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Com raríssimas exceções, a queixa mais freqüente e justa daqueles que trabalham com
educação municipal no país inteiro se refere a salários e condições de trabalho. De um modo
geral, ganha-se mal, trabalha-se muito e em condições aquém das mínimas necessárias, faltam
funcionários, existem poucos recursos para capacitação e o modelo de gestão não valoriza,
nem reconhece ou incentiva a equipe. Por esses motivos, os pleitos do funcionalismo em
relação às essas duas dimensões – salários e condições de trabalho – são legítimos e devem ser
debatidos nos fóruns adequados.
Mas, o que fazer enquanto as demandas por melhorias substanciais nessas duas dimensões
não são atendidas? Como se comportar enquanto as coisas não melhoram? Vejamos a seguir a
carta de uma professora que trabalha na rede municipal e não vê mais possibilidade de
melhorias. A carta diz assim: “Já não agüento mais. Faz quase 10 anos que meu salário
praticamente estagnou. Trabalho numa escola que fica num bairro pobre, onde estudam
crianças sem estrutura familiar e os pais não estão nem aí para elas. A equipe está desfalcada,
a diretora é incompetente e a escola tem problemas de manutenção e segurança. Como é
possível trabalhar com empenho e satisfação? Admito que atualmente faço o mínimo
necessário. Mas, ainda assim acho que trabalho mais do que me paga esse salário ridículo”.
Com base nela, arrisco representar uma espécie de “engrenagem da infelicidade na
educação”, com as três condições necessárias para manter um contínuo mal-estar ligado ao
trabalho:
Essa professora me fez lembrar dos trabalhos do Dr. Viktor Frankl, psiquiatra vienense criador
da Logoterapia. Consta que ele, ao ouvir as queixas de pacientes que haviam perdido tudo na
guerra, lhes perguntava: “se está tudo tão ruim e sem sentido porque você não se mata?”
Essas duas condições – “ter compromissos com algo ou alguém no futuro” e “escolher
pensamentos eficazes” – certamente aumentariam os sentimentos de bem-estar da nossa
professora e a deixariam mais predisposta a adotar comportamentos altruístas, generosos e
cooperativos na escola. Esse fato encontra explicação nos trabalhos de vários estudiosos que
identificaram relação de causa-efeito entre sentimentos de bem-estar e comportamentos
solidários. Mas para o sociólogo canadense Jacques Godbout , o “paradigma da dádiva” inverte
essa relação (ou mantém com ela uma espécie de “hierarquia entrelaçada”). Ou seja, “atos
gratuitos”, sem espera de retribuição e que não sejam praticados porque se ganha alguma
coisa com eles, produzem prazer e colocam em funcionamento o “ciclo virtuoso da dádiva”
(dar, receber, retribuir). O trabalho do Dr. Godbout demonstra que nem tudo na sociedade
pós-moderna pode ser pensado dentro do “paradigma do mercado” (tudo é mercadoria e tem
um preço) ou do “paradigma do estado” (tudo é uma questão de direitos e obrigações).
Algumas coisas continuarão sendo feitas não pelo seu valor de uso ou valor de troca, mas pelo
seu “valor de vínculo”. Assim, nossa professora ao invés de se sentir “explorada” porque nutre
sentimentos afetuosos pelas crianças e não ganha nada com isso, poderia agir mais
espontaneamente em relação a elas, “sem esperar nada em troca”. Arrisco dizer que em
A questão toda então é saber o que a nossa professora poderia efetivamente fazer para
garantir os tão desejáveis sentimentos de satisfação pessoal independente das circunstâncias.
O esquema abaixo propõe o estabelecimento de uma relação entre “atitude mental”, “reação
diante da vida” e “estado interior”.
Um treinamento capaz de produzir uma mudança de perspectiva como essa teria um valor
inestimável já que formaria equipes “dispostas a se sentirem felizes independente das
circunstâncias” e, por conseguinte, mais abertas, criativas e comprometidas com o trabalho.
Alguns certamente identificarão nessa ou qualquer outra proposta uma visão manipuladora e
conformista. Para esses vale a pena relembrar a necessidade de “não perder a ternura jamais”
– particularmente nas questões que envolvem as crianças, os pais e a comunidade, mesmo
que se “endureça o jogo” na luta legítima por melhores salários e condições de trabalho.
Referências bibliográficas
Frankl, Viktor Emil, Em Busca de Sentido, 26ª edição, Petrópolis, Vozes, 2008.
Godbout, Jacques T. O Espírito da Dádiva. 1ª. edição, Rio de Janeiro, FGV, 1999.
Kushel, Gerald. Libertação Interior. 2ª. edição, São Paulo, Melhoramentos, 1982.