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A MUDANÇA SOCIAL NA SOCIOLOGIA CLÁSSICA – Fernando Kleiman

Introdução

O debate que aqui se pretende tratar gira em torno da questão da mudança social na
abordagem de três dos principais autores da sociologia clássica, a saber, Emile Durkheim,
Max Weber e Karl Marx. A questão se coloca enquanto um debate devido às metodologias
construídas por cada um deles para o tratamento daquilo que definimos aqui como objeto
sociológico. Em termos gerais, a própria definição do objeto não coincide nas diferentes
visões. Somente à título de exemplo, passemos rapidamente pelas definições dadas por cada
um. Durkheim coloca como objeto da sociologia o fato social.

“Fato social é toda maneira de atuar, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o individuo
uma coerção exterior; ou ainda, que é geral na extensão de uma dada sociedade,
conservando uma existência própria, independete de suas manifestações individuais”
(DURKHEIM, 1998: 51)

Assim sendo, um fato social se define por ser um elemento presente na sociedade mas que é
exterior e coercitivo aos indivíduos que a compõem. Acontece independente da decisão de
cada um isoladamente.

Já para Max Weber, objeto da sociologia são os elementos típicos das relações que se
estabelecem entre os indivíduos, as concatenações de suas ações e que são efetivamente os
dados a serem analisados. Diferentemente de Durkheim, que observa elementos do
coletivo, Weber olha os indivíduos e constrói, a partir de suas relações, os tipos ideais que
são, primordialmente, os meios que o sociólogo usa para conhecer a realidade.
Reconhecidamente, será sempre uma visão unilateral que confrontada com a realidade
permite compreendê-la, assumindo assim uma função heurística.

“Uma ciência empírica não pode ensinar a ninguém o que deve fazer” (Weber, 1998: 85)

“A validade objetiva de todo saber empírico baseia-se única e exclusivamente na ordenação


da realidade dada segundo categorias que são subjetivas, no sentido específico de
representarem o pressuposto do nosso conhecimento e de associarem, ao pressuposto de
que é valiosa, aquela verdade que só o conhecimento empírico nos pode proporcionar”
(WEBER, 1998: 135)

Difere disso aquilo que define Marx, para quem

“os filósofos só interpretaram o mundo; trata-se agora de o mudar” (Marx, 1965)

Mais que mera provocação, acima de preocupações cientificas, por mais rigorosa e rica que
sua obra seja, Marx não está preocupado com a definição propriamente sociológica da
mesma. Debate longo que corre no meio daqueles que se intitulam marxistas, jamais o autor
separou seu trabalho entre as áreas de conhecimento. O objeto da ciência, a Ciência do
Homem, é a própria vida humana e a história de sua produção e reprodução. A
fragmentação desta nos diversos ramos, da filosofia à administração cientifica, apenas se
justifica como forma de esconder a ideologia que se encontra por de trás da palavra do
especialista, ideologia essa que serve à dominação de uma classe sobre outra.

Mesmo defendendo que o fundamento da matéria humana seja seu modo de produção,
leitura usualmente feita de sua obra, na raiz dessa leitura, determinada pela forma que se dá
o seu desenvolvimento, encontram-se assim as classes sociais. Inexiste na obra de Marx o
individuo, pois qualquer exemplar deste será sempre um representante da classe a qual
pertence, defende ou nega. O fundamento de sua ciência, que assim não chamarei de
sociologia, são as relações as quais estabelecem os grupos sociais, onde presente está
sempre o sujeito, que é coletivo.

O exemplo dado da definição de objeto em cada um dos autores tratados apenas introduz o
meio no qual discutiremos a mudança social. A riqueza desse debate poderá ser a de
encontrar, também, as convergências entre esses mesmos autores e poder aprofundar nas
diversas perspectivas sociológicas da questão.

Voltando ao tema, temos o termo mudança social, em si, como um conceito cujo
entendimento pode nos servir como primeiro passo para o trabalho. Em primeiro lugar
existe o social; em segundo um social que é transitório, ou ao menos, que tem possibilidade
de transição, pois mudou e pode mudar. Mas que é, nesse contexto, o social? Marx e
Durkheim, pautados por uma visão da sociedade como coletivo que existe para além do
individuo (para além da vontade dele, apesar de formada por ele), podem colocar o social
como um conjunto de relações as quais seguem o coletivo que aqui se define como
sociedade ou grupo social. O social é assim conjunto, que não mera junção das partes, e
possui também, em alguma medida, permanência, pois esse todo tem regras que são
reproduzidas e vão além do momento instantâneo da analise. Diferença entre os dois irá
aparecer na definição de quais são as características desse todo, mas isso podemos deixar
para desenvolver, com maior propriedade, mais a frente.

Um outro ponto de vista irá desenvolver Max Weber na definição do social. Para ele o social
é sempre instável, sempre momentâneo e dá ao cientista apenas algumas pistas de sua
forma, que este pode captar através de tipos ideais.

“a história das ciências da vida social é, e continuará a ser, uma alternância constante entre
a tentativa de ordenar teoricamente os fatos mediante uma construção de conceitos e a
composição dos quadros mentais assim obtidos, devido a uma ampliação e a um
deslocamento do horizonte científico, e à construção de novos conceitos sobre a base assim
modificada” (WEBER, 1998: 131)

Ao invés de regras, temos os indivíduos como uma constelação de relações, e o conjunto


formado não é de indivíduos, mas dessas relações que estes estabelecem entre si. Essa é
para Weber uma especificidade tratada nas ciências da cultura, entre elas a sociologia: são
sempre mutáveis de acordo com a realidade histórica, o que permite ao seu método ter uma
sempre maior profundidade na compreensão das relações analisadas, mas com uma menor
previsibilidade em termos do todo do corpo social.

Ou seja, temos até aqui um conjunto de diferenças que já apresenta a complexidade da


questão. Os pontos centrais, chaves, para compreensão e analise da mesma podem começar
o seu desenvolvimento por inteiro, que é o que faremos a seguir para cada um dos autores.

A mudança social por Emile Durkheim

A partir da definição do fato social como um fato que ocorre independente da vontade dos
indivíduos, Durkheim aponta a perspectiva de sempre, em analise, encontrar o típico do
conjunto, não necessariamente do individuo. Complemento a esse processo de formação de
seus conceitos vem o método que pode ser nomeado como Histórico-Comparativo.
Fundamento central desse método é encontrar no passado, nas formações passadas de
determinados agrupamentos sociais, elementos que possam ser usados para explicar fatos
do presente. A proposta é encontrar formas onde tenhamos fatos sociais que possam ser
comparados e que dessa comparação possamos encontrar explicações sociológicas.

Em nosso caso, para encontrar elementos a respeito da mudança social, principalmente nas
obras “A divisão do Trabalho Social” (Durkheim, 1982) e “O suicídio” (Durkheim, 1982),
vamos atrás de conceitos que nos permitam definir sociedades, conceitos esses que as
tornem comparáveis entre si. Pela trajetória que o autor opta para a formação desses
conceitos, temos a questão da moralidade como seu elemento fundante. Dele derivamos a
idéia de sociedades superiores, mais modernas, com características que explicitaremos a
seguir, e sociedades primitivas que, como iremos também definir, permitem explicitar
aspectos das primeiras que aqui se apresentam em estado menos desenvolvido. As
sociedades primitivas são definidas como agrupamentos nos quais existe uma maior
homogeneidade entre os indivíduos. Vivendo com tarefas simples, como exemplo podemos
pensar em sociedade tribais, existe uma maior consciência coletiva, e os códigos de
convivência, o direito, tem função apenas repressiva, visando a manutenção da ordem.
Dentro de sua obra “O Suicídio”, Durkheim constata a ocorrência deste como um fato social
e o categoriza. Para as sociedades primitivas, em função de um alto grau de negação das
individualidades e uma maior coesão social, ocorre mais aquele que o autor chamará de
altruísta, feito em nome do grupo. Tendo o conceito de solidariedade como o sumo principal
que dá coesão aos grupos sociais, temos a nomeação dessa coesão como Solidariedade
Mecânica, pois se repete quase estaticamente, pautado sempre pela tradição.

Com o desenvolvimento da divisão do trabalho, e a sua maior ocorrencia nos grupos sociais
em analise, teremos uma maior diferenciação dos indivíduos e suas tarefas. Ao mesmo
tempo que aumenta a variedade dos trabalhos e produtos, aumenta também a
interdependência entre aqueles que os realizam. Dessa forma, Durkheim aponta que com o
desenvolvimento da sociedade, com o aprofundamento dessas diferenciações e dessa
dependência, temos também uma mudança moral na coesão interna daquele grupo social.
Não mais pautado por relações da Solidariedade Mecanicamente, a dependência entre os
indivíduos, à imagem e semelhança de um organismo vivo, será mais funcional. Estas
funções, assemelhadas a órgãos fisiológicos, dão nome a nova moralidade estabelecida, a
chamada Solidariedade Orgânica.

O radical aprofundamento dessa individuação, que ocorre com o advento da divisão do


trabalho, abre possibilidades para a desintegração social. O autor aponta essa radicalização
como a possibilidade de a sociedade atingir estados de anomia social, no qual a lei e a ordem
passam a ser motivos constantes de contestação. O próprio Estado, visto como um elemento
de manifestação das decisões do bem comum e de garantia da liberdade, torna-se
contestável quando atingindo determinados graus de desagregação social. Esse poderia ser
um motivo para ruptura da organização do grupo e o fim dos vínculos até ali estabelecidos.
Mas diferentemente desse caminho, ao olhar o desenvolvimento do capitalismo na Europa,
na transição do século XIX para o XX, Durkheim encontra elementos que o permitem
introduzir em sua elaboração uma possibilidade de esperança. Junto à divisão e
especialização do trabalho, está surgindo na Europa, nesse mesmo período, um conjunto de
organizações classistas dos trabalhadores, as chamadas corporações profissionais. Com seu
enfoque centrado nas formas de desenvolvimento da moralidade dos grupos sociais, serão
essas corporações uma forma de mediação moral das diferenciações e da conseqüente
desagregação social em curso. Dessa forma, existe a possibilidade da recomposição do papel
do Estado, que terá nos grupos secundários, das categorias profissionais, podendo essas
formar partidos, o canal de comunicação que pode restabelecer a agregação almejada.
Acima de transformar pela ruptura, Durkheim aponta assim um futuro definido pela
manutenção da estrutura, apenas com sua coesão interna dada por novas formas de
organização, representação, em síntese, pela formação de novas instituições.

Indivíduos na mudança social por Max Weber

Apesar do período no qual Weber desenvolve sua obra ser muito semelhante,
temporalmente, ao de Emile Durkheim, as diferenças nas abordagens desenvolvidas por
cada autor são marcantes. Começando pelos elementos já apontados, não é apenas a
existência do individuo que se apresenta na obra de Weber, mas o individuo efetivamente
como centro da analise. A idéia de se ter como objeto a relação entre os indivíduos coloca na
verdade o individuo como a única coisa que de fato existe, daí sua importância louvada.

Será partindo dessa premissa que o autor pensará a formação do social e sua possibilidade
de transformação. Mas, e essa ressalva aqui se faz valida, assim como Durkheim, Weber
também conceberá que a transformação é um dado do passado, o que justifica seu estudo.
Mais a frente veremos que dessa premissa será apontado um futuro com caminhos no qual
ela não se apresente mais como necessária, ou mesmo seja desejada pelos indivíduos. Nós
chegaremos lá.
Na temática das ciências das culturas, ao discutir as formações sociais pelo método
compreensivo, Weber definirá tipos ideais para diferentes categorias de relação entre os
indivíduos. Uma categoria fundamental para a discussão da transformação é a categoria da
Ação Social. São diversas as motivações, as intenções, que um individuo tem ao agir. O autor
propõe sua classificação em categorias, sendo elas a ação tradicional, a ação afetiva, a ação
racional relativa a valores e a ação racional relativa a fins. A tradicional, como o próprio
nome diz, é aquele tipo de ação que se baseia no costume, naquilo que sempre se fez e
muitas vezes não se pergunta nem porque, apenas se faz. Sociedades nas quais os ritos
religiosos encontram-se mais presentes, nas quais os elementos mágicos aparecem mais,
costumam preponderar em seus indivíduos ações tradicionais. As ações afetivas são aquelas
cuja motivação são emoções e sentimentos, nada mais humano e presente. As racionais
relativas a valores são ações nas quais os indivíduos se importam menos com os resultados
obtidos pela sua realização, e mais com os meios pelos quais as executam, de forma a
estarem de acordo com determinados valores. Por fim, as ações racionais relativas a fins,
pela definição, visam atingir objetivos e relevam para segundo plano os meios pelos quais
serão realizadas. Como podemos perceber da simples descrição, dificilmente uma ação se
enquadra apenas em um tipo, ou mesmo alguma ação serve de exemplo como perfeição e
consistência daquela descrição dada. São esses tipos ideais.

Desses conceitos podemos trabalhar com a visão de sociedades e buscar localizar nelas os
comportamentos dos indivíduos segundo os tipos estabelecidos. Exercício interessante
levado a cabo por Weber permite construir tipos de sociedades que podem ser comparados
entre si. Colocados em termos temporais, feitas as comparações, é possível localizar nas
sociedades em questão processos de transformação. Daí a noção em Weber de mudança
social.

Especificamente a respeito da sociedade capitalista moderna, ou apenas sociedade


moderna, Weber percebe alguns elementos que a diferencia daquilo que ele chamara de
sociedade tradicional. Enquanto nestas prevalece a magia e o costume, ou seja, o
comportamento irracional, naquelas é a racionalidade, inclusive burocrática, o seu
fundamento maior. Ou seja, existem diferentes racionalidades colocadas para diferentes
estados das sociedades em analise. Existe mudança. Existe um processo de racionalização.
Para Weber esse será o ponto central ao tratar da discussão de mudança social, a idéia de
que na passagem das sociedades tradicionais para a sociedade moderna, os indivíduos
adotam comportamentos cada vez mais racionalizados e isso se mostra, se apresenta, na
forma do seu agir.

Para explicar esse processo o autor recorrera aos fatos históricos visando dar luz aos marcos
que permitem os indivíduos superarem o tradicionalismo e desenolver suas capacidades
racionais. Essa localização para Weber encontra-se marcada na Reforma Protestante,
momento no qual através dos valores da vocação e da acese, da ênfase moral e secular ao
trabalho profano por parte da igreja, temos uma radical mudança na ética pela qual opera,
age, todo um conjunto de indivíduos que compõem uma sociedade. Temos uma mudança
social.

Não que exista a negação de que outros elementos fazem-se importante nesse processo,
mas para Weber nenhum deles é maior que o desenvolvimento da contabilidade de capital,
do estabelecimento da empresa racional, junto ao elemento do trabalho livre, com a benção
dos valores da Igreja, ali em transformação. Esse novo estado de comportamentos exigirá
um outro elemento para sua analise, os tipos de dominação. Como uma derivação direta do
próprio conceito de ação, a dominação coloca-se exatamente como as determinações das
ações que se colocam para o individuo, para alem da própria vontade dele. A dominação
tradicional é aquela que corresponde a ação tradicional, imposta, mesmo sem consciência. A
dominação carismática corresponde às lideranças que convencem e mantém a dominação
sobre outros indivíduos pelas possibilidades e confiança que justa ou injustamente carregam
consigo. A dominação legal-burocrático-racional é exatamente aquela que se impõe pela
racionalidade. Mais que situações concretas, as dominações podem também misturar-se
entre os tipos, ocorrendo apenas que deva prevalecer determinados tipos em uma
sociedade mais que em outra. Isso ocorre um nosso exemplo com a questão do Estado. Na
passagem da sociedade tradicional para a moderna temos o fortalecimento do Estado como
elemento estruturante da nova sociedade e suas profecias racionais. A própria democracia,
enquanto forma de governo, aparece para Weber como um sistema de dominação que
legitima inclusive o papel do Estado no uso legitimo de seu monopólio da violência. Dessa
forma, pela dominação racional-legal-burocratica temos a manutenção de uma ordem social
que pode assim ser estabilizada, de acordo com as decisões racionais de seus indivíduos.

Ocorre que, mesmo com tamanha racionalidade institucionalizada, e que numa linha
evolutiva do pensamento poderia apontar para a solução das questões sociais pela sua total
racionalização, do contrário, Weber assume a existência de conflitos e divergências as quais
a racionalidade do aparelho de Estado, sua dominação e reprodução, é simplesmente
incapaz de captar. É por esse motivo que o sociólogo irá apontar a necessidade de se
humanizar as decisões de Estado pelo exercício da política, apontando inclusive a
necessidade que políticos, formados no parlamento, devam governar (não apenas a
burocracia estatal).

Ressaltamos assim que, da mesma forma que Durkheim, Weber constrói um sistema de
relações que explicam, permitem compreender a sociedade moderna, que mesmo com suas
instabilidades, aponta para uma possibilidade de futuro de seu desenvolvimento feita pela
continuidade e manutenção do estado das relações até ali estabelecidas. Mais que isso,
aponta o fato que a ruptura para um Estado mais centralizador ou mais ausente, ou
qualquer outra organização social, poderá ser muito mais custosa para seus indivíduos em
termos de satisfação e liberdade que o Estado de coisas atuais, apenas melhor adaptado e
desenvolvido. Isso porque, com a especialização e o desenvolvimento tecnológico,
racionalizados e aplicados conscientemente à produção, as relações de trabalho ganham
uma maior fluidez, gerando dificuldades para que em situação de mudança possa se pensar
em representação de interesses por categorias profissionais ou mesmo classes sociais com
interesses coletivos claramente definidos. Assim, mesmo com seus problemas que precisam
ser resolvidos, Weber aponta a necessidade de manutenção do Capitalismo Moderno como
melhor sistema para o bem viver, colocando novas mudanças, para além daquela que criou
esse capitalismo, como desnecessárias.

A ruptura em Karl Marx

Diferente de tudo até aqui trabalhado, e já explicitado no inicio do trabalho, o pressuposto


do qual partirá Karl Marx é a necessidade de transformação do mundo. Seguindo e
rompendo, ao mesmo tempo, a tradição alemã do Hegelianismo, Marx buscará explicitar os
totais da sociedade capitalista (reprodução adaptada de Hegel) de forma a denunciar as
estruturas e abrir brechas para sua transformação (ruptura).

Escrevendo em período anterior aos autores até aqui trabalhados dado Marx não cruza a
fronteira dos séculos, este irá desenvolver formas de explicar categorias mais complexas de
sociedade a partir das mais simples. Seu paradigma, assim como Durkheim, será o
paradigma coletivista mas com um tom mais processual, apontam possibilidades no
presente a partir do constatado no passado. Para Marx são as condições de vida que
determinam o pensamento e a condição dos indivíduos, como dito anteriormente, sempre
tratados enquanto categorias representantes de coletivos, classes sociais. O sistema
capitalista tem em sua estrutura principal duas classes que se determinam por relações de
propriedade. Mais uma vez, o concreto pensado existe a partir das relações reais. Os
possuidores de capital, entendido esse como propriedade com possibilidades produtivas em
geral, são os integrantes da classe dos capitalistas. Os demais, possuidores apenas de uma
mercadoria para venda, sua própria força de trabalho, são componentes da classe operária.
Essa situação é explicada por um processo que forma a sociedade atual (para ele ao final do
século XIX, e que merece discussão pelas semelhanças que ainda hoje apresentam em inicio
do século XXI). Toda nova organização social surge, é parida, da prenhe sociedade anterior.
Sociedades não se formam do espaço mas da reorganização de sociedades anteriores,
através de violentas rupturas. Esses conceitos Marx busca na história, fato que não teremos
espaço para desenvolver no escopo desse trabalho.

Assim sendo, a sociedade capitalista atual originou-se da sociedade feudal, que por sua vez
teve origens em outra sociedade, que sucessivamente nos levam à origens de nossas
sociedades comunais. Como o próprio Marx ressalta na introdução de “O Capital”, o
individuo isolado é uma ficção econômica, historicamente não comprovável. Característica
material da sociedade feudal era a dispersão da propriedade pelos senhores feudais, e a
possibilidade de subsistência através da produção para o auto-consumo pelos vassalos nos
campos da Europa. Será o processo de expropriação desses pequenos agricultores, violento
e levado a cabo por empreendedores pré-capitalistas, que será chamado de acumulação
primitiva de capital. Esse processo formará os dois tipos de possuidores de mercadorias
citados acima e que se apresentam como necessários para o desenvolvimento das relações
capitalistas de produção. A Reforma Protestante ressaltada por Weber como elemento
central terá aqui sua importância apenas em termos concretos quando se deu, através dela,
a expropriação dos bens da igreja, que correspondiam na época a um terço das terras da
Europa. Assim esse processo leva a possibilidade de instituição de um novo conjunto de
relações para a produção e reprodução da vida humana, processo que é diferente do
anterior: naquele, a exclusão de parte da população de determinados privilégios se
justificava em termos de nascimento e família; neste teremos a naturalização de processo
semelhante mas dado pelas posses acumuladas em termos de capital.

Elemento fundamental do sistema capitalista na ótica de Karl Marx é a mercadoria. Essa se


define por uma identidade central que a categoriza: em termos de consumo toda
mercadoria possui valor de uso; em termos de mercado, valor de troca. Toda mercadoria
assim é útil, alguém a deseja, e tem valor, pode ser intercambiada por outras mercadorias.
Acontece que algumas mercadorias possuem características particulares. Uma delas é a
moeda que tem seu valor de uso expresso pelo seu valor de troca pois se torna relativo
universal e unidade de valor das relação das outras mercadorias (é excluída do mundo das
mercadorias). Outra mercadoria fundamental será a força de trabalho. Como toda
mercadoria a força de trabalho possui um valor de troca, seu preço, o salário, e um valor de
uso, a produção de mais valor. Dessa forma essa mercadoria consegue apresentar uma
contradição fundamental: pode ser comprada por um valor e ser capaz de produzir (valer)
mais valor que o pago inicialmente. Sem desenvolver mais a fundo, é dessa contradição que
Marx irá desenvolver o seu conceito de mais-valia.

Com a generalização das relações mercantis como meio de sobrevivência humana,


generaliza-se a necessidade de se vender e comprar mercadorias. É pela violência que uma
classe será formada, a classe dos possuidores de terras e capitais na Europa, uma classe pré-
capitalista. Para tanto, através de dados concretos citados na obra do autor comprovando os
fatos, trabalhadores são expulsos de suas terras e agora rondam a Europa em busca
trabalho. Resumidamente, em pouco tempo um grande contingente de pessoas que antes
tiravam seu viver da terra será obrigado, inclusive com legislações, a viver da venda da única
mercadoria que possuem, sua força de trabalho. Desse processo, onde a compra pelos
capitalistas dessa mercadoria, que lhes custa menos do que gera, teremos a formação dos
lucros e da acumulação capitalista do valor produzido por muitos nas mãos de poucos. O
Estado coloca-se, historicamente, como parceiro dessa acumulação. Serve como
instrumento de classe e permite que essa forma de exploração do trabalho e de
maximização dos lucros nas grandes potências industriais encontre seus financiamentos no
sistema financeiro criado, então, com a participação intensa, e interessada, do próprio
Estado.

Enfim, Marx aponta que a sociedade atual tem claras relações que reproduzem as
desigualdades e injustiças e que esse mecanismo velado, se for denunciado, permitirá mais
uma ruptura radical na historia humana. Da mesma forma que a sociedade feudal possuía os
elementos que, detonados pelos cercamentos, a permitiram parir a nova sociedade
capitalista, essa por sua vez é que agora encontra-se prenhe da sociedade comunista que
será nascida da luta dos trabalhadores. Diferentemente do ocorrido naquele processo onde
muitos foram expropriados, através da violência, por poucos, dessa vez serão poucos os
expropriados por muitos. Com a socialização dos meios de produção entre todos os
trabalhadores unidos, então organizado como classe, o Estado, que é instrumento de
dominação não mais se fará necessário e poderá ser desenvolvida a própria individualidade,
não mais limitada pelo trabalho alienado. Assim faz-se necessária a luta pelos interesses dos
trabalhadores e isso se dá na organização desses em partidos. Dessa forma Marx aponta que
será a ação política dos trabalhadores organizados, a qual se determina pela condição
econômica dos mesmos que é a sua ausência de propriedade, o elemento constituidor de
sua identidade enquanto classe, fundamento de sua necessidade de transformação social,
sua necessidade de ruptura.

Dessa forma, diferente dos outros dois autores que trabalhavam sempre na perspectiva de
explicar e compreender a ordem e encontrar nela elementos de melhoria das condições
sociais, Marx trabalhará a explicitação das condições sociais vigentes apontando sempre a
sua ruptura como uma necessidade histórica. Dessa forma, mais que explicação ou
compreensão, a ciência desenvolvida por este autor se apresenta como facilitadora da
desalienação de uma classe que este vê como formada para transformar as relações sociais
de produção. Uma classe que tem a necessidade de revolução.

A mudança social como elemento sociológico

Das diversas visões aqui desenvolvidas fica claro ao menos um elemento: diferentes
métodos, com diferentes conceitos, apontam para diferentes conclusões. Por mais lógica e
obvia que se possa considerar essa idéia, para a nossa finalidade de compreender quais as
diferentes visões que temos para o tema da mudança social dentro da chamada sociologia
clássica, essa idéia pode ser relevante: as visões sobre o tema não é unívoca. Além disso,
esse elemento também traz consigo uma nova pergunta, a de se saber quais as
conseqüências dessas diferentes visões, em termos do trabalho cientifico e do próprio lugar
da sociologia na sociedade.

Na perspectiva desenvolvida por Weber e Durkheim, o sociólogo busca o entendimento, a


explicação de determinados fenômenos e deve eximir-se de emitir um julgamento, apenas
concluir em cima daquilo que pesquisa, sem maiores vinculações. Dessa forma busca-se um
hermetismo do cientista que se coloca como que de fora do problema com o qual trabalha e
busca compreender.
“Ao menos que se outorgue ao senso comum, em Sociologia, uma autoridade que, há
tempo, já perdeu nas demais ciências – e não se compreende de onde poderia provir tal
autoridade – é preciso que o estudioso se resolva a não se deixar intimidar pelo resultado de
suas investigações, se estas foram feitas metodicamente. Se procurar o paradoxo é próprio
do sofista, evitá-lo, quando imposto pelos fatos, é próprio dos espíritos fracos, ou sem fé na
ciência” (DURKHEIM, 1998: 29)

ou

“Uma ciência empírica não pode ensinar a ninguém o que deve fazer; só lhe é dado – em
certas circunstâncias – o que quer fazer. (…) Somente a partir do pressuposto de fé em
valores tem sentido a intenção de defender certos valores publicamente. Porém emitir um
juízo sobre a validade de tais valores é assunto da fé, e talvez também seja tarefa de uma
consideração e interpretação especulativa da vida e do mundo, no tocante ao seu sentido,
mas, certamente, não é tarefa de uma ciência empírica, no sentido como nós entendemos”
(WEBER, 1998: 86)

Marx, do contrário, jamais diria que seu objetivo é compreender a sociedade, mas sim
buscar desvelar os mecanismos de manutenção da mesma, que não é apenas sociedade, em
abstrato, mas sim a sociedade burguesa organizada pelo modo de produção capitalista. Mais
que isso, não existe possibilidade que na obra deste autor se entenda que alguém, quer
cientista quer qualquer com outra função social, se coloque como de fora para analisar o
contexto onde está inserido. Todos, sem exceção, são parte desse todo que se reproduz,
esse mesmo modo de produção, e dentro dele possuem alguma função, nem que seja a
função de não ter função. Somos todos, sempre, representantes de interesses e oriundos de
algum segmento social, somos assim sempre representantes de alguma classe. Dessa forma,
a posição de querer isentar-se de opinião para assumir uma posição de neutralidade nada
mais é que reafirmar sua posição de classe. Isso porque somente alguém que se encontre
vinculado aos interesses da sociedade dominante pode pensar em assumir uma posição de
neutralidade, pois já tem garantido o sucesso de seu próprio interesse, não tem porque
tomar uma posição. Tomar posição, nesse sentido, somente seria necessário para aqueles
que tem interesses feridos e intentam alterar o sentido natural das coisas. Tanto uma
posição, quanto a outra são, para Marx, tomadas de posição.

Não que Max Weber afirme em sua obra a posição da neutralidade como uma posição
factível, mas no mesmo sentido da construção dos tipos ideais, defende que esta deva ser
sempre almejada pelo pesquisador. Ou seja, mesmo não afirmando que ela ocorra, o que
concorda com a opinião marxista, discorda ao dizer que ela deva ser buscada. Numa leitura
materialista essa não é nada além que a defesa dos interesses da própria burguesia.
Mas para além dessa questão imediata, que tem seu conteúdo simbólico, da posição do
pesquisador, mais profunda é a divergência quanto as perspecitvas da possibilidade de
transformação da sociedade que estão apontadas na obra de cada um dos autores em
questão. Mesma convergência, tanto Durkheim quanto Weber colocam que, por mais
possível que seja pensar a mudança das relações colocadas para a sociedade atual, essa
mudança seria indesejável. Isso porque o estagio de desenvolvimento das relações na
sociedade moderna (Weber) ou superior (Durkheim) são vistos como ótimos para o todo da
sociedade, colocada a possibilidade de alguns aperfeiçoamentos. Para Durkheim resta
desenvolver o sistema de representação das categorias profissionais por um maior numero
de corporações. Para Weber, por nesta sociedade estar cada vez mais difusos os interesses
daquelas categorias, não adianta uma maior organização de representação das mesmas.
Deve-se sim, e essa é a perspectiva defendia pelo autor, desenvolver melhor os mecanismos
de funcionamento do Estado, com permanente controle pela sociedade através de
representação política. Aponta para um Estado melhor estabelecido com o advento do
Parlamentarismo.

Marx será o único autor que colocará o estado atual das relações sociais de produção como
insuficiente para o desenvolvimento do individuo. Denunciará mecanismos perversos que
atuam pela sua manutenção, entre eles a própria ciência burguesa. Dessa forma, o autor
levanta a necessidade de ruptura com as instituições atuais através da tomada do poder
pelo proletariado. Acima de tudo, Marx considera inviável qualquer reforma nesse sistema,
pois são todas elas incorporadas como meios melhores para a reprodução do capital. Do
contrario será o comunismo a sociedade onde sem a opressão do Estado e a subsunção ao
trabalho alienado, o Homem poderá realizar-se integralmente.

Assim, frente as diversas argumentações arroladas por todo o trabalho, a concepção de


mudança social tem importância dada por todos os autores clássicos tratados. Mesmo com
divergências, a organização dos indivíduos se coloca como uma criação dos próprios homens
e que pode por eles ser modificada. O tom desejável ou não da mesma se define pelo local
acertado pela sua obra dentro da ciência em desenvolvimento. Passado aproximadamente
um século da produção daquelas, muitas das mesmas questões permanecem vivas e em
pleno debate no seio da sociedade atual. Com seu tratamento específico no meio
acadêmico, mas também presentes nas discussões de outros espaços da sociedade, a
mudança social é uma questão e os argumentos desenvolvidos por estes autores ainda nos
auxiliam a buscar caminhos nas névoas das possibilidades para nossa sociedade. Tanto no
sentido de compreender como no de defender mudanças ou manutenções do estado das
relações atuais, o que esperamos que tenha ficado claro é que os argumentos ora
apresentados permanecem atuais.

BIBLIOGRAFIA

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