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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – CCHL


CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA
DISCIPLINA: INTRODUÇÃO DOS ESTUDOS HISTÓRICOS
PROF.º DR. FÁBIO LEONARDO CASTELO BRANCO BRITO
ALUNO: RENATO RAMOS DE ALMEIDA – 1° PERÍODO

ATIVIDADE AVALIATIVA
RESENHA DO LIVRO: A HISTÓRIA CONTINUA, DUBY. Georges

TERESINA-PI
2022
DUBY, Georges. A História Continua. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. Ed. UFRJ, 1993,
162 p.

A HISTÓRIA CONTINUA: UMA HISTORIOGRAFIA SOCIAL

George Michael Claude André Duby, nasceu na França no ano de 1919 na cidade de
Paris e faleceu em 1996 na cidade de Aix-en-Provence. O início da sua jornada acadêmica foi
na cidade de Lyon no ano de 1949, na Universidade de Lyon, ao concluir os seus estudos
(formação acadêmica) tornou-se professor assistente na Universidade de Lyon, e em seguida
tornou-se professor na Universidade de Bonançoso, posteriormente atuou em Aix-en-Provence.
Duby foi membro da Academia Francesa, assim como professor no Collège de France (1970-
1992), tornou-se especialista em estudos e pesquisas sobre a Idade Média, onde publicou
inúmeras obras que ainda hoje servem como fontes historiográficas sobre o período do regime
feudal. Em relação as honrarias que Duby recebeu as mais expressivas, são: Membro da
Academia Francesa; Comandante da Legião de Honra; Grande oficial da Ordem Nacional do
Mérito. E recebeu o título de Doutor Honoris Causa por Universidades Europeias e nas
Américas.
Em relação as publicações (obras) de Georges Duby, essas são mais de 70 livros fora a
sua atuação como coordenador de coleções relevantes, por exemplo, a coleção História da Vida
Privada. As principais obras de Duby são as seguintes: Le Temps des Cathédrales, 980-1420 (O
Tempo das Catedrais, 980-1420, 1976), Les Trois Ordres ou L'Imaginaire du Féodalisme (As
Três Ordens ou o Imaginário do Feudalismo, 1978) e Le Chevalier, la Femme et le Prêtre (O
Cavaleiro, a Mulher e o Padre, 1981). Um fato curioso sobre Georges Duby é que o mesmo
detinha o desejo de tornar-se um Geógrafo, mas devido ao seu contato com um professor que
ministrava aulas sobre a Idade Média o mesmo apaixonou-se pela forma como o educador
explanava e explicava os fatos e acontecimentos sobre o período medieval e este fato o fez
seguir seus estudos no curso de História e tornar-se um Historiador especialista em Idade
Média, precisamente no recorte temporal dos séculos XI ao XII.
O presente livro A História Continua de Georges Duby está devidamente
organizado/estruturado em 17 capítulos, onde cada capítulo versa sobre uma parte relevante do
processo da formação historiográfica de Duby, são elas: I – A Eleição; II – O Diretor; III – O
Material; IV – O Tratamento; V – Leitura; VI – Construção; VII – A Tese; VIII – A Matéria e
o Espirito; IX – Mentalidades; X – Da Arte; XI – O Colégio; XII – Viagens; XIII – Honras;
XIV – A Televisão; XV – O Marechal; XVI – Parentesco; XVII – Projetos. É explícito que esta
obra possui uma caráter autobiográfico e ao mesmo tempo no remete que não, porém é
compreensível e justificável que a cada capítulo lido e relido pode-se identificar a escrevivência
do autor em inúmeros trechos da presente obra.
Em relação ao contexto central do livro que está fundamentada na historiografia de
Duby que tem como fundamentação/embasamento a sua militância contra a abordagem da
historiografia do período que compreende o ano de 1942 considerada tradicionalista, pois
manteve seus estudos e pesquisas em um processo tecnicista que detinha a finalidade de “tentar”
reviver, reconstruir e reescrever os fatos e acontecimentos convencionados como “históricos”
de maneira fiel e na íntegra (como se o passado fosse algo estático, imutável e pudesse ser
revisitado na sua integralidade conceitual, compositória e essencialista a qualquer momento)
alinhado a elaboração e aplicação de questionamentos aferidos aos chamados “protagonistas”
(quem elegeu estes?) e suas implicações (causas), principalmente com as organizações
(instituições) do período, questões estruturantes. Outro elemento desse processo historiográfico
engessado combatido por Duby é em relação ao foco analítico (objetos de estudo e temas) que
detinham e valorizavam, são eles: aspectos políticos, militar e religioso dos tais protagonistas
elegidos por estes historiadores, e assim a essência principal na visão historiográfica de Duby
era excluída de maneira vil, proposital, uma espécie de trabalho histórico superficial (tábua
rasa), no caso a história social, estudar e analisar de maneira minuciosa os fatores de natureza
originária e suas respectivas reverberações no contexto do processo e a forma das relações,
interações e integrações entre os sujeitos (protagonistas e homem comum) de cada período
pesquisado, assim como o modo de vida individual e principalmente em coletividade.
Assim, nota-se nesta obra que a essência historiográfica de Duby possui um caráter
visionário, pois evoca o surgimento de uma nova forma, abordagem e tratamento analítico dos
fatos e acontecimentos históricos com base no que o autor define como história social que
possui uma composição e finalidade sistêmica, construtiva e diretiva sobre os saberes e fazeres
do trabalho historiográfico. É explícito nesta obra que autor questiona de maneira contundente
a forma como a historiografia da década de 1942 realizava e executava apenas os saberes e
fazeres do trabalho histórico com foco na construção de narrativas que privilegiavam fatos e
acontecimentos sobre os chamados grandes protagonistas (reis e generais) e os figurantes
(sujeito comum) não possuía nenhum valor para história, pode-se dizer que estes últimos eram
apenas elementos de composição do cenário do recorte temporal analisado e revistado pelos
historiadores.
Compreende-se de maneira didática nesta obra que Duby se debruçou por uma nova
abordagem e corrente historiográfica que prioriza o estudo e analise dos fatos/acontecimentos
históricos com essência sistêmica que converge tudo na história social que abrange todos
aspectos que compõe a “sociedade”: políticos, econômicos, culturais, religiosos e que as
interações existentes entre os sujeitos (convívio social) oferece para o historiador a
oportunidade de estudar elementos estruturantes como, por exemplos, as concepções e
reverberações de um ou mais fatos/acontecimentos produzem e influenciam de maneira direta
e indireta os segmentos compositores da sociedade em questão. Na perspectiva do autor, estudar
o convívio social é valorizar a história de maneira essencialista, sistêmica e principalmente faz-
se necessário o devido uso da “interdisciplinaridade” e “multidisciplinaridade” dos saberes e
fazeres históricos. Basta lembrar que Duby detinha o desejo de tornar-se Geógrafo, pode-se
deduzir que a sua historiografia social tenha partido desse interesse por saberes e fazeres
(método científico) geográficos especifistas referentes ao estudo da sociedade de maneira inter
e multidisciplinar, de maneira gradual e sistêmica, partindo do micro para o macro.
Georges Duby fez parte da nova historiografia do século XX, foi um dos estudiosos que
foi diretamente influenciado pela Escola de Annales, teve e manteve contato com os seus
idealizados da Primeira Fase da escola referida, Lucian Febvre e Marc Bloch. A presente obra
demonstra que o contato de Duby com os idealizadores de Annales lhe rendeu inúmeras
aprendizagens acerca do processo historiográfico, por exemplo, é explícito na obra a seguinte
premissa: “O historiador nunca pode viver recolhido, isolado em seu mundo (saberes e fazeres),
pelo contrário, este deve compreender que quanto mais fizer o uso devido da inter e
multidisciplinaridade na sua produção historiográfica, mais a mesma alcançar avanços. O
processo de estudo analítico dos fatos/acontecimentos “históricos” devem ser realizados através
das normas científicas, porém não é necessário que a sua produção textual sobre os mesmos
seja de natureza insensível e rígida.” Para Duby, o historiador deve produzir a sua historiografia
textual com mecanismos que busquem promover uma atração e motivação dos seus respectivos
leitores, o trabalho histórico exige um certo domínio da linguagem e seus respectivos estilos,
formas alinhado a sua finalidade primordial trazer a luz as informações mais fiéis possíveis
sobre os fatos. A visão historiográfica de Duby define de maneira didática que a História não
poder ser e nem atuar com “frieza” e “insensibilidade”. Assim, compreende-se que a
escrevivência da presente obra tem um tom e caráter inovador, principalmente na forma que
Duby visualiza, entende, elabora e realiza o seu processo historiográfico sobre os temas
referente a Idade Média com foco bem definido nos aspectos sociais centrados na ruralidade do
Feudalismo do século XI ao XII e deixando de lado os aspectos econômicos.
No período da produção e apresentação da sua Tese de Doutorado o autor teve um revés,
pois o professor ao qual havia escolhido para tal tarefa, Jean Déniau (amante dos Annales)
declinou o convite e indicou Charles-Edmond Perrin que também possuía ligação com Annales,
especialmente com Bloch (Primeira Fase). Duby narra essa fase na obra com uma certa
inquietação inicial, pois a relação entre ele e seu orientador não foi muito regular, produtiva
como o mesmo esperava, os poucos encontros que tiveram ao longo de 12 meses o assunto em
questão era a epopeia de Perrin, cuja a sua temática era sobre a Guerra de 1914, e pouquíssimo
se falava e orientava sobre a produção da sua Tese de Doutorado. Neste capítulo, compreende-
se que Duby busca demonstrar que o relacionamento entre ele o orientador não foi de natureza
relapsa e negativa, pelo contrário a forma como Perrin executou seu trabalho deu a ele a
verdadeira noção de como deve ser realizado o processo de orientação, pois o objetivo
primordial dessa tarefa docente é fazer com que seu orientando não caia no “escapismo” no
processo da produção textual do seu respectivo trabalho, neste caso, a Tese.
Duby relata de maneira expressiva e descritiva todo processo da orientação que recebeu
de Perrin, trabalho de ordem simplista porém eficaz e eficiente. É explícito a valorização que
Duby aferi aos ensinamentos adquiridos com seu orientador, elenca inúmeras aprendizagens,
principalmente devido a sua formação docente em História o mesmo não detinha inicialmente
habilidades e familiaridade com as técnicas de estudos e pesquisas “documentais” teve que
aprender na prática (empirismo) ao longo da produção da sua Tese. Perrin concedeu uma
orientação simples, objetiva e construtiva, indicou inicialmente a obra documental: O Recueil
des Chartes de L’abbaye de Cluny. Perrin, orientou Duby através de ensinamentos sobre leitura
intensa, entender o cerne da pesquisa, identificar recortes do objeto de estudo em conformidade
com o seu departamento, iniciar a prática técnica de análise documental com documentos mais
simples, consistência em conteúdo, possivelmente “virgem”, elaborar perguntas através da
observância do trabalho de terceiros (interdisciplinaridade), definir um recorte temporal
(organização cronológica do estudo – Duby, definiu três a quatro décadas antecessoras e
posteriores dos séculos XI e XII da Idade Média). Assim, como utilizou técnicas dos geógrafos,
que partem do princípio micro (material) para o macro fazendo correlações e associações as
outras ciências afins – interdisciplinaridade, a prova disso foi que o autor pesquisou documentos
extras a Cluny em torno de 45 edições o que demonstra que o trabalho de pesquisa
historiográfico é intenso, demanda tempo, paciência, determinação, disciplina e principalmente
amor e paixão pelo trabalho realizado. Nota-se nos relatos do autor que mesmo o historiador
podendo ter amor e paixão pelo seu trabalho, o mesmo não pode deixar-se levar pelas emoções,
pois os saberes e fazeres científicos devem ser priorizados, principalmente no momento da
análise dos documentos e informações contidas nos mesmos. É fato que a historiográfica
tradicionalista em muitos momentos produziu narrativas dos fatos/acontecimentos “históricos”
através de encomendas, financiamentos e etc. desse modo, o estudo analítico dos documentos
não pode desprezar de maneira taxativa as obras literárias, mesmo estas tendo uma carga
emotiva, sentimental intensa, pois dependendo do nível do pesquisador e suas habilidades
técnicas o mesmo pode identificar informações “codificadas” nesses textos.
A obra ressalta que Duby em 1944 ainda não possuía domínio técnico e cientificado
apurado para realizar os estudos e análises dos documentos. O processo historiográfico do autor
mesmo tendo a história social como fundamentação ainda detinha resquícios de uma abordagem
tradicionalista. Porém, através da sua ligação com a Annales e seu orientador também ser
amante de Annales, este fato concedeu suporte para o desenvolvimento prático da sua
capacidade de estudar e analisar os documentos a ponto de conseguir identificar as
“falsificações” e assim dar continuidade a produção da sua Tese com primazia, eficiência e
eficácia. É explicitado e explicado na obra que Georges Duby teve influências de natureza
sistêmicas e interdisciplinares, pois o mesmo detinha contado íntimo com as produções
historiográficas de alguns historiadores renomado, por exemplo, Michelet, Standhal e Voltaire,
Saint – Simon e Chateaubriand. A obra no seu aspecto biográfico ressalta que Duby afirma que
estes historiadores lhe concederam mais do que uma mera influência técnica, estes lhe deram
suporte no processo de uma escrevivência que também valorizasse uma linguagem que
estimulasse os leitores a ter uma sede insaciável pelos seus textos, que se prendessem de uma
maneira ímpar e ao mesmo tempo que adquirissem conhecimento histórico sobre os recorte da
Idade Média também fosse atingidos de maneira emocionante e sensível. Duby entendeu que
não basta apenas narrar e descrever os fatos é preciso ter informar sobre as ideias, os processos
com uma abordagem apurada para trazê-los a luz dos leitores de uma forma impactante,
sensacional, extraordinária e com base na historiografia social que atua de maneira sistêmica,
construtiva e valoriza todos os elementos dos fatos, não produz exclusão ou superestimação
determinados elementos, fatos e suas implicações.
A perspectiva de Duby na obra sobre a história é que a mesma é “mutável”, “móvel”,
“dinâmica”, desse modo não tem como o processo do trabalho histórico continuar com o
modelo tradicionalista de apenas produzir narrativas e descrições dos fatos e sujeitos. Assim,
entende-se a militância de Duby por uma historiográfica social e que priorize produções textuais
que atinjam os leitores de maneira impactante, atraindo mais e mais os mesmos para o
aprofundamento das leituras sobre história. Essa postura de Duby resulta no processo de
afastamento total do positivismo histórico e tradicionalista. O exemplo dessa defesa da história
móvel de Duby está presente na seguinte premissa do mesmo: “Há algum tempo que emprego
cada vez mais a palavra “eu” em meus livros. É a maneira que tenho de advertir o leitor. Não
tenho pretensão de comunicar-lhe a verdade, mas de sugerir-lhe o provável, colocando-o diante
da imagem de que eu mesmo tenho, honestidade, do real.”
Duby em relação a produção da Tese explícita uma premissa contraditória no campo
teórico e prático sobre o processo do “esgotamento” de um determinado estudo, assunto, tema.
Porém, pode-se deduzir que o autor possuía conhecimento pleno que é a teoria do
“esgotamento” não possui uma fundamentação verídica, pois o mesmo defendia a história
móvel e social, ambas trabalham com o aspecto da dinamicidade dos fatos, objetos e que o
processo de definição de uma pesquisa perpassa pela elaboração e definição do objeto e estudo,
problemática e seus respectivos objetivos (isso perpassa pelas afinidades, prismas e
interpretações infinitas, assim como o surgimento de novas evidências), estes elementos atuam
de maneira factuais, recortes e buscas específicas o que resulta no processo de que toda pesquisa
é “inconclusiva”, a mesma só atinge uma pequena visão, compreensão sobre os fatos, e estes
possuem infinitas informações que podem percorrer inúmeras correntes historiográficas,
resultando em inúmeras superações. A perspectiva de “esgotamento” de um fato é
extremamente inadequada, equivocada, assim como a suposta objetividade de totalidade dos
positivistas.
Ainda sobre a sua Tese, Duby assumiu inúmeras equívocos cometidos na produção.
Compreende-se que o autor nutriu em si uma insatisfação sobre a sua capacidade e respectivas
produções historiográficas, como também teve uma postura defensiva quando aproveitou a
credibilidade dos seus mestres como um escudo. O fato de não ter atingindo o cerne da sua
pesquisa na produção da sua Tese – a investigação e análise de natureza econômica-social. O
autor ressalta que isso ocorreu devido a sua falta de expertise, recursos adequados, domínio dos
instrumentais da pesquisa documental. Porém, mesmo com todas as adversidades e observações
negativas sobre a sua Tese de Doutorado, o mesmo consagrou-se Doutor através da publicação
de “Societé au XI° et XII° siècles dans la région mâconnaise”. Entende-se que esse sentimento
de cobrança em alto nível de Duby pode ser compreendido pela suas influências direta e indireta
de grandes nomes da historiografia de Annales com quem teve contato íntimo e constante,
acredita-se que pode ser até mesmo uma falsa modéstia.
A Fase de Duby Doutor é evidenciada na obra como de sucesso e muito trabalho e
inúmeras publicações, pois o mesmo já está consagrado como especialista nos estudos da Idade
Média, acende a uma cadeira universitária – professor. O autor recebeu inúmeras convites para
produção de trabalhos historiográficos, obras e coleções, muitos estudantes o procuravam para.
Neste momento o autor procura intensifica a sua defesa no processo de ensino dos saberes e
fazeres historiográficos com base na historial social, econômica com foco na dinamicidade dos
fatos (história móvel), usar a interdisciplinaridade (associação e correlação entre as ciências) e
sistematização (diversidade de fontes) do estudo, realizar um trabalho inovador, produzir novas
maneiras, técnicas e métodos historiográficos. Duby elenca elementos primordiais para o fazer
história: expressar sua perspectiva, explicar a sua metodologia, não produzir uma “conclusão”
(obra sem final, demonstrar que a história é móvel e inconclusiva), a obra sem um fim é um
estímulo para promover novos estudos e pesquisas sobre a temática em questão.
Ainda nessa Fase de Doutor a obra de Duby detinha o objetivo de trazer a luz as questões
sobre a relação dos centros urbanos com o campo (meio rural). O campesinato medieval foi o
seu objeto central de estudos e pesquisas. É evidenciado na obra que este interesse pelo
campesinato, a história do campo veio também devido a emeninecia da mesma ser suplantada
e deixar de existir. Assim, em 1960 na França, ocorre a Terceira Fase de Annales que detém
como fundamentação básica uma historiografia inter e multidisciplinar fazendo uso científico
de várias ciências do período, por exemplo, História e Geografia, Antropologia, Economia,
Sociologia, Agronomia com a finalidade de promover saberes e fazeres históricos que tragam
a devida compreensão e entendimento sobre as sociedades.
Duby e o Marxismo. A obra do demonstra que o autor era simpatizante do marxismo,
mas detinha suas convicções e ressalvas principalmente no aspecto do determinismo que
compõe o processo historiográfico marxista, e não via como uma ciência. Para Duby, a história
é móvel não pode ser taxativa, engessada e presa a processos analíticos deterministas, assim
como, o trabalho do historiador deve buscar ao máximo a “imparcialidade” mesmo essa tarefa
sendo impossível de atingir, pois, todo estudo e pesquisas tem seu fase inicial do âmbito
individual, particular, as questões da afinidade e interesses sobre um determinado tema,
assunto, assim o processo de definição do objeto de estudo é de caráter parcial, porém os
resultados adquiridos no estudo devem ser imparciais não podem ser viciados, uma espécie de
fruto e produto dos desejos e anseios do historiador. É evidente que a perspectiva positiva de
Duby sobre o marxismo ocorreu no aspecto metodológico e técnico para realizar os saberes e
fazeres científicos da historiografia econômica-social. O autor define como uma ferramenta
primordial para a devida análise minuciosa e sistêmica sobre o processo da produção das
riquezas e a forma como as mesmas são distribuídas que resultam na composição social e suas
relações e implicações que residem no enraizamento da matéria. Nesse aspecto o marxismo
como ferramenta científica historiográfica de Duby converse com o uso da Antropologia
(especialmente a Antropologia Social), a interdisciplinaridade que é a essência de Annales
sempre está em evidência nas produções de Duby. A convergência da historiografia Dubyana
com o uso da Antropologia Social resultou no surgimento ousado do autor no processo de um
estudo denominado de História das Mentalidades.
De acordo com a obra, Duby se arrisca no uso da História das Mentalidades. Este
método historiográfico teve seu início em 1958 pelos idealizadores/fundadores de Annales,
Marc Bloch e Lucien Febvre. Duby demonstra na obra neste contexto das “mentalidades” que
este processo metodológico detinha sua fundamentação nos princípios e preceitos de natureza
ideológica de Annales que carregava na sua essência a interdisciplinaridade nos saberes e
fazeres da história com auxílio substancial de todas as matérias que compõem as áreas de
conhecimento das Ciências Humanas. A presente obra demonstra que Duby utilizou a história
das mentalidades e que a mesma promoveu algumas mudanças na historiografia desse período,
principalmente na alteração do cerne dos estudos históricos, que antes era um monopólio do
aspecto econômico, agora existe espaço para os aspectos sociais e suas implicações o que
remete ao método historiográfico dubyano. Este método é descrito como um estudo que visa
analisar todos os elementos sociais e culturais de maneira literal, por exemplo, uma espécie de
captação da “atmosfera mental” da época, assim como produziu uma historiografia com foco
nas sensibilidades, odores, temores, angústias e agonias tudo isso pautado em uma conjuntura
de valores que resulta no trabalho dos aspectos socioculturais. A verdade que pode-se entender
que a história assim como historiador são filhos do seu próprio tempo, contexto e conjuntura, e
cada época tem suas “mentalidades” (aspectos sociais, econômicos, culturais, políticos e
religiosos) que exercem o poder sobre as formas de “pensar” e “agir” da sociedade. E nessa
perspectiva cabe ao historiador não cometer “anacronismo” no seu processo historiográfico.
No contexto dos convites para trabalhos historiográficos Georges Duby recebeu
inúmeros, a presente obra explícita de maneira detalhada as produções/obras associadas e
coletivas do autor. Albert Skira convidou Duby para contribuir de maneira significativa trabalho
historiográfico no campo das Artes, o autor atuou de maneira técnica e científica com base nas
seus métodos e abordagens da história social sempre dando ênfase ao campo das “ideias” em
detrimento do próprio fato, permaneceu autêntico e militante ferrenho contra as concepções
positivistas. Duby trabalhou de maneira a colocar as Artes como um produto que advém do
campo das “ideias” e que a mesma tem uma carga de informações primordiais para demonstrar
como as “mentalidades” do período, neste caso, no período da Idade Média. As artes como
elemento de natureza ideológica que promove e estimula as reflexões e críticas. Duby viu que
foi necessário analisar as artes dentro de um contexto medieval, nos aspectos de
comportamentos, valores, princípios, as relações que as mesmas promoviam no período, por
exemplo, no aspecto econômico, quem encomendavam? quem eram os artistas? existiam
críticos de artes nesse período? como as artes atingiam os sujeitos medievos? Diante de
inúmeras questões, Duby permaneceu crítico e obediente as suas técnicas e métodos
historiográficos com base na premissa central do fazer história: “não existe uma verdade
absoluta ou verdade de fato”, o que ocorre é uma tentativa de aproximação de como os fatos
ocorreram através dos estudos historiográficos com base na ética e uso devido das evidências e
registros. Os documentos, assim como os textos historiográficos são filhos da sua época, ou
seja, as mentalidades de cada período exercem influência no fazer história.
Em 1970, Duby sofre uma espécie de revés, pois a História ganha uma notoriedade
devido a abordagem e inserção mercadológica nas produções historiográficas. Duby já detinha
a sua identidade historiográfica definida, experimentada e apurada ao adquirida ao longo dos
anos de estudos, pesquisas e escrevivência sobre a Idade Média e suas implicações no campo
social e econômica. Os leitores dubyano já tinham um certo nível de capital cultural a grande
maioria eram professores e estudantes, agora com a questão mercadológica Duby tem que
adequar a sua linguagem e técnica historiográfica para atingir os leitores amadores, tendo que
retroceder para a historiográfica tradicional: narrativas e descrições dos aspectos políticos,
fatos, biografias dos grandes protagonistas, esquemas de datação e etc. resumindo um
retrocesso nas obras de história na visão de um filho legitimo de Annales.
Duby e a Televisão. No mesmo período que a História alcança um espaço no mercado
o autor recebe um convite para produzir um documentário, este é outro momento contraditório
na sua vida. Duby era um ferrenho crítico da televisão, dizia que era um instrumento de vilania
na vida das pessoas, porém com o pretexto, justificativa que era uma oportunidade de garantir
“benefícios e notoriedade para a História” aceita e escreve o documentário, porém impõe
condições e critérios alegando que os saberes e fazeres do historiador é um trabalho especifista
e requer rigor na sua execução com métodos e técnicas bem definidas. Duby justifica que faz-
se necessário percorrer de vez em quando por caminhos novos e distintos das suas convicções,
mas deve-se utilizar de grande maestria e inteligência para não se corromper. É um fato que o
autor soube aproveitar as oportunidades que lhes foram apresentadas sempre tendo o
desenvolvimento da História para o bem da sociedade.
Duby e a Historiografia Tradicional. Nesse mesmo período de novos caminhos, o autor
produziu biografia e narrativas históricas partindo da mesma premissa e justificativa que para
o bem da História e utilizando a inteligência historiográfica – história problema, social e das
mentalidades de uma maneira criativa e perspicaz o historiador pode produzir trabalhos tidos
como tradicionais com uma abordagem da história móvel. A biografia El Mariscal () e narrativa
histórica Le Diamanche de Bouvines (descrição dos fatos de uma batalha) ambas as obras
traduzem de maneira detalhista a identidade historiográfica de Duby com base no método da
“micro história”, assim como em todas as suas obras. O autor mesmo indo de encontro ao
método de Annales nestas duas obras supracitadas ainda continuou utilizando as suas técnicas
e métodos de análise e escrita da história com foco nos “pequenos” (pessoas comuns) em
detrimento aos “grandes” (protagonistas, exemplo, reis e generais), assim como, a sua busca
incansável pela compreensão dos aspectos sociais com base nas mentalidades, da vida do dia a
dia do período em questão, e as implicações e relações destes elementos com os grandes e
valorosos fatos e acontecimentos históricos. É explícito que para Duby os tais e tidos mistérios
da História estão concentrados no cerne da “micro história” e cabe ao historiador se debruçar
nos elementos que compõem este contexto.
Georges Duby mesmo tendo a compreensão e entendimento sobre o valor do fazer
história através do uso da “micro história” admite não ter atingindo essa finalidade na obra
sobre a Idade Média justamente pelo fato de ter analisado a sociedade medieva de maneira
fragmentada e relegou uma parte que compunha a mesma, no caso as “mulheres medievas”. A
obra explica que este equívoco admitido por Duby não foi algo intencional, planejamento e sim
os aspectos sociais medievos sobre as “mulheres” não foram devidamente investigados,
analisados devido à falta de fontes contundentes, e as poucas que o autor encontrou foram
escritas por “homens” e não pelas próprias, ou seja, os documentos detinham uma visão
masculina das mentalidades, cotidiano, aspectos sociais, políticos, relações e interações das
mulheres medievas no período medieval dos séculos XI ao XII. Desse modo, não traria a luz
informações das mulheres medievas em consonância com fatos próximos a realidade da época
e sim um vislumbre de terceiros e distorcidos.
Desse modo, compreende-se que a historiografia de Georges Duby segue métodos e
técnicas de natureza sistêmica, interdisciplinar e tem como fundamentação a concepção que a
história é “móvel”, “imutável” e “dinâmica” e a partir desta premissa os historiadores devem
fazer a história com base na investigação da “micro história” e principalmente não buscar
chegar a uma conclusão, uma verdade absoluta. Pelo contrário o trabalho historiográfico deve
ficar em aberto, incluso como a natureza de qualquer pesquisa científica no aspecto das ciências
humanas. Exemplo, é a sua obra sobre a sociedade medieva que deixou em aberto a sua
compreensão justamente para que outros pesquisadores possam dar continuidade ou concluir
de fato o que ele começou. E no aspecto do surgimento de novas evidências, registros e fontes
sobre este objeto de estudo ou até mesmo dos aspectos que não foram pesquisados é trabalho
de outros historiadores produzir estudos que venham refutar o seu trabalho.

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