Você está na página 1de 7

Novas fronteiras na

Amazônia

Hervé Théry
UMR TEMPS -
École Normale Supérieure / IRD
Paris

Cruzando fronteras en América latina


Tercer Congreso de latinoamericanistas
Amsterdam 3-6 de Julio de 2002
Algumas imagens, reali-
zadas a partir de indica-
dores estatísticos, podem
contribuir ao debate sobre a
evolução e os possíveis
destinos da Amazônia bra-
sileira. Sua analise permite
maior esclarecimento sobre
a situação atual, visto que
revelam peso relativo
menor no conjunto do pais,
jogam uma luz cruel sobre a
discrepância com outras
regiões e deixam presumir
aumento dos conflitos de
usos da terra nos proximos
anos.
Uma seleção de indica-
dores de várias ordens (grá-
fico n° 1) mostra a clara
defasagem existente entre a
superfície ocupada pela
Amazônia e o sua impor-
tância econômica e social:
invejável, para o qual a Amazônia supera sua
enquanto ela representa 60 % da superfície do
quota de território é o número de mortos em
Brasil, seu PIB é 5% do nacional; reúne apenas
conflitos fundiários…
10 % da população urbana e 12 % da popula-
ção total do país, e, um pouco mais – 14 % – Em termos de população, a Amazônia Legal
dos migrantes recentes, das estradas, do núme- continua sendo a parte menos povoada do país:
ro de municípios. O único indicador, pouco mesmo que a região tenha ganhado 13 milhões
de habitantes desde 1970 (ou
seja, um aumento de 172 %
enquanto para o restante do país
o percentual foi de 82 %), ela
continua representando um
pouco mais de 12 % do total
(contra 8 % em 1970). As densi-
dades continuam baixíssimas:
4,18 habitantes por km2 para a
Amazônia Legal enquanto a
média nacional é de 20 hab/
km2. O mapa n° 2 revela clara-
mente o contraste entre as mas-
sas de população do Sudeste-Sul
e as poucas concentrações que se
alinham, na Amazônia, em volta
dos rios e – a gradativa força
de influência – das estradas e
das capitais. A Amazônia
continua sendo, portanto, a
grande reserva de espaço do
país, a sua última fronteira de
migração e de expansão eco-
nômica.
Além destes aspectos, a
região continua sendo tam-
bém uma fronteira de recur-
sos, notadamente para a
madeira, um produto-chave,
cada vez mais cotado nos
mercados internacionais, na
medida em que esgotam-se as
reservas asiáticas. A opinião
dominante até recentemente
era que a madeira amazônica
encontrava nos mercados
externos os seus melhores
clientes: contrariamente, a
pesquisa realizada pelas ONG
Imazon e Amigos da Terra
(cujos dados foram usados
para o mapa n° 3) demonstrou
que esta madeira é vendida
principalmente no mercado
nacional. A exportação tem
algum peso somente para os
Estados do Amazonas e do
Pará, neste último caso, sendo
ainda inferior às vendas reali-
zadas para o Nordeste e
Estados do Sudeste. È para
esta região que a maior parte
das toras, cortadas nos
Estados de Rondônia e Mato
Grosso, são levadas.
Este mercado altamente
promissor e o investimento
tecnologico nas experiências
de manejo da madeira e sua
difusão podem se tornarem
mais significativas do que o
atual processo de coleta sele-
meira região produtora; em ambos casos o
Nordeste assumiu a liderança cultivando,
com sucesso, em ecossistemas mais secos,
tão distintos da Amazônia, suas plantas
nativas. Um processo já ocorrido com a
seringueira, sendo bastante provavel, sua
repetição com outras plantas. A recíproca é
raramente verificada, com a excepção do
dendê, uma das raras plantas bem adaptada
na Amazônia. Fora estes produtos específi-
cas, o peso da Amazônia nos principais
ramos da agricultura nacional é modesta: a
região só se destaca na produção da man-
dioca, base da alimentação regional, e deve
respectivamente ao Maranhão e ao Mato
Grosso, estados marginais e em boa parte
situados fora dos ecossistemas amazônicos,
os seus sucessos, nos casos do arroz, dos
bovinos e da soja.
Bovinos e soja (mapa n° 4 e mapa n° 5)
são, sem duvida as produções que mais
aumentaram nas ultimas décadas, e avanço
para o noroeste de ambas culturas configu-
ra uma potente frente pioneira capaz de
transformar profundamente a situação da
região: grandes estabelecimentos agrícolas,
altamente capitalizados e – no caso da soja
– mecanizados, estão se expandindo sobre
regiões menos capitalizadas, cruzando as
fronteiras dos cerrados para penetrar em
florestas até então intactas, ocupando mais
profundamente a Amazônia,
Este avanço é apenas o último episódio
de uma historia mais longa, iniciada com a
tiva, de garimpagem das essências mais valori- abertura das primeiras estradas transamazô-
zadas. nicas, na década de 1960 e prolongando-se
com substantivos investimentos, em curso, no
Principal fonte de madeiras para o mercado âmbito do Programa Plurianual (PPA) 2000-
brasileiro, a Amazônia poderia ser também for- 2203 (mapas n° 6 e n°7). As rodovias facilita-
necedora de produtos agrícolas? Para alguns ram a chegada de migrantes de outras regiões,
deles, bem específicos, como a castanha do e com ela, vários tipos de efeitos, positivos ou
Pará, o látex, o palmito, o açaí ou a pimenta do não. A construção de novos eixos, a melhoria
reino, ela mantém, de fato, uma quase-exclusi- das hidrovias, das redes de telecomunicações e
vidade, uma primazia. No entanto, para produ- a ampliação das infraestruturas de geração e
tos tão nitidamente amazônicos como o uru- transporte de energia, estão provocando pro-
cum e o guaraná, o Norte já deixou de ser a pri- fundas mudanças no quadro geral da
uma das maiores biodiversi-
dades mundiais, a valorização
destes recursos pode-se dar-
lhe a direção de um novo
modelo de desenvolvimento,
baseado na exploração destes
recursos.

Entre os fatores mais sus-


ceptíveis de produzir profun-
dos efeitos na região, a aber-
tura de ligações com os países
vizinhos, até então impossí-
veis dadas as distancias e as
dificuldades de penetração
nas densas matas que a
cobrem. Hoje, circula-se nor-
malmente na estrada que liga
Manaus a Caracas, via Boa
Vista, e a conclusão do último
trecho, entre Saint Georges
de l’Oyapock e Regina, na
Guyana francesa, possibili-
tará a conexão de Macapá
com três Guyanas. Com a
Bolívia, trechos de fácil aces-
so já existem, via o Mato
Grosso e outros, menos esta-
belecidos, estão sendo aber-
tos via Rondônia. O acesso
ao Peru, e de lá ao Pacífico,
se faz razoavelmente bem via
Assis Brasil, no Sul do Acre,
sem esperar as ligações pre-
vistas, há longo tempo, via
Cruzeiro do Sul. Dos vizin-
hos amazônicos do Brasil,
apenas a Colômbia não tem
hoje um acesso rodoviário,
porque o projeto da rodovia
Amazônia, economica e estrategicamente: ape- Perimetral Norte nunca foi
sar de todos estas defasagens, ela pode achar concluído.
nessa mudança um novo ímpeto, ou ser com- A conclusão das obras desses eixos e os
pletamente subordinada à interesses externos. investimentos associados, públicos e privados,
Colocando-se esta região como detentora de levará à mutações que transformarão
pelos teóricos da geopolítica
militar, pouco mais de trinta
anos atrás, foram quase
todos realizados (mapa n°
10), mesmo se o contexto
mudou radicalmente: já que
não de trata mais de conquis-
ta e de satelização, mas de
cooperação transfronteiriça
e de integração continental.
Alguns eixos foram privile-
giados, as infra-estruturas
planificadas se concentram
em boa parte ao longo de
dois eixos. Um deles é de
orientação Sul-Norte, o eixo
Araguaia-Tocantins e o
outro Sudeste-Noroeste,
aquele que liga, via Cuiabá,
Manaus e Boa Vista, São
Paulo (e portanto o
Mercosul) ao Caribe: os
investimentos consentidos
estão configurando um novo
eixo continental que oferece
uma alternativa – passando
pelo território brasileiro – ao
principal eixo Norte-Sul
profundamente a situação da Amazônia, ou ao
atual, a Carretera Panamericana que leva da
menos, em alguns corredores que a atraves-
Tierra del Fuego ao Panamá. As obras em
sam, enquanto outras partes permanecem into-
curso, herdeiras daquelas que vem sendo rea-
cadas. Estes investimentos desenham um
lizadas desde os anos 1970, estão fazendo da
zoneamento de fato, que faz das infindáveis
Amazônia, em vez de um espaço marginal, de
discussões teóricas sobre o assunto, um deba-
um no man’s land, no coração do continente,
te sem grande relevância. A atenção deveria
um novo centro, um nó de conexão entre
ser focalizada, na verdade, sobre o pontos crí-
países que viviam de costas uns para os outros.
ticos, aqueles onde os novos eixos cruzam ter-
Os posicionamentos comuns e os acordos em
ritórios protegidos, unidades de conservação e
matéria de meio ambiente que vêm fazendo os
terras indígenas (mapa n°8) ou zonas impor-
paises da Grande Amazônia demonstram o
tantes para a conservação da biodiversidade.
momento da integração. Não é evidente que
Conflitos são especialmente prováveis nos
tal mutação só traga vantagens e benefícios
pontos onde coincidem relevância ecológica,
para a Amazônia, mas, sem dúvida, trará nova
altos investimentos e assentamentos da refor-
e duradoura atenção para uma região que
ma agrária (mapa n°9)
suportou e ainda suporta uma marginalização,
Vale destacar que os eixos imaginados de efeitos tão negativos para seus habitantes.

Você também pode gostar