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PROBLEMÁTICA DO CONHECIMENTO

HISTÓRICO

O livro base1: caraterísticas e tipo de abordagem

O livro que encabeça a bibliografia desta unidade curricular, nunca terminado,


foi redigido há setenta anos.

Tratar-se-á de atavismo, anacronismo epistemológico da docente ou, ao longo


destas sete décadas, não se refletiu sobre o conhecimento histórico nem se
atualizaram sínteses sobre o tema?

A pergunta é retórica. Naturalmente, muitas obras sobre o ofício do Historiador,


sistematizações sobre as escolas históricas e, mesmo nos últimos tempos,
obras de defesa da legitimidade do saber histórico, foram dadas à estampa.

Porque o escolhemos, então? Porque este pequeno livro tem a virtualidade de


levantar todas as grandes questões epistemológicas sobre a História e, nesta
fase preliminar de contacto com a disciplina, são sobretudo relevantes as
interrogações, mais do que as respostas estruturadas produzidas por cada
autor.

A ingenuidade da pergunta a que Marc Bloch se propõe responder não é


apenas apanágio dos “rapazinhos” dos anos trinta do século passado; é uma

1
Bloch, Marc. Introdução à história. Mira-Sintra; Mem Martins: Publicações Europa América,
1997. Col. "Forum da História". [Edição revista, aumentada e criticada por Etienne Bloch, com
prefácio de Jacques le Goff]
questão crucial que permanece, independentemente da idade, da condição
social e cultural de quem a coloca: afinal, para que serve a História?

Marc Bloch, escrevendo ao correr da pena, e fugindo ao esquematismo próprio


de um manual, irá dando a conhecer as suas respostas. Trata-se de um livro
para saborear, redigido simultaneamente com emoção e com a clareza de
quem vê a “espantosa” realidade das coisas”. A linguagem é simples, as
analogias com as experiências da vida quotidiana proliferam, o discurso flui,
brota sem dificuldade, como se de uma conversa se tratasse.

Antes e depois de Marc Bloch muitos autores (historiadores ou não) abordaram


a temática do conhecimento histórico. As opções epistemológicas defendidas
foram divergindo de acordo com os condicionalismos mentais, culturais,
políticos, económicos e sociais da época; divergiram, ainda, face ao lugar
ocupado pela História enquanto área disciplinar na hierarquia dos saberes e do
conhecimento em geral.

Também as opções de Marc Bloch devem ser datadas e contextualizadas.


Marc Bloch era, antes de mais, um homem engagé com o seu tempo, atuava
militantemente no mundo dos anos trinta e quarenta do século passado,
tempos de guerra, de privação e de morte2. Era, por outro lado, um autor
integrado numa escola historiográfica, encontrando-se o seu pensamento e
todas as suas interpretações imbuídas das premissas e dos conceitos que
sustentavam essa escola.

Tentemos explicitar. Marc Bloch designou este seu livro como Apologie pour
l´histoire ou office d´historien.

A primeira parte do título deve ser entendida à luz do equilíbrio estabelecido


entre os saberes, em inícios dos anos 40 século XX. Quando um autor assume
a necessidade de fazer a apologia de uma disciplina, esta estará em crise ou,
pelo menos em fase de mudança das bases que a sustentam. Ao tempo,

2
ATENÇÃO – livro base não é sinónimo de obra exclusiva ou mais importante. O estudo e
reflexão sobre todos os recursos é imprescindível.
também Lucien Fébvre travaria os seus Combates pela História3. E note-se
que, nos anos 90 do século XX, voltam a surgir títulos quase panfletários que
sustentam a manutenção desta área do conhecimento, permitindo antever que
existiam, ao tempo, detractores. Refiro-me a A História continua4 ou Em defesa
da História5.

Na segunda parte do título, Bloch reivindica a existência de profissionais que se


dedicam à elaboração desse conhecimento. O livro, aliás, parte da divisão clara
entre o grupo profissional dos historiadores - detentor de técnicas para
apreender, de forma crítica, os homens no passado - e certos eruditos que não
fazem, verdadeiramente, História. Bloch assume que o seu objetivo é o de
explicar o ofício de historiador sem fazer juízos de valor. Naturalmente que se
trata de uma afirmação ilusória. Com efeito, este livro transmite uma clara
mensagem ou, recorrendo às palavras de Guy Bourdé e Hervé Martin,
corresponde a um manifesto da escola dos Annales6.

Pelo seu caráter comprometido com a época em que foi escrito e com certas
conceções historiográficas, esta obra ilustra, na prática, muitos dos
condicionalismos “do fazer e da escrita” da História.

No diálogo que vamos estabelecer com Introdução à História convergem duas


leituras: a abordagem da obra integrada no seu tempo e a análise das grandes
questões que ela própria levanta. Este exercício de desconstrução é um
exemplo da postura que o historiador tem perante os documentos e que acaba
por transferir para apreender toda a realidade que o circunda.

3
Combats pour l´histoire. Paris: Armand Colin, 1992 (dado à estampa em 1ª edição em 1953).
4
Da autoria de Georges Duby (Porto. Edições Asa: 1992).
5
Da autoria de Richard J. Evans, (col.”Memórias do Mundo”. Lisboa: Temas e Debates, 2000)
6
As Escolas Históricas . Mem-Martins: Publicações Europa -América, s.d. pp. 119 e
ss.
Os outros recursos de aprendizagem

Quando se julgar necessário, no sentido de facultar aos estudantes mais


recursos de aprendizagem (para além dos indicados), publicitam-se, na sala de
aula virtual, extratos de obras de outros historiadores que permitam aprofundar
as questões ou lançar “um outro olhar “sobre as mesmas. Não se espera que
os alunos apreendam o pensamento estruturado de determinado autor sobre
temas como história/ciência ou história/verdade, mas que penetrem na
diversidade das perspetivas que são expostas nesses textos.

Ou seja, a orientação a incutir nesta unidade curricular não é,


deliberadamente, a de uma sistematização de conteúdos que os
estudantes se limitam a fixar. Este propósito constituiria um contra-senso
face aos fundamentos da própria disciplina. O livro de Marc Bloch e a restante
bibliografia são ferramentas que convocam a reflexão dos alunos que,
pessoalmente, farão as suas sínteses.

Apesar do caráter quantitativamente reduzido dos conteúdos desta unidade


curricular, o sucesso na sua frequência está dependente de um estudo regular
ao longo do semestre. Só com leituras atentas e com a elaboração dos seus
próprios tópicos compreensivos é que os estudantes poderão fazer o itinerário
de apreensão da riqueza das obras disponibilizadas.

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