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SÃO PAULO
2016
EVERALDO FERNANDES BARBOSA
São Paulo – SP
2016
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a minha família: pais e filhos, que a sua maneira,
sempre humilde, me incentivaram para finalizar este trabalho.
AGRADECIMENTOS
Ao meu amigo Professor Doutor Luiz Gonzaga, sempre presente nos momentos mais difíceis,
pela paciência e tranquilidade que sempre demonstrou.
René Thom.
RESUMO
Esta pesquisa concerne à busca de significado para os objetos de ensino da matemática por
meio da complementaridade entre álgebra e geometria. A Educação Matemática encontra-se
na relação entre linguagem, lógica, filosofia e matemática, e têm a tarefa de encontrar
alternativas para o ensino e aprendizagem desta última, bem como, encontrar significado para
os termos matemáticos. Esta pesquisa de cunho teórico-bibliográfica, histórica e
epistemológica, é fundamentada no princípio da complementaridade do pensamento Otteano.
A partir das diferentes ideias que permearam três grandes períodos históricos, cujos
representantes ilustres de cada um desses períodos são Euclides, Descartes e Grassmmann,
podemos chegar à conclusão que a interação da álgebra com a geometria foi decisiva para o
desenvolvimento da Matemática. Essa complementaridade, entre os dois campos
disciplinares, possibilita a “ampliação” dos métodos de ensino.
This research concerns the search for meaning for mathematics teaching objects through
complementarity between algebra and geometry. The mathematics education lies in the
relationship between language, logic, philosophy and mathematics, and have the task of
finding alternatives to the teaching and learning of the latter as well, finding meaning for
mathematical terms. This research theoretical and bibliographic nature, historical and
epistemological, is based on the principle of complementarity of thought Otteano. From the
different ideas that permeated three major historical periods, whose distinguished
representatives of each of these periods are Euclid, Descartes and Grassmmann, we can
conclude that the algebra of interaction with the geometry was decisive for the development
of mathematics. This complementarity between the two disciplines, enables the "expansion"
of teaching methods.
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
vez, estão vinculadas à igualdade, ou seja, identidade e diferença são a base para a
matemática.
Se Euclides se tornou inesquecível por sua obra Os Elementos, Descartes tornou-se
imortal ao elaborar um método de investigação que, segundo ele, seria válido para resolver
problemas em todas as áreas do conhecimento. Esse método foi aplicado à matemática em um
apêndice convenientemente chamado de La geomètrie, como parte do seu trabalho mais
famoso, o Discurso do Método.
Para compreender a relevância histórica e a origem de La geomètrie, é substancial
considerarmos as estruturas da matemática grega que emprega somente álgebra geométrica e
a Arte Analítica de Viète que desenvolve a álgebra simbólica, mas sem usar coordenadas. De
posse de ambos os instrumentos – coordenadas e álgebra – Descartes estabelece a Geometria
Analítica estabelecendo uma ponte para transitar entre geometria e álgebra, a qual nos permite
associar curvas e equações, possibilitando aplicar a análise algébrica de Viète aos problemas
de lugares geométricos gregos, definidos em um sistema de coordenadas, por uma equação
indeterminada em duas incógnitas.
Descartes cria uma nova ferramenta geométrica e revolucionária, que permite unir em
um só ato intelectual o descobrimento e a demonstração, mediante uma metodologia
geométrica e algébrica, que substitui as complexas e engenhosas construções da rígida
“Álgebra Geométrica” dos gregos por sistemas operacionais algébricos, e se converte em um
poderoso instrumento de investigação e exploração, com o qual, resolve, de forma elegante,
rápida e brilhante, numerosos problemas clássicos e modernos, como questões de lugares
geométricos, extremos, tangentes e quadraturas, dentre outros que haviam resistido ao longo
da história, como o famoso Problema de Pappus.
Outro ponto que destacamos, no qual Descartes foi inovador, diz respeito aos
instrumentos utilizados para representar a solução de problemas geométricos. Os gregos
utilizavam apenas régua não graduada e compasso para construção das figuras; Descartes, por
outro lado, utilizou outros instrumentos, entre eles, o compasso mesolábio e o trissector. Esses
instrumentos eram usados para traçar curvas.
Uma das consequências da mudança de natureza da matemática foi, principalmente, a
generalização dos problemas. Na geometria, um triângulo geral poderia ser representado pelas
letras ABC, mas não havia uma maneira de representar uma equação do segundo grau na sua
forma mais geral (ax2 + bx + c = 0). Devemos isso primeiramente a Viète e o aprimoramento
dessas noções por Descartes.
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algébricas, que ele chama de “quantidades extensas”. Nessa nova perspectiva, Grassmann
começa a trabalhar com vetores, ao invés de formas como pontos, segmento, etc.
O desenvolvimento histórico dos conceitos matemáticos possui analogia com o
desenvolvimento do pensamento matemático. Ambos os conceitos se desenvolvem por um
processo de abstração reflexiva. Para compreender como é possível o desenvolvimento da
matemática é interessante entender como o ser humano desenvolve as operações cognitivas.
Piaget faz um questionamento de como é possível a matemática pura, e busca resposta
investigando as ações que o sujeito realiza sobre os objetos em seus estágios mais
elementares, e chegou a afirmar que esse comportamento segue em estágios superiores do
pensamento matemático avançado. A partir das observações das ações realizadas pelo sujeito
sobre o objeto, Piaget descreveu tipos de abstrações diferentes. A abstração reflexiva é uma
delas, nesse tipo de abstração o que se considera é o resultado das ações que o sujeito realiza
sobre os objetos. Conclusões obtidas a partir dessas ações permitem ao sujeito avançar no
conhecimento e com isso é possível conceber a matemática em sua forma mais abstrata.
Em vários momentos neste trabalho é possível localizar a noção de
complementaridade. O capítulo que vai tratar desse assunto é fundamental. O filosofo e
matemático Michael Otte utiliza as noções de complementaridade para analisar e explicar o
desenvolvimento da matemática e o desenvolvimento dos aspectos cognitivos dos conceitos
matemáticos. Para Otte (1993, p. 219), “a complementaridade ocorre sob diversas formas e
circunstâncias: entre objeto e meio; entre intencionalidade e comunicação; entre função e
estrutura; entre forma e história”.
Diante disso, a questão norteadora de nossa pesquisa é: como a abordagem
complementar do desenvolvimento da Matemática pode influenciar os processos da Educação
Matemática?
Em cada período histórico citado, no final de cada capítulo referente ao período,
apresentaremos um resumo destacando o papel da complementaridade. Nesse resumo será
evidenciado o par dual que, de alguma forma, impulsionou o desenvolvimento da matemática,
e que possivelmente, será um par que deve ser considerado no ensino e aprendizagem da
matemática, tendo em vista que, quando falamos em desenvolvimento, este, por sua vez,
contém elementos que afetaram uma mente criativa nas suas respectivas épocas histórica,
assim como também possui representatividade no aspecto cognitivo da educação atual.
Nosso material de trabalho são livros, artigos e teses. Todos os livros e artigos citados
na bibliografia foram importantes para o desenvolvimento deste trabalho. No entanto, para a
compreensão da noção de complementaridade, o livro “O Formal, o Social e o Subjetivo” do
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professor Michael Otte é a referência principal, juntamente com seu artigo “Complementarity,
Sets and Numbers”. Para o primeiro período histórico tratado nesse trabalho, período da
matemática euclidiana, foi consultado o livro “Os Elementos”. No tocante as discussões
filosóficas, o artigo “Análise de Prova e o Desenvolvimento do Pensamento Geométrico”, do
professor Michael Otte, é nossa principal referência. No segundo período histórico, que
compreende o desenvolvimento matemático dos séculos XVI e XVII, o principal livro foi “La
Geomètrie” de René Descartes. O último capítulo, que trata da análise vetorial, nossa
referência principal foi “Lectures on Quaternions” de Hamilton e “The Ideas of Hermann
Grassmann in the Context of the Mathematical and Philosophical Tradition since Leibniz” do
professor Michael Otte. Outro livro importante para este trabalho foi “Crítica da Razão Pura”
de Emmanuel Kant que trata da relação entre intuição e conceito na formação do
conhecimento.
O trabalho foi dividido em quatro capítulos. O primeiro, “A Construção Teórica da
Pesquisa: o princípio da complementaridade”. Nesse capítulo procuramos entender as ideias
do professor Michael Otte apontando os aspectos complementares que permeiam os capítulos
posteriores. Para tentarmos entender como o sujeito é capaz de produzir conhecimento
elaboramos uma seção denominada “Abstração Reflexiva e Pensamento Matemático”. O
segundo capítulo analisa os procedimentos e instrumentos adotados para resolver problemas
geométricos na escola euclidiana. O terceiro capítulo, “A matemática do Século XVI e XVII”,
marca a mudança na forma de tratar o conteúdo matemático mantendo-se seu conteúdo.
Ocorre em uma época de mudança de concepções e pensamento, a Revolução Científica. Esse
capítulo mostra como ocorrem as mudanças no campo da matemática, especificamente, com a
obra La Geomètrie de Descartes. Dando continuidade ao desenvolvimento histórico da
matemática, proporcionado pela interação de conhecimentos matemáticos diferentes,
construímos o capítulo quatro “A Gênese da Análise Vetorial”, que é mais uma mudança na
forma de tratarmos os conteúdos matemáticos. O conjunto marcante desse período é o
desenvolvimento da teoria de vetores e aplicações nas mais diversas áreas do conhecimento.
CAPÍTULO 1
1
Aula proferida em 14 de novembro de 2012.
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ao seu guia: que tipo de animal é aquele? O guia responde que é uma capivara. No entanto,
essa resposta não cria nenhuma relação com que o turista já conhece. Para que ele possa criar
uma imagem com significado a partir de algumas relações o guia diz que o animal é um
“water hog”. Acende-se uma luz para o turista e ele diz: “aha”, realmente acreditando que
havia entendido o que é. O fato é que ele é capaz de criar algo significativo com as palavras
“water” e “hog”, pressupondo um ponto de partida para conhecer o animal. Mas, no entanto,
esse tipo de descrição tem a desvantagem de criar falsas noções. A capivara, ao contrário de
water hog, não é um suíno, mas um roedor, comedor de capim.
“Um nome é, em termos da semiótica, um índice e implica uma afirmação de
existência da coisa indicada” (OTTE et al., 2014, tradução nosssa). “O índice, como o próprio
nome diz, é um signo que como tal funciona porque indica outra coisa com a qual ele está
atualmente ligado” (SANTAELLA, 1983, p. 14). O índice é parte do objeto no qual está
relacionado, existindo uma conexão de fato. O sino que toca ao final de cada aula é um índice
porque indica o término de uma aula. A posição do Sol no céu indica a hora do dia. A pegada
de uma pessoa na sala indica que alguém passou por ali. O tom de voz pode indicar a pessoa.
Enfim, o sino, o Sol, a pegada, a voz, o rastro, etc., são todos índices. Tudo que existe,
portanto, é índice ou pode funcionar como índice. Basta, para tal, que seja constatada a
relação com o objeto de que o índice é parte e com o qual está existencialmente conectado.
O nome “capivara” indica o animal, mas ainda de maneira pouco clara para o turista.
“Quando alguma coisa se apresenta em estado nascente, ela costuma ser frágil e delicada,
campo aberto a muitas possibilidades ainda não inteiramente consumadas e consumidas”
(SANTAELLA, 1983, p. 01). Depois de algum tempo, o turista pode observar algumas
características e hábitos da capivara, em seguida, será capaz de dizer: capivaras são boas
nadadoras e mergulhadoras, comem capim, vivem em grupos, são roedores, etc.. Essas
características são, em termos da semiótica, chamada de ícones. [...] “se o signo aparece como
simples qualidade, na sua relação com o objeto, ele só pode ser um ícone” (SANTAELLA,
1983, p. 13).
Por outro lado, qualidades não representam nada. Por exemplo, as qualidades da
capivara de ser nadadora, ser um roedor, comer capim, etc. não quer dizer nada, “isso porque
qualidades não representam nada” (SANTAELLA, 1983, p. 13). Qualidades apontam para
possibilidades. Então, com essas qualidades não podemos ter um “water hog” é algo diferente,
é outro animal em particular. O nome, juntamente com as características, é que forma o novo.
Não apenas o nome (índice) nem tampouco as características (ícones), mas os dois juntos para
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Temos, então, duas coisas para comparar: (1) um nome, que é um símbolo simples,
designando diretamente um indivíduo que é o seu significado, e possui esse
significado em si mesmo, independentemente dos significados de todas as outras
palavras; (2) uma descrição, que consiste de várias palavras, cujos significados já
estão fixos, e da qual resulta a tudo o que quer que deva ser tomado como
significado da descrição (RUSSELL, 2013, p. 216, tradução nossa).
Peirce apresenta várias definições de signo nos seus textos, mas, de modo geral, um
signo tem a intenção de representar um objeto, de tal forma que afete uma mente e de modo
que se represente naquela mente algo que é devido ao objeto. O signo não é o objeto, mas é
signo se puder representar, substituir outra coisa diferente dele. Os símbolos algébricos, por
exemplo, são signos. A letra “A” pode representar um ponto (objeto matemático geométrico)
como também pode representar um número (objeto matemático aritmético).
Um símbolo é o terceiro componente da tríade classificatória de um signo segundo
Pierce. Os dois primeiros, como vimos, são os índices e os ícones. O símbolo não possui,
segundo Peirce, “similaridade ou analogia com o seu objeto e é igualmente independente de
qualquer relação factual” (PEIRCE, 1980, p.28). Um exemplo é o “x” cartesiano, não possui
analogia alguma com o seu objeto, podendo ser um número, um segmento, ou qualquer outra
coisa.
Na matemática, diferentemente da linguagem, existem índices, ou seja, temos
referência a um objeto. Por isso Kant diz que a matemática é intuitiva. Se tivermos um
triângulo, por exemplo, os vértices ou pontos, indicam lugares, posições no plano, porque um
ponto não tem característica, não temos uma identificação descritiva de um ponto, então todos
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Aula proferida no dia 23/08/2012.
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Veja Michael Friedrich Otte; Luiz Gonzaga Xavier de Barros, 2014, p. 177.
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“Os termos Intensional e Extensional foi utilizado pela primeira vez por Leibniz para
expressar a distinção que a lógica de Port-Royal expressara com o par compreensão-extensão”
(ABBAGNANO, 1998, p. 577). Ao analisar um conceito em termos lógicos, devemos
considerar a sua extensão e a sua compreensão. Por exemplo, o conceito homem. A extensão
desse conceito refere-se a todo o conjunto de indivíduos aos quais se possa aplicar a
designação homem.
Exemplos:
Machado de Assis foi um homem.
Beethoven foi um homem.
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Podemos falar sobre a palavra mesa, e os diferentes conjuntos de mesas que existem,
isto é, a extensão, enquanto que a intensão, dá as características de uma mesa, características
que compõem o conceito mesa.
A maior ou menor extensão de um conceito corresponde ao seu maior ou menor grau
de generalidade ou à sua maior ou menor proximidade à singularidade. Consideremos, por
exemplo, os seguintes predicados: “é um mamífero” e “é uma baleia”. São dois predicados
diferentes que podem ocasionar em extensões diferentes devido ao fato de que o número de
mamíferos é maior do que o número de baleias, que é uma espécie de mamífero. Portanto a
extensão do predicado “é um mamífero” é maior do que o predicado “é uma baleia”,
ocasionando na diferença entre as extensões.
Mas há exemplos de diferentes predicados com a mesma extensão. Por exemplo,
“criaturas com rins” e “criaturas com coração”. Todos os animais que possuem rins possuem
também coração: este é um fato tipicamente biológico. A característica, ou propriedade
expressa por um predicado chama-se intensão.
Segundo Gabbay e Woods (2004, p. 11, tradução nossa), Leibniz escreve a seguinte
passagem em “novos ensaios sobre o entendimento humano”: “animal compreende mais
indivíduos que homem, mas homem compreende mais ideias e mais formas; um tem mais
exemplos, e outro mais grau de realidade; um tem mais extensão, o outro tem mais intensão”.
Hamilton adotou os termos intensão e extensão. Ele afirma que:
“Os paralelogramos, que estão postos sobre bases iguais, e entre as mesmas paralelas, são
iguais”.
GBC comum; portanto, o paralelogramo ABCD todo é (12) igual ao paralelogramo EBCF
todo. Portanto, os paralelogramos que estão sobre a mesma base e nas mesmas paralelas são
(13) iguais entre si; o que era preciso provar.
Congruência
De segmentos e ângulos: (2), (3), (4), (5), (6), (7), (8) e (9)
(2) AD BC
(4) AD EF
(3) EF BC
Como DE é comum aos segmentos de reta AD e EF, então podemos escrever:
AD DE DE EF , que é o mesmo que, (5) AE DF
(6) AB DC
e como (7) AE AB DF DC
AE DF
(8)FDC EAB
(9) EB FC
Identidade Numérica
(1) O diorismo reforça o que realmente se pretende construir, nesse caso, construir
paralelogramos que possuem equivalência de áreas, mas que essa equivalência é dada pela
identidade numérica, já que é adicionado o triângulo GBC comum.
(10) O triângulo DGE é comum a ambos os triângulos EAB e FDC.
(12) a identidade numérica ocorre pelo fato do triângulo GBC fazer parte de dois
paralelogramos diferentes; “portanto, o paralelogramo ABCD todo é igual ao paralelogramo
EBCF todo”.
(13) apenas a conclusão a Sumperasma.
Igualdade de áreas
(11) O trapézio ABGD é igual ao trapézio EGCF.
Figura 1.2: Diagrama geométrico - Prop. I - 35 Euclides. Adaptação de Euclides, 2009, p. 132.
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parede. Niels Bohr considera essas duas distintas características do mesmo fenômeno como
complementares, estabelecendo duas intensões para a mesma extensão.
Na matemática, Otte (1990) apresenta um ótimo exemplo da importância da
complementaridade para a compreensão de um fenômeno. Ele interpreta o paradoxo de Zenão
de Eléia (490 – 430 a. C.) sobre a corrida de Aquiles com a tartaruga de acordo com a ótica da
complementaridade. Esse paradoxo se estabelece na questão determinística de que o espaço e
o tempo são constituídos por uma pluralidade de partes reais, sendo, portanto, passíveis de
serem divididos sem limites. A situação hipotética é como segue:
Aquiles deveria primeiro chegar ao ponto em que a tartaruga se encontrava na partida,
depois ao ponto em que ela se encontrasse quando ele alcançasse o seu ponto de partida, e
depois ainda ao terceiro ponto no qual ela se encontrasse quando ele tivesse alcançado o
segundo, e assim ao infinito (REALE, 1993, p.119).
Conclui-se que assim Aquiles nunca conseguirá alcançar a tartaruga. Mas, essa
conjectura vai contra o que constatamos na realidade, por isso ela deve ser rejeitada, ou seja, o
espaço e o tempo não são constituídos por uma infinidade de partes reais, não é algo discreto.
Fisicamente o espaço e o tempo são constituídos por funções contínuas. Isso leva a acreditar
que devemos considerar os aspectos contínuos e discretos dependendo das circunstâncias,
assim como fizemos com o experimento de Bohr.
Otte (1990, p. 55, tradução nossa) argumenta a duplicidade do conceito de movimento.
“Por um lado o movimento pode ser caracterizado em partes discretas, como as que permitem
calcular valores individuais quando representado por uma expressão matemática. Por outro
lado, destacam-se os aspectos contínuos quando está representado graficamente como uma
função, que permite a ideia global e qualitativa da função (= movimento)”. Assim, na
perspectiva de Otte, a função é simultaneamente qualitativa e quantitativa; conceptual e
construtiva. O enigma se estabelece na maneira como Zenão apresenta o problema porque ele
considera apenas seu aspecto discreto desprezando a continuidade do movimento e a certeza
de que o mais rápido irá ultrapassar o mais lento.
No entanto, esse problema em linguagem matemática é representado por uma função
linear, que por sua vez possui um caráter duplo: permite calcular pontos particulares e
também pode mostrar o comportamento por meio de uma reta contínua que permite uma ideia
global e qualitativa do movimento. Então não há como considerar apenas um ou outro
aspecto, eles devem ser complementares, dependendo do contexto devemos optar pela
perspectiva qualitativa ou quantitativa da função. Nesses termos as dualidades discreto-
contínuo e quantitativo-qualitativo devem serem percebidos de forma complementar.
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Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela experiência; [...]
Assim, na ordem do tempo, nenhum conhecimento precede em nós a experiência e é
com esta que todo o conhecimento tem o seu início. [...] Se, porém, todo o
conhecimento se inicia com a experiência, isso não prova que todo ele derive da
experiência. Pois bem poderia o nosso próprio conhecimento por experiência ser um
composto do que recebemos através das impressões sensíveis e daquilo que a nossa
própria capacidade de conhecer (apenas posta em ação por impressões sensíveis)
produz por si mesma. [...] se haverá um conhecimento assim, independente da
experiência e de todas as impressões dos sentidos. Denomina-se a priori esse
conhecimento e distingue-se do empírico, cuja origem é a posteriori, ou seja, na
experiência (KANT, 2001, B2).
4
Veja Irineu Bicudo, 2009, p. 98.
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Aula proferida no dia 31/10/2013 pelo professor Michael Otte. As duas tias da Educação Matemática.
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defesa da teoria racionalista destacam em épocas diferentes, Platão e René Descartes. Pela
teoria empirista, Aristóteles, John Locke e David Hume.
A concepção platonista considera que os objetos da matemática têm uma existência
real, embora não sejam objetos físicos ou materiais, mas possui realidade objetiva em algum
reino ideal. Origina-se com Platão, e pode ser discernido nos escritos dos logicistas Frege e
Russell. Platonistas sustentam que os objetos e estruturas da matemática têm uma existência
real independente da humanidade, existem fora do espaço e do tempo, são imutáveis, não
foram criados e não mudarão nem desaparecerão. Nesse sentido, fazer a matemática é o
processo de descobrir suas relações pré-existentes. De acordo com o platonismo o
conhecimento matemático consiste em descrições desses objetos e as relações e estruturas que
os ligam. Na filosofia platonista a matemática é uma descoberta e não uma invenção humana.
Mas, a questão que levantamos é como explicar o surgimento da expressão
O homem criou a exposição dessa identidade, mesmo que ela possa advir da corrente
realista, essa expressão, tal como é colocada, provém da corrente realista. Para a Educação
Matemática, o importante é dar significado aos termos presente na expressão (1).
Frequentemente, os educadores matemáticos se deparam com essas questões que
surgem naturalmente pelo próprio caráter peculiar desses objetos, que se manifestam, muitas
vezes, por meio dos anseios dos próprios alunos. O professor precisa ser sensível o suficiente
para perceber que os alunos procuram um significado para a disciplina que estudam. É preciso
ver o semblante desses alunos quando são indagados sobre a relevância da expressão (1). Ao
fazermos questionamentos a respeito da expressão (1), como: “para que vocês estão estudando
expressões como essa? Qual o significado dessa expressão?” Pelas questões levantadas é
possível perceber o estímulo evidente estampado no rosto de cada aluno. Parece até que eles
estão dizendo: “aha, agora vou aprender matemática, porque tudo que eu queria era saber a
relevância dessa equação, dessa fórmula, desse resultado”.
Nos trabalhos de casa, alunos se esforçam para encontrar a resposta correta e, muitas
vezes, sentem-se satisfeitos quando chegam à solução, mesmo se eles não entendem
completamente porque sua resposta está correta. Esses trabalhos, normalmente, mostram a
capacidade do aluno para reproduzir uma manipulação numérica ou algébrica que nem
sempre é uma indicação de que ele compreendeu as sutilezas da matemática envolvidas no
problema.
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Hoje, nenhum aluno quer resolver trinta e cinco equações de um tipo e trinta e cinco
equações de outro tipo, torna-se cansativo e desestimulante. É como aprender uma nova
língua. Se não gostamos do idioma de um país ou, se não estamos interessados na cultura
desse país, seu povo, se nada nos chama a atenção, não vamos aprender o idioma.
O ensino da matemática possui grande influência platonista. As ideias matemáticas se
constituem como fim em si mesma. Terá vantagem quem possuir maior poder de abstração. O
matemático descobre as verdades que serão repassadas ao aluno pelo professor que não
percorre o caminho do matemático, recorrendo aos resultados, teoremas, definições,
demonstrações e axiomas pré-estabelecidos. “O professor ensina a resolver problemas, mas
achamos que temos que ensinar a analisar problemas”6. Há uma desconstrução entre a
atividade matemática e a forma, pois, o professor não privilegia a atividade laboral cognitiva
que foi utilizada pelo matemático para se chegar ao resultado, à ênfase é a forma. “Esta
ruptura entre a atividade matemática e os seus resultados, entre os problemas e os conceitos,
origina um insucesso escolar importante, particularmente em alunos de famílias populares
que, no seu meio, não estão habituados a manipular uma linguagem explícita, formalizada e
codificada” (PONTE; BOAVIDA; ABRANTES, 1997, p. 05).
O platonismo e o idealismo ocupam posições diferentes na filosofia da matemática.
Apesar das extremidades opostas quanto à questão da existência dos objetos matemáticos,
para os professores de matemática, ela deve ser vista como a passagem do concreto ao
abstrato e também é entendida como uma aplicação ao mundo físico.
Aplicação
Objetos da
Mundo Físico
Matemática
Abstração
6
Aula professor Michael Otte.
40
7
Veja proposição 32 de Euclides: “Os Elementos”, p. 122. Tradução de Irineu Bicudo.
41
“Com raras exceções, não se pode pedir a um aluno para provar um teorema de
álgebra; quer a resposta solicitada é quase óbvia e pode ser alcançado pela
substituição direta de definições, ou o problema se enquadra na categoria de álgebra
teórica e sua solução ultrapassa as capacidades de até mesmo o aluno mais talentoso.
Exagerando apenas ligeiramente, pode-se dizer que qualquer questão em álgebra ou
é trivial ou impossível de resolver” (THOM, 1971, p. 696, tradução nossa).
Por outro lado, os problemas clássicos de geometria apresentam uma ampla gama de
desafios e possuem valor educativo significativo. A álgebra permite cálculos mecânicos
aligeirados e sem significado, enquanto a geometria exige tempo, esforço e concentração,
cujos problemas, grande partes dos alunos conseguem resolver. “Seria um grave erro
simplificar a aprendizagem da matemática por meio da substituição da geometria pelas
estruturas algébricas que são amplamente e prematuramente ensinadas sem motivação
adequada” (THOM, 1971, p. 696, tradução nossa).
dsfPara amenizar a retórica pesada e indigesta da geometria de Euclides e os cálculos
sem significado da álgebra, uma possibilidade seria utilizar, parafraseando Descartes, o que há
de melhor na geometria e na álgebra, de forma que para o ensino, a complementaridade desses
dois campos poderia desencadear a compreensão dos conceitos matemáticos. O método de
aplicação de área grego se torna um inconveniente para o ensino da matemática, assim como,
o desenvolvimento da expressão (1). O primeiro por ser tedioso e retrógrado, o segundo por
desenvolver muito mais a técnica do que o raciocínio. Numa equação como x2 – 5x + 6 = 0 o
único significado existente é resolver, ou seja, a intensão. A extensão seria uma aplicação da
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os alunos olhem para a equação 3x + 10 = 100 e ajudem a resolver. Um dos alunos sabe que
pode tirar a mesma “coisa” dos dois lados da equação, então a equação resume-se a 3x = 100,
e segue-se a resolução. No dia seguinte a professora apresenta a equação 3x + 100 = 10. Os
alunos se surpreendem e logo chegam a conclusão que essa equação não é passível de
compreensão.
A professora não entende porque os alunos não conseguem resolver a última equação.
Mas, chega-se a conclusão que o impasse estava na questão de significado dos objetos
matemáticos envolvidos. Para o aluno, o significado da equação seria como uma balança: “se
ponho o mesmo de cada lado, continua equilibrado”. A lógica das operações estava sendo
guiada pelo campo semântico da balança. No caso da segunda equação, essa ideia não poderia
ser aplicada, pois, como pode ser que de um lado da balança tem cem quilos e mais uns pesos
e do outro lado apenas 10?
Resumindo, professores e alunos podem estar vislumbrando significados diferentes
para uma mesma referência. Significado, para esse autor, “é uma relação entre uma crença-
afirmação e uma justificativa para ela”. Em nossa teoria metodológica, seria uma extensão
para uma intensão. Nesse caso, significado, seria, ao mesmo tempo, a relação entre intensão e
extensão.
O objetivo dessa seção é mostrar que o conceito de abstração reflexiva pode ser uma
poderosa ferramenta para entendermos o desenvolvimento histórico da matemática, uma vez
que, segundo Dubinsky (1991), “a história do desenvolvimento da matemática, desde a
antiguidade até os dias atuais, pode ser considerada como um exemplo do processo de
abstração reflexiva”. É importante sabermos a relação do conceito de abstração reflexiva com
o desenvolvimento dos conceitos matemáticos, tendo em vista que, “certos resultados gerais
da matemática são psicologicamente explicáveis com base na atividade do sujeito” (BETH;
PIAGET, 1974, p. 01) os quais são peças fundamentais da abstração reflexiva. Nesse
contexto, na matemática, questões acerca do surgimento de estruturas da matemática pura são
sempre um desafio. Devemos fazer o seguinte questionamento: como é possível a matemática
pura?
Nosso estudo aborda os temas fundamentais da Epistemologia Genética, tomando
como base a obra Mathematical Epistemology and Psychology de Jean Piaget e Evert W.
Beth, que analisa a questão psicológica da matemática pura, ou seja, aponta as etapas
estruturais de formação cognitiva que o sujeito precisa perceber para alcançar um pensamento
puro, abstrato. No entanto, é válido entender o processo de construção do conhecimento
defendido por Piaget, ou seja, compreender que o conhecimento não se origina apenas dos
objetos (empirismo) nem tampouco apenas do sujeito (racionalismo), mas da interação entre
os dois, da complementaridade entre sujeito e objeto.
No intuito de concretizarmos o objetivo, faz-se necessário explicar exatamente o que
queremos dizer por abstração reflexiva e mostrar como essa teoria pode descrever a
epistemologia dos conceitos matemáticos. Começamos explicando a questão da abstração e
suas variantes.
Abstração, por si só, é o processo do pensamento onde as ideias são distanciadas dos
objetos. Quando olhamos uma maçã, por exemplo, podemos destacar a cor vermelha, o talo,
as sementes, que são algumas de suas características primordiais, intensões que permitem a
determinação, não sendo possível, portanto, destacar todas suas propriedades. A abstração, de
uma forma geral, utiliza-se de um processo de simplificação, pois não é possível apresentar
todas as características de um objeto, o indivíduo não “traz” o objeto inteiro, mas apenas
características ou propriedades fundamentais, ou essenciais, para construir uma representação,
o esquema, desse objeto. A observação fenomenológica, por exemplo, permite após análise,
postular propriedades universais de fenômenos e objetos, de onde devem nascer, segundo
Santaella (1983, p. 6), “as categorias universais de toda e qualquer experiência e
pensamento”. Além disso, detalhes concretos são deixados ambíguos, com diferentes
45
Conhecimento que
Conhecimento o sujeito já possui
projetado
Plano (B)
Enquanto o sujeito tiver que ver o muro construído, esse está operando nos moldes da
abstração empírica, permanecendo no plano (A) dos objetos concretos. A partir do momento
que ele reconhece a bijeção dos movimentos, deixa o plano (A) passando para um plano (B),
que Piaget considera a primeira etapa da abstração reflexiva, denominando-a de reflexo. O
sujeito chegando a conclusão de que os muros serão iguais, depois de um longo período de
tempo de movimentos sucessivos (construção), significa que houve a conexão entre
movimentos repetidos de bijeção com um conhecimento já pré-existente do principio de
continuidade, entre outros conceitos envolvidos. Essa conexão é a segunda etapa da abstração
reflexiva, que Piaget chama de reflexão.
Essa conexão ou incorporação de um objeto do pensamento às estruturas e esquemas
mentais que o indivíduo já possui foi chamada por Piaget de assimilação. Mais uma vez,
detectamos aspectos complementares, agora por meio das experiências realizadas por Piaget.
Existe a complementaridade no plano A quando o sujeito interage com os objetos, um
dependendo do outro para que se consiga alcançar o plano B e, após essa etapa, deve haver
interação com conhecimentos já existente para que novas estruturas sejam formadas, novos
conhecimentos sejam concebidos, semelhante ao exemplo da capivara.
CAPÍTULO 2
desenvolver vários campos de estudo. Euclides foi convidado a ser chefe de departamento de
matemática da universidade.
O mérito de Euclides como matemático reside na elaboração de treze livros que
ficaram conhecidos como Os Elementos.
Vamos apresentar alguns resultados dos livros I e II de Os Elementos de Euclides com
a finalidade de expor seu conteúdo e sua forma. O livro I traz os fundamentos iniciais da
matemática grega e o livro II possui traços da álgebra em forma geométrica, assunto que
merece atenção, tendo em vista que, grande parte das construções geométricas presentes no
livro II são propriedades algébricas ensinadas na escola elementar sem, muitas vezes, o
enfoque geométrico.
Neste capítulo vamos destacar a natureza da matemática presente em Os Elementos de
Euclides por meio desses dois livros, no que concerne aos tipos de problemas que aparecem
nessa obra, o método adotado para resolvê-los e os instrumentos utilizados. Para nosso
objetivo, esses dois livros são o suficiente, porque Euclides resolve problemas matemáticos de
construção de figuras em toda a sua obra. Nesse estudo será possível identificar as limitações
da geometria grega que será superada pela complementaridade da álgebra com a geometria
apenas no final do século XVI e inicio do século XVII, primeiramente com Viète e depois
com Descartes.
construindo certas linhas adicionais, circunferência, pontos, e assim por diante [Kakaskeue].
Euclides prossegue então com a demonstração, ou Apodeixis, que consiste numa série de
inferências relativas à figura completada. Por fim, apresenta a conclusão [Sumperasma]. Essa
é a estrutura das demonstrações que iremos encontrar em Os Elementos, sejam essas
proposições problemas ou teoremas.
Alguns esclarecimentos devem ser feitos sobre as terminologias que achamos
importantes e que são utilizadas em Os Elementos. 1) Euclides usa o termo linha reta ou
simplesmente reta, para especificar tanto o que denominamos hoje por reta quanto ao que
chamamos de segmento de reta. Na proposição II-68, por exemplo, o termo linha reta está
sendo usado no sentido de segmento de reta. 2) Para Euclides, dizer que duas figuras são
iguais pode significar que elas são congruentes ou que elas possuem a mesma área. Otte
complementa dizendo: ou são numericamente idênticas. Na proposição9 I-35 a palavra igual é
usada em três sentidos diferentes sem avisar o leitor. Na proposição II-1410, Euclides compara
a área de uma figura qualquer com a área de um quadrado. Nessa proposição o termo “igual”
refere-se à equivalência de áreas entre as figuras. 3) A palavra retilínea usada por Euclides
está sendo utilizada no sentido de figura. Então, “construir um quadrado igual à retilínea
dada”, significa construir um quadrado cuja área seja equivalente à área da figura dada.
Para tanto, em nosso trabalho, usaremos o termo “igual” no sentido de equivalência
quando o contexto se referir a áreas. Usaremos também “igual” no sentido de congruência,
quando não existir dúvidas quanto ao contexto. Por exemplo, quando dissermos que dois
segmentos são iguais estamos nos referindo ao fato deles possuírem o mesmo comprimento,
ou seja, são congruentes. A linha reta não terá duplicidade de sentido, para tanto, usaremos a
palavra reta e segmento de reta literalmente no sentido que utilizamos hoje. Sempre que nos
referirmos a régua, esta, por sua vez, será a régua no sentido euclidiano, ou seja, sem
marcações.
A primeira proposição diz respeito à construção do triângulo equilátero e termina com
o teorema de Pitágoras e seu inverso. O Teorema de Pitágoras é o mais familiar aos alunos do
ensino fundamental e facilmente absorvidos pelo seu apelo intuitivo.
O livro II inicia com duas definições e logo prossegue com as proposições.
1. Todo paralelogramo retangular é dito ser contido pelas duas retas que contêm o ângulo
reto.
8
Veja EUCLIDES, 2009, p. 140.
9
Veja EUCLIDES, 2009, p. 124.
10
Veja EUCLIDES, 2009, p. 149.
51
[...] as coisas derivadas dos princípios dividem-se, por sua vez, em problemas e
teoremas. Os primeiros ocupam da generalização de figuras e suas adições,
subtrações, adjunções e, em geral, de todas as condições, enquanto o segundo estuda
os casos particulares de cada figura. [...] Inscrever um triângulo equilátero em um
círculo é um problema, porque também podemos inscrever um triângulo que não é
equilátero; construir um triângulo equilátero sobre uma reta dada também é um
problema, porque podemos construir um triângulo que não seja equilátero; mas
quando dizemos que os ângulos da base de um triângulo isósceles são iguais,
enunciamos um teorema, porque é impossível dizer que os ângulos não são iguais.
[...] Daqui deduzimos que as questões gerais devem chamar teoremas e as questões
particulares, que não se refere absolutamente ao que se propõe, chamamos de
problemas (PROCLUS, 1792, p. 351, apud, VERA, 1970, p. 1162 - 64).
trazer à vista, ou construir o que, em algum sentido, não existe, enquanto que os teoremas são
os que visam a ver, identificar e demonstrar a existência ou a não existência de um atributo”
(BICUDO, 2007, p. 211). Por esse prisma, os problemas exigiriam a construção de figuras,
por outro lado, os teoremas teriam a incumbência de ligar, por uma demonstração, os atributos
e propriedade dos objetos que são os conteúdos da geometria.
De forma mais clara podemos dizer que problemas concernem às transformações dos
seres geométricos: construir figuras, seccioná-las, subtraí-las ou adicioná-las umas às outras.
Consistiria em um problema pedirmos para um aluno construir uma reta perpendicular a uma
reta dada, ou um círculo passando por três pontos dados. Já os teoremas enunciam e
demonstram propriedades inerentes aos seres geométricos. No teorema de Pitágoras, por
exemplo, diz-se que em todo triângulo retângulo o quadrado da hipotenusa é sempre igual à
soma dos quadrados dos catetos.
Explicitando ainda as palavras de Proclus, os problemas são construções ou
transformações de figuras geométricas. Inscrever um triângulo retângulo em um círculo
constitui um problema, pois podemos inscrever um triângulo que não seja retângulo, ou
mesmo um quadrado. Logo, ao problema de se inscrever um triângulo em um círculo, não é
passível de reposta única. Mas se dizemos que os ângulos internos de um triângulo somam
180 graus, temos um teorema, pois esta propriedade vale para todo triângulo. Todo enunciado
universal sobre um objeto geométrico é um teorema geométrico.
Outra característica que pode ser reconhecida em Os Elementos é quanto ao modo de
se expressar. Em Euclides a possibilidade de construções geométricas pelo qual é entendida
como problemas, por sua vez, inicia-se sempre com “É requerido construir...” como, por
exemplo: “Construir um triângulo com três linhas retas iguais a três outras dadas, entre as
quais duas, tomadas como se quiser, sejam sempre maiores que a terceira”; e outras
construções indicam que determinadas propriedades se aplicam aos objetos que elas
representam, considerados os teoremas: “Em qualquer triângulo dois lados, tomados de
qualquer modo que se quiser, são maiores que o terceiro”. A apresentação descritiva da
solução ou da demonstração começa sempre com “Eu digo que...”.
Commandino (1944), assim como Proclus (1792), prefere distinguir problemas de
teoremas indicando-os explicitamente conforme segue:
PROP. I. PROBLEMA.
Sobre uma linha reta determinada descrever um triângulo equilátero.
Primeiramente é declarado o que deve ser construído.
53
“[...] todos os problema e teorema, que recebe suas conclusões a partir de suas
próprias partes perfeitas, devem possuir em si todas estas: enunciado, exposição,
determinação, construção, demonstração, conclusão. E dessas, o enunciado nos
informa o que é procurado a partir do que é dado. Pois o enunciado perfeito é de
ambos. E a exposição, recebe o dado essencial, se prepara, a ele mesmo, de antemão,
para a investigação. E a determinação torna bem claro, separadamente, o procurado,
o que enfim é. E a construção adiciona as coisas faltantes ao dado para a ávida
investigação da coisa pretendida. E a demonstração deduz cientificamente o
proposto a partir das coisas acordadas. Mas o epílogo, ou conclusão, retorna de novo
ao enunciado, afirmando o demonstrado. E todas as partes juntas tanto dos
problemas quanto dos teoremas são tais; mas as mais necessárias, existentes em
todos, são enunciado e demonstração e conclusão” (PROCLUS, 1792, p. 20,
tradução nossa).
“Enunciado, demonstração e conclusão são as três partes que Proclus enfatiza, mas, no
entanto, parece ser a construção o cerne das proposições. É a partir dela, e tendo-a sempre sob
a vista, que a demonstração se faz” (BICUDO, 2007, p. 212, tradução nossa).
Proclus enfatiza a superioridade dos teoremas sobre os problemas, ou seja, da lógica
sobre a intuição, quando afirma que “teoremas diferem de problemas, porque estes últimos
lidam com construções, ao passo que os teoremas procuram demonstrar propriedades
inerentes aos seres geométricos” (PROCLUS, 1792, p. 21, tradução nossa). Teoremas, de
acordo com Proclus, enunciam a parte ideal dos seres geométricos que pertencem ao mundo
54
Figura 2.1: Euclides e a Geometria representando a figura da proposição I de Os Elementos. Ela pertence a uma
coleção de telas que representam as sete Artes Liberais do currículo medieval. Fonte: URBANEJA, 2003, p.
36.
55
do referido círculo” (BOS, 2001, p. 26). Mas o fato é que não era suficiente saber que existia,
ou provar que existia o quadrado, ele tinha que ser construído de alguma forma
geometricamente aceitável. Esse fato destaca o papel da intuição e da prova em Matemática
como elementos complementares. Esse foi o método adotado em Os Elementos, ou seja,
resolver um problema significava construir uma figura geométrica plana que desse respaldo à
argumentação expressa por meio da linguagem. Essa característica é que passamos a mostrar
na próxima seção.
caso, no conceito de triângulos e de segmentos. Para Aristóteles, uma prova deve sair dos
conceitos envolvidos, nesse sentido, para ele [Aristóteles] esse enunciado não pode ser um
teorema, como de fato não é, o que existe é um problema de construção. E, nesse problema,
assim como grande parte das proposições em Os Elementos, o mais importante é o
reconhecimento das relações, é o processo de construção, e não a figura concluída.
Por isso que Otte diz que o meio é “pobre”, o que é mais interessante é o processo de
construção, é a complementaridade, porque sem essa complementaridade não teríamos um
triângulo equilátero quase preciso. Falamos em quase preciso porque somente na ideia
estabelecemos um triângulo ideal.
Para que o processo de construção seja feito de maneira satisfatória, cujo resultado
seja um triângulo equilátero, devemos intuir, de antemão, que são necessários círculos, porque
com círculos podemos construir segmentos de retas congruentes. Por isso Kant diz que a
matemática euclidiana é intuitiva, porque devemos extrapolar as fronteiras do enunciado, em
muitos casos, em busca da solução para o problema.
Kant cita, como exemplo, a última parte da proposição I-35 de Os Elementos.
A proposição I-35 diz que: “Em qualquer triângulo, os três ângulos interiores são
iguais a dois ângulos retos”, cuja demonstração é baseada na figura que segue.
Nessa perspectiva, a interatividade com a figura geométrica é mais intensa do que pelo
método apresentado por Euclides. O uso de signos altera a maneira em que os objetos
conceptuais nos são dado aos nossos sentidos. Para desenvolvermos a parte algébrica é quase
uma obrigatoriedade a percepção geométrica para podermos detectar as relações. Com o
59
simbolismo adequado, a relação algébrica com a geométrica fica evidente. Mas, Em Euclides
não existe signo como em Viète e Descartes, apenas a figura com a argumentação retórica.
A representação é um meio, é um instrumento, tem uma função, nesse caso serve para
construir mentalmente as partes constitutivas da figura, assim como uma faca tem sua função,
é um meio utilizado para cortar.
A matemática euclidiana é relacional. Para a Educação Matemática, o importante é
que o professor valorize esses processos de construção, enfatizando o conteúdo relacional
presente no processo de justificação da proposição. Softwares de geometria dinâmica, como o
Cabri Geometry e o Geogebra, são bons aliados dos professores por ressaltar as etapas de
construção e a utilização da régua e compasso na construção de figuras planas.
O método utilizado para justificar uma construção ou provar um teorema, possui duas
partes que se completam: uma parte argumentativa por meio de uma linguagem textual e,
outra parte, a construção geométrica, um diagrama, o desenho da figura correspondente de
acordo com o enunciado proposto.
Segundo Otte, as descrições de construção antecede a construção propriamente dita.
Porém, as descrições e o processo de construção ocorrem simultaneamente de forma
complementar, ambos os métodos fazem parte da solução do problema ou teorema. Então a
geometria de Euclides não é um pensamento diagramático, é um pensamento algoritmo
sintético, são os algoritmos, mas que não são representados em termos de números, mas de
palavras, de construções.
Fechamos nossa apresentação do livro I como o Teorema de Pitágoras. Talvez, esse
teorema, seja a relação mais importante, mais conhecida, mais nobre e que mais provas têm
recebido, ocupando o primeiro lugar no decorrer dos tempos escolares. Isso se deve ao seu
valor prático, teórico e didático. Dentre as relações métricas que aparecem na geometria, o
Teorema de Pitágoras está entre os mais relevantes, senão o principal, pelo seu caráter
peculiar das aplicações fora do contexto escolar.
A magnífica grandeza do Teorema de Pitágoras começou uma mudança decisiva
intelectual entre a prática empírica e indutiva do raciocínio dedutivo-demonstrativo e, tanto no
desenvolvimento histórico quanto no espaço escolar da Educação Matemática.
De acordo com Proclus, Pitágoras é um marco na história da matemática, porque ele
transformou o conhecimento geométrico em disciplina puramente teórica, investigando os
teoremas de forma abstrata, sem ferramentas ou materiais de medições, sem referência a
materiais específicos, apenas por meio da intuição, das ideias e do discurso mental. O
60
Teorema de Pitágoras é, por um lado especulativo e dedutivo e, por outro lado empírico e
indutivo.
A maior contribuição original é, essencialmente, o valor de generalidade universal,
independentemente dos valores particulares dos lados do triângulo. A demonstração, aporte
fundamental da Matemática dos Pitagóricos, vai muito além das contribuições concretas da
ciência, sendo considerada, portanto, a demonstração como elemento essencial na cultura
grega. A demonstração vai muito além da mera persuasão da retórica em que os gregos eram
grandes mestres, pois, é possível com argumentação convincente ascender o falso ao
verdadeiro, portanto, as censuras de Sócrates aos sofistas. A demonstração convence por
argumento incontestável e alcança algo legítimo enquanto não pôr em causa as leis da lógica.
Assim, a partir de Pitágoras a Matemática é universalmente considerada como uma fonte
primária de verdade objetiva.
O Teorema de Pitágoras marca o primeiro salto intelectual que caracteriza a passagem
das especulações empíricas aos domínios do pensamento dedutivo. A prova desse teorema
pode ter sido a primeira demonstração verdadeiramente matemática na história. É, talvez,
nesse momento, que podemos dizer ou caracterizar a matemática com respeito às demais
ciências, pois, o que diferencia a matemática de outros campos do conhecimento é,
principalmente, o modo como prova suas verdades.
Euclides enuncia e demonstra o Teorema de Pitágoras na proposição I-47 de Os
Elementos. A demonstração necessita de conhecimentos geométricos dados em proposições
anteriores, mais precisamente da proposição I-36 (“os que estão sobre bases iguais e nas
mesmas paralelas são iguais entre si”) e a proposição I-41(“caso um paralelogramo tenha
tanto a mesma base que um triângulo quanto esteja nas mesmas paralelas, o paralelogramo é o
dobro do triângulo”). Euclides apresenta esse teorema antes da teoria das proporções de
Eudoxo, que aparece apenas no livro V. Por esse motivo, utiliza apenas relações entre
paralelogramos e triângulos com a mesma base e situados entre as mesmas paralelas.
A demonstração de Euclides do Teorema de Pitágoras é uma prova muito elegante que
se desenvolve da seguinte maneira:
BD BC
FBC ABD FB AB
FBC ABC
A área do quadrado ABFG é o dobro da área do triângulo FBC já que estão sobre a
mesma base e situados entre as mesmas paralelas (Proposição I-41).
De modo que se verifica:
61
A prova desse teorema relaciona áreas de triângulos com áreas de retângulos. Esse
método, chamado de método de aplicação de áreas, é muito utilizado para justificar
proposições. A área de figuras talvez seja uma das aplicações mais simples da matemática e
que pode dar significado as expressões algébricas, funcionando como uma ótima ferramenta
para a compreensão de conceitos matemáticos.
62
Proposição 411: Caso uma linha reta seja cortada, ao acaso, o quadrado sobre a reta
toda é igual aos quadrados sobre os segmentos e também duas vezes o retângulo contido
pelos segmentos.
Fique, pois, cortada a linha reta AB, ao acaso, no C; digo que o quadrado sobre a AB é
igual aos quadrados sobre as AC, CB e também duas vezes o retângulo contido pelas AC, CB.
Fique, pois, descrito, sobre a AB, o quadrado ADEB, e fique ligada a BD, e, por um
lado, pelo C, fique traçada a CF paralela a qualquer uma das AD, EB, e, por outro lado, pelo
G, fique traçada a HK paralela a qualquer uma das AB, DE. E, como CF é paralela à AD, e a
BD caiu sobre elas, o ângulo sob CGB, exterior, é igual ao sob ADB, interior e oposto. Mas o
sob ADB é igual ao sob ABD, porque também o lado BA é igual ao AD; portanto, também o
ângulo sob CGB é igual ao sob GBC; de modo que também o lado BC é igual ao lado CG;
11
Os Elementos, 2009. p. 137-138. Trad. Irineu Bicudo
63
mas, por um lado, a CB é igual à GK, e, por outro lado, a CG, à KB; portanto, também a GK é
igual à KB; portanto, o CGKB é equilátero. Digo, então, que também é retangular. Pois, como
a CG é paralela à BK [e a reta CB caiu sobre elas], portanto, os ângulos sob KBC, GCB são
iguais a dois retos. Mas o sob KBC é reto; portanto, também o sob BCG é reto; desse modo,
também os sob CGK, GKB, opostos, são retos. Portanto, o CGKB é retangular; mas foi
provado também equilátero; portanto, é quadrado; e é sobre a CB. Pelas mesmas coisas,
então, também o HF é um quadrado; e é sobre a HG, isto é, [sobre] a AC; portanto, os
quadrados HF, KC são sobre as AC, CB. E, como o AG é igual ao GE, e o AG é o pelas AC,
CB; pois, a GC é igual à CB; portanto, também o GE é igual ao pelas AC, CB; portanto, os
AG, GE são iguais a duas vezes o pelas AC, CB. Mas também os quadrados HF, CK são
sobre as AC, CB; portanto, os quatros HF, CK, AG, GE são iguais aos quadrados sobre as
AC, CB e também duas vezes o retângulo contido pelas AC, CB. Mas os HF, CK, AG, GE é o
ADEB todo, que é o quadrado sobre a AB; portanto, o quadrado sobre AB é igual aos
quadrados sobre as AC, CB e também duas vezes o retângulo contido pelas AC, CB.
Portanto, caso uma linha reta seja cortada, ao acaso, o quadrado sobre a reta toda é
igual aos quadrados sobre os segmentos e também duas vezes o retângulo contido pelos
segmentos, o que era preciso provar.
O inconveniente geométrico desse método fica explícito nos dias atuais. Podemos até
dizer que nenhum professor do ensino fundamental e médio, no decurso normal de uma aula,
vai explorar essa demonstração assim como está no livro de Euclides. O que defendemos
metodologicamente é representar cada um dos segmentos por uma letra e mostrar a
complementaridade da álgebra com a geometria.
Nomeando os segmentos de reta AB = a + b; AC = a; e CB = b, a Figura 2.6 sugere
que tenhamos (a + b)2 = a2 + 2ab + b2.
64
Proposição 512: Caso uma linha reta seja cortada em iguais e desiguais, o retângulo contido
pelos segmentos desiguais da reta toda, com o quadrado sobre entre as seções, é igual ao
quadrado sobre a metade.
Fique, pois, cortada alguma reta, a AB, por um lado, em iguais no C, e, por outro lado,
em desiguais no D; digo que o retângulo contido pelas AD, DB com o quadrado sobre CD, é
igual ao quadrado sobre a CB.
12
Os Elementos, 2009. p. 139. Trad. Irineu Bicudo.
65
Figura 2.7: Álgebra Geométrica – Fragmento da proposição 5 – livro II. Fonte: Brolezzi
Fique, pois, descrito, sobre a CB, o quadrado CEFB, e fique ligada a BE, e, por um
lado, pelo D, fique traçada a DG paralela a qualquer uma das CE, BF, e, por outro lado, de
novo, pelo H, fique traçada a KM paralela a qualquer uma das AB, EF, e, de novo, pelo A,
fique traçada a AK paralela a qualquer uma das CL, BM. E, como o complemento CH é igual
ao complemento HF, fique adicionado o DM comum; portanto, o CM todo é igual ao DF
todo. Mas o CM é igual ao AL, porque também a AC é igual à CB; portanto, também o AL é
igual ao DF. Fique adicionado o CH comum; portanto, o AH todo é igual ao gnômon PNQ.
Mas o AH é o pelas AD, DB; pois, a DH é igual à DB; portanto, o gnômon PNQ é igual ao
pela AD, DB. Fique adicionado LG comum, que é igual ao sobre a CD; portanto, o gnômon
PNQ e o LG são iguais ao retângulo contido pelas AD, DB e o quadrado sobre a CD. Mas o
gnômon PNQ e o LG, como um todo, são o quadrado CEFB, que é o sobre a CB; portanto, o
retângulo contido pelas AD, DB, com o quadrado sobre CD, é igual ao quadrado sobre CB.
Portanto, caso a Linha reta seja cortada em iguais e desiguais, o retângulo contido
pelos segmentos desiguais da reta toda, com o quadrado sobre a entre as seções, é igual ao
quadrado sobre a metade; o que era preciso provar.
66
x y x y
2 2
xy
2 2
Ou seja,
x y x y
2 2
xy
2 2
Se x = a + b e y = a – b, podemos escrever:
(a b) (a b) a 2 b2
Suponhamos agora AB = a e DB = x. Então, ax – x2 é igual à área do retângulo
AKHD, a qual é por sua vez igual à soma das áreas dos retângulos CLHD, DHMB e HGFM.
Se chamarmos a soma das áreas de CLHD, DHMB e HGFM de b2, então, o problema
de resolver a equação ax – x2 = b2 se transforma, em linguagem geométrica, em construir
sobre um segmento de reta de comprimento a um retângulo cuja área menos a área de um
quadrado seja igual à área de um quadrado dado (b2). Como resolver essa equação utilizando-
se de áreas?
A solução é dada como segue:
Dado um segmento de reta AB = a e um quadrado de lado b (Figura 2.9). Buscamos
encontra o x, lado do quadrado procurado, da seguinte forma.
1) Encontrar o ponto médio do segmento de reta AB; seja M o ponto médio.
2) Com centro em M e raio igual a b, traçamos uma circunferência (pontilhada).
67
3) Por M traçamos uma perpendicular ao lado AB. Seja “O” o ponto de intersecção da
circunferência (pontilhada) com a reta perpendicular.
4) Com centro O e raio MB traçamos a circunferência que corta AB no ponto F.
FB = x é o segmento de reta procurado.
Nesse caso tivemos que tirar um quadrado de lado x do retângulo sobre AB. Os gregos
chamavam essa construção de uma construção elíptica. Esse assunto será tratado adiante na
seção sobre a terminologia das cônicas.
Tomemos um exemplo particular. Vejamos como resolver a equação x2 – 10x + 9 = 0.
1) Construir um segmento de reta com 10 unidades.
2) Dividir o segmento de reta ao meio obtendo o ponto M.
3) Com centro em M e raio 3, traçar um círculo.
4) Construir uma perpendicular passando pelo ponto M que intercepta o círculo de raio 3 no
ponto O.
5) Com centro em O e raio MB = 5 ou, a metade do segmento AB, construir o circulo e
marcar o ponto F de intersecção com o segmento de reta AB.
68
2
10 10 2
AM MF 9 9
2 2
Portanto, um dos valores que satisfaz a equação é 9, o outro valor é o que falta para
completarmos o segmento AB, ou seja, 1 unidade.
Proposição 6. Caso uma linha reta seja cortada em duas, e seja adicionada a ela alguma
reta sobre uma reta, o retângulo contido pela reta toda junto com a adicionada e pela
adicionada, com o quadrado sobre a metade, é igual ao quadrado sobre a composta tanto da
metade quanto da adicionada.
Fique, pois, cortada alguma reta, a AB, em duas no ponto C, e fique adicionada a ela
alguma reta, a BD, sobre uma reta; digo que o retângulo contido pelas AD, DB, com o
quadrado sobre a CB, é igual ao quadrado sobre a CD.
Fique, pois, descrito sobre a CD o quadrado CEFD, e fique ligada a DE, e, por um
lado, pelo ponto B, fique traçada a BG paralela a qualquer uma das EC, DF, e, por outro lado,
69
pelo ponto H, fique traçada a KM paralela a qualquer uma das AB, EF, e ainda, pelo ponto A,
fique traçada a AK paralela a qualquer uma das CL, DM.
Como, de fato, AC é igual à CB, também o AL é igual ao CH. Mas o CH é igual ao
HF. Portanto, também o AL é igual ao HF. Fique adicionado o CM comum; portanto, o AM
todo é igual ao gnômon NQO. Mas o AM é o pelas AD, DB; pois, a DM é igual à DB. Fique
adicionado o LG comum, que é o quadrado sobre BC; portanto, o retângulo contido pelas AD,
DB, com o quadrado sobre a CB, é igual ao gnômon NQO e o LG. Mas o gnômon NQO e o
LG, como um todo, são o quadrado CEFD, que é sobre a CD; portanto, o retângulo contido
pelas AD, DB, com o quadrado sobre a CB, é igual ao quadrado sobre a CD.
Portanto, caso uma linha reta seja cortada em duas, e seja adicionada a ela alguma reta
sobre uma reta, o retângulo contido pela reta toda junto com a adicionada e pela adicionada,
com o quadrado sobre a metade, é igual ao quadrado sobre a composta tanto da metade quanto
da adicionada; o que era preciso provar.
Fique, pois, construído o paralelogramo retangular BCDE igual à retilínea dada A; (Pr.
I-45). Se, por um lado, de fato, BE é igual à ED, estará feito o que se pede, porque BD será
um quadrado igual à retilínea A. Mas, se não, uma das BE, ED é maior. Seja maior a BE e
fique prolongada até o F, de maneira que EF seja igual à ED, e fique cortada a BF em duas
partes iguais no ponto G, e com centro em G, tomando a distância GB ou GF, fique descrito o
semicírculo BHF, e fique prolongada a DE até o H, e fique ligada a GH.
Como, de fato, a reta BF foi dividida em duas partes iguais no ponto G, e em duas
desiguais no ponto E, portanto, o retângulo contido pelas retas BE, EF, juntamente com o
quadrado sobre EG é igual ao quadrado sobre GF (Pr. II-5). Mas a GF é igual à GH. Logo, o
retângulo das retas BE, EF, juntamente com o quadrado de GE, será igual ao quadrado GH.
Mas os quadrados de HE, EG são iguais ao quadrado de GH (Pr. I-47). Portanto, o retângulo
de BE, EF, juntamente com o quadrado de EG, será igual aos quadrados de HE, EG. Logo,
tirando o quadrado comum de GE, ficará o retângulo sobre BE, EF igual ao quadrado de EH.
Mas o retângulo sobre BE, EF é o mesmo retângulo BD, por ser EF igual à ED. Logo, será
BD igual ao quadrado sobre EH. Mas temos construído o paralelogramo BD igual à retilínea
dada A. Logo, a retilínea A será igual ao quadrado que será descrito sobre a EH.
Primeiras etapas de construção de um quadrado cuja área será igual ao de um retângulo dado. A figura mostra
que foi construído o segmento EF = ED e o ponto médio do segmento BF.
Fonte: Acervo pessoal
Com centro em G e raio GF traçar o arco BHF, onde H é a intersecção do arco com a
perpendicular à BF passando por E. Traçar GH (Figura 2.14).
= GFLK
Devemos lembrar que queremos encontrar um quadrado cuja área seja igual à área do
retângulo BEDC.
Da Figura 2.14, temos que:
GF = GH (ambos são raios do arco BHF), então o quadrado GFLK tem a mesma área do
quadrado SRHG.
Ou seja,
GFLK = SRHG (2)
Figura 2.15: Construção que representa a comparação de áreas de quadrados. Fonte: Acervo Pessoal.
Figura 2.17: Comparação da área do quadrado com a área do retângulo. Fonte: Acervo Pessoal.
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13
Proclo Licio Diadoco (410 – 487). Filósofo neoplatônico do século V.
76
discussão dizendo que não há evidências, e parece improvável, que um pensamento algébrico
estivesse em jogo nos argumentos apresentados por Euclides. “[...] suas demonstrações
utilizam propriedades particulares das figuras em questão. As transformações de áreas
operadas em Os Elementos podem ser associadas às operações de adição, multiplicação e
extração de raiz quadrada, mas nada indica que tais operações pudessem ser abstraídas das
formas geométricas propriamente ditas (ROQUE, 2012, p. 188)”.
O historiador das ciências neerlandês Eduard Jan Dijksterhuis, em 1929-1930, evitou,
em sua apresentação dos Elementos, o tratamento algébrico. Em meados da década de 1930,
em um artigo importante sobre “logística grega e as origens da álgebra”, Jacob Klein não
apresentou relação entre álgebra e geometria nos Elementos, precisamente porque depois de
comparados e constatadas a matemática grega com a álgebra simbólica do renascimento
europeu não encontrou indícios de que as intenções de Euclides fossem representar álgebra
por meio de figuras. Heath encontrou limitações para ver Os Elementos de Euclides como
álgebra geométrica. A crítica mais direta foi a de Sabetai Unguru, que escreveu um artigo
polêmico em 1975. Ele recebeu respostas de três matemáticos: van der Waerder em 1976,
Hans Freudenthal em 1977 e André Weil em 1978. Unguru respondeu aos três em outro artigo
de 1979.
No último quarto do século XIX as vozes críticas contra a álgebra geométrica foram
ouvidas e respondidas pelos seus defensores. Freudenthal (1977, p. 189, tradução nossa)
começa dizendo que “quem começa a ler a matemática grega percebe que grande parte é, de
fato, de natureza algébrica camuflada pelo tratamento geométrico”. Para ele isso foi um
enigma que perdurou até o século XIX quando os matemáticos enfrentaram os mesmos
problemas de maneira diferente. Por exemplo, o texto grego,
[...] como A está para B, então deixe C está para D
e, como C está para D, por isso, E está para F.
Eu digo, que, A está para B, como E está para F.
Para Freudenthal (1977, p. 190, tradução nossa) o tratamento dos objetos matemáticos
depende do contexto em que estão inseridos. “Sem dúvida esta é admissível, mas seria
absolutamente inadmissível no mesmo contexto substituir proposições como a:b = c:d por
seus análogos mais moderno ad = bc”.
Segundo Waerden, a opinião de Unguru sobre os livros I e II é que a “Álgebra
Geométrica Grega nada mais é do que álgebra babilônica com vestuários geométricos”.
“Depois de ter resumido nossas opiniões”, diz Waerden, Unguru começa sua discussão
apresentando os traços característicos do pensamento algébrico. Para ele [Unguru] o
simbolismo algébrico é representado pelas três características abaixo.
a) simbolismo operacional;
b) a preocupação com as relações;
c) abstração.
Waerden argumenta que se esse posicionamento for levado em consideração realmente
não havia álgebra nos Elementos, mas ele diz que as construções em Euclides não são vistas
por esse prisma, as álgebras babilônica, grega e árabe são interpretadas no sentido da álgebra
escolar atual.
Na escola aprendemos como fazer manipulações de expressões como (a + b)2
explicitando o seu desenvolvimento, ou seja,
(a + b)2 = a2 + 2ab + b2
Ocorre que nem sempre o professor faz a relação com o conceito de área. Mas, lidar
com esse tipo de expressão, assim como resolver um sistema linear ou uma equação do
segundo grau é considerado, na escola atual, álgebra.
O que é álgebra? Não há Supremo Tribunal para decidir tais questões. No entanto,
“álgebra” tem um significado na linguagem cotidiana, assim como “cadeira” e
“mesa”. Por exemplo, na escola álgebra é a resolução de equações lineares e
quadráticas. É o tipo de álgebra que os babilônios começaram. Era a sua álgebra não
álgebra, porque seu simbolismo não era bom o suficiente? São “comprimento” e
“largura” muito pior do que “x” e “y” se você pode dar receitas claras para resolver
equações de segundo grau em tais condições? [...] Esta capacidade de descrever
relações e procedimentos para resolvê-las, e as técnicas envolvidas de uma maneira
geral, é, em minha opinião, característica de álgebra, uma característica tão
importante de pensamento algébrico que eu estou disposto a estender o nome de
“álgebra”, desde que nenhum outro nome é proposto, e na medida em que não
conheço nenhum outro nome que já tenha sido colocado. Mas o que está em um
nome? (FREUDENTHAL, 1977, pp. 193 – 194, tradução nossa).
matemáticas são eternas, imutáveis, em que as entidades envolvidas residem no mundo das
ideias onde elas esperam pacientemente para serem descobertas.
A conclusão de Unguru é que, não há evidência de simbolismo algébrico. Não
podemos “empregar conceitos ou operações para as quais não há nenhuma evidência genuína
ou em seu tempo ou nas obras de seus antecessores [...] Ele não poderia ter utilizado
dispositivos e procedimentos matemáticos que foram inventados muitas centenas de anos
depois de sua morte” (UNGURU, 1979, p. 556, tradução nossa).
Mas para Waerden o que está em questão não é o simbolismo algébrico propriamente
dito, mas a ideia que pode ser representada por meio do simbolismo ou por uma linguagem
corrente. É exatamente nesse ponto, ou seja, é exatamente sobre as ideias implícitas que deve
ser o foco das reflexões. Unguru pensa que o conhecimento depende dos meios de
representação do signo, mas na verdade, o conhecimento surge das ideias. G. H. Hardy (1887
– 1947) publicou um livro autobiográfico, cujo título é “em defesa de um matemático” no
qual dizia que “a matemática é como a poesia ou arte, ela constrói padrões não de formas, mas
de ideias”.
Segundo Otte, num certo sentido, essa é uma ideia platônica. Teeteto e Sócrates
quando discutem o que é conhecimento, não chegam a uma conclusão, porque para Platão, o
conhecimento surge diretamente dos objetos, mas os únicos objetos que podemos conhecer
diretamente são as ideias, pois as ideias fazem parte da alma humana. De acordo com Otte14,
“o homem possui dois lados: corpo e alma. Essa concepção surge da teoria das ideias, mas os
filósofos analíticos e lógicos, que são contra essa noção, dizem que não é possível existir
problemas sobre a natureza da razão sem apontar estados de coisas particulares”. Ou seja, se
não tivéssemos construídos teorias, conceitos, não teríamos problemas.
Mas a poesia fala do homem, do nascimento e da morte como tais, e não das
particularidades. Por exemplo, não se fala que Sócrates é bom, fala-se da bondade de
Sócrates. Então, uma proposição com sujeito e predicado se transforma em uma relação
(Sócrates = bondade). Isso é fundamental, porque todo pensamento matemático é pensamento
relacional, todo pensamento teórico é um pensamento relacional. Movimento e temperatura
são dois fenômenos diferentes, mas que de certa forma estão conectados. Para produzir a
temperatura é necessário que as partículas se agitem, tanto maior é o grau de agitação maior
será a temperatura. A sensação de calor surge como uma ideia abstrata que conecta esse dois
14
Aula proferida em 09 de maio de 2014.
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significado simbólico e passamos a nos preocupar nas relações entre símbolos. Na verdade, é
mais fácil lidar com a expressão:
(a + b)2 = a2 + 2ab + b2
do que com a retórica
“O quadrado de AB é igual aos quadrados de AC mais BC juntamente com o dobro do
retângulo sobre AC, BC”.
A declaração em palavras diz exatamente a mesma coisa que a fórmula. Em vez de
“produto” pode-se também dizer “área” (de um retângulo), como os babilônios fizeram.
Semelhantemente Euler interpreta as afirmações abaixo sem distinção.
5 ovos + 7 ovos = 12 ovos
5 casas + 7 casas = 12 casas
5 gatos + 7 gatos = 12 gatos
5 x + 7x = 12x
Para ele [Euler] todas essas grandezas são variáveis, a forma de todas essas
proposições é igual. A matemática foi uma teoria de grandezas. Na época de Euclides não
existia uma diferença entre aritmética e álgebra. O simbolismo é um instrumento, é um meio.
Não podemos dar ênfase simplesmente aos meios, para compreendermos os problemas da
natureza e da matemática devemos privilegiar também os objetos. Complementaridade é
exatamente isso, a relação entre meios e objetos. Em termos semióticos falamos da
complementaridade entre sentido e referência, referência a um objeto, a um problema. Por
isso falamos de complementaridade, para dar ênfase a ambos os lados.
Claro que existe uma diferença entre as expressões acima, mas essa diferença é
minimizada, ou até mesmo não existe, porque a ideia é a mesma, todas as declarações acima
dizem exatamente a mesma coisa, ou seja, somar 5 coisas com 7 coisas o resultado são 12
coisas. Agora, a representação é extremamente necessária para que a ideia seja sugerida.
Se pensarmos em complementaridade então devemos entender que ambos, Unguru e
Waerden tem razão em seus pontos de vista. Por um lado Unguru tem razão em dizer que não
existe simbolismo algébrico patente como conhecemos hoje, a primeira vista o que há nos
Elementos são construções geométricas seguida de descrições em que são feitas relações entre
figuras. Por outro lado, Waerden tem razão em dizer que existe a ideia implícita da álgebra,
pois, são as ideias juntamente com os signos que possibilitam o conhecimento.
São as ideias que importa para um matemático, ou seja, são as estruturas constituídas
por ideias e representadas por meio do simbolismo. Sem signo não conseguimos expressar as
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ideias, mas não existe o signo sem objetos. Não existe a fumaça sem o fogo. Mas sem ideias,
somente com signos, também não desenvolvemos nossos conhecimentos.
Unguru insistia que abrindo os livros de Euclides (principalmente os livros I e II) não
encontrava nenhum simbolismo algébrico e continuava negando a existência de álgebra
babilônica. Em vez disso, ele fala, de “um estágio aritmético (matemática egípcia e
babilônica), em que o raciocínio é, em grande parte, da aritmética elementar ou com base em
regras empíricas paradigmáticas derivadas das tentativas bem sucedidas tomadas como um
protótipo” (WAERDEN, 1976, p. 200, tradução nossa). De fato, Unguru diz que “não existe
álgebra na babilônia, nem em fontes matemáticas gregas e pré-diofantinas” (UNGURU, 1979,
p. 557, tradução nossa). Mas os matemáticos continuavam a questionar Unguru, porque a
matemática é constituída por ideias, não sobre fórmulas, não sobre tipos de representação.
O primeiro documento conhecido que traz um enunciado que pode ser interpretado
como uma equação do segundo grau data de 1700 a.C. aproximadamente, feito numa tabula
de argila e expresso por meio de palavras. Os mesopotâmios enunciavam da seguinte forma:
“Qual é o lado de um quadrado em que a área menos o lado dá 870?” Veja que podemos
escrever esse problema sem nenhuma dificuldade pela expressão: x2 – x = 870. A solução e
dada usando regras aritméticas da seguinte forma:
Tome a metade de 1 (coeficiente de x) e multiplique por ela mesma, (0,5 × 0,5 = 0,25).
Some o resultado a 870 (termo independente). Obtém-se um quadrado (870,25 = 29,52) cujo
lado somado à metade de 1 vai dar (30) o lado do quadrado procurado.
Na Índia se destacou Bhaskara de Akaria, no século XII, apresentando uma solução
que mais se assemelha à utilizada atualmente e que originou na fórmula bem conhecida no
Brasil que leva o seu nome, Bhaskara. A solução é dada a um problema de matemática
financeira. Transcrito em linguagem atual, o problema dizia o seguinte:
Um capital de 100 foi emprestado a uma certa taxa de juro ao ano. Após 1 ano, o
capital foi retirado e o juro obtido aplicado durante mais 1 ano. Se o juro total foi de 75, qual
foi a taxa ao ano?
Sendo a taxa x%, tem-se que o juro no primeiro ano será de x e no segundo ano será de
x . x/100, ou seja, a equação em linguagem algébrica hoje seria: x + x . x/100 = 75 ou x2 +
100x – 7500 = 0.
A solução era apresentada de forma verbalizada, com palavras, o que seria na
linguagem atual, algo como:
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Waerden argumenta que Euclides não faz uso dessa proposição nos próximos quatro
livros, enquanto que se pensarmos em aritmética a regra que gera essa construção segue a lei
distributiva, ou seja, multiplicar os termos de uma soma por um valor a. Dessa forma,
Waerden se convence que essa regra de cálculo é traduzida para a linguagem geométrica. Em
85
outras palavras, a proposição II-1 fornece uma prova geométrica de uma regra algébrica de
cálculo. As proposições II-2 e II-3 são apenas casos especiais de II-1. Mais uma vez, diz
Waerden (1976, p. 204, tradução nossa), a partir do ponto de vista da geometria não há
nenhuma razão para formular essas trivialidades como teoremas.
Na geometria o pensamento relacional ocorre por meio de partes que são semelhantes
entre si e que se correspondem termo a termo. Descartes fez a aritmética se relacionar com a
geometria ao atribuir a unidade ao segmento de reta. Viète estabeleceu relações entre
grandezas conhecidas e desconhecidas. A álgebra lida com objetos desconhecidos como se
fossem conhecidos a base de relações entre eles. A essa relação chamamos de análise, isto é, a
análise é baseada no pensamento relacional, daí a importância desse pensamento para a
matemática. Na figura 1.5 podemos fazer relações entre partes que são semelhantes entre si,
nesse caso podemos comparar as áreas de cada retângulo, permitindo, então, escrever a
expressão:
A(ABCD) = A(ABEF) + A(FEGH) + A(HGCD)
Em que A(ABCD) representa a área do retângulo ABCD; A(ABEF) representa a área do
retângulo ABEF; e assim sucessivamente.
AB AD = (AB AF) + (AB FH) + (AB HD)
Fazendo AB = a e AD = b + c + d, temos:
a(b + c + d + ...) = (a b) + (a c) + (a d) + ...
que é a lei distributiva da multiplicação em relação à adição.
De acordo com Otte (1989) o pensamento relacional é evidenciado no pensamento
algébrico porque lida com as relações entre os objetos e não com os objetos em si. Otte (1990)
diz que “a história das ciências pode ser esboçada como uma transição de pensar em objetos
para o pensamento relacional. [...] a ciência se preocupa com as relações existentes entre os
objetos ou fenômenos”. No artigo de 2003, Otte diz que o raciocínio operatório foi necessário
na transição do primeiro período (matemática grega) para o segundo período (matemática
moderna) que segundo o autor começa com Descartes.
Para a proposição II-4, Waerden justifica dizendo que se pensarmos em fins
puramente geométricos, não é possível entender a linha de pensamento de Euclides. Essa
proposição se justifica apenas se levarmos em conta o pensamento algébrico cuja origem se
dá na Arábia com al-Khowarizmi.
Como vimos, o mesmo diagrama de um quadrado dividido em dois quadrados e dois
retângulos (sem a diagonal, o que não é necessário) também aparece no tratado de al-
Khowarizmi. Aqui ocorre em seu lugar natural: O autor precisa dele para justificar o seu
86
método de resolução de equações do segundo grau. Neste caso, podemos ver porque al-
Khowarizmi inseriu o diagrama (WAERDEN, 1976, p. 205, tradução nosssa).
Livro V
Def. 1) Uma magnitude é uma parte de uma magnitude, a menor da maior, quando meça
exatamente a maior.
Def. 2) E a maior é um múltiplo da menor, quando seja medida exatamente pela menor.
15
Veja Euclides 2009, p. 205 e 269.
87
Def. 3) Uma razão é a relação de certo tipo concernente ao tamanho de duas magnitudes de
mesmo gênero.
Def. 4) Magnitudes são ditas ter uma razão entre si, aquelas que multiplicadas podem exceder
uma a outra.
Livro VII
Def. 1) Unidade é aquilo segundo o qual cada uma das coisas existentes é dita uma.
Def. 2) E número é a quantidade composta por unidade.
Def. 3) Um número é uma parte de um número, o menor, do maior, quando meça exatamente
o maior.
Def. 4) E partes quando não meça exatamente.
Para Unguru, assuntos tratados no livro V no âmbito das grandezas contínuas são
repetidos e aplicados no livro VII especificamente no tratamento com números. A razão para
isso é que os números para os gregos não são instâncias de um conceito de magnitude geral.
Na visão grega “a aritmética é uma organização independente, não um derivado, geometria e
aritmética são de diferentes gêneros, que têm seus próprios domínios, dispondo de suas
próprias técnicas de demonstração, e lida com o seu próprio conteúdo” (UNGURU, 1979, p.
559 – 560, tradução nossa).
Freudenthal argumenta que se tivesse tido acesso a existência de Dados de Euclides
nunca teria alegado que não havia equações na geometria. Mas Unguru diz que Dados não é
um livro sobre resolução de equações, mas um tratado apresentando outra abordagem para a
geometria elementar.
Ambos Freudenthal e van der Waerden construíram definições operacionais idênticas
de álgebra, criando problemas significativos em suas análises da geometria grega. Mas, o fato
é que, para Unguru, falta ao matemático babilônico justamente a capacidade para descrever
relações e procedimentos para a solução e as técnicas envolvidas de uma maneira geral que
justifica sua desqualificação como algebrista. O que falta é justamente a capacidade de
dispensar números específicos, definidos, e é essa deficiência que dita a forma particular de
sua abordagem. O que ele pode produzir são receitas, não fórmulas gerais.
Com relação ao matemático grego (geômetra), por outro lado, embora seja legítimo
ver sua abordagem como uma abordagem geral (o chamado teorema de Pitágoras é verdade
para qualquer triângulo retângulo, etc.), a linguagem que eles usam é a linguagem geométrica
e a generalidade envolvida é uma consequência natural de lidar com a geometria e não com
88
objetos matemáticos. Por fim, para completar o significado para quem estuda a matemática, a
construção e aplicação do conceito são essenciais. Portanto, objeto matemático, conceito e
aplicação devem ser amplamente explorados.
CAPÍTULO 3
Georges Ifrah.
uma teoria das equações algébricas contendo regra para determinar o número de raízes
positivas e negativas.
A contribuição de Descartes para a matemática é representativa, principalmente, no
que se refere à relação de curvas no plano com o aspecto algébrico. Ele vai tratar desse
assunto com destreza utilizando um instrumento que chamou de Mesolábio. A partir desse
instrumento foi possível chegar a equações gerais utilizando a proporcionalidade que permite
ser estabelecida por meio dele.
Não creio, por exemplo, que haja algum modo mais fácil de encontrar quaisquer
meios proporcionais que se desejem, nem cuja demonstração seja mais evidente, que
empregar as linhas curvas que se traçam com o instrumento XYZ (Mesolábio). Pois
querendo encontrar dois meios proporcionais entre YA e YE, basta traçar um círculo
cujo diâmetro seja YE; e como este círculo encontra a curva AD no ponto D, YD é
um dos meios proporcionais procurados (DESCARTES, 2001, pp. 99 – 101. grifo
nosso).
Assim como fizemos no capítulo 2, nesse capítulo dedicamos a última seção para
destacar os pontos implícitos referentes à noção de complementaridade e suas implicações
para a Educação Matemática.
O francês François Viète (1540 – 1603), frequentemente conhecido por Vieta, não era
matemático de formação, formou-se em direito, e tinha as atividades matemática como forma
de lazer (EVES, 2002, p.308). No entanto, contribuiu para o desenvolvimento de vários
campos da matemática, principalmente no campo algébrico, chegando próximo do tratamento
algébrico moderno. Apesar de não ser um matemático de formação, para Boyer (2004, p. 59,
tradução nossa) e Eves (2002, p. 308), “Viète foi o maior matemático do século XVI”,
considerado o precursor do simbolismo algébrico.
16
Processo de escrita formado de sinais abreviativos convencionais que permitem transcrever as palavras quase
tão rapidamente quanto são pronunciadas. O mesmo que taquigrafia.
97
Operações
Dimensões
Álgebra Escalas
Geometria
Aritmética
A álgebra em seu patamar superior relaciona-se com premissas básicas como: axiomas
relativos às operações, noção de dimensão e escalas, homogeneidade, relações, etc.. “Assim, a
parte “ilusória” de sua nova álgebra era de fato um sistema formal totalmente abstrato
implicitamente definido por essas premissas” (BOS, 2001, p. 149).
O século XVI foi um período em que resurgiram interesses pelos problemas clássicos
da Antiguidade, em um momento em que as simplificações nos processos aritméticos e
avanços na álgebra foram marcantes. O resultado foi a busca de um caminho real para a
geometria por meio de técnicas numéricas (BOYER, 2004, p. 62, tradução nossa). Vogais
substituíram linhas geométricas desconhecidas, e consoantes substituíram linhas conhecidas, e
estas letras foram submetidas às operações algébricas apropriadas. A novidade de Viète está
na aplicação do simbolismo literal aos problemas geométricos seguidos por métodos
mecânicos de cálculo. Isso significa a tradução de um problema a partir do campo da
geometria para a álgebra.
Viète antecipou Descartes no que tange a demonstrar que a álgebra poderia ser usada
para organizar questões de construtibilidade, e que, por outro lado, poderia ser dado
significado geométrico à solução de equações algébricas determinadas construindo suas
raízes. Mas Viète, não viu a relação entre a geometria e a álgebra assumindo a forma de uma
representação gráfica de equações com plotagem em um sistema de coordenadas. Ele
visualizou a construção de sólidos na representação de equações cúbicas. Voltaremos a essa
ideia de representação esteriométrica após discutirmos como eram representadas as grandezas
conhecidas e as grandezas desconhecidas fazendo um paralelo com a álgebra sincopada de
Diofanto para percebermos o quanto Viète foi inovador.
dunamis (ΔΥΝΑΜΙΣ) que significa potência. O termo cúbico era denotado por KY que
corresponde as duas primeiras letras da palavra kubos (KYBO) que significa “cubo”
(BURTON, 2011, p. 219; ROQUE, 2012, p. 232; EVES, 2002, p. 209).
Para potências mais altas, ele usou a abreviação dos seguintes símbolos:
Y (para quadrado-quadrado) indicando x4,
KY (para quadrado-cubo) indicando x5,
KKY (par cubo-cubo) indicando x6.
Diofanto não foi além da sexta potência, uma vez que ele não tinha pretensão de usar
uma potência maior na resolução de qualquer um dos seus problemas (BURTON, 2011, p.
219).
A adição de unidades era dada pela letra M, uma abreviação da palavra grega monades
que significa unidades. Não existia o sinal de adição entre os termos, denotando a operação
por simples justaposição. O atual sinal de menos era desconhecido de Diofanto, por esse
motivo ele separa os temos positivo e negativo por meio do símbolo “” (iota) que
representava a igualdade (BURTON, 2011, p. 219), ficando de um lado os termos positivos e
do outro os negativos.
Com essa simbologia abreviada, Diofanto escrevia uma equação como 35x3 – 5x2 + 8x
– 2 da seguinte forma:
KY 8 Y M
A escrita dos números era feitas em grego (quadro 1). Assim, o número 35 é dado por
, de modo que, 35x3 era representado por KY.
101
Quadro 1: Alfabeto grego antigo que incluía três letras adicionais arcaicas – digama; kopa; san.
Os símbolos eram apenas uma forma de abreviar a escrita, não existia uma relação
clara entre o termo e Y assim como existe entre x e x2.
Antes de Diofanto, a álgebra era retórica, isto é, os resultados foram alcançados pelo
argumento verbal, sem recorrer a símbolos ou abreviaturas de qualquer tipo. Uma das
principais contribuições de Diofanto foi a "síncope" da álgebra. "Álgebra Sincopada", como é
chamada, é mais um caso de taquigrafia para exprimir as grandezas e operações mais
utilizadas do que um simbolismo abstrato em nosso sentido. Diofanto introduziu abreviaturas
estenográficas para os desconhecidos e suas potências sucessivas até o sexto grau, a
igualdade, subtração e recíprocos (BURTON, 2011, p. 219).
O caráter algébrico atribuído à Aritmética de Diofanto baseia-se na utilização de
diversos signos e abreviaturas que se referem especialmente às incógnitas das equações e que
foram comumente interpretadas como um simbolismo algébrico.
No livro I da Aritmética, o problema 27, muito conhecido pelos gregos e resolvido por
meio de construções geométricas, é um exemplo de como Diofanto aplicava as quantidades
desconhecidas na resolução.
a visualização de coordenadas. Viète via uma quantidade de terceiro grau como algo
representado por um sólido como na Figura 3.2 abaixo, enquanto Descartes via uma curva
Figura 3.3.
Figura 3.2: Interpretação geométrica do termo x3 segundo Viète. Fonte: Acervo Pessoal
Figura 3.3: Interpretação Geométrica do termo x3 segundo Descartes. Fonte: Acervo Pessoal.
geometria, a mais alta dimensão para grandezas é a dimensão do próprio espaço, produtos
com mais de três segmentos de linhas eram um desafio para a interpretação da mente humana.
A nova álgebra de Viète superou esse obstáculo. Em sua concepção, qualquer espécie
de grandeza deveria ser acompanhada por uma escala de sucessivas espécies de dimensões
superiores de grandezas, constituídas em analogia às três primeiras grandezas geométricas
tridimensionais – retas, áreas, espaços – continuando infinitamente. Ele usou o termo
“degrau” para espécies com dimensões superiores a três. A multiplicação era ligada aos
degraus como sugerida pela geometria: produto de duas magnitudes de primeiro degrau dava
origem a uma magnitude de segundo degrau; o produto de uma grandeza de primeiro degrau
com uma grandeza de segundo degrau resultava em uma do terceiro degrau; e assim por
diante, gerando sucessivamente magnitudes de dimensões superiores, induzindo uma
numeração das dimensões por graus sucessivos. Essa era uma das premissas básicas nos quais
a nova álgebra estava alicerçada.
A adição, a subtração, a multiplicação, a divisão e a extração de raízes quadradas, bem
como, as relações formadas, eram os axiomas relativos às operações. A logística especiosa era
definida pelas operações, dimensões e escalas (graus).
A dimensão de uma multiplicação é a soma das dimensões dos fatores e o quociente a
diferença entre as dimensões. A interação entre a adição e a multiplicação acontece
distributivamente. A razão é uma relação entre duas grandezas com respeito ao seu tamanho e
não o resultado de uma divisão, evitando assim, o tratamento com números.
As operações eram executadas de forma abstrata, sem relação com objetos e de forma
introspectiva, isto é, o cálculo pelo cálculo. Viète usava “mais” ou “+”, “negativo” ou “–”,
para a adição e subtração, respectivamente. “Esses sinais aparecem pela primeira vez na obra
de Widmann’s, Mercantile Aritmética de 1498, em que elas não se referem à adição e
subtração, ou a números positivos ou negativos, mas a superávits e déficits de problemas
financeiros” (BURTON, 2011, p. 345, tradução nossa).
Viète não tinha nenhum símbolo para a igualdade, apesar de já existir o símbolo (=).
Segundo Burton (2011, p. 345) o matemático inglês Hobert Recorde, no mais antigo tratado
inglês sobre álgebra, publicado sob o título The Whetstone of Witte de 1557, introduziu o
símbolo =, mas com linhas mais longas que, segundo ele [Recorde], “não existe duas coisas
mais iguais” do que duas linhas retas paralelas.
“Símbolos para a multiplicação foram desenvolvidos muito mais lentamente do que os
símbolos para adição e subtração” (BURTON, 2011, p. 345, tradução nossa). Para
multiplicação Viète usou a palavra “in”, somente William Oughtred em seu trabalho Chaves
108
da Matemática de 1631 usou o sinal ×. A divisão foi indicada pela barra horizontal nos
trabalhos de Viète e, “em Rahn's Teutsche Algebra, publicado em 1659, o símbolo ÷ para a
divisão foi encontrado impresso pela primeira vez” (BURTON, 2011, p. 346, tradução nossa).
Suas equações, muitas vezes, se aproximavam mais de frases do que uma fórmula
propriamente dita. A equação da trissecção do ângulo, por exemplo, era escrita por: “x ao
quadrado vezes três vezes E menos E in cubos será igual a x ao quadrado vezes B”. Esta é a
equação para a trissecção de um ângulo, dentro de um círculo de raio x, E é o termo
desconhecido, subentendendo um terço do determinado ângulo, cuja corda é B. Em notação
moderna a equação é a seguinte:
3x2E – E3 = x2B
Onde E é desconhecido.
problemas, não apenas problemas da “matemática pura”, mas também da cosmologia, física e
astronomia. “O conceito moderno de número simbólico é um conceito essencialmente novo,
um conceito em uma nova dimensão conceptual, e que foi possível articular apenas em
conjunto com a invenção do simbolismo algébrico, no século XVII” (STENLUND, 2014, p.
17, tradução nossa).
As fórmulas ou expressões algébricas de Viète são representações de “espécies” ou
“formas” que faz alusão aos “eidos” da filosofia grega, mas é importante entender a mudança
de sentido na “Arte Analítica” de Viète. Klein explica essa diferença:
[...] O “ser” das espécies em Viète, ou seja, o “ser” dos objetos da “analítica geral”,
não é para ser entendido como independente do sentido Pitagórico ou Platônico nem
tão afetado "por abstração" [...] no sentido aristotélico, mas como simbólica. As
espécies são em si mesmas formações simbólicas - [...] Elas são, portanto,
compreensível apenas dentro da linguagem do formalismo simbólico. [...] Com isso
a ferramenta mais importante da ciência natural matemática, a "fórmula", se torna a
primeira possível, mas acima de tudo, uma nova forma de "entendimento",
inacessível a antiga episteme (KLEIN, 1968, p.175, tradução nossa).
devido à dependência do objeto, era necessário ter o objeto para construir a solução. Essa
dificuldade se fazia presente porque não era conhecido um método algébrico autêntico que
teve inicio com Viète.
A Álgebra mostra-se prática na resolução de grande variedade de problemas, é uma
“maquina” de produzir conhecimentos no sentido de que o cálculo produz novos resultados. A
preocupação dos matemáticos entre os séculos XVI e inicio do século XVII foi com o
progresso e não com a fundamentação filosófica do conhecimento. Cardano, Bombeli e Euler
não se preocuparam com fundamentos. Havia calculações com séries sem a preocupação com
a convergência, por exemplo.
A simbolização algébrica possibilita novos conhecimentos com maior fluidez. Quando
Descartes multiplica dois segmentos, cujo resultado é outro segmento, podemos pensar na
multiplicação de números simbólicos, visto que o resultado obtido, no caso a linha, é
representada por letras. “As figuras da Geometria Analítica de Descartes são representações
gerais simbólicas perspicazes que indicam relações entre magnitudes. Essas relações são
economicamente representadas por equações” (ARRUDA, 2014, p. 84). Um bom exemplo
dado por Arruda refere-se a equação da circunferência da forma x2 + y2 = r2.
hipótese de que realmente essa distinção marca uma distinção de época histórica, ou seja, os
gregos conhecem os números como ideias (números autênticos) e os modernos (Stevin, Viète
e Descartes) conhecem números como símbolos em geral” (ARRUDA, 2014, p. 85).
Arruda (2014, p. 86) diz que de acordo com a concepção de Klein a respeito da
operabilidade e instrumentalização, perdemos com a revolução científica do século XVI e
XVII no aspecto do número como ideia, ficando apenas com o número como um sistema
operativo. Nesse sentido, o homem se transforma numa máquina de calcular no estudo da
Aritmética e da Álgebra. O próprio Klein, segundo Stenlund (2014, p. 17, tradução nossa)
justifica seu método histórico “intencional” afirmando que “a invenção do simbolismo
algébrico foi uma transformação essencial no sentido de que novas técnicas e práticas
operacionais foram criadas como base para as novas concepções. Mas um efeito desta
transformação conceitual foi que o entendimento original grego de números foi perdido”.
A transformação na interpretação dos significados do conceito de número surgiu da
interação entre números autênticos e números simbólicos. No desenvolvimento da matemática
sempre existe a interação entre campos de diferentes segmentos, um bom exemplo é a
interação entre a aritmética e a geometria. Existem momentos na história em que a ênfase está
na geometria e outros em que a ênfase é na aritmética ou na álgebra, mas o que é importante
ressaltar é que a todo instante histórico a interação está presente nos momentos de
transformação.
Para criar seu método, Descartes admitiu o que há de melhor na geometria e na
aritmética, sem colocar em choque as teorias, fazendo com que a geometria analítica fosse
possível. “Se Descartes tivesse polarizado apenas na linguagem algébrica ou geométrica, não
teria, talvez, capturado a interação analógica complementar de sua Mathesis Universalis”
(ARRUDA, 2014, p. 87). Tomando as especificidades nas diferentes áreas e/ou disciplinas é
possível desenvolver outras áreas ou até mesmo criar uma nova disciplina ou área.
O valor da obra de Klein é que ela mostra, ao longo da História, que a transformação e
o desenvolvimento do conceito de número deram-se nessa interação entre números autênticos
e números simbólicos, a partir de Husserl. “É óbvio que, com a Álgebra dos séculos XVI e
XVII, surgem muito mais números do que na época grega antiga” (ARRUDA, 2014, p. 88).
A transformação do conceito de número abordada por Jacob Klein foi fundamental
para desabrochar o simbolismo algébrico moderno. Antes da geometria analítica de Descartes,
filósofos e matemáticos como Petrus Ramus (1515 – 1572), Viète (1540 – 1603), Stevin
(1548 – 1620), Bacon (1561 – 1626) e Galileu (1564 – 1642) davam atenção especial ao
tratamento da aritmética, não no sentido de arithmos, mas no sentido de símbolo geral.
113
Klein observa que a simbolização dos fenômenos físicos acontece com o tratamento de
números como espécie dado por Viète e do “espaço simbólico” na Geometria Analítica de
Descartes. Alguns autores, como Arruda, preferem dizer que a “Geometria Analítica de
Descartes é a interação da geometria com a álgebra do ponto de vista simbólico”, mas
preferimos dizer que é a interação entre a geometria e aritmética, tendo em vista que o ícone
A pode fazer referencia a um ponto no espaço ou a um valor numérico.
O conceito de número é objeto de estudo de Jacob Klein. Estudando a matemática
grega, Klein chega à conclusão de que, para os matemáticos gregos antigos, um número é
sempre uma coleção definida de unidades contáveis de um tipo específico. Para os
matemáticos modernos como Viète, um número é essencialmente uma entidade simbólica
definida por meio de suas relações com outros números num cálculo simbólico. Para
Descartes, um número é um valor que pode ser atribuído a uma variável algébrica. Na
concepção de Klein, a partir da analise dos trabalhos de Stevin, Viète e Descartes, o conceito
de número se transforma em aspectos operativos. O simbolismo algébrico de Diofanto é
apenas no sentido de reduzir a escrita, em Viète é estabelecido um conceito geral de número.
Por exemplo, o número 2 pode indicar uma quantidade específica de objetos como pode
indicar uma duplicidade geral de objetos.
114
textos matemáticos clássicos com a matemática moderna em mente. Ele expressa essa
característica de sua abordagem histórica da seguinte forma:
[...] a maior parte das histórias tentam entender a matemática grega em si, com a
ajuda do simbolismo moderno, como se tratasse de uma “forma” completamente
externa, que pode ser adaptado para qualquer “conteúdo” desejável. E mesmo no
caso de investigações, intenção em cima de uma verdadeira compreensão da ciência
grega, descobre-se que a investigação começa a partir de um nível conceptual que é,
desde o início, e precisamente no que diz respeito aos conceitos fundamentais,
determinada por modos modernos de pensamento. Desprender, tanto quanto possível
desses novos modos, deve ser a primeira preocupação (KLEIN, 1968, p. 5, tradução
nossa).
O Renascimento, que por volta do século XVI estava bem encaminhado na Itália, logo
se espalhou para o norte e oeste, primeiro na Alemanha, depois na França e nos Países Baixos,
e, finalmente, na Inglaterra. Ao final de 1600, cientistas, tecnólogos e economistas focaram
em direção dos Ingleses. No começo, o renascimento foi principalmente literário, mas aos
poucos os estudiosos começaram a prestar menos atenção ao que estava escrito nos livros
antigos e colocaram mais confiança em suas próprias observações. Esse período foi
caracterizado por uma vontade de experimentar e, sobretudo, para determinar como as coisas
acontecem. Para Burton (2011, p. 337), a ciência do século XVII pode ter começado com
William Gilbert com a publicação em 1600 de De Magnete, Magneticisque Corporibus, et de
Magno Magnete Tellure De Magnete (Sobre os ímãs, os corpos magnéticos e o grande imã
117
terrestre), um primeiro tratado sobre a ciência física cujo conteúdo foi inteiramente baseado
em experimentação, o culminar teria sido a Óptica de Isaac Newton em 1704.
Entre o De Magnete e os Óptica vieram às contribuições de Johannes Kepler, que
estava convencido de que os corpos planetários não se moviam em círculos “ideais” como
afirmava Aristóteles, mas em órbitas elípticas, e ele, assim, formulou as leis do movimento
terrestre (1619). Também houve manifestações por William Harvey (1628) da rota
circulatória do sangue no coração por meio das artérias e veias mediante os pulmões. Em seu
Sceptical Chymist (1661), Robert Boyle estabelece os princípios da química moderna e a
publicação de Micrographia de Robert Hooke (1665), marca o primeiro trabalho em grande
escala sobre a observação microscópica da estrutura celular.
Na matemática, o século XVII marcou o retorno de discussões clássicas em bases
inteiramente novas. Foram tão intensas as mudanças metodológicas que os historiadores
consideram o período compreendido entre 1637 e 1687 como a fonte da matemática moderna.
A primeira data é alusiva à publicação do livro de Descartes La Gèomètrie e a segunda data é
da publicação do livro de Newton Principia Mathematica.
A Matemática da Renascença tinha acrescentado pouco à geometria dos gregos
antigos, mas 1600 marcou o início de um inesperado renascimento no assunto. Em 1637 a
comunidade matemática francesa testemunhou umas das estranhas coincidências, que se
pensava rara, mas que a história da ciência tem se mostrado frequente. Dois homens, Pierre de
Fermat e René Descartes, simultaneamente, relacionavam a álgebra à geometria, para
produzir uma inovação notável, a Geometria Analítica. O mesmo viria a acontecer com
Leibniz e Newton com a “invenção do cálculo”.
Embora normalmente atribui a invenção do cálculo aos dois contemporâneos
brilhantes, Isaac Newton (1642 – 1727) e Gottfried Leibniz (1646 – 1716), grandes avanços
na matemática raramente são o trabalho de um único indivíduo. Cavalieri, Torricelli, Barrow,
Descartes, Fermat e Wallis, todos havia pavimentado o caminho para o limiar, mas hesitaram
quando chegaram a atravessá-lo. Em uma declaração bem conhecida de Newton para Hooke,
“Se vi mais longe do que outros, é porque eu estava sobre os ombros de gigantes”, mostra sua
apreciação desse crescimento cumulativo e progressivo da matemática.
A nova álgebra de Viète constituiu o primeiro grande desenvolvimento na principal
dinâmica de resolução de problemas geométricos moderno: a introdução de métodos
algébricos de análise. Mas “Descartes é geralmente reconhecido por ser aquele que lançou as
bases para o crescimento da matemática nos tempos modernos” (BURTON, 2011, p. 362).
118
Diante da fragilidade dos três ramos (lógica, geometria, álgebra), procurou-se um método em
que pudesse aproveitar o que há de melhor em cada um dos ramos.
Da lógica, Descartes tomou quatro preceitos básicos, que segundo ele, não
precisamos de muitas leis, mas poucas que devem ser bem aplicadas. “[...] em vez de um
grande número de preceitos de que a lógica é composta, acreditei que me bastariam as quatro
seguintes, contanto que as tomasse firme e constante resolução de não deixar uma única vez
de observá-los” (DESCARTES, 2001, p. 22).
1) Nunca aceitar algo verdadeiro;
2) Dividir o problema em partes;
3) Começar por objetos mais simples;
4) Concluir sem que se possa nada omitir.
Toda a filosofia da “dúvida sistemática” é dominada pela busca da certeza. A certeza
da matemática consiste em começar com os elementos mais simples cuja verdade é
reconhecida, e então passa pelo processo de dedução a partir de uma proposição evidente para
outra. Matemática deve, portanto, ser um modelo para outros ramos de estudo.
E não tive muita dificuldade em concluir por quais eram necessários começar, pois
já sabia que era pelas mais simples e mais fáceis de conhecer; e, considerando que
entre todos aqueles que até agora procuraram a verdade nas ciências, só os
matemáticos puderam encontrar algumas demonstrações, isto é, algumas razões
certas e evidentes, não duvidei de que deveria começar pelas mesmas coisas que eles
examinaram (DESCARTES, 2001, p. 24)
Descartes, portanto, ampara-se no método dedutivo dos gregos. “Essas longas cadeias
de razões, tão simples e fáceis, de que os geômetras costumam servir-se para chegar às suas
mais difíceis demonstrações, levaram-me a imaginar que todas as coisas que podem cair sob o
conhecimento dos homens encadeiam-se da mesma maneira” (DESCARTES, 2001, p. 23).
Depois, tento atentado que, para conhecê-las, eu precisaria às vezes considerar cada
uma em particular, e outras vezes somente decorá-las ou compreender várias ao
mesmo tempo, pensei que, para melhor considerá-las em particular, teria de supô-las
como linhas, porque não encontrava nada mais simples nem que pudesse representar
mais distintamente à minha imaginação aos meus sentidos; mas, para reter e
compreender várias ao mesmo tempo, eu precisava explicá-las por alguns sinais, os
mais curtos possíveis, e que, deste modo, aproveitaria o melhor da análise
geométrica e da álgebra e corrigiria todos os defeitos de uma pela outra
(DESCARTES, 2001, p. 24 – 25).
Descartes começa pela matemática definindo a linha reta como o objeto geométrico
fundamental. O melhor da álgebra foi a sutileza de poder representar objetos por símbolos
adequados podendo, dessa forma, serem generalizados. De acordo com essa premissa,
esperava-se que a interação entre esses dois campos da matemática pudessem superar as
120
dificuldades de compreender essa ciência, bem como, propiciar novos desenvolvimentos, não
só para a matemática em particular, mas para toda a ciência, ou seja, a análise geométrica
atuará concomitante com a Álgebra deixando de atuar somente sobre objetos geométricos
específicos, mas generalizando-se, passando a ser uma ferramenta que transformará esse
campo investigativo a outros. Assim, uma complementaria a outra, obtendo-se, no fim, um
ideal científico capaz de superar muitas dificuldades ainda tidas como obstáculos
intransponíveis.
De acordo com Boyer (2012, p. 240) “o método encontrado em La Gèomètrie
consiste, então, em partir de um problema geométrico, traduzi-lo em linguagem de equação
algébrica, e depois, tendo simplificado ao máximo a equação, resolvê-la geometricamente”.
Entendemos agora que existe uma complementaridade entre os processos algébricos
e geométricos que segundo Boyer (2012, p. 240) “por processos algébricos, libertar a
geometria de diagramas e, por outro lado, através da interpretação geométrica dar significado
as operações algébricas”.
Descartes ainda diz que pelo fato de conseguir algumas regras, que ele chama de
preceitos, e fazer essa interação entre geometria e álgebra conseguiu avançar com facilidade e
resolver questões que até então julgara difíceis.
De fato, ouso dizer que a exata observação desses poucos preceitos que escolhera
deu-me tamanha facilidade para destrinçar todas as questões abrangidas por essas
duas ciências que, nos dois ou três meses que empreguei em examiná-las, tendo
começado pelas mais simples e mais gerais, e sendo cada verdade que encontrava
uma regra que me servia depois para encontrar outras, não só consegui resolver
muitas que outrora julgara muito difícil, mas também pareceu-me, mais ao final, que
podia determinar, mesmo naquelas que ignorava, por meios e até onde era possível
resolvê-las (DESCARTES, 2001, p. 25).
Descartes dizia que o que mais o contentava nesse método era que poderia usar a
razão da melhor forma possível. Com isso, ele poderia avançar na compreensão dos objetos e
aplicar esse conhecimento adquirido para resolver problemas da ciência em geral. Seu
trabalho procurava reformar o corpo das ciências para esclarecer suas próprias dúvidas,
aparentemente, não estava preocupado em convencer outros das suas ideias: “nunca meu
propósito foi mais do que procurar reformar meus próprios pensamentos e construir um
terreno que é todo meu” (Descartes, 2001, p. 19). Percebemos que não havia a intenção de
construir um sistema matemático regido por leis matemáticas ou criar um método matemático
específico. Sua intenção era buscar um método que possibilitasse chegar ao conhecimento de
todas as coisas.
121
De fato, usando o Teorema de Thales na figura acima (um feixe de retas paralelas
determina, em duas transversais, segmentos correspondentes proporcionais), obtemos as
seguintes proporções:
AB BC
BD BE
ou seja,
BE = BD x BC
O ponto principal da interpretação geométrica das operações aritméticas é o de
ultrapassar o problema de dimensionalidade, que limita em grande medida, o trabalho da
geometria ordinária. Com efeito, na geometria antiga, bem como em Viète, a multiplicação de
duas linhas é interpretada como uma área, e a multiplicação das três linhas dá origem a um
volume. Mas não há nenhuma interpretação correspondente para o produto de mais de três
linhas.
Para extrair a raiz quadrada, constrói-se um segmento qualquer GH e prolonga-se em
linha reta um segmento unitário FG. Determina a circunferência cujo centro é o ponto médio
K do segmento FH, (Figura 3.6).
Em seguida, constrói o triângulo retângulo levantando uma altura a partir do ponto G
até I, ponto que está sobre a circunferência do círculo construído. O triângulo inscrito na
semicircunferência é retângulo, podendo utilizar-se a propriedade: a altura é meio
proporcional entre os segmentos em que os seus pés dividem a hipotenusa. Dessa forma,
temos a relação,
GI2= GH x FG
Como FG = 1, obtém-se a raiz quadrada,
124
GI GH
Em nota, Smith enfatiza que “enquanto em aritmética só podem obter-se raízes exatas
de potências perfeitas, em geometria pode encontrar-se uma linha cujo comprimento
represente exatamente a raiz quadrada de uma linha dada” (SMITH; LATHAM, 1954, p. 5).
A solução de muitos problemas era dada utilizando-se das médias proporcionais de
segmentos. Assim, uma representação geométrica da raiz de 2 pode ser dada considerando a
proporcionalidade entre os lados de triângulos semelhantes .
Na Figura 3.7, os triângulos ABC, ADC e AED são semelhantes, assim seus lados
são proporcionais. Dessa forma, considerando os triângulos ADC e ADE, temos que:
AC AD
ADC ADE AD AE
CD ED
Assim,
AE AD
AD AC
Fazendo AE a unidade, AD = x e AC = 2, temos:
125
1 x
x 2
Ou seja,
x2 = 2
resultando em:
x 2
b) As Equações em La Gèomètrie
(ADHK), juntamente com o quadrado entre as seções (LHGE) é igual ao quadrado sobre a
metade de AB (CBFE).
O problema resume-se a encontrar o ponto D sobre AB de modo que a área do
retângulo contido pelos segmentos desiguais seja igual a área de um quadrado dado.
Veremos na próxima seção que não basta encontrar o valor de x na equação, esse deve
ser geometricamente construído.
127
(a + b)2 = a2 + 2ab + b2
a aa
z bb
2 4
a a
Se, de acordo com a Figura 3.12, tomarmos BD = z, então ND z , OD e do
2 2
triângulo retângulo ONC, temos que:
2 2
a a
OD z b 2
2
2 2
a
Para que os casos anteriores tenha sentido deveremos ter b ; caso contrário, as
2
soluções das equações teriam raízes imaginárias, das quais careciam de representação
geométrica que, nesse momento, ainda não eram conhecidas. Para Descartes, se o círculo que
tem seu centro em O e passa pelo ponto A não toca nem corta a linha BCD, não existe
nenhuma raiz da equação, de maneira que podemos assegura que a construção do problema
proposto é impossível.
Figura 3.13: Problema da trissecção do ângulo aplicado a uma equação do terceiro grau.
Figura 3.14: Solução da equação cúbica mediante a intersecção de uma circunferência com uma parábola.
nos pontos J, H e K, além do ponto “O” origem do sistema. As distâncias desses pontos até o
eixo vertical medem, respectivamente, 1.59, 0.26 e 1.85, como mostra a Figura 3.14. Com
auxilio do geogebra, construímos a curva da equação cúbica x3 – 3x + q = 0, cujas distâncias
dos pontos de intersecção com a origem do sistema coincide com as distâncias dos pontos J,
H e K ao eixo vertical.
A construção por meio de apenas régua não graduada e compasso é uma característica
da geometria grega. Descartes solucionava os problemas traçando curvas, especificamente,
pela intersecção entre elas. Ele diz: “não é necessário mais do que traçar linhas curvas, senão
que duas ou mais linhas podem ser cortadas umas pelas outras, e que as suas intersecções
geram outras” (DESCARTES, 2001, p. 28 – 29).
Um instrumento bastante utilizado por Descartes para traçar curvas é o “mesolábio”.
Essa ferramenta servia para resolver problemas sólidos, ou seja, aqueles nos quais não podem
ser resolvidos por meio de linhas retas e círculos.
O mesolábio que pode ser pensado como uma máquina, consiste de diversas réguas
dispostas em conjunto, como mostra a Figura 3.15 a seguir. No segundo livro, Descartes
explica como é construído o compasso e como ele funciona:
Sejam as linhas AB, AD, AF, semelhantes, que supomos descritas com ajuda do
instrumento YZ, composto de várias réguas unidas de tal modo que aplicada a régua YZ sobre
a linha AN se pode abrir ou fechar o ângulo XYZ, que estando todo fechado aos pontos B, C,
D, E, F, G, H, coincidem com o ponto A; mas à medida que ele se abre, a régua BC, que faz
ângulo reto com XY no ponto B, empurra para Z a régua CD que corre sobre YZ, formando
sempre com ela ângulos retos; e CD empurra DE que corre sobre YX, mantendo-se paralela a
BC; DE empurra EF; EF empurra FG; esta, GH; e podem imaginar-se uma infinidade de
outras que se empurram sucessivamente do mesmo modo, umas formam sempre os mesmos
ângulos com YX, e as outras com YZ (DESCARTES, 2001, p. 31).
H X
Y Z
A C E G N
x8
2
x 2 y 2 ou x8 = a2(x2+y2)3.
a
Do mesmo modo pode provar-se que a equação de AH é x12 = a2(x2 + y2)5 (SMITH
& LATHAM, 1954, p. 47) .
134
Figura 3.16: Curvas construídas pelo compasso MESOLÁBIO. Fonte: Acervo Pessoal
YB YC YD
YC YD YE
Dessas proporções podemos tirar as seguintes relações:
YD 2
YE (1)
YC
e,
YC 2
YD (2)
YB
De (1) e (2), temos:
2
YC 2
YB YC 4 1 YC 3
YE 2.
YC YB YC YB 2
ou seja,
YC 3
YE
YB 2
Como YE = YA + AC + CE e, fazendo YA = YB = 1 e YC = x, temos:
1 ( x 1) CE x3
Assim,
x3 = x + CE
Diante disso, o que precisamos fazer para resolver a equação cúbica x3 = x + 2 é
apenas abrir o compasso de tal modo que CE seja igual a 2 fazendo com que YC nos dará uma
raiz real positiva.
Os problemas famosos da antiguidade, mencionados na seção 1.3 são resolvidos por
interseção dessas curvas. A solução para o problema da duplicação do cubo dar-se-á mediante
a intersecção de duas cônicas. Inserindo dois meios proporcionais entre os extremos A e B de
um segmento, temos a seguinte relação:
a x y
x y b
Se b = 2a, e fazendo a = 1, temos:
1 x y
x y 2
Dessas proporções podemos estabelecer as seguintes relações:
1) y = x2
2) y2 = 2x
136
3) xy = 2
Figura 3.17: Solução do problema de duplicação do cubo por meio da intersecção de duas parábolas. Fonte:
Acervo pessoal
Figura 3.18: Solução do problema de duplicação do cubo pela intersecção de uma parábola com a hipérbole.
Fonte: Acervo pessoal
Figura 3.19: Solução da duplicação do cubo com o compasso MESOLÁBIO. Fonte: Acervo pessoal
Para a trissecção do ângulo, Descartes utilizou uma ferramenta chamada por ele de
trissector. A construção é como segue:
Quatro réguas (Figura 3. 20) AO, OB, OC, e OD, são conectadas em um ponto O em
torno do qual cada uma delas pode girar. Quatro hastes iguais EI, FJ, GI, HJ, com
comprimentos a, pode girar em tornos dos pontos E, F, G, H, que estão sobre os quatro braços
de distância a, a partir de O. As hastes formam pares, que são unidas por dobradiças, em I e
outra em J.
formar ângulos dentro do intervalo de 0 a 90. Nesse intervalo os três ângulos internos AOB,
BOC e COD serão sempre iguais, daí o aparelho pode servir para trissecar um ângulo
qualquer.
Como já fomos enfáticos, Descartes não estava interessado apenas na solução do
problema, o que ele buscava era a solução geral do problema. Para isso, a curva era essencial
para o seu propósito. A curva KLJM, indicada na Figura 3. 20, é traçada pelo ponto J quando
o ângulo DOA aumenta de 0 para 90. Trata-se de uma curva do sexto grau. Note que, se um
ponto J’ sobre uma curva dada, e a posição do instrumento (isto é, a posição dos braços) para
o qual a dobradiça J coincide com J’ podem ser construídos com régua e compasso [J (=J’)],
assim OC é dada também, OC pode ser encontrada traçando a bissetriz do ângulo COA, etc.
Assim a curva KLJM em certo sentido inclui todas as posições possíveis do instrumento.
Descartes não previa trissecar ângulos aplicando seu instrumento diretamente, ao
contrário, ele pretendia usar o instrumento para traçar a curva KLJM e usá-la para trissecar
qualquer ângulo. O procedimento foi como se segue:
Dado um ângulo D’OA’ (veja Figura 3. 21): este ângulo é o que queremos trissectar.
Construção:
1. Aplicar o instrumento com o braço OA ao longo do eixo AO’, mover o braço OD para
a posição de OA; fixando em J traçar a curva K LM.
2. Marcar OH’ = a sobre OD’; desenhar o círculo em torno de H’ com raio a; a
intersecção à curva KLM ocorre em J’.
3. Traçar OJ’, então o ângulo D’OJ’ = 1/3D’OA'. De modo que o ângulo é
trissectado.
[Prova: imediata pela construção do instrumento].
140
Havia curvas, que segundo Descartes, eram mais compostas que as construídas pelos
compassos. Eram curvas que necessitavam de mais de um movimento que não se
correspondiam. Voltaremos a esse assunto na próxima seção. Por hora, vamos mostrar como
eram construídas a quadratriz e a espiral que são consideradas curvas mecânicas.
A quadratriz (Figura 3.22) é uma curva gerada pela interseção de dois segmentos, um
com movimento retilíneo uniforme e o outro com movimento circular uniforme. Seja ABCD
um quadrado, e BED o quadrante de um círculo com centro em A. Deixemos AB girar
uniformemente no sentido dos ponteiros do relógio AD, e BC deslocarem com movimento
retilíneo uniforme em direção a AD, mantendo paralelo ao AD, de tal maneira que as duas
linhas AB e BC comecem a se mover ao mesmo tempo e terminam o seu movimento
coincidindo com AD simultaneamente. O lugar geométrico dos pontos descritos pela
intersecção dos dois segmentos móveis é a quadratriz.
141
retas e círculos; problemas sólidos aqueles que podem ser construídos fazendo uso das
cônicas, e problemas lineares aqueles que requerem linhas mais compostas”.
Bos (2001, p. 231) faz uma análise no mínimo interessante das cartas que Descartes
escreveu a Issac Beeckman no início de 1619. Na já mencionada carta datada de 26 de março
de 1619, ele faz uma classificação de problemas, não apenas dos problemas geométricos
relacionados a construção, mas também de problemas aritméticos. Além disso, Bos (2001, p.
233) chama a atenção para a segunda classe de problemas, os sólidos, que não é apenas como
Pappus delimitou colocando problemas planos e sólidos de um lado e outros tipos de linha, do
outro lado. Descartes mudou a linha de delimitação. Em Descartes e Pappus a classificação da
primeira classe eram a mesma, que consistia nos problemas “planos”, que deveriam ser
construídos por linhas retas e círculos. Mas a segunda classe Descartes foi mais longe que
Pappus, dizendo que todos os problemas não-planos eram solucionáveis pela interseção das
curvas que podem ser traçadas por um único movimento. Descartes se refere, em particular, as
curvas traçadas pelos instrumentos que ele chamou de “novos compassos” o mesolábio e o
trissector.
Vejamos a classificação dos problemas usando as palavras do próprio Descartes (1886,
tradução nossa).
[...] na aritmética, algumas questões são resolvidas pelos números racionais, outras
apenas por números irracionais e, finalmente outros podem ser imaginados, mas não
resolvidos. Assim, espero poder demonstrar que alguns problemas envolvendo
quantidades contínuas podem ser resolvidos por meio de curvas produzidas por um
único movimento, como as curvas que podem ser traçadas com os novos compassos
(penso que estas são tão exatas e geométricas quanto aquelas que são traçadas com
compasso ordinários), e outros ainda que podem ser resolvidos somente por curvas
geradas por movimentos distintos e idependentes, os quais, certamente, são apenas
imaginários, como a notória curva quadrática (quadratriz).
equações com raízes complexas, já que, segundo Bos (2001, p. 233) as raízes negativas eram
desconsideradas.
Como podemos ver na carta, Descartes incorporou as secções cônicas as curvas
traçadas por movimento contínuo, ampliando a segunda classe em mais problemas do que os
problemas “sólidos” de Pappus. As curvas geradas pelo compasso habitual ou pelo “novo
compasso” eram traçadas por um único movimento e, portanto, elas eram aceitáveis. Se, no
entanto, a solução de um problema somente fosse possível por meio de curvas que fossem
traçadas por vários movimentos que não fossem mutuamente subordinados, então o problema
pertencia à terceira classe e o processo não era considerado geométrico. Descartes classificava
essas curvas de “imaginárias”, como exemplo temos a quadratriz.
Descartes considerou os problemas da segunda classe, e suas soluções, não menos
geométricas do que os planos. Para ele, a demarcação essencial estava entre estes problemas e
outros que ele não podia aceitar como certos e geométricos. A diferença essencial entre os
dois tipos de problemas em causa era a geração de curvas utilizadas para a sua construção.
As palavras de Descartes sugerem que a classificação para a grandeza contínua é
análoga ao de grandeza discreta. As classificações, de fato, correspondem no sentido de que
ambos estavam em tripartites, que em ambos os casos, a primeira classe continha os
problemas elementares, a segunda classe problemas mais avançados, e a terceira classe os
problemas cuja solução envolvia dificuldades conceituais indicadas pelo termo “imaginário”.
Classificação
Sobre Sobre
dos
Grandezas Discretas Grandezas Contínuas
Problemas
Problemas (equações numéricas), Problemas planos solucionáveis
Primeira Classe
cujas soluções são números racionais. por linhas retas e círculos.
Problemas (equações numéricas), Problemas não planos
cujas soluções são números solucionáveis por curvas que
Segunda Classe
irracionais. podem ser traçadas por um único
movimento.
Problemas (equações numéricas) que Problemas solucionáveis apenas
podem ser imaginárias, mas que não por certas curvas especiais que
Terceira Classe
tem solução (real). não podem ser traçadas por um
único movimento.
144
Mas a representação do quadro acima não quer dizer que os problemas aritméticos e
geométricos se correspondem. Por exemplo, a solução de um problema geométrico plano
pode muito bem envolver irracionalidade quadrada de modo que do ponto de vista geométrico
o problema pertence a segunda classe. Para a terceira classe de problemas aritméticos a
dificuldade tinha a ver com as raízes de números negativos, enquanto que para a terceira
classe de problemas geométricos a dificuldade consiste nos movimentos pelos quais as curvas
eram traçadas.
Os tipos de movimentos contínuos regulados que Descartes têm em mente são
ilustrados através da geração de curvas fornecidas pelo instrumento mostrado na Figura 3.15
que é constituído de várias réguas unidas. Por fim, para serem consideradas geométricas estas
curvas deveriam ter uma equação algébrica, que são, na verdade, uma característica de todas
as curvas geradas por tais instrumentos.
Descartes, então, utiliza o termo “mecânica” para designar uma curva que não pode
ser expressa por uma equação algébrica que, posteriormente, Leibniz e outros a classificaram
como transcedentais. Por geométricas deveriam se entendidas curvas geradas por movimentos
contínuos, ou seja, as curvas a serem admitidas na geometria são estabelecidas por um critério
que apela a movimentos regulares (SERFATI, 2008). Essas curvas são suceptível de equações
algébricas.
Isto permite a Descartes classificar as curvas pelo grau da equação. Ele classifica
curvas por gênero, de modo que, curvas de gênero 1 são os círculo e as cônicas, curvas de
gênero 2 são as que possuem equações de grau 3 ou 4, curvas de gênero 3 tem equações de
grau 5 ou 6, e assim por diante. Descartes não disse explicitamente que todas as equações
algébricas definem uma curva geométrica, embora, como Bos (2001) argumentou, “ele
implicitamente assumiu isso”.
Já dissemos que curvas geométricas são geradas por movimentos contínuos, no
entanto, nem todas as curvas geradas por movimentos regulares são geométricas. Vamos
começar com curvas geradas por movimentos inaceitáveis. Já citamos uma passagem em que
Descartes afirma que a quadratriz e a espiral deve ser rejeitada porque elas são geradas por
dois movimentos diferentes “entre os quais não há relação que pode ser medida com
exatidão”. Esta é exatamente a mesma crítica que foi levantada, de acordo com Pappus, por
Sporus (século III d. C.) contra o uso do quadratriz na quadratura do círculo.
Uma possível saída para a situação poderia ter sido tentar uma construção da
quadratriz que não exigia movimentos independentes e que poderia ser considerada mais
geométrica. Esta tentativa foi feita por Clavius em seu Commentaria in Euclidis Elementa.
145
Nele Clavius propõe uma construção pontual da quadratriz semelhantes às dadas para as
seções cônicas, que, portanto, Clavius afirma ser geométrica.
No livro VI de seu Commentaria in Euclidis Elementa, Clavius apresenta uma
construção da quadratriz por pontos (Figura 3.23), não exigindo movimentos independentes e
que poderia ser considerada geométrica. Dessa forma, a quadratura do círculo poderia ser
obtida geometricamente como consequência de ser a curva [quadratriz] geométrica. No
entanto, Clavius construiu apenas um subconjunto de pontos da curva. Descartes afirma que
esses pontos podem ser determinados por um processo mais simples do que aquele requerido
para a composição da curva. Nesse sentido, ele rejeita a afirmação de Clavius de que esse
teria produzido uma construção geométrica da quadratriz.
A construção dada por Clavius pode ser resumida como segue. Divida o arco DB e os
lados AD e BC em 2n partes iguais para n tão grande quanto quisermos (quanto maior o n
mais precisa é a descrição). A Figura xx mostra a situação de n = 3 Assim, temos sete pontos
em DB, AD e BC. Ligue por linhas tracejadas os pontos correspondentes em AD e BC, e o
ponto A com o oitavo ponto sobre o arco DB.
concluídos, os dois segmentos já não se cruzam. Para resolver esse problema, ele recorre a um
truque.
Considere o segmento AF sobre AD, e bifurcá-lo continuamente até chegar uma parte
muito pequena dele, o segmento AG. Do mesmo modo, bisseca o arco BI no mesmo número
de partes, obtendo o arco BK. Agora, traçar BL, BN, AM igual a AG. Ligue G e L, M e N, e
A e K por linhas tracejadas. O segmento AK intercepta GL em H. Se o MP for tomado igual a
GH, a quadratriz é aumentada uniformemente até P, então a curva deve passar por E. Na
verdade, Clavius argumenta que basta "espremer" E entre H e P para um grau de precisão
arbitrária.
Clavius também oferece uma construção diferente, na qual a aproximação não requer
o aumento da curva para além do lado AB, em que todas as linhas na construção encontram
em ângulos retos (enquanto que na construção anterior, os raios provenientes de A intersecta
os segmentos originário de AD em ângulos diferentes).
Clavius não percebe que há infinitos pontos (e não apenas E) que só podem ser
aproximados, já que sua construção irá produzir um número contável de pontos, um conjunto
denso de pontos, mas não todos os pontos da quadratriz. No entanto, Clavius acredita ter dado
uma construção geométrica que produz de maneira uniforme todos os pontos da curva.
Clavius afirma que sua construção por pontos é geométrica: “[...] este é, portanto, a
descrição da quadratriz, que em certo sentido pode ser chamada de geométrica”.
(MANCOSU, 1996, p. 75, tradução nossa). Clavius afirma que ela seja mais geométrica do
que a construção das cônicas por pontos, que é mais sujeita a erros do que a sua construção;
aponta semelhanças entre a sua construção e a conchoide de Nicomedes; e rejeita a construção
com um duplo movimento como mecânico, e que por defender a natureza geométrica das
construções que envolvem seções cônicas ele inconscientemente reconhece que o ponto possa
ser contestado. Isso está em linha com a rejeição de Descartes da quadratriz e suas dúvidas
quanto ao fato de os antigos terem aceitado como geométrica as soluções obtidas por meio de
secções cônicas.
Se considerarmos a construção por pontos geométrica e semelhante a construção da
conchoide, como afirma Clavius, num certo sentido, a quadratura do círculo pode ser efetuada
geometricamente. Devemos lembrar que a quadratriz e a espiral são curvas consideradas
mecânicas por serem produzidas por dois tipos de movimento independentes (circular e reto),
enquanto que a conchoide e a cissoide são produzidas por um único movimento, sendo
consideradas geométricas. Descartes não aceitou a semelhança que Clavius menciona.
Descartes afirma que há diferenças entre a construção de curvas por meio de pontos e curvas
147
semelhantes a espiral e a quadratriz. Apenas os pontos especiais podem ser construídos nas
últimas curvas,
É digno de nota que há uma grande diferença entre este método em que a curva é
traçada por encontrar vários pontos sobre ela, e que é utilizado para a espiral e
curvas semelhantes. Neste último não qualquer ponto da curva é necessária pode ser
encontrada em prazer, mas apenas os pontos onde pode ser determinado por um
processo mais simples do que a necessária para a composição da curva. Portanto, a
rigor, não encontramos qualquer um dos seus pontos, ou seja, não qualquer um dos
que são tão peculiarmente pontos desta curva que não pode ser encontrada, exceto
por meio dela. Por outro lado, não existe um ponto em que estas curvas fornece uma
solução para o problema proposto, que não pode ser determinado pelo método de
dei. E uma vez que esta forma de traçar uma linha curva, determinando vários de
seus pontos ao acaso, só se aplica a essas curvas que também pode ser descrita por
um movimento regular e contínuo, não devemos rejeitá-la inteiramente de
geométrica (DESCARTES, 1952, p. 339 – 340 apud BROUGHTON; CARRIERO,
2011, p. 125).
Assim Descartes aceita que as cônicas são curvas geométricas, mas rejeita que a
construção de pontos particulares é o suficiente para afirmar que a união desses pontos por
segmentos curvos gerem uma curva geométrica. Consequentemente, rejeita a interposição de
Clavius que afirma que essas curvas produzidas por meio de pontos sejam mais geométricas
do que as cônicas. Descartes não concorda também com Clavius que há semelhanças com a
conchoide.
Descartes mantém a equivalência extensional das três classes de curvas seguintes: (1)
curvas geradas por movimentos contínuos regulamentados; (2) as curvas geradas por
construção ponto a ponto; e (3) as curvas dadas por uma equação algébrica. No entanto,
algumas das implicações são apenas implícitas em La Gèomètrie.
Boyer17 dedica um capítulo inteiro para falar das contribuições de Euler para a
matemática e para a ciência de uma forma geral. “Pode ser dito, com justiça, que Euler fez
pela análise de Newton e Leibniz o que Euclides fizera pela geometria de Eudoxo e Teaetetus,
ou o que Viète fizera pela álgebra de al-Khowarizmi e Cardano”.
Para mostramos o seu trabalho e seu impacto sobre a ciência moderna, algumas das
contribuições memoráveis de Euler serão selecionadas e apresentadas em ordem cronológica.
a) Principais obras
Figura 3.24: Tratado físico sobre o sono, 1727. Fonte: Gautschi, 2008.
(GAUTSCHI, 2008, p. 11). O maior trabalho desse período foi intitulado de Mechanica, uma
produção abrangente em dois volumes, distribuída em 98 seções, que trata de assuntos de
mecânica dos corpos rígidos, flexíveis e elásticos, assim como mecânica do fluídos e
mecânica celeste.
Figura 3.26: Ensaio da nova teoria musical, 1739. Fonte: Gautschi, 2008.
Figura 3.27: Introdução a Análise Infinitesimal, 1748. Cálculo Diferencial, 1755. Cálculo Integral, 1763 –
1773. Fonte: Gautschi, 2008.
Ao longo de seus anos em Berlim, Euler manteve-se ocupado com óptica geométrica.
Suas memórias e livros sobre o tema renderam três volumes do chamado Dioptrics. O tema
central motivacional desse trabalho foi o aperfeiçoamento de instrumentos ópticos como
telescópios e microscópios, nomeadamente formas de eliminar a aberração cromática e
esférica por meio de sistemas intrincados de lentes e fluídos.
Mais de 200 cartas entre 1760 e 1762 foram escritas em francês para um príncipe
alemão e publicado mais tarde em 1768 e 1772. Essas cartas, traduzidas para os principais
idiomas, eram escritas com clareza que permitiam pessoas leigas de ciência entender.
O segundo período em St. Petersburg rendeu mais de 400 trabalhos, não apenas em
cada um dos temas já mencionados, mas também sobre geometria, teoria da probabilidade e
estatística, cartografia, fundos de pensão, agricultura, etc.. Nesse corpo enorme de trabalho
figuram três tratados sobre álgebra com o título Vollständige Anleitung zur Algebra, ou
abreviadamente, álgebra. Euler escreveu esta obra de 500 páginas para apresentar aos
iniciantes o domínio da álgebra. Esse trabalho foi dedicado a um jovem – aprendiz de alfaiate
– que veio com ele de Berlim e que tinha facilidade com os cálculos, mas não tinha noção
sobre matemática, considerado entre as mentes medíocres da disciplina. No entanto, depois do
término do trabalho, ele era capaz de resolver problemas algébricos com facilidade.
Tudo isso depende do seguinte princípio, que é mais geral ainda: uma ordem no
dado corresponde uma ordem no procurado. (LEIBNIZ apud CASSIRER, 1966, p.
129, tradução nossa).
escrita como f ( x) x 2 , para – ∞ < x < ∞, sendo, portanto, uma função contínua.
Contudo, uma função não pode ser atribuída o aspecto de continuidade ou
descontinuidade levando em consideração apenas uma de suas representações, mas devemos
permitir que sejam interpretadas como uma classe de equivalência. Otte diz que “uma função
no sentido de Cauchy e Dirichlet pode assim ser entendida como uma classe de expressões
156
z
x b b cos
a
z
y b bsen
a
No apêndice da Introductio aparece sistematizada a geometria analítica no espaço. São
consideradas as superfícies algébricas e transcendentes subdivididas em categorias. Partindo
da equação quadrática geral, “Euler observa que a coleção dos termos de segundo grau,
quando igualada a zero, dá a equação do cone assintótico, real ou imaginário” (BOYER,
2012, p. 312). Translações e rotações foram usadas para reduzir a equação de uma superfície
quádrica. Boyer finaliza dizendo que “a obra de Euler está mais próxima dos textos modernos
que qualquer outro livro anterior à Revolução Francesa”. Deve-se a ele a implantação das
seguintes notações18:
f(x) para funções,
e para a base dos logaritmos naturais,
a, b, c para os lados de um triângulo ABC,
s para o semiperímetro do triângulo ABC,
r para o inraio do triângulo ABC,
R para o circunraio do triângulo ABC,
para somatório,
possível prescindir processos geométricos, por outro lado, por meio da interpretação
geométrica dar significado às expressões algébricas.
A área do quadrado de lado a + b pode ser expresso de várias maneiras diferentes.
Vamos tomar duas representações diferentes para a mesma área.
(a + b)2 = a2 + 2ab + b2
(a + b)2 = c2 + 2ab
Desse ponto em diante, sem o auxílio da figura, vamos pensar em termos de relações
para se chegar às expressões:
a2 + 2ab + b2 = c2 + 2ab
a2 + b2 = c2
que é o famoso Teorema de Pitágoras. Em comparação com a demonstração euclidiana, temos
que admitir a economia de pensamento que a álgebra proporciona. Essa economia de
pensamento não pode se constituir na mecanização e automatização da matemática, mas deve
proporcionar a agilidade nos cálculos para que o sujeito adquira liberdade para utilizar seu
pensamento no que é produtivo.
Com Viète, os procedimentos algébricos possui uma característica ainda figural no
sentido grego. As representações possuem características esteriométricas. Isso significa dizer
que o termo x3, por exemplo, possui apenas o significado geométrico sensível de um cubo
cuja aresta vale x.
Uma expressão álgebra como x3, para Descartes, poderia assumir outros significados
diferentes dos apresentados por Viète e os gregos. Ele criou equações a partir de relações
proporcionais advindas do seu instrumento mesolábio. As curvas, elemento fundamental do
método cartesiano, ganha sentido relacionado com a sua expressão algébrica correspondente,
159
e a expressão algébrica, ganha significado a partir de sua representação geométrica. Por isso
falamos em complementaridade entre álgebra e geometria. Com equações e curvas foi
possível resolver, por exemplo, o problema da duplicação do cubo. Por meio da
proporcionalidade de seu compasso, chegou a equações que correspondem, por exemplo, à
parábola e hipérbole, cujo traçado de curvas no plano, levando-se em conta a continuidade das
curvas, foi possível determinar o ponto de intersecção entre elas permitindo encontrar a aresta
que resultava na construção de um novo cubo, cujo volume seria o dobro de um cubo
inicialmente dado.
Descartes pretendia, por meio da álgebra, libertar a geometria das figuras e, por meio
da geometria, dar significado a álgebra.
Então essa é a questão. Utilizar álgebra, mas no sentido da sua utilidade, não
enfatizando o seu lado mecânico e, uma das maneiras possíveis, e que se encontra em mãos
do professor de matemática, é explorar a complementaridade entre a álgebra e a geometria,
cujo resultado, a própria história nos mostra. No próximo capítulo, o significado da álgebra
estará principalmente na generalização de suas aplicações. Em Descartes, o papel da álgebra
ainda estava muito limitado à resolução de antigos problemas geométricos, como a trissecção
do ângulo, e o problema de Pappus.
Euler optou por um tratamento analítico em vez de relacionar as expressões algébricas
com seu referente geométrico ligado aos métodos proporcionais. É nesse momento histórico
que é dado o conceito explícito de função. A revolução principal foi representar curvas por
grandezas algébricas explicitamente analíticas, desvinculada da ideia de proporção. Nesse
momento começa a surgir o conceito de função relacionada a ideia de movimento.
O conceito de função foi importante para resolver problemas, como por exemplo, o
paradoxo de Zeno sobre o movimento. A resolução desse paradoxo depende exclusivamente
da complementaridade do contínuo e do discreto. Uma função representa tanto o contínuo
quanto o discreto.
Existe uma enorme diferença epistemológica em pedir para um aluno resolver, por
exemplo, o sistema de equação
20 x y 140
25 x y 110
e interpretar o resultado encontrado.
Utilizando as técnicas operativas, o aluno pode ser capaz de chegar aos valores
correspondentes de x = 6 e y = 260. Mas qual o significado desse resultado? Com apenas a
intensão (cálculo algébrico), não temos à nossa disposição, mecanismos que propicie um
160
Certas grandezas ficam determinadas apenas por um número real, acompanhado pela
unidade correspondente. Por exemplo: 5kg de massa, 10m2 de área, 12cm de largura, etc..
Tais grandezas são chamadas de escalares. Outras grandezas necessitam além do número real,
também de uma direção e de um sentido. Por exemplo: a velocidade, a aceleração, o
momento, o peso, o campo magnético, a força, etc., são grandezas vetoriais.
Representar os objetos geométricos por meio de objetos algébricos e as operações
geométricas por meio de operações algébricas demonstrou sempre um desafio que motivou
muitos estudos no decorrer da história da matemática. Os gregos abandonaram essa linha de
pensamento porque nem todos os segmentos de reta podiam ser representados por números
(no sentido grego do termo). Um exemplo frequentemente utilizado é a diagonal do quadrado
de lado unitário, cujo valor numérico resulta na raiz quadrada de 2, não conhecida pelos
gregos. Além disso, os gregos não podiam representar algebricamente produtos além da
terceira dimensão.
O problema das dimensões foi superado por Descartes ao introduzir o segmento
unitário, fazendo com que o produto de dois segmentos resultasse em um segmento, de três
segmentos resultassem, também, em um segmento, e assim por diante. O problema que
permaneceu com Descartes foi à noção de congruência que os gregos tinham. O problema
consiste em definir quando dois segmentos de reta podem ser considerados como
equivalentes. Para os gregos e para Descartes bastava que eles tivessem o mesmo
164
comprimento. O segundo problema que a Geometria Analítica de Descartes não respondeu diz
respeito à física. Por exemplo, quando um objeto sofre um deslocamento de uma posição A
para uma posição B há a necessidade de especificar a direção e o sentido do deslocamento,
não sendo suficiente, portanto, dizer que o objeto deslocou 20 ou 30 metros. A variação de
posição é representada por um segmento de reta AB orientado ligando a posição inicial à
posição final do objeto.
Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 – 1716) estudou o problema desenvolvendo uma
geometria de situs, ou geometria de posição. Leibniz escreveu um ensaio sobre o assunto que
ficou esquecido por muito tempo, sendo publicado somente por volta de 1833. Ele sentiu a
necessidade de implementar a concepção de álgebra de forma mais geral, que permitiria
descrever as quantidades geométricas simbolicamente. Isto é, a álgebra como estava
constituída não dava conta de todas as propriedade e característica de uma figura nem de suas
construções geométricas (por exemplo, era incapaz de descreve uma posição, um movimento
ou uma rotação), em síntese buscava um sistema que serviria como um método prático para
analisar, interpretar e modelar a natureza, o qual permitiria expressar ângulos e movimentos.
Leibniz sugeriu uma álgebra para representar quantidades geométricas na qual os símbolos
pudessem ser operados para se deduzir certas conclusões.
A Análise Vetorial surgiu apenas no período após 1831, mas a construção histórica da
noção de vetor aponta para três aspectos fundamentais fortemente inter-relacionados: (1)
Processo evolutivo do conceito de número e sua representação, o nascimento de um novo
ramo da matemática no século XVII, a álgebra. Desta forma, se empenham a construir
expressões que permitem descrever as figuras e o movimentos, tal como propõe Leibniz em
sua geometria de posição. (2) a descoberta e representação geométrica dos números
complexos, abordada primeiramente por John Wallis, em seguida por Caspar Wessel, por
Gauss e Argand dentre outros, no entanto, a ampliação para um sistema maior que a dimensão
dois foi tratada com mais vigor por Hamilton. (3) ao tentar representar fenômenos físicos por
meio de leis da matemática sugiram conceitos tais como o paralelogramo de forças e
velocidades.
Em um famoso livro, Considerações e Demonstrações Matemáticas sobre Duas
Novas Ciências, Galileu Galilei (1564 – 1642), já havia utilizado repetidamente diagramas de
velocidades. No entanto, o matemático holandês Simon Stevin (1548 – 1620) foi quem
formulou explicitamente o princípio do paralelogramo de forças.
165
entre o meio (atrito) e o peso, ou seja, a velocidade de um objeto em queda livre pela seguinte
fórmula:
v = k . (P/)
onde v é a velocidade de queda do corpo, P é o seu peso, é a densidade ou resistência do
meio aonde acontece a queda e k é uma constante de proporcionalidade. Essa equação
descreve, de acordo com Neves (2000, p. 545) características tais como:
i) a natureza do corpo (sua quantidade de peso ou de leveza) determina a sua
velocidade;
ii) as velocidades dos corpos são sempre constante, não havendo nenhuma espécie
de variação temporal;
iii) é impossível o movimento no vácuo (densidade no vácuo é zero; = 0).
Galileu, finalmente, justifica o fenômeno das marés como uma prova empírica do sistema
copernicano.
Sobre a persistência do movimento, Descartes supunha dois fenômenos fundamentais:
a lei da conservação da quantidade de movimento e a sua teoria dos vórtices de éter girante,
onde os planetas eram arrastados como se formassem redemoinhos cujo centro estava o Sol.
Com Descartes, o conceito de força era dado pelo produto m.v – massa e velocidade, um
conceito ainda não vetorial.
Por outro lado, Isaac Newton (1642 – 1727) publicou o famoso tratado intitulado
Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (Princípios Matemáticos da Filosofia Natural)
composto por três livros. No primeiro livro ele trata dos tipos de movimento (elíptico,
parabólico e hiperbólico) e formulou as três leis de movimento: 1) Lei da inércia; 2) Lei da
força; 3) Lei da ação e reação. A Lei da Gravitação Universal foi apresentada no terceiro
livro. A Lei 2) mostra que quando aplicamos uma força a um móvel seu movimento é
proporcional e na mesma direção que a força aplicada. Em sínteses, o que podemos resaltar, é
a maneira como Newton trata de matematizar o movimento, mediante a utilização de linhas
retas e uma direção. É claro que Newton não tinha consciência da noção de vetor, no entanto,
vemos aqui uma ideia aproximada quando utiliza o conceito de força.
Newton descreve a atuação de duas forças aplicadas a um corpo da seguinte forma: “se
sobre um corpo atuam duas forças simultâneas, a força resultante é descrita por uma diagonal
de um paralelogramo; ao mesmo tempo seus lados, descrevem as forças separadamente”
(NEWTON, 1993, p. 42). Essa ideia foi fundamental para formalizar a soma de vetores por
meio do que conhecemos hoje como “paralelogramo de forças”.
Newton é herdeiro de uma tradição científica iniciada no Renascimento, quando se
tentava destruir concepções aristotélicas. Assim como Galileu, ele evidenciou a necessidade
de encontrar um método geral para descrever formalmente um fenômeno físico em suas
diferentes bases. Ele desejava entender os processos físicos a partir de modelos matemáticos,
deixando de lado exigências ontológicas.
O conceito de vetor apareceu na obra Estática e Hidrostática do holandês Simon
Stevin em 1586, ao enunciar empiricamente a soma de duas forças aplicada ao mesmo ponto.
Esta regra é conhecida hoje como regra do paralelogramo. Os vetores reaparecem na obra de
Gaspar Wessel, matemático dinamarquês, em 1797, na obra Ensaio Sobre a Representação da
Direção. Mas, o estudo e uso sistemático de vetores constituem um fenômeno do século XIX
e inicio do século XX com os trabalhos do irlandês William Hamilton (1805 – 1865), do
alemão Hermann Grassamann(1809 – 1877) e do físico norte-amereicano Josiah Willard
168
Gibbs (1839 – 1903) (VENTURI, 1949, p 64). Acrescentamos nesse cenário Peter Güthrie
Tait (1831 – 1901).
Grassmann se encarregou de desvendar as ideias contidas no ensaio de Wessel e
apresentou uma noção de congruência diferente dos seus antecessores, levando em
consideração não apenas o comprimento do segmento, mas também uma orientação e uma
direção, conceitos que conhecemos hoje relacionados à noção de vetor. Hamilton em 1833
apresentou um artigo à Academia Irlandesa em que introduziu uma álgebra formal de pares de
números reais cujas regras de combinação são precisamente as que hoje são dadas para o
produto dos números complexos.
O que podemos afirmar depois de analisar alguns dos resultados da modelagem
matemática a fenômenos físicos é que alguns conceitos da matemática e da física
influenciaram de maneira decisiva para o aparecimento e desenvolvimento dos métodos
vetoriais.
No tocante as geometrias, a de Euclides carecia de generalidade e a geometria
cartesiana carecia de intuição. As coordenadas cartesianas eram arbitrárias, e era motivo de
preocupação. A esse respeito, segundo Otte, Grassmann teria dito que
É possível responder uma questão como: “qual a diferença entre a geometria analítica
e a álgebra linear?” “Não é possível responder de forma definitiva a pergunta sobre a natureza
dos objetos matemáticos e muito menos limitar as interpretações possíveis dos conceitos
matemáticos” (OTTE at al, 2014, p. 137). No entanto, é possível estimular um entendimento
conceitual dos objetos da matemática.
J. Dieudonné (1906 – 1992) reconheceu que não dominava assuntos de álgebra quando
teve contato com o trabalho de B. van der Waerden, intitulado de “Álgebra Moderna”.
Analisando esse trabalho ele teria dito: “É absolutamente intolerável usar Geometria Analítica
para Álgebra Linear com coordenadas, ainda chamado de Geometria Analítica nos livros
elementares. Geometria analítica nesse sentido nunca existiu (DIEUDONNÉ, 1970, p. 140,
apud OTTE, 2014, p. 139, tradução nossa.)”.
De acordo com Otte (2014, p. 139, tradução nossa) “a geometria analítica é uma
invenção da Educação Matemática”, cujo principal objetivo é propiciar a melhor didática para
o ensino e aprendizagem da matemática. A álgebra linear, ao contrário da geometria analítica,
traz uma abordagem livre de coordenadas, o que deixa essa disciplina longe do conhecimento
empírico.
Como exemplo de representar objetos geométricos por meio de objetos algébricos e
operações geométricas por meio de operações algébricas e, considerando a teoria de espaço
vetorial, vamos considerar a seguinte propriedade: u + v = u + w v = w; onde u, v e w são
vetores em R2.
x1 x2 x1 x3 x 2 x3
y1 y 2 y1 y3 y 2 y3
(x2,y2) = (x3,y3) v = w.
u + v = u + w ((-u) + u) + v = ((-u) + u) + w 0 + v = 0 + w v = w.
Esta última maneira utiliza uma forma de pensar que implica não se preocupar com o
objeto em si, mas somente com suas propriedades. Isto tem a grande vantagem de simplificar
a escrita e, além disso, a demonstração teve um desenvolvimento inteiramente análogo a um
caso familiar de propriedade dos números reais.
Esta relação pode ser estendida para o Rn. No ensino e aprendizagem da matemática,
em especial a teoria de matrizes e determinantes, é comum a inserção de argumentações que
podem ser estendidas para dimensões maiores. O professor apresenta definições de termos
básicos acerca de determinantes dois por dois, escreve fórmulas e propriedades, mostra a sua
aplicação na solução de sistemas lineares, e em seguida estende a abordagem a determinantes
três por três e generaliza a ideia para determinantes n por n.
Diante disso, vamos mostrar uma abordagem em que é levado em consideração o
pensamento relacional e, ao mesmo tempo, mostrar como a geometria analítica e a álgebra
linear abordam o mesmo conteúdo. Nessa proposta, o estudante é o autor do seu próprio
conhecimento, sendo ele e suas atividades o foco principal, enquanto o professor apenas
facilita o processo de aprendizagem. Com essa abordagem, em que o aluno aprende fazendo,
há a possibilidade deles perceberem que algo já aprendido pode ser implementado na
construção de novos conhecimentos ou outras teorias.
Partindo de conhecimentos básicos da geometria, como por exemplo, o cálculo com
áreas, podemos orientar os alunos a construir, eles mesmos, os conceitos de matrizes e
determinantes.
Passamos a apresentar um procedimento encadeado de passos para criarmos as
primeiras noções de matrizes e determinantes.
Considerando sabido que a área de um quadrado de lado unitário é igual a uma
unidade quadrada, podemos representá-la por um determinante 2x2 da seguinte maneira:
1 0
A=1=1–0=1.1–0.0=
0 1
Assim, um determinante pode ser definido como um número, que nesse caso citado, é
igual à área do quadrado unitário, ou seja, 1.
171
Figura 4.2 Determinante 2x2 - Área do quadrado de lado 1. Fonte: Acervo Pessoal
Esse também é um momento muito conveniente para definir a matriz identidade I 2x2,
como um esquema quadrado constituído de números 1 (elementos na diagonal principal) e
zeros (os dois restantes elementos), ou seja,
1 0
I 2x2
0 1
A relação entre a matriz identidade e o seu determinante é dada pela seguinte
expressão:
1 0 1 0
det I 2 x 2 det 1
0 1 0 1
Agora, vamos colocar o quadrado ABCD no plano de coordenadas, de tal forma que
seu vértice A fique na origem e os vértices B e C sobre os eixos x e y, respectivamente.
Assim, as coordenadas dos vértices do quadrado ABCD são: A(0, 0), B(1, 0), C(0, 1) e D(1,
1). As coordenadas dos pontos B e C são de especial interesse, porque as suas coordenadas
são, na verdade, os elementos das duas colunas na matriz I2x2. Assim, podemos definir os
vetores unitários bidimensionais como se segue:
1 0
i e j
0 1
Com essa metodologia, o conhecimento geométrico ganha um novo significado, o
significado algébrico.
172
Figura 4.3: Representação vetorial no plano cartesiano - Componentes de uma matriz 2x2. Fonte: Acervo
Pessoal.
Generalizando, um quadrado de lado a possui área igual a2 que pode ser representada
por:
a 0
AABCD a 2 a 2 0 a.a 0.0
0 a
Podendo ser escrito como um esquema de quadrado consistindo de dois números reais
na diagonal principal e a outra diagonal (diagonal secundária) os dois elementos restantes.
Isso leva ao conceito de matriz 22:
a 0
M 2x2
0 a
Cujo determinante é:
a 0 a 0
det M 2 x 2 det a2
0 a 0 a
Para qualquer figura retangular com os lados a e b podemos alterar as coordenadas do
ponto B, e C, ao longo dos eixos, de tal modo que os lados diferem em comprimento, ou seja,
B (a, 0) e C (0, b). A área desta superfície retangular é:
173
a 0
AABCD ab a.b 0 a.b 0.0 a.b
0 b
A matriz correspondente pode ser escrita como:
a 0
M 2x2
0 b
E o determinante pode ser calculado pela fórmula:
a 0 a 0
det M 2 x 2 det ab
0 b 0 b
Figura 4.4: Área de um retângulo dado por componentes vetoriais sobre os eixos cartesianos. Fonte: Acervo
Pessoal.
Voltando ao nosso objetivo, que é, usando a área do paralelogramo, obter o termo para
qualquer matriz bidimensional, podemos lançar a seguinte pergunta: “O que acontece se os
pontos B e C não são arrastados ao longo dos eixos, mas em qualquer lugar no plano de
coordenadas?” Assim, uma das coordenadas destes dois pontos não será mais 0, mas qualquer
outro número real. Vamos denotar estas coordenadas como: B (a, b) e C (c, d). O vértice A
permanece na origem A (0,0). As coordenadas do vértice D podem ser encontradas como
adição de dois vetores, pelo estabelecimento de um paralelogramo. Assim, as suas
coordenadas são D (a + c, b + d). Esta apresentação geométrica e a área do paralelogramo
ABCD (Figura 4.5) têm a sua própria interpretação algébrica, que é:
ab cd a b
AABCD (a c).(b d ) 2bc 2 2 ad bc
2 2 c d
Figura 4.5: Área de um retângulo dado por componentes vetoriais cujos vetores não pertencem aos eixos
cartesianos. Fonte: Acervo Pessoal.
Pela sequência que foi proposta nessa seção, podemos perceber claramente o papel de
cada disciplina e a sua importância no desenvolvimento dos conceitos matemáticos. A álgebra
linear apresenta resultados que a geometria analítica por si só não dá conta. Como vimos, a
área de um quadrado pode facilmente ser representada por um determinante, abrindo as portas
para realizar as operações. A geometria analítica representa o quadrado em um plano, por
meio dos seus pares ordenados representando seus vértices, mas não diz nada sobre a área.
175
Existe uma maneira de fazer avançar na álgebra muito além daquilo que Viète e
Descartes nos deixaram assim como eles levaram para além dos antigos ...
Precisamos de outra análise que seja distinta da geométrica e que expresse a posição
(situs), diretamente da forma que a álgebra expressa magnitude. (Leibniz, 1969, p.
248 – 249).
Leibniz não alcançou seu objetivo, mas abriu uma nova linha de pesquisa. O crédito
de Leibniz está em perceber que era necessária uma nova álgebra e que a principal
característica dessa álgebra devia ser que se possa representar as entidades geométrica
simbolicamente e se pode operar diretamente com estes símbolos.
A álgebra é uma característica de números indeterminados ou somente magnitudes,
não expressa posição, ângulos ou direção de movimento. Além disso, é difícil analisar as
propriedades de uma figura por meio de cálculos, e também conseguir construções e
demonstrações geométricas convenientes, mesmo após realizar os cálculos. Essa nova
estrutura deverá apresentar a solução, a demonstração e a construção geométrica, tudo ao
mesmo tempo, e de um modo natural em uma análise. Mas o que permite toda essa interação é
o raciocínio, o pensamento conceitual, a partir das operações com símbolos, que muitas vezes,
não podem ser representadas por figuras e ainda menos por modelos.
Em meados do século XIX, o matemático e alemão H. Grassmann estabeleceu uma
teoria chamada de “teoria da extensão”, na qual incluía uma lista de propriedades
fundamentais de certos sistemas, que foi um claro antecedente do conceito moderno de espaço
176
vetorial. Nas próximas seções vamos apresentar os trabalhos de Hamilton e Grassmann que
culminaram no surgimento da álgebra linear.
temos uma rotação de 90 no sentido anti-horário. Se multiplicarmos por –1 a rotação pode
ser entendida como sendo de 180. Associando-se a números complexos quaisquer pontos no
plano, é possível associar a diferentes números, diferentes direções; a partir daí, multiplicar
dois números conduz a um terceiro perfeitamente definido, tanto em módulo como em
direção, sendo possível, dessa forma, atribuir ao produto o significado de uma rotação no
plano.
Embora ainda restrita a duas dimensões, essa nova forma de representação é a maior
contribuição para a evolução do conceito de vetor. O problema a ser resolvido dizia respeito a
encontrar uma álgebra que pudesse fazer o mesmo que um complexo fazia em duas
dimensões, ou seja, encontrar uma álgebra capaz de fazer girar também em três dimensões.
Esse foi o objetivo principal de Hamilton.
As ideias de Hamilton aparecem numa época em que os objetos da álgebra são mais
fortemente ligados às propriedades e as leis de combinação entre os elementos. É nesse
contexto de mudança que a noção de vetor vem se estabelecer definitivamente, tornando-se,
na Matemática, o índice e o instrumento de um estilo.
Um exame dos traços que, segundo Granger, caracterizam o estilo vetorial, revela
completa inversão com relação ao modo matemático de pensar, que partia da
realidade empírica para a construção de seus objetos: objetos matemáticos são agora
constituídos por feixes de relações. A partir dessa perspectiva, o que determina a
natureza de um elemento são as regras de combinação daqueles tomados como base
de construção. E, tendo natureza simbólica, a intuição matemática liberta-se um
pouco mais da realidade empírica; segundo Granger (1974), “a intuição certamente
continua a desempenhar um papel na manipulação efetiva dos seres matemáticos,
mas é, a partir daí, dissociada de seu elemento métrico” (DION; PACCA;
MACHADO, 1995).
O volume que apresento ao público é concebido como uma ajuda para as pessoas
que possam estar dispostas a estudar e empregar um método matemático novo, que
ocupou minha atenção por alguns anos e para o qual eu me aventurei a propor o
método ou cálculo dos Quatérnions. [...] As dificuldades que muitos sentiram com as
quantidades negativas e imaginárias em Álgebra obrigou-me mesmos dispor muito
tempo da minha atenção (HAMILTON, 1853, p. 01. Tradução nossa).
Apesar de concordar com aqueles que haviam alegado que negativos e imaginários
não eram adequadamente quantidades, Hamilton ainda sentia-se insatisfeito e buscou uma
interpretação e leitura para as raízes quadradas de negativos.
178
[...] atualmente, sobretudo é importante observar que, uma vez que, pela razão já
atribuída, o quadrado de cada número é sempre positivo, pois nenhum número, seja
positivo ou negativo, poderia ser resultado de uma raiz quadrada de um número
negativo. [...] eu pensei uma maneira de sair da mesma classe geral de
interpretações, e, especialmente, sem deixar de referir a noção de tempo, poderíamos
conceber e comparar pares de momentos; e assim obter uma concepção de pares de
medidas (no tempo), em que poderia ser fundada uma teoria de pares de números,
em que nenhuma dificuldade deve se apresentar (Hamilton, 1853, p.08. Tradução
nossa).
Hamilton interpretou esse produto como sendo uma rotação. A partir disso, o conceito
de número complexo foi explicitado como pares de números reais permitindo a representação
de forças no plano. Essa regra foi publicada em meados de 1833, em um artigo intitulado
como Conjugate Functions ando n Algebra as the Sciencie of Pure Time.
Mediante essa regra é possível escrever
(0, 1)2 = (-1, 0) = -1
Dessa forma, Hamilton chegou a conclusão de que
(0, 1) = (-1,0)1/2 = (-1)1/2 = 1
que ele afirma ser sem nada de obscuro, impossível, ou imaginário.
A regra do produto de pares ordenados estabelecida por Hamilton é convenientemente
expressada por,
(a + bi) (c + di) = ac +adi +bci +bdi2 = (ac – bd) + (ad + bc)i, tendo em vista que, i2 = -1.
Muitos matemáticos começaram a transitar da álgebra básica dos números reais a uma
“álgebra dupla” dos números complexos, no entanto, pensava-se que essas seriam as únicas
álgebras existentes, não sendo possível se chegar a uma álgebra tripla ou quádrupla.
De conseguinte, Hamilton tentou generalizar essa ideia para três dimensões, passando
do número complexo binário a + bi às triplas ordenadas a + bi +cj, utilizando-se dos
preceitos acima descritos.
Com tais preparações como eu descrevi, retomei (em 1843) o esforço para adaptar a
concepção geral de trigêmeos para a multiplicação de linhas no espaço, a resolução
para manter o princípio distributivo, no qual na conjectura alguns sistemas anteriores
tinham sido inconsistente, e no primeiro supondo que eu poderia preservar também
o princípio comutativo dos fatores. [...] eu escrevi 1, i, j; de modo que um trio
numérico tomou a forma x + iy + jz, onde propus interpretar x, y, z como três
coordenadas retangulares, e o próprio trio como denotando uma linha no espaço. A
partir da analogia dos pares, eu assumi i2 = - 1; e assumi também j2 = - 1, que eu
interpreto como uma rotação através de dois ângulos retos no plano da xz, e i2 = - 1
correspondendo uma rotação no plano xy (HAMILTON, 1853, pp. 43 – 44, tradução
nossa).
Isso me levou a imaginar que talvez em vez de procurar limitar-nos a trigêmeos, tais
como a + ib + jc ou (a, b, c), devemos considerá-las como únicas formas
imperfeitas de quatérnions, tais como a + ib + jc + kd, ou (a, b, c, d), o símbolo k
denota algum novo tipo de unidade de operador: e que, portanto, a minha velha
concepção deve receber uma nova e útil aplicação. Mas era necessário, para operar
definitivamente com tais quatérnions, fixar o valor do quadrado k2, deste novo
símbolo k, e também os valores dos produtos, ik, jk, ki, kj. Parecia natural, depois de
assumir como acima que i2 = j2 = - 1, e que ij = k, ji = - k, para assumir também que
ki = - ik = - i2 j = + j, e kj = -jk = j2 i = - i (HAMILTON, 1853, p. 46, tradução
nossa).
De acordo com Boyer (2012, p. 376) “já estava mais ou menos claro que quádruplas
de números a + bi + cj + dk se deveria tomar i2 = j2 = k2 = -1; agora Hamilton viu que
deveria tomar ij = k, mas ji = -k, e, de modo semelhante, jk = i = -kj e ki = j = -ik. No resto,
as leis das operações são as da álgebra ordinária”. Esses produtos podem melhor visualizados
pelo seguinte quadro:
O programa Matemático de Hamilton descreve uma das mais fortes tradições que
exerceram grande influência no surgimento da análise vetorial moderna. Precisamente, o
descobrimento dos quatérnions acabou com a velha tradição algébrica, instaurando o
nascimento de uma álgebra moderna que transcendia as velhas leis operativas. Hamilton, em
1843 fundamentou a definição de números complexos e suas operações adaptando-os a
representação geométrica como pontos de um segmento de reta orientado no plano.
A primeira noção de vetores expressa por Hamilton aparece no item [50] do seu
tratado:
Deixe, então, o produto de duas linhas, ou de dois vetores de uma origem comum,
ser concebido para ser algo que tem uma quantidade, no sentido de que ele é
dobrado, triplicado, etc. por duplicar, triplicar, etc. qualquer um dos fatores deixá-lo
182
também ser concebido para ter em certo sentido, a qualidade análoga à direção, que
é, de algum modo definitivamente ligado com as direções das duas linhas dos
fatores. (HAMILTON, 1853, p. 48, tradução nossa).
Hamilton (1853, p. 143) afirma no primeiro capítulo que, “[...] em seu aspecto
sintético, então, considero o símbolo B – A como denotando “a medida de A para B”; [...]
Esta medida também pode, em minha opinião, ser adequadamente chamada de vetor”. Os
quatérnions exerciam a forma mais adequada de representar vetores no espaço. “Um vetor é
assim uma espécie de tripla (sugerida pela geometria) e, consequentemente, veremos que
quatérnions oferecem um modo fácil de simbolicamente representar cada vetor por um
trinômio (ix + jy + kz)” (HAMILTON, 1853, p. 145, tradução nossa).
As palavras vetores e escalar aparecem no tratado sobre quatérnions da seguinte
forma:
SeV
Sq e Vq
Os quatérnions podiam, então, ser decomposto em duas partes: uma escalar e outra
vetorial:
q = Sq + Vq
Hamilton recebe críticas a essa representação dos quatérnions porque a parte escalar
apresentava dificuldades de representar geometricamente. Já a parte vetorial foi facilmente
abordada: de acordo com Hamilton (1853, p. 537) “a interpretação geométrica da parte
vetorial do trinômio, ix + jy + kz, denotava uma linha reta direcionada no espaço”. Com o
objetivo de justificar a importância de seu trabalho, ele realiza o produto de dois quatérnions q
e q’ supondo a parte real igual à zero:
q = ix + jy + kz, q’ = ix’ + jy’ + kz’
cujo resultado é:
183
O‟Brien (1814-1855). O mais importante de todos esses foi Grassmann, cujo sistema foi
publicado em sua obra Ausdehnungslehre de 1844.
Grassmann alegou ter criado uma nova teoria que, embora pudesse ser aplicada à
geometria, mecânica, e vários outros campos científicos, era independente deles. Nascimento
(2013) diz que Grassmann “na exposição de uma nova ciência é absolutamente
imprescindível, para que se reconheça sua posição e seu significado, mostrar suas aplicações e
sua relação com temas análogos” (GRASSMANN, 1947, p. 18 apud NASCIMENTO, 2013,
p. 17). Na verdade, Grassmann pensou que a geometria não deveria fazer parte da
matemática, uma vez que refere-se a realidade que valida alguns de seus processos: “é uma
ciência fora da matemática e, a teoria da extensão, é um modelo matemático a ser aplicado à
geometria” (DORIER, 1995, p. 242, tradução nossa).
A forma como Grassmann apresentou seu trabalho tornou-se um obstáculo para os
matemáticos da sua época, a falta de clareza estava presente pelo fato de misturar resultados
matemáticos com considerações filosóficas que, segundo Burton (2011, p. 645), “na verdade,
era quase ilegível”. Outro fato que dificultava a compreensão, que muitos criticavam, deve-se
as aplicações serem apresentadas após resultados gerais, o que fez, segundo Dorier (1995, p.
243), “suas ideias ficarem muito difíceis”. Este autor cita uma carta de Ernst Friedrich Apelt à
Möbius, escrita em 03 de setembro de 1845, onde perguntava,
Ernst Eduard Kummer, que foi convidado para avaliar o trabalho de Grassmann,
escreveu de forma similar em 12 junho de 1847:
Grassmann adotava contrastes que podem ser listados em pares, como: igual –
diferente; discreto – contínuo; geral – particular; real – formal; etc.. Seu trabalho matemático
não podia e ainda não pode ser totalmente apreciado, se não se fizer um esforço para
compreender a filosofia em que se baseia. Nascimento (2013, p. 32) imprime em seu trabalho
186
soma finita formal e em que k são números reais e ek era um “sistema de unidades de
k k
e k ek ( k k )ek
k k
e a multiplicação das quantidades extensivas por um número real foi dada por,
k ek (k ek )
Em linguagem corrente, as quantidades extensivas de Grassmann formou um espaço
vetorial n-dimensional sobre os números reais com base e1, e2, e3 ... en. Guiado pela intuição
geométrica, Grassmann passou a desenvolver, essencialmente, como é feito hoje, tais noções
elementares como subespaço, independência linear, e dimensão.
Grassmann introduz dois tipos de produtos: produto exterior e produto interior. O
produto exterior é designado como produto geométrico, enquanto o produto interior é
chamado de produto linear. O produto exterior de duas quantidades pode ser dado
algebricamente pela expressão
e e [e e ]
k k j j k k k j
[ek ek ] 0 1 k n
A respeito dos resultados geométricos do produto exterior, Grassmann declara:
Deveríamos iniciar com a geometria em certa ordem para assegura uma analogia
com a ciência abstrata. Neste sentido, obter uma ideia mais clara que nos guie pelos
caminhos árduos e desconhecidos dos procedimentos abstrato. [...] por um lado, a
área de uma superfície produzida nesse sentido tem a forma de um paralelogramo.
Enquanto que, duas áreas de superfícies iguais pertencem ao mesmo paralelogramo
são designadas iguais se a direção do vetor movido é apoiada em ambos os casos
sobre o mesmo lado (por exemplo, sobre o lado esquerdo) do vetor produzido por
um movimento. Quando em um dos dois casos o vetor correspondente se apoia
sobre o lado oposto, então as áreas das superfícies são diferentes. Assim, obtemos
uma lei geral: si em um plano um vetor se move sucessivamente ao longo de
qualquer série de vetores, então a área de tal superfície produzida deste modo (desde
que os sinais dos elementos das superfícies individuais sejam colocados da mesma
188
maneira) é a área do qual desejamos que seja produzida se o vetor for movido ao
longo da soma desses vetores (CROWE, 1985, p. 71, tradução nossa).
Sua entidade algébrica básica, que ele chamou de uma quantidade extensa, segue da
teoria geral das formas. Ao tratar dessas quantidades, Grassmann muda sua perspectiva,
passando de formas dos objetos (ponto, segmento, etc.) para universo de vetores. Para ilustrar
a citação acima. Grassmann considerou três linhas paralelas coplanares cd, ef e ab, nas quais
eram cortadas por três pares de linhas paralelas: ec // fd, ea // fb, ca // db (Figura 4.7).
OM r (a, b) a 2 b2
e sua direção com o eixo X, estaria determinada pelo ângulo
arctag(b / a)
Tait mostra que, em geral se operarmos com cos 1sen sobre uma reta qualquer no
plano, resulta numa rotação dependente do ângulo , assim:
cos
1sen a 1b a cos bsen 1(asen b cos )
Tait conclui dizendo que o comprimento é mantido após a rotação e que a direção é
dada por
b
tg
asen b cos a tg b
arctg arctg
a cos bsen 1 b tg a
a
Para a representação no espaço, Tait adota os desenvolvimentos feitos pelo
matemático francês Françõis Joseph Servois (1768 – 1847) que teria antecipado Hamilton no
tratamento com os quatérnions. Para Servois, a generalização da expressão a b 1 do
plano para o espaço, tornando-se
p cos + q cos + r cos
correspondendo a representação de um vetor unitário, cuja direção é dada pelos ângulos , e
em relação aos três eixos, p, q e r seria quantidades imaginárias redutíveis a forma
A B 1 .
Tait reconhece que Hamilton foi o descobridor da função que tinha 1 , como
operador básico para representar direções no campo da geometria.
Tait define vetor no espaço como objeto matemático levando em consideração apenas
os três componentes que compõe o ponto, para ele, um vetor é como se fosse um veículo que
transporta um ponto de A para B sem relação com eixos. De conseguinte, ele diz que “todas
as retas iguais e paralelas são susceptíveis de serem representadas por um mesmo símbolo, e
este símbolo dependerá de três elementos numéricos”. A esta relação é o que se denomina
vetor (TAIT, 1873, p. 8 – 9). Tait considerava o segmento de reta assim como em Euclides,
sem diferenciá-los.
O vetor como uma classe de equivalência é definido por Tait como: “se
representarmos AB por (ao qual dependerá de três valores), e se CD é igual ao
comprimento de AB e paralelo a AB, então AB = CD = ” (TAIT, 1873, p. 9).
192
De forma que:
OP = x AO + y OB + z OC
Tait chama a atenção para o caso de três vetores unitários, utilizando a denominação
de Hamilton para eles, ou seja, i, j, k. Assim chegamos a descrição de um vetor qualquer no
espaço:
= xi + yj + zk
Geometricamente a componente dos vetores pode ser observada formando um
paralelepípedo, como mostra a Erro! Fonte de referência não encontrada..
Para Tait, o cálculo vetorial era fundamental para descrever movimentos. Combinando
vetores com funções escalares ele escreveu: : I R R3, onde (t) = (x1 (t), x2 (t), x3 (t)),
expressão que conhecemos hoje como equação paramétrica de uma curva.
A partir da equação da curva, desenvolve questões de cálculo diferencial, em
delineamento com o cálculo das fluxões de Newton. Se o ponto O é a origem das coordenadas
no espaço, e P um ponto sobre uma curva, como mostra a Figura 4.11, então, OP = (t). Para
outro ponto, denominado Q, sobre a curva, temos:
PQ = (t + t) - (t)
1
PQ2 OQ2 OP t t (t )
2
Grandezas vetoriais mostram a utilização dos vetores na física. Essas grandezas são
associadas às variedades matemáticas denominadas vetores, que são geometricamente
representados por segmentos orientados (setas). Na concepção de Grassmann o conceito de
vetor esta vinculado à ideia de transportar, pois é tratado como um operador que transporta
um ponto A até um ponto B ao longo da reta que os une, numa direção e num sentido
definido.
v = AB = B – A
Em termos de coordenadas, o módulo fica determinado por:
v v AB OB OA B A xB x A
v ( xB x A ) 2 ( y B y A ) 2 ( z B z A ) 2
197
expressa em linguagem matemática pela equação F m.a . Essa é a chamada Segunda Lei de
Newton19.
A Terceira Lei de Newton fica definida pela interação entre dois corpos, quando a
força provocada por um dos corpos sobre o outro é sempre igual em módulo e possui a
mesma direção e sentido contrário à força que o outro corpo exerce sobre ele.
Também podemos encontrar aplicações vetoriais nos estudos de Ondas e Partículas,
ressaltando as características da mecânica newtoniana nessas aplicações.
As propriedades de uma onda podem ser representadas vetorialmente com um fasor
que, essencialmente, é um vetor possuindo intensidade igual a amplitude da onda, e que gira
ao redor de uma origem.
Para uma onda senoidal transversal, temos a seguinte equação:
y( x, t ) ym sen(kx wt)
Onde,
y(x , t): deslocamento da onda;
ym: amplitude da onda;
sen(kx – wt): termo oscilatório;
kx – wt: fase
k: número de onda
x: posição
w: frequência
t: tempo
Tomemos duas ondas que se propagam ao longo da mesma corda no mesmo sentido:
y1 ( x, t ) ym1sen(kx wt) (i)
19
O leitor poderá verificar a aplicação dessa lei no livro de Halliday (2002, vol. 01, p. 76). Neste material
podemos encontrar a representação das propriedades vetoriais aplicadas a física.
199
Figura 4.15: Um segundo fasor com velocidade angular w, mas com intensidade ym2 e girando a um ângulo
constante do primeiro fasor, representa uma segunda onda, como uma constante de fase .
A onda (ii) está defasada da primeira por uma constante de fase . Como as ondas y1 e
y2 possuem o mesmo número de onda k e a mesma frequência angular w, podemos estabelecer
a resultante da forma
y ' ( x, t ) y 'm sen(kx wt )
onde y’m é a amplitude da onda e a constante de fase.
Para calcularmos esses valores, somamos vetorialmente os dois fasores em qualquer
instante durante a sua rotação. Para isso, o fasor ym2 é deslocado para a extremidade do fasor
ym1. A intensidade da soma vetorial é igual a amplitude y’m. O ângulo entre o vetor soma e o
fasor é igual a constante de fase .
Está é uma aplicação vetorial para combinarmos ondas, mesmo que elas possuam
amplitudes diferentes. Diante disso, procuramos aplicar os conceitos de vetores na construção
e representatividade da parte angular com a projeção e deslocamento de vetor.
200
Figura 4.16: A onda resultante das duas ondas é representada pela soma vetorial y’m dos dois fasores. A
projeção y’ sobre o eixo vertical representa o deslocamento de um ponto quando essa onda resultante por ele.
20
Para melhores esclarecimentos sobre efeitos aerodinâmicos consultar BRAND, 2010.
201
vezes na cópia saída, consiste na ideia de tomar a distância entre dois pontos quaisquer da
imagem de saída (após transformação) que deve ser menor do que a distância entre os pontos
correspondentes na imagem de entrada.
21
Abordagens mais detalhadas podem ser encontradas em CRUZ at al., 2008.
202
e formal da matemática, chegando a uma teoria geral que possibilitou aplicações nas mais
diversas áreas do conhecimento.
trabalhados por Buée, Möbius e Bellavitis22, e o segundo cria um sistema totalmente original
a partir de uma concepção filosófica da ciência e da matemática.
No prefácio do seu Lectures on Quaternions, de 1853, Hamilton reconhece a
importância e a independência da obra de Grassmann:
É conveniente afirmar aqui que uma espécie de multiplicação não comutativa para
linhas inclinadas (aüssere Multiplikation) aparece num trabalho notável e muito
original do Prof. H. Grassmann (Ausdehnungslehre, Leipzig, 1844) [...], e que
apesar de algumas coincidências, o sistema do Prof. Grassmann e o meu parecem ser
perfeitamente distintos e independentes um do outro em suas concepções, métodos e
resultados. Pelo menos, no tempo de sua publicação, o profundo e filosófico autor de
Ausdehnungslehre não teve em sua posse a teoria dos quaternions, a qual tinha
aparecido no ano anterior (1843). [...] (CROWE, 1994, p.87)
[...] Seu produto externo (aüssere) eu penso ter entendido; [...] E mesmo seu produto
interno, publicado subseqüentemente ao externo (em 1847), eu posso aceitar
razoavelmente bem. De fato, o “produto interno” de Grassmann tem muita analogia
com a minha “parte escalar” de um quaternion, e o seu “produto externo” com a
minha “parte vetorial”. [...] (CROWE, 1994, p.86)
Grassmann faz a interpretação dos quaternions por meio da sua Teoria da Extensão,
num trabalho de 1877 cujo título é The Position of Hamiltonian Quaternions in Extension
Theory.
Os axiomas abstratos da ciência geral das formas são meios para a investigação das
possibilidades de pensamento matemático conectado com a ideia de espaço. Essa ideia se
transformou em um método de interpretação do pensamento matemático.
A obra de Grassmann possibilita a aplicação da matemática nas mais diferentes áreas.
A intensionalidade está presente nos objetos matemáticos grasmanianos. Por exemplo, um
vetor é um objeto matemático que possui comprimento, direção e sentido. Até esse ponto tudo
bem, mas o que podemos tirar de proveito de uma definição como essa? Para responder a essa
questão devemos falar em extensionalidade. Extensionalidade é a interpretação do objeto e a
sua aplicação. Com a nova teoria, os conceitos deixaram de ser aplicados apenas a problemas
geométricos e passaram a sê-lo a problemas da física, dentre outras áreas, criando um campo
de atuação que reconhecemos como sendo a extensão do conceito. A complementaridade do
conceito com sua aplicação é, sem dúvida, o que facilita a geração de significado. A aplicação
nos diferentes ramos foi possível por meio apenas da realização da associação adequada entre
os elementos da teoria abstrata e os elementos do ramo escolhido.
A Matemática lida com objetos, mas esses objetos pertencem a algum modelo
existente no mundo físico, a um universo limitado de discurso, que muda de acordo com as
necessidades e interesses. E essa relação faz com que as intensões e extensões de termos
matemáticos tenham a mesma importância. Uma teoria matemática torna-se uma forma de
dupla construção, que consiste num sistema de axiomas, que representa a sintaxe da teoria, e
um conjunto de aplicações pretendidas ou modelos.
Uma teoria axiomatizada descreve classes de objetos, ao invés de objetos particulares;
por isso uma teoria formal possui várias aplicações. Nesse sentido a matemática torna-se a
propulsora de conhecimentos em outras áreas, ou seja, o desenvolvimento do conhecimento
matemático acarreta o desenvolvimento da ciência como um todo. Isso significa que o
desenvolvimento da matemática e das ciências naturais caminha lado a lado, e a matemática
torna-se a base da epistemologia, é uma ferramenta para gerar conhecimento nas mais
diferentes áreas. É a aplicação dos conceitos matemáticos em benefício da ciência.
205
“Pela ciência geral das formas (Formenlehre) entendemos um corpo de verdades que
se aplicam igualmente a todos os ramos da matemática, e que pressupõem apenas os conceitos
universais de igualdade e diferença, e de conexão e disjunção” (OTTE, 1989, p. 3).
A igualdade e a diferença são a base para a interpretação filosófica de Grassmann. O
igual está diretamente relacionado ao termo intensão. “A magnitude intensiva resulta, pois da
geração do igual” (GRASSMMANN, 1995, p. 27). Quando Otte chama atenção para a
igualdade A = B embutida entre ternos e sapatos, está se referindo a igualdade entre os
valores comerciais desses objetos, não a quantidade de objetos. No número existe a
uniformidade (o valor é o mesmo); é na sua igualdade que constitui a magnitude intensiva.
A extensão, por outro lado, surge do diferente. No exemplo, ternos e sapados são
elementos que formam o conjunto dos objetos que possuem o mesmo valor comercial. Assim,
diz Grassmmann (1947, p. 27 apud, Nascimento, 2013, p. 148), “magnitudes extensivas ou
extensão surge do distinto”. Grassmmann considera o segmento de reta um exemplo de
grandeza extensiva, porque os elementos que constitui o segmento inteiro são pontos, que
estão separados ou unidos, coisa que só a mente humana é capaz de imprimir sem, no entanto,
pensar nos pontos, mas na continuidade da linha. Um exemplo de grandeza intensiva que ele
aponta é um ponto possuidor de uma força; nesse caso, a força é o elemento, o objeto em
questão, não possui elemento separador, o que há é a intensidade, existe apenas a propriedade.
Também é claro que toda magnitude real pode ser considerada de ambas as
maneiras, como magnitude intensiva ou extensiva; também a reta é considerada
magnitude intensiva se não tomarmos em conta a maneira como estão dispostos seus
elementos e somente considerarmos a quantidade deles; analogamente se pode
pensar o ponto dotado de uma força como uma magnitude extensiva, para o qual é
suficiente imaginar a força abaixo da forma de uma reta. (GRASSMMANN, 1947,
p. 27, apud, NASCIMENTO, 2013, p. 148).
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conceitos sem intuição que de qualquer modo lhes corresponda, nem uma intuição sem
conceitos podem dar um conhecimento” (KANT, 2001, B75).
O conhecimento matemático é proporcionado pela relação que o sujeito possui com o
objeto matemático, e esse processo é mediado pelas atividades mentais. Pressupõe-se que as
peças fundamentais do conhecimento são: o sujeito, o objeto e as relações entre eles,
estabelecidas pela atividade do sujeito.
Nesse sentido, o pensamento de Otte coaduna com a teoria de abstração reflexiva de
Jean Piaget que afirma que o conhecimento é dado por meio da relação entre o sujeito e o
objeto dado pelas ações do sujeito sobre os objetos, não dos objetos propriamente ditos. O
conceito de abstração reflexiva de Piaget mostra que o conhecimento é dado por meio da
relação entre sujeito e objeto intermediado pela atividade e afirma que: “certos resultados
gerais da matemática são psicologicamente explicáveis com base na atividade do sujeito”
(BETH; PIAGET, 1974, p. 01). Ou seja, o pensamento puro, a intuição, são particularidades
que podem justificar a descoberta e a aprendizagem de conceitos matemáticos.
Em Os Elementos não há abstração reflexiva no sentido de Piaget. A geometria era
vista como algo sensível ou pelo menos tinha similitude com os objetos sensíveis. Havia um
obstáculo epistemológico e metodológico caracterizado pela restrição a régua e ao compasso,
fazendo com que a geometria permanecesse em um plano inferior. Em termos da teoria de
Piaget, podemos dizer que a metodologia utilizada por Viète e Descartes para resolver
problemas geométricos está em um plano superior, onde reina o aspecto algébrico. Isso não
quer dizer que a álgebra seja mais importante do que a geometria, mas dizer que está em um
plano superior significa permitir realizar novas relações, na maioria das vezes, relações
abstratas sem referência ao objeto que a gerou.
Essa característica do desenvolvimento histórico reflete no âmbito da Educação
Matemática. É necessário, para o avanço do conhecimento, que o sujeito abandone a
experiência física e comece a atuar no campo da experiência lógico-matemática, fazendo
relações entre os elementos da própria matemática. Essa é uma condição necessária para que o
sujeito avance no desenvolvimento do conhecimento matemático.
De Euclides a Descartes passaram-se mais de vinte séculos, um tempo considerável
para diminuir o apego ao objeto e pensar nas relações entre os objetos. A geometria euclidiana
é tangível, enquanto a álgebra se distancia do objeto que a produz.
Esse aspecto ocorre de forma similar no campo do saber. Os primeiros conceitos
matemáticos ocorrem naturalmente a partir de elementos promovidos pela experiência
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