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O “despertar internacionalista”:

desenvolvimento e relações internacionais


do Rio Grande do Sul (1983-2002)

André Luiz Reis da Silva*

Resumo:
Este artigo tem como objetivo analisar as relações internacionais do Governo do Estado
do Rio Grande do Sul nas décadas de 1980 e 1990. Desde o final dos anos 1980, foi
ocorrendo um “despertar internacionalista” do Rio Grande do Sul, através da percepção
dos agentes do Estado da importância da variável internacional. O misto de receio e
euforia sobre o Mercosul, a crise nas exportações de calçados, a forte dependência
externa e a guerra fiscal para atração de investimentos estrangeiros foram alguns dos
elementos centrais neste processo. Esta conjuntura causou maior interesse em questões
internacionais e provocou uma série de iniciativas regionais, inclusive com a constituição
de uma secretaria de assuntos internacionais.

Palavras-chave: Relações Internacionais. Paradiplomacia. Rio Grande do Sul. Unidades


subnacionais.

Introdução

Esse artigo tem como objetivo analisar as relações internacionais


do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, nas décadas de 1980 e 1990.
Embora a execução da política externa do Brasil seja monopólio do Go-
verno Federal, as diversas unidades subnacionais (estados e municípios)
vêm, nas últimas décadas, intensificando as parcerias internacionais, pela
crescente percepção do impacto das transformações no sistema mundial
sobre as regiões.
De fato, desde a última década, o mundo viu ampliar-se a emergên-
cia de novos temas nas relações internacionais, como comércio eletrôni-
co, patentes, narcotráfico, direitos humanos, direito da integração, mino-
rias, gênero, etc. Esses temas, geralmente associados ao processo de

*
Professor de História das Faculdades Porto-Alegrenses (FAPA) e do Curso de Graduação
em Relações Internacionais da UFRGS. Doutorando em Ciência Política (UFRGS). Pesquisa-
dor Associado do Núcleo de Relações Internacionais da UFRGS. E-mail:
reisdasilva@hotmail.com. Agradeço a Eliane Gheno e Vagner Corrêa, alunos do Curso de
História da FAPA, pela contribuição na coleta de dados para esta pesquisa.
410 Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007
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transnacionalização e ao enfraquecimento do Estado Nacional, vêm de-
mandando das chancelarias um esforço adicional para acompanhar os
novos debates e a nova situação internacional. Esses novos temas têm
imposto um novo diálogo entre os governos e a sociedade civil acerca dos
assuntos internacionais, propiciando a abertura de novos canais de rela-
cionamento internacional, no que as unidades subnacionais, por estarem
mais próximas das demandas da sociedade civil, têm importante papel.
O Estado do Rio Grande do Sul, com fronteiras internacionais e
uma história densa de relacionamento com outras regiões da Bacia do
Prata, tem uma posição privilegiada no acompanhamento das questões
relativas à integração sul-americana. No caso do Estado gaúcho, chama a
atenção o pioneirismo na criação, em 1987, da Secretaria de Assuntos
Internacionais, com a especial função de acompanhar a inserção do Rio
Grande do Sul no processo de negociações para a formação do Mercosul e
com ela colaborar. Nas últimas duas décadas, crescentemente os gover-
nos gaúchos vão conferindo maior importância à atuação internacional,
com uma intensa agenda e, sobretudo, articulando suas estratégias de
desenvolvimento com percepção da agenda internacional.
Nesse sentido, o presente artigo procura, a partir do estudo do caso
do Rio Grande do Sul, analisar as conexões possíveis entre Relações Inter-
nacionais e unidades federadas, tema que tem ocupado espaço político e
econômico no contexto internacional e pelo qual a globalização tem pro-
vocado especial interesse. Este trabalho busca, assim, compreender a in-
serção internacional como uma dimensão da política do governo gaúcho.
Além disso, como é um primeiro trabalho de sistematização dessas rela-
ções, pretende levantar problemas de investigação que exigem
aprofundamento posterior.

Relações Internacionais e unidades subnacionais

A problemática proposta, no presente trabalho, levanta questões


teóricas que exigem algumas considerações, ainda que breves. Entre estas
questões, podem ser elencadas: o duplo papel do Estado Nacional, como
agente interno e internacional; a formulação da política externa e a capa-
cidade de as unidades subnacionais formularem e articularem relações
internacionais.
Para o estudo das relações internacionais de um governo, em espe-
cial as condições de sua formulação, é central a percepção do Estado como
elemento de mediação entre interesses dos diversos grupos da sociedade
civil e, internamente, no próprio aparelho de Estado. O Estado, longe de
ser um agente “neutro”, está ele também sujeito às pressões internas e
externas que tentam definir o projeto de desenvolvimento. Dessa forma,
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considera-se aqui, como eixo de interpretação, pertinente entender a ori-
gem dos diversos projetos de desenvolvimento e de inserção internacio-
nal, bem como as lutas existentes para defini-la. Para tanto, deve ser
levado em conta a serviço de qual grupo, setor ou classe social determina-
da política foi implementada. Mesmo sendo um ator de peso, o Estado
Nacional convive, no sistema internacional, com outros atores e forças
que pouco dependem de sua atuação. A política externa é aqui entendida
como uma das esferas de atuação do Estado Nacional, que implementa e
orienta relações com outros Estados. Ela é, portanto, a projeção para fora
dos interesses de um Estado. Do cruzamento entre as políticas externas
dos diversos Estados é que se forma o sistema interestatal.1
Recentemente, a globalização tem sido uma expressão empregada
para definir o quadro geral das relações internacionais. Associada a essa
noção argumenta-se que as relações comerciais e financeiras se tornaram
mais importantes do que as questões relativas à segurança internacional
e que o Estado Nacional está deixando de ser o ator central nas relações
internacionais e na própria organização das sociedades.
Cada vez mais o sistema internacional adquire maior grau de com-
plexidade, com a diversificação e o aumento do número de atores. Com a
crescente transnacionalização da economia, nas últimas décadas, e seus
reflexos na comunicação e na política, foi ampliada a interface ou comuni-
cação externa de organizações, grupos e até mesmo indivíduos, bem como
das unidades subnacionais. O processo de transnacionalização tem pro-
vocado o aumento da possibilidade de um problema local se transformar
em problema global, bem como o aumento da velocidade da informação e
o barateamento do seu custo. Conforme James Rosenau, os cidadãos dis-
põem agora de maior número de canais para expressar seus interesses,
equipados com maior capacidade de modelar cenários e atuar além dos
Estados. Para Rosenau, a constituição de uma “opinião pública mundi-
al”, associada à capacidade crescente das organizações não-governamen-
tais de mobilizar lealdades além fronteiras e de influenciar as políticas
dos Estados e as relações entre eles, tem provocado uma inflexão em que
o pólo do poder internacional está passando dos Estados para as socieda-
des.2
Entretanto, se são identificadas inúmeras situações pelas quais o
Estado perdeu sua proeminência, também são apontadas outras que

1
Ver: MERLE, Marcel. Política Externa e Relações Internacionais. IN: BRAILLARD,
Philippe.(org.) Teorias das Relações Internacionais. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1990.; MILZA, Pierre. Política Interna e Política Externa. IN: RÉMOND, René (org.). Por Uma
História Política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.
2
ROSENAU, James e CZEMPIEL., Ernst-Otto. (orgs.) Governança sem governo: ordem e transfor-
mação na política mundial. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora da Universidade de
Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000, p. 19-20.
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mostram seu fortalecimento e manutenção. 3 Ponderando sobre a
representatividade e as formas de participação da governança, Ali
Kazancigil lembra que, até o momento, a governança global tem se base-
ado em interesses de investidores internacionais, com pouca considera-
ção dos interesses sociais. Ainda não há instituições representativas no
cenário global, pois a democracia está territorialmente alicerçada e os
cidadãos expressam suas escolhas políticas dentro de limites nacionais e
sua projeção ocorre através do Estado Nacional.4
Dessa forma, é fundamental reconhecer a importância crescente
dos atores sociais no processo de formulação da política externa. Confor-
me Fred Halliday, a relação do Estado com a sociedade é constantemente
afetada pelo internacional. Ambos, Estado e sociedade, procuram ganhar
apoio para seus conflitos internos em fontes internacionais.5 Além das
pressões sociais nos assuntos internacionais, percebe-se, todavia, o cres-
cente aumento da força das unidades subnacionais, que sentem, de forma
mais próxima, as demandas econômicas e sociais de uma região. Confor-
me Saraiva, desde a constituição de 1988, os estados e municípios brasi-
leiros tiveram seu poder aumentado em diversos setores, embora com
semi-autonomia, mantida a partir do controle dos grandes instrumentos
de gestão macroeconômica e do choque de recentralização, “amarrando”
os governos estaduais com a Lei de Responsabilidade Fiscal.6
Além das questões jurídicas, é necessário, contudo, verificar o pa-
pel das coalizões de governadores na relação com o Governo Federal.
Conforme Saraiva, “a pressão política direta dos governadores na dire-
ção do poder executivo federal e do Congresso Nacional vem sendo a
forma mais explícita de agir das unidades subnacionais. A depender do
quadro de coalizões internas dos partidos na base de sustentação do go-
verno nacional, vários governadores vêm aproveitando esse relaciona-
mento para explorar brechas de ‘autonomia relativa”.7
Além disso, muitos governadores têm utilizado suas viagens in-
ternacionais e de suas assessorias para obter financiamento, ampliar as
exportações de seus Estados ou obter assessoria técnica e intercâmbios
científicos. Outra dimensão importante é o posicionamento geográfico

3
HALLIDAY, Fred. Op., cit., p.89. Ver também: WALTZ, Kenneth. Globalization and
governance. Political Science and Politics. Vol. XXXII, Num.4, december, 1999, p. 693-700.
4
KAZANCIGIL, Ali. A regulação social e a governança democrática da mundialização. In:
MILANI, Carlos; ARTURI, Carlos e GERMÁN, Solinís. (Orgs)Democracia e Governança mundi-
al: que regulações para o século XXI? Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS/ UNESCO, 2002, p.
54.
5
HALLIDAY, Fred. Op., cit., p.100.
6
SARAIVA, José Flávio. A busca de um novo paradigma: política exterior, comércio externo
e federalismo no Brasil. Revista Brasileira de Política Internacional, n 47, vol. 2 , 2004. p. 134-135.
7
Ibid, p. 147.
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das regiões brasileiras. Enquanto os Estados do Sul voltaram para o
Mercosul, conseguindo, inclusive, maior participação nessas exportações,
existe a tendência de os Estados do Norte criarem relações com os países
andinos, assim como os Estados do Nordeste, com a África, a Europa e o
Caribe. Nesse sentido, estudos mostram que os Estados do Sul e do Sudes-
te respondem por cerca do 90% do comércio com o Mercosul.8
Embora as relações internacionais mantidas pelas unidades
subnacionais tendam a um papel complementar e cooperativo da políti-
ca externa brasileira, nem sempre é essa a situação verificada. Em muitos
casos, as relações internacionais dessas unidades se opõem frontalmente
à visão oficial do Itamaraty, como ocorreu com a crítica feita pelo governo
Olívio Dutra às negociações da ALCA, no período 1999-2002, e a tendên-
cia a estabelecer relações com opositores ao neoliberalismo. Para tentar
fazer frente a essa crescente demanda, o governo Fernando Henrique Car-
doso, sob o discurso de preocupação com que as ações das unidades
federadas estivessem em consonância com os princípios diretores da po-
lítica externa brasileira, criou, em junho de 1997, a Assessoria de Relações
Federativas do Itamaraty, destinada simultaneamente a apoiar e
monitorar os movimentos das instâncias subnacionais. Assim, podemos
considerar que a diplomacia federativa constitui a estratégia de um esta-
do ou município para desenvolver, no âmbito de sua autonomia, política
internacional.9
Em síntese, o estudo das relações internacionais do governo do Rio
Grande do sul revela como o governo buscou externamente recursos para
seu projeto de desenvolvimento, bem como responder demandas políti-
cas e sociais. As prioridades estabelecidas e as interpretações sobre o
sistema internacional podem ser reveladoras de sua política interna e
regional, evidenciando seus atores, seus interesses e suas inter-relações.

Jair Soares (1983-1987): a crise internacional


já abala o Rio Grande do Sul

Nas eleições de 1982, Jair Soares foi eleito, beneficiado pela estraté-
gia política de abertura do regime militar. A passagem do bipartidarismo
(ARENA/MDB) para o multipartidarismo em 1979 teve como efeito a
“implosão” do MDB, com a saída de diversos grupos de esquerda que não

8
Ibid, p. 148-149.
9
RODRIGUES, Gilberto. Política externa federativa: análise de relações internacionais de
Estados e municípios brasileiros. Coleção Tese. Rio de Janeiro: CEBRI, 2005.
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adentrariam no PMDB. Em 1982, com a divisão dos votos entre PMDB
(33,5%) e PDT (20,42%), o PDS alcançou o governo do Estado com 34,1%
dos votos.10
No discurso de posse, em 15 de março de 1983, Jair Soares destaca-
va a transição democrática, conduzida pelo “presidente João Figueiredo,
arquiteto maior, condutor seguro e avalista principal do projeto de aber-
tura que os rio-grandenses, os brasileiros de todas as plagas e a própria
história, haverão de consagrar como o grande estadista da pacificação
nacional”.11 É interessante notar que Jair Soares, numa tentativa velada
de defesa do governo Federal, associava a crise econômica do Rio Grande
do Sul a fatores internacionais.
O Governador Jair Soares descrevia o cenário internacional
vivenciando um período de crise econômica, destacando que “vemos a
violência grassar em vários países do terceiro mundo. As filas de desem-
pregados se alastram na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. A econo-
mia internacional claudica perplexa ante a dificuldade de retomar a rota
que lhe permita superar a estagnação e recuperar os índices de cresci-
mento perdidos”. O governador avaliava que, em um universo profun-
damente interligado e interdependente nas relações comerciais, financei-
ras e mesmo políticas, a persistência da crise internacional, que já se
prolongava por quase uma década, não poderia deixar de repercutir ex-
traordinariamente sobre um país com economia em desenvolvimento,
crescimento demográfico elevado e demanda anual de novos empregos
em contínua aceleração. O Rio Grande do Sul sofria, por ser um Estado de
“forte vocação exportadora, as dificuldades internacionais se refletem de
forma especial, na medida em que os preços se aviltam e o mercados
escasseiam”.12
O governo Jair Soares também considerava muito concentrada a
pauta de exportações do Rio Grande do Sul (40% soja e 17% calçados), o
que fragilizava a atuação do comércio exterior do Estado em uma conjun-
tura internacional de crise e com adoção de medidas protecionistas. Com
o objetivo de promover as exportações, tinha como projetos assessorar
empresários na busca de oportunidade de negócios e participação em
feiras e exposições. Já era também identificada a dificuldade dos peque-
nos e médios empresários para ingressar no mercado internacional. Para
tanto, deveriam ser realizados seminários de capacitação para exporta-
ção, inclusive no interior do Estado. Buscaria também a identificação de

10
TRINDADE, Hélgio e NOLL, Maria Izabel. Estatísticas eleitorais comparativas do Rio
Grande do Sul (1945-1994). Porto Alegre: Ed. UFRGS/ ALERGS, 1995. p. 221.
11
SOARES, Jair. Discurso de Posse do governador. Zero Hora, 16 mar. 1983, Caderno Espe-
cial, p. 06.
12
Ibid.,
Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007 415
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oportunidades para a formação de consórcios e a promoção de
comercialização em conjunto.13
É interessante notar que o governo Jair Soares pleiteava o ressarci-
mento, pela União, das desonerações fiscais nas exportações, que havia
comprimido a receita do ICMS gaúcho. Pregava, inclusive, a “suspensão
temporária da utilização plena dos créditos originários de matérias-pri-
mas e insumos a serem aplicados em produtos industrializados com des-
tino ao exterior, sob o abrigo da imunidade”.14 Por outro lado, criticava a
falta de mercados externos para os produtos gaúchos, alegando ser este
um dos principais fatores da crise econômica da economia estadual: “A
economia regional sofre o impacto dos altos custos dos insumos produti-
vos, das taxas de juros que se situam em níveis acima do razoável, da
dificuldade de comercialização dos seus produtos no mercado externo e
da redução do poder aquisitivo da população, fruto dos índices inflacio-
nários”.15 Em seu discurso de posse, não há nenhuma proposta de coope-
ração internacional, Fora uma breve referência aos exemplos de desen-
volvimento alemão e japonês, não há maiores referências às relações in-
ternacionais.
Em meados da década de 1980, a crise econômica do Rio Grande do
Sul era visível. A produção agrícola se mantinha num patamar cuja supe-
ração parecia impossível, com violenta oscilação de preços em função de
fatores climáticos, do pouco aumento de produtividade, bem como da
queda dos preços internacionais. A produção industrial estava em estag-
nação, com baixa capacidade de atração de investimentos externos. O
setor público mergulhava em uma crise fiscal decorrente do desequilíbrio
orçamentário e do esgotamento de sua capacidade de endividamento.16

Pedro Simon (1987-1990): a criação da Secretaria de


Assuntos Internacionais

Pedro Simon venceu, pelo PMDB, as eleições de 1986 para governa-


dor, conquistando 41,68% dos votos, contra 23,65% da candidatura de
Aldo Pinto (PDT/PDS). No discurso de posse, Pedro Simon afirmava que
“O Rio Grande é bem maior do que a sua crise atual, e por isso mesmo ela

13
SOARES, Jair. O Rio Grande somos nós – faça sua parte. Programa de governo 1983-1987.
Porto Alegre, 1982, p. 187.
14
Ibid., p. 111.
15
SOARES, Jair. Discurso de Posse do governador. Op. Cit., p. 06.
16
MULLER, Carlos Alves. História econômica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Banrisul,
1998, p. 224
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haverá de ser superada, passando a se constituir numa triste página vi-
rada da História”.17
Já no início do Governo, o Secretário de Indústria e Comércio, Alberto
Mosmann, afirmava que os “saltos de qualidade deverão ser buscados
através de uma política mais agressiva, trazendo para o Estado ‘empre-
endimentos de grande densidade e importância’, que devem ser atraídos
‘de onde estiverem’, não só através de incentivos especiais e setoriais,
mas ‘principalmente com estabelecimento de uma política industrial de
longo prazo’” Mas não é apenas no setor industrial que se faz sentir a falta
de uma linha de ação definida. O novo secretário via o mesmo problema
no comércio, principalmente no comércio exterior. Este problema tendia
a se agravar, segundo ele, com o incremento das relações financeiras en-
tre os países do Conesul, propiciado pelos acordos recentemente firma-
dos. O secretário Mosmann argumentava que era necessário evitar que o
Rio Grande do Sul se transformasse em um simples corredor de mercado-
rias e por isso deveria desenvolver um intenso trabalho, juntamente com
o seu colega, Ricardo Seitenfus, encarregado das relações exteriores: “a
participação nos benefícios advindos destes acordos é um direito do nos-
so Estado, tanto mais que a Argentina, por exemplo, tem concentrados
aqui mais de 30% de seus negócios com o Brasil”.18
No plano do desenvolvimento econômico, o principal objetivo do
governo Simon era a atração de investimentos de grande densidade de
capital e tecnologia, que poderiam assegurar um efeito multiplicador so-
bre a base produtiva instalada no Estado. O principal instrumento de
promoção de novos investimentos no Rio Grande do Sul seriam os incen-
tivos fiscais, que futuramente poderiam aumentar a base de arrecadação
dos impostos, principalmente o Imposto sobre Circulação de Mercadori-
as (ICM). Assim, o governo criou, em outubro de 1987, o Programa Esta-
dual de Desenvolvimento Industrial (PROEDI), reordenando os incenti-
vos fiscais, materiais e financeiros previstos no Fundo Operação Empresa
(FUNDOPEM) criado em 1972. Tratava-se de ampliar os incentivos fiscais
que já eram concedidos pelo antigo FUNDOPEM, baseado na idéia de que
parte “ICM novo” gerado pela empresa poderia ser investido nela mes-
ma.
Em agosto de 1987, também foi criado o Sistema Estadual para
Atração e Desenvolvimento de Atividades Produtivas (SEADAP), com o
objetivo de reorganizar a ação dos órgãos da Administração Estadual, no
sentido de facilitar a atividade empresarial, adaptando o aparelho go-
vernamental à alavancagem das atividades produtivas no Estado.19 Em

17
ENTREVISTA com Alberto Mosmann. Zero Hora, 16 mar. 1987, p. 9.
18
Zero Hora, 26 mar. 1987, p. 20.
19
MENSAGEM à Assembléia Legislativa – Governador Pedro Simon. 1988, p. 105-106.
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1988, foi criado o Programa de Promoção Industrial do Estado do Rio
Grande do Sul (PROIND), um instrumento de mobilização empresarial,
visando promover atração de investimentos.20 Conforme a Secretaria de
Indústria e Comércio, o governo do Estado desejava, “habilitar o Estado
na expansão do setor automobilístico nacional, expandindo a produção
local de caminhões/ônibus e de autopeças (unidades existentes e novas a
implantar), além de aqui sediar uma unidade montadora de utilitários e
automóveis, para atender o acréscimo da demanda nacional e de expor-
tação”.21
No âmbito das relações internacionais, destaca-se a criação da SEAI
- Secretaria Especial para Assuntos Internacionais (Decreto Nº 32.515 de
15/3/1987). A SEAI foi criada como um instrumento de promoção do de-
senvolvimento do Rio Grande do Sul, objetivando potencializar as rela-
ções internacionais do governo do Estado. No momento da posse como
secretário, Ricardo Seitenfus afirmou que as relações entre o Rio Grande
do Sul e os países do Cone Sul, sobretudo, Argentina e Uruguai, eram uma
das preocupações básicas do governo gaúcho e informou que criaria as
coordenadorias das relações com os países do Prata e que “se ocuparia da
captação de recursos junto a organismos internacionais como o Banco
Interamericano de Desenvolvimento, Banco Mundial e programas da
ONU”.22
O governo do Estado reconhecia os limites de uma secretaria de
assuntos internacionais, argumentando que não se tratava de fazer di-
plomacia afeta à esfera federal, de competência do Ministério das Rela-
ções Exteriores, nem de tratar de segurança territorial. O governo estadu-
al argumentava que as dimensões continentais do Brasil tornavam cla-
ras as especificidades dos interesses regionais dentro das diretrizes glo-
bais de política externa, argumentando que o Rio Grande do Sul era um
Estado particularmente internacionalista por características históricas,
geográficas, culturais e econômicas. 23
Visando basicamente a cooperação internacional para o desenvol-
vimento do Rio Grande do Sul, a SEAI se propunha a ser um organismo de
concepção, mantendo constante entrosamento com as demais secretarias
estaduais para a execução dos projetos elaborados. Propunha também a
articulação com organismos municipais e federais, visando a projetos
comuns, bem como ao envolvimento com entidades de classe, entidades
culturais e setores sociais diversos, salientando um vínculo permanente
como o Itamaraty para, junto a ele, agilizar ações federais de interesse do

20
MENSAGEM à Assembléia Legislativa – Governador Pedro Simon. 1989, p.105.
21
MENSAGEM à Assembléia Legislativa – Governador Pedro Simon. 1988, p. 109.
22
Zero Hora, 16 mar. 1987, p. 21
23
MENSAGEM à Assembléia Legislativa – Governador Pedro Simon. 1988, p. 201.
418 Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007
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Estado. A SEAI também desenvolvia diretamente negociações internacio-
nais, no que se refere à captação de recursos para o Estado e ao incremen-
to da cooperação comercial, tecnológica e cultural.24
A SEAI procurava pautar suas ações, a partir de quatro eixos: in-
serção do Rio Grande do Sul na política de integração dos países da Bacia
do Prata; cooperação financeira, comercial e tecnológica com países in-
dustrializados para sustentação dos projetos de desenvolvimento do Es-
tado; cooperação na área cultural, visando à reconstituição do mosaico
cultural gaúcho e incentivo às manifestações culturais e artísticas regio-
nais; cooperação nas áreas do ensino superior e de pesquisa, para inter-
câmbio técnico e de pessoal.
Observa-se que, no primeiro ano de governo, as principais ações
estavam dirigidas para a Bacia do Prata, dado o interesse do Rio Grande
do Sul na formação de um bloco econômico entre Brasil e Argentina e
Uruguai. Nesse sentido, foi criada uma Comissão Estadual para o Desen-
volvimento Integrado da Fronteira (CEDIF), para avaliar a inserção da
região no processo de integração. Destaca-se a elaboração de diversos
estudos prospectivos acerca do impacto da integração econômica sobre a
economia gaúcha, em especial na região da fronteira. No plano extra-
hemisférico, destaca-se a articulação com os países europeus, em especial
com a República Federal da Alemanha e a França.25 Com o Japão, ressalta-
se o acompanhamento, realizada pela Secretaria de Indústria e Comércio,
de representantes da JETRO (Japan Trade Center), organização oficial do
comércio exterior do Japão em visita ao Estado, e de viagem ao Japão para
participar de Seminário de promoção industrial e visitar empresas, com
objetivo de atrair investimentos para o Rio Grande do Sul.26
Em 1988, a SEAI foi organizada em três coordenadorias: Integração
com a América Latina, Apoio a Investimentos Privados e Cooperação
Internacional. Ainda assim, manteve os mesmos eixos de atuação, con-
centrando seus projetos na cooperação com os países do Cone Sul. Os
principais projetos giraram em torno das questões de fronteira e
integração micro-regional, buscando desenvolver distritos industriais
que pudessem ser aproveitados pelas comunidades fronteiriças do Bra-
sil, Argentina e Uruguai. Destaca-se a realização de estudos para propor-
cionar a instalação de um gasoduto Argentina-Brasil, dinamização eco-
nômica das regiões de fronteira, bem como propostas de integração cul-
tural. Na Secretaria de Indústria e Comércio, o Projeto de Comércio Exte-
rior, que integrava o Programa Gaúcho de Informações Comerciais, bus-

24
Ibid., p. 201.
25
Ibid., p. 202.
26
Ibid., p. 107.
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cava a diversificação dos produtos para ramos industriais. Dentro do
projeto de Comércio Exterior, ocorreu a inscrição em 22 países, junto aos
órgãos que auxiliam as exportações de países em desenvolvimento, no
sentido de obter o maior número possível de informações para produtos
fabricados no Rio Grande do Sul. O governo do RS também procurou
participar de feiras nacionais e internacionais.
Em síntese, no governo Simon foi criada a SEAI, com a justificativa
de que os processos de integração demandavam dos governos estaduais
maior iniciativa política para tratar de questões vinculadas à esfera in-
ternacional. Conforme o governo do Estado “(...) foi desenvolvido,
gradativamente, um rol de atividades, especialmente junto ao Ministério
das Relações Exteriores, com o objetivo de preservar os interesses do
Estado neste processo.”27 Dessa forma, o foco central da SEAI, durante o
período Simon, foi a integração latino-americana, conferindo especial aten-
ção à Argentina e ao Uruguai. O objetivo era posicionar o RS como um
importante espaço no esforço de integração e formação do Mercosul, atra-
indo investimentos e evitando sua marginalização. A maior parte dos
projetos de cooperação do governo gaúcho buscou promover a integração
física (estradas, portos) e econômica, em especial nas regiões de fronteira.
Ainda assim, do ponto de vista da atração de investimentos, a SEAI
procurou diversificar mais suas parcerias internacionais. Celebrou par-
cerias de negócios com diversas câmaras de comércio, em especial as re-
presentantes de países europeus. A cooperação internacional destaca-se
pela ativação do Convênio de Fraternidade entre o Governo do RS e a
província japonesa de Shiga, através da ampliação do intercâmbio em
biotecnologia; área agrícola; meio-ambiente e ecologia; ciência e engenha-
ria de materiais; tecnologia industrial. A parceria foi efetivada através do
intercâmbio de técnicos dos dois governos, bem como de pesquisadores
universitários e estagiários.
No programa de cooperação técnica recebida da Agência Brasileira
de Cooperação (ABC), destaca-se a cooperação recebida do Japão (JICA),
Alemanha (Estado de Badenwurtenberg), Espanha e Grã-Bretanha. A
maior parte da cooperação técnica recebida foi nas áreas de meio ambi-
ente, agricultura e turismo. No programa de cooperação técnica entre
países em desenvolvimento, destaca-se o relacionamento com países afri-
canos (Angola, Moçambique, Tanzânia), buscando essencialmente subsí-
dios e a experiência do RS nas áreas de desenvolvimento econômico, com
destaque ao fomento a pequenas empresas, transporte, agroindústrias e
reflorestamento.28

27
MENSAGEM à Assembléia Legislativa – Governador Alceu Collares. 1991, p. 223.
28
Ibid.,. 228.
420 Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
Alceu Collares (1991-1994): O Mercosul e
a inserção internacional do RS

Afastados do Piratini desde o governo de Leonel Brizola (1959-1962),


os trabalhistas reconquistaram o poder no Estado com a eleição do
pedetista Alceu Collares, em 1990. Collares (PDT-PSDB-PC do B) venceu o
segundo turno com 45,66% dos votos, com uma grande vantagem de vo-
tos em relação ao seu oponente, Nelson Marchezan (PDS-PFL), o qual al-
cançou 28,99% dos votos. Os votos nulos somaram 21,20%, e os brancos,
4,14%. A grande quantidade de votos nulos mostrava rejeição aos dois
candidatos e insatisfação geral com a política marcada, no plano federal,
pelo governo Fernando Collor.
O governo Collares descrevia a situação mundial como de tendên-
cia à globalização de mercados, que exigia do Estado maximizar as
potencialidades econômicas, objetivando atingir níveis mais elevados de
competitividade regional. O governo também considerava importante
que os setores público e privado compatibilizassem e modernizassem
suas estruturas de funcionamento para se adequar a esse novo cenário.29
A assinatura do tratado de Assunção, em março de 1991, criando o
Mercosul, provocou a ampliação das atividades da SEAI, que desenvolvia
seus trabalhos em três departamentos: Departamento de Assuntos de
Integração, Departamento de Cooperação Internacional e o Departamen-
to de Negócios Internacionais. Entre as principais atividades, figurava o
acompanhamento dos subgrupos de discussão, criados pelo Tratado de
Assunção, cujos objetivos eram harmonizar os diversos setores até o
mercado comum; a criação dos comitês setoriais; a criação do grupo
Codesul-Mercosul; o reconhecimento da Comissão Estadual para o De-
senvolvimento Integrado de Fronteira (CEDIF) como o organismo canali-
zador das demandas estaduais junto ao Ministério das Relações Exterio-
res e do Ministério da Integração.
O Departamento de Assuntos de Integração lançou, em 1991, o pro-
grama Disque-Mercosul, pelo qual atendia consultas sobre o processo de
integração, dispondo de um banco de dados sobre as empresas dos qua-
tro países e um cadastro de empresas interessadas em realizar negócios.
Foram também criados, em parceria com a FIERGS, comitês setoriais com
a finalidade de propor diretrizes para diversos complexos da indústria
gaúcha, face ao Mercosul. Estes comitês também incorporavam membros
de empresas, sindicatos e universidades.30 Foram também executadas
diversas ações culturais visando à integração do Mercosul.

29
MENSAGEM à Assembléia Legislativa – Governador Alceu Collares. 1992, p. 30.
30
Ibid., p 33.
Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007 421
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
O Departamento de Negócios Internacionais procurou capacitar e
assessorar as empresas gaúchas em parceria com entidades de comércio
e universidades, bem como uma cooperação com o Banrisul para prepa-
rar seus funcionários para a área de comércio internacional e do Mercosul.
Ocorreu o acompanhamento de missões estrangeiras (embaixadores, en-
carregados de negócios, adidos comerciais e empresários) do Senegal,
Nigéria, Canadá, África do Sul, Itália, Japão Rússia e Argentina.31
O Departamento de Cooperação Internacional avaliava que a
tecnologia necessária para o desenvolvimento do Estado deveria ser de
ponta, sendo “um dos caminhos indispensáveis a cooperação com técni-
ca com países do Primeiro Mundo. Nesse sentido, a SEAI está articulada
com a Agencia Brasileira de Cooperação para receber cooperação das
principais agências internacionais, notadamente Jica (Japão), GTZ (Ale-
manha) e ODA (Inglaterra)”.32 As principais áreas de cooperação eram
agricultura, meio ambiente, desenvolvimento urbano, saúde, educação,
produtividade e competitividade nas pequenas e médias empresas. Nos
convênios de Fraternidade, destaca-se a assinatura do Convênio de
Fraternidade entre o Rio Grande do Sul e a Província de Jamtland-Suécia,
com recepção de missões suecas nas áreas de reflorestamento, Saúde/
Aids, e “delinqüência” juvenil. No convênio de Fraternidade da Provín-
cia de Shiga (Japão), ocorreu a troca de especialistas em várias áreas, com
destaque para automação, mecânica de precisão, desenvolvimento
tecnológico. Foram também recebidos pelo RS agricultores japoneses para
conhecerem a agropecuária gaúcha, feita a troca de experiências e inicia-
dos acordos de cooperação com o Uruguai para estabelecimento de proje-
tos comuns na área de fronteira.
Em novembro de 1991, a Secretaria de Indústria e Comercio foi
transformada em Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Social
(SDES), que estabeleceu como linhas prioritárias “ações concentradas na
implantação e expansão de indústrias, interiorização, comércio exterior
e novos mercados, promoção da indústria petroquímica nas suas três
gerações e turismo.”33 Na mensagem do Governador de 1993, relativa ao
ano de 1992, interpretava-se que a crise econômica internacional, no cen-
tro capitalista desenvolvido, repercutia nos países subdesenvolvidos.
Apontava para o fim do ciclo recessivo norte-americano, o que poderia
melhorar o desempenho da economia internacional. Na sua avaliação,

“(...) O cerne de crise atual envolve a estrutura produtiva e o perfil de


demanda de inúmeros países notadamente desenvolvidos. A manifes-

31
Ibid., p 35-36
32
Ibid., p 37.
33
MENSAGEM à Assembléia Legislativa – Governador Alceu Collares. 1992, p. 149.
422 Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
tação do conflito materializava-se no contexto da Rodada Uruguai. O
Japão busca a preservação do mercado de produtos eletrônicos face
às atitudes de norte-americanos e europeus. Além da proteção anti-
dumping frente aos asiáticos, os Estados Unidos dão prioridade à
redução dos subsídios agrícolas do Velho Continente. Cabe à Comuni-
dade Européia preservar setores econômicos vitais ao seu desenvolvi-
mento. À margem, os países do Terceiro Mundo aguardam o desfecho
dos acontecimentos para visualizarem o epílogo das restrições às
suas pautas de exportações.” 34

Era visível a preocupação do governo gaúcho com as relações entre


os Estados Unidos e a América Latina, citando, inclusive, o Plano Bush
(Iniciativa das Américas – embrião da ALCA) e a possível formação de
uma área de livre comércio do continente americano. O governo do Rio
Grande do Sul também afirmava que a sociedade brasileira sofreu as
conseqüências diretas das medidas de política econômica do governo
Collor. Com a saída de Collor do governo e a posse de Itamar Franco, que
criou um ministério pluripartidário, o governo gaúcho afirmava que ha-
viam sido criadas novas expectativas para os agentes econômicos. A aber-
tura da economia brasileira “passou a ter um cuidado maior, e as
privatizações a sofrerem reparos na forma como vinham sendo procedi-
das.”35
Em 1992, em conjunto com o Ministério das Relações Exteriores, o
Departamento de Negócios Internacionais da SEAI procurou intensificar
a captação de investimentos, divulgando oportunidades de negócios in-
ternacionais, em especial para a formação de joint ventures, principalmen-
te americanas, italianas, polonesas, chinesas, canadenses, alemãs, portu-
guesas, francesas, espanholas e indianas. A divulgação foi realizada atra-
vés de câmaras de indústria e comércio, centros de indústria e empresas
privadas de assessoria no interior do Estado.
A cooperação internacional esteve centrada nos países do Mercosul,
nas tradicionais relações com a província de Shiga-Japão, bem como na
retomada do projeto Prorenda, em cooperação com a GTZ (Alemanha),
nas áreas de melhoria urbana e apoio à micro e pequena empresa. No ano
de 1992, ocorreu uma missão oficial do Governo do Estado aos Estados
Unidos, Japão, Hong Kong e Taiwan. Ocorreu também uma missão gover-
namental para Estados Unidos, Itália, França, Bélgica e Israel. Em relação
à província de Shiga, além da troca de experiências e da cooperação, des-
taca-se a visita do Secretário Adjunto de Educação e do Coordenador da
International Affairs Division de Shiga.36

34
MENSAGEM à Assembléia Legislativa – Governador Alceu Collares. 1993, p. 11.
35
Ibid, p. 15.
36
Ibid., p. 37.
Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007 423
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
Em relação ao Mercosul, em 1992, cabe apontar a finalização do
projeto binacional Brasil-Uruguai, em Montevidéu, para a execução dos
projetos reciclagem de resíduos sólidos; para a produção de leite no Bra-
sil e beneficiamento no Uruguai; para a casa binacional do artesanato
(envolvendo municípios fronteiriços). Em conjunto com a Secretaria de
Desenvolvimento Econômico e Social, a SEAI organizou uma missão téc-
nico-empresarial à Argentina, visitando as cidades de Buenos Aires e
Córdoba. Houve também a visita do Governador de Missiones a Porto
Alegre, que culminou com a assinatura de protocolo de Cooperação com o
Estado.
Em 1993, o Departamento de Negócios Internacionais da SEAI, pro-
moveu uma série de eventos visando à divulgação e à informação sobre
comércio exterior. A SEAI participou da instalação do Trade Point, em
Porto Alegre, para facilitar o comércio exterior, reunindo prestadores de
serviços públicos e privados. O Departamento de Cooperação Internacio-
nal procurou ampliar a cooperação técnica do RS, através da organiza-
ção de um seminário, com a participação da Agência Brasileira de Coope-
ração (ABC/MRE) e de diversas instituições municipais, estaduais e fede-
rais. Efetuou o cadastramento de peritos/consultores para cooperação
técnica de instituições municipais, estaduais e federais sediadas no Rio
Grande do Sul, bem como o cadastramento dos pontos focais de coopera-
ção técnica das instituições gaúchas.37
A SEAI recebeu a missão de empresários chineses que visitou o
Estado, no segundo semestre de 1993, mantendo contato com organiza-
ções como FIERGS, FARSUL e empresários de diversas áreas da indústria
gaúcha. A SEAI acompanhou, em 1993 a comitiva oficial do Senegal em
visita à Secretaria de Educação, Fiergs, Federação das Associações Co-
merciais de Porto Alegre, quando foram tratados assuntos de interesse
comum entre o Senegal e a Capital do Estado. A Secretaria de Desenvolvi-
mento Econômico enviou para a Casa Civil um projeto de Lei para a cria-
ção da Zona de processamento de Exportação (ZPE) no município de Rio
Grande. A ZPE de Rio Grande, criada por Decreto Federal, em novembro
de 1993, foi concebida como um instrumento de desenvolvimento regio-
nal, que estabeleceria ligações com o mercado local de mão de obra,
insumos, matérias primas e empresas, nela se estabeleceriam empresas
produtoras de bens destinados à exportação.38
Diante do quadro de maior abertura econômica, nos anos 1990,
com a adoção de políticas neoliberais na condução da economia brasilei-
ra, ocorreu maior dependência comercial e financeira do exterior o que
tornou o país mais vulnerável às oscilações da economia mundial e às

37
MENSAGEM à Assembléia Legislativa – Governador Alceu Collares. 1994, p. 35-36.
38
Ibid., p. 140-141.
424 Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
expectativas de investidores externos. A partir de 1994, a adoção do Pla-
no Real, em um contexto de moeda sobrevalorizada, ocasionou enormes
custos financeiros e a perda de competitividade da produção nacional
em relação ao exterior, com reflexos negativos na balança de pagamen-
tos.39 O Rio Grande do Sul, após representar, em 1993, 0,14% das exporta-
ções mundiais, perdeu participação daí em diante. Conforme Beki Macadar
e Teresinha Bello,

“Os produtos gaúchos que mais expandiram suas vendas ao exterior


no período 1992-1999 foram: madeira, borracha e suas obras; móveis,
carnes; e caldeiras, máquinas, aparelhos e instrumentos mecânicos.
Os que mais se retraíram foram: ferro e aço, carne industrializada,
soja em grão; farelo de soja; armas e munições; ferramentas, artefa-
tos, cutelaria e talheres; e calçados”. 40

Em contrapartida, o destino das exportações do Estado foi se modi-


ficando durante a década de 1990. Na década de 1980, a África, a América
Latina e o Oriente haviam perdido importância para as exportações do
Rio Grande do Sul, em função da crise cambial dos países periféricos.
Enquanto isso, os países desenvolvidos apresentavam um mercado em
expansão para os produtos gaúchos. Nos anos 1990, houve inversão no
fluxo de comércio, em direção ao Mercosul e países latino-americanos,
enquanto perdia-se lentamente o mercados do NAFTA e da União Euro-
péia.41

Antonio Britto: neoliberalismo e atração de


investimentos (1995-1998)

A eleição de 1994 deu a Antônio Britto (PMDB), ex-ministro da Pre-


vidência Social e ex-deputado, a chance de vingar a derrota sofrida, em
1988, para Olívio Dutra (PT), na eleição para a prefeitura de Porto Alegre.
Na disputa pelo Piratini, Britto venceu Olívio no segundo turno com
49,58% dos 5,4 milhões de votos dos gaúchos. Sobre a questão do papel do
Estado nas políticas públicas, Britto afirmava que, em algumas áreas o
Estado, ele deveria ser ampliado, enquanto,em outras, deveria diminuir:

39
MACADAR, Beki ;BELLO, Teresinha. O contexto internacional e o comércio externo do Rio
Grande do Sul na década de 90. In: FLINGENSPAN, Flávio (org.) Economia gaúcha e reestruturação
nos anos 90. Porto Alegre: FEE, 2000, p. 206.
40
Ibid., p. 207
41
Ibid., p. 207
Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007 425
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
“(...) Não nos move a preocupação de escolher entre mais ou menos go-
verno. O Rio Grande precisa é de melhor governo. Que poderá ser mais,
onde hoje está ausente ou tímido, como na educação, na segurança públi-
ca, na saúde ou na assistência social. E que poderá ser menos, onde hoje
ainda responde pelo que não lhe cabe mais”.42 Em relação às empresas
públicas, Britto extinguiu a Cohab e a Caixa Econômica Estadual,
privatizou a CRT e vendeu dois terços da CEEE.
A posse do novo presidente e dos governadores ocorreu no dia de
início do Mercosul como bloco econômico. Antônio Britto, no discurso de
posse, saudou o Mercosul como um importante espaço para o desenvol-
vimento do Rio Grande do Sul que não poderia ser desperdiçado:

“(...) Se hesitarmos no enfrentamento das dificuldades, o Mercosul –


destino natural de grandeza para o sonho gaúcho de integração –
poderá resultar em mais uma oportunidade perdida, a maior de todas.
Não temos o direito de ser pessimistas. Nossas riquezas, nossa posi-
ção geográfica e, acima de tudo, nossa gente nos proíbe de temer o
futuro. (...) Na Argentina, no Uruguai, no Prata e no Brasil, o dia de
hoje marca, igualmente, o início da plena vigência do Mercosul. Feste-
jo estes dois fatos históricos. Abraço nossos irmãos Argentina, Uru-
guai e Paraguai”. 43

Para agilizar a captação de recursos e financiamentos externos, o


governo gaúcho instituiu, em dezembro de 1995, o Programa Estadual de
Captação de Recursos Internacionais. Os principais eixos de captação de
recursos foram o Banco Mundial (BIRD) e o Banco Interamericano de De-
senvolvimento (BID). Em 1995, foi assinado com o BID o Contrato de Fi-
nanciamento do Programa de Desenvolvimento Racional, Recuperação e
Gerenciamento Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Guaíba – Projeto
Pró-Guaíba, que estava em negociação com o banco, desde 1989.
O governo Britto afirmava que, dentro dos limites da sua capaci-
dade de intervenção, empenhava-se em executar uma política ativa de
atração de investimentos externos e de apoio ao capital local. O governo
acreditava que o desenvolvimento dependia da implantação de novos
empreendimentos empresariais, pela necessidade de incorporar setores
que, ainda ausentes, detivessem “vantagens comparativas no processo
de competição internacional ou que pertençam aos setores motores da
inovação tecnológica. Os efeitos de espraiamento destes setores são capa-

42
ZH, 02/01/1995, Jornal da Posse, pg. 09. (trechos do discurso de posse do Governador Antônio
Britto)
43
Ibid.
426 Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
zes de promover um verdadeiro choque de modernidade nas atividades
de produção e nas relações comerciais da economia mundial”.44 Entre os
empreendimentos de grande impacto, o governo Britto destacava a am-
pliação do pólo petroquímico e a vinda de uma montadora de automó-
veis. Como incentivo, o governo alterou as regras do Fundopem, aumen-
tando os limites de incentivo do ICMS.
Em janeiro de 1995, foi criada a Secretaria do Desenvolvimento e
dos Assuntos Internacionais (Sedai), resultado da fusão da SEAI com a
SEDES. A nova pasta tinha como função o incentivo à implantação e à
expansão das atividades produtivas do Estado, no âmbito do fomento ao
desenvolvimento, e as ações voltadas ao incremento e à facilitação das
relações do Estado com outros países, no âmbito dos assuntos internaci-
onais. Em 1995, o Departamento de Assuntos Internacionais da Sedai des-
tacou, como principais realizações, a implantação, no Rio Grande do Sul,
do escritório do Ministério das Relações Exteriores em funcionamento
junto à Secretaria; a ampliação do Disque-Mercosul; a assinatura de con-
vênios entre o Governo do RS e a Confederação Geral das Indústrias da
Argentina e com a Câmara das Indústrias do Uruguai. Na área de comér-
cio exterior, o Departamento destacou a organização e a co-promoção em
feiras internacionais. Destacava também a reorientação das políticas
públicas de Comércio Exterior, mais articuladas com o setor empresarial.
Nesse sentido, foi organizado, conjuntamente com a Fiergs, a Federasul e
o Sebrae, o calendário de Feiras de 1996.45
Em dezembro de 1996, a General Motors (GM) anunciou que im-
plantaria uma montadora de veículos no Rio Grande do Sul, para a pro-
dução de 160 mil carros populares por ano. Interessado em que a fábrica
fosse instalada no RS, o Governo do Estado ofereceu uma série de benefí-
cios, como incentivos fiscais e infra-estrutura subsidiada. Entre os incen-
tivos, o Governo gaúcho lançou mão do Fundopem e criou o Fomentar.
Este último constituía um fundo especial para beneficiar a GM, através
do qual a empresa teria o recolhimento do ICMS financiado pelo Estado.
No leque de vantagens, destacam-se a concessão de uma área de cerca de
450 hectares, ampliação de rodovias, construção de portos, além de ener-
gia e água.
O projeto de instalação da GM gerou um grande debate na socieda-
de gaúcha, em função dos prováveis custos e benefícios. A instalação da
montadora foi noticiada com alarde pela mídia, como uma vitória do
pensamento “modernizador” do governo gaúcho, calcada na idéia do
“efeito multiplicador” que a instalação de tal indústria poderia realizar
na economia do Rio Grande do Sul. Os críticos consideravam, no entanto,

44
MENSAGEM à Assembléia Legislativa – Governador Antônio Britto. 1996. P. 35.
45
Ibid., 56-57.
Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007 427
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
excessiva a concessão de benefícios e argumentavam que a vinda da GM
não significava a redenção da economia gaúcha, em função do caráter
mundializado da produção. O próprio Diretor de Infra-Estrutura da Se-
cretaria Geral do Governo, Ricardo Ringel, afirmava que o Estado não
lutaria por novas montadoras, dado o seu alto custo: “Acho difícil que
venham outras. O esforço do governo foi tão grande, que seria pesado
disputar uma segunda. Sai caro”.46 Entretanto, o governo Britto negociou
a vinda de uma montadora da Ford. Na Assembléia Legislativa, a oposi-
ção entrou com pedidos para estudar o contrato, num debate que polari-
zou a sociedade gaúcha nos anos seguintes.
O governo Britto se referia ao ano de 1997 como aquele que repre-
sentava, na história recente da economia gaúcha, “um ponto de inflexão
entre um passado caracterizado pela ausência de perspectivas e um pre-
sente rico em novas oportunidades de investimentos.” O governo se refe-
ria ao anúncio de instalação da Ford no Estado, que significava transfor-
mar o ambiente regional, de uma “economia predominantemente de
agribusiness em um parque industrial moderno e competitivo, exigências
constantes da nova ordem econômica internacional”. O governo afirma-
va que o Estado gaúcho estava se inserindo na economia global, conside-
rando as transformações ordem econômica internacional. O otimismo
também aparecia na apreciação da conjuntura internacional, na qual o
governo afirmava que

“A sociedade gaúcha percebeu a formação de um novo horizonte no


Estado, a partir de um amplo espectro de investimentos que optou
pelo Rio Grande do Sul como destino final. Foi uma escolha madura
na nova geografia política que tomou forma neste extremo do conti-
nente, a partir da estabilidade monetária no âmbito nacional e da
consolidação do Mercosul no contexto internacional”. 47

Na Sedai, foi desenvolvido um programa denominado “política


exterior”, que objetivava o desenvolvimento de ações no âmbito interna-
cional, destinadas à promoção, proteção e defesa dos interesses do Estado
do Rio Grande do Sul. No ano de 1997, destacam-se as relações com a
Ásia, seguida pelo Mercosul e pela Europa. Em relação à Ásia, houve uma
missão governamental à China e ao Japão, com o objetivo de captar a
implantação de centros tecnológicos no Estado, com a alocação de empre-
sas de pequeno e médio porte de alta tecnologia e atração de nipo-brasi-
leiros (‘dekasseguis’). Foram também enviados técnicos gaúchos de di-
versas áreas para a província de Shiga (Japão).

46
Correio do Povo, 04/12/1996, p. 17
47
MENSAGEM à Assembléia Legislativa – Governador Antônio Britto. 1998, p. 15.
428 Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
No âmbito do Mercosul, ocorreram visitas aos Estados argentinos
de Entre-Rios e Santa Fé, onde também aconteceu o Seminário Técnico da
Borracha. O Chile também recebeu uma missão governamental, dentro
do programa de internacionalização do setor de rochas ornamentais, para
apresentação do setor a investidores. Em 1997, também houve missões
do Governo à Europa. A missão à Espanha e à Grã-Bretanha foi retribuí-
da com a visita de diversas empresas e grupos espanhóis e ingleses ao
Estado. A missão à Alemanha evidenciou o interesse da região da Baviera
em estreitar relações comerciais com o Estado. A Rússia e a Argentina
também foram visitadas, esperando desenvolver negócios para o setor
moveleiro.
Em 1998, a Ásia consistiu na principal região de relacionamento
internacional do Governo do RS, juntamente com o Mercosul. Houve o
recebimento de uma missão de especialistas do setor de autopeças, para
encontros de negócios, resultantes da missão governamental ao Japão em
novembro de 1997. Foi recebida também uma holding japonesa do setor
de autopeças (Sumitomo) para estudar a viabilidade de instalação de
empresa no complexo automotivo. O governo realizou uma promoção
comercial do Estado em Brasília, reunindo embaixadores e conselheiros
comerciais da Ásia/Oceania, Austrália e Oriente, com o convite para visi-
tar o RS. Da Província de Shiga/Japão, foram recebidas missões para in-
tercâmbio técnico nas áreas de educação, prevenção de acidentes, assis-
tência social, entre outros.48
Os Estados Unidos receberam apoio para a abertura de um escritó-
rio comercial no RS, enquanto o Canadá recebeu apoio para a organiza-
ção do evento “Canadá nos Pampas”. Ocorreu a missão governamental
da província- irmã de Manitoba, quando da realização da Expointer, bem
como a inauguração do Espaço Manitoba na Sedai, e a assinatura do
adendo ao Acordo de Fraternidade na área de fomento ao investimento. O
governo do RS apoiou a organização e participou de reuniões institucionais
do Mercosul. A Sedai também integrou, como órgão fundador, o Comitê
ALCA/RS.49 Durante o Governo Britto houve duas viagens governamen-
tais aos Estados Unidos, num total de dez países visitados durante o
período 1995-1998: Argentina, Chile, Uruguai, Espanha, Reino Unido,
Alemanha, Canadá, Japão e Coréia, além dos EUA.50
No final do governo Britto, sua mensagem defendia a política de
atração das montadoras, afirmando, em tom melancólico, pois não havia
conquistado a reeleição, que o Rio Grande do Sul não poderia ficar de fora

48
MENSAGEM à Assembléia Legislativa – Governador Antônio Britto. 1999, p. 181-182.
49
Ibid. p. 181.
50
NUNES, Carmen. A paradiplomacia no Brasil: o caso do Rio Grande do Sul. Dissertação de
Mestrado em Relações Internacionais/ UFRGS, 2005, p. 105.
Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007 429
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
do novo ciclo de investimentos no Brasil iniciado após o Plano Real, pois
seria desastroso para a economia:

“(...) não é possível que se pudesse deixar passar uma oportunidade


irresgatável de diversificar setorialmente as indústrias, de renovar-
lhe o perfil institucional pela entrada de grandes empresas e, assim,
de elevar a estrutura industrial gaúcha a um novo patamar, condição
indispensável para a renovação geral da economia estadual e único
caminho disponível para o aumento sustentado dos postos de traba-
lho. Esta é a razão que levou o governo Estadual a conceber e
implementar uma ativa e agressiva política de atração de investimen-
tos que colocou o Estado no centro da chamada guerra fiscal.” 51 “(...)
o Governo Antônio Britto não faltou as sua obrigações e ousou na
decisão de usar os recursos de privatização na atração das maiores
empresas automobilísticas do mundo, a Ford e a General Motors. O
que é simplesmente dizer que o governo decidiu trocar patrimônio por
desenvolvimento. 52

Na mensagem do governador à Assembléia, em 1999, o governo


Britto fez um balanço de sua gestão. No anexo 2, denominado “atração de
investimentos”, foram elencados os setores priorizados para investimento
no RS, com base nos incentivos fiscais. Entre eles estavam setores, como
automotivo, moveleiro, celulose, papel, recursos minerais, alta tecnologia
e agroindústria, bem como a terceira geração petroquímica. Nos cinco
itens que tem esse anexo, a GM é mencionada em quatro. A reorientação
deste modelo de inserção internacional e a atração de investimentos tor-
nou-se um dos grandes pontos de conflito no governo Olívio Dutra.

Olívio Dutra (1999-2002): reorientação e


críticas à globalização neoliberal

Olívio Dutra venceu, no segundo turno, com quase 51% dos votos
válidos, uma das disputas eleitorais mais acirradas no Estado gaúcho
após a redemocratização, derrotando o então governador Antônio Britto,
que tentava a reeleição. Com um discurso centrado na crítica ao neolibe-
ralismo e na concentração de recursos, propunha uma nova estratégia de
desenvolvimento do Estado, baseada na desconcentração, no apoio às
pequenas e médias empresas, no desenvolvimento de sistemas locais de
produção, visando ao modelo “espraiado” de desenvolvimento. Nesse

51
MENSAGEM à Assembléia Legislativa – Governador Antônio Britto. 1999, p. 25.
52
Ibid, p. 26
430 Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
contexto, a desistência da Ford, no início de 1999, em instalar uma
montadora no RS, estimulada por incentivos fiscais oferecidos pelo go-
verno da Bahia, provocou o acirramento do debate sobre o modelo de
desenvolvimento do Estado.
O governo Olívio Dutra procurou desenvolver uma política inter-
nacional distinta das desempenhadas anteriormente. Considerava o
modelo do Governo Britto, de concentração na atração de investimentos,
como conservadora e submissa da política internacional, que privilegia-
va a transferência de renda pública para grandes setores econômicos
transnacionais. Em seu discurso, afirmava a importância da concretização
de relações internacionais, considerando primordialmente a defesa de
um projeto de desenvolvimento autônomo, com características emanci-
padoras e democratizadoras, colaborando com um novo papel do Brasil
no cenário internacional. Nesse sentido, o governo Olívio exerceu tam-
bém forte ativismo internacional, envolvendo-se em debates politizados
sobre a dívida externa, a ALCA, o disciplinamento da circulação interna-
cional do capital e até sobre as guerras no Oriente Médio. A estratégia
buscada pelo governo Olívio Dutra era o estabelecimento de relações po-
líticas preferenciais com governos e partidos anti-neoliberais, partici-
pando dos debates internacionais sobre modelos de gestão, democracia e
alternativas de desenvolvimento. Conforme a mensagem do Governa-
dor,

“Nosso governo debateu as políticas neoliberais e os projetos que


poderiam contrariar os interesses do povo brasileiro e latino-america-
no, como é a proposta da ALCA. Para isso, foi fundamental o apoio à
realização do Fórum Social Mundial, que busca formular propostas
para a efetiva construção de um outro mundo. Nosso governo aprofundou
sua inserção internacional de maneira ativa e soberana no sistema
mundial, tendo como balizador nosso projeto de desenvolvimento. Se
é verdade que as principais questões internacionais dependem de
definições que pertencem a área da União, também é fato de que
nosso estado deveria estabelecer relações com outras regiões do
mundo na área da cultura, do comércio e de apoio às exportações, na
construção de intercâmbios científicos e tecnológicos e na captação
de recursos para a execução de políticas sociais e investimentos no
setor produtivo.’ 53

Em 1999, foi criado o Gabinete do Mercosul, buscando acompanhar


a evolução do Mercosul e articular políticas do Governo para esse bloco
econômico. Uma das primeiras ações do Gabinete do Mercosul foi a im-
plantação do Conselho de Coordenação das Ações do Estado, com vistas

53
MENSAGEM à Assembléia Legislativa – Governador Olívio Dutra. 2003. P. 16.
Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007 431
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
ao Mercosul, objetivando a integração dos órgãos do Estado no estabele-
cimento de políticas do RS para o Mercosul. O Conselho reuniu 95 repre-
sentantes de diversos órgãos do Estado. Entre outras ações do Gabinete,
em 1999, citam-se o projeto de integração do RS com a Bolívia, através do
interesse na instalação, pela iniciativa privada, da Casa do Rio Grande
em La Paz; o anúncio da instalação de um Consulado da Bolívia no Esta-
do; o fomento às atividades comerciais. Ele também se propôs a colabora-
ção, através do programa Unimerco, com a integração do governo do
Estado com instituições de ensino superior, visando estabelecer convêni-
os com universidades sediadas no âmbito do Mercosul.54 O Gabinete do
Mercosul foi, entretanto, 2000, e suas atribuições foram integradas à Sedai.
As iniciativas de apoio ao Mercosul, entretanto, prosseguiram. Em
2000, ocorreram missões governamentais à Argentina e ao Uruguai. Em
setembro de 2001, foi lançada, em Porto Alegre, a criação do
Mercoprovíncias (Fórum dos Governadores do Mercosul), em uma reu-
nião com aproximadamente trinta governadores de estados, províncias e
departamentos dos quatro países do Mercosul, além de Chile e Venezuela.
O evento contou com a presença e a anuência do Ministério das Relações
Exteriores do Brasil e do presidente do Comitê de Regiões da União Euro-
péia, Jos Chabert. A proposta, que de certa forma está inscrita nos acor-
dos que formalizaram a criação do Mercosul, havia sido apresentada pelo
governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, em abril de 2001, em
Buenos Aires, durante reunião de governadores patrocinada pela embai-
xada brasileira. A iniciativa, que surgia como uma das propostas para
fomentar a recuperação do Mercosul, foi apoiada pelo Itamaraty, que a
considerou importante instrumento para a proposta de criação de uma
Área de Comércio sul-americana. Conforme Carmem Nunes, no governo
Olívio, os negócios permaneceram como a principal motivação da área
internacional. Entretanto, não tinham mais como foco principal a atração
de investimentos produtivos estrangeiros, mas a inserção da economia
gaúcha na economia globalizada.55
Nesse período, foram organizadas três missões à Europa. A primei-
ra, realizada em junho de 2001, buscou aumentar o intercâmbio de co-
nhecimento entre o Estado e algumas regiões da Europa. Foram visitadas
regiões da França, Itália, Portugal e Espanha. Na segunda, ocorrida nos
meses de novembro de dezembro de 2001, foram visitadas Itália, Bélgica
e França. Em agosto de 2002, ocorreu uma visita governamental à Alema-
nha. Essas missões, com a participação do governador, tiveram como
pauta a cooperação técnica em relação a diversos setores, sobretudo na

54
MENSAGEM à Assembléia Legislativa – Governador Olívio Dutra. 2002, P. 101.
55
NUNES, Carmem. A paradiplomacia no Brasil. Op. Cit., 134.
432 Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
área de desenvolvimento local de cadeias agroindustriais; busca de fi-
nanciamento para diversos projetos; apresentação do Programa RS In-
clusão Social para o Parlamento Europeu.56
Em relação à Ásia, foi mantido o convênio de fraternidade com a
Província de Shiga-Japão, através de intensas relações, como envio de
técnicos e estagiários nas áreas de drenagem urbana e gestão ambiental
nas empresas japonesas e em informática, de tecnologia industrial, cerâ-
mica e reciclagem de plástico, náilon e isopores, sobretudo no ano de
2001. Foram também recebidos técnicos de Shiga, em missão composta
por especialistas nas áreas de promoção de pequenas e médias empresas,
gerenciamento de resíduos sólidos e estruturação da rede de laboratórios
de saúde pública , bem como na área de Cerâmica, de meio-ambiente
(reciclagem de resíduos sólidos), tecnologia industrial (projeto zeólitas –
purificador do meio ambiente a partir das cinzas do carvão) e limnologia
(cultivo de algas para alimentação de larvas de peixe, visando ao
repovoamento de lagoas). Os acordos de Fraternidade como Manitoba/
Canadá e Valparaíso/Chile, até esse momento não haviam sido
operacionalizados, sob o argumento de que os termos acordados ou iam
de encontro ao programa de governo ou não representavam interesses
estratégicos imediatos.
A missão governamental, parlamentar e empresarial do Rio Gran-
de do Sul à República Popular da China saiu do Rio Grande do Sul ,em 30
de novembro de 2001, e retornou, em 13 de dezembro. Esta missão foi
acompanhada por seis jornalistas e teve entre seus integrantes, além de
assessores, o Governador do Estado, os Secretários de Estado da Agricul-
tura e Abastecimento e do Desenvolvimento e Assuntos Internacionais, o
Presidente da Assembléia Legislativa e dois deputados, o Vice-Presiden-
te da FIERGS e oito empresários, representantes de vários segmentos in-
dustriais gaúchos (petroquímico-plástico coureiro-calçadista,
agroalimentar, máquinas e implementos agrícolas, autopeças, sucos e vi-
nhos e moveleiro). A Missão Gaúcha à China, que visitou Beijing, Shanghai
e Hubei/Wuhan e Hong Kong, tinha como objetivos o intercâmbio
tecnológico e a intenção de visualizar o processo de alteração da política
comercial chinesa e identificar oportunidades de negócios comerciais e
investimentos. Para isso, a missão apresentou o Estado do RS como uma
região estrategicamente localizada em relação ao Mercosul e como uma
das maiores economias do Brasil.
O governo Olívio também promoveu uma série de “Encontros de
Embaixadores”, com o objetivo de ampliar o comércio internacional do
Rio Grande do Sul, fornecendo às empresas gaúchas espaço de relação
com diferentes países e blocos econômicos, através de rodadas de negó-

56
MENSAGEM à Assembléia Legislativa – Governador Olívio Dutra. 2003, p. 94-95.
Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007 433
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cios com as representações comerciais destes países. Em 1999, ocorreram
os “Encontros de Embaixadores” da América Central e Caribe e União
Européia. Em 2000, foi a vez do “Encontro de Embaixadores” da Ásia e, em
2001, da ALADI.
Entre as ações internacionais mais importantes do governo gaú-
cho, se encontra o co-patrocínio do Fórum Social Mundial, cuja primeira
edição ocorreu no final de janeiro de 2001, em Porto Alegre. Proposto pelo
influente jornal francês Le Monde Diplomatique e por diversas ONGs, sur-
giu como um contraponto ao Fórum Econômico Mundial. Sob o lema “um
outro mundo é possível”, o Fórum social mundial aglutinou movimentos
internacionais de esquerda de vários matizes, governos e municipalidades
e, inclusive, contou com observadores de Agências da ONU, como a Orga-
nização Internacional do Trabalho (OIT), com o objetivo de organizar
propostas para corrigir os efeitos da globalização. A segunda edição do
Fórum Social Mundial (FSM), realizada também em Porto Alegre, em fins
de janeiro e início de fevereiro de 2002, superou em mais de três vezes a
primeira, tanto em termos de público (60 mil visitantes) como de ativida-
des (700 oficinas e seminários). Centenas de jornalistas de diversas naci-
onalidades cobriram o evento, que destacou o Rio Grande do Sul na im-
prensa internacional. A terceira edição ocorreu também em Porto Alegre,
em janeiro de 2003, no primeiro mês do governo Germano Rigotto.
O governo Olívio procurou manter um forte ativismo no plano
internacional, tanto do ponto de vista da buscar de inserção da economia
gaúcha no cenário globalizado como também da participação em discus-
sões sobre o reordenamento do sistema mundial. Através da realização
de duas edições do Fórum Social Mundial e da incisão sobre temas de
variadas naturezas - abrangendo relações econômicas multilaterais, in-
tercâmbio científico, tecnológico e cultural, cooperação econômica, pro-
moção de políticas públicas e ações de solidariedade - o Governo Olívio
procurava ensaiar o que seria uma futura política externa no plano fede-
ral, quando o Partido dos Trabalhadores conquistasse a Presidência da
República. O projeto de abertura de escritório comercial e cultural do RS
na China, a presença institucional nos debates da Alca (inclusive com a
participação na Cúpula dos Chefes de Estado em Québec, em março de
2001), os gestos de solidariedade ao povo palestino, as iniciativas pela
paz no mundo oferecidas à ONU, e o lançamento do Fórum de Governa-
dores do Mercosul são exemplos demonstrativos desta experiência.

434 Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007


Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
Considerações Finais

A partir da segunda metade dos anos 1980, foi ocorrendo um “des-


pertar internacionalista” do Rio Grande do Sul, através da percepção dos
agentes do Estado da importância da variável internacional. O misto de
receio e euforia sobre o Mercosul, a crise nas exportações de calçados, a
forte dependência externa (crises internacionais) e a guerra fiscal para
atração de investimentos estrangeiros foram alguns dos elementos cen-
trais neste processo. Na década de 1990, o aumento da vulnerabilidade
externa do país e os riscos e possibilidades da globalização causou ainda
maior interesse em questões internacionais e provocou uma série de ini-
ciativas regionais. Crescentemente, os governos gaúchos foram conferin-
do maior importância à atuação internacional, com uma intensa agenda
e, sobretudo, articulando suas estratégias de desenvolvimento com as
relações internacionais.
A crise da economia gaúcha – em especial dos setores dependentes
das exportações, como o calçadista – colocou em relevo o debate sobre a
internacionalização da economia e a competitividade entre os blocos eco-
nômicos. Riscos e oportunidades da liberalização econômica entraram na
pauta política, em especial os acordos com o Mercosul, a negociação da
ALCA e a parceria comercial com a China. Setores agrícolas no Estado (soja,
carne, trigo, arroz, entre outros) também sentiram os efeitos da globalização/
integração e procuraram apoio do governo a suas demandas.
Desde o governo Jair Soares, se tem a percepção da vulnerabilidade
externa para a economia gaúcha. Foi, porém, a partir do governo Simon
que os assuntos internacionais adquiriram papel estratégico, com a cria-
ção (pioneira do país) da Secretaria de Assuntos Internacionais, em 1987,
com a especial função de acompanhar e colaborar para a inserção do Rio
Grande do Sul no processo de negociações para a formação do Mercosul.
Durante os governos Simon e Collares, verifica-se uma fase de estratégia
defensiva em relação ao Mercosul e à integração, preocupada com os efei-
tos da abertura dos mercados mas que, gradativamente passará para
uma estratégia mais propositiva e ofensiva. Durante os governos Britto e
Olívio, o debate foi ampliado para os efeitos da globalização. Entretanto,
enquanto o governo Britto adota uma postura positiva em relação ao
neoliberalismo e à globalização, procurando uma estratégia integrativa,
no governo Olívio Dutra, a estratégia estava baseada em minimizar os
efeitos negativos da globalização. No governo Olívio, foi ampliada a per-
cepção política dos assuntos internacionais, procurando carrear exter-
namente apoio ao projeto político de desenvolvimento regional. Isso se
explica não somente pelo programa de governo e pela ideologia do parti-
do, mas também pela dramática percepção da sociedade das conseqüên-
cias da globalização e dos processos de integração regional.

Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007 435


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As principais diretrizes de inserção internacional do Estado, no
período, podem ser dividas em três vertentes: integração latino-america-
na; relação com investidores internacionais públicos e privados para atra-
ção de investimentos; cooperação bilateral com regiões e organizações
internacionais. As sucessivas administrações tiveram como eixo de atu-
ação as agências internacionais de cooperação, com interesse em financi-
amentos, investimentos e em cooperação tecnológica. A cooperação bila-
teral, no período, procurou receber do exterior tecnologia, conhecimento
e recursos para diversos programas, setores e regiões do Estado. Como
ele era basicamente “receptor de tecnologia”, a estratégia foi buscar rela-
ções com países mais desenvolvidos, com algum destaque para os que
tinham vínculos com as nacionalidades que migraram para o Estado.
Nesse sentido, foram procuradas parcerias com o Japão, Alemanha e Itá-
lia. Chama a atenção, entretanto, o baixo nível de relacionamento com os
Estados Unidos, um dos principais destinos das exportações gaúchas.
Dessa forma, se a prioridade inicialmente foi o Mercosul e a região
fronteiriça, observa-se que os sucessivos governos gaúchos procuraram
crescentemente outros espaços de relacionamento internacional.
Nenhum dos governos estudados executou uma política internaci-
onal essencialmente incoerente com a política externa brasileira desen-
volvida pelo Itamaraty. O que ocorria era a tentativa de defesa de interes-
ses regionais em relação às políticas do governo federal, assim como a
tentativa de defesa de interesses políticos dos governos e a adesão a de-
terminado modelo de desenvolvimento, que incorporava os interesses
dos grupos sociais e econômicos hegemônicos.
Dessa forma, ocorreu, durante a década de 1980 e 1990, a crescente
ampliação das relações internacionais do Rio Grande do Sul. Elas, entre-
tanto, constituíram um conjunto desarticulado, descontínuo e desinte-
grado de ações e projetos (inclusive num mesmo governo), com dificulda-
de inclusive de acompanhar sua efetividade e sua operacionalidade. Uma
das explicações possíveis é que a política internacional dos governos ar-
ticula-se com os projetos de desenvolvimento e com as lutas existentes
para defini-lo. Como o Rio Grande do Sul tem experimentado, nas últi-
mas duas décadas, incisivas reorientações no modelo de desenvolvimen-
to, as relações internacionais do Rio Grande do Sul também são continu-
amente alteradas. A polarização política e a tentativa de “refundação” do
Estado, por cada governo que assume o Piratini, são reflexos dessa situa-
ção. Contudo, a nova lógica internacional, marcada pela ascensão das
localidades, exigirá dos governos estaduais estratégias específicas e bem
definidas de inserção internacional.

Recebido em maio de 2007.


Aprovado em maio de 2007.

436 Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007


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Title: The “international awakening”: Rio Grande do Sul’s development and international
Relations (1983-2002)

Abstract:
This article has as its goal to analyze government’s international relations of Rio Grande
do Sul in the decades of 1980 and 1990. Since the end of the eighties, there has been an
“international awakening of “Rio Grande do Sul, through the perception of the state agents
about the importance of the international variable. The mix of fear and euphoria about
Mercosur, the shoes export crisis, the strong external dependence and the fiscal war,
which seeks foreign investments, were some of the main elements in this process. This
conjuncture has caused a major interest in international questions and has provoked a
series of regional initiatives, including the constitution of a foreign affairs secretary.

Keywords: International Relations. Paradiplomacy. Rio Grande do Sul. Subnational units.

Fontes de pesquisa
Correio do Povo – 1982-2002
Zero Hora – 1982- 2002
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438 Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.410-438, jan./jun. 2007


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