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Ao longo deste trabalho reunirei alguns fatos históricos para tentar entender
melhor a origem da divulgação científica, um movimento que ao mesmo tempo em
que teve um epicentro bem definido na Europa, aconteceu simultaneamente em
outros locais do globo, como no Brasil, ainda que sofrendo forte influência da
realidade socioeconômica e do sistema vigente local.
Cabe ressaltar que a pesquisa desenvolvida para esta monografia poderá servir
como insumo para a dissertação escrita por mim, na qual analiso a divulgação
científica brasileira através da literatura infanto-juvenil – que compreende tanto livros
especificamente voltados para a difusão de conhecimentos da ciência quanto
exemplares da literatura geral, que por estar inserida em nossa sociedade, sofre
influências e penetrações de conteúdo do cotidiano, muito do qual está relacionado à
ciência e à tecnologia. Ao fazer um apanhado histórico, podemos demarcar melhor os
limites aos quais o foco da dissertação vai se ater, e justificar com mais propriedade o
próprio foco escolhido para a abordagem.
Historiografia da Divulgação Científica
Nos textos usados como base para o presente trabalho, há referências a alguns
autores, que falam da história da difusão dos saberes científicos ao público geral. Há
muito ainda a ser lido a esse respeito, e com o tempo levantamentos mais detalhados
poderão ser feitos. Na maior parte dos casos (de fato, todos por mim analisados até
agora), a história da divulgação científica é abordada em um determinado trecho dos
livros de difusão científica, normalmente introdutória, que vai situar o leitor nos
motivos e justificações para o atual estado de arte da divulgação. Estes livros são
escritos por diversos autores, de muitas nacionalidades distintas. Mas, via de regra,
podemos dizer que livros que falam da divulgação como um objeto de análise (e não
que de fato fazem divulgação) começaram a ser publicados apenas a partir do fim da
década de 1960 – o que nos indica o quão recente é o assunto. A título de exemplo,
dentre as bibliografias citadas na obra de Mora (2003), temos:
ATKINS, Peter W. The Creation. San Francisco: Freeman, 1981 [La Creación. Biblioteca
Científica Salvat n. 54. Trad. Juan Pedro Acordagoicoechea Goicoechea. Barcelona:
Salvat, 1986].
BABINI, José. EI siglo de Ias luces: ciencia y técnica. Buenos Aires: Centro Editor de
América Latina, 1971.
BANVILLE, John. Beauty, Charm and Strangeness: Science as Metaphor. Science, v. 281,
p. 40, 1998.
BARROW; John D.; SILK, Joseph. The Left Hand ofCreation. New York: Basic Books, 1983
[A mão esquerda da criação. Colecção Ciência Aberta. Lisboa: Gradiva, 1989].
BRONOWSKI, J. The Ascent of Man. Boston: Little, Brown &Co., 1973 [El ascenso deI
hombre. Trad. Alejandro Ludlow Wiechers. México: Fondo Educativo Interamericano,
1979].
BRONOWSKI, J.; MAZLISH, B. The Western Intellectual Tradition. New York: Harper
Torchbooks, I960.
CURTIS, Ron. Narrative Form and Normative Force: Baconian Story-Telling in Popular
Science. Social Studies of Science, v. 24, n. 3, 1994.
DAVIES, Paul. Superforce. New York: Simon & Schuster, 1984 [Superfuerza. Trad.
Domingo Santos. Barcelona: Salvat (Biblioteca Científica Salvat n. 4), 1985].
DAWKINS, Richard. The Selfish Gene. 2 ed. London: Paladin, 1989 [El gen egoísta. Trad.
Juana Robles Suárez e José Tola Alonso. Barcelona: Salvat (Biblioteca Científica Salvat
n. 5), 1993] [O gene egoísta. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2001].
EINSTEIN, Albert. ReLativity. London: Methuen, 1979 [La relatividad. Trad. Ute Schmidt
de Cepeda. México: Grijalbo, 1970] [A teoria da relatividade especial e geral. Rio de
Janeiro: Contraponto Editora, 1999].
Este sistema filosófico perdura até o fim do século XVI, quando começa a ser
abalado por idéias trazidas por Galileu Galilei (1564 – 1642), ao menos no campo da
filosofia natural. De fato, a reação violenta da Igreja contra Giordano Bruno, Galileu e
outros é vista por diversos estudiosos atuais como uma reafirmação de sua autoridade,
o que reforça a concepção de que a filosofia natural – predecessora do que
denominamos ciência moderna – fazia parte integral do sistema filosófico à época, não
constituindo um ramo teórico relativamente estanque como hoje. De qualquer
maneira, Galileu é reconhecido atualmente como o criador da ciência experimental,
que usa a linguagem matemática para se expressar, além de procurar respostas não
diretamente na natureza, mas através da realização de experimentos controlados. A
matemática já era utilizada no Astronomia para descrever os movimentos dos astros, e
possuía (e ainda possui) um caráter de abstração e distanciamento da realidade, pois
além de não utilizar expressões verbalizadas como fazemos cotidianamente, era
atrelada a um uso instrumental, já que os corpos celestes eram muito distante de nós
(observadores) e que as leis que os regem são diferentes daquelas que regem a física
terrestre – um modo de pensar herdado da Grécia antiga.
A ciência é, essencialmente, hipótese; ela não trata com seres reais passíveis de
serem intuídos, mas com sistemas formais de relações. Nenhuma frase ou proposição
presente no discurso das ciências naturais descreve ou faz alusão direta a um dado
imediato da experiência sensível. (...) Isso não significa que a ciência abandone a
experiência. Ela parte de objetos observáveis e quer deduzir, dos seus conceitos e
teorias, objetos e acontecimentos que podem ser observados. O vínculo com a
experiência sensível não foi cortado, mas essa ligação se torna cada vez mais tênue e
indireta.”.
A divulgação por esta época era feita pelos próprios cientistas, que apesar do
distanciamento que ganhavam as teorias que regiam seu trabalho, se esforçavam para
traduzi-las ao público em textos à parte. Esses textos serviam para informar leigos não-
especializados e cientistas de áreas mais distantes, para mantê-los informados uns
sobre o que ocorria nas áreas dos outros. Havia então revistas cultas, onde se discutia
ciência, literatura de vanguarda, poesia, história e política, tais como o Journal des
Savants, de Paris, a Edinburgh Review e a Westminster Review. Havia também livros
sobre esse propósito, como Sobre a Relação entre as Ciências Físicas, de Mary
Sommerville (1834) e Conversas Sobre Química, de Jane Marcet (1806). Tentavam-se
novos estilos literários, menos áridos, para não afastar os neófitos, como os diálogos. A
tendência de crescimento no distanciamento da linguagem acadêmica da cotidiana
culminou na criação de conferências de divulgação e de revistas como a Popular
Science Monthly. Outro local importante de divulgação foi o museu científico, que
aparece como um local de coleções de curiosidades no tempo da moda da ciência na
sociedade, e passa a ser também um local de pesquisa, integrando laboratórios e
especialistas em plena produção científica. Atualmente, são muito importantes, sendo
integrados à educação, cultura e entretenimento. No fim do século XIX, a visão de
mundo era de que a ciência (principalmente pela mecânica newtoniana) já havia
atingido seus limites teóricos de grandes descobertas, cabendo aos cientistas apenas
aplicar as regras gerais a casos mais específicos e assim melhor descrever o mundo
(como no caso de Euler, que dá a forma matemática definitiva às leis de Newton,
aplicando-as ao comportamento de sólidos e líquidos).
Porém, no século XX, uma nova reviravolta acontece na ciência. Surge a
relatividade e a mecânica quântica, que culminam em teorias como a do núcleo
atômico e a formulação da mecânica quântica relativística. Após um período de grande
ebulição, com gênios científicos como Rutherford, Eintein, Bohr, Planck, Heisenberg,
Scrödinger e Dirac, houve um esfriamento da visão da sociedade em relação à ciência,
pois esta se torna mais distante da realidade, mais cara e mais perigosa – como o triste
exemplo da bomba atômica. Ainda assim, grandes descobertas foram feitas em outras
áreas, como os raios-X e radioatividade, a Síntese Moderna da Evolução
(Neodarwinismo – unindo a teoria de Darwin com a mecânica genética proposta por
Mendel), a Genética, a Psicanálise, a Astronomia Extragaláctica, e avanços
importantíssimos em campos como o das telecomunicações, da energia e da Química.
Vale lembrar da importância de precursores do século anterior, como Mendeleyev, os
próprios Darwin e Mendel, Lamarck, Owen, e teorias como a mecânica estatística,
aplicada ao comportamento de gases e à transferência de calor. Se pudéssemos
resumir o ocorrido com a ciência no século XX, poderíamos afirmar que em lugar de
resolver os “últimos problemas” em um universo mecânico, abriu uma caixa de
surpresas, contendo novas visões de mundo (Mora, 2003).
Rádio (o primeiro programa de rádio com essa finalidade foi feita pelo
educador e antropólogo Edgard Roquette-Pinto em conjunto com vários
membros da Academia Brasileira de Ciências, estreando em 20 de abril de
1923);
Televisão (com formatos que vão de quadros em programas de variedades
(como o Fantástico), passando por programas exclusivos sobre ciência (Globo
Ciência) até canais dedicados exclusivamente à transmissão de conteúdo
científico para a sociedade (Discovery Channel, Animal Planet, etc.) e seriados
(The Big Bang Theory);
Internet (sites especializados, blogs, seções em portais de notícias);
Documentários (como os produzidos pela BBC);
Cinema (filmes de ficção científica ou de vida natural);
Desenhos animados (Dexter, Bob Esponja);
Revistas em quadrinhos (tanto no formato americano tradicional quanto no
japonês – o mangá);
Teatro (com grupos dedicados ao tema como o da Fiocruz ou o do prof.
Leopoldo de Meis, da Instituto de Bioquímica da UFRJ).
Museus (como o Museu Nacional e a Casa da Ciência da UFRJ).
Livros (cada vez mais em voga, com a criação de premiações na área de
divulgação como o prêmio Kalinga da Unesco , o Prêmio Descartes da União
Européia e o Aventis Prize da Royal Society de Londres).
AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel. Teoria da Literatura. Coimbra: livraria Almedina, 1983.
MASSARANI, Luisa; MOREIRA, Ildeu C.; BRITO, Fátima. Ciência e Público: caminhos da
divulgação Científica no Brasil. Rio de Janeiro: Casa da Ciência – Centro Cultural de
Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Fórum de Ciência e
Cultura, 2002.
SÁNCHEZ MORA, Ana María. A Divulgação da Ciência como Literatura. Rio de Janeiro:
Casa da Ciência – Centro Cultural de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Editora UFRJ, 2003.
SNOW, C. P. As Duas Culturas e uma Segunda Leitura. São Paulo: EDUSP, 1995.