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Porque se vão embora os nossos alunos?

Desde há alguns anos a esta parte que alunos com motivações muito fortes
para acederem a licenciaturas cujas classificações de entrada são elevadas
e, cumulativamente, possuem condições económicas para o fazerem,
inscrevem-se em instituições de ensino privadas. Este fenómeno acentua-se
fortemente nos meios urbanos vizinhos das grandes cidades, muito à custa
da existência de uma classe social média-alta.

Esta diáspora deve-se a quê? Partem porque essas instituições “garantem”


médias elevadas. Embora se possa questionar algumas estratégias
utilizadas por essas instituições, como o aconselhamento aos alunos com
aproveitamento pouco positivo a abandonar e matricularem-se no ensino
público (inevitavelmente!), a sua maior perversidade tem sido a influência
na galopante inflação das médias finais do secundário. Claro que, havendo
possibilidade económica por parte dos pais para suportar as propinas, os
melhores alunos frequentam essas mesmas instituições garantindo, à
partida, as médias classificativas publicitadas. Depois é uma questão de um
valor ou dois acima! É provável que, um dia destes, se tenha que aumentar
a escala para 21 ou 22, para assim melhor diferenciar os alunos.

E por que razão a escola pública não pode concorrer com essas instituições
de igual para igual?

Serão assim tão diferentes os meios de uns e outros? E serão os meios, por
mais sofisticados que sejam, a justificação essencial para um melhor
ensino?

Será que os professores das escolas privadas fazem parte de alguma elite
de super-professores? Talvez a elite esteja nos alunos… como já vimos.

Apesar de não se poder generalizar a todos os estabelecimentos de ensino


privado, o estatuto sócio-económico dos Encarregados de Educação tem
uma influência não negligenciável no potencial nível das classificações dos
alunos. Como se sabe, as propinas pagas nesses estabelecimentos de
ensino são uma forma de selecção bastante retocada, impedindo o acesso a
alunos cujos agregados familiares não têm uma situação económica
desafogada. Esta situação, não tendo uma repercussão linear no
aproveitamento dos alunos, está normalmente associada a um mais elevado
nível de instrução e cultural dos Encarregados de Educação, por isso
favorecedor de bons hábitos de estudo. Além disso, por pertencerem a
grupos sociais pouco diversificados, gera-se uma maior competitividade
entre os alunos – não fica bem ficar atrás do seu colega!

Um outro factor a salientar é a facilidade da manutenção da disciplina na


sala de aula. Como se sabe, os alunos indisciplinados não são “bem-vindos”
em escolas privadas e, antes que causem “estragos”, são convidados a
serem transferidos para escolas públicas.
Nas escolas públicas o acesso é livre. Entram todos!

Parece evidente que, comparativamente, os pontos de partida das escolas


públicas e privadas são bem diferentes.

Sem querer entrar na polémica hierarquização das escolas segundo os


resultados dos exames nacionais, qualquer aluno com vontade de ingressar
em medicina, por exemplo, equacionará a saída da escola pública para uma
privada, cuja expectativa da tão desejada “média” é garantida.

E o que fazemos nós, professores das escolas públicas? Encolhemos os


ombros diante da demanda e vergamo-nos perante o poder atractivo das
escolas privadas?

O que fazer então?

Vamos continuar a deixar que a sala de estudo tenha tão pouca frequência?

Vamos deixar que sobre as aulas de substituição recaia a dúvida do seu


valor pedagógico?

Vamos continuar a escolher os directores de turma em função da sua


disponibilidade horária ou da pretensão dos docentes?

Não vamos fazer nada para que o nosso ensino seja mais atractivo para os
alunos?

Não vamos reflectir sobre os métodos de avaliação?

Vamos continuar a fazer da média dos testes o principal critério de


avaliação, negligenciando as competências que tanto insistimos serem
importantes para a formação integral dos alunos?

Vamos continuar a preferir um método de avaliação recorrendo somente à


memorização e à verificação dos conceitos memorizados através do teste
escrito? Onde se reflectem as avaliações das competências de investigação
tão solicitadas nos trabalhos propostos pelos professores? Onde se
reflectem as avaliações das competências metacognitivas evidenciadas pela
elaboração de portefólios, por exemplo? …

Parece-me muito redutor utilizar somente um instrumento de avaliação


quando, como peritos em pedagogia, reconhecemos à partida a natureza
altamente complexa das aprendizagens acentuada pela diferença
interpessoal dos alunos.

Quanto a mim, não podemos ter receio que a classificação interna não seja
coincidente com a dos exames nacionais. O prestígio dos professores não
deve ser medido por essa congruência matemática, mas antes no impacto
que tiveram nas competências dos alunos para serem Pessoas. Pessoas
socialmente competentes. Pessoas com competências para serem bons
médicos, engenheiros, artistas, trolhas, carpinteiros, etc…
Mais, achamos que pela sua natureza externa, a responsabilidade das
classificações dos alunos nos exames nacionais não pode ser linearmente
imputada aos professores das disciplinas em causa. Por exemplo, o aluno,
após o término do ano lectivo, pode não se empenhar suficientemente no
estudo para o exame nacional, obtendo, por isso, uma classificação inferior
à classificação interna. O professor é responsável?

A função certificadora dos exames nacionais, na sua modalidade de


instrumento de avaliação sumativa externa no Ensino Secundário, não deve
comprometer, na ânsia da tal referida congruência classificativa,
comprometer as modalidades formativa e formadora da avaliação. Estas
devem, por isso, ser reconhecidas como fundamentais e retomarem o
reconhecido papel regulador do processo ensino/aprendizagem,
comprometendo cumplicemente todos os intervenientes, desde os alunos,
os professores, os encarregados de educação, etc.

Pedro Sá

Pai … e Professor de Educação Física

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