Reader Studious of The Mathematics, Greeting”.
1016
que Napier não chegou a provar as proposições porque havia tido uma morte
precipitada.
Posteriormente a este prefácio, são apresentadas cinco seções, sendo
uma dedicada as construções das tabelas logarítmicas, intitulada “A
Construção”; uma sobre observações acerca do Apêndice de Briggs; uma
exclusiva a proposições Trigonométricas e, por fim, uma dedicada as notas de
Briggs sobre proposições Trigonométricas.
Daremos enfoque a seção intitulada “A construção”, que efetivamente
apresenta as proposições publicadas na obra original publicada em latim.
Esta seção é constituída por 59 proposições e 09 exemplos. Napier
desejava apresentar na obra, formas de construir tabelas Logarítmicas, que de
acordo com ele, na proposição 1, seriam tabelas que podem ser usadas para
realizar cálculos complexos de dimensão geométrica e movimentos no espaço
através de cálculos simples.
Durante o desenvolvimento da obra, são construídas ao todo, três
tabelas “auxiliares”, que de acordo a proposição 21, terão informações
suficientes para a construção da tabela logarítmica que será descrita
posteriormente na proposição 59 da obra.
No presente trabalho serão apresentadas as proposições 2, 13, 23, 24,
25 e 26 que em nosso entendimento, permitem entender a definição de
Logaritmo na perspectiva de Napier.
A proposição 2 é enunciada como: “Das progressões contínuas, uma
progressão aritmética é aquela que prossegue em intervalos iguais; uma
geométrica é a que avança por intervalos desiguais e proporcionalmente
crescente ou decrescente”320.
Nesta proposição, Napier apresenta características de uma Progressão
Aritmética e Progressão Geométrica, possibilitando que o leitor possa construí-
las. Posteriormente, com relação a construção destas progressões, a proposição
320
Oferecemos ao leitor o trecho da obra: “Of continuous progressions, an arithmetical is one
which proceeds by equal intervals; a geometrical, one which advances by unequal and
proportionally increasing or decreasing intervals.” (NAPIER, 1889, p. 08, tradução Macdonald)
1017
13 indica: “A construção de uma progressão aritmética é fácil, não é assim,
entretanto, com uma progressão geométrica”321.
Podemos assim, identificar que para Napier seria mais fácil o manuseio
de uma progressão aritmética, em relação ao manuseio de progressões
geométricas, evidenciando a ideia de que seria mais simples operar com somas
que com multiplicações. Esta ideia reforça o entendimento de que os logaritmos
foram pensados de modo a facilitar cálculos.
Nas proposições 23, 24 e 25, Napier prepara o leitor para o entendimento
da proposição 26. A seguir apresentamos a tradução do enunciado dessas três
proposições: A proposição 23 indica que: “Aumentar aritmeticamente é, em
tempos iguais, ser aumentado sempre por uma mesma quantidade” 322; a 24 por
sua vez: “Diminuir geometricamente é isto, que em tempos iguais, primeiro toda
a quantidade depois cada um de seus sucessivos remanescentes é diminuído,
sempre por uma parte proporcionalmente igual” 323; e por fim, a 25: indica que
“[...] um ponto que se move geometricamente se aproximando de um ponto fixo
tem sua velocidade proporcional à sua distância do ponto fixo” 324.
Destacamos que de acordo com Soares (2011, p. 39), “O logaritmo
definido por Napier é bem diferente daquele que é usado hoje, principalmente no
estudo de função”. A sua ideia é apresentada na proposição 26 que é enunciada
como: “O logaritmo de um determinado seno é o número que aumentou
aritmeticamente com a mesma velocidade que o raio começou a diminuir
321
Oferecemos ao leitor o trecho da obra: “The construction of every arithmetical progression is
easy; not so, however, of every geometrical progression.” (NAPIER, 1889, p. 11, tradução
Macdonald).
322
Oferecemos ao leitor o trecho da obra: “To increase arithmetically is, in equal times, to be
augmented by a quantity always the same.” (NAPIER, 1889, p. 17, tradução Macdonald).
323
Oferecemos ao leitor o trecho da obra: “To decrease geometrically is this, that in equal times,
first the whole quantity then each of its successive remainders is diminished, always by a like
proportional part.” (NAPIER, 1889, p. 17, tradução Macdonald).
324
Oferecemos ao leitor o trecho da obra: “Whence a geometrically moving point approaching a
fixed one has its velocities proportionate to its distances from the fixed one.” (NAPIER, 1889, p.
18, tradução Macdonald).
1018
geometricamente, e ao mesmo tempo que o raio diminuiu para o seno dado” 325.
Posteriormente a esta proposição, o autor apresenta uma ilustração, a qual
apresentamos na figura 5 e uma explicação que descreveremos utilizando uma
linguagem atual.
325
Oferecemos ao leitor o trecho da obra: “The logarithm of a given sine is that number which
has increased arithmetically with the same velocity throughout as that with which radius began to
decrease geometrically, and in the same time as radius has decreased to the given sine.”
(NAPIER, 1889, p. 19, tradução Macdonald).
326
Oferecemos ao leitor o trecho da obra: “To form a logarithmic table” (NAPIER, 1889, p. 43,
tradução Macdonald).
1019
qual apresenta uma segunda maneira de construir uma tabela de logaritmos,
esta não foi considerada na contagem das proposições justamente por não
apresentar um resultado distinto, mas sim uma reformulação da proposição
anterior.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1020
em Ensino de Ciências Naturais e Matemática) - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Natal, 2011.
______. The Construction of the Wonderful Canon of Logarithms.
Tradução: William Rae Macdonald, 1889. Disponível em:
<http://profmarino.it/Nepero/ConstructioEnglishVersion.pdf>. Acesso em: 16
out. 2020.
1021
A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NA REGIÃO DA MESOPOTÂMIA
RESUMO
Tendo em vista que a história da matemática como estratégia de abordagem e
motivação para o ensino dos conteúdos matemáticos, pesquisa-se sobre a história da
matemática na região da Mesopotâmia (atual Iraque), a fim de relatar a importância da
história da matemática como meio facilitador, bem como, apresentar uma estratégia de
ensino. Para tanto, é necessário, apresentar um contexto histórico relacionando-o ao
cotidiano do aluno. Realiza-se, então, uma pesquisa bibliográfica com uma abordagem
qualitativa. Diante disso, verifica-se que essa pesquisa demonstrou que o estudo da
História da Matemática além de auxiliar o professor numa conjuntura cultural pode ser
uma ferramenta valiosa para ensina matemática, ela pode despertar o interesse por
parte dos alunos, estimular sua curiosidade e garantir um aprendizado descontraído,
além disso, utilizar a Historia da Matemática como recurso metodológico nas aulas, pode
muito ajudar o professor a dinamizar seu trabalho. Mas o profissional da educação
precisa-se apropriar desse conhecimento.
INTRODUÇÃO
327
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). helves123@hotmail.com
328
Universidade Federal do Tocantins (UFT). jairo.matematico@gmail.com
329
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). bastosjurandi@gmail.com
1022
Essa pesquisa foi gerada a partir da vontade de desmistificar a
matemática na região da Mesopotâmia. Cada território tem a sua diversidade
cultural, tem a sua história, isso é fato. Conhecer a diversidade cultural de um
povo torna-se primordial para uma relação cordial entre ambas as partes, em se
tratando de matemática não são diferentes. Compreender a história da
matemática desde os seus primórdios muito pode contribuir no processo de
ensino aprendizagem, proporcionar ao aluno uma compreensão da matemática
através de sua história é garantia de um aprendizado significativo. Isso tornaria
o fazer matemático mais atrativo.
Ainda segundo Cajori (2007), a história da Matemática é um imenso
portal pelas quais a ótica filosófica olha os períodos passados e busca o
desenvolvimento intelectual.
A matemática surgiu, quando o homem procurava conter os efeitos das
inundações, construíam casacos para se aquecer do frio, construía utensílios
domésticos, essa luta era para garantir a continuidade da espécie humana.
Compreender o contexto histórico é entender a geratriz dos fundamentos
matemáticos criados desde primórdios até nossos dias. Isso é entender a origem
de todas as pedras desse enigmático “quebra cabeça” denominada matemática.
O presente trabalho é resultado de uma pesquisa bibliográfica realizada
sobre livros, trabalhos de pesquisas em História da Matemática. Esse tipo de
pesquisa geralmente se apropria de trabalhos disponíveis na internet: livros,
artigos e etc. Segundo Guedes (2000), a pesquisa bibliográfica ainda é muito
utilizada para aumentar a reflexão existente em determinada área de
conhecimento.
Esses trabalhos contribuem para o aperfeiçoamento cientifico dos
pesquisadores e contribuem para os conhecimentos teóricos da pesquisa,
possibilitando trabalhos originais. A História da Matemática estimula a
curiosidade do aluno e responde alguns de seus questionamentos, é nesse
contexto que a História da Matemática deixa de ser um recurso apenas para
informar, ela possibilitar através do esclarecimento histórico uma metodologia
diferente para o ensino de matemática. O referido texto tem como objetivo
1023
demonstrar a importância da Historia da Matemática Mesopotâmica e suas
contribuições para a humanidade quanto ao processo de ensino-aprendizagem
para futuras gerações, podendo ainda ser utilizado por alunos, professores e a
quem tiver interesse.
MATEMÁTICA MESOPOTÂMICA
1024
Fonte: Jamdat Nasr, Uruk III style, (3100-2900).
1025
canais eficientes para o controle das inundações, e foi pelos
conhecimentos sobre geometria Aplicada que este povo pôde
construir a arquitetura espetacular do Palácio de Bel, com os
jardins suspensos. (ARAGÃO, 2009, p. 22)
Segundo Cajori (2007), uma série de ícones sem fim diferentes foi
atendida pelos babilônios, por um eficiente dispositivo, o sistema altamente
racional, que dava condições para que os cálculos fossem feitos com facilidades,
1026
o que outros povos não conseguiam. Nesse sistema um número limitado sinal é
suficiente para representar números de qualquer tamanho. Entende assim, esse
sistema demonstram os números, o primeiro demonstra unidades e o outro,
dezenas. Para Boyer e Merzebach (2012), a escrita cuneiforme babilônica, para
os inteiros menores, tinha os mesmos traços da redação egípcia, com repetições
de signos para unidades e dezenas.
1027
Os babilônicos tiveram grande relevância no desenvolvimento da
matemática. É notório que essa matemática primaria praticada pelos
mesopotâmicos foi primordial para o home daquele período. Conhecimentos
matemáticos garantiram melhores condições à espécie humana. O comercio
mesopotâmico foi o grande responsável pela criação de uma escrita e a difusão
dos conhecimentos matemáticos. Ainda hoje os conhecimentos matemáticos
produzidos pelos mesopotâmicos são utilizados pelo o homem contemporâneo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1028
A MOBILIZAÇÃO DE ALGUNS ASPECTOS DE USO DO BÁCULO DE
PETRUS RAMUS EXPLORADO EM UM CURSO DE EXTENSÃO
UNIVERSITÁRIA
RESUMO
A necessidade da implementação de estratégias no ensino de matemática estão sendo
cada vez mais recorrentes, mediante as exigências de entidades em esferas municipais
e estaduais. Sabendo disso, o professor de matemática precisa se apropriar de variados
materiais didáticos, procurando resolver tal problemática. Assim, temos o surgimento de
muitas vertentes de estudo que contemplam a abordagem citada, uma delas é a
construção de uma interface entre história e ensino de matemática, que pode ser
direcionada para o corpo docente. Tal relação visa desenvolver algumas estratégias de
ensino, bem como atividades que assegurem uma proposta didático-pedagógica, por
meio da utilização de fontes antigas, baseada em considerações historiográficas
atualizadas. Com isso, este estudo objetiva expor algumas colocações dos graduandos
de licenciatura em matemática, da Universidade Estadual do Ceará, acerca das
condições de uso do báculo de Petrus Ramus (1515–1572), contido no tratado Via regia
ad geometriam, que foi mobilizado em um curso de extensão universitária. Para isso,
fizemos a utilização do levantamento de uma atividade realizada no curso, que, a partir
de uma abordagem qualitativa, permitiu-nos chegar a resultados relevantes. Nesse
sentido, por meio das discussões promovidas e das atividades realizadas, alguns
elementos de postura corporal propícios ao uso do instrumento foram elencados, como
também o destaque a elementos matemáticos que podem ser direcionados ao ensino
de matemática. Dessa forma, observamos que o curso proporcionou uma vivência que
interferiu de maneira positiva na formação dos futuros docentes, dado que demos
indícios das possibilidades de exploração de uma fonte histórica voltada para algum
propósito.
330
Universidade Estadual do Ceará (UECE). francisco.hemerson@aluno.uece.br.
331
Universidade Estadual do Ceará (UECE). naiara.batista@uece.br.
1029
INTRODUÇÃO:
1030
À vista disso, obtemos que diversificados produtos são gerados, como
atividades, metodologias de ensino, propostas de aula, entre outros, que
precisam de uma aplicabilidade para que as mesmas sejam validadas, a fim de
identificar suas vantagens, como também as desvantagens. Portanto,
ministramos um curso de extensão universitária, realizado de maneira remota
com os licenciandos em matemática, da Universidade Estadual do Ceará
(UECE), visando construir o instrumento báculo para a exploração de conceitos
matemáticos.
O báculo de Petrus Ramus se encontra descrito no documento histórico
Via regia ad geometriam, de autoria de Petrus Ramus (1515–1572). Esse objeto
era um instrumento agrimensor muito utilizado por algumas profissões no início
da Idade Moderna, em que podemos destacar o arquiteto, o engenheiro, entre
outros. O aparato permitia a esses trabalhadores medirem distâncias celestes e
também terrestres, tais como comprimento, altura e largura.
A versão utilizada do tratado foi a inglesa, publicada e traduzida por
William Bedwell, em 1636, sendo esta uma das amostras disseminada na Idade
Moderna. Segundo Silva e Pereira (2020b), o tratado trazia, em seu escopo,
entes básicos da geometria plana, de modo a direcioná-los para a medição, já
que suas partes se encontram divididas em medidas de segmentos, medidas de
áreas e medidas de volumes.
Com isso, apresentaremos as concepções dos cursistas a respeito das
observações de utilização do báculo de Petrus Ramus, explorado em um curso
de extensão universitária. Ao longo do artigo, serão destacados o percurso
metodológico e algumas informações básicas do curso, resultados dessa
aplicação e seus aspectos conclusivos.
METODOLOGIA
1031
advindos da história da matemática por meio do Báculo (1636) de Petrus
Ramus”, que foi realizado de forma remota por conta da pandemia da COVID-
19332 e teve como objetivo construir o instrumento báculo, para a exploração de
conhecimentos emergentes no ensino de matemática.
O curso de extensão universitária ficou organizado em quatro etapas, de
forma que pudesse ser contemplado o contexto histórico do instrumento e as
suas especificações. Assim, no primeiro momento da vivência, foram
apresentados aspectos epistemológicos sobre o documento Via regia ad
geometriam e o legado de Petrus Ramus, dando destaque à importância de
ambos para a geometria prática dos séculos XVI e XVII. Na segunda parte,
abordamos o processo de construção do báculo, com base na leitura do excerto
no tratado, a fim de promover uma discussão, entre os participantes, sobre as
orientações dadas por Ramus.
À vista disso, no terceiro tópico, tratamos a respeito das orientações
gerais do uso do báculo, em que é elucidada a maneira correta de
posicionamento do mesmo, para a realização de algumas medidas. Em seguida,
no último módulo, foram debatidas outras condições específicas de uso do
instrumento, que Ramus denomina de “situações de medição”. Tais situações
norteiam o leitor de como fazer medições em problemas envolvendo grandezas
como comprimento, altura ou largura, sendo explorados separadamente.
Assim, tal estudo se configura como uma pesquisa aplicada, pois visa
“gerar conhecimentos para aplicação prática dirigidos à solução de problemas
específicos” (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 51). Com isso, primamos pela
abordagem qualitativa, posto que a mesma dispõe de elementos discursivos, que
podem ser explorados com mais detalhamento ao longo do escrito. Ademais,
segundo Prodanov e Freitas (2013, p. 70), na pesquisa qualitativa, “os
pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente, [pois] o processo e
seu significado são os focos principais de abordagem”.
332É referente ao vírus respiratório que foi descoberto no final do ano de 2019 e que está
assolando a população mundial.
1032
Com isso, a fim de contemplar os objetivos de nossa investigação,
primamos pelo método descritivo, já que o pesquisador registra e descreve
acontecimentos observados ao longo de uma vivência, sem nenhuma
interferência direta (PRODANOV; FREITAS, 2013). Ainda a esse respeito,
Prodanov e Freitas (2013, p. 52) alegam que tal metodologia visa “descrever as
características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de
relações entre variáveis”.
Nessa perspectiva, adotamos alguns procedimentos metodológicos que
nos auxiliaram no recolhimento de alguns dados, como organização, tratamento
e análise dos mesmos. Entre tais estratégias disponíveis, decidimos explorar
métodos do levantamento que foi feito da atividade de um dos módulos do curso,
com o intuito de obter a precisão desejada.
Assim, em uma das etapas, utilizamos o levantamento, já que “esse tipo
de pesquisa ocorre quando envolve a interrogação direta das pessoas cujo
comportamento desejamos conhecer através de algum tipo de questionário”
(PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 57). Logo, a técnica permitiu questionar por
meio de um relatório a respeito de questões geradoras em relação a instruções
de uso do instrumento báculo.
A respeito do aporte teórico, destacamos os estudos de Pereira e Saito
(2019), que nos deram a compreensão de como construir uma interface entre
história e ensino de matemática. Atrelado a isso, embasamo-nos nas pesquisas
de Silva, Nascimento e Pereira (2018), que chamam a nossa atenção ao
realizarem tratamentos didáticos em fontes históricas, ambientadas entre os
séculos XVI e XVII.
Destacamos, ainda, como base da pesquisa, o tratado Via regia ad
geometriam, que trazia em sua estrutura conteudista orientações da construção,
uso e procedimentos de medição do instrumento báculo. Concomitante a isso,
os estudos realizados por Silva e Pereira (2020b) serviram como facilitadores na
compressão de aspectos contextuais e matemáticos do documento histórico,
junto ao instrumento.
Logo, enfatizamos que o caminho metodológico seguido foi de extrema
1033
importância, dando-nos uma direção para conseguirmos dar prosseguimento
com as etapas do estudo, com vistas a alcançar os resultados. Além disso,
garantimos que a pesquisa foi alicerçada em recentes investigações, que
possuem uma grande bagagem literária, fornecendo noções relevantes à nossa
perspectiva.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
333
Que fora realizada no módulo 2.
1034
Fonte: Pereira e Saito, 2019.
334 O terceiro tubo serve para a transversal deslizar de um lado para o outro.
335 Já o tubo alternado embaixo dele serve para o indicador deslizar para baixo e para cima.
336 Tal plano visual começa a ser formado a partir do posicionamento na aleta do segundo tubo
em um dos olhos do usuário, que tenha melhor precisão na hora de mirar na grandeza a ser
medida.
337 Um cartão que continha o texto original traduzido, a partir do excerto de Petrus Ramus, com
adaptações necessárias ao entendimento.
1035
Fonte: Elaborada pelos autores.
1036
Quanto aos condicionantes manipulativos do instrumento, deram
̅̅̅̅) era um fator determinante
indícios de que a haste da transversal (segmento 𝑬𝑭
para o posicionamento, posto que a mesma deve preencher o que vai ser
medido338, podendo ser disposta horizontalmente e verticalmente, influenciando
̅̅̅̅).
diretamente na posição do bastão do indicador (segmento 𝑫𝑰
Também foi explorado a respeito do fio de prumo, em que os cursistas
definiram como um aparato auxiliar, que garantiria, ao medidor, o paralelismo e
a perpendicularidade das hastes do báculo, em relação a grandeza a ser medida.
Em nosso exemplo na Figura 2, temos que a transversal é paralela a altura da
árvore e o indicador é perpendicular a essa mesma altura, podendo acontecer
também o contrário.
Em relação ao posicionamento do usuário, junto ao báculo, foi dado
destaque a algumas maneiras de posição que devem ser obedecidas de acordo
com cada situação. Os alunos indicaram que tanto comprimento quanto altura
possuem três formas de medir, concretizando um tríplice 339 de medição.
Entretanto, ao se referirem à largura, indicaram que só existia uma única forma
de medi-la, senão por duas posições, sendo um caso inusitado.
Apesar de grande parte dos alunos ter identificado os quesitos descritos
precedentemente, outros cursistas enviaram propostas equivocadas que não
corresponderam ao que foi pedido na atividade. Um deles, durante todo o
relatório, procurou descrever apenas as dificuldades encontradas na leitura do
excerto do módulo. Outros participantes tiveram uma fuga por completo,
relatando coisas correspondentes ao módulo posterior.
Assim, percebemos que alguns elementos matemáticos estão presentes
nas orientações de uso do báculo, a partir do que foi elencado pelos cursistas.
Entre eles, destacamos os de perpendicularidade, ângulos na inclinação do
instrumento, posição relativas horizontais e verticais, junto ao paralelismo. Tais
338 Referente ao objeto que está no campo de visão do usuário, em nosso caso, a altura da
árvore.
339 Em relação às três maneiras de medição das grandezas destacadas. Para mais
informações e entendimento dessa denominação, vide Silva e Pereira (2020a).
1037
entes são mobilizados para a medição de grandezas usuais que podem ser
recorrentes ao ensino de matemática, visando suas aplicações práticas com um
planejamento elaborado.
À vista disso, constatamos que o assunto explorado, no decorrer do
módulo, foi de extrema importância, dado que deu aos alunos uma noção inicial
de posturas adotadas na utilização do báculo, contemplando o objetivo geral.
Ademais, observamos que cursistas conseguiram chegar a um consenso em
todas as afirmações postas, fazendo com que os debates da videoconferência
fossem proveitosos e os ajudassem na construção do relatório destinado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1038
Desse modo, ressaltamos que a interface entre história e ensino de
matemática tem um grande valor para o professor, pois permite que o mesmo
possa ter um contanto com outras práticas que complementem o ensino. Para
mais, proporciona uma mobilização de conceitos da matemática com
conhecimentos práticos, que juntos podem diversificar cada vez mais as
metodologias educacionais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SILVA, Francisco Hemerson Brito da; PEREIRA, Ana Carolina Costa. O legado
de Petrus Ramus e o tratado Via Regia ad Geometriam. Boletim Cearense de
Educação e História da Matemática, Fortaleza, v. 7, n. 20, p. 158-169, 11 jul.
2020b.
SILVA, Isabelle Coelho da; NASCIMENTO, Josenildo Silva do; PEREIRA, Ana
Carolina Costa. Estudando equação do 1o grau por meio do uso de fontes
históricas: o papiro de Rhind. Boletim Cearense de Educação e História da
Matemática, Fortaleza, v. 2, n. 6, p. 37-48, 31 maio 2018.
1039
ALGUNS ASPECTOS GERAIS DO INSTRUMENTO RÉGUA DE
CARPINTEIRO DE LEONARD DIGGES (1520-1559)
RESUMO
Nas últimas décadas, pesquisadores brasileiros têm desenvolvido estudos a respeito da
incorporação de documentos originais ao ensino de matemática, como forma de
contribuir com a disseminação de recursos provenientes da história da matemática.
Dentre tais documentos, encontra-se o tratado A Booke Named Tectonicon, escrito e
publicado em Londres, no ano de 1556, pelo inglês Leonard Digges (1520-1559), cuja
temática aborda a construção e manipulação de três instrumentos matemáticos, o
báculo (cross-staffe), a régua de carpinteiro (carpenters ruler) e o esquadro de
carpinteiro (carpenters square). A partir disso, esse estudo tem o objetivo de apresentar
alguns aspectos gerais do instrumento régua de carpinteiro de Leonard Digges, contido
no tratado A Booke Named Tectonicon (1556). Para isso, realizou-se uma pesquisa
qualitativa de cunho documental, apoiada a um estudo bibliográfico em fontes
secundárias, cuja temática está relacionada ao autor e a obra. Com base nisso, foi
possível observar que estão associados ao processo de construção física da régua
conceitos matemáticos que estão presentes até os dias de hoje na educação básica,
como as unidades de medida. Dessa forma, observa-se no processo de elaboração do
instrumento régua de carpinteiro, itens potencialmente didáticos para o ensino de
matemática, principalmente voltados para a incorporação de instrumentos matemáticos
ao ensino.
INTRODUÇÃO
Recentes investigações na área de história da matemática 342 têm
voltado seus focos para o estudo das possíveis potencialidades didáticas
presentes no processo de incorporação de documentos originais ao ensino de
340
Universidade Estadual do Ceará (UECE). sabrina.paulino@aluno.uece.br .
341
Universidade Estadual do Ceará (UECE). carolina.pereira@uece.br .
342 (
PAULINO; ARGEMIRO FILHO; PEREIRA, 2020; PEREIRA e SAITO, 2018; SILVA, 2018).
1040
matemática, como forma de construir uma interface entra a história da
matemática e o ensino. Segundo Pereira e Saito (2019, p.5),
Nesse sentido, Saito (2015), ainda ressalta que tais documentos, não
são necessariamente apenas textos escritos, mas, monumentos, máquinas,
fotos, instrumentos e etc. A partir disso, a utilização desses artefatos históricos
vem sendo considerada uma grande ferramenta no processo de construção de
uma aliança entre a história e o ensino de matemática.
Dessa forma, nas últimas décadas, tais artefatos históricos têm recebido
cada vez mais atenção por parte de pesquisadores, em especial, para esse
estudo, destacam-se os instrumentos matemáticos, de modo que, tem-se
realizado diversos estudos a respeito dos conhecimentos matemáticos e
relacionados à matemática incorporados a eles (PEREIRA, BATISTA e SILVA,
2017; CASTILLO, 2016; SAITO, 2019).
A esse respeito, Saito (2019, p.4), explica que
1041
matemáticas, também apresentam as formas de construção e manipulação de
três instrumentos de medida, a saber, o báculo (cross-staffe), a régua de
carpinteiro (carpenters ruler) e o esquadro de carpinteiro (carpenters squire).
Nesse sentido, esse estudo tem o intuito de apresentar alguns dos
aspectos gerais do instrumento régua de carpinteiro de Leonard Digges (1520-
1559), contido no tratado A Booke Named Tectonicon (1556).
METODOLOGIA
A fim de que o objetivo proposto fosse alcançado, realizou-se uma
tradução e leitura da obra original, A Booke Named Tectonicon (figura 1), escrita
e publicada pela primeira vez em Londres, no ano de 1556 343, de autoria do
inglês praticante das matemáticas, Leonard Digges (1520 – 1559).
343 Vale ressaltar que para esse estudo foi utilizada como fonte primária a edição do tratado publicada em
1605.
1042
A partir disso, seguiu-se uma metodologia qualitativa de cunho
documental, que segundo Kripka, Scheller e Bonotto (2015, p.58), ocorre quando
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dentre os instrumentos apresentados no tratado A Booke Named
Tectonicon (1605), destaca-se para esse estudo a régua de carpinteiro (figura
2), apresentada no capítulo XII de Tectonicon. No que se refere a sua
construção, Digges (1605) ressalta que poucas palavras serão expressas, uma
vez que a régua era um instrumento comum para os profissionais daquele
período.
1043
Nesse sentido, Digges (1605), inicia o capítulo XII apresentando
instruções a respeito da construção física do instrumento, ele ressalta que
344 Em inglês, lê-se: “[…] a b c d well planned, twelve inches long, a quarter of an inch thick, and two
inches in breadth. Truly it were more commodious, if it had two foot in length. This ruler here imagined but
a foot in lenght […]” (DIGGES, 1605, XII, p.1).
1044
Fonte: Elaborado pelas autoras
345 Em inglês, lê-se: “This other figure. i.k.l.m. is the backside of your Ruler, having in the middes a
geometrical quadrant. n.o.p.q. whose making in few words is thus expressed” (DIGGES, 1605, XIII, p.1).
1045
Fonte: Digges 1605, XII, p.2, destaque nosso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das informações fornecidas por Digges (1605), a respeito do
processo de fabricação do instrumento régua de carpinteiro, podem ser
observados itens potencialmente didáticos ao ensino de matemática presentes
346 Em inglês, lê-se: “[…] in few words is thus expressed […]” (DIGGES, 1605, XIII, p.1).
1046
nessa construção, uma vez que diversos conceitos como o de unidades de
medidas e frações, são mobilizados.
É importante ressaltar, que o estudo aqui apresentado é o recorte de uma
pesquisa maior, que tem por objetivo investigar os instrumentos régua de
carpinteiro, esquadro de carpinteiro e báculo, contidos no tratado A Booke
Named Tectonicon. Dessa forma, um próximo passo para esse estudo, que
ainda está em andamento, é realizar a reconstrução física do instrumento régua
de carpinteiro, para que assim seja possível compreender, de fato, as instruções
matemáticas e extra matemáticas fornecidas por Digges (1605).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1047
SAITO, Fumikazu. História da matemática e suas (re)construções
contextuais. São Paulo: Ed. Livraria da Física/SBHMat, 2015. [ISBN: 978-85-
7861-372-3]
1048
Breves considerações sobre os 23 Problemas de Hilbert
RESUMO
No ano de 1900, David Hilbert apresentou no II Congresso Internacional de
Matemáticos, 23 problemas que poderiam guiar os rumos da Matemática do
século XX. Considerando a relevância destes para a Matemática do século
passado, realizamos a presente investigação com o objetivo de identificar os 23
problemas propostos por Hilbert e tecer breves considerações sobre suas
contribuições para a Matemática no século XX. Para tanto, realizamos uma
pesquisa bibliográfica acerca da vida e obra de Hilbert, bem como, sobre os 23
problemas propostos por ele. Buscamos, também, identificar quais destes foram
solucionados, os estudiosos que desenvolveram tais soluções e as contribuições
destas para o desenvolvimento da Matemática no século XX. Dos 23 problemas
propostos, identificamos que 14 são considerados resolvidos; dois foram
parcialmente resolvidos e sete ainda se encontram em aberto. Pudemos
identificar que matemáticos provenientes de diversas nacionalidades, ao longo
de todo o século XX, se dedicaram a resolver estes problemas e destacamos a
relevância destes problemas para a Matemática, por terem contribuído para o
desenvolvimento de novos ramos desta ciência, novas técnicas e teorias.
INTRODUÇÃO
347
Licenciado em Matemática pela Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI). bruno.cmn@unifei.edu.br
348
Docente do Instituto de Matemática e Computação da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI).
mfcavalari@unifei.edu.br
1049
No século XIX houve um grande desenvolvimento da Matemática de
modo que para D’Ambrosio (2005, p. 131), tal período “[...] pode ser visto como
o século da consolidação da Matemática Ocidental, desenvolvida a partir da
Antiguidade”. No final deste século teve-se “[...] um impressionante
conhecimento científico ancorado numa Matemática rigorosamente
fundamentada” (D’AMBROSIO, 2005, p. 2).
Neste contexto do final do século XIX e início do século XX, podemos
destacar o matemático David Hilbert que além de elaborar importantes trabalhos
em variadas áreas da Matemática, contribuiu para o desenvolvimento da
Matemática por meio da apresentação dos “23 problemas de Hilbert”.
Estes problemas propostos por Hilbert, em 1900, tinham o objetivo traçar
novos rumos para a Matemática que estaria por ser desenvolvida no século que
se iniciara (DA SILVA, 2007).
De fato, diversos matemáticos(as) se empenharam em solucionar esses
problemas ao longo do século XX. Desta forma, corroboramos a D’Ambrosio
(2005, p. 2), que afirma que
Os 23 problemas de Hilbert constituíram-se em algo equivalente
a um vademecum para os pesquisadores matemáticos do século
XX. A matemática aceitou o desafio de Hilbert e, durante todo
um século, os esforços resultaram na criação e no
desenvolvimento de novas teorias e de novas técnicas, que
foram incorporadas ao majestoso edifício.
349Este trabalho apresenta resultados parciais de uma Iniciação Científica desenvolvida, pelo
primeiro autor, sob a supervisão da co-autora, na UNIFEI.
1050
Desta forma, para apresentar os resultados desta investigação, o
presente trabalho se divide em duas partes, sendo que na primeira
apresentamos uma breve biografia de David Hilbert, evidenciando suas
principais áreas de pesquisa e na segunda, expomos os seus 23 problemas,
destacando a situação em que se encontram atualmente, os matemáticos que
resolveram tais problemas e os impactos desses problemas para o cenário
matemático do século XX.
1051
Hilbert era amigo próximo de Adolf Hurwitz (1859 - 1919), professor da
Universidade de Königsberg, e de acordo com O’Connor e Robertson (2014),
esta amizade foi um dos fatores determinantes para o seu progresso
matemático. Destacamos, entretanto, que o orientador de doutoramento de
Hilbert foi outro docente da universidade, Ferdinand von Lindemann (1852 -
1939). Sua tese intitulada Über invariante Eigenschaften specieller binärer
Formen, insbesondere der Kugelfunctionen (Sobre propriedades invariantes de
formas binárias especiais, em particular das funções esféricas) foi defendida em
1884.
Posteriormente, em 1892, foi nomeado Ausserordentlicher Professor
(Professor Associado) na Universidade de Königsberg, sucedendo seu professor
e amigo Adolf Hurwitz e no ano seguinte avançou para o cargo de professor
titular.
Por influência de Felix Klein 350 (1849 - 1925), Hilbert foi convidado, a
lecionar na Universidade de Göttingen em 1895, atuando nesta instituição até o
fim de sua carreira. Em 1928, foi eleito como membro estrangeiro da Royal
Society of London e posteriormente, no ano de 1930, se aposentou (O’CONNOR
E ROBERTSON, 2014).
Segundo Weyl (1944), David Hilbert deixou um legado de pesquisas em
variadas áreas da Matemática e também na física, seus trabalhos usam uma
abordagem Matemática simples, entretanto rigorosa e profunda. O mesmo autor
afirma que Hilbert desenvolveu trabalhos acerca da Teoria dos Invariantes
durante o período de 1885 até 1893; da Teoria dos Campos Numéricos
Algébricos durante o período de 1893 até 1898, dos Fundamentos da Geometria
durante o período de 1898 até 1902 e da Matemática em geral durante o período
de 1922 até 1930; das Equações Integrais durante o período de 1902 até 1912
e, também, realizou estudos na área de Física durante o período de 1910 até
1922. Neste sentido, para Weyl (1944, p. 548, tradução nossa) “[...] a pesquisa
1052
de Hilbert deixou uma marca indelével em praticamente todos os ramos da
ciência Matemática” 351.
Em especial, destacamos que a fundamentação da Geometria elaborada
por Hilbert, influenciou o desenvolvimento da geometria 352 e, também, o da
Matemática como um todo353 (WUSSING, 1998).
Além disto, destacamos a relevância dos problemas propostos por ele no
II Congresso Internacional de Matemáticos, sendo que estes serão abordados
no item subsequente.
351 Oferecemos o trecho original “[...] Hilbert’s research left an indelible imprint on practically all
branches of mathematical science”.
352
O trabalho de Hilbert abriu um caminho para o desenvolvimento de pesquisas na área de
fundamentos da geometria que, até o final do século XX, ainda possuíam problemas em aberto
(WUSSING, 1998).
Em especial, a questões relativas à metodologia da pesquisa Matemática (WUSSING,
353
1998).
1053
Dessa forma, para este matemático um ramo da ciência continuará sendo
essencial enquanto apresentar problemas.
Os 23 problemas apresentados por Hilbert no II Congresso Internacional
de Matemáticos foram:
1. Problema de Cantor sobre a potência do Continuum
2. A não contradição dos axiomas da aritmética
3. A igualdade do volume de dois tetraedros com a mesmas
áreas da base e mesmas alturas
4. O problema da linha reta como a menor distância entre dois
pontos
5. A noção de grupo contínuo de transformações de Lie sem a
hipótese da diferenciabilidade das funções definidoras dos
grupos
6. Tratamento matemático para os axiomas da física
7. Irracionalidade e transcendência de determinados números
8. O problema de números primos
9. Prova da mais geral lei de reciprocidade em um corpo
numérico qualquer
10. A decisão sobre a resolubilidade de uma equação diofantina
11. Formas quadráticas com quaisquer coeficientes numéricos
algébricos
12. Extensão do teorema de Kronecker sobre corpos abelianos
a um domínio de racionalidade algébrica qualquer
13. Impossibilidade da resolução da equação geral do sétimo
grau através de funções de somente 2 argumentos
14. Prova da finitude de certos sistemas de funções completos
15. Fundamentação rigorosa do cálculo enumerativo de
Schubert
16. Problema da topologia de curvas e superfícies algébricas
17. Representação de formas definidas através de quadrados
18. Construção do espaço a partir de poliedros congruentes
19. As soluções de problemas regulares no cálculo de variações
são sempre necessariamente analíticas?
20. Problemas gerais dos valores de fronteira
21. Demonstração da existência de equações diferenciais
lineares tendo grupo monodrômico prescrito
22. Uniformização de relações analíticas por meio de funções
automórfas
23. Mais desenvolvimento dos métodos do cálculo de variações
(HILBERT, 2003, p. 11-12)
1054
QUADRO 1 – Os 23 problemas de Hilbert e informações sobre suas soluções
Número do Situação Quem solucionou Período da
Problema solução
Problema 1 Resolvido Paul Cohen 1963 - 1964
Problema 2 Resolvido Kurt Gödel 1931
Problema 3 Resolvido Max Dehn 1900
Problema 4 Aberto
Problema 5 Resolvido Andrew Mattei Gleason, Deane 1952
Montgomery e Leo Zipin
Problema 6 Aberto
Problema 7 Resolvido Aleksandr Osipovich Gelfond e Theodor 1929/1934
Schneider (de forma independente)
Problema 8 Aberto
Problema 9 Resolvido Emil Artin 1927
Problema 10 Resolvido Yuri V. Matiyasevich 1970
Problema 11 Resolvido Helmut Hasse 1923
Problema 12 Aberto
Problema 13 Resolvido Andrey N. Kolmogorov e Vladimir I. 1957
Arnold
Problema 14 Resolvido Masayoshi Nagata 1958
Problema 15 Parcialmente
resolvido
Problema 16 Parcialmente
resolvido
Problema 17 Resolvido Emil Artin 1927
Problema 18 Aberto
Problema 19 Resolvido Sergei N. Bernstein 1904
Problema 20 Aberto
Problema 21 Resolvido Andrei Bolibruch 1989
Problema 22 Resolvido Paul Koebe 1907
Problema 23 Aberto
Fonte: Autoria própria com base em Yandell (2002)
Com base nos dados obtidos neste quadro, podemos identificar que
dentre os 23 problemas propostos por Hilbert, sete encontram-se em aberto, dois
estão parcialmente resolvidos e 14 deles são considerados resolvidos.
Destacamos que em muitas destas soluções foram utilizados conhecimentos
elaborados previamente por outros matemáticos, fato que indica, que há outros
pesquisadores que contribuíram para a resolução destes problemas de forma
indireta354.
354Como exemplo, podemos citar a contribuição de Julia Robinson (1919 - 1985) para a
resolução do décimo problema.
1055
No quadro 2, a seguir, apresentamos informações relativas à
nacionalidade dos matemáticos que resolveram tais problemas.
1056
que não tinha o mesmo status que os demais” (CONDE, 2003, p. 41). Entretanto,
para este autor, “Tal impressão vem mudando uma vez que o mesmo vem dando
origens a desenvolvimento relevantes em outras áreas da Matemática e criando
novos problemas ainda abertos” (CONDE, 2003, p. 41).
Com relação ao 17° problema, Reznick (2000) indica que na década de
1950, portanto, mais de uma década após este problema ser solucionado, A.
Robinson (1918 - 1974) apresentou que havia uma grande conexão entre este
problema e a lógica. Tal conexão foi evidenciada por Charles Neal Delzell (1953
- ) que “[...] escreveu uma história detalhada e recente do interconjunto dos
lógicos no 17º problema de Hilbert” (REZNICK, 2000, p. 256, tradução nossa).
Assim, para finalizar, podemos destacar que a realização desta
investigação possibilitou identificar que as resoluções dos problemas e/ou suas
tentativas, possibilitaram o surgimento de novas técnicas e teorias que foram
importantes para o progresso da Matemática nos séculos posteriores.
Considerações finais
1057
desenvolvimento da Matemática já que áreas de estudos surgiram em
decorrência da busca por suas soluções.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
YANDELL, B. The honors class: Hilbert's problems and their solvers. CRC Press,
2002.
1058
HISTÓRIA DA ASTRONOMIA:
um breve estudo ao longo das antigas civilizações
RESUMO
Esta pesquisa faz parte de um trabalho realizado como instrumento avaliativo na
disciplina História da Matemática do curso de Matemática de uma Universidade Pública
do estado de Minas Gerais. O tema escolhido foi acerca do início da Astronomia em
interface com a matemática nas antigas civilizações, tendo como objetivo destacar o
modo como a matemática era utilizada e conhecida pelas culturas de alguns povos. Em
uma perspectiva qualitativa de pesquisa, utilizou-se como metodologia a pesquisa
bibliográfica. A partir das fontes consultadas, foi possível observar o avanço do
conhecimento científico e os impactos de diferentes pensamentos para chegar no que
hoje se conhece por Astronomia e Matemática. Algumas civilizações receberam
destaque ao longo do trabalho, sendo elas: Mesopotâmia, Egito e Índia. O estudo
proporcionou a verificação de que as ideias da Astronomia sempre estiveram presentes
na humanidade, mesmo antes de ser conhecida com esse termo, tendo a matemática
como elemento essencial para a constituição de ideias nesse campo.
INTRODUÇÃO
355
ICENP - UFU. beatrizfjdp@hotmail.com
356
ICENP – UFU. criscopp@ufu.br
1059
palavras astron (astro), usada para designar uma constelação ou qualquer grupo
de estrelas, que quando ligada ao termo nemo (observação) dão significado a
essa ciência (YUN, 2000).
O desenvolvimento da Astronomia aconteceu, inicialmente, no mundo
pré-histórico, pela necessidade de sobrevivência, esse povo se interessou em
observar os fenômenos que ocorriam à sua volta. De igual modo, tentou
compreendê-los num ambiente natural, observando fatos como o deslocamento
do sol em relação ao horizonte e sua relação com a “claridade” e a “escuridão”,
além das fases da Lua.
Os povos começaram a perceber que todos esses fenômenos tinham
uma regularidade de ocorrência, assim era possível determinar a passagem do
tempo. Com isso, o céu começou a ser utilizado como referência de períodos,
elaborando relógios, calendários e mapas. Kartttunen (2003 apud VOLCAN,
2007, p.5), afirma que existem indícios que há cerca de 30.000 anos atrás o
homem de Cro-Magnon já teria realizado marcações em ossos de animais
descrevendo as fases da lua.
Com esses conhecimentos sobre as mudanças no ambiente decorrentes
da influência dos astros, o homem da antiguidade percebeu que poderia utilizar
as estrelas para orientar-se em suas viagens. O advento da navegação também
foi fundamental no aprimoramento da Astronomia como corpo de conhecimento
(INPE, 2018, p.1-12). A Astronomia se tornou uma ciência útil para a sociedade
com diversas aplicações.
De acordo com Gonçalves et al. (2007), os gregos desenvolveram a
Astronomia como um ramo da Matemática, assim essas ciências sempre
estiveram presentes na história da humanidade. Vários axiomas, proposições,
teoremas, afirmações matemáticas são relacionados com observações
astronômicas. Podemos então observar, por um lado, que a Astronomia
influenciou a humanidade no passado estimulando o desenvolvimento da
Matemática. Por outro lado, a Matemática contribuiu para o desenvolvimento da
Astronomia, permitindo a quantificação e previsão de fenômenos astronômicos.
1060
Assim, esta pesquisa visou investigar a origem e os avanços que a
Astronomia realizou ao longo da humanidade, perpassando por algumas
civilizações que contribuíram para que os estudos dessa ciência se
desenvolvessem. Essa busca deu-se pelo caminho metodológico e qualitativo
da pesquisa bibliográfica. Ao longo deste trabalho serão apresentadas as
principais ideias dos astrônomos que viveram em algumas civilizações, sendo
elas: a Mesopotâmia, Egito e Índia. Os elementos que serão compartilhados são
oriundos de um trabalho final desenvolvido na disciplina de História da
Matemática em um curso de licenciatura em Matemática em uma Universidade
pública no estado de Minas Gerais.
PRIMEIROS REGISTROS
1061
Por meio desse estudo, descobriu-se indícios de marcações das fases
da lua. O primeiro calendário lunar da história (Figura 1) registrado em uma talha
de ossos do Paleolítico (35 000 anos a.C.), que foi encontrado nos abrigos
Blanchard. As taças representariam exatamente as diferentes fases e posições
da Lua a partir do local onde o objeto foi descoberto, dessa forma o homem de
Cro-Magnon buscava decifrar as mensagens do céu (MARSHACK, 1972).
1062
Figura 20: Osso de Ishango
ASTRONOMIA NA MESOPOTÂMIA
1063
(2018, p. 1-11), no começo os sumerianos observaram os astros por interesses
místicos, contudo, posteriormente passaram de astrólogos a astrônomos. Essa
mudança na análise dos fenômenos celestes ocorreu no primeiro milênio antes
de Cristo, os Babilônios conseguiram registrar a presença de cinco planetas
visíveis a olho nu, sendo eles: Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno.
Com isso, surgiram as primeiras aplicações de métodos matemáticos
para definir as variações observadas nos movimentos da Lua e dos planetas.
Esse movimento foi essencial na história da ciência na Mesopotâmia, foi possível
determinar período da lunação, o período do movimento do Sol, a inclinação da
trajetória anual do Sol pela eclíptica, e ainda observaram que a velocidade da
Lua em seu movimento ao redor da Terra não era constante. Começaram a
prever eclipses, comprovaram que os planetas são encontrados sempre numa
mesma região do céu, entre outras constatações.
De acordo com Roque (2012, p. 41), os cálculos astronômicos da época
eram realizados através do sistema sexagesimal posicional, com a simbologia
distinta. Os astrônomos dessa civilização, introduziram uma primeira possível
representação para o zero, ou seja, uma coluna vazia. Observe o exemplo que
a autora apresenta:
O símbolo usado como separador pode ser confundido com “zero”, que
conhecemos hoje, em uma função no sistema posicional. Porém, ele não poderia
ser usado como último algarismo e nem apresentar o resultado de um cálculo.
1064
Assim, antes mesmo do zero ser definido como um número, o que aconteceu
anos depois, ele tinha semelhanças com o separador (índice de uma casa vazia)
nas operações aritméticas (ROQUE, 2012, P. 42).
1065
dia em 10 horas, com duas horas a mais no crepúsculo. No século XII a.C. as
horas sazonais passaram a serem fixas, há indícios de que as durações dos dias
tinham 24 horas, onde 6 horas era para a noite e 18 horas para o dia.
ASTRONOMIA NA ÍNDIA
1066
gregas, devido ao contato com o império romano. Os autores
integravam elementos de sua tradição matemática – como
conceitos sobre a astronomia e o calendário, bem como o
sistema posicional decimal – a outros componentes, adaptados
das obras gregas – como a trigonometria plana, os modelos
cosmológicos geocêntricos (como os de Ptolomeu) e a
astrologia (ROQUE, 2012, p.189).
CONSIDERAÇÕES
1067
conhecimento que envolvia a Astronomia, além de verificar a importância que a
Matemática teve durante este processo para o desenvolvimento dessa ciência.
Além disso, por meio desse estudo foi possível observar como a
interação entre diferentes civilizações foi essencial para a divulgação do
conhecimento científico. É notório que esses estudos iniciais foram essenciais
para que hoje pudéssemos discutir temas como o heliocentrismo, o formato da
terra, e até mesmo a expansão do Universo.
As primeiras civilizações foram responsáveis por mostrar o caminho do
conhecimento, sem elas não seria possível falarmos de Tales de Mileto (~624-
546 a.C.), Aristarcos de Samos (310-230 a.C.), Ptolomeu (87-150 d.C.), Nicolau
Copérnico (1473 - 1543), Johannes Kepler (1571 - 1630), Galileo Galilei (1564 -
1642), Isaac Newton (1643 - 1727), Albert Einstein (1879-1955), Cecilia Payne
(1900-1979), dentre outros cientistas que tornaram possível o conhecimento que
temos hoje acerca do que entendemos por Universo.
Espera-se que a partir do conhecimento construído ao longo deste
estudo, da origem e ideias que fizeram e fazem parte da humanidade, instigue e
inspire, não somente os estudiosos da história da Astronomia, mas também
professores e futuros professores, tanto em Matemática, quanto em outras áreas
da ciência. E que haja interesse em abordar o tema, com o objetivo de ampliar e
discutir as primeiras ideias que as civilizações tinham do universo em sala de
aula.
REFERÊNCIAS
1068
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Introdução à Astronomia e
Astrofísica. São Paulo, 2018. Apostila. Disponível em:
<http://www.inpe.br/ciaa2018/arquivos/pdfs/apostila_completa_2018.pdf>.
Acesso: 15 set. 2020.
1069
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA:
elaboração de uma bibliografia por meio da experiência de um professor
RESUMO
Este trabalho refere-se a um projeto que tem por finalidade desenvolver uma obra
específica em História da Matemática e que está sendo elaborado pelos professores
doutores Carlos Roberto de Moraes, Sergio Roberto Nobre e Angelica Raiz Calabria.
Nosso objetivo é escrever esse material por meio das notas de aulas da disciplina de
História da Matemática lecionadas pelo Professor Sergio, como também se basear em
suas pesquisas na área de História da Matemática. Num primeiro momento, temos as
notas de aulas desse professor e suas orientações para podermos proceder e iniciar o
trabalho. Nesse sentido, junto com o professor Sergio, buscamos formar um material
diferenciado, no qual pretendemos utilizar fontes confiáveis, indicadas por esse
professor, e que tenhamos um resultado distinto do que encontramos atualmente nas
bibliografias referentes a História da Matemática. Nessa perspectiva, conjecturamos
estar contribuindo com a escrita da História da Matemática e acrescentando referências
bibliográficas referentes a historiografia matemática em língua portuguesa e de autores
brasileiros, ou seja, este trabalho está inserido no Eixo Temático – História da
Matemática.
INTRODUÇÃO:
1070
História da Matemática, especificamente em História da Matemática no Brasil.
Portanto, este trabalho pertence ao Eixo Temático – História da Matemática.
Tanto o professor Carlos quanto a professora Angelica, no período em
que realizavam a pós-graduação, fizeram estágio docência na disciplina de
História da Matemática lecionada pelo professor Sergio Roberto Nobre, no curso
de Matemática da Universidade Estadual Paulista (UNESP) campus Rio Claro.
Ambos auxiliaram esse professor em sua disciplina bem como elaboraram uma
aula expositiva aos alunos. Em razão dessa experiência com o professor Sergio
e, também, em contato com as aulas de História da Matemática, foi proposto ao
professor Sergio a elaboração de uma bibliografia geral de História da
Matemática que fosse baseada em suas aulas e experiências (tanto como
pesquisador como professor). Assim, pretendemos escrever a História da
Matemática sob a ótica do professor Sergio Roberto Nobre, principal autor desse
material historiográfico.
Outra finalidade desse material é o de complementar a bibliografia, em
língua portuguesa, referente a livros que contemplem conteúdos gerais em
História da Matemática, publicados por autores brasileiros, de forma que esses
conteúdos se apresentem bem estruturados e detalhados, produzidos através
de fontes confiáveis.
O projeto e tem o intuito de preparar um livro-texto que não sirva apenas
para simples consulta daqueles que apreciam conhecer um pouco mais sobre
História da Matemática, mas que seja utilizado como bibliografia para os alunos
do curso de graduação de Matemática que tenham como disciplina a História da
Matemática.
1071
D’Ambrosio, que sempre esteve presente na comunidade internacional de
historiadores da ciência e da matemática, desde a década de 1970. Esse
professor defendia a ideia de renovar a escrita da história da ciência e, para
tanto, anunciou que era indispensável a constituição de uma comunidade
científica de historiadores da ciência, em especial, da História da Matemática
(NOBRE, 2007).
No Brasil, a área de História da Matemática foi se manifestar no final da
década de 1980 e início da década de 1990. Nobre (1997) destaca como sendo
o marco do início ao “profissionalismo” do pesquisador em História da
Matemática, o trabalho de doutorado de Clóvis Pereira da Silva, defendido na
USP em 1989, e com outros trabalhos de doutorado, que estavam sendo
realizados no exterior por pesquisadores brasileiros, relacionados ao tema em
História da Matemática. Dentre estes pesquisadores estavam a professora Circe
Mary Silva da Silva Dynnikov, Fernando Raul de Assis Neto, Seiji Hariki, Sergio
Roberto Nobre, Carlos Ziller Camenietzki. Assim, com a dissertação de
doutoramento de Clóvis e destes pesquisadores e mais a influência do professor
Ubiratan, podemos dizer que, no Brasil, começa o reconhecimento da área de
História da Matemática como campo de investigação.
Pelo exposto, vimos que o professor Sergio Roberto Nobre, foi um dos
responsáveis pelo desenvolvimento da área de investigação em História da
Matemática no Brasil. Além disso, é notório sua repercussão como pesquisador
na comunidade científica internacional. Nesse sentido, reunindo toda sua
experiência tanto de pesquisador como professor, consideramos que
produziremos um material específico em História da Matemática bem
estruturado e com informações confiáveis. Dessa forma, apresentaremos a
seguir uma nota biográfica do professor Sergio e, posteriormente, alguns
aspectos acerca da história da escrita da História da Matemática.
1072
Nota Biográfica do Professor Doutor Sergio Roberto Nobre359
359 Informações obtidas através do Currículo Lattes do Professor Doutor Sergio Roberto Nobre.
1073
Participa como membro da Sociedade Brasileira de História da
Matemática (SBHMat), na qual foi secretário-geral e presidente; da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Sociedade Brasileira de
História da Ciência (SBHC) e é editor da Revista Brasileira de História da
Matemática.
Dentre prêmios e títulos, foi concedido ser membro efetivo da Academia
Internacional de História da Ciência. Possui 20 artigos publicados em periódicos
e 22 livros publicados/organizados ou edições, além de inúmeras outras
publicações bibliográficas. Orientou e supervisionou 19 trabalhos de iniciação
científica, 17 mestrados, 16 doutorados e 3 pós-doutorados. Sua linha de
pesquisa é em História das Ciências e História da Matemática; História e
Educação Matemática e História da Matemática no Brasil.
A intenção de apresentar alguns aspectos da vida acadêmica e
profissional do professor Sergio e, principalmente, no que diz respeito a sua linha
de pesquisa, é buscar evidenciar a sua contribuição na elaboração de um
material que envolva a História da Matemática. A seguir, versaremos,
resumidamente, a história da escrita da História da Matemática, destacando os
principais períodos e obras que envolvem essa área do conhecimento.
1074
áreas da matemática, observamos que existe um número reduzido de obras
escritas por autores brasileiros. Em sua grande maioria, são produções de
autores estrangeiros e, geralmente, é utilizado o original ou suas traduções.
Embora esses livros sejam tradicionais, com bons conteúdos e os mais
consultados, tanto como material básico como para pesquisa, acreditamos que
se faz necessário contribuir à literatura de História da Matemática com
bibliografias em língua portuguesa e de autores brasileiros.
Dessa forma, além das pesquisas específicas em História da Matemática,
com suas diversas vertentes, consideramos relevante conhecer como se deu o
surgimento dos primeiros textos relativos à escrita da História da Matemática,
para que possamos, eventualmente, compreender a forma com que são
apresentados atualmente. Para tanto, nos basearemos em Nobre (2002), onde
o autor nos fornece informações relevantes sobre os textos específicos da
historiografia da matemática.
Nessa perspectiva, Nobre (2002) nos disserta que os primeiros textos
específicos sobre História da Matemática, de maneira semelhante ao que
consultamos atualmente, foram elaborados a partir do século XVII. No entanto,
na Grécia Antiga, há evidências de que Pitágoras (c.580-500) tinha um
determinado interesse pela história das ciências e estima-se que produziu algo
relacionado a esse tema. Porém, nada se conclui, visto que não foi encontrado
fontes que pudessem comprovar tal fato.
Com relação ao período anterior a era Cristã, o único texto específico
sobre História da Matemática foi elaborado por Vitruvius (séc. I a.C.),
denominado Dez livros de arquitetura, no qual o autor relata episódios
relacionados à história das ciências e da matemática. A obra de Vitruvius pode
ser considerada o mais antigo texto relacionado à história da matemática que foi
preservado até os tempos de hoje em sua forma original. (NOBRE, 2002)
Ainda no período que antecede a era Cristã, Nobre (2002) nos diz que há
relatos de outros textos que abordavam assuntos sobre história das ciências e
da matemática, os quais foram elaborados pelo neoplatônico Proclus (c.420-
485), em sua obra Comentários sobre o primeiro livro dos Elementos de
1075
Euclides, onde escreve sobre a existência de dois textos escritos por Eudemus
(4° séc. a.C.) e Geminus (c. 70 a.C.), os dois da ilha de Rhodes.
Outras produções que aparecem aspectos históricos matemáticos são em
enciclopédias, as quais são produzidas desde o século IV a.C. Nessas
produções também são encontradas importantes informações relativas à
historiografia da matemática. Destacamos Diogenes Laertius (≈ séc. III), filósofo
grego, que escreveu um modelo de dicionário no qual continham notas
biográficas sobre os pensamentos e as teorias de filósofos de destaque da
Grécia antiga. (NOBRE, 2002)
O período entre os séculos IV e VI “é marcado pela produção de textos
cujo objetivo central era explicar o pensamento filosófico científico predominante
no período áureo na Grécia. Muitos desses textos são acompanhados de
importantes informações históricas” (NOBRE, 2002, p.10). Nesse período, o
pensador romano de destaque foi Santo Agostinho (354-430) que em alguns
fragmentos de sua obra aponta a relevância da matemática para o conhecimento
e para situações práticas. Além desse pensador, no ramo da matemática, a
ressalva foi para as traduções de Nicomachus de Gerasa (≈ 100 A.D.) realizadas
por Boethius (c. 480-524).
Ainda de acordo com Nobre (2002), a época áurea do desenvolvimento
da história das ciências e da matemática, pode-se dizer, aconteceu na
Renascença, por volta dos séculos XV e XVI, com a invenção da imprensa,
possibilitando a publicação de novas edições das obras clássicas dos
pensadores gregos, como os textos de Euclides, Arquimedes, Pappus,
Ptolomeu, entre outros.
Um dos aspectos relacionados, também, com as pesquisas em história
da matemática diz respeito ao tema biografias de personagens famosos. Já
mencionamos Diogenes Laertius como aquele que registrou diversas dessas
biografias, no entanto, antes dele, Porphyrius (234-?), conhecido por seus
trabalhos na área da filosofia, e seu aluno Iamblichus (≈240-325), com
importantes produções em matemática, escreveram um dos mais antigos textos
biográficos sobre Pitágoras. Em seguida, entre os séculos XVI e XVII foram
1076
produzidos alguns textos biográficos e destacaremos seus autores, que são
relevantes para historiografia das ciências e da matemática. Dentre eles estão:
Giorgio Vasari (1511-1574); Bernardino Baldi (1533-1617); Vincenzo Viviani
(1622-1703) e Niccolò Gherardini (?-1678). (NOBRE, 2002)
As homenagens póstumas dos indivíduos que fizeram parte do
movimento científico, pode ser considerada uma outra maneira de divulgar a
historiografia da matemática. Essas homenagens alcançam seu auge a partir do
século XVII, as quais eram representadas através da publicação das obras
desses indivíduos ou de algum trabalho que ainda não havia sido publicado em
vida.
Diversas pesquisas em história da matemática relacionam-se com os
trabalhos científicos dos jesuítas. Aqueles que elaboravam os textos
matemáticos, buscavam apresentar aos interessados em suas obras uma
perspectiva histórica acerca do conteúdo abordado e dentre esses trabalhos
estão as obras catalográficas, nas quais continham importantes informações
sobre suas atividades. Os jesuítas também contribuíram com a cronologia
histórica da produção dos textos de história da matemática e um deles foi
Christoph Clavius (1538-1612) que elaborou uma edição comentada da obra
Elementos de Euclides e em sua introdução dedica um de seus capítulos ao
início do conhecimento matemático, detalhando a ordem cronológica dos fatos
históricos. (NOBRE, 2002)
Por volta do século XVI, muitos autores de livros com aspectos de textos
escolares, desenvolviam os seus prefácios utilizando assuntos históricos
relativos aos temas apresentados. Dentre esses autores destacamos o filósofo
humanista e protestante calvinista Petrus Ramus (1515-1572); John Wallis
(1616-1703), renomado matemático inglês e o filósofo e matemático Christian
Wolff (1676-1754). (NOBRE, 2002)
Essa parte inicial, apresentada por nós anteriormente, descreve a forma
com que os textos sobre a escrita da história da matemática se desenvolveram.
Contudo, alguns autores procuraram elaborar livros específicos em história da
matemática. De acordo com Nobre (2002), o livro “Histoire des mathématiques”
1077
de Jean Étienne Montucla (1725-1799) é o mais conhecido e, também, o
precursor por apresentar uma estrutura de escrita da história e serviu de modelo
para a elaboração de livros posteriores.
No período entre os séculos XVII e XVIII, foram publicados outros livros
específicos em história da matemática, antes do livro de Montucla. No entanto,
dentre as bibliografias referentes ao tema história da matemática, a obra do
francês Montucla é considerada a mais relevante e comentada desse período.
Com relação ao Brasil, o primeiro texto específico de História da
Matemática é evidenciado por Martins (2015), dissertando sobre Eugênio de
Barros Raja Gabaglia (1862-1919), o autor do livro O mais antigo documento
mathematico conhecido (Papiro Rhind), trabalho publicado no Rio de Janeiro,
em 1899, e pode ser considerada a primeira obra publicada no Brasil dedicada
somente a História da Matemática.
Diante do exposto, o nosso objeto central é elaborar um livro-texto com a
orientação do Professor Sergio Roberto Nobre e que este apresente aspectos
de um livro específico em História da Matemática, em sequência cronológica e
com atividades/questões que sejam teórico-reflexivas baseadas nas atuais
pesquisas da área de História da Matemática. Apresentaremos, junto com os
conteúdos históricos matemáticos, aspectos, principais acontecimentos e
descobertas na área das ciências que envolva a contextualização social e
cultural do momento comentado e notas biográficas dos personagens
relacionados a esses conteúdos.
Além do livro apresentar conteúdos que façam parte da História da
Matemática em seu âmbito geral, nosso material terá uma parte significativa da
produção da História da Matemática no Brasil, que estará destacada em meio
aos conteúdos de história da matemática de âmbito geral, ressalvando a
importância desse campo de investigação para a historiografia da matemática.
Nesse sentido, este trabalho está estruturado, a priori, da seguinte
maneira:
1) Caminhos da Humanidade: um passeio pela História;
2) “Elementos Matemáticos” contidos no trabalho humano;
1078
3) A produção científica dos povos considerados à margem do mundo
ocidental;
4) Desenvolvimento científico na pré-história
5) Conteúdo histórico-científico:
a. Egito e Babilônia.
b. Grécia: as mitologias e a origem do pensamento científico
c. Mundo Romano: personagens e obras matemáticas.
d. China: matemática no mundo oriental.
e. Matemática na Índia
f. Matemática no Oriente Médio – o mundo islâmico
g. Europa:
i.Feudalismo, Cristianismo e as primeiras universidades;
ii.Tradução de obras gregas;
iii.Personagens Matemáticos;
iv.Renascimento: personagens e acontecimentos sócio-científicos;
v.Séculos XV e XVI: Matemática e seus personagens;
vi.Séculos XVI e XVII: construção teórica de alguns ramos da Matemática;
vii.Racionalismo: metade do século XVI – final do século XVIII (início da
institucionalização científica);
viii.Construção dos Métodos Infinitesimais
ix.Cálculo Diferencial e Integral: Newton e Leibniz
x.Séculos XVIII e XIX: iluminismo e desenvolvimento científico.
6) A Matemática desenvolvida no início do século XIX até o século XX.
7) Mulheres na Matemática.
8) História da Matemática no Brasil.
FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
1079
fontes para o início da elaboração do livro-texto e seguindo as orientações do
professor Sergio Roberto Nobre e nos baseando em suas notas de aulas e,
também, em sua vasta experiência (nacional e internacional) como professor
(graduação e pós-graduação) e pesquisador no campo de investigação em
História da Matemática e História da Matemática no Brasil.
RESULTADOS ESPERADOS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1080
etnomatemática, história da matemática, inventário sumário do arquivo pessoal.
Wagner Rodrigues Valente (org.). São Paulo: Annablume; Brasília: CNPq,
2007.
1081
O PROCESSO DE MULTIPLICAÇÃO PRESENTE NO “TABULEIRO DE
XADREZ” DE JOHN NAPIER (1550-1617)
RESUMO
Entre os séculos XV e XVII, com as grandes navegações e a chegada da Idade
Moderna, houve a necessidade de uma matemática mais complexa e, simultaneamente,
prática, que favorecesse o avanço tecnológico e comercial. Tal acontecimento veio a
inspirar os matemáticos da época, que mostravam a preocupação por técnicas práticas
de computação, a fim de facilitar os cálculos, entre eles, John Napier (1550 – 1617).
Napier possui diversos escritos que estavam de acordo com a necessidade de sua
época, porém ressaltamos, aqui, o Rabdologiae, publicado em 1617. Esse tratado
apresenta três instrumentos, sendo eles: as Barras de Calcular (Rods), o Promptuário
(Promptuary) e o Tabuleiro de Xadrez para Aritmética de Localização (Location
Arithmetic). A partir desse último, estamos realizando uma pesquisa qualitativa de cunho
documental, com base na tradução de William Frank Richardson, de 1990, que fora
publicada por Rice, González-Velasco e Corrigan, em 2017, sustentada por um estudo
bibliográfico a respeito do contexto histórico em que o autor e a obra estavam inseridos,
juntamente com os conhecimentos matemáticos do instrumento. Nesse sentido, temos
por objetivo apresentar o Tabuleiro de Xadrez de Napier para a operação de
multiplicação, além de perpassar por alguns processos referentes à sua construção, que
também exibem diversos conceitos matemáticos que podem ser explorados, como
adição, subtração e potenciação, expondo o instrumento como um provável
potencializador pedagógico para o ensino da matemática.
INTRODUÇÃO
1082
A partir da segunda metade do século XV, a Europa passara por um
processo de transição que marcou toda a história, principalmente, no que diz
respeito às ciências. Com as navegações já consolidadas, houve um avanço no
comércio e, por consequência, a ascensão da burguesia, que buscava por
atividades práticas e não só de especulações abstratas.
Todas essas questões influenciaram diretamente no desenvolvimento
matemático, como no comércio, que agora necessitava de uma matemática mais
complexa e menos favorável a erros. Essa necessidade por atividades práticas
inspiraram os matemáticos dos séculos XVI e XVII, que mostravam uma
preocupação por técnicas práticas de computação, como John Napier.
Nessa época, proliferaram oficinas dedicadas à fabricação de
instrumentos que facilitavam a resolução de problemas matemáticos. Esses
dispositivos eram apresentados, muitas vezes, por meio de tratados que
“forneciam instruções para construção e uso de um instrumento específico e
apresentavam ainda a validação matemática do instrumento” (SAITO, 2015,
p.189).
Entre esses tratados, destacamos o Rabdologiae, Seu Numerationis Per
Virgulas Libri Duo: cum appendice de expeditíssimo Multiplicationes
promptuario, quibus acessit e arithmeticea localis liber unus Rabdologiae 362, de
John Napier, publicado em 1617, mesmo ano de sua morte363. O objetivo da
publicação não se diferencia muito das outras que o autor publicou, de cunho
matemático, que seria o de reduzir e facilitar as operações aritméticas.
Na obra, o autor apresenta três instrumentos: a Barra de Calcular, o
Promptuário e o Tabuleiro de Xadrez, sendo o último nosso objeto de pesquisa.
Dessa forma, este trabalho apresenta um estudo que envolve a manipulação do
tabuleiro de xadrez, com base no método da Aritmética de Localização, para a
operação de multiplicação, além de percorrer por algumas técnicas de sua
362Pode ser traduzido como: “Rabdologia, dois livros de contar dinheiro com varetas: com um
apêndice do prontuário de multiplicação muito rápida com a adição de um livro de Aritmética
local” (Napier, 2017, Frontispício, tradução nossa).
363 Para maiores informações sobre o detalhamento do tratado, vide: Martins e Pereira (2018).
1083
construção, buscando expor o instrumento como um possível potencializador
didático para o ensino de matemática.
METODOLOGIA
RESULTADOS E DISCUSSÕES
1084
nossa). Ou seja, quanto maior for o número desejado, mais divisões as laterais
do tabuleiro irão conter.
1085
FIGURA 1: TABULEIRO DE XADREZ DE JOHN NAPIER
1086
o procedimento de conversão dos números comuns 365 para o que o autor
denomina de números de localização ou alfabéticos.
Napier (2017) descreve duas formas de realizar a mudança de um
número natural para o alfabético, porém iremos nos deter a uma delas, a qual
utiliza o processo de divisão por dois. Para esse método, é preciso realizar
sucessivas divisões por meio do número dado e de seus restos, de modo que,
se o número fornecido for ímpar, devemos colocar uma peça na posição a e, em
seguida, subtrair uma unidade desse número e dividir o restante por dois, caso
contrário, se o número fornecido for par, nenhuma peça deve ser colocada na
posição a e será feita somente a divisão com ele.
E assim continuamente, sempre dividindo por dois e, se o resultado for
ímpar, subtraindo uma unidade e colocando uma peça naquela posição, mas, se
o resultado for par, não colocando nada, até que o número dado seja totalmente
usado, chegando à unidade, na qual deve ser colocada uma peça na posição
alcançada. Para melhor compreensão, iremos representar o número 15.
Já que o número fornecido é um número ímpar, devemos colocar uma
peça na posição a e subtrair uma unidade para realizar a divisão com o resultado,
isto é, iremos dividir o número 14 por 2, tendo como resposta o valor 7, que,
novamente, é um número ímpar, da mesma forma, colocaremos uma peça na
posição referente a ele, no caso, a posição b e subtraindo 1 e dividindo por 2,
temos o número 3, também ímpar, após colocar uma peça na posição c,
referente a ele, realizaremos o mesmo processo anterior, chegando ao valor 1,
em que devemos associar uma peça na posição alcançada, a saber: a posição
d. Portanto, teremos usado todo o número e, por meio das peças colocadas no
tabuleiro, dispomos da representação alfabética abcd para o número 15 (Figura
2).
1087
Fonte: Elaborado pelas autoras.
366 Em inglês, lê-se: position means that the components of numbers in local notation nare to be
marked with counters as required (NAPIER, 2017, p.732).
367 Abbreviation means that two counters standing in a certain position are to be replaced by one
1088
essas podem ser trocadas por uma só letra, sendo a última posterior à primeira.
Por exemplo, para abreviar o número abbd, substitua as duas letras b por uma
única c, assim o número em sua forma abreviada é acd. É interessante notarmos
que esse processo não altera o valor do número.
Outro processo essencial para o manuseio do aparato são as formas
como as peças postas nele são movimentadas. Conforme Napier (2017, p.736,
tradução nossa), existem dois modos em que esses movimentos podem ser
realizados, o reto e o diagonal, cujo primeiro é comparado à movimentação da
torre e o segundo à do bispo, no jogo tradicional de xadrez:
368Em inglês, lê-se: Motion or progress on the board is of two types: Direct and diagonal. Direct
motion is parallel to the sides, as the rook moves in chess. (...) Diagonal motion proceeds from
one corner of the board to the diagonally opposite corner or else is parallel to this motion, as the
bishop moves in chess (NAPIER, 2017, p.736).
1089
Quanto ao uso do tabuleiro para a operação de multiplicação, Napier
(2017, p.741, tradução nossa) explica:
1090
Fonte: Napier, 2017, grifos nosso.
1091
FIGURA 4: TABULEIRO DE XADREZ COM O PRODUTO DA
MULTIPLICAÇÃO
CONCLUSÃO
1092
Todavia, esta pesquisa ainda deve continuar, de modo a adentrar em
outras operações que o autor realiza utilizando o instrumento, tal como a
subtração e extrações de raízes quadradas, para que, com isso, possamos
realizar atividades utilizando o aparato.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1093
OS POTENCIAIS OPERACIONAIS PRESENTES NO INSTRUMENTO
PROMPTUARIO DE JOHN NAPIER (1550-1617) - PÔSTERES
RESUMO
Durante a Idade Moderna, período que se iniciou no século XV, inúmeras modificações,
de cunho político, social, científico e econômico, ocorreram. Essas mudanças se deram
pela quebra do padrão que se tinha estabelecido durante a Idade Média e, assim, ao
romper com o modelo anterior, novas necessidades foram postas. Como tentativa de
sanar essas necessidades e com a criação da imprensa, houve uma disseminação de
tratados científicos. Dentre esses tratados, podemos encontrar o Rabdologiae, Seu
Numerationis per Virgulas, publicado em Edimburgo, no ano de 1617 e de autoria do
escocês John Napier. Essa obra aborda três instrumentos matemáticos para cálculos
aritméticos, são eles: as Barras de Calcular, o Promptuario e o Tabuleiro de Xadrez para
a aritmética de localização. Dessa forma, esta pesquisa tem o intuito de expor os
potenciais de operar que estão presentes no instrumento Promptuario e, para isso, está
amparada em uma metodologia qualitativa, de cunho descritivo, adjunta a uma pesquisa
documental e bibliográfica, já que foi utilizada a obra original, em sua versão traduzida
para o inglês, por William Frank Richardson, em 1990, como também nos valemos do
livro The Life and Work of John Napier, publicado em 2017 e do livro John Napier: Life,
Logarithms and Legacy, de 2014. Com isso, foi possível identificar as grandes
capacidades operacionais que esse instrumento possui, bem como compreender as
razões pelas quais ele não foi largamente difundido em seu período. Assim, podemos
perceber que esse aparato, ainda que tenha sido concebido com a intenção de sanar a
necessidade de uma parte da sociedade do período, a de realizar multiplicações longas,
foi pouco explorado no contexto em que estava inserido.
1094
INTRODUÇÃO
As transformações ocorridas no continente europeu, entre os séculos XV
e XVII, impactaram a forma como a sociedade encarava as problemáticas que
surgiam. Essas problemáticas derivaram, principalmente, das mudanças de
cunho político, econômico e científico que aconteceram.
As modificações citadas trouxeram consigo, também, grandes
necessidades, uma vez que se instauraram novos padrões, que, como resultado,
exigiram, de igual modo, a implantação de novos métodos, para que fosse
possível atingir certos objetivos, que, em períodos anteriores, não eram
relevantes.
Dentre esses novos padrões, podemos destacar a expansão comercial
e as consequentes vendas que passaram a ocorrer em larga escala, junto ao
processo de industrialização que estava acontecendo, o que demandava dos
comerciantes uma capacidade de calcular mais robusta do que as que estavam
sendo utilizadas até então.
Ainda, nesse período, a ciência moderna passou a se moldar e
1095
Um dos teóricos que podemos destacar é o escocês John Napier,
nascido no ano de 1550, na cidade de Edimburgo e que, durante a sua vida,
escreveu diversas obras contendo conteúdos matemáticos, inclusive
instrumentos, como o tratado Rabdologiae, Seu Numerationis Per Virgulas...,
publicado em 1617, no mesmo ano da morte do autor.
A obra citada aborda a construção e a utilização de três instrumentos
matemáticos para operações algébricas. São eles: as Barras de Calcular,
conhecidas, popularmente, como Barras de Napier; o Promptuario e o Tabuleiro
de Xadrez para a performance da aritmética de localização.
Por mais que esse tratado contenha esses três instrumentos, esta
pesquisa está pautada somente no instrumento Promptuario, um instrumento
composto por um conjunto de varetas horizontais e verticais e uma caixa, que
permite o cálculo de multiplicações longas e difíceis, de uma forma ágil.
METODOLOGIA
Este estudo está amparado por uma metodologia qualitativa, de cunho
descritivo e que se baseia, principalmente, em uma pesquisa documental, isto é,
“aquela em que os dados obtidos são estritamente provenientes de documentos,
com o objetivo de extrair informações neles contidas, a fim de compreender um
fenômeno” (KRIPKA, SCHELLER e BONOTTO, 2015, p. 244).
O documento original escolhido foi apenas um excerto, o apêndice, do
tratado Rabdologiae, Seu Numerationis Per Virgulas..., que se encontra entre as
páginas 85 e 102 dessa obra, em sua versão em latim, publicada no ano de
1617, na cidade de Edimburgo.
No entanto, utilizamos a versão em inglês, traduzida por William Frank
Richardson, em 1990 e que está contida no livro The Life and Works of John
Napier, que tem a autoria de Brian Rice, Enrique González-Velasco e Alexander
Corrigan, publicado no ano de 2017. Nessa versão em língua inglesa, o excerto
que aborda a construção e a utilização do instrumento Promptuario está entre as
páginas 713 e 726.
1096
Além disso, valemo-nos, também, de uma pesquisa bibliográfica, que,
nas palavras de Gil (2008, p.50), “é desenvolvida a partir de material já
elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científico”, sendo o
referencial bibliográfico o próprio livro citado acima, The Life and Works of John
Napier, bem como a obra John Napier: Life, Logarithms and Legacy, escrita pelo
matemático Julian Havil e publicada em 2014.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Entre as diversas invenções de Napier, estão os seus três instrumentos
voltados para cálculos algébricos, que foram, segundo o autor, desenvolvidos,
especialmente, “para o benefício daqueles que preferem operar com os números
naturais como eles são” (NAPIER, 2017, p. 653, tradução nossa)372, o que revela
certa preocupação do matemático quanto àqueles que utilizavam esses
números, ditos como naturais, no seu cotidiano.
Desses três instrumentos matemáticos, podemos destacar o
Promptuario, um aparato formado por um conjunto (Figura 1), composto por uma
caixa desenvolvida por Napier e um determinado número de varetas verticais e
horizontais, que seguem uma construção373 matemática, descrita pelo autor no
tratado, para que possam ser utilizadas na realização das operações.
372 Em inglês, lê-se: “for the benefit of those who prefer to operate with the natural numbers as they are”
(NAPIER, 2017, p. 653).
373 Quanto à construção, vide: Ribeiro; Cavalcante; Pereira (2020).
1097
FIGURA 1: O CONJUNTO QUE COMPÕE O INSTRUMENTO PROMPTUARIO
374 Em inglês, lê-se: “With its assistance, all multiplications, however long and difficult, can be carried out
easily and quickly” (NAPIER, 2017, p. 713).
375 Em inglês, lê-se: “first be converted into multiplications with the help of sines, tangents, and secants or
1098
mostrado, da mesma forma, um outro potencial existente, já que, com o mesmo
instrumento e apenas realizando transformações trigonométricas, pode-se fazer
uma outra operação distinta.
Ademais, da própria concepção do autor, ainda podemos encontrar
outras afirmações que enfatizam a importância do instrumento, partindo do ponto
de vista de suas capacidades de operar. Nas palavras de Rice, González-
376
Velasco e Corrigan (2017, p. 44, tradução nossa) , o Promptuario é
“provavelmente o mais poderoso dispositivo de Napier”, o que nos revela o
quanto esses autores reconhecem a relevância desse aparato, dado o seu
contexto.
Outra colocação que demonstra as potencialidades desse instrumento é
a de Havil (2014, p. 137, tradução nossa) 377
, segundo ele, “podemos
sensatamente descrever [o Promptuario] como um computador analógico”,
indicando, portanto, uma grande importância desse dispositivo, principalmente,
quando analisado o contexto em que ele está inserido e o desenvolvimento das
tecnologias que estavam ocorrendo no período.
Contudo, mesmo com todas as características positivas que foram
apontadas, “durante séculos, o Promptuario foi pouco conhecido ou apreciado,
e apenas as instruções de Napier em latim para sua construção estavam
prontamente disponíveis” (RICE; ENRIQUE GONZÁLEZ-VELASCO;
378
CORRIGAN; 2017, p. 44, tradução nossa) , demonstrando que,
provavelmente, houve uma baixa disseminação ou aceitação do apêndice do
tratado de Napier, que aborda esse instrumento matemático.
Entretanto, existe uma versão construída (Figura 2) do Promptuario e que
está exposta no Museu Arqueológico de Madri, ela é a única conhecida que tem
semelhanças com o original, que foi construído por Napier e foi reidentificado, no
376 Em inglês, lê-se: “probably the most powerful of Napier’s devices” (RICE; GONZÁLEZ-VELASCO;
CORRIGAN; 2017, p. 44).
377 Em inglês, lê-se: “we can reasonably describe as an analogue computer” (HAVIL, 2014, p. 137).
378 Em inglês, lê-se: “For centuries the Promptuarywas little knownor appreciated, only Napier’s
instructions in Latin for its construction being readily available” (RICE; GONZÁLEZ-VELASCO; CORRIGAN;
2017, p.44).
1099
ano de 1988, pelo engenheiro americano Erwin Tomash (RICE, GONZÁLEZ-
VELASCO, CORRIGAN, 2017).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa forma, utilizando-se a pesquisa documental para compreender os
aspectos que estão presentes na obra original, como a opinião do autor quanto
ao seu próprio instrumento e valendo-se, também, de uma pesquisa bibliográfica
379Em inglês, lê-se: “even though he was clearly very proud of his Promptuary, there is no indication that
he used it during his calculations”.
1100
em livros que exploram a vida e os trabalhos de Napier, foi possível identificar as
grandes capacidades de operar que o Promptuario possui.
Ao analisar o contexto histórico e o conteúdo que estão expostos no
referencial teórico adotado, concluímos que o aparato foi posto como uma
tentativa de superar as necessidades relativas à realização de cálculos longos
de multiplicação, uma vez que esse instrumento tem o potencial de efetuar essa
operação em poucos segundos.
Mesmo com a existência de uma grande capacidade operacional, vimos
que o Promptuario foi pouco utilizado e esse fato pode ter inúmeras explicações,
como a baixa disseminação do apêndice que abordava o instrumento ou o
grande destaque que foi dado às Barras de Calcular, que estão dispostas nos
dois primeiros livros do Tratado em questão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas S.A,
2008.
HAVIL, J. John Napier: Life, Logarithms, and Legacy. New Jersey: Princeton
University Press, 2014.
1101
SAITO, F. A reconstrução de antigos instrumentos matemáticos dirigida para
formação de professores. Educação: Teoria e Prática, [S.L.], v. 29, n. 62, p. 571-
589, 19 dez. 2019. Departamento de Educacao da Universidade Estadual
Paulista – UNESP. http://dx.doi.org/10.18675/1981-8106.vol29.n62.p571-589.
1102
REFLEXÕES SOBRE A HISTORIOGRAFIA DA MATEMÁTICA
RESUMO
Este trabalho visa trazer breves reflexões metodológicas sobre uma parcela do fazer
historiográfico da matemática no Brasil. Uma razoavelmente recente tradução, em 2007,
do livro "A history of mathematics" de Florian Cajori de 1894 nos parece sintomático de
uma historiografia cujos paradigmas ainda parecem remeter à práticas e concepções
defasadas em termos do que é feito atualmente em História da Matemática. Neste breve
texto, buscamos dar ênfase a tais distinções teórico-metodológicas, em vista a contribuir
com a criticidade na produção da História da Matemática no Brasil e em seu ensino.
Destacamos aqui duas distinções: entre "History" e "Heritage", proposta por Grattan-
Guiness (2004b) e entre História Social e Conceitual, esta última bastante conhecida no
campo da História da Ciência, sobre a qual damos nossa visão particular. Além disso,
procuramos discutir a contribuição da aplicação destas reflexões nos quatro eixos
temáticos propostos pelo presente seminário. Por fim, destacamos a impossibilidade da
neutralidade no que concerne à metodologia, de forma que a consciência de posição do
pesquisador se torna imprescindível para a boa produção de seu trabalho.
INTRODUÇÃO
380
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). carlosroot4@gmail.com
381
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). lindervinicius@gmail.com.
1103
diversas concepções teórico-metodológicas presentes ainda hoje em parte da
historiografia da Matemática no Brasil.
Uma ilustração do legado do século XIX pode ser vista pela publicação do livro
"A history of mathematics" de Florian Cajori, em 1894. Esse livro serviu como
fonte historiográfica para os livros de História da Matemática de Boyer e de Eves,
amplamente utilizados no Brasil. Para termos ideia, no prefácio à primeira edição
de seu livro, Boyer diz sobre o livro de Cajori: “still is a very helpful reference
work” (BOYER, 2012, p. xi) e no comentário das referências diz: “One of the most
comprehensive, nontechnical, single-volume sources in English” (ibid., p. 472)
O livro contém informações defasadas, como, por exemplo, não mencionar os
novos livros da Aritmética de Diofanto encontrados em língua árabe na década
de 1970, apesar da última edição ser de 1991. Além disso, o livro contém
algumas frases com teor racista. Por exemplo, sobre os Árabes, vemos: “Thus a
Semitic race was, during the Dark Ages, the custodian of the Aryan intelectual
possessions” (CAJORI, 1999, p. 112).
Destacamos o livro de Cajori, pois, no ano de 2007, o livro recebeu sua primeira
tradução para o português publicada no Brasil, sendo esta baseada na 5ª edição,
de 1991. Apesar das diversas mudanças no decorrer das 5 edições, a
perspectiva historiográfica continua a mesma. Parece incoerente, portanto, a
necessidade da tradução dessa obra enquanto fonte historiográfica atual.
Nos últimos trinta anos, nota-se o surgimento de uma nova concepção
historiográfica em História da Matemática. Essa nova perspectiva sobre a história
de nossa disciplina visa dar maior ênfase sobre como as questões sociais estão
relacionadas às diversas práticas matemáticas no decorrer da história.
Visto as considerações acima, este trabalho tem como objetivo mostrar como a
História da Matemática se beneficiaria com maiores discussões, e debates,
sobre questões teórico-metodológicas, visando superar a dicotomia entre o
internalismo e o externalismo.
1104
Uma caracterização muito útil, metodologicamente falando, para o
estabelecimento de uma análise crítica das perspectivas historiográficas em
História da Matemática são os conceitos apresentados por Grattan-Guinness
(2004). Segundo este autor, as concepções historiográficas podem ser
tipificadas pela relação das noções passadas com as noções presentes. O autor
define duas maneiras de se conceber a História da Matemática, que são: a
concepção de “History” e a concepção de “Heritage. A primeira tem como
principal objetivo dizer o que aconteceu no passado. Já a segunda, tem como
objetivo dizer como nós chegamos onde estamos.
Para responder a primeira pergunta, precisamos buscar compreender todo o
contexto em que algum conceito matemático foi desenvolvido. Sendo necessário
saber sua pré-história e outras ideias concorrentes que se desenvolviam
paralelamente; construir uma cronologia da progressão da utilização de
determinado conceito; analisar se tal desenvolvimento teve impacto desde sua
criação ou se a influência só começou alguns anos, ou décadas, após sua
concepção. Algumas questões levantadas são: Por que tal conceito se
desenvolveu de determinada maneira e não de outra? Quais os fatores
socioculturais que influenciaram tanto a criação quanto a circulação de um
conceito matemático? Outra característica que marca tal concepção é a ênfase
na distinção entre uma determinada noção e sua aparente similaridade com a
noção atual que temos da mesma, por exemplo, o conceito de função utilizado
por Euler e o conceito contemporâneo de função, que é atribuído a N. Bourbaki.
Já para a segunda pergunta, devemos nos concentrar no impacto que um
conceito específico teve sobre os trabalhos posteriores, focando-se
especialmente na forma que eventualmente esse conceito possa ter tomado, ou
incorporado, em contextos posteriores. A análise histórica é feita com os
conceitos tendo seu sentido atual, onde procura-se enfatizar as similaridades
que o conceito contemporâneo teria com o conceito no passado, seja esse
passado muito distante ou não. Por exemplo, estabelecer uma relação direta
entre o conceito de função de Fourier e o nosso. Frequentemente, as respostas
1105
para a pergunta levantada costumam ser da forma “O caminho principal que o
conceito seguiu até nós foi…”. Assim, temos implícita uma ideia de linearidade
das ideias matemáticas, sendo cada época subsequente responsável por
desenvolver um pouco mais os conceitos, que teriam surgido num passado,
frequentemente, muito distante.
Grattan-Guinness (2004) faz questão de destacar que, ambas as concepções
são legítimas mas que atendem a propósitos diferentes, ou seja, não existe uma
hierarquia entre esses modos de se fazer história, a escolha vai depender das
especificidades da problemática em questão. O que o autor ressalta é que não
podemos confundir essas duas abordagens do fazer historiográfico —seja
confundindo herança com história (frequentemente a visão dos matemáticos)
seja confundindo história com herança (mais associada a historiadores).
Em síntese, podemos dizer que a diferença epistemológica entre essas duas
categorias se dá pelo fato de que a história se concentra no desenvolvimento de
um determinado conceito, enquanto a herança avalia o impacto deste conceito
sobre os entendimentos posteriores a ele.
1106
Figura 1 - Concepções em linha
Vamos agora às explicações dos termos utilizados. Para uma caracterização dos
tipos de pesquisas dos pontos A e B (internalista e externalista), lançamos mão
das perspectivas de Roque (2012). Roque (2012) procura definir a abordagem
internalista tal qual aquela exposta como um desenvolvimento de conceitos
guiados por necessidades internas à matemática, focando em resultados e
provas. Tal abordagem se encontra por exemplo na história da matemática
desenvolvida por Boubarki na década de 1960. Sobretudo a partir dos anos
1980, influi sobre a historiografia da matemática a ênfase de uma abordagem
que contextualiza seus aspectos educacionais, sociais e institucionais. Sob o
impulso de diversas forças, iniciava-se, assim, uma fase de maior preocupação
com as práticas culturais, contrabalançando o papel preponderante que os
conceitos tiveram para os historiadores das gerações anteriores (ROQUE, 2012,
p. 482). Tal abordagem distingue-se assim da anterior, caracterizando-se por
sua externalidade.
Nessa perspectiva, procuramos localizar essas abordagens como extremos de
um segmento que opõe a história social e a história conceitual, de onde podemos
supor um ponto central, objetivo dessa mediação.
A questão chave aqui é a caracterização do que seria o Ponto Central. Esse
ponto está intimamente relacionado com os objetivos do pesquisador. Ele teria
como principais propriedades o fato de, primeiro, não estar previamente fixado,
sendo função do pesquisador ater-se a um objetivo e, segundo, ser impossível
de ser alcançado, pois caso um pesquisador ideal conseguisse realizar tal
1107
trabalho, os pesquisadores que o lessem, no caso, nós, interpretaríamos esse
trabalho como sendo levemente inclinado para o social ou para o conceitual.
Ao determinarmos qual seria nosso Ponto Central, nós estaríamos definindo
onde seriam colocados os parênteses, limitando, assim, os tipos de orientações
metodológicas a serem seguidas na pesquisa. Além disso, fazendo uma
analogia com o conceito de limite no ponto, as pesquisas escolhidas poderiam
se aproximar o tanto quanto queiramos de Ponto Central, mas nunca alcançá-lo.
Por isso seu símbolo na Figura 1 não é preenchido.
Ao fazermos a descrição acima, levamos em consideração, por questões
didáticas, a concepção descrita por uma reta. Na realidade, essa é apenas uma
das maneiras que podem ocorrer, talvez a menos comum. O que julgamos ser
mais plausível de representar a realidade é a Figura 2.
Destacamos que os pontos A e B, assim como o Ponto Central, não são fixos.
Agora a diferença é que esses pontos não seriam mais definidos pelo
pesquisador, por isso sua representação na figura aparece como um ponto
preenchido, nos remetendo a ideia de conjunto fechado, onde é possível
alcançar tal ponto.
1108
Outra característica a ser ressaltada é que, por alguma especificidade da
pesquisa que estiver sendo realizada, os pontos A e B podem estar mais
próximos do Ponto Central, sem nunca alcançá-lo, do que os limites dos
parênteses, exatamente como na figura.
Feito essas considerações, podemos dizer que a tentativa de alcançar o Ponto
Central seria exatamente a superação do paradigma conceitual versus social.
Em termos dialéticos, se considerássemos o paradigma conceitual como uma
tese e o social como sua antítese, teríamos como resultado de nossa síntese o
que chamaremos de paradigma socioconceitual, que apesar de ser originado
dos paradigmas anteriores, não seria mais nem conceitual e nem social, seria
um amálgama com identidade própria.
Salientamos que a construção deste novo paradigma é estabelecido pelos limites
dos parênteses expressados nas figuras, e não pelos pontos A e B. Se o novo
paradigma dependesse apenas de A e B, ele seria único. Mas, como nós
definimos que os parênteses são colocados ao escolhermos o Ponto Central,
isso implica que para cada Ponto Central diferente, criamos um novo paradigma
diferente. Ou seja, o que chamamos de paradigma socioconceitual, na verdade
são infinitos, claro que nem todos devem ser importantes para a História da
Matemática.
1109
Nossa intenção não é fazer uma caça às bruxas, ou criar uma lista de requisitos
para boas práticas metodológicas. Nosso objetivo é chamar atenção para o
exercício de sempre estarmos realizando reflexões acerca de nossas
metodologias, buscando maneiras de aperfeiçoá-las, ou de trocá-las quando
necessário.
Para tornarmos a discussão mais concreta, vamos citar exemplos para cada eixo
temático proposto pela SNHM. Em História da Matemática, temos questões
relacionadas ao anacronismo histórico. Dizer que os rudimentos do conceito de
função podem ser encontrados nos tabletes de barro babilônios (BAUMGART,
1992, p.83), dizer que os egípcios já tinham métodos para fazerem uma
aproximação de π (CAJORI, 1999). O anacronismo aqui é mais sutil, ele reside
na confusão, que ainda ocorre, entre o fato de culturas da antiguidade terem
métodos empíricos para aproximarem áreas circulares com o fato de conceber
a existência de uma constante, irracional, que pode ser aproximada por números
racionais. É comum encontrarmos historiadores da matemática alinhados com a
perspectiva de herança com esses pensamentos.
Em História e Epistemologia da Matemática, temos o tipo de pesquisa que
assume a existência de uma única epistemologia da Matemática nos dias atuais,
assumindo tacitamente que esse pensamento possa ser estendido para todos
os períodos históricos. Esse raciocínio é encontrado com certa facilidade entre
matemáticos. A principal justificativa para isso é que, na atualidade, a
Matemática, para muitos deles, é dotada de uma linguagem universal.
Em História da Educação Matemática, um dos principais exemplos vem da
análise de livros didáticos. Não tão raro, pesquisadores utilizam metodologias de
análises de livros atuais para a análise de livros históricos. Isso parece se
relacionar a uma aparente indistinção ou desconhecimento de metodologias
específicas de análise de livros históricos.
Em História no Ensino de Matemática, podemos ver alguns autores que tratam
a História da Matemática como adendo, fonte de curiosidades e anedotas
(CAJORI, 1999, p.1-3). Apesar de hoje em dia a grande maioria dos cursos de
licenciatura terem uma disciplina para o curso de História da Matemática, não é
1110
incomum encontrarmos professores sem formação adequada em História da
Matemática, o que parece refletir no fato apontado.
Para evidenciarmos o quão comum são esses erros, nós, os autores, já
cometemos todos eles. Aliás, os exemplos foram retirados de experiências
próprias. Isso só foi melhorado com a entrada na pós-graduação em História da
Matemática e longas discussões e leituras com orientadores, pares, colegas e
etc.
Como ambos os autores deste trabalho estão interessados em pesquisas
comumente classificadas como História Social, não nos sentimos capazes, e
nem no direito, de indicar boas práticas ou pesquisas na área conceitual. Na área
social, os estudos de Gert Schubring (2005), Carlos Gonçalves (2010), Tatiana
Roque (2012), Fumikazu Saito (2015), dentre muitos outros382 nos mostram uma
concepção de História da Matemática que considera as questões sociais como
fundamentais ao entendimento das práticas matemáticas históricas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fato desse trabalho ser incipiente nos impede de fazer asserções mais
significativas. No entanto, podemos expor o que seriam nossas primeiras
impressões sobre esta reflexão.
Reconhecemos que utilizar a nomenclatura “internalismo e externalismo” é um
tanto problemática, pois ela remete a uma discussão que é da História das
Ciências no geral e traz, também, por consequência, a bagagem teórica desses
conceitos. Uma proposta futura é pensar em nomes mais adequados à
discussão.
Assim, a estrutura de apresentação escolhida tem como função tornar as ideias
mais claras possíveis. Nossa concepção, nesse sentido, aproxima-se do
382
Basta olharmos para a lista de participantes da comissão científica da própria SNHM.
1111
paradigma pós-moderno, onde a construção de narrativas únicas e universais
não são sustentadas.
Gostaríamos de frisar a impossibilidade de uma escolha metodológica ser
neutra. Assim, destacamos que o objeto descrito como “centro” neste trabalho,
pode, e deve, ser realocado de acordo com as intenções do pesquisador, desde
que isso seja feito de maneira explícita e consciente. Fazendo com que o
paradigma da dicotomização entre história conceitual e social seja substituído
pelo paradigma da história socioconceitual.
Feito essas considerações, resumimos nosso trabalho parafraseando a famosa
frase de Marx: Os Historiadores da Matemática têm apenas “metodologizado” o
mundo; a questão é, porém, “substanciá-lo”383
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOYER, C. B.; MERZBACH, U. C. História da matemática. Trad. de Helena
Castro. 3ª ed. São Paulo: Blücher, 2012
383
Entendam essa frase como um convite a discussões metodológicas mais refinadas, não
como um ataque aos historiadores. Historiadores matemáticos de todo o mundo, uni-vos!
1112
SCHUBRING, G. Conflicts between generalization, rigor and intuition. Number
Concepts Underlying the Development of Analysis in the 17th-19th Century
France and Germany. New York: Springer. 2005a.
1113
RELAÇÃO GEOMÉTRICA NO PROBLEMA 24 DO PAPIRO DE RHIND E NA
REGRA DE SINAIS “MENOS VEZES MENOS DÁ MAIS”
RESUMO
Este trabalho é parte do projeto de pesquisa do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica (Pibic) “A álgebra e as operações numéricas fundamentadas pela
geometria ao longo da História da Matemática”, realizado pelo Grupo de Pesquisa
História da Matemática e Educação Matemática da Universidade Federal de Alagoas
(Ufal). Ao estudar como a álgebra e as operações numéricas foram fundamentadas pela
geometria ao longo da história da matemática, muitos se surpreendem em perceber
como a geometria estabelece o alicerce do que conhecemos hoje como álgebra e com
a base geométrica das operações numéricas. A pesquisa teve como foco aspectos
históricos da álgebra e aritmética e uma análise dos problemas dessas áreas buscando
relações com a geometria, foram resolvidos alguns problemas aritméticos e algébricos
sendo feitos de forma geométrica tanto pele matemática que utilizamos hoje, como as
resolvidas pelos antigos. Para resolver tais questões, tivemos auxílio de régua e
compasso e o software GeoGebra. Dentre os problemas da pesquisa, neste trabalho
vamos abordar um problema encontrado no Papiro de Rhind e veremos uma
demonstração da conhecida regra de sinais da multiplicação “menos vezes menos dá
mais”, a qual geralmente é atribuída a Diofanto de Alexandria.
INTRODUÇÃO
384
Universidade Federal de Alagoas (Ufal). E-mail: lucasmoura.qc@gmail.com
385
Universidade Federal de Alagoas (Ufal). E-mail: viviane.santos@im.ufal.br
1114
pelo Grupo de Pesquisa História da Matemática e Educação Matemática da
Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
O objetivo da pesquisa foi compreender a aritmética e a álgebra por meio
do estudo de problemas encontrados ao longo da história da matemática,
analisando aspectos históricos destes problemas e suas respectivas soluções,
tendo como o foco principal estudar os problemas de aritmética e álgebra que
podem ser resolvidos geometricamente.
Um dos motivos da importância do estudo da História da Matemática é
ampliar o conhecimento dos futuros professores no sentido de entenderem a
álgebra como processo geométrico e a importância da geometria na
fundamentação matemática. É bastante comum alunos serem considerados
bons na álgebra e nas operações numéricas, porém têm dificuldades na
geometria. Isso ocorre, na maioria das vezes, pelo fato de que a álgebra e a
geometria estão sendo entendidas como ideias isoladas, o que não acontece ao
longo da história. (D’AMBROSIO, 2007, p. 402).
Dentre os problemas da pesquisa, escolhemos apresentar neste
trabalho um problema encontrado no Papiro de Rhind e uma prova geométrica
da conhecida regra de sinais da multiplicação “menos vezes menos dá mais”.
METODOLOGIA
1115
Em seguida, foram realizadas pesquisas de problemas ditos aritméticos
ou algébricos para explorar a resolução de forma geométrica. Sempre que foi
possível, utilizamos a régua, o compasso e o software GeoGebra.
RESULTADOS
1116
denominação pode ser encarada como uma homenagem ao
escriba copista. (MARTINS, 2015, p. 28).
1117
Mesmo com essa divergência histórica, esses tipos de problemas são
importantes e podem ser resolvidos de diferentes formas, inclusive com uma
matemática que utilizamos atualmente.
Bertato (2018, p. 13) ressalta que dentre os críticos da abordagem dos
mencionados acima, e/ou defensores do “Método da Falsa Posição”, podemos
evidenciar Léon Rodet (1850 – 1895), Eric Peet (1882 – 1934), Arnorld Buffum
Chace (1845 – 1932) e Marshall Clagett (1916 – 2005). As traduções
correspondentes por esses estudiosos mencionados são efetuadas com a chave
de leitura da “Falsa Posição”. Com isso,
1118
Figura 1: Gráfico do problema 24
1119
𝟕 𝟖 𝟏𝟑𝟑
A proporção encontrada será a = 𝟏𝟗 → 𝟖𝒙 = 𝟏𝟑𝟖 → 𝒙 = . Portanto,
𝒙 𝟖
1120
não se pode confirmar que era grego, apesar de seu texto ser escrito nessa
língua.
Sobre o tratado “Aritmética” (em grego, significa “ciência dos números”),
Garbi (2010, p. 123) afirma que: “é uma obra-prima, pioneira no tratamento do
difícil tema a que hoje denominamos Teoria dos Números, e não deixa qualquer
dúvida de que seu autor era um gênio do mais alto nível”.
1121
Figura 3: Demonstração da regra de sinais por Diofanto.
1122
funciona. Além disso, comenta que para Glaeser (1981), essa demonstração de
Stevin “pode servir de base para o desenvolvimento geral de (𝒂 − 𝒃) × (𝒄 − 𝒅) =
𝒂𝒄 − 𝒂𝒅 − 𝒃𝒄 + 𝒃𝒅. No entanto, observamos que nesse período histórico a regra
− × −= + só é usada como um procedimento transitório”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
1123
EVES, H. Introdução à história da matemática. Tradução: Hygino H.
Domingues. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2004.
1124
1125
ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO DA ARITMÉTICA NA
EUROPA DO SÉCULO XIII
RESUMO
A partir de uma pesquisa preliminar construída de indagações referentes aos métodos
aritméticos utilizados e divulgados na Europa do século XIII, objetivamos, neste artigo,
apresentar alguns aspectos historiográficos para o desenvolvimento da Aritmética da
Europa do século XIII. Para este fim, fizemos uma pesquisa bibliográfica, da qual foi
possível, observar alguns aspectos históricos que permitiram um cenário mais acessível
para a divulgação de métodos aritméticos desconhecidos pela maior parte da Europa.
Buscamos, dessa forma, na historiografia atualizada meios para construir um discurso
que possibilite de forma adequada visualizar este cenário. Para tanto, buscamos em
autores como, Potro (2000); Garbi (2009); Saito e Dias (2013), Beltram, Saito e Trindade
(2014) e Saito (2015), subsídios teóricos e metodológicos para construir nossa
investigação. Podemos, dessa forma, observar aspectos como, a ruptura do império
romano em parte ocidental e oriental, que ocasionou desenvolvimentos científicos em
escalas diferentes, fazendo, com que, o desenvolvimento científico ocidental
acontecesse posteriormente ao oriental, bem como, o período de estabilidade que se
encontrou Leonardo Fibonacci, permitindo uma divulgação maior dos seus trabalhos em
relação aos matemáticos anteriores a ele.
INTRODUÇÃO
386
Universidade Federal do Pará (UFPA). js_guima@hotmail.com
387
Universidade Federal do Pará (UFPA). brand@ufpa.br
1126
como o CREPHIMat388, observamos a necessidade de estudos que tangem a
aritmética europeia do século XIII. Pois, os trabalhos encontrados tratam em sua
maioria de métodos aritméticos de períodos posteriores, observamos, ainda, a
falta de investigações historiográficas mias atualizadas do século XIII na Europa.
Assim, apresentamos neste artigo alguns pontos que nos permitem
investigar aspectos historiográficos da Aritmética estudada e divulgada na
Europa do século XIII, a qual, em um estudo preliminar, apresenta conflitos 389,
haja vista que os métodos já instituídos usavam, em sua maioria, o ábaco para
efetivação dos cálculos. No entanto, no início do século XIII, temos a divulgação
de métodos que utilizavam as cifras indianas, bem como, o sistema de
numeração posicional Hindu, trazidas por Leonardo Fibonacci (1180 – 1250). Um
melhor entendimento dos aspectos entorno dessa Aritmética, neste período, nos
permitirá uma visualização do contexto, proporcionando uma melhor
compreensão deste objeto.
Esse artigo, não tem como finalidade, exaurir as possibilidades de
análise do período ora apresentado, no entanto, de apresentar alguns aspectos
historiográficos para o desenvolvimento da Aritmética da Europa do século XIII.
Desta forma, para desvelar os possíveis aspectos para a propagação da
aritmética na Europa do século XIII, fizemos uma pesquisa bibliográfica, na qual,
obtivemos informações, no que tange, a uma construção histórica do cenário
profícuo para a divulgação dos algarismos indo-arábicos, bem como, da
ampliação da Aritmética, evidenciando alguns pontos que julgamos importantes
para esse momento preliminar. Para esse fim, buscamos na historiografia
atualizada meios para construir um discurso que possibilite de forma adequada
visualizar este cenário.
Nessa busca encontramos autores como Potro (2000); Garbi (2009);
Saito e Dias (2013), Beltram, Saito e Trindade (2014) e Saito (2015) entre outros.
A partir dessas propostas, podemos perceber alguns fatos interessantes, como
a ruptura do Império Romano, dividindo-o em parte oriental e parte ocidental, o
388
Centro Brasileiro de Referência em Pesquisa sobre História da Matemática (http://www.crephimat.com)
389 No sentido de divergências de ideias, assim como, das necessidades práticas.
1127
que ocasionou desenvolvimentos diferentes, sejam estes políticos, culturais,
sociais, religiosos, econômicos e científicos, entre outros aspectos que serão
apresentados nas seções seguintes. Primeiramente apresentamos a
historiografia atualizada, a qual, teremos como critério de análise e escrita, em
seguida apresentamos alguns aspectos historiográficos da divulgação e
consolidação da Aritmética na Europa no século XIII.
1128
A historiografia atualizada, permite contextualizar o conhecimento
matemático com base em três esferas de análise histórica, são estas: contextual,
historiográfica e epistemológica. Permitindo observar aspectos internos e
externos, assim como, aspectos contínuos e descontínuos da consolidação do
conhecimento (BELTRAM, SAITO E TRINDADE, 2014).
Silva (2020), apresenta que,
ASPECTOS HISTORIOGRÁFICOS
1129
Para este artigo apresentamos alguns pontos que nos permite de forma
ainda que preliminar investigar sobre aspectos historiográficos sobre a Aritmética
na Europa no século XIII, a qual, observamos ser consolidada paralelamente
com as cifras indianas, bem como, com o sistema de numeração posicional
destes, instituído, posteriormente ao longo da história humana, como um sistema
universal.
Para um melhor entendimento dos aspectos da consolidação da
Aritmética na Europa do século XIII, rememoramos um pouco do cenário
anterior, esclarecendo que, embora o Império Romano tenha atingido seu
apogeu no século II, a corrupção interna e a tomada das fronteiras pelos
bárbaros, ocasionou a ruptura do Império em parte Ocidental e parte Oriental
(GARBI, 2009).
Estas duas partes passaram por períodos de instabilidade científica, pois
vivenciaram intensos momentos de guerra. O ocidente, consegue de forma mais
tardia seu desenvolvimento científico em relação ao oriente, para esse, restou a
responsabilidade de reerguer um novo centro científico. Este centro, chamado
de Casa da Sabedoria (Bait al-hikma), foi instalado em Bagdá no período de
califado, permitindo o crescimento científico posterior na Europa, bem como,
viajantes como Leonardo Fibonacci irem para o oriente possibilitando o contato
com uma aritmética prática e comercial desconhecida em grande parte da
Europa (POTRO, 2000; GUIMARÃES FILHO, 2018).
É no oriente que observamos uma das obras que permite o estudo mais
conciso da Aritmética na Europa, este livro, que de acordo com Eves (2011) dá
origem a palavra álgebra, intitulado de Hisab Al-jabr Wa’l Muqãbalah de autoria
de Al-khowarizmi (708 – 850), permitiu que estudiosos do ocidente como
Leonardo Fibonacci aprofundasse seus estudos em matemáticas não divulgadas
na Europa.
Vemos ainda em Garbi (2009) que,
1130
Foi na extensa fronteira entre os mundos cristão e muçulmano
que os europeus, realizando transações comerciais com os
árabes, tiveram seus primeiros contatos com um outro tipo de
Aritmética. A obra de Al-khwarizmi exerceu grande influência na
matemática europeia durante os últimos séculos da idade média
(GARBI, 2009, p. 24).
1131
imediato, pois havia uma resistência por parte da igreja, a qual, endemoninhava
tudo o que vinha do oriente (WUSSING, 1998).
Leonardo Fibonacci, reuniu em seu tempo os conhecimentos
acumulados e iniciou uma série de publicações de livros, dos quais, o primeiro e
mais divulgado é o Liber Abaci, publicado pela primeira vez em 1202, tendo uma
repercussão considerável. Mesmo com a resistência da igreja, suas ideias foram
amplamente aceitas na Itália e posteriormente na Europa, chamando a atenção
de eruditos da época como João de Palermo (1208 – 1289), assim como, da
corte, e o rei Frederico II (1194 – 1250), que passa a ser um financiador da
divulgação e implementação desse sistema numérico posicional decimal e suas
cifras, assim como, da Aritmética apresentada por Leonardo Fibonacci
(GUIMARÃES FILHO e BRANDEMBERG, 2017). Como consequência temos
que o Liber Abaci, ofusca algumas obras importantes para o medievo, como o
Al-Muawalat (POTRO, 2000). Observamos, assim, evidentes otimizações nos
cálculos aritméticos, proporcionando cálculos mais rápidos e sofisticados,
permitindo resolver problemas práticos mercantis e de outras naturezas
posteriormente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1132
na Europa. Percebemos, assim, que os grandes investimentos em estudos e
traduções feitas no oriente, contribuíram diretamente para o avanço matemático
Europeu de forma mais tardia, mas, não menos intensa.
Um desses avanços são os algarismos indianos e a implantação do
sistema de numeração posicional decimal, aceito na Casa da Sabedoria e
disseminado em meio ao povo árabe, que comumente faziam uso desse sistema
no comercio ou de forma prática. Passados alguns séculos ficaram conhecidos
como Aritmética Comercial ou Mercantil e a Aritmética Prática, influência dessa
última herdada dos hindus.
Outro aspecto a ser evidenciado é o êxito das publicações de Leonardo
Fibonacci em particular o Liber Abaci, obra essa que inicia apresentando as
cifras indianas, como segue: “O primeiro capítulo começa. São as nove figuras
dos indianos 9 8 7 6 5 4 3 2 1 e assim, com essas nove figuras, e para elas, este
é o sinal de 0, que é chamado em árabe de zephirum, se forma qualquer tipo de
número” (LEONARDO PISANO, 1857, p. 2, tradução nossa). Como já
observado, essas novas cifras, bem como, o sistema numérico posicional,
permitem com que a Aritmética pudesse alavancar, com estudos mais profundos
viabilizados por essas cifras e novo sistema numérico.
Podemos acordar, após todas essas articulações que os aspectos para
a inserção e consolidação da Aritmética na Europa no Século XIII, foram
múltiplos, pois tais aspectos iniciam no momento de califado oriental,
preservando-se obras clássicas, da mesma maneira, a construção e
aprofundamento de outros conhecimentos, os quais, chegam na Europa com os
tradutores nos meados do século IX até Leonardo Fibonacci, o qual, não
partilhava do mesmo período de instabilidade que seus antecessores,
contribuindo não apenas com o seu Liber Abacci, no entanto, com outras obras
de sua autoria. Todas construídas com maestria, permitindo tanto o estudo mais
conciso da Aritmética como a divulgação dos algarismos e sistema hindu de
numeração posicional.
1133
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1134
WUSSING, H. Lecciones de história de las mathemáticas. Madri: Siglo XXI,
1998.
1135
1136
INSERÇÕES DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM LIVROS
DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA DOS ANOS FINAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
RESUMO
O presente trabalho relata uma pesquisa de mestrado, em andamento, que tem como
objetivo mapear e descrever as inserções de História da Matemática em livros didáticos
de matemática, aprovados pelo PNLD 2020, para os anos finais do Ensino Fundamental.
Será realizada uma pesquisa documental cujas fontes primárias serão 4 coleções
selecionadas entre as 11 coleções de livros didáticos de Matemática, aprovadas na
edição do PNLD 2020. Os dados para a análise serão obtidos a partir da identificação
de inserções de História da Matemática nessas coleções, que podem ser qualquer
informação que remeta ao passado, desde narrativas sobre o surgimento e o
desenvolvimento de conceitos matemáticos como, também, informações biográficas
sobre um matemático. Em seguida, os dados de cada inserção encontrada serão
registrados através de um questionário, utilizando o aplicativo Google Forms. O
questionário possui questões padronizadas (em sua maioria) e questões abertas. As
últimas questões trazem um conjunto de categorias de análise, visando classificar as
inserções com dois objetivos: avaliar os tipos de narrativa histórica e as funções
didáticas da inserção. Esperamos, com esta pesquisa, vislumbrar que História da
Matemática os estudantes da educação básica têm tido acesso por meio dos livros
didáticos. Esperamos, também, comparar os resultados alcançados com aqueles
apresentados em pesquisas anteriores, que apontam que a história presente nos livros
didáticos pouco contribui para o ensino da matemática.
391
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e-mail: wilza_maria@yahoo.com.br. O presente
trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
392
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), e-mail: aline.bernardes@uniriotec.br
1137
INTRODUÇÃO: motivações, objetivo e contexto
1138
educação básica das escolas públicas têm tido acesso por meio dos livros
didáticos aprovados pelo PNLD?
A edição do PNLD 2020 avaliou coleções de livros didáticos dos anos
finais do Ensino Fundamental. Essa foi a primeira edição do PNLD que se
baseou na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para essa etapa da
Educação Básica. Com isso, a avaliação considerou se as coleções colaboram
para o desenvolvimento das competências e habilidades listadas na BNCC para
a referida etapa da Educação Básica. (BRASIL, 2019)
Desse modo, o objetivo da pesquisa foi delimitado para: “mapear e
descrever as inserções de HdM em livros didáticos de matemática dos anos
finais do Ensino Fundamental, aprovados pelo PNLD 2020”. Esperamos, com
isso, ter uma visão mais ampliada do uso, dos tipos de narrativas e das
finalidades pedagógicas da história apresentada nesses livros didáticos.
Por inserção de HdM, consideramos:
1139
anedotas, lendas e outros; ii) informação - inserções que informam datas e
biografia de matemáticos; iii) estratégia didática - inserções que propiciam ao
estudante o desenvolvimento de raciocínio matemático e iv) como parte
integrante do desenvolvimento do conteúdo (uso imbricado).
Vianna (1995) verificou que dentre as inserções, apenas 3%
representavam a categoria estratégia didática, enquanto as demais, 40% foram
classificadas como motivação, 44% informação e 6% uso imbricado. De acordo
com o observado pelo autor, a história presente nos livros não tinha relação com
o conteúdo a ser ensinado e não contribui para o ensino de matemática. No
entanto, sua presença era relevante por outros motivos como: para se
compreender a natureza da matemática e seu aspecto cultural.
Outro trabalho que gostaríamos de destacar é a dissertação de Bianchi
(2006). O objetivo geral da pesquisa foi comparar e analisar a forma com que a
HdM vinha sendo inserida em livros didáticos no decorrer das avaliações
realizadas nas edições do PNLD 1999, 2002 e 2003. Para tal, ela utilizou como
fonte primária de pesquisa 3 edições de duas coleções de livros para os anos
finais do Ensino Fundamental, aprovadas nesses ciclos de avaliações do PNLD.
A autora também analisou os guias, dos referidos ciclos, como fontes
secundárias. Bianchi iniciou a determinação das categorias de análise
baseando-se em Vianna (1995). Porém, ao perceber que tais categorias não
contemplariam o quantitativo e os tipos de menções da HdM contidas nas
coleções a serem analisadas, a pesquisadora fixou como categorias de análise:
informação geral; informação adicional; estratégia didática e flash ( para a parte
teórica) e informação, estratégia didática e atividade sobre HdM (para as
atividades).
Bianchi (2006) observou que houve um aumento de menções de uma
edição para outra na maioria das categorias de análise. Além disso, ela observou
mudanças relativas a alguns fatos históricos e complementação de outros, o que,
segundo a pesquisadora, demonstrou a preocupação, dos autores, em manter a
História da Matemática nos livros didáticos. Embora Bianchi tenha observado
acréscimo de elementos históricos nos livros, assim como Vianna (1995), ela
1140
observa que a categoria “estratégia didática” é a menos utilizada na parte teórica
e nas atividades. A autora observa, também, que a história precisa ser mais
relacionada com o conteúdo matemático e não apenas servir como leitura
adicional.
Pereira (2016) apresenta em sua dissertação a análise de 6 coleções de
livros didáticos do Ensino Médio, aprovados pelo PNLD 2015. As categorias de
análise utilizadas pela autora para analisar a função didática das menções
históricas - como a pesquisadora se refere - presentes nos livros foram: i) HdM
e estratégia didática - menções à HdM apresentadas em textos de forma
expositiva ou atividades que conduzam o aluno à compreensão do conteúdo
matemático e propiciem o desenvolvimento do raciocínio matemático; ii) HdM e
elucidação dos porquês - menções à HdM apresentadas, geralmente, em forma
expositiva, com o intuito de mostrar ao aluno o porquê do desenvolvimento de
alguns conhecimentos matemáticos; iii) HdM e elucidação dos para que - são
menções históricas que mostram a utilidade de conteúdo específicos e suas
aplicações na própria matemática e em outras áreas, em um determinado tempo
ou em épocas diversas e iv) HdM e formação cultural geral - nessa categoria as
menções históricas trazem Informações de forma mais geral, porém
relacionadas à matemática, como biografia de matemáticos.
Foram identificadas, nas coleções analisadas por Pereira, 294 menções
à HdM, sendo 265 em forma de textos expositivos e 24 em forma de atividades.
A pesquisadora, também, observou que o uso de HdM como estratégia didática
ainda é a categoria menos utilizada. A autora defende um maior número de
inserções nessa categoria, que é a mais interessante do ponto de vista didático.
A pesquisa de Pereira (2016) é um dos referenciais teóricos de nossa pesquisa.
As categorias para analisar as funções didáticas de inserções de HdM também
serão utilizadas em nossa pesquisa, cujas fontes primárias serão algumas
coleções dos anos finais do Ensino Fundamental.
Através dos resultados dos estudos apresentados, observamos que a
categoria de inserções que menos está presente nos livros didáticos, desde o
1141
primeiro estudo, é a estratégia didática, que é a categoria mais interessante do
ponto de vista do ensino de matemática.
Maria Regina Garcia Gay e Willian Raphael Silva Araribá mais – Matemática
1142
Edwaldo Bianchini Matemática – Bianchini
1143
Álgebra Propriedades da igualdade, Partição, Linguagem
algébrica: variável e incógnita, Expressões algébricas,
Sequências, Proporcionalidade, Equações polinomiais
do 1º e 2º grau, Sistema de equações polinomiais de 1º
grau, Funções, Razão entre grandezas.
1144
na inserção” (HAUBRICHS; BERNARDES, 2020, p. 10). Quatro categorias foram
propostas pelo grupo CHEMat, não necessariamente disjuntas duas a duas, para
classificar as inserções: a) a narrativa é composta de uma sequência de
episódios/eventos de locais e/ou tempos distintos, b) a narrativa é focada em
apenas um episódio/evento, c) a narrativa contém meramente informações
biográficas de um ou mais personagens e d) a narrativa contém meramente a
menção de algum elemento histórico (nome próprio, local ou data) ligado a um
conceito matemático. O objetivo de fazer esta classificação é identificar se as
inserções se aproximam de uma historiografia de vertente mais tradicional ou
mais atualizada para a HdM.
O segundo conjunto é baseado nas categorias apresentadas por Pereira
(2016), não necessariamente disjuntas duas a duas, com o objetivo de analisar
as funções didáticas das inserções de HdM. São elas: a) estratégia didática, b)
elucidação dos porquês, c) elucidação dos para quê ou d) formação cultural
geral. A análise proporcionada por essas categorias nos possibilitará saber, por
exemplo, se a HdM presente nos livros didáticos de Matemática, anos finais do
Ensino Fundamental, contribui diretamente para o ensino dos conceitos
matemáticos (estratégia didática).
Cada inserção de HdM é considerada um “respondente” do
questionário. O quantitativo de inserções que Pereira (2016) encontrou (quase
300) nas 6 coleções de Ensino Médio, analisadas por ela, nos leva a estimar que
em cada livro podemos encontrar cerca de 15 a 20 inserções. Como 16 livros
serão analisados, o questionário será respondido cerca de 350 vezes. Ao final
da coleta de dados, teremos uma tabela com cerca de 350 linhas para ser
analisada.
1145
Neste momento, estamos trabalhando na finalização do questionário de
coleta de dados, deixando-o adaptado a nossa pesquisa, já que a versão original
foi elaborada para coleta de dados dos conteúdos de livros didáticos do Ensino
Médio pelo grupo CHEMAT. Ao mesmo tempo, estamos localizando as
inserções presentes nas coleções selecionadas para o início dos registros das
mesmas, assim que finalizada as alterações do questionário.
Finalizadas as etapas acima descritas, iniciaremos a coleta de dados,
onde serão registradas no questionário as inserções mapeadas nos livros.
Concluídos tais registros, será realizada a análise dos dados, segundo critérios
acima descritos.
Como citado anteriormente, esperamos ao fim de nossa pesquisa, ter
uma visão ampliada do uso, dos tipos de narrativa e dos fins didáticos da História
da Matemática presentes nos livros didáticos de Matemática para os anos finais
do Ensino Fundamental.
Esperamos, também, que os resultados apresentados contribuam, para
despertar no professor da educação básica um olhar mais crítico para a história
da matemática e seu uso no ensino. Além disso, este estudo poderá contribuir
para pesquisadores interessados em pesquisar e ampliar os horizontes dentro
dessa temática e para professores de cursos de formação de professores de
matemática que tenham interesse em debater o tema da articulação entre
história e ensino.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIANCHI, M. I. Z. Uma reflexão sobre a presença da História da Matemática
nos livros didáticos. 2006, 103p. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-
graduação em Educação Matemática), Universidade Estadual Paulista, Rio
Claro-SP.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília,
2018.
______. Ministério da Educação. PNLD 2020: matemática – guia de livros
didáticos/ Ministério da Educação – Secretaria de Educação Básica – Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação. Brasília, DF: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Básica, 2019.
1146
BRASIL. Ministério da Educação. (2020). Programas do Livro – Dados
Estatísticos/Ministério da Educação - Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação, Brasília, DF: Ministério da Educação e Cultura. Disponível em:
<https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/dados-
estatisticos.> acesso em 23/07/2020.
HAUBRICHS, C; BERNARDES, A. Inserções de história em livros didáticos
de matemática: elaborando um instrumento de coleta de dados. Disponível
em:
<https://www.17snhct.sbhc.org.br/resources/anais/11/snhct2020/1599695763_
ARQUIVO_9305592694d752e40f9fd060e1153369.pdf> acesso em:
27.12.2020.
1147
OS OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS EM GUY BROUSSEAU E A
EMERGÊNCIA DA MATEMÁTICA PURA NO SÉCULO XIX
Vinicius Linder393
RESUMO
A intenção deste trabalho é apresentar uma reflexão sobre o uso da história no ensino
de matemática. Tomando como ponto de partida os obstáculos epistemológicos na
teoria de Guy Brousseau (1997), problematizamos sua aplicação a um determinado
episódio da história da matemática, a saber, a emergência da matemática pura no
século XIX. A exemplo das críticas feitas por Schubring (2018) e Radford (1997) a um
papel passivo da história em seu uso no ensino, entendemos que tais estudos possuem
uma abordagem limitada da história, uma vez que negligenciam seu papel ativo, além
da constituição de seus elementos sociais. Em vias de contribuir para este debate,
apresentamos aqui uma reflexão dos aspectos do uso da história no ensino de
matemática, ao produzir um tensionamento entre a teoria de Brousseau e a história
social da emergência da matemática pura. Tal abordagem visa refletir sobre a validação
da abordagem histórica de Brousseau para o ensino de matemática, uma vez que esta
remete a um suposto paralelismo entre o processo formativo e o histórico.
INTRODUÇÃO
Neste texto, traremos como pano de fundo a relação entre o ensino e história da
matemática ou, de certa forma, as metodologias de uso da segunda na primeira.
Admitimos aqui que tal uso, como o é comumente concebido, nos parece no
mínimo questionável.
393
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). lindervinicius@gmail.com
1148
De maneira geral, concordamos aqui com Radford (1997) no que este apresenta
dois tipos comuns de abordagem da história da matemática no ensino. O
primeiro estaria ligado à apresentação de anedotas históricas. Tal abordagem se
utiliza de episódios históricos, no sentido de trazer uma “contextualização” e
“motivação” ao conteúdo tratado. A segunda se refere à maneira específica de
enxergar a história como “um imenso arsenal de problemas cronologicamente
ordenados a serem “importados” à sala de aula, para que os alunos os resolvam”
(RADFORD, 1997, p. 26). Ainda que tais abordagens possam ter seus ganhos
na relação com os alunos, as entenderemos aqui como tratamentos superficiais
dados à história.
Radford apresenta então uma terceira abordagem possível à história no ensino:
“uma espécie de laboratório epistemológico, no qual explora-se o
desenvolvimento do conhecimento matemático” (ibid., 1997, p.26). Tal
abordagem nos oferece uma problemática particular, relativa à relação entre o
saber moderno com o saber do passado.
Uma abordagem específica de tal questão encontra-se na teoria do
desenvolvimento cognitivo de Piaget (1971). Em sua epistemologia genética,
Piaget apresenta uma tese particular sobre tal relação adotando a chamada “lei
biogenética”, na qual justifica sua teoria, que afirma o paralelismo entre a
organização racional do conhecimento na história e nos processos formativos.
No que concerne ao ensino da matemática, tal visão foi adotada principalmente
por Guy Brousseau, em sua Didática da Matemática (1983). Ao aproximar-se da
questão do papel do erro em matemática, Brousseau tomará como base de sua
abordagem a teoria dos obstáculos epistemológicos de Gaston Bachelard
(1938/1975). Bachelard defende que o progresso da ciência realiza-se em uma
sequência de rupturas psicológicas, processo que nos leva do conhecimento
fenomenológico ao abstrato. Anteriores às rupturas, haveriam períodos de
estagnação, caracterizados pela presença de obstáculos epistemológicos.
Brousseau aproximará então as teorias de Piaget e de Bachelard, de forma a
incorporá-las em uma visão renovada sobre o papel do erro. Na concepção de
1149
Brousseau, os erros individuais de um aluno podem refletir, diretamente,
obstáculos encontrados na história da matemática.
O objetivo deste breve ensaio é problematizar a teoria de Brousseau, aplicando-
a a um episódio específico da história da matemática, a saber, a emergência da
matemática pura na Prússia, no século XIX, à luz de seu contexto social.
OS OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS
1150
Na educação matemática em especial, o conceito de obstáculo será adotado
sobretudo a partir da obra de Guy Brousseau (1997). Este autor francês
questiona o papel do erro no aprendizado dos alunos de maneira específica, em
detrimento de uma abordagem do erro como a ignorância ou o acaso individual.
Ao abordar tal questão, Brousseau traça um paralelo entre a epistemologia
genética de Piaget e os obstáculos epistemológicos de Bachelard.
Os obstáculos aos quais Brousseau se refere são classificados pelo autor em
três categorias de origem: (1) ontogênico, os quais surgem por limitações físicas
do estudante no momento do desenvolvimento; (2) didáticos, as quais dependem
das escolhas do projeto didático do sistema escolar e; (3) epistemológicos, dos
quais não se pode nem se deve fugir, em razão de seu caráter formativo na
produção de conhecimento em questão. Estes podem ser encontrados na
história dos próprios conceitos (BROUSSEAU, 1997, p. 86-87).
A questão é proposta por Brousseau tendo em vista a possibilidade de se
contornar tais obstáculos. É interessante, contudo, que os obstáculos
epistemológicos sejam aqueles classificados enquanto “incontornáveis”. Este
caráter de necessidade é justificado pela orientação histórica de tais obstáculos
no desenvolvimento dos conceitos em questão.
Brosseau então definirá condições sob as quais tais conceitos aplicam-se:
1151
posição específica é apontada por Schubring (2018) como proveniente do fato
de que aparentemente o autor “não integra uma peça chave da concepção de
Bachelard: a noção de ruptura entre o conhecimento sensível e o conhecimento
científico” (SCHUBRING, 2018, p. 32).
Na visão histórica de Brousseau, parece haver uma clareza quanto à
possibilidade de correspondência dos obstáculos do desenvolvimento científico
com a construção dos mesmos conhecimentos a nível de sala de aula. Tal
relação parece remeter diretamente à conjectura de correspondência entre
ontogenia e filogenia, presente sobretudo na Epistemologia Genética de Piaget,
cuja hipótese fundamental supõe um paralelismo entre o progresso da
organização lógica e racional do conhecimento e os correspondentes processos
psicológicos formativos (PIAGET, 1971, p. 13).
Esta posição de Piaget seria reforçada sobretudo a partir de sua obra de 1983,
em parceria com Rolando Garcia, Psychogenesis and the History of Science. Tal
obra trata de estudos comparativos nos campos da mecânica, geometria e
álgebra, afirmando a invariância dos instrumentos no desenvolvimento histórico
e individual, cuja ação identifica processos e mecanismos comuns.
Tal posição específica da história possuirá uma ampla crítica (FRANCO e
COLINVAUX-DE-DOMINGUEZ, 1992; RADFORD e FURINGHETTI, 2002;
ROGERS, 2008; SCHUBRING, 2018), bem como produções tributárias destas
obras (SIERPINSKA, 1994; SFARD,1995). É perante o debate estabelecido por
essas obras que pretendo aqui apresentar uma breve análise de um momento
específico da história e suas possíveis relações com os conceitos acima.
1152
Esse tipo de objeto torna-se central na matemática sobretudo a partir do século
XIX. Anteriormente, sobretudo durante os séculos XVII e XVIII, a matemática se
estabelece enquanto ferramenta de leitura e manipulação dos fenômenos da
realidade, a partir do determinismo científico de Newton (1643-1727). Nesta
concepção, a realidade e a natureza poderiam ser determinadas através de suas
relações de causalidade, as leis naturais, expressas por suas equações
matemáticas.
É preciso observar que a relação entre realidade e natureza estabelece aqui uma
reciprocidade. Ao passo que a natureza é determinada por suas leis
matemáticas, os objetos da matemática por sua vez são compreendidos a partir
de sua identidade com as condições do real. Designa-se aqui uma ontologia
específica, caracterizada por seu substancialismo.
A partir do início do século XIX, entretanto, parece ocorrer uma virada neste
cenário. A emergência de uma “nova” matemática, posicionada sobre uma nova
base epistemológica, começaria a se formar na Prússia. Assentada nos valores
neo-humanistas, projeta-se a legitimação de uma matemática “pura”, cujos
conceitos fundamentais deviam ser definidos por meio de outras definições
claramente explicitadas e nunca se basear em intuições (ROQUE, 2012, p. 419).
No interior desta mudança de episteme, portanto, aparentemente reside a
superação de um obstáculo epistemológico, no sentido dado por Bachelard.
Conceitos como os números negativos, por exemplo, não seriam aceitos por sua
desconexão com a ontologia estabelecida a partir do paradigma quantitativo.
Possibilidade de inferências mais abstratas como as geometrias não-euclidianas
não seriam ao menos possíveis na concepção matemática pré século XIX.
1153
algumas reflexões pertinentes ao âmbito da história social da emergência da
matemática pura, de forma a problematizar a aplicação referida.
Em um artigo de 1981, Schubring discute o papel da matemática pura como
ferramenta no processo de institucionalização da matemática na Prússia. Em
linhas gerais, tal processo se dará a partir de meados do século XVIII, mas terá
seu desenvolvimento sobretudo no início do século XIX.
Tal processo demandaria o reconhecimento social da atuação de uma
comunidade científica e sua contrapartida institucional. A emergência de uma
matemática “pura”, independente de suas aplicações bem como o
desenvolvimento de uma metodologia específica legitimariam o processo de
institucionalização da matemática e sua consequente autonomia científica. A
renovação da visão interna sobre os princípios e metaconcepções da
matemática assim se fazia necessária.
É de se notar que a matemática desenvolve-se, até a passagem do século XVIII
para o XIX, majoritariamente na França, sempre atrelada ao contexto das
ciências naturais, sobretudo a partir da tradição determinista do pensamento
iluminista. No ideário revolucionário francês, a justificativa para qualquer
empreendimento teórico permanecia atrelada à sua relevância para a resolução
de problemas de física ou de engenharia (ROQUE, 2012, p. 416).
O contexto institucional na França foi ainda mais decisivo na origem do chamado
“declínio” francês. Após a revolução, a política de remunerações privilegiaria
quase exclusivamente o ensino, em detrimento da pesquisa científica. Tal
situação, de forte cunho político, teria consequências diretas à matemática
francesa.
O contrário, contudo, acontecia na Prússia. As reformas educacionais de
Wilhelm Von Humboldt teriam atuação especial no desenvolvimento de uma
cultura científica, centrada sobretudo nos valores neo-humanistas e no conceito
de Bildung, onde despontaria o “imperativo da pesquisa” em todas as cadeias de
ensino (incluindo os ginasiais).
O desenvolvimento do “imperativo da pesquisa” nas universidades, bem como
da profissionalização nas universidades prussianas concentraram suas
1154
atividades inicialmente na filologia (SCHUBRING, 1981, p. 117), uma vez que o
desenvolvimento do espírito era mais enfatizado, em detrimento da expansão
pela produção de novos conhecimento. A extensão da metodologia filológica às
ciências matemáticas marcará assim uma maneira “nova” de fazer matemática,
alinhada com os valores neo-humanistas, com foco formativo.
A obra de Jacobi (1804-1851) é um bom exemplo do ideal não utilitário da
ciência, reflexo da cultura do período. Sua frase: “é honorável à ciência não ter
uso”394 é bem conhecida e sintetiza as ideias que queremos aqui descrever: .
Além de Jacobi, podemos destacar neste cenário a figura de August Leopold
Crelle (1780-1855), cuja defesa de uma matemática pura se encontra também
nessa perspectiva de formação espiritual dos indivíduos.
É neste ambiente intelectual que surgirão esforços para a disciplinarização e
institucionalização da matemática enquanto uma ciência autônoma. Schubring
(1981) mostra que no período de 1817 a 1850 intentou-se o estabelecimento de
uma instituto politécnico em Berlim, cuja função principal seria a efetivação da
profissionalização e institucionalização da matemática como uma ciência
moderna. A construção de tal independência dependia necessariamente da
estruturação de uma disciplina independente, a qual se encontrava na
matemática pura.
Ficam evidentes, desta forma, a maneira com que fatores externos determinaram
a institucionalização e consequentemente, a emergência de uma matemática
pura. Desta forma, esta surgiria neste cenário com uma intencionalidade: a
construção de uma metodologia científica autônoma, justificada por sua
necessidade institucional. A superação de seus aspectos internos, nesta visão,
nos parecem secundários.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
394
Curiosamente Goethe, uma das figuras mais importante do romantismo alemão, apresenta
fragmento semelhante em sua obra Máximas e Reflexões, de 1833: “Como quer alguém
aparecer como mestre em sua matéria quando não ensina nada de inútil?”
1155
Dadas as devidas considerações, retornamos à problemática inicial, a qual
considera a emergência de uma matemática pura enquanto obstáculo
epistemológico. Um olhar menos atento aos fatores sociais envolvidos poderia
certamente admiti-los, uma vez que do ponto de vista conceitual, há uma espécie
de impossibilidade à construção das ideias devido à epistemologia adotada.
Entretanto, é curioso que as motivações históricas estejam afastadas de tais
preocupações.
Ademais, é preciso comentar alguns pontos pertinentes ao tema. A teoria de
Brousseau procura posicionar o papel do erro como elemento constitutivo do
aprendizado. Tais considerações interessam e muito ao âmbito do ensino, uma
vez que posicionam o erro no centro da reflexão e não mais o relegam a uma
marginalidade. Contudo, é intrigante a expectativa de paralelismo que a teoria
de Brousseau propõe entre os obstáculos encontrados na história da produção
do conhecimento científico e as dificuldades encontradas pelos alunos.
Tal paralelismo inegavelmente remonta um ambiente de aceitação da lei
biogenética, hipótese sob a qual o desenvolvimento dos indivíduos replicaria as
etapas principais percorridas pela espécie. Tal hipótese vigorou sobretudo entre
o final do século XIX e o início do século XX. Concordamos aqui em uma
preocupação expressada por Schubring, no sentido de que “o conceito de
obstáculo epistemológico tem reanimado a chamada lei biogenética, em
particular em estudos que investigam o uso da história no ensino da matemática”
(SCHUBRING, 2018, p. 38).
Concluímos ao salientar aqui a importância de se desenvolverem estratégias
efetivas de integração entre história e ensino. Acreditamos aqui na perspectiva
de Radford (1997), o qual é enfático em defender a análise histórico-
epistemológica na educação matemática, sob uma perspectiva cultural. Assim,
seria preciso entender as negociações e concepções culturais que transpassam
os conceitos, de forma a obter destas as informações necessárias ao
entendimento do desenvolvimento do saber matemático
1156
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para
uma psicanálise do conhecimento, Tradução Esteia dos Santos Abreu. - Rio de
Janeiro: Contraponto, 1996.
ROGERS, Leo. The biogenetic law and its influence on theories of learning
mathematics. Research in Mathematics Education, v. 2, n. 1, p. 225-240, 2000.
1157
STOMACHION: UMA ABORDAGEM SOBRE A HISTÓRIA DA
ANÁLISE COMBINATÓRIA – PÔSTER DIGITAL
RESUMO
Este trabalho objetiva explorar a História da Matemática no âmbito da Análise
Combinatória e verificar que o Stomachion de Arquimedes é o primeiro registro de
estudos sobre o tema. Desejamos aproximar a História da Matemática aos alunos de
forma a mostrar que a Matemática é ciência em transformação e que pode ser utilizada
como recurso didático. Assim, trazemos a resolução do Stomachion e, através de
nossos estudos sobre o tratado, propomos sua utilização em atividades do Ensino
Básico, haja vista ser uma fonte de estudos sobre Geometria, Análise Combinatória e
Raciocínio Lógico. O trabalho foi desenvolvido através de pesquisas bibliográficas onde
analisamos livros digitais e impressos, dissertações, artigos e obras publicadas em sites
oficiais sobre a História da Combinatória e o Palimpsesto de Arquimedes. O livro Códex
Arquimedes, de Reviel Netz e William Noel, é base para a investigação proposta.
Finalizamos este trabalho desmistificando que o Stomachion seja apenas um jogo e que
pode ser empregado como núcleo de desenvolvimento de outras áreas matemáticas.
INTRODUÇÃO
395
Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). paula.fibbonacci@hotmail.com.
1158
passos que nos trouxeram até o que conhecemos hoje ou até mesmo modificar
o que se acreditava correto, além de introduzir novas ferramentas matemáticas.
1159
FIGURA 1 – TABULEIRO QUE REPRESENTA O STOMACHION
Fonte: https://culturacientifica.com/2019/10/23/el-puzzle-stomachion-y-
el-palimpsesto-de-arquimedes-1/. Acesso em 01/01/2021.
1160
de comensurabilidade com o quadrado e as interações entre as peças na
formação do mesmo.
Sequencialmente, propomos aplicações do Teorema de Pick e do
cálculo de áreas a partir de determinantes como atividades enriquecedoras para
o ensino do cálculo de áreas, aplicando ambos nas áreas das figuras do
Stomachion. Apresentamos, também, uma sequência didática para estudo da
Permutação Simples através do Stomachion. Tais atividades sugeridas são
baseadas na BNCC e no Currículo Referência e, acrescentamos desafios do
Stomachion, aplicações do Stomachion e Tangrans via software gratuito Peces.
De acordo com BRASIL (1998, p. 79), o uso de alguns softwares disponíveis
também é uma forma de levar o aluno a raciocinar geometricamente.
Finalizamos destacando a riqueza de aplicações do tratado no processo
de ensino-aprendizagem fornecendo novas sugestões didáticas aos professores
e ressaltando importância da História da Matemática no desenvolvimento da
disciplina, a fim de humanizá-la e aproximá-la dos estudantes do Ensino Básico.
REFERENCIAL TEÓRICO
1161
A História nos diz que existiram três códices com os trabalhos de
Arquimedes, conhecidos como Códex A, Códex B e Códex C. Todavia, apenas
o Códex C sobreviveu ao tempo e chegou até nós. Além de ser a única fonte de
O método e Stomachion, contém, ainda, Corpos Flutuantes, é também o mais
antigo manuscrito dos tratados de Arquimedes. O Códex C como o conhecemos
hoje teve seu conteúdo manuscrito em 975 d.C. (século X) e foi convertido em
códex no século XII. (NETZ; NOEL, 2009, p.137)
Até se analisar o último vestígio do Stomachion, sabia-se que
Arquimedes trabalhou com um jogo composto por catorze peças que, juntas,
formavam um quadrado e cujo objetivo seria construir certas formas geométricas
a partir delas. Relatos da Antiguidade sobre o jogo sugerem que Arquimedes
não o teria inventado, mas que teria se interessado por ele e feito uma série de
reflexões matemáticas a seu respeito.
Em 1899, um acadêmico alemão chamado Suter deparou-se com um
manuscrito em árabe do século XVII que citava um certo “Stumashiun de
Arquimedes”. Essa versão trazia um texto muito curto, contido em duas folhas,
mas que foi fundamental para complementar a página restante no Palimpsesto.
O manuscrito trazia a construção do Stomachion (figura 1).
1162
conseguiram extrair do palimpsesto grande parte do tratado sobre o Stomachion,
assim, veio à tona um significado mais intrigante que o de apenas um jogo de
quebra-cabeças (figura 2):
1163
mesmas dentro do quadrado, ou seja, de quantas maneiras podemos arranjar
as peças do Stomachion de modo que sempre formem um quadrado.
Uma luz sobre o assunto foi lançada e indicava que os cientistas
estavam diante de um marco sobre os estudos sobre Análise Combinatória: seu
primeiro registro.
Leibniz definiu a análise combinatória como “o estudo da colocação,
ordenação e escolha de objetos” em 1666, já em 1818, Nicholson sentenciou-a
como ”o ramo da matemática que nos ensina a averiguar e expor todas as
possíveis formas através das quais um dado número de objetos podem ser
associados e misturados entre si.” (VAZQUEZ; NOGUTI, 2004, p. 4)
Biggs (1979, p. 110) afirma que os princípios de contagem são bem
evidentes e são fatos de experiências diárias, os quais até pouco tempo não
haviam recebido um status formal e não é possível rastrear o histórico de suas
origens. No entanto, o autor nos fornece alguns exemplos memoráveis que
persistiram ao longo do tempo, numa tentativa de estabelecer onde os mais
antigos surgiram. Uma certa cantiga de ninar presente em livros infantis do
século XX tem sua primeira referência datada em 1730 mas guarda semelhanças
com enigmas mais antigos, como um problema contido no Liber Abaci de
Fibonacci em 1202 e ao Problema 79 do Papiro Rhind de aproximadamente 1650
a.C.
A teoria combinatória e sua formalização apenas ocorreram a partir do
fim século XVI quando da necessidade de se calcular probabilidades em jogos
de azar. Entre os matemáticos que se dedicaram ao assunto, temos Blaise
Pascal (1623-1662), Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), Pierre Fermat (1607-
1655), Abraham de Moivre (1667 – 1754), Jacob Bernoulli (1655-1705), Leonard
Euler (170-1783) e Johann Peter Gustav Lejeune Dirichlet (1805 – 1859).
(GONÇALVES, 2014, p. 15-18)
Portanto, confirmada a teoria de que o Stomachion realmente se tratava
do primeiro registro de Combinatória da história, Arquimedes é colocado como
pioneiro também neste ramo da Matemática.
1164
A partir deste ponto, busca-se aplicar as descobertas sobre o
Stomachion no Ensino Básico de Matemática, de acordo com o que propõe a
BNCC e o Currículo Referência de Minas Gerais.
METODOLOGIA
ANÁLISE DE DADOS
1165
de contagem no Problema 79 do Papiro Rhind de aproximadamente 1650 a.C. e
no Livro Chinês das Mutações (ou I Ching) também da mesma época. Após isso,
apenas a partir no século XVI d. C. que a Análise Combinatória começa a ser
estudada, desenvolvida e formalizada, segundo Biggs.
Com a descoberta do Códex C de Arquimedes e da aplicação das
tecnologias de análise de imagens no mesmo, pode-se encontrar o Stomachion
e ler seu conteúdo. Nesta leitura, Noel constatou que Arquimedes não estava
interessado na infinidade de figuras que se podiam formar com as peças do
Stomachion e sim, verificar a quantidade de maneiras em que podiam ser
organizadas de maneira a formar um quadrado. Arquimedes então, pontua uma
série de características do Stomachion e analisa uma série de interações entre
as peças como semelhança, congruência e simetria e comensurabilidade entre
suas áreas e a área do quadrado para, a seguir, solucionar o problema
combinatório envolvido.
Em nosso trabalho, além de produzirmos a primeira versão em
Português do tratado do Stomachion a partir do tratado traduzido da língua grega
para a inglesa por William Noel, produzimos sua resolução com o auxílio dos
estudos de Arquimedes e da solução proposta por Chung e Graham utilizando
as ferramentas matemáticas disponíveis a Arquimedes na época.
Analisando a revisão bibliográfica e os dados produzidos na solução,
percebemos que os recursos empregados podem ser aplicados no Ensino
Básico de Matemática já que tratam de Geometria Básica, Raciocínio Lógico e
Análise Combinatória. Neste sentido, propusemos uma série atividades de
aplicações do Stomachion em sala de aula, dentre elas, atividade voltada ao
ensino da Análise Combinatória que pode ser trabalhada por professores de
Ensino Médio. Trata-se de uma abordagem sobre o tema da Permutação
Simples e Fatorial onde o uso de fórmulas não é necessário para a resolução
do exercício. Objetivamos que os alunos reconheçam o problema como um
problema de contagem e sejam capacitados a resolver problemas elementares
que envolvam Permutação Simples.
1166
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIGGS, N. L. The roots of combinatorics. 1. ed. London: Surrey Twzo Oex. 1979.
Vol 6. p.109-136.
1167
CHUNG, F. e GRAHAM, R. A tour of Archimedes’ Stomachion. Disponível em:
<http://www.math.ucsd.edu/~fan/stomach/>. Acesso em 08/09/2020.
1168