Você está na página 1de 1

Do luxo ao lixo

Estava eu pela primeira vez comendo três refeições ao dia, alimentando-me da fama e das
entrevistas, uma atenção que eu nunca tive antes, meu cabelo continua preto e crespo, meu
corpo continua franzino, mas eu tenho mais namoradas que Frank Sinatra, é incrível como um
pouco de atenção muda tudo, eu faltava aula pra ir jogar bola, no morro junto com todos os
amigos, de todos os 11 somente 4 estão vivos, é como dizem no morro:”se criou no morro vai
morrer no morro”a vida me trava a pauladas, ninguém sabia meu nome, ninguém queria saber,
eu era apenas mais um pretinho nessa história clichê, que poderia ser passada na TV como
exemplo de superação, vitória na vida.poderia, não fosse o fato de ser eu,essa história com
certeza teria final feliz.diziam que eu brincava coma bola como um bailarino brinca com o
palco, não sei nada de balé mas a bola me fazia parar de pensar em tudo, na infância pobre num
lugar onde ter pai era privilégio(e no monte de pais que me apareceram depois), eu não pensava
nas 50 mil pessoas do estádio, eu simplesmente via a bola, eu era como um super herói, acima
do bem e do mal. Estava eu naquele jogo, decisão de campeonato, no segundo tempo, a bola em
meus pés, os adversários para trás, a chance de fazer um gol, meus olhos se vendaram e meus
pés travaram no chão, não conseguia dar mais um passo, simplesmente me entreguei ao
destino.uma semana antes minha esposa com quem eu era casado há 4 anos(antes de ser alguém
de verdade), e mãe da minha filha, havia pedido divórcio, eu não sabia mais quem u era na
realidade era o que ela dizia, eu era um ator de novela, coma diferença que eu não conhecia
meu próprio roteiro e só eu poderia escrevê-lo, até aí nada de mais, o mesmo clichê de qualquer
jogador, pobre, iludido com a fama, luxo, tudo normal. Comum...naquele dia eu fui pra cama,
dormi cedo e sonhei com um besouro verde voando, ele me levou até um campo onde não havia
ninguém, somente eu e uma bola, meu instinto foi jogar futebol, como quem fugia da polícia,
com raiva e tristeza, de repente as pessoas entraram no estádio e minha raiva e tristeza
passaram, as pessoas riam e se emocionavam comigo, eu era a estrela de um espetáculo, tudo
era triste, e em preto e branco, as pessoas foram embora do meu sonho me deixando sozinho
após minha apresentação, eu estava lá, prado no campo e chorando, acordei do sonho e vi que
eu era patético, eu não tinha ganho nada, apenas perdido tudo e não me dado conta, é bem
verdade que eu morava em um bairro rico cheio de hipócritas que traiám as esposas e depois
posavam de pais de família, era verdade que eu tinha dinheiro pra tratar até a sétima geração da
minha família, mas a verdade era que aquele não era eu, eu nunca fui um vencedor,sempre fui
um fracassado, e fracassados as vezes vencem, eu queria voltar a ser um neguinho qualquer, em
um bairro pobre de periferia, eu queria voltar a ouvir samba da minha comunidade, eu queria
minha pretinha do meu lado me fazendo cafuné, naquele dia eu perdi tudo, meu sonho, minha
fama, e logo me esqueceram... mas naquele dia eu ganhei tudo, meu eterno fracasso na vida,
estava eu com a bola no pé todo trêmulo porque era a final do campeonato e 50 mil pessoas
foram me assistir, voltei a mim e fiz o gol, agora com orgulho eu posso gritar que fomos
campeões do campeonato das favelas do rio de janeiro, não sei bem como me sustentar, talvez
eu escreva um livro, que comece contando este episódio, e que termine com alguma lição de
moral estranha como: os vencedores sempre perdem, os derrotados nunca levantam. Tudo
graças ao estranho besouro verde que hoje creio ser fruto da maldita bebedeira de quando minha
esposa me deixou, quem sabe eu saia da favela, quem sabe eu vença na vida, mas o que eu mais
espero é que eu realmente, sempre seja eu.

Você também pode gostar