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momento. Enquanto cada camada de pele reaparece, os furos na face
deixados pela máscara do demônio fecham até se tornarem finos
círculos e reduzir gradualmente. As órbitas escuras e vazias
lentamente são preenchidas para revelar o branco dos olhos
enfurecidos por séculos de morte. Finalmente as narinas aparecem, o
pescoço se contrai, e então o corpo inteiro se arqueia sob a força da
vida renovada. Esta nova vitalidade – e a simultânea apreensão que
esta seqüência engendra no espectador – constrói um ponto o qual
não pode mais ser contido e a própria pedra precisa ruir para revelá-
lo.
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mascarada de uma mulher é combinada com uma voz etérea e
elaborada, modulada como se ela estivesse falando de uma câmara
bem abaixo do chão. Ela está separada da câmera, ou do mundo real,
plano visto através de uma cortina bordas brilhantes. Enquanto ela
está sentada entre esses dois mundos, uma série de luzes verdes,
azuis, e em tons dourados, sucessivamente atravessam o quadro,
atingido alternadamente seu corpo e caindo sobre ela para torná-la
uma silhueta.
Os paradoxos dos filmes de Bava não são tão metafísicos como esses.
Algumas confusões de identidade são decepções deliberadas. Outras
são simplesmente convenções de mistério-assassinato. Alguns são
encenados como suspense; outras para criar uma sensação de
sobrenatural. Por exemplo, o dispositivo da trama dos duplos físicos
(gêmeas) em Black Sunday reaparecem em Erik the Conqueror (Gli
Invasori, 1961), onde não há nada de sobrenatural em gêmeas. A
primeira, Rama, resgata Erik depois de um naufrágio e desperta sua
paixão. A outra, Daja, é a esposa do irmão perdido de Erik, Iron. A
confusão é puramente mecânica e a ironia é puramente dramática
quando os dois rivais, Erik e Iron, descobrem que são irmãos. Em
Black Sunday tanto o herói quanto o espectador são incapazes de
diferenciar entre a vampira feiticeira Asa e sua descendente Katia
(ambas feitas por Barbara Steele). Nesta instância a introdução de
duplos físicos é central para atmosfera sobrenatural do filme. O
espectador individual, precisa se despir de sua descrença e participar
no ponto de vista do herói, é compelido a aceitar a "realidade" das
gêmeas não-naturais de Black Sunday.
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Kill, Baby, Kill (Operazione Paura, 1966) contém um doppelgänger
ainda mais desorientador. Bava isolou seu protagonista, um jovem
cavalheiro como o de Black Sunday, em uma mansão que é
conhecida como assombrada pelo fantasma de uma garotinha (que
antecipou a criança-demônio criada no ano seguinte no episódio de
Fellini para a antologia Spirits of the Dead). A confusão causada
quando o jovem encontra a mãe ainda viva da criança, que se cercou
com os brinquedos, roupas e outros resíduos físicos da vida sua filha,
é surpreendido pela aparição do que pode ser a própria criança ou
seu espectro ou mesmo outra criança. Em uma cena climática, o
jovem persegue um sujeito através de uma série da portas e salas
idênticas; mas quando finalmente o alcança, ele descobre que ele
estava perseguindo a si mesmo, ou talvez, uma aparição que se
assemelha a ele. Depois de ter jogado com a alienação de gênero do
espectador repetidamente através do filme e mostrar os personagens
discutindo a natureza da assombração, Bava insere este evento sem
nenhuma explicação. Na seqüência de fantasia que vem em seguida,
uma imagem de sonho revela um homem preso em uma enorme teia-
de-aranha em frente a uma pintura de uma catedral. Esta cena
escurece, e o homem acorda, agora livre da teia mas parado em
frente à catedral. Isso foi um sonho ou não? Assim como no final de O
Túmulo de Ligéia de Roger Corman, Bava explorou o contexto de
sonho para livremente transitar entre o real e os eventos de
alucinação e compelir o espectador a criar uma distinção própria dos
eventos. Uma manipulação similar ocorre em The Whip and the Body.
Não apenas Nevenka, uma jovem mulher com tendências sado-
masoquistas, clama que está sendo atormentada por um amante
morto, mas o público vê várias visitas ao seu quarto de uma figura
que a castiga e a acaricia. Claro, o público é livre para presumir que
essas visitas são meramente projeções de sua mente perturbada;
mas há certas manifestações físicas externas. Os passos do amante
são ouvidos em uma cena; sua risada, em outra. Em outra, as
pegadas de suas botas sujas de lama são deixadas para trás. Como
em Black Sunday, a realidade da aparição é reforçada quando o
espectador é compelido a assumir o ponto de vista de Nevenka nos
momentos chave através de uma câmera subjetiva. Na cena final,
Nevenka é vista beijando seu amante-fantasma de uma, perspectiva
quase-subjetiva. Um corte para outro ângulo mais objetivo revela que
ela abraça apenas o vazio.
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criação de ironia metafórica e dramática através da intercalação de
pontos de vista subjetivos e objetivos e a ligação visual com a
desorientação emocional do personagem. No terceiro episódio de
Black Sabbath – As três mascaras do Terror (I Tre Volti della Paura,
1963), uma enfermeira rouba um anel do cadáver de uma mulher da
qual ela se encarregou de preparar par o enterro. Da mesma maneira
que o conto O Coração Denunciador de Edgar Allan Poe, sua culpa
distorce suas percepções, e ela é levada à loucura pela sua noção
amplificada dos objetos cotidianos em volta dele na casa. Primeiro,
ela é assombrada pelo som de batidas de uma gota d’água. Então,
enquanto ela se arrepia com uma apreensão indefinida, esta emoção
se torna objetiva pela luz intermitente de uma loja em do lado de fora
da janela, de uma gélida cor azul.
Bava reutilizou este artifício em The Whip and the Body com a adição
do elemento de cor. Quando Nevenka anda em direção a uma sala
onde ela acha que seu amante-fantasma a espera, o som de um
chicote e seus sensuais gemidos são escutados. Enquanto ela
continua, incerta do que é real e do que é ilusão, em antecipação ao
prazer e a dor, a iluminação lateral é alternada entre azul e vermelho,
frio e quente.
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Segno della Folia, 1969). A psicologia do personagem parece óbvia o
suficiente quando vemos pela primeira vez a sala secreta do
protagonista, cheia de manequins vestidas de noiva, brinquedos, e
outros artefatos através dos quais ele tenta recapturar a inocência de
sua infância.
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da Terra. Em algumas ocasiões, Bava pode inserir um arquétipo
ritualístico meramente para servir os mecanismos da trama: por
exemplo, o elmo negro usado por Rurik em Knives of the Avenger
(Raffica di Coltelli, 1967), que esconde sua face enquanto e estupra a
noiva de seu inimigo. Mas na maioria das vezes estes dispositivos têm
um valor tanto expressivo como narrativo. A máscara do oráculo de
Medéia ou da feiticeira Asa podem, como a máscara de Rurik,
esconder suas identidades. Mas as máscaras também são algo mais,
e os personagens que as vestem adquirem um aspecto que é ao
mesmo tempo figurativo e melodramático para o contexto da história.
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Da mesma forma que as figures não-criminais dos filmes modernos,
esses heróis podem ser colocados em situações extremas por forças
exteriores, ou como Rurik rudemente fala em Knives of the Avenger,
"Odin decide os nossos destinos."
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Ironicamente, Bava poderia retratar esses personagens, cuja
desconfiança de cada sombra e som estranho os ajuda a sobreviver,
como semi-cômicos e ligeiramente paranóicos. A heroína de La
Ragazza che sapeva troppo torna-se tal figura no ato de se defender.
Após testemunhar a morte por esfaqueamento de uma vítima, ela
desmaia e volta a si em um hospital onde é diagnosticada como
doente de alcoolismo crônico. Sua história é tratada como um caso de
trauma delirante. Isto estabelece uma série central de cenas nas
quais os detalhes significantes são definidos com errôneos. Em uma
visita a uma localidade rural e um antigo anfiteatro Romano, sutis
ângulos baixos e tomadas em travelling a seguem enquanto ela tenta
seguir o homem de aparência suspeita. Ele a alcança e ela descobre
que ele apenas queria ajudá-la. Em outra seqüência, ela constrói
uma armadilha de fios e pó de talco em uma sala de estar para tentar
pegar o assassino da faca que ela acredita que a está seguindo. Ela
tem sucesso apenas em quase quebrar o pescoço do jovem médico
que tentava curá-la de suas ilusões. Em uma cena final, após o
assassino ter sido capturado, ela e o doutor estão andando em uma
ferroviária e testemunham um marido ciumento atirar em sua mulher
e o amante. Ele fica horrorizado; mas, por que ela prometeu a ele
esquecer tudo sobre assassinatos, ela recusa-se a admitir que viu
alguma coisa. Este é simultaneamente um dos mais bem-humorados
e um dos mais negros finais na obra de Bava.
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mortos levantam-se de suas covas e rasgam suas mortalhas de
plástico em Planet of the Vampires, ou risadas, como o close-up do
supostamente morto Diabolik encerrado em ouro translúcido e
piscando para sua cúmplice Eva.
Muitas vezes, Bava teve que confiar na invenção visual para conciliar
seus orçamentos limitados. Para um ataque surpresa a uma aldeia
Viking sem contar com muitos extras, ele realizou uma montagem de
cenas com lançamentos individuais de lanças, golpes mortais, figuras
caindo em direção à câmera, e arrojada pirotecnia, todos indo na
mesma direção e terminando em uma longa panorâmica enquanto os
últimos invasores cavalgam para fora dos restos destruídos da aldeia.
Em outros momentos, ele gastava uma parte considerável da
produção meramente para adicionar um toque romântico a uma
forma mítica. Para o duelo em uma enorme caverna, iluminada por
tochas em Erik the Conqueror, Bava usou um plano longo e um
prólogo no qual os participantes precisam forjar suas próprias armas,
adiando e realçando a ação do próprio combate. Em momentos de
narrativa de horror, a montagem, os zooms, os travellings múltiplos e
ângulos agudos são normalmente apoiados por sons igualmente
incomuns. Se a imagem é o nexo de metáfora para Bava, a trilha
sonora é reservada para a discórdia literal. Os barulhos que
adicionam contraponto com a música ou o diálogo fazem parte do
saco de truques de qualquer artista italiano de foley, mas o
posicionamento de Bava lhes dá uma deixa. Os relevos podem ser tão
insistente como o zoom acelerado de Bava, forçando o espectador a
uma perspectiva fixa. Nas regravações das trilhas de Les Baxter para
Black Sunday e Baron Blood de Bava, os tambores, pratos e bronze
assaltam constantemente as medidas circulares das cordas, com
acordes dissonantes. Uma misteriosa flauta melancólica ou algumas
teclas de piano encontram suas vozes para logo em seguida, serem
deslocados pelos tímpanos insistentes. Na partitura original de Stelvio
Cipriani para Baron Blood, um tema inicial pré-disco deu uma
atmosfera pop às cenas do avião jumbo a pousar no aeroporto. A
ironia das melodias em estilo jingle com um backup de coral na
abertura de um filme de terror era um equivalente fonético a algumas
das piadas visuais de Bava. A realidade e animação mutável de filmes
de Bava pode se estender até adereços, como a faca em forma de
dedos de uma mão esquelética em Hercules in the Center of the
Earth ou o chicote em The Whip and the Body, que se contorce na
pele de Nevenka quando esta é estuprada por seu amante fantasma.
Este mesmo chicote se contorce como uma coisa viva em agonia
quando o corpo do amante é consumido pelas chamas.
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sistema onde até mesmo grandes orçamentos eram reduzidos, em
que múltiplas câmeras e pós-sincronização do diálogo não eram
opções mas sim procedimentos operacionais padrão, onde os
cronogramas de gravação eram curtos, e as pós-produções ainda
menores, as chances de não se obter excelentes resultados ainda
maiores. A batalha no mar em Erik, o Conquistador, encenada em um
tanque do estúdio com duas proas, uma máquina de fumaça, e
trilhos, consegue ser muito mais convincente do que o choque de
miniaturas feitas sob medida em Ben Hur, isso é um tributo à técnica
Bava. Que um homem trabalhando contra tais limitações podem se
tornar um dos mais marcantes de estilistas gênero pode parecer
difícil de acreditar. A prova, além das atuações, muitas vezes
empoladas, atores dublados, efeitos sonoros e música rangentes,
além dos vídeos garimpados e digitalizados, seqüência re-
sincronizada e às vezes reeditadas, está nas próprias imagens. Não
importa o quão fraco o desenvolvimento do caráter pode ser ou como
inverosímil o enredo, o estilo visual Bava é a pedra angular de um
pacote sensorial que envolve o público e os envia em uma viagem
para uma terra desconhecida.
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Mas o impacto imediato de I Vampiri permaneceu relativamente
insignificante. Assim como o filme é respeitado e considerado um dos
clássicos do cinema de horror italiano, poucos filmes de horror
italianos seguiram imediatamente seus passos. Em desenvolvimento
paralelo na Inglaterra, os estúdios da Hammer estavam ocupados
criando suas próprias interpretações de uma lenda diferente – Um
remake de Frankenstein, estrelando Peter Cushing como o Doutor e
Christopher Lee como a criatura. O sucesso imediato das produções
da Hammer A Maldição de Frankenstein e Drácula (Título americano:
Horror of Dracula) Assegurou aos cineastas em volta do mundo, o
poder desse velhos monstros icônicos da Universal – especialmente
em versões coloridas acrescidas de gore.
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de Lavi no filme é uma das mais belas performances da era de ouro
do horror italiano (seus olhos, em particular, são maravilhosamente
expressivos), ela não possui as características icônicas de Steele, que
sugere instantaneamente uma imagem de inocência infantil e uma
personalidade perversa e distorcida. Não admira que Steele chegou a
estrelar na maioria dos grandes filmes desse período da
cinematografia italiana. Uma lista de seus filmes é próxima da lista
dos grandes filmes de horror gótico italiano, incluindo aí os acima
mencionados Black Sunday, The Horrible Dr. Hichcock e The Ghost,
de Riccardo Freda, Castle of Blood e The Long Hair of Death, de
Antonio Margheriti e Nightmare Castle de Mario Caiano.
The Horrible Dr. Hichcock de Freda não faz uso da dualidade de seu
rosto; Ao invés disso, nos mostra Steele como uma vítima. Ainda
assim, o filme é um dos grandes do horror italiano. Steele faz a
esposa do Dr. Hichcock (O ator britânico Robert Flemyng) – um
médico que injeta uma droga em suas amantes que as deixa
próximas da morte. De fato, sua primeira esposa morreu(?) enquanto
os dois faziam amor graças a uma overdose da droga. Com Freda
costumava, The Horrible Dr. Hichcock não contém monstros: "O
monstro mais aterrorizante é o vizinho que corta a garganta da
esposa," ele disse. Ele preferia o horror psicológico, onde paixões
proibidas escravizam e destroem homens que outrora eram
respeitados dentro de suas comunidades.
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Muitos dos filmes da era de ouro do horror italiano nunca foram,
particularmente um sucesso dentro da Itália. Mas no resto do mundo,
esses filmes encontraram uma audiência cativa. Muitos cineastas e
atores italianos até mesmo escondiam suas identidades sob
pseudônimos americanos. Riccardo Freda se tornou Robert Hampton.
Antonio Margheriti se tornou Anthony Dawson, e Mario Bava virou
John M. Old.
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Seguindo a evolução da década, assassinos mascarados tornaram-se
zumbis e canibais em filmes como Zombie de Lucio Fulci e Cannibal
Holocaust de Ruggero Deodato, enquanto o filho de Mario Bava,
Lamberto, contribuiu com sua própria casa de horrorres, Demons in
1980.
Nessa altura, o cinema de horror gótico, que existiu no início dos anos
60, há muito havia desaparecido. Considerando que alguns gêneros
prosperam sobre a familiaridade de suas tramas e seus personagens
(como no Western, por exemplo), o horror se apóia em surpresas, e a
familiaridade tende a quebrar a tensão. Mas graças ao advento do
vídeo, a maioria desses filmes está agora disponível novamente.
Infelizmente, a maioria das cópias está em péssimas condições,
fazendo do ato de assisti-los uma verdadeira prova de fé.
http://www.imagesjournal.com/issue05/infocus.htm
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