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ao hábito de ler
2
Niterói
2006
ALAN LUIZ E SILVA RAMOS
DIFERENÇAS:
Niterói
2
2006
R175 Ramos, Alan Luiz e Silva.
Narração de histórias e “roleplaying game” – semelhanças e
diferenças: reflexões sobre a utilização em Bibliotecas como técnica de
incentivo ao hábito de ler. / Alan Luiz e Silva Ramos. – 2006.
47 f. .
Orientador: Marília Alvarenga Rocha Mendonça .
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Biblioteconomia e Documentação) – Universidade Federal
Fluminense, 2006.
Bibliografia: f. 45-47
CDD 020
ALAN LUIZ E SILVA RAMOS
hábito de ler
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Profª Marília Alvarenga Rocha Mendonça – Orientadora
Universidade Federal Fluminense
_________________________________________
Profª Lídia Silva de Freitas
Universidade Federal Fluminense
_________________________________________
Profª Sandra Borges Badini
Universidade Federal Fluminense
3
Niterói
2006
AGRADECIMENTOS
Aos que não acreditaram em mim. Cheguei! Estou aqui! E quero mais!
E, a alguém que amo muito e sem sombra de dúvida, para sempre. A minha irmã,
Aline de Andrade e Silva Ramos, ou simplesmente, a Mone. Essas folhas seriam
poucas para dizer o que significa, na totalidade, ser seu irmão.
RESUMO
histórias. Conceitua o jogo de RPG quanto a aspectos: prática, elementos essenciais, objetivo,
formas de condução e papel do mestre de jogo. Descreve aptidões e técnicas que devem ser
jogo. Alerta sobre os níveis de alcance do RPG no incentivo à prática de leitura. Aponta os
It reflects on the implementation of Roleplaying Games (RPG) in libraries with the objective
to stimulate the habit of reading in adolescent public, the use of techniques of narration of
histories. It appraises the RPG game how much the aspects: practical, essential elements,
objective, forms of conduction and paper of the game master. It describes aptitudes and
stories. It clarifies similarities and discords, in the narration of histories and the RPG, how
much the narrative development, forms of the activity and requirements for the production. It
relates the activity of the narrator of histories and the master of game. It raises ways for the
exercise of the function of game master. Alert on the levels of reach of the RPG in the
incentive to the practical one of reading. It points the possible problems that the
implementation of the RPG in the library causes: alterations in the routine of work of the
librarian, problems of physical room, determination of results gotten with the implementation
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................7
1 RPG....................................................................................................................................... 10
1.1 DEFINIÇÃO....................................................................................................................... 11
1.2 O MESTRE DE JOGO....................................................................................................... 12
1.3 A SESSÃO DE RPG...........................................................................................................13
2 O CONTADOR DE HISTÓRIAS...................................................................................... 17
RPG..........................................................................................................................................
27
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 40
REFERÊNCIAS CITADAS...................................................................................................45
REFERÊNCIAS CONSULTADAS.......................................................................................46
INTRODUÇÃO
O hábito de ler, nos diversos momentos em que se faz leitura, não restringe o leitor
somente ao livro, pois não se lê apenas o quê está impresso no papel. Lê-se tudo: som,
imagem, movimento. Lê-se escritas que do papel, passaram para suportes que não eram
transformações.
intertextual, e lúdica ao mesmo tempo. É uma narração de histórias, diferente, entretanto, das
existência de um acessório: os livro de RPG, que contam com uma ambientação temática e
com um sistema de regras que determina as ações praticadas na narrativa, o que especialmente
denota a qualidade lúdica. Pelo RPG ser uma prática diferente, requer adaptação e apreensão
Pratico RPG desde 1994 como atividade lúdica, na ocupação de mestre de jogo.
Aprender o jogo exigiu-me não apenas leitura de livros de RPG, mas a leitura de outros livros
dos mais variados assuntos e que fossem relevantes para a composição de narrativas que só
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eram completas quando dialogava com a de outros jogadores. Por muito tempo sequer
Se a narrativa dos RPG’s, de fato, incentiva e desenvolve o gosto pela narrativa, como
uma narrativa oral, mesmo dispondo de outras narrativas, inclusive escritas, proposito buscar
RPG, não para substituí-la, mas com a finalidade de acrescentar uma atividade à biblioteca e
que seria utilizada com o público adolescente, visando atrair esse público, estimulando o
Para o trabalho, é necessária a busca por uma definição sobre o RPG. A consulta e
prática sobre diversos títulos de livros de RPG, tanto no papel de jogador, e principalmente,
pesquisadores de RPG como Marcussi (2005), Rodrigues (2004) e Pavão (2000). Foram
verificadas nas demais fontes consultadas, sobre o assunto, a existência dos elementos
presente trabalho tem como objetivo a reflexão sobre o RPG enquanto prática, em particular.
10
necessários para a narração de histórias a públicos infanto-juvenis, acredito que escolha pela
encontra presente tanto no conto maravilhoso das histórias infantis, quanto nos conteúdos
temáticos das práticas de RPG, enquanto jogo. Apesar do trabalho não possuir como objetivo
investigar de que maneira tal relação se dá, sua existência pode revelar que caminhos o
narrador, no momento de narrar histórias, pode ser útil, ao efetuar-se o mesmo no RPG.
Com base nos autores citados, serão feitas as analogias sobre o trabalho do narrador de
histórias, e do mestre de jogo, o condutor da narrativa de RPG (que será explicado mais a
adiante) no ambiente da biblioteca. O trabalho não pretende apresentar uma solução definitiva
RPG é a sigla para Role Playing Games, ou Jogos de representação. Derivam dos
dos elementos estruturais do RPG feitos por Marcussi (2005a) e o embasamento teórico de
sobre RPG comumente o avaliam quanto à dinâmica de jogo, campo ficcional e aos critérios
1
Respectivamente, autores de Conan e de O Senhor dos Anéis.
12
1.1 DEFINIÇÃO
O RPG é um jogo onde, um jogador, conta uma história, de forma interativa com
jogo toma corpo a partir da interação entre os personagens e o ambiente fictício no qual estão
inseridos. O resultado de uma partida de RPG será, assim, uma narrativa ou história contada
ambientações podem ser de diversos tipos, considerando períodos históricos como, por
ser respeitada. Assim, seria possível misturar narrativas de forma a gerar uma terceira
reinventam em grupo.
narrativa. Marcussi (2005b) diz que, ao mesmo tempo em que se podem alterar narrativas,
deverá ser percebida, também, a lógica interna existente que impõe e determina os limites do
que é possível, provável e verossímil. Um personagem viking não vai poder voar ou ter uma
pistola de raio laser, por exemplo, devido ao fator de verossimilhança, necessário ao exercício
13
assistentes/leitores, pacto este que elimina o estranhamento frente aos elementos não realistas
assumindo para si um personagem específico, ele é responsável por descrever todo o ambiente
no qual os personagens dos jogadores agem. Além disso, o mestre é que decide o resultado
das ações realizadas. Na narrativa, o mestre faz o papel de diretor, roteirista, figurante, ator
decidem as ações dos próprios personagens e as declaram, mas não detêm controle sobre a
descrição do resultado. É o mestre que decide os resultados das ações e a forma como elas
repercutem, e seguem na história. Toda vez que um personagem exerce alguma ação, o
jogador declara ao mestre. Da mesma forma que o jogador nunca decide os resultados das
ações do personagem, o mestre nunca decide as ações do jogador. Tal interação faz com que a
O mestre é sempre autodidata – não existem cursos para formar ficcionistas de RPG.
antagonistas, e caminhos que a narrativa pode seguir no cenário e nas condições propostas.
da narrativa, torná-la atraente para os outros jogadores, responder as suas ações e garantir que
Uma partida de RPG tem duração vinculada à história contada, de modo que ela
termina quando a história chega ao fim. Quando se trata apenas de uma aventura, um jogo
jogam sempre juntos, a narrativa passa a ter uma característica mais episódica: normalmente
criam-se novas narrativas em sucessão a anterior, com nexo entre si (RODRIGUES, 2004).
Marcussi (2005a) fala mais a respeito: quando um grupo de RPG joga regularmente e conta
histórias conectadas com continuidade, geralmente em torno dos mesmos personagens, criam
história e campanha, no RPG, são unidades virtuais de tempo dentro da narrativa. Entretanto,
uma, real, é possível de se identificar: a sessão. Uma sessão corresponde ao tempo de medida
durante o qual um grupo de RPG se reúne para jogar, cuja duração varia de grupo para grupo,
sendo o mais comum durar algumas horas. Mesmo uma história inteira pode se desenvolver
em uma única sessão, ou quebrada em várias sessões, de acordo com o ritmo e as preferências
O sistema de regras serve para organizar a ação dos personagens durante o jogo,
determinando os limites do que ele pode ou não pode fazer. Por exemplo: não basta um
personagem saber atirar para acertar um alvo, vai depender do alvo e das condições em que o
personagem se encontra, além do quão bom atirador ele é. O sistema de regras tem como
dos personagens nas ações mais complexas. Marcussi (2005b) diz que cabe ao mestre decidir
o resultado e as repercussões das ações dos personagens numa partida de RPG. Para tal, se
dos jogadores e do mestre. Na quase totalidade dos sistemas de regras, os critérios incluem
títulos de RPG’s que podem mesmo estabelecer critérios pela mera deliberação do narrador:
ele simplesmente decide de acordo com sua vontade. Apesar de possível, não é muito popular
entre os jogadores, ou mesmo aceitável, mas no fim será o pacto ficcional descrito por
Na maior parte dos jogos tradicionais, uma partida termina quando um jogador vence
outro(s). No RPG, porém, não existe competição, vitória ou derrota. Existe apenas uma
história narrada de forma conjunta, e a partida termina quando a história foi concluída. Dentro
pode realizá-los ou não, sem que isso constitua uma “vitória” ou “derrota” no jogo. O que se
poderia considerar uma “derrota” para o personagem em algo que ele dispute pode, na
verdade, criar ganchos interessantes e divertidos para continuar a narrativa. Na maior parte
das partidas de RPG, inclusive, todos os jogadores buscam atingir objetivos razoavelmente
semelhantes dentro da história, de modo que cooperam (e não competem) entre si. Na
verdade, criar histórias de RPG quase sempre o vinculam a um conflito, uma situação, que
deve ser resolvido. Meta idêntica cabe ao mestre, que deve ajudar a encaminhar a história. Se
o narrador impedir ou frustrar as ações dos jogadores, estará apenas abreviando a narrativa e,
portanto, a diversão de todos. (MARCUSSI, 2005a). Observa-se aí, tal como na vida, o
tentar de novo se possível ou partir para outro objetivo dentro da narrativa. Um fator de
2
Existem dados de diversas faces: 4, 6, 8, 10, 12, 20 e mesmo de 100 faces.
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O RPG não utiliza nenhum tabuleiro e nenhum tipo de peça. Na maior parte dos jogos,
o único elemento necessário além do livro e da ficha de personagem (uma folha de papel que
opcionais, como miniaturas, mapas, maquetes, que às vezes são utilizados, mas de forma
alguma são necessários para se ter uma boa sessão de jogo. A utilização de dados permite a
inclusão do fator aleatório nos casos em que uma variável na ação da história precisa ser
uma cortina, existe aí a possibilidade de ser ou não encontrado. Resolve-se isso determinando
presentes na narrativa (se a cena se passa numa sala com as luzes apagadas, ele teria mais
chances de não ser visto, o que seria o oposto se as luzes estivessem acessas). Vale notar que
capacidade criativa de representá-la. Porém, é quase impossível que o conteúdo dos títulos de
RPG represente 100% as fantasias dos jogadores que os utilizarem. Desta forma, como se
acabam modificando partes da fantasia descrita nos livros e as adequando à fantasia do grupo.
O mesmo ocorre com o sistema de regras: sempre há uma situação de "realidade" que os
jogadores julgam não estar bem representada pelas regras e a modificam. Observa-se que
regra, aqui, se refere aos sistemas de regras dos livros de RPG, que apresentam reunidas a
Fica claro que na retirada de uma regra, estabelece-se outra, a qual será exposta aos
praticantes ou mesmo cabe discutir sobre a decisão de mantê-la ou não. No meio rpgista3, tal
probabilidades geradas pelo sistema de regras seja condizente com a ambientação e o tema
das narrativas (MARCUSSI, 2005b). O autor ressalta que o sistema de regras define e limita o
que o tema da narrativa sugere, e que o sistema de regras se limita ao arbítrio do mestre, pois
se espera que ele tome decisões e resolva as ações de forma condizente com o tema. Por
exemplo, numa narrativa com tema heróico e fantasioso, espera-se que os critérios de
resolução de ações privilegiem atos heróicos e fantasiosos. Essas relações existentes entre os
critérios de resolução de ações e o tema da narrativa devem ser levadas em consideração para
3
Termo que significa praticante de RPG, ou algo referente a RPG. Apresentada pela primeira vez no periódico
especializado Dragão Brasil.
2 A ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS
criadas coletivamente sob a supervisão do mestre de jogo, que dá início e organiza, a narrativa
coletiva decorrente que os demais participantes irão produzir. A criação coletiva dos
particular, de narrador.
importante para o trabalho verifica, que associação e distinção existe, entre narração de
histórias e o RPG.
Para tal fim, pretende-se expor aqui a prática da narração de histórias, segundo a
narrador durante a atividade. O objetivo é levantar pontos que poderão, adiante, gerar reflexão
Coelho (1986) afirma, quanto aos passos que envolvem narrar histórias, que é
importante ter em mente qual história contar. A história que vem em livros não vem pronta
para ser contada, pois, a linguagem escrita ainda que acessível, requer uma adaptação verbal
que facilite a compreensão e torne-a dinâmica e comunicativa. Uma seleção inicial de escolha
envolve, entre outros fatores: o interesse do ouvinte, faixa etária, e condição sócio-econômica.
O próprio estilo e gosto do narrador também devem ser considerados, como afirma a autora:
“Se a história não nos desperta a sensibilidade, a emoção, não iremos contá-la com sucesso.
Primeiro é preciso gostar dela, compreendê-la, para transmitir tudo isso ao ouvinte”.
contador deve fazer uso do bom senso para a escolha das histórias: simples, sem rebusques,
cabível de se adequar recursos onomatopaicos e repetições que forneçam pontos de ênfase que
Para tal, se exige o estudo por parte do narrador, da história que irá narrar, o que é
ler a história, se se diverte com ela e absorve o conteúdo que a história possui. Se uma boa
narração é agradável ao narrador, existe grande chance de que trará gosto aos ouvintes.
pedagógicas, feita por Souza e Dupas (2000) mostra que, na oficina responsável pela
juvenil são explorados quanto à forma da narrativa, conteúdo, ilustração, papel e formato. As
autoras dizem que, quanto à maneira de contar histórias, deve-se saber criar um ambiente de
Verificar a faixa etária de interesse, para Coelho (1986), também é importante para se
ter idéia da atratividade que as histórias possam causar. Ela elaborou um modelo que associa a
idade das crianças ao foco narrativo de interesse, apresentado a seguir. Deve-se observar que,
dos focos de interesse expressos no quadro, os de 10 anos ou mais serão de interesse para os
objetivos do presente trabalho, por estarem próximos da faixa etária que se pretende atingir
Coelho (1986) diz ainda que, enquanto as crianças mais jovens possuem interesse nas
de uma certa lógica. Algo como “- porque o sapatinho de cristal da gata borralheira não se
transformou no chinelo velho quando todo o encanto desapareceu?” (COELHO, 1986, p. 18).
Nesta fase, os contos de fada com enredos mais elaborados e longos ocuparão a imaginação
das crianças.
21
objetivo de preparar pessoas para serem capazes de estimular o processo de leitura e escrita,
os sexos, moradores de áreas com pouca oferta de atividades culturais, esportivas e recreativas
narrativas.
Coelho (1986) diz que quem se propõe a contar uma história, a estuda e, tendo em
vista as características dos elementos que a compõem, adquire maior confiança, familiariza-se
com os personagens, vivencia emoções e as poderá transmitir. Para isso fará as adaptações
convenientes e trabalha cada elemento com a devida técnica. Adaptar não significa modificar
los. Deve ser curta e dar as informações necessárias para facilitar a compreensão do que se vai
- quem: ‘três porquinhos decidiram fazer uma casa para morar...’”. (COELHO,
1986, p. 22) (grifos meus).
Coelho (1986). A relação com a história lida é diferente. O leitor supre mentalmente qualquer
falta que o texto ou a indevida compreensão causa. Mas, se é para ser ouvida, cabe ao
reduzidas ao essencial para não impacientar os ouvintes interessados em saber o que irá
acontecer.
Sobre o enredo, Coelho (1986) o apresenta como uma sucessão de episódios entre os
conflitos que surgem na narrativa e a ação dos personagens perante elas. Deve sempre ser
apresentado numa seqüência bem ordenada, mantendo-se a expectativa até alcançar o clímax.
É importante destacar, no enredo, o que é essencial e o que são detalhes. O essencial deve ser
momento.
Após o clímax, nada mais de importante deve ocorrer. A narrativa encaminha-se para
o desfecho, a conclusão. A história acaba. Para a autora, uma boa conclusão não aponta a
moral da história nem faz aplicação de lições. Conta-se o que aconteceu. As conclusões
pertencem ao ouvinte.
Acredita que, os contos de fadas são pouco utilizados no dia-a-dia por professores de
educação infantil. Quando o são, funcionam apenas como subsídios unicamente escolares,
infantil, critica o ato de contar histórias, planejado e vinculado como uma atividade
atividade. Ela nunca é contada em um momento que não foi previamente determinado, a
pedido da criança. “[...] A realização do desejo – de ouvir uma história – está presente só no
professor, e nunca na criança, de ouvi-la”. (RADINO, 2001, p. 76). Este é um alerta quanto ao
A apresentação de histórias envolve o uso dos mais diversos recursos, e Coelho (1986)
aponta os mais utilizados: a simples narrativa; a narrativa com auxílio de livro; gravuras,
flanelógrafo, desenhos; e a narrativa com interação do narrador e dos ouvintes. Devido aos
auxílio de livro, por considerá-las próxima à narrativa construída nas práticas de RPG.
contador de histórias. Não requer nenhum acessório e se processa por meio da voz do
narrador, de sua postura. Com o uso das mãos livres, concentra toda a força na expressão
corporal. Lendas, fábulas, histórias recolhidas da tradição oral são recomendados nesse
recurso, que considera a maneira ideal de se contar história e a que mais contribui para
estimular a criatividade. Ela alerta quanto ao uso de material ilustrativo, que poderia desviar a
que se destaca pela apresentação gráficas e imagens tão ricas quanto o texto (às vezes até
mais). Narrar com o livro não é, propriamente, ler a história. O narrador a conhece, já a
No entanto, Radino (2001) critica a valorização das ilustrações e a escolha do livro por
tal critério. Alerta para o fato de a ilustração ser complementar ao texto e não uma forma de
torná-lo redundante. Concorda que a ilustração faz parte de um código e transmite uma
mensagem, tanto quanto o código escrito, e que as crianças pequenas gostam de livros mais
ilustrados, sendo capaz de introduzir a criança em um processo cultural de gosto pela leitura,
ainda mais num mundo em que predomina a imagem. Mas a linguagem é muito maior do que
isso. Na verdade, o desafio é imaginar o que ela escuta ou vê, ao invés da imagem pronta. Ela
é favorável à idéia de que, o acúmulo de ilustrações como substituta da escrita ou da voz não
aguça a capacidade de fantasiar. Lendo ou ouvindo, ele pode criar a imagem que quiser de
Diante dos ouvintes, para iniciar a narrativa, Coelho (1986) esclarece que é
conveniente estabelecer uma breve conversa com as crianças, que facilite o entendimento do
enredo e evite interrupções. É uma forma de trazer familiaridade ao tema. Por exemplo, se for
uma história em torno de animais domésticos, antes que as crianças comentem sobre a vida
pessoal (histórias sobre os próprios cães ou gatos, por exemplo) num momento interruptível
(quando o curso da narrativa oral já teve início), o narrador preparará conversas com
familiaridades sobre o tema, antes da narração, também como forma de trazer ambiente e
itens abordados, a fim de evitar mal entendidos ou mal estar. Enfim, permite ao narrador
conhecer melhor a(s) criança(s), dar-lhes oportunidades para falar (COELHO, 1986). É
importante o narrador em nenhum caso interromper a narrativa, mantendo sempre uma atitude
calma e tranqüila. Nos casos em que alguém interrompe com algo que nada tem a ver com a
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atividade, apenas para chamar a atenção sobre sua pessoa, o contador de histórias,
imediatamente, deve lhe perguntar o que estava querendo dizer, com a oportunidade de
expandir-se. Um outro tipo de interrupção que acontece é quando o ouvinte conhece a história
contada (como alguma história que ele ouviu falar ou presente em algum livro que ele leu).
Para esse caso, inserir variantes na história (mudar pontos da história, normalmente o
predisposição para lidar com crianças4, ter consciência de que a história é que é importante,
com interesse e entusiasmo, ele estabelece sintonia com o auditório. É necessário exercitar a
criatividade para recriar o texto com originalidade, sem modificar a estrutura essencial”.
Para a autora, um bom contador de histórias não pode proceder como se estivesse num
palco representando, apesar de lhe ser permitido se envolver emocionalmente com a narrativa.
A postura do narrador deve ser sempre no mesmo nível dos ouvintes, de preferência, sentado.
Caso se agite muito ou se movimente de um lado para o outro, as crianças na saberão quem
transmitem pela voz e é o principal instrumento do narrador. Inclui aí o fato de nada disso
funcionar se ele não gosta de crianças, se não se diverte tanto quanto os ouvintes. Coelho
a) Intensidade: conforme a emoção que se quer passar, é ela que sugere o que acontece.
4
Coelho refere-se a crianças, ao público infantil. O presente trabalho, contudo, lida com práticas de narrativas
em foco a públicos pré-adolescentes e adolescentes e suponho a necessidade de uma mesma predisposição para
lidar com eles.
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Quanto à duração do conto para crianças maiores, Coelho (1986) sugere uma narração
principais história.
Souza e Dupas (2000) falam que o ambiente de narração está intimamente ligado a
térmico e em horários adequados. “[...] Contar histórias para crianças cansadas, com fome,
com vontade de ir ao banheiro não é nada gratificante!” (Souza; Dupas, 2000, p. 7).
mesma história é conveniente. As crianças, muitas vezes, a exigem porque, da primeira vez,
desconhecendo o que irá suceder, a expectativa é muito forte. Nas seguintes, com o enredo
as próprias emoções e são capazes de torná-las mais ricas, mais duradouras (COELHO, 1986).
interpretação, compreensão e outros pontos de interesse que a história provocou nas crianças
Coelho (1986) sugere, sempre que possível, propor atividades de enriquecimento, uma
RPG: a dramatização.
escolhem o próprio papel, resolvem entre si as situações de modo convincente, sem ser
desinibir os tímidos, retraídos, mesmo que não atuem como protagonistas. (COELHO, 1986).
3 ANALOGIA ENTRE TÉCNICAS DOS NARRADORES DE HISTÓRIAS E O RPG
produzidas no RPG não são lineares, ou seja, não possuem uma condução de história
desenrolar da história, pode tomar caminhos diversos, que dependem unicamente da decisão
dos jogadores. Objetiva, conforme Pavão (2000), justamente em desenvolver uma narrativa e
ações que abram os caminhos da trama proposta pelo mestre. Apesar de ser uma atividade
coletiva, cabe a organização do mestre para que ela ocorra, e para que os demais jogadores
tenham a base narrativa necessária. A partir daí, evoluam as próprias, que voltam para o
É a condução das aventuras dos mestres que chama atenção quanto à semelhança das
ainda que unilateral, responde ao estímulo dos ouvintes. Na busca pelo objetivo do trabalho,
mestres de RPG, em observação aos aspectos das fontes de produção, dos princípios de
narrativa que serão responsáveis por todo o decorrer do jogo. Se o mestre de jogo é o
chamado, daqui em diante apenas de narrador. Apesar dos rpgistas fazerem uso do mesmo
nome para denominar os mestres de jogo, causaria confusão não distinguir os termos para
questões referentes a sistemas de jogos, o significado de suas regras, a rede de relações que se
linguagem do grupo, o espaço físico onde se dão os encontros, a descrição de uma seção de
RPG, definição dos elementos que a caracterizam, a distribuição das funções entre os
mestre de jogo com os jogadores recorrem a referências feitas no momento do jogo para
realização de entrevistas com 23 mestres, de diversas faixas etárias e meios sociais, que atuam
em projetos educativos com o uso de RPG ou que se tornaram autores de livros de RPG. Não
comparativa aos preparos para a introdução de uma sessão de narração de histórias com as
exposições anteriores sobre os conceitos de RPG e narração de histórias até aqui expostos.
Não é objetivo desenvolver um tratado completo sobre todas as facetas da prática de RPG,
que se descreve a seguir são os primeiros apontamentos para se refletir os caminhos para a
O principio básico para dar-se início a preparação tanto de uma narração de histórias
quanto de uma sessão de RPG é o que contar. Conforme visto no capítulo 1, por Marcussi
(2005a), e no capítulo 2, por Coelho (1986), tanto nas atividades de narração de história
quanto nas práticas de RPG lança-se mão do uso do livro (apesar de não se configurar numa
necessidade, para um ou outro) para dar base à narração e permitir a adaptação do conteúdo
atividade. É um ponto em que se percebe semelhanças, visto que é muito comum, mestre e
narrador, terem uma fonte pré-definida de histórias ao qual contar. O narrador terá lido o livro
Porém, Pavão (2001) considera, quanto aos caminhos que o mestre providencie para
jogo que o mestre necessita para construir o que seria o princípio da narrativa vai além da
leitura do livro de RPG. Aliás, mais do que qualquer jogador, o mestre precisa conhecer o
de RPG ou da própria habilidade criativa5. Para quem deseja “mestrar”, é considerada uma
condição importante para se impor como tal em um grupo de jogadores. O mestre, além de
ficção (histórias em quadrinhos, filmes e livros), desde que apresentem teor de suspense,
para a seleção inicial da história são (COELHO, 1986): o interesse do ouvinte e a faixa etária.
5
Pavão (2001), escreve sobre o relato de um mestre feito que revela a impressão. Muitos mestres sequer lêem o
livro de RPG, satisfazendo-se com uma ligeira leitura que dê conta apenas da compreensão das regras básicas,
mas que pouco se aprofundam nos longos textos de descrição, como detalhes de ambientação e regras de cunho
mais suplementar, o que, na opinião desse mestre, empobrecia a criação de uma boa história. Pavão conclui que
nem mesmo os livros de RPG’s eram integralmente lidos, e que os mestres utilizavam-se de outras fontes.
6
As narrativas criadas nos RPG’s supõem, na grande maioria, aventuras. A tônica dos jogos pressupõem sempre
a superação de desafios.
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A condição sócio-econômica também pode ser considerada, quando relacionada com o acesso
a educação, e conseqüentemente, com o hábito de ler, considerada no RPG uma relação direta
indivíduo. Pavão (2000) supõe que pouca prática de leitura leva jogadores e mestres a obter o
das revistas em quadrinhos. A autora, assim, salienta que o fato do RPG ser um jogo de
leitura da história, o mestre deverá ser atencioso quanto à escolha das temáticas das narrativas
“sugeridas” aos jogadores, pois se uma aventura se passar numa ambientação da Idade Média,
a possibilidade narrativa dos jogadores estará intimamente ligada aos conhecimentos que
possui sobre o mencionado período histórico que serve de cenário. Caso não possua
informações sobre a Idade Média, não será capaz de desenvolver narrativas ricas com os
antemão, tudo o que for necessário para que os jogadores e mestres sejam supridos com
que se buscam nos contos valem também para o RPG: o uso de uma linguagem sem
personagem. Os consensos iniciais entre mestre e jogadores definem por qual uso de
Coelho (1986) fala ainda do estudo, ao invés do decoro, por parte do narrador, da
história que irá narrar. Para o mestre, a tarefa demanda um trabalho maior, pois lhe caberia
não estudar uma história pronta (ainda que ele possa usar de histórias prontas como acréscimo
à capacidade imaginativa), caberia criá-la, e não de forma total, apenas os pontos narrativos
entendimento, conhecer outros textos. O que se entende é que, antes que ocorra a
interatividade oral entre os jogadores, o mestre deve preparar-se antes com uma reunião de
leituras, de idéias, não completamente reunidas e definidas, mais que devem estar presentes
antes do jogo, antes de dialogar narrativamente com os jogadores. A reunião pessoal de idéias
ações e reações que os jogadores venham a executar. Por exemplo, se uma aventura se
com tal narrativa (e é esperado que prossiga sob pena de anular a diversão da história),
quartel (como dito no capítulo 1, pode ser um cenário real ou imaginário), bem como detalhes
todas as informações descritas que o mestre viesse a possuir, em soma a própria habilidade
melhor a próxima ação narrativa, e forneceria ao próprio mestre, informações mais complexas
da realidade, no jogo).
leitura da história, divertir-se com ela e absorver o conteúdo que a história venha a possuir, ou
seja, agradável ao narrador, que por vez traria gosto aos ouvintes, então primordialmente o
mestre seria tão detalhista na busca de informações para criação narrativa quanto os jogadores
se importarem com elas (PAVÃO, 2000). Estudar a narração, para o mestre, mais do que diz
Coelho (1986), não é apenas captar os elementos principais presentes em sua estrutura. Estaria
que Souza e Dupas (2000) dizem: a maneira de contar histórias deve criar um ambiente de
sentidos dos ouvintes. Quem se propõe a contar uma história, conforme Coelho (1986), a
estuda. Tendo em vista as características dos elementos que a compõem, adquire maior
adaptações convenientes e trabalha cada elemento com a devida técnica. Adaptar não significa
semelhante à indicação de Coelho (1986) quanto à faixa etária de histórias para crianças
acima de 10 anos, como visto no capítulo 1.1, e que mostra uma concordância nos conteúdos
tanto das narrações de histórias quanto no do RPG. Novamente friso que o objetivo do
7
Friso que não se trata dos únicos temas que existem nos RPG’s, apesar de, como observado nas referências
consultadas, serem os mais predominantes,
34
trabalho é a aplicação de RPG para adolescentes, mas, considerando a autora, são contos de
Ao fim das atividades de narração de histórias realizadas por Souza e Dupas (2000),
realizavam-se a coleta de dados de cada experiência, para perceber as obras mais solicitadas
dados são discutidos pela equipe responsável pela atividade, e serviam de base para o
planejamento de futuros trabalhos. Os livros de RPG, por diversas vezes, orientam os mestres
a consultarem os jogadores para saber que tipo de aventura eles querem jogar. O que se
percebe nas duas atividades, é que fica claro o objetivo final: o ouvinte, que é a razão de
contar ou não uma história. Seria um fator para um mestre considerar na elaboração de
princípio, não foram desejadas. Radino (2001) critica o conto de história como atividade
mesmo cabe no caso do RPG: não contar histórias de forma mecânica e cheia de
cumprimentos programáticos.
RPG.
a história, apresenta-se o enredo como uma sucessão de episódios (os conflitos) que surgem
e o que é detalhe. O essencial deve ser contado na íntegra e os detalhes podem fluir por conta
O RPG, como uma construção interativa e espontânea, uma troca narrativa com
caminhos abertos pelo mestre, tem por resultado a surpresa de não se saber exatamente o que
tal desenrolar pode produzir, a não ser que haja interferência direta do mestre em introduzir
2000). Tal fator aberto de grande imprevisibilidade torna quase impossível o controle de
linearidade prevista por Coelho (1986). Não se podem determinar quantas sucessões de
podem incluir uma previsão de quantas cenas a narrativas pode vir a possuir, mas a condução
dos jogadores é que determinará quais episódios previstos pelo mestre serão jogados, e quais
não, e quais novos podem surgir sem possibilidade exata de previsão. O mestre oferece os
rumos possíveis de serem abertos, mas os mesmos caminhos podem ou não ser trilhados.
Rodrigues (2004) refere-se ao que um título de RPG atribui sobre o que seria o
todos se divirtam. Para a autora, tal trabalho seria um exercício de quase onisciência do
mestre em prever os fatores decisivos da trama ou, mais direto, prever as ações e falas de cada
termine, mas, ao mesmo tempo, o título de RPG assume que não seria possível o controle
36
sobre a forma que a história assumiria por causa da interatividade exercida pelos jogadores. A
sugestão, segundo a autora, é que o mestre crie conflitos e deixe os jogadores resolverem, que
a história não seja planejada em excesso, mas que o mestre atente ao rumo que está sendo
seguido.
Após o clímax, nada mais de importante deve ocorrer. A narrativa encaminha-se para
o desfecho, a conclusão. A história acaba. Para a autora, uma boa conclusão não aponta a
moral da história nem faz aplicação de lições. Conta-se o que aconteceu. As conclusões
pertencem aos ouvintes, o que parece esperar que o mesmo ocorra no RPG, visto que possui
como objetivo a diversão, e também não deveria conter lições de moral, salvo por um desejo
Quanto a recurso de apresentação das histórias, como abordadas por Coelho (1986), de
simples narrativa, é adequada à atividade de RPG, pela própria característica das histórias,
que incluem geralmente lendas, fábulas e histórias recolhidas da tradição oral, que mais do
que contribuir para estimular a criatividade, a exige, o que mostra uma desaprovação da
autora quanto ao uso de material ilustrativo, por desviar a atenção do ouvinte infanto-juvenil.
Radino (2001) vai mais além e critica a valorização das ilustrações e a escolha, por tal
critério, de livros para a faixa etária infantil. Para a autora, por mais que a ilustração se
importante quanto o código escrito, ainda mais para crianças que já são imersas num mundo
plenamente o desafio de imaginar o que ela escuta, ou vê, ao invés da imagem pronta.
Ainda assim, Coelho (1986) considera o uso da narrativa com auxílio de livro, devido
tão rica quanto o texto ou até mais. Pavão (2000) constata que os livros de RPG, em geral,
linguagem do RPG, e, como fonte ficcional dos jogadores, tais como as histórias em
quadrinhos (observada como forte fonte de referência na formação leitora dos jogadores),
conta com as ilustrações, que, mais do que servirem para ilustrar o texto possuem, em si,
textualidade. Percebe-se que, da parte do mestre, não seria simples afastar veementemente a
do jogador. Por outro lado, as ilustrações presentes nos RPG’s, especialmente em livros com
ambientações fantásticas, são úteis para apreender os elementos imaginativos que comporão a
narrativa.
mundo do jogo, e desenvolvendo o pacto ficcional descrito por Rodrigues (2004). Quanto a
interrupções, a condição narrativa do RPG a considera algo normal, esperado, que ocorrerá a
qualquer momento, durante a interação verbal. O que é indesejado é a conversa sobre assuntos
que não sejam relativos a narrativa que ocorre durante o jogo. Afinal, o RPG é um momento
de representação de personagens, num cenário virtual. Qualquer coisa falada que não
levar em conta que o RPG é uma ocasião social, um jogo, uma brincadeira, portanto, um
sessão de jogo se resumisse aos elementos do próprio jogo. Enfim, deverá se buscar um senso
entre todos os participantes sobre o quanto se pode e o que não pode falar extrajogo.
38
(RODRIGUES, 2004). Não é apenas uma prática de contar histórias. A presença de regras o
[...] Se regras que envolvem dados são necessárias para decidir, por
exemplo, se vampiros percebem ou não, um carro patrulha, o objetivo do
jogo não é, principalmente contar histórias. Trata-se de um jogo que
determinados autores, com muita inventividade, pesquisa e esforço
colocaram no espaço da narrativa e do mito. (RODRIGUES, 2004, p. 139).
Rodrigues (2004) admite que algum fator externo à narrativa precisa existir porque, no
justificar, e o personagem interrogador se declarar não convencido, apenas para não dar o
braço a torcer, geraria um impasse. Numa narrativa de autoria única, o autor decide quem
convence quem, mas num enredo que, por exemplo, cinco pessoas são autoras, algum tipo de
arbitragem é indispensável.
respectivamente, lineares e interativas. O que se procura descrever são atributos que regem as
duas atividades, e como uma pode, ou não, se apropriar de características uma das outras.
predisposição para lidar com crianças8, ter consciência de que a história é a importância,
postura do narrador sempre deve ser no mesmo nível dos ouvintes, de preferência, sentado.
8
Coelho refere-se a crianças, ao público infantil. O presente trabalho, contudo, lida com práticas de narrativas
em foco a públicos pré-adolescentes e adolescentes. Suponho a necessidade de uma mesma predisposição para
lidar com eles.
39
Caso se agite muito ou se movimente de um lado para o outro, as crianças não saberão quem
acompanhar: o narrador ou os personagens. As emoções devem ser transmitidas pela voz, que
Quanto ao mestre, Pavão (2000) apresenta o que seriam os atributos para se atuar
como mestre de jogo. O mestre é aquele que possui a leitura mais profunda do livro de RPG,
além de possuir uma cultura geral que seja relevante ao uso em jogo, ou seja, um atributo de
leitura. Vale destacar que o fato da leitura ser considerado um valor entre os “rpgistas”, não
deixa de existir os que se interessam apenas pelo jogo em si, sem preocupações com a fonte
da narrativa. O mestre também tem que garantir que os jogadores se divirtam. Edificar a
estrutura da história ao invés de contá-la sozinho9, o que o obriga a estar atento quanto a
facilitado pela organização, mas só será possível com o uso de noção narrativa.
Coelho (1096) fala de repetir a história para as crianças de forma a reintegrar o enredo
continuação das histórias, entre as sessões de jogo, mais precisamente no início. As sessões
são novamente ligadas por um resumo dos acontecimentos da sessão anterior a fim de
outros barulhos, em ambiente com conforto térmico, num horário adequado (SOUZA;
DUPAS, 2000). Os jogadores de uma partida de RPG, dentro de uma biblioteca, podem gerar
um fator delicado. Numa sessão de RPG, o diálogo entre o mestre e os jogadores gera barulho
9
É fato também que a posição do mestre permite alterar o destino de uma narrativa. O uso de tal poder, contudo,
foge totalmente ao objetivo proposto pelo jogo. Ainda que os jogadores possam não se dar conta. Não seria ético
para o jogo.
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próximo a de uma conversa animada de amigos, quando não uma pequena algazarra. O RPG é
um jogo de contar histórias, e os jogadores tomados pelo ritmo do jogo podem se empolgar.
adotada para permitir a leitura silenciosa dos usuários, o que exigiria da biblioteca, salas
antiacústicas para evitar problemas sonoros que poderiam incomodar os demais usuários da
biblioteca.
Outro fator percebido é que ser mestre não parece ser uma imposição possível por
parte do próprio (PAVÃO, 2001). O grupo de jogadores precisa gostar de jogar com
facilmente identificado como o participante mais maduro do grupo; que mais se identifica
com o material do livro; atencioso com todos os participantes; capaz de cativar o grupo e
conhecimentos e criações, por fontes de informação que darão origem a fontes de imaginação,
um diálogo com outros textos. São alguns dos aspectos autodidatas do mestre, levantado por
Rodrigues (2004).
Rodrigues (2004) alerta, quanto ao fato de livros de RPG, em geral, não apresentarem,
em si, os caminhos para a produção de histórias, caminhos para práticas literárias. A autora,
na verdade percebeu, numa entrevista com o autor do livro de RPG Vampiro, que o próprio as
possui, bem como sabe empregá-las como estratégia e inspiração na produção de narrativas.
Alguém com pouca ou nenhuma prática, e que utilize o livro como o único instrumento para
tal fim, está fadado a propor enredos pobres em conteúdo e sentido. Jogar RPG pode exigir
certa intimidade com obras literárias e jogá-lo pode incentivá-los a ler. Caberia ao
pretensa analogia. Mas, a forma do texto do conto, e do RPG, são diferentes, tanto na
condução e na forma final que o texto se apresenta, quanto nos atributos necessários para se
produzi-lo.
escrito dos livros de histórias infanto-juvenis, somado ao treino da oratória, percepção pelo
gosto dos ouvintes, conhecimento básico de elementos narrativos e gosto pessoal por contar
histórias.
O mestre de RPG lida com narrativas interativas, com obrigatório uso do livro de
regras e de ambientação, além da desejável, quase exigida, leitura de diversos textos para a
Enquanto que os textos utilizados pelo narrador são histórias prontas ajustadas à forma
oral, o texto utilizado pelo RPG é uma obrigatória mistura de conhecimentos extraídos de
vários textos, mesmo não lidos de forma linear, desde que adequado a suprir necessidades
narrativas pretendidas, pois os textos precisam se dialogar. Tal forma e leitura não cabem
apenas ao mestre, como também aos jogadores, para serem capazes de agir dialeticamente nos
Quando se pensa que tanta coisa deve ser apreendida para jogar RPG, dentro do que
propõe os títulos sobre o assunto, percebo que o entusiasta do jogo precisa absorver muita
presente nos títulos de RPG. Mesmo alguém que o joga há muito tempo, dificilmente não
cenário, para dali se extrair idéias para a narrativa. Os livros de RPG, cedo ou tarde, tendem a
trabalho da biblioteca, terá por obstáculo lidar com o tempo para apreender a pesquisa e o
estudo que o trabalho de ser mestre demanda, no estudo nas fontes de informação “rpgistas”, e
conjugá-las com a carga horária da biblioteca. Mesmo que ele mantenha produção do jogo
envolta em boa capacidade de organização, ainda sim não garante grande controle na
condução prática. Não seria possível dizer que o caminho da narrativa se dará por todos os
passos que o mestre determinou de antemão, nem que os jogadores, ao terminar o jogo,
conseguirão atingir um tipo de resultado. Claro que um mestre que manipule a condução da
trama para tal fim e obrigue os jogadores a caminhos narrativos pré-determinados pelo mestre
seguirão o plano conforme determinado, mas o resultado final seria semelhante aos obtidos
nos videogames, onde as tramas do jogo impedem a liberdade dos jogadores em alterar o
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diálogos múltiplos acarreta níveis excessivos de barulho, superiores aos existentes numa
O RPG tem que ser visto como uma atividade prazerosa, tal como se coloca o hábito
de ler. Contar histórias, para crianças, na biblioteca, não é garantia de que despertará o gosto
pela leitura. Assim será com o RPG. Os jovens que se prestam a passar horas ou mais
contando histórias uns para os outros, podem ser desprovidos do entendimento funcional da
narrativa, mas mostram interesse apenas pela existência do caráter lúdico, e ainda sim,
tal como a catalogação ou a serviço de referência, que precisam, ou responder por uma
demanda, ou apresentar a avaliação dos resultados para medição do nível de qualidade, pode
ser difícil. Na melhor das hipóteses, imagino obter o grau de satisfação dos adolescentes
usuários da biblioteca, quanto ao RPG, por observação direta, ou entrevista. Mas de fato,
Bibliotecários que almejam adotar o cargo de mestre de jogo terão, diante de si, a
realidade de lidar com adolescentes que possuam pouco ou nenhum hábito de leitura, mas que
gostam de jogar ou desejariam conhecer o RPG. Apresentar uma prática que considera o
hábito de leitura como princípio de valor para sua realização, em pessoas que não o possuem,
ou que tenham referenciais ficcionais de outras fontes que não a literatura, como os tirado dos
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pretenso jogador que a princípio busca uma tarde de lazer na biblioteca, e no qual o
bibliotecário aproveita como gancho para inserir contato com os livros da biblioteca apresenta
Normalmente jogos são prazerosos, mas um que exige tanto do indivíduo em conhecer
diversas coisas, apenas para um jogo, afastará uma provável comunidade adolescente de
futuros usuários da biblioteca. É importante lembrar que a maioria dos títulos de RPG se
destina a um público jovem-adolescente, com faixas etárias a partir de 14 anos10, então, deve
O bibliotecário teria que lidar com um possível referencial teórico de fantasia pouco
desenvolvido devido a parcos, hábito de leitura, entre certos grupos de adolescentes. Uma
saída seria adaptar o referencial dos jogadores, para que tenham um maior aproveitamento na
hora de jogar RPG, tal como os narradores de histórias. Por exemplo, o bibliotecário poderia,
com jogadores que apreciam histórias em quadrinhos, extrair de gibis (e utilizar uma gibiteca,
caso haja, na biblioteca) informações que servirão de base para complementar as dos
jogadores. O setor de referência também pode muito bem ser explorado para fornecer, de
antemão, o necessário para que os jogadores e outros mestres, que não o bibliotecário, mas
que desejassem usar o espaço da biblioteca, fossem supridos com material para basearem as
próprias narrativas, e, ampliar referenciais ficcionais. Quem sabe poderia se criar um novo
simplesmente não desejarem jogar o RPG proposto pelo bibliotecário, porque o sistema de
regras escolhido não foi considerado adequado para refletir a realidade ficcional proposta.
10
O que não quer dizer que os títulos de RPG se destinam apenas para tal faixa etária. Alguns, como os de
Achilli et al (1999), são recomendados para adultos.
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Afinal, numa narração de história simples, bastaria o narrador mudar o conto dentre o
repertório preparado, caso percebido não que agradava ao grupo. Mas, no RPG, uma mudança
de opinião por parte dos jogadores coloca a perder todo um esforço intelectual gasto na
preparação do princípio da narrativa. Para evitar o tempo perdido e garantir um índice maior
de usuário, qual seria o melhor jogo para implementar. Aliás, não é obrigado que, o mesmo
bibliotecário, crie a história e a mestre. Bibliotecários poderiam dividir as tarefas entre si: um
narrativa, reuniria os aspectos autodidatas do mestre de jogo descritos por Rodrigues (2004).
Como um reforço auxiliar, poderia se colocar, em meio ao grupo de jogadores, alguém que já
histórias de RPG, servisse de ligação entre informações contidas nos preparativos do mestre,
Acredito que a medida torne o saber das informações e o jogar mais leve e divertido, como se
o “assistente de RPG” fizesse parte do trabalho dos jogadores que teriam, em pesquisar, ler
complementar, ou não, conforme a vontade do usuário, o que o assistente lhe revelou, durante
a aventura.
São considerações que foram reunidas com o intuito de mostrar revezes que deverão
para as críticas que apresentei. Existe um real motivo, no trabalho, possuir um caráter semi-
inconcluso. Talvez, imitando o próprio RPG, desejo iniciar, de minha narrativa autoral, uma
narrativa interativa.
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REFERÊNCIAS CITADAS
BRITO, Andressa de Paiva; et al. Vivendo e aprendendo com a leitura nos fins de semana:
uma experiência em oficinas de leitura. [Recife]: UFPE, 2002. Disponível em:
<http://www.prac.ufpb.br/anais/anais/educacao/vivendoeaprendendo.pdf>. Acesso em 22 ago.
2006.
COELHO, Betty. Contar histórias: uma arte sem idade. São Paulo: Ática, 1986. 77 p.
______. Jogos de representação: elementos e conceitos essências (II). 2005. Disponível em:
<http://www.rederpg.com.br/portal/modules/news/article.php?storyid=2572>. Acesso em 20
ago. 2006.
SOUZA, Lígia Maria Silva e; DUPAS, Maria Angélica. Ler é prazer: os projetos de
incentivo à leitura da biblioteca comunitária da UFSCar. Disponível em:
<http://snbu.bvs.br/snbu2000/docs/pt/doc/poster019.doc>. Acesso em 21 ago. 2006.
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REFERÊNCIAS CONSULTADAS
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São Paulo: Devir, 1999. 311 p.
BARCELLOS, Gládis Maria Ferrão; NEVES, Iara Conceição Bitencourt. Hora do Conto: da
fantasia ao prazer de ler: subsídios a sua realização em bibliotecas públicas. Porto Alegre:
Sagra-DC Luzzatto, 1995. 136 p.
COOK, Monte; et al. Dungeons & dragons: livro do jogador. São Paulo: Devir, 2001. 286 p.
_____. Dungeons & dragons: livro do mestre. São Paulo: Devir, 2001. 256 p.
DOHME, Vânia D’Angelo. Técnicas de contar histórias. São Paulo: Informal, 2000. 223 p.
HAVELOCK, Eric. A equação oralidade-cultura escrita: uma fórmula para a mente moderna.
In: OLSON, David R.; TORRANCE, Nancy. Cultura escrita e oralidade. 2. ed. São Paulo:
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JACKSON, Stevie. GURPS: generic universal roleplaying system: módulo básico. 2. ed. São
Paulo: Devir, 1994. 278 p.
PEREIRA, Carlos Eduardo K.; et al. O desafio dos bandeirantes: aventuras na Terra de
Santa Cruz. Rio de Janeiro: GSA, 1992. 129 p.
RPG E ARTE. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 1996. 316 p.
SIMPÓSIO DE RPG E EDUCAÇÃO, 1., 2002, São Paulo. [Anais...]. São Paulo: Devir,
2004. 280 p.