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discurso e resistência
Identidade
Negro, negrinho
Você é negro sim,
A primeira ofensa!
Eu era negro sem saber
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Curso de Formação para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileiras (CEAO/UFBA)
Módulo III – Literatura Afro-brasileira
Parte do poema Tocaia
o batuque
as lanças afiadas em dias de pedra-limo
dias de cisma
de pólvora que já tá pronta
e palavras que se reencontram para reportar
um futuro
sem algemas.
(CN 3, 1980, p.50)
Palavra Negro1
A palavra negro
tem sua história e segredo
veias do São Francisco
prantos do Amazonas
e um mistério Atlântico
A palavra negro
tem grito de estrelas ao longe
sons sob as retinas
de tambores que embalam as meninas
dos olhos
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Módulo III – Literatura Afro-brasileira
A palavra negro
tem chaga tem chega!
tem ondas fortesuaves nas praias do apego
nas praias do aconchego
A palavra negro
que muitos não gostam
tem gosto de sol que nasce
A palavra negro
tem sua história e segredo
sagrado desejo dos doces vôos da vida
o trágico entrelaçado
e a mágica d'alegria
A palavra negro
tem sua história e segredo
e a cura do medo
do nosso país
A palavra negro
tem o sumo
tem o solo
a raiz.
Retrato
O pára-brisa
Da minha cabeça
é bruma espessa
de carapinha
planta daninha
o nariz chato
é o retrato
em melanina
Negros matizes
são os meus pulsos
os meus impulsos,
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minhas raízes,
são cicatrizes
no meu viver..
(CN 5, 1982, p. 7)
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comigo. Eu sou o quê? Eu sou negra, mulher, mãe solteira,
empresária, filha, funcionária, militante. (...) Se eu não consigo
falar num conto, eu vou falar num poema. Se eu não consigo no
poema, eu escrevo uma novela. Se eu não consigo numa novela,
eu tento um romance. Se eu não conseguir em nada disso,
quem sabe uma história em quadrinhos resolva? São os meus
instrumentos. A literatura é o meu instrumento. Se eu conseguir
me comunicar enchendo o papel de vírgula, e o leitor entender 2 A escritora mineira
que eu estou falando do lugar onde o Brasil se instala, da Conceição Evaristo
miserabilidade em que a população negra se encontra, se eu também é
conseguir falar com vírgulas, eu vou encher o papel de vírgula romancista, seu livro
Ponciá Vicêncio
(Alves, apud Martins, 2002, p. 220). publicado em 2003,
teve boa acolhida de
crítica e de público. O
livro foi incluído nas
Inserida neste universo, marcado pela violação dos direitos mais listas de diversos
básicos, o anseio da mulher é ser ouvida e ser aceita em sua vestibulares de
universidades
subjetividade, como sinaliza o poema de Conceição Evaristo2: brasileiras e vem
sendo objeto de
artigos e dissertações
Eu-mulher acadêmicas. Em
2007 foi traduzido
para inglês e
Uma gota de leite publicado nos
me escorre entre os seios. Estados Unidos pela
Uma mancha de sangue Host Publications.
me enfeita entre as pernas.
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.
Eu-mulher em rios vermelhos
inauguro a vida.
Em baixa voz
Violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo.
Antes- agora – o que há de vir.
Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo
do mundo.
(CN 13, 1990, p.30)
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Uma das questões mais importantes sinalizadas no âmbito da poesia
feminina negra é a condição de ser sujeito e não mais objeto no plano
do texto e da vida. Nesta perspectiva, a mulher negra avança como
sujeito de sua história e de seu tempo, ao conscientizar-se de seu
lugar no mundo, reverberando em um mergulho no protesto em
relação ao papel histórico legado às mulheres, como dispara
poeticamente Cristiane Sobral:
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(quando este espaço ainda era pouco discutido e invisibilizado pelo
Estado e pela sociedade), surpreendentemente seu livro foi um
sucesso editorial em 1960 e traduzido em 13 idiomas.
Na escavação de sua interioridade por meio da forma do diário,
Carolina relata seu cotidiano marcado pela falta de condições de uma
vida cidadã digna. A escrita íntima de Carolina expõe as mazelas desse
mundo, como no trecho em que seu filho passa mal por ter comido
uma melancia podre, o episódio a motiva no plano das confissões a
denunciar os comerciantes que jogavam lixo na favela e terminava
sendo recolhido pelos moradores: “19 de setembro – Na minha
opinião os atacadistas estão se divertindo com o povo igual aos Cezar
do passado. Antes o povo era perseguido pela fé. E nós, pela fome”
(Jesus, 1995, p. 42).
A elasticidade estética do diário de receber as mais diversas
anotações permite que a autora expresse sua opinião quanto aos
acontecimentos históricos do país, particularmente aquele que a toca
mais diretamente:
“Vozes-mulheres”:
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Por dia, durante uma semana, chegavam de trinta a cinqüenta
mudanças, do pessoal que trazia no rosto e nos móveis as marcas das
enchentes. Estiveram alojados no estádio de futebol Mano Filho e
vinham em caminhões estaduais cantando: Cidade Maravilhosa cheia
de encantos mil...
Em seguida, moradores de várias favelas e da Baixada Fluminense
chegavam para habitar o novo bairro, formado por casinhas fileiradas
brancas, rosas e azuis. Do outro lado do braço esquerdo do rio,
construíram Os Apês, conjunto de prédios de apartamentos de um e
dois quartos, alguns com vinte e outros com quarenta apartamentos,
mas todos com cinco andares (Lins, 2000, p.7-8).
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A relação básica do rap com a
literatura é a transposição dos
personagens musicados em
B-girls, dançarinas de
break, um dos personagens de ficção, que
elementos do Hip Hop ganham uma textualidade
http://deco-
01.slide.com/r/1/0/dl/mJQ- política e ideológica,
Ecvf6T9SqBL1jvL2l3I4SWFDj5
GK/zoomer.fpg
anteriormente difundida nas
letras do rap, como se pode
observar no rap “Diário de um detento” de Mano Brown, que
tematiza o massacre do Carandiru em 1992, a composição se baseou
nos diários escritos pelo detento Jocenir, que após sua libertação teve
o livro publicado.
É na letra do rap que se imbrica a experiência pessoal do preso,
traduzidos pelos versos da música que anunciam o horror do dia
anterior ao massacre do Carandiru, ao mesmo tempo em que
denuncia o silenciamento do sistema e dos meios midiáticos em
relação ao universo subjetivo do presidiário:
...........................
É pra você ouvir, eu vou lhe repetir
Quero a parte que me cabe, quero a parte que me cabe
Criaram novos termos, camuflando o preconceito
Fingindo encobrindo, o desastre que causou
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Referências
ALVES, Miriam. "Pedaços de Mulher", Entrevista de 1995. Apud Leda Maria Martins
Arabescos do Corpo Feminino, In: Gênero e Representação na Literatura Brasileira. Belo
Horizonte: Editora da UFMG, 2002.
Cadernos Negros 1. São Paulo: Edição dos autores, 1978.
Cadernos Negros 3. São Paulo: Edição dos autores, 1980.
Cadernos Negros 5. São Paulo: Edição dos autores, 1982.
Cadernos Negros 8. São Paulo: Edição dos autores, 1985.
Cadernos Negros 10. São Paulo: Edição dos autores, 1987.
Cadernos Negros 13. São Paulo: Edição dos autores, 1990.
Cadernos Negros 23. São Paulo: Edição dos autores, 2000.
CARRIL, Lourdes. Quilombo, favela e periferia: a longa busca da cidadania. Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, Universidade de São Paulo, 2003. (Tese,
Doutorado em Geografia Humana)
CUTI, Luís da Silva. “Palavra negro”. Disponível em http://www.cuti.com.br/poesia2.htm
Acesso em 18 de junho de 2010.
FERRÉZ (Org.). Literatura marginal: talentos da escrita periférica. Rio de Janeiro: Agir,
2005.
GOMES, Heloísa Toller. “’Visíveis e invisíveis grades’: vozes de mulheres na escrita
afrodescendente contemporânea”. Disponível em
http://www.letras.ufmg.br/literafro/artigoheloisa.pdf Acesso em 18 de junho de 2010.
LINS, Paulo. Cidade de Deus. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
MACA, Nelson. “Algumas reflexões sobre hip hop e baianidades”. Revista Palmares. Ano 1,
n2, dez de 2005.
Nascimento, Abdias do. “Sobre os cadernos negros” Disponível em
http://www.quilombhoje.com.br/sobrecadernos/orelhaabdias.htm . Acesso em 25 de
maio de 2010.
SILVA, José Carlos Gomes da. “Carolina Maria de Jesus e os discursos da negritude:
literatura afro-brasileira, jornais negros e vozes marginalizadas”. História & Perspectivas,
Uberlândia (39): 59-88, jul.dez.2008.
ZENI, Bruno. “Negro drama do rap: entre a lei do cão e a lei da selva”. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000100020 .
Acesso em 22 de junho de 2010.
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Módulo III – Literatura Afro-brasileira
Leitura básica:
SILVA, José Carlos Gomes da. “Carolina Maria de Jesus e os discursos da negritude”.
Disponível em: www.historiaperspectivas.inhis.ufu.br/include/getdoc.php
Sobre a Autora
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