Você está na página 1de 15

XV Encontro Nacional de Geógrafos

“O espaço não pára. Por uma AGB em movimento”

Acumulação flexível e espaço urbano: Uma leitura sobre


Brasília

Silvia Silva Cavalcante Leite.


AGB-Distrito Federal.
Universidade de Brasília – UnB.
Mestrado em Geografia.
E-Mail: silviascl_gea@yahoo.com.br

Karla Christina Batista de França.


AGB-Distrito Federal.
Universidade de Brasília - UnB.
Mestrado em Geografia.
E-Mail: karlinhaspfc@yahoo.com.br

Resumo:
O modo de produção capitalista tem no espaço urbano uma das suas condições de
reprodução. O modelo atual de desenvolvimento capitalista se constitui a partir da
globalização, da acumulação flexível e da ideologia neoliberal. Sobre tais bases as
cidades assumem novos papéis, satisfatórios à acumulação de riquezas, concomitante ao
acirramento das desigualdades socioespaciais. Logo, busca-se neste artigo contribuir
para a reflexão sobre esses processos. Para isso, analisaremos a repercussão do modelo
de acumulação flexível e dos processos globais sobre o espaço urbano, para em seguida
analisarmos suas implicações na Capital federal, Brasília, e sobre o mercado de trabalho
e mão-de-obra local. Para viabilizar a análise, adota-se as seguintes etapas: revisão
teórico-conceitual, desenvolvida a partir de autores que discutem a questão urbana no
âmbito da globalização e da reestruturação do capitalismo e; análise bibliográfica e de
dados secundários sobre a cidade estudada.

Palavras-chaves: Acumulação flexível; espaço urbano; Brasília.

20 a 26 julho de 2008 / São Paulo - SP


XV Encontro Nacional de Geógrafos
“O espaço não pára. Por uma AGB em movimento”

Introdução

Pensar o espaço urbano diante das transformações em curso decorrentes do


modelo de acumulação flexível e do processo de globalização, concomitante ao
acirramento das desigualdades socioespaciais são questões essenciais para as pesquisas
em geografia, e acima de tudo para a sociedade. Na presente pesquisa, busca-se
contribuir para essa reflexão. Portanto, a pesquisa tem como objetivo analisar a
repercussão do modelo de acumulação flexível e dos processos globais sobre o espaço
urbano. Nessa perspectiva, adota-se como objeto empírico de análise a capital federal,
Brasília1.
Buscando orientar o estudo, foram delineados como questões de pesquisa as
seguintes: 1) Quais as configurações e papel das cidades para atender aos requisitos do
novo modelo de acumulação? 2) Como se configura a inserção de Brasília no modelo de
acumulação flexível? 3) Quais as implicações do modelo de acumulação flexível sobre
o mercado de trabalho e sobre a mão-de-obra local?
Na busca por responder tais questões, foram definidas as seguintes etapas:
revisão teórico-conceitual, desenvolvida a partir de autores que discutem a questão
urbana no âmbito da globalização e da reestruturação do capitalismo e; análise de dados
secundários sobre Brasília. Essa etapa se constituiu de análise de dados da
Codeplan/GDF (Companhia de Desenvolvimento do Planalto Central/Governo do
Distrito Federal) e do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos).
Na pesquisa, parte-se do pressuposto que o espaço é resultado e condicionante
dos processos socioeconômicos que atuam no território. Conscientes disso, as classes
dominantes se utilizam dele para a manutenção do status quo. É possível visualizar isso
nos diferentes períodos históricos de formação do espaço urbano, em que a existência e
o funcionamento de diferentes modelos de desenvolvimento econômico e político
dominaram o processo de formação do espaço.
Na atualidade, vemos a partir da emergência da acumulação flexível e da
globalização, que há uma tendência crescente de organização do espaço urbano tendo
como princípio a cidade voltada para negócios, como aponta Carlos (2005). Neste

1
Adota-se a definição de Brasília, enquanto “o somatório do centro da cidade, o Plano Piloto, com os
demais núcleos, originariamente denominados de ‘cidades-satélites’, considerando-se a capital federal
como uma ‘cidade polinucleada’” (PAVIANI, 2003, p. 31).

20 a 26 julho de 2008 / São Paulo - SP 2


XV Encontro Nacional de Geógrafos
“O espaço não pára. Por uma AGB em movimento”

cenário, o Brasil procura integrar as metrópoles nacionais. No entanto, nos países de


economia periférica, concomitante à consolidação das cidades como mercadoria,
observa-se a expansão dos espaços de pobreza e exclusão. Brasília, concebida e criada
com base no discurso da não-reprodução dos problemas típicos dos centros urbanos em
seu território, não conseguiu fugir a essa realidade. Problemas como segregação
socioespacial, periferização, desemprego e aumento da economia informal fazem parte
do seu cotidiano.
Por ser uma cidade eminentemente terciária, com estrutura produtiva pouco
expressiva, alta dependência do governo federal e das atividades da administração
pública, percebe-se que é a partir de tais características que a capital começa a se inserir
nos moldes da economia flexível. No entanto, tais processos tendem a concentrar-se no
centro, que oferece condições socioespaciais favoráveis à acumulação. Diante disso,
vêm à tona os questionamentos que norteiam a pesquisa, buscando entender as
configurações socioespaciais do atual processo econômico na capital federal e sua
repercussão sobre a população local, mais precisamente, através do mercado de
trabalho.

Capitalismo contemporâneo e reconfigurações do espaço urbano

No capitalismo, a produção de espaço tem se realizado como forma de


incrementar a acumulação do capital, sendo desconstruído e reconfigurado a fim de
abrir caminho para uma maior acumulação num estágio ulterior, como destaca Harvey
(2006, p. 81). Considerando que o espaço urbano assumiu importância ímpar no
conjunto social a partir da revolução industrial, tem-se desde então, uma apropriação da
forma urbana, e a transformação de suas funções e atributos em prol da racionalidade
estatal e econômica.
Ferreira (s/d) indica então, ser importante para a compreensão e análise da
dinâmica do espaço urbano (e de suas contradições), “identificar e reconhecer os
diferentes agentes sociais, bem como os seus interesses pelo espaço, como atuam e
quais são os resultados para a sociedade”. Nessa perspectiva, visualiza-se na base
material e na forma de produção político-econômica do espaço urbano um papel de
destaque na produção e reprodução das relações sociais, e nos processos sociais de
transformação.

20 a 26 julho de 2008 / São Paulo - SP 3


XV Encontro Nacional de Geógrafos
“O espaço não pára. Por uma AGB em movimento”

Considerando a dinâmica desencadeada pela emergência da acumulação flexível


e da globalização, tem-se então a primazia de novas bases materiais e meios para a
reprodução capitalista. Os investimentos produtivos, típicos do modo de acumulação
fordista passaram a assumir papel secundário e complementar à acumulação encabeçada
pelo capitalismo financeiro, para o qual a tecnologia e o sistema de informação
assumem função primordial para o seu funcionamento.
De acordo com Santos (1996, p. 190), estamos diante do meio técnico-
científico-informacional, que consiste num modo de produção voltado para a
capacidade de promover, por meio do conhecimento científico, as técnicas necessárias
para a exploração do meio ambiente e a maximização de um mercado internacional em
favor da reprodução do capital. Esse processo se realiza em razão do desenvolvimento
tecnológico, da alta velocidade de circulação das informações e dos transportes, e da
integração dos processos sociais locais com o mundo.
A globalização do sistema de mercado econômico se constitui pelo
estabelecimento de uma rede de relações entre cidades, justapostas entre si, dentro de
uma ordem hierárquica. Tal hierarquização explica-se, segundo Benko (1996, p. 71),
pela distribuição desigual das funções supralocais de comando em relação aos processos
de produção e valorização do capital. O controle e a grande intensidade do fluxo de
circulação de informações, tecnologias, mercadorias, capitais, pessoas, determinará a
posição hierárquica em que se encontra cada cidade.
Neste sentido, a cidade global localizada em posição privilegiada dentro da rede,
funciona como ponto de ligação para outras cidades (idem, p. 71). No entanto, como é
apontado por Castells (1999, p. 429), “as megacidades” estão conectadas externamente
a redes globais e a segmentos de seus países, embora internamente desconectadas das
populações locais, responsáveis por funções desnecessárias ou pela ruptura social, o que
tende a ser velado pelos agentes que comandam e se beneficiam dos processos globais.
Para Harvey (2006, p. 80), a globalização é um processo histórico, marcado pela
capacidade de gerenciamento, gestão e transformação dos recursos disponíveis, em
qualquer parte do mundo, em favor da implantação de projetos políticos de cunho
capitalistas. No entanto, a transformação das potencialidades regionais do espaço, em
favor de uma economia capitalista globalizada, apesar de colocar a serviço do mundo
mercadorias diversas, converge seus rendimentos para as classes e nações
economicamente dominantes.

20 a 26 julho de 2008 / São Paulo - SP 4


XV Encontro Nacional de Geógrafos
“O espaço não pára. Por uma AGB em movimento”

No atual estágio de acumulação, a natureza do Estado e a sua função enquanto


instituição reguladora e promotora do bem-estar social alterou-se significativamente.
Uma das principais questões discutidas atualmente é a do “debilitamento” do Estado
frente à nova economia global. Com o esgotamento do keynesiano e o triunfo do
neoliberalismo, o Estado (principalmente nos países periféricos) viu-se obrigado a
passar por reformas profundas: privatizações, abertura econômica, reforma de leis
trabalhistas, abandono de políticas de proteção social. Mas para Harvey todas essas
reformas não “esvaziou” a função da nação-Estado. Para o pleno funcionamento do
atual modelo de acumulação, a atuação do Estado é cada vez mais intervencionista.
Harvey (1996) aponta que, buscando atender a uma das frentes de atração de
investimentos externos pelos territórios nacionais, observa-se nas últimas décadas, que
tornou-se hegemônico no mundo capitalista a idéia das cidades assumirem um
comportamento empresarial com relação ao desenvolvimento econômico. Portanto,
nessa nova forma de orientação das atividades urbanas, cabe ao governo local propiciar
à cidade condições para que ela se torne competitiva, buscando atrair novas empresas.
Para ser tornar competitiva no atual cenário da globalização, além da exploração
de vantagens específicas, da redução dos impostos, do oferecimento de subsídios e do
emprego de novas tecnologias, torna-se fundamental que a administração local
qualifique a mão-de-obra e reduza o custo da mesma. Nesse sentido, Harvey (2006)
aponta que no mercado de trabalho houve o enfraquecimento do poder coletivo de
pressão, além de um aumento da exploração da classe trabalhadora resultando na
precarização das condições de trabalho e na expansão do desemprego crônico.
Num ambiente global altamente competitivo, os investimentos produtivos
buscaram cada vez mais a redução dos custos com o trabalho em contraposição ao
aumento da acumulação do capital. Para atender a essa lógica observa-se “a crescente
equalização para baixo da taxa diferencial de exploração” como destaca Mészaros
(2003:27), o que significa um aumento do patrimônio líquido das grandes empresas
capitalistas em decorrência dos baixos salários, o que varia de acordo com o país onde
está instalada a empresa. Alguns dos resultados mais visíveis dessas práticas são a
intensificação da pobreza e das desigualdades sócio-econômicas entre diferentes regiões
do mundo.
Outro aspecto importante da configuração atual do capitalismo, diz respeito às
atividades do setor terciário da economia. Mudanças propiciadas pelo sistema de
acumulação flexível atingem esse setor. Isso pode significar que os critérios de

20 a 26 julho de 2008 / São Paulo - SP 5


XV Encontro Nacional de Geógrafos
“O espaço não pára. Por uma AGB em movimento”

localização de estabelecimentos flexíveis contemplem também cidades sem tradição


industrial, porém com vantagens construídas compatíveis com as fases do circuito da
acumulação em que são importantes as estratégias, não apenas de produção, mas
também de mercado.
Os modelos pós-fordistas criam a possibilidade de maior dependência de
condições propícias às comunicações rápidas e à inovação, de uma mão-de-obra
treinada e qualificada e da oferta de condições para uma boa qualidade de vida e do
ambiente para quem pode pagar. Cidade (1999) chama a atenção então, para o fato de
que nas últimas décadas alguns ramos do terciário passaram a assumir um papel cada
vez mais essencial à vida dos países, tornando-se estratégicos para a condução e
aceleração de projetos de acumulação.
Assim, à semelhança da indústria, os ramos financeiros, de atividades
governamentais, de serviços públicos, de transportes e de comércio atacadista passaram
a adotar procedimentos e tecnologia atualizados para favorecer uma circulação cada vez
mais rápida do capital. Goldsmith & Blakely apud Cidade (idem, p. 239) mostram que:

as diferenças salariais entre os grupos de trabalhadores são ainda


mais evidentes devido à capacidade declinante da indústria de gerar
novos empregos e à concentração do emprego em serviços em dois
setores altamente separados: os bem-pagos e os malpagos. Isso
resulta em um padrão de ganhos “bifurcados” e em maior
desigualdade.

No entanto, as condições geográficas desiguais apresentam-se como favoráveis à


acumulação do capital, ao permitir um aproveitamento das assimetrias inevitavelmente
advindas das relações espaciais de troca (HARVEY, 2004). Tem-se então, que a riqueza
e o bem-estar de agentes e territórios particulares aumentam à custa da exploração da
classe trabalhadora e de outros territórios.
É nessa nova fase do capital, em que a cidade é vista como “cidade voltada para
o negócio”, garantindo a continuidade do processo de produção, circulação, distribuição
e consumo de mercadorias, que a urbanização se realiza na atualidade. Diante das novas
configurações urbanas, Carlos (2005, p. 33) aponta que “realiza-se o aprofundamento da
contradição entre extensão de valor de troca no espaço e a possibilidade de realização da
metrópole enquanto valor de uso, isto é, a construção do espaço voltado para a vida
cotidiana”. As cidades transformam-se em sua forma e função para atender às demandas
externas e manter-se nessa rede, com vistas a progredir nessa dinâmica de relações e
acumulação de capitais.

20 a 26 julho de 2008 / São Paulo - SP 6


XV Encontro Nacional de Geógrafos
“O espaço não pára. Por uma AGB em movimento”

A vulnerabilidade dessas cidades diante da concorrência mundial alimenta a


necessidade de um planejamento e gestão urbana que aumentem a eficácia de suas
funções, enquanto espaço de acumulação. Não é por acaso que o planejamento
estratégico surge como um dos norteadores da organização das cidades, tendo como
objetivo principal a reprodução da lógica de apropriação do espaço urbano pelo capital.
Todavia, a conexão com o global acaba resultando geralmente em desconexão
com o local (CASTELLS, 1999), o que alimenta processos excludentes e perversos que
atingem a população de formas diversas. Há contradições inerentes aos “espaços de
fluxos” que se cristalizam, é o caso da segregação socioespacial e das desigualdades.
Sendo assim, processos antigos de reprodução da pobreza e das desigualdades
socioespaciais se vêem reforçados pela dinâmica atual do capitalismo.
Os espaços regionais, localizados na porção inferior da hierarquia da rede de
cidades globais, frente à introdução de inovações tecnológicas, culturais e científicas
podem ter a sua ordem social e cultural desconfiguradas. Diante disso, a massa dos
excluídos, alheios ao sistema de educação e conseqüentemente inseridos em um
mercado de trabalho restrito, espacializam-se à margem do processo de globalização, o
que contribui para o acirramento das mazelas sociais intra-urbanas.

Brasília: Repercussão do Modelo de Acumulação Flexível na Cidade

Brasília foi concebida e criada com base no discurso da não-reprodução dos


problemas típicos dos centros urbanos em seu território. No entanto, problemas como
desemprego, periferização e aumento da economia informal fazem parte do cotidiano
brasiliense. A organização do espaço urbano da capital é caracterizado por
assentamentos habitacionais esparsos entre si e distantes do centro, sendo por isso
denominada por Paviani (1996, p.224), como “metrópole polinucleada”2.
Sua construção e planejamento tiveram como princípio a preservação do centro
– o Plano Piloto - para as atividades do poder público, para os serviços sofisticados e
para a moradia da população com médio e alto poder aquisitivo. Em contrapartida, a
população de baixa renda foi destinada às cidades satélites, hoje denominadas como
Regiões Administrativas (RA’s). Porém, a maior parte das RA’s mantém uma forte

2
Brasília assume um papel metropolitano, englobando o “Entorno”, que constitui-se de municípios de
Goiás e Minas Gerais limítrofes à capital e com forte dependência de suas atividades econômicas e infra-
estrutura urbana.

20 a 26 julho de 2008 / São Paulo - SP 7


XV Encontro Nacional de Geógrafos
“O espaço não pára. Por uma AGB em movimento”

dependência em relação às atividades econômicas e aos equipamentos urbanos de


melhor qualidade que se concentram no centro.
Entre as características socioeconômicas da cidade estão: o predomínio das
atividades do setor terciário, estrutura produtiva pouco expressiva, alta dependência do
governo federal e das atividades da administração pública. Observa-se então, que essas
características vêm favorecendo a inserção de Brasília nos moldes da economia flexível.
A capital passa a se configurar, no âmbito da gestão e de alocação de investimentos e de
empreendimentos imobiliários, culturais e de turismo, de acordo com essas demandas.
Dados da Seplan/Codeplan/GDF (2006, p. 44) expressam a importante
participação da administração pública no Produto Interno Bruto (PIB) do Distrito
Federal, tendo uma participação de 59,02% no PIB, seguido pelos serviços de
intermediação financeira (14,2%) e imobiliários (7,59%).
Cidade aponta que nas últimas décadas alguns ramos do setor terciário
tornaram-se estratégicos para acumulação do capital e passaram a adotar
“procedimentos e tecnologias atualizados para favorecer uma circulação cada vez mais
rápida do capital” (1999, p. 239).
Além disso, a função de capital do Brasil tem atraído para Brasília a instalação
de empresas que querem proximidade com as decisões do governo federal. A presença
de organismos internacionais e de embaixadas também contribui para a instalação de
serviços especializados (PENNA, 2006: 10).
Segundo Penna, um forte exemplo da abertura de novos espaços que visam a
reprodução e acumulação do capital no DF é o “Projeto Orla”, que consiste em
empreendimentos imobiliários, além de espaços de turismo e lazer, que se beneficiam
das qualidades ambientais que a orla do Lago Paranoá oferece.

Neste contexto, a orla do Lago Paranoá e as áreas adjacentes (ainda


de baixa densidade ocupacional) transformam-se em um pólo – de
atividades, investimentos, de iniciativa e decisão – que envolve atores
não governamentais, semi-públicos, públicos e privados, cuja
estratégia de ocupação e uso possui corte empresarial, voltada para
atração de investimentos (comércio, serviços e “marketing”)”
(PENNA, 2006, p. 11).

Outro projeto que configura as novas demandas na capital é a Cidade Digital


(nome oficial: Parque Capital Digital), pólo de alta tecnologia para abrigar empresas da
área de tecnologia da informação, que encontra-se em vias de implantação em Brasília.

20 a 26 julho de 2008 / São Paulo - SP 8


XV Encontro Nacional de Geógrafos
“O espaço não pára. Por uma AGB em movimento”

Como no Distrito Federal, o Estado não só detém a terra urbana como também a
decisão de ofertar novas áreas para ocupação, observa-se então a importância que o
poder público vem assumindo para “reorientar o processo de produção do espaço,
articulado com as necessidades de promoção econômica da cidade” (PENNA, 2006, p.
10).
Nessa linha de atuação, observa-se que o mercado imobiliário tem sido a grande
sensação na economia local, atraindo investimentos de empresas de grande porte, vinda
de outros estados, orientados para a ampliação de núcleos habitacionais para as classes
média e alta, e para a expansão do setor hoteleiro.3
No entanto, as contradições socioespaciais tendem a se acentuar na capital,
tendo em vista que os novos empreendimentos tendem a se concentrar no centro, que
oferece condições socioespaciais favoráveis à acumulação. Apesar da estrutura urbana
do Distrito Federal ser caracterizada como polinucleada, o Plano Piloto sempre
concentrou a economia.
O surgimento de uma área de confluência formada pelas RA’s de Taguatinga,
Ceilândia e Samambaia é uma alternativa de crescimento para a cidade e tende a reduzir
a dependência das atividades econômicas e de geração de empregos do Plano Piloto. No
entanto, por falta de políticas econômicas e sociais por parte do poder público, esse
subcentro tem permanecido periférico sem conseguir expandir as oportunidades de
desenvolvimento das atividades econômicas e sociais.
Logo, as desigualdades socioespaciais existentes em Brasília tendem a se
manter, considerando-se que os novos empreendimentos estão se concentrando em seu
centro, como já mencionado. Outro aspecto negativo é que os ganhos econômicos
desses empreendimentos não apresentam uma contrapartida amplamente satisfatória
para a sociedade, mas sim contribuem para a manutenção das mazelas sociais existentes
na cidade.

3
Matéria noticiada em jornal de grande circulação em Brasília: “O mercado imobiliário do Distrito
Federal está em ebulição. Até então dominado por um grupo restrito de empresas, o segmento não só
entrou na rota das gigantes do país como vive um processo de fusões e incorporações sem precedentes na
história da capital federal. Tanta movimentação tem justificativa: a perspectiva de o faturamento anual do
setor dobrar de tamanho nos próximos quatro anos, dos atuais R$ 1,5 bilhão para R$ 3 bilhões. Fonte:
Correio Braziliense de 17/02/08. Título da matéria: Alvo de gigantes.

20 a 26 julho de 2008 / São Paulo - SP 9


XV Encontro Nacional de Geógrafos
“O espaço não pára. Por uma AGB em movimento”

Implicações da Economia Flexível no Mercado de Trabalho e Mão-de-obra de


Brasília

Como reflexo da estrutura econômica do Distrito Federal, a maior parte da mão-


de-obra local está empregada na Administração Pública e no setor de Serviços, como
indica a tabela abaixo.

Tabela 1
Perfil Ocupacional da População segundo os Setores de Atividades - Distrito
Federal - Dezembro - 2004
Setores de Atividades Ocupados (em mil)
Industria de Tranformação 35,6
Construção Civil 36,4
Comércio 171,1
Serviços 564,8
Administração Pública 195,3
Outros 8,8
Total 1012,0
Fonte: “Distrito Federal Síntese de Informações Sócio-econômicas” – SEPLAN/CODEPLAN/GDF –
2006.

A escolarização da mão-de-obra na cidade é relativamente elevada,


considerando que aproximadamente 40% da população possui como nível de instrução
mínimo o Segundo Grau completo (SEPLAN/CODEPLAN/GDF, 2006).
O crescente aumento do número de instituições privadas de ensino superior em
Brasília – que reflete as condições favoráveis de ampliação da acumulação de capital
através do setor de ensino - tem contribuído para a elevação da qualificação da mão-de-
obra local. No entanto, essa qualificação assume certas condições restritivas, uma vez
que o ensino superior privado tem um custo relativamente elevado, não sendo acessível
a todas as faixas de renda da população. Soma-se a isso, o fato do acesso ao ensino
superior em instituições públicas também possuir obstáculos de acesso à população de
baixa renda.
Logo, essa população residente principalmente nas regiões períféricas de
Brasília ou no Entorno tem condições de formação e qualificação profissional aquém às

20 a 26 julho de 2008 / São Paulo - SP 10


XV Encontro Nacional de Geógrafos
“O espaço não pára. Por uma AGB em movimento”

demandas da nova economia que vem se expandindo na cidade. Consequentemente


reforçam-se os processos excludentes. Os lugares destinados a população pobre
mantêm-se então, como “repositórios de atividades de baixa qualificação, baixos
salários e baixa qualidade de vida”(COUTINHO, 1995, p. 49). O Plano Piloto por
concentrar a população mais qualificada, tem nessa característica outro fator favorável à
atração de empresas com alto padrão tecnológico.
O desemprego, que é uma das principais características do capitalismo
contemporâneo, também apresenta índices altos no Distrito Federal, como indica a
tabela 2. De acordo com os dados da tabela, as taxas de desemprego total apresentaram
valores relativamente menores na década de 1990, se comparados com o período entre
1999 e 2005.
Em todos os anos apontados na PED-DF (Pesquisa de Emprego e Desemprego-
DF), observa-se um aumento crescente das taxas de desemprego, que vai dos grupos de
regiões administrativas de maior renda aos grupos de RA’s de menor renda. A partir
dessas informações é possível apontar o grau de desigualdades socioespaciais que
configuram o espaço urbano de Brasília, tendo como conseqüências: acesso desigual às
condições de formação e qualificação profissional, às oportunidades de emprego, à
renda etc.

Tabela 2
Taxas de desemprego Distrito Federal (DES/PEA) (%)
Oculto Por grupo de regiões
Período administrativas
Total Aberto
Total Precário Desalento Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3

Out/1992 15,3 9,8 5,5 3,1 2,3 7,8 14,3 20,6


Out/1993 13,9 9,1 4,8 2,2 2,6 6,1 13,5 18,4
Out/1994 13,1 8,6 4,5 2,5 2,0 5,3 12,8 17,1
Out/1995 15,3 10,4 4,9 2,7 2,1 6,3 14,3 20,4
Out/1996 16,2 10,7 5,5 3,0 2,6 7,8 15,2 21,0
Out/1997 18,9 11,2 7,7 4,8 2,9 8,0 17,7 24,5
Out/1998 18,8 11,9 6,9 4,0 2,9 8,0 16,7 25,5
Out/1999 21,0 13,5 7,5 4,2 3,3 8,0 18,5 28,5
Out/2000 18,5 12,1 6,4 3,2 3,1 8,5 16,4 24,1
Out/2001 20,1 12,4 7,7 4,2 3,5 9,6 17,3 26,6

20 a 26 julho de 2008 / São Paulo - SP 11


XV Encontro Nacional de Geógrafos
“O espaço não pára. Por uma AGB em movimento”

Out/2002 19,8 11,8 8,0 4,4 3,6 8,8 17,2 25,9


Out/2003 22,5 15,1 7,4 4,0 3,4 10,2 20,2 28,6
Out/2004 19,6 12,0 7,6 4,4 3,2 10,4 17,3 24,3
Out/2005 18,2 11,9 6,3 3,7 2,7 6,9 16,4 23,0
Fonte: PED/DIEESE, 2007.
Obs.: Grupos de R.A’s: Grupo 1: Grupo de Regiões Administrativas de renda mais alta ( Brasília, Lago
Sul e Lago Norte); Grupo 2: Grupo de Regiões Administrativas de renda intermediária (Gama,
Taguatinga, Sobradinho, Planaltina, Núcleo Bandeirante, Guará, Cruzeiro, Candangolândia e Riacho
Fundo); Grupo 3: Grupo de Regiões Administrativas de renda mais baixa (Brazlândia, Ceilândia,
Samambaia, Paranoá, São Sebastião, Santa Maria e Recanto das Emas)

Considerando que a reestruturação das empresas tem contribuído para o aumento


das taxas de desemprego através da adoção de novas tecnologias poupadoras de mão-
de-obra, pode-se inferir que tal fenômeno atinge principalmente o trabalhador com
baixa escolaridade e qualificação.
As causas gerais do desemprego em Brasília, resultantes da relação entre
condicionantes estruturais e endógenos é bem sintetizada por Cidade (1999, p.244):

Resultado da combinação de uma estrutura produtiva fraca com


oscilações na economia e fruto da adoção de tecnologia dispensadora
de mão-de-obra não qualificada em setores relevantes, o desemprego
tem sido bastante elevado no Distrito Federal. Essa tendência já
corresponde, em alguma medida, aos resultados das movimentações
recentes na organização do trabalho da acumulação flexível, que
atinge os mais diversos locais da Terra e diferentes atividades
econômicas, via integração de mercados. Em Brasília, como em
outras metrópoles do mundo, o desemprego passa a ser uma das
principais características do capitalismo contemporâneo. Adquire
gravidade maior em uma cidade altamente dependente do governo
federal e com baixos níveis de acumulação endógena.

Considerações Finais

Observa-se que a estruturação do espaço urbano no contexto de globalização


tende a concentrar o desenvolvimento técnico-científico e informacional nas cidades
que assumem papel de destaque para a acumulação de capitais. Nesse sentido, a
estrutura urbana é apropriada de forma privada e não coletiva, resultando num
distanciamento em relação à dinâmica e demandas sócioespaciais e econômicas locais,
como destaca Castells (1999).

20 a 26 julho de 2008 / São Paulo - SP 12


XV Encontro Nacional de Geógrafos
“O espaço não pára. Por uma AGB em movimento”

Para a classe trabalhadora, os novos condicionantes de organização e produção


capitalista podem resultar em novas oportunidades de trabalho, mas de forma ampla tem
significado maior exploração dos trabalhadores em escala mundial. Em países, como o
Brasil, cujos investimentos sociais não se realizaram de forma ampla no modelo de
acumulação fordista-keynesiano, atualmente torna-se contraditório superar as
desigualdades socioespaciais históricas, seguindo-se estritamente a lógica do capital. O
acirramento da exploração da classe trabalhadora resulta na intensificação das
desigualdades intra-urbanas e no fosso entre a dinâmica local e global.
Em Brasília, a inserção na dinâmica econômica mundial tende a reforçar as
contradições locais seja pela primazia da ideologia neoliberal que reduz a participação
do Estado na oferta de bens e políticas públicas, seja pela reestruturação socioespacial
visando a atração de investimentos, que tendem a se concentrar no centro e sob a ótica
do empresariamento (Harvey: 1996).
Observa-se em Brasília, traços que confirmam a sua inserção na dinâmica da
acumulação flexível. O poder público tem se configurado como um importante agente
nesse processo, ao buscar “reorientar o processo de produção do espaço articulado com
as necessidades de promoção da economia da cidade” PENNA (2006, p. 10).
No entanto, não é possível identificar de forma nítida ainda nessa cidade uma
reconfiguração espacial do espaço urbano para atender às demandas da reestruturação
capitalista. Ainda não houve uma alteração significativa de sua estrutura básica, mas
uma reorientação que busca fortalecer o papel da cidade enquanto instrumento de
acumulação.
Isso é perceptível na atuação dos atores dominantes locais - dentre eles os
políticos e os empresários - e externos na produção do espaço urbano da capital.
Considerando que é no centro que se concentram as condições básicas de atração dos
investimentos da economia global, a consolidação da cidade na dinâmica da acumulação
flexível tende a fortalecer as contradições socioespaciais.
Em suma, “o direito a cidade” (LEFEBVRE, 1972) enquanto valor de uso vê-se
cada vez mais fragmentado e enfraquecido no espaço urbano, tendo em vista que a
produção urbana está cada vez mais atrelada às leis do capital. Como conseqüência,
aumenta-se as restrições para a população que não tem condições econômicas para
pagar pelo acesso a cidade e aos valores mercadológicos de “cidadania”.
Os ditames da ideologia dominante apontam para a inevitabilidade e para a
naturalização dos processos atuais orientados pelo capital. Diante disso, torna-se de

20 a 26 julho de 2008 / São Paulo - SP 13


XV Encontro Nacional de Geógrafos
“O espaço não pára. Por uma AGB em movimento”

extrema importância pensar a cidade no contexto atual, na busca de identificação,


construção ou fortalecimento de formas de enfrentamento aos processos atuais de
produção do espaço urbano.

Referências Bibliográficas

BENKO, Georges. Economia, Espaço e Globalização. Hucitec. São Paulo. 1996.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. A reprodução da cidade como “negócio”. In:


CARLOS, Ana Fani Alessandri & CARRERAS, Carles (Orgs.). Urbanização e
mundialização: estudos sobre a metrópole. FFLCH-USP: Editora Contexto, 2005.

CASTELLS, Manuel. O espaço de fluxos. In: A sociedade em rede (A era da


informação: economia, sociedade e cultura. Vol.1). São Paulo: Paz e Terra, 1999.

CIDADE, Lúcia Cony Faria. Acumulação flexível e gestão do território no Distrito


Federal. In Paviani, Aldo (org.) Brasília – gestão urbana: conflitos e cidadania.
Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1999.

CORREIO BRAZILIENSE. Título: Alvo de gigantes. Brasília, 17 de fevereiro de 2008.

COUTINHO, Luciano. O Desenvolvimento Urbano no Contexto da Mudança


Tecnológica. In: GONÇALVES, Maria F. (Org.) O Novo Brasil Urbano. Mercado
Aberto. Porto Alegre: RS. 1995.

DIEESE (Departamento Intesindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). PED


(Pesquisa de Emprego e Desemprego) – DF: 2007.

FERREIRA, Ignez Costa Barbosa. A visão geográfica do espaço do homem. (s/d).

HARVEY, David. Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da


administração urbana no capitalismo tardio. In: Espaço e Debates: Revista de
Estudos Regionais e Urbanos. Ano XVI, nº 39, 1996.

_________. O novo imperialismo. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

20 a 26 julho de 2008 / São Paulo - SP 14


XV Encontro Nacional de Geógrafos
“O espaço não pára. Por uma AGB em movimento”

_________. Espaços de Esperanças. São Paulo: Edições Loyola, 2006.

LEFEBVRE, Henry. O LEFEBVRE, H. O Direito à Cidade. São Paulo: Documentos,


1972.

PAVIANI, Aldo. Gestão do território com exclusão sócioespacial. In: PAVIANI,


Aldo (Org.). Brasília – Gestão urbana: conflitos e cidadania. Coleção Brasília
EdUnB, 1999.

PAVIANI, Aldo. O ambiente urbano com desemprego. In: Brasília – controvérsias


ambientais. PAVIANI, Aldo et all (orgs.). Coleção Brasília EdUnB, 2003.

PENNA, Nelba Azevedo. Empreendedorismo e planejamento urbano em Brasília:


da máquina de morar à máquina de crescimento urbano. In: Seminário
Internacional: Planejamento urbano no Brasil e na Europa – um diálogo possível?
Florianópolis-UFSC, outubro de 2006.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo. Razão e emoção. São


Paulo: Ed. Hucitec, 1996.

SEPLAN/CODEPLAN/GDF. – Distrito Federal: Síntese de Informações


Socioeconômicas. Brasília, 2006.

20 a 26 julho de 2008 / São Paulo - SP 15

Você também pode gostar