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Chapeuzinho Vermelho

A história de Chapeuzinho Vermelho tem finais diferentes nas versões


de Perrault e dos Grimm.

Perrault não pretendia usar os contos apenas como forma de


entretenimento, e sim usá-los como uma forma de passar lições de cunho moral, por
isso nos seus contos existia sempre ao final, frases de sua autoria onde explicitava a
“mensagem” da história.

Na sua versão de Chapeuzinho Vermelho, a história termina quando a


menina chega à casa da avó e após tirar a roupa e deitar-se na cama com o lobo, é
devorada por ele.

Por isso, nas suas considerações finais, escreveu que menininhas


bonitinhas não deveriam falar e dar ouvidos a qualquer estranho, pois poderiam acabar
sendo devoradas por um lobo astuto.

Um outro ponto a ser considerado nessa versão é que o lobo, após


chegar à casa da avó e devorá-la, não veste suas roupas. Deita-se a cama como lobo
mesmo, sem disfarce. Esse é um dos motivos pelo qual Bettelheim (2000, p.205)
considerou a versão de Perrault não muito apropriada. Segundo ele, essa versão perde
muito de seu atrativo pois o lobo fica muito claramente sendo apenas uma metáfora e
não um animal, por isso pouco resta à imaginação do ouvinte. Essa forma que ele usou
para simplificar a história junto com a moral que apregoa, faz com que o conto perca
muito de seu significado. O valor do conto de fadas para a criança é destruído se
alguém detalha os significados (BETTELHEIM, 2000, p.205). Além disso, um conto de
fadas só será realmente importante e significativo se a criança tiver a oportunidade de
descobrir espontaneamente e por ela mesma os significados ocultos. Esta descoberta
transforma algo recebido em algo que ela cria parcialmente para si mesma
(BETTELHEIM, 2000, p.206).
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As versões dos Irmãos Grimm ( que foram duas) são mais apropriadas
às necessidades da criança. Na história de Chapeuzinho Vermelho o tema é a ameaça
de ser devorada. Esse tema está presente em muitos contos de fadas, mas mesmo
tendo um tema em comum, cada conto desempenha um papel, pois depende do
contexto onde ocorre a história.

A história de Chapeuzinho Vermelho aborda questões referentes às


ligações edípicas, (que uma menina em idade escolar ainda não conseguiu resolver),
bem como o dilema comum a todos os seres humanos, entre o princípio da realidade e
o princípio do prazer.

Chapeuzinho Vermelho, de forma simbólica projeta a menina nos perigos do


conflito edípico durante a puberdade, e depois salva-a deles, para que ela
possa amadurecer livre de conflitos. (BETTELHEIM, 2000, p.208)

Nessa história, as figuras femininas são quase insignificantes, pois


tanto a mãe quanto a avó nada podem fazer pela menina. Ao contrário, o macho
desempenha um papel fundamental na história. Aparece em duas facetas distintas: o
sedutor perigoso e o do caçador, que sugere a figura paterna responsável, forte e
salvadora.

É como se Chapeuzinho tentasse entender a natureza contraditória do homem


vivenciando todos os aspectos da personalidade dele: as tendências egoístas,
associais, violentas e potencialmente destrutivas do id (lobo); e as propensões
altruístas, sociais, reflexivas e protetoras do ego (caçador). (BETTELHEIM,
2000, p. 208)

Além da identificação que ocorre com a figura de Chapeuzinho


Vermelho, o lobo também exerce fascínio. Se não houvesse algo em nós que aprecia o
lobo mau, ele não teria poder sobre nós (BETTELHEIM, 2000, p.209). Isso acontece
porque a figura do lobo não representa apenas um caráter sedutor, simbolicamente
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representa também todas nossas tendências animalescas e não aceitas socialmente,


tendências ligadas ao id.

Segundo Bettelheim (2000, p.210) outro ponto de grande importância


na história é o próprio título. O vermelho é uma cor que representa emoções fortes e de
conotação sexual. Além disso, ainda no título, fica claro que se trata de uma menina
pequena, e portanto, incapaz de lidar emocionalmente com sua sexualidade, pois não
está suficientemente madura para isso. Quando alguém não preparado ainda, precisa
lidar com o sexo, é comum que regrida aos conflitos edípicos, justamente por não se
sentir segura para isso. Por isso, a forma como Chapeuzinho Vermelho dá as dicas ao
lobo de onde é a casa de sua avó, facilita as coisas para que ela seja destruída. A avó
nesse caso representa a própria mãe e aparecem aí desejos inconscientes de vencê-la.

Esta luta entre o desejo consciente de fazer as coisas corretamente e o anseio


inconsciente de vencer a mãe (avó) é o que nos faz amar a menina e a estória
torna-se supremamente humana. Quando crianças, muitos de nós tínhamos
ambivalências internas que, apesar de nossos esforços, não podíamos controlar
(BETTELHEIM, 2000, p.210).

Na versão de Perrault, há uma forte conotação sexual. Já com os


Grimm, não ocorre isso, portanto, acontece como deve ser para a criança: as
implicações sexuais ficam apenas a níveis pré-conscientes. Conscientemente, o tema
central da história é a desobediência da menina.

A figura paterna aparece de forma velada na historia de Chapeuzinho.


Ele está presente em dois simbolismos totalmente opostos: o lobo (externalização dos
perigos de sentimentos edípicos reprimidos) e o caçador (função resgatadora e
protetora).

Após ser salva pelo caçador, e a menina que decide o que fazer para
acabar com o lobo (enchendo sua barriga de pedras). Se o caçador tivesse matado o
lobo, talvez se perdesse aí uma mensagem importante do conto. Isso porque, ao livrar-
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se do lobo, Chapeuzinho simbolicamente está vencendo uma fraqueza, estará se


libertando por si só.

Um outro tema presente nessa história e em quase todos os outros


contos é o renascimento. Na verdade, Chapeuzinho Vermelho não morre, mas sim
ressurge para uma nova vida, de forma melhor. Essa é uma mensagem de extrema
importância, pois todos os seres humanos (não só crianças) precisam acreditar na
superação de dificuldades e no seu próprio aprimoramento, acreditar na possibilidade
de uma forma de existência mais plena, acreditar nas suas próprias capacidades.

Muitos adultos hoje em dia tendem a tomar literalmente o que e dito nos contos
de fadas, quando estes deveriam ser encarados como relatos simbólicos de
experiências de vida cruciais. A criança o compreende intuitivamente, embora
não o saiba explicitamente (BETTELHEIM, 2000, p.215).

Assim, a história de Chapeuzinho Vermelho trata de questões de


extrema importância para a criança, paixões humanas, voracidade oral, agressão e
desejos sexuais pubertais (BETTELHEIM, 2000, p.218). A narrativa leva-nos a perceber
(ainda que a nível pré consciente ou mesmo inconsciente) que as pessoas mudam,
amadurecem, transformam-se interiormente a partir de suas experiências, inclusive das
adversidades. Pois assim aconteceu com Chapeuzinho, a menina aprendeu a lição a
partir das experiências que viveu, mostrando o valor da autodireção interna, ou seja, ela
mesma tirou suas conclusões e aprendeu com os acontecimentos, renascendo de
forma mais completa.

Branca de Neve

A fase dos complexos edípicos é uma das mais importantes no


desenvolvimento humano. Assim sendo, não poderiam deixar de serem retratados nos
contos de fadas, aparecendo em grande número deles.

O complexo de Édipo pode ser definido como


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Uma constelação emocional especifica dentro da família – de um tipo que pode


causar impedimentos sérios para o crescimento e amadurecimento bem
integrado da pessoa, enquanto, por outro lado, é fonte potencial do mais rico
desenvolvimento da personalidade (BETTELHEIM, 2000, p. 234).

Aqui, assim como em Chapeuzinho Vermelho, a morte não significa o


fim da vida, pois Branca de Neve é como que ressuscitada. Nesse caso, a “morte” de
Branca de Neve representa o desejo da madrasta de tirá-la de cena, em virtude dos
conflitos edípicos. Assim também acontece com a criança, ela deseja que o pai do
mesmo sexo (com o qual compete) seja retirado de cena, que deixe seu caminho livre,
para que não precise competir com ele, e não que ele morra realmente.

Ao tratar das questões edípicas, os contos de fadas passam a


mensagem de que tudo isso pode ser superado, levando-nos a uma vida emocional
mais madura, a um fortalecimento da personalidade.

Portanto todas as versões de Branca de Neve (que são várias) tratam


especificamente dos conflitos edípicos. Algumas versões mais antigas do conto traziam
essa questão de forma ainda mais explícita, as versões modernas deixam mais a nível
pré consciente e inconsciente. Podemos observar esse fato ao analisar que a mulher
com quem Branca de Neve “compete” é a sua madrasta e a pessoa de quem ela teme
dividir com Branca de Neve não é citada, assim, os problemas edípicos ficam por conta
da imaginação do ouvinte.

As dificuldades edípicas, sejam declaradas ou sugeridas, e a forma


como o indivíduo soluciona-as são básicas para o desenrolar da sua personalidade e
relações humanas (BETTELHEIM, 2000, p.240).

Os contos de fadas, ao tratarem de forma sutil sobre o assunto,


permite-nos refletir e concluir sobre ele, ainda que de forma inconsciente.
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Na história de Branca de Neve, temos claro o narcisismo da madrasta.


Na realidade, realmente os pais narcisistas são os que se sentem ameaçados quando
os filhos começam a crescer, pois isso significa envelhecimento. A história adverte
também para as conseqüências desagradáveis do narcisismo.

No curso normal dos acontecimentos, as relações dos pais entre si não


são ameaçadas pelo amor que um deles, ou ambos, dediquem a criança. A menos que
as relações conjugais sejam ruins, ou um dos pais seja muito narcisista, os ciúmes pela
criança a quem um dos pais favorece é pequeno e bem controlado pelo outro pai
(BETTELHEIM, 2000, p.243).

A criança na fase edípica sente ciúmes de seus pais, da relação que


mantém e até mesmo de seus privilégios como adultos. No entanto, esse sentimento é
muito ameaçador para ela, sentindo dificuldade em lidar com isso. Sendo assim, é
muito mais fácil e tranqüilo projetar esses sentimentos em, por exemplo um
personagem, como a madrasta. Também é comum que o sentimento existente seja
projetado no adulto, ou seja, a criança acredita que a mãe ( no caso da menina) sente
muito ciúme dela e tenta boicotar sua presença junto ao pai.

Esse comportamento se repete também na adolescência, onde é


comum que o adolescente tente “competir” com seus pais. Os pais, por sua vez (se
forem narcisistas ou não terem vivido suficientemente de forma plena a sua
adolescência) também competem com os filhos, querendo parecer tão jovens ou
atraentes quanto eles. É exatamente essa problemática que ocorre em “A Branca de
Neve”. Também devemos considerar que durante esses conflitos, a criança quer se
livrar do pai do mesmo sexo, mas isso também lhe causa culpa. A solução é projetar
também esse desejo nos pais. Por isso é comum nos contos os pais quererem se livrar
dos filhos.

Assim, como em outros contos, a figura paterna é representada


inconscientemente por uma outra figura masculina. Muitas vezes por um caçador. Isso
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porque antigamente (especialmente na época em que os contos eram muito difundidos)


a caça era uma atividade da aristocracia, portanto, um caçador seria uma figura
importante, pois só assim poderia ser comparado a figura paterna. Além disso, no
inconsciente, o caçador é tido como símbolo de proteção. Num nível mais profundo,
representa aquele que subjuga as tendências animais, associais e violentas no homem
(BETTELHEIM, 2000, p. 245).

Uma mensagem implícita desse conto é a de que não se resolve os


problemas psicológicos com os pais através da fuga, mas sim através do
amadurecimento psicológico. Amadurecimento que só acontece com o tempo
(representado pelo sono de Branca de Neve), que nos fará controlar os impulsos
diversos e sentimentos negativos. Por isso, a bruxa é forcada a dançar com sapatos de
ferro em brasa até morrer, representando aí todos os sentimentos indesejáveis que
temos. Só a morte da rainha ciumenta (a eliminação de toda a turbulência interna e
externa) pode contribuir para um mundo feliz (BETTELHEIM, 2000, p.254)

O despertar de Branca de Neve representa um novo viver, em um novo


estágio psicológico mais avançado, mais maduro, que na verdade é um objetivo comum
a todos os seres humanos.

Os Três Porquinhos

Nesse conto, temos claro o conflito entre o princípio do prazer e o


princípio da realidade. Como já citamos, na criança pequena o princípio do prazer e seu
principal impulso, ela age em função dele. Com o tempo, o princípio da realidade, ou
seja, seu ego, e construído a partir de suas experiências.

As casas construídas pelos três porquinhos (uma choça, uma casa de


madeira e uma de tijolos) são elementos simbólicos que representam a evolução do
homem na história. As ações de cada porquinho representam a evolução da
personalidade de cada indivíduo, sua evolução particular e interna.
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Dois dos porquinhos são fortemente influenciados pelo princípio do


prazer, construindo suas casas de forma rápida para brincarem, ainda que casas
frágeis. Ou seja, estão ainda sendo controlados pelos apelos do id. O porquinho mais
velho já se mostra capaz de abdicar de uma vontade, um prazer, em nome de uma
necessidade. Sendo assim, já tem estruturado o ego, que permite-lhe ser capaz de agir
além do prazer imediato.

A identificação com os porquinhos nos ensina que o desenvolvimento


existe, que há possibilidade de progresso para um estágio mais avançado.

A criança que através da história foi convidada a identificar-se com um de seus


protagonistas, não só recebe esperança, mas também lhe é dito que através do
desenvolvimento de sua inteligência ela pode sair-se vitoriosa mesmo sobre um
oponente mais forte (BETTELHEIM, 2000, p.55).

Nesse conto, o lobo é a projeção e externalização da maldade da


criança, os desejos não sociais, inconscientes e destrutivos que todos precisamos
aprender a controlar, através da força do ego.

Na versão dos Irmãos Grimm, os dois porquinhos mais novos são


devorados pelo lobo. Tal episódio não assusta ou contraria a criança. Isso porque ela,
inconscientemente entende que precisamos superar formas primárias do
desenvolvimento para atingir outras mais elevadas. Esse “ensinamento” acontece de
forma sutil e a nível inconsciente, permitindo ao ouvinte que ele tive suas próprias
conclusões, aplicando-as ao seu próprio desenvolvimento (BETTELHEIM, 2000, p.56).

Portanto, como bem citou Abramovich (2001, p. 120-138) os contos de


fadas vivem até hoje porque falam de medos, falam de amor, da dificuldade de ser
criança, falam de carências, de perdas e buscas. Ou seja, falam diretamente ao íntimo
de todo ser humano. Por isso, mesmo num mundo cheio de brinquedos e maravilhas
tecnológicas, qualquer criança adora sentar-se junto a um adulto e ouvir um conto de
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fadas, pois eles deleitam as crianças com magia, suspense, drama e emoção (CHINEN,
1989, p.16).

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